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CAO – Crim Boletim Criminal Comentado n° 090 Procurador-Geral de Justiça Mário Luiz Sarrubbo Coordenador do CAO Criminal Arthur Pinto Lemos Junior Assessores Fernanda Narezi Pimentel Rosa Paulo José de Palma Ricardo José Gasques de Almeida Silvares Rogério Sanches Cunha Valéria Scarance Analista Jurídica Ana Karenina Saura Rodrigues

CAO Crim · (semana nº 1) 3 ESTUDOS DO CAOCRIM 1-Tema: Execução penal provisória no Tribunal do Júri (artigo escrito pelo procurador-geral de Justiça em coautoria com dois PGJs)

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CAO – Crim Boletim Criminal Comentado n° 090

Procurador-Geral de Justiça

Mário Luiz Sarrubbo

Coordenador do CAO Criminal

Arthur Pinto Lemos Junior

Assessores

Fernanda Narezi Pimentel Rosa

Paulo José de Palma

Ricardo José Gasques de Almeida Silvares

Rogério Sanches Cunha

Valéria Scarance

Analista Jurídica

Ana Karenina Saura Rodrigues

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Boletim Criminal Comentado n° 090 - Maio 2020

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SUMÁRIO

SUMÁRIO .................................................................................................................................. 2

ESTUDOS DO CAOCRIM .............................................................................................................. 3

1- Tema: Execução penal provisória no Tribunal do Júri (artigo escrito pelo Procurador-Geral de

Justiça em coautoria com dois PGJs). .................................................................................................... 3

2- Tema: Ações e estratégias adotadas no MPSP em razão do

Covid19 ............................................................................................................................................... 13

3 -Tema: Sentenciados em meio aberto - Recom n.º 62/20 CNJ e Ofício n.º 559 DMF-CNJ ............... 15

4 - Tema: Execução da multa. Esclarecendo as dúvidas mais frequentes da semana. ...................... 15

STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM ................................ 18

DIREITO PROCESSUAL PENAL ................................................................................................... 18

1-Tema: Decisão colegiada que confirma sentença condenatória interrompe prazo da prescrição 18

DIREITO PENAL: ........................................................................................................................ 21

1-Tema: Homicídio culposo na direção de veículo automotor. Perda do controle do carro.

Atropelamento na calçada. Causa especial de aumento de pena. Art. 302, § 1º, II, da Lei n.

9.503/1997 .......................................................................................................................................... 21

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ESTUDOS DO CAOCRIM

1- Tema: Execução penal provisória no Tribunal do Júri (artigo escrito pelo procurador-geral de

Justiça em coautoria com dois PGJs).

EMENTA: 1. Um julgamento histórico no STF. 2. Princípio da proporcionalidade em sentido amplo.

3. A soberania do júri e jurisprudência do STF. 4. Os crimes de homicídio e a facilidade de

concretização de impunidade através da prescrição. 5. A soberania dos veredictos e o princípio

da razoabilidade. 6. Relatividade do princípio da soberania dos vereditos. 7. Uma conclusão

inevitável.

1. UM JULGAMENTO HISTÓRICO NO STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) julga de forma virtual um caso de feminicídio ocorrido em Santa

Catarina que pode mudar o entendimento sobre a prisão de condenados pelo Tribunal do Júri em

todo o País.

Historicamente, sempre houve um grande confronto entre o principio da soberania dos veredictos

e o princípio da não culpabilidade antecipada.

Para os defensores da prevalência do princípio da soberania dos veredictos, é possível a execução

provisória da pena logo após o veredicto do tribunal do júri. Esta tese foi, inclusive, o voto do

relator, o ministro Luis Roberto Barroso. O presidente do STF, Dias Toffoli, o acompanhou.

Para os defensores da prevalência do princípio da não culpabilidade antecipada, somente será

possível executar a pena após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Este foi o voto

do Min. Gilmar Mendes.

O ministro Ricardo Lewandowski pediu vista.

2. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO AMPLO

O princípio da proporcionalidade é operado por meio da verificação, pelo Juiz, de determinado caso

concreto, no qual surja o conflito de dois interesses juridicamente protegidos. Em caso afirmativo,

deverão esses interesses, postos em causa, ser pesados e ponderados. A partir daí estabelecer-se-

ão os limites de atuação das normas, na verificação do interesse predominante. Desse modo, o

magistrado, mediante minuciosa valoração dos interesses, decidirá em que medida deve-se fazer

prevalecer um ou outro interesse, impondo as restrições necessárias ao resguardo de outros bens

jurídicos.

Stinmetz (2001, p. 142-143) elucida que:

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“A colisão de direitos fundamentais e bens constitucionalmente protegidos, na qual a realização

ou otimização de um implica a afetação, a restrição ou até mesmo a não realização do outro, a

inexistência de uma hierarquia abstrata entre direitos em colisão, isto é, a impossibilidade de

construção de uma regra de prevalência definitiva”.

Realmente, com frequência, o julgador depara-se com dilemas em que a solução de um problema

processual implica o sacrifício de um valor conflitante com outro, não obstante ambos tenham

proteção legal. Nesse caso, devemos valorar os princípios em conflito, estabelecendo, em cada

caso, que direito ou prerrogativa deve prevalecer. Na solução do conflito é preciso desvendar o

seguinte paradigma: se quaisquer das soluções afrontarão direitos, qual a solução menos injusta,

ou seja, qual a solução que, dentro das desvantagens, apresentará mais vantagem à solução do

litígio, de modo a dar-se a solução concreta mais justa?

A ponderação é a forma de argumentação jurídica que mais intimamente se encontra associada à

necessidade de comparação entre dois ou mais valores (ou princípios, direitos, bens, interesses,

como se prefira) para o estabelecimento da decisão correta num determinado caso.

Para Robert Alexy, o “caminho do constitucionalismo discursivo, que começa com os direitos

fundamentais e segue com a ponderação, o discurso e a jurisdição constitucional terminará com

uma ilusão, na qual a legitimação de qualquer coisa é possível”.

A ponderação ou balancing, nesse contexto, assume a função de instrumentalizar a racionalidade

no constitucionalismo discursivo em torno da máxima da proporcionalidade.

Sua formulação estrutural é sintetizada pela lei da ponderação, segundo a qual “quanto maior for o

grau de não-satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da

satisfação do outro”.

A lei da ponderação, portanto, é uma estrutura racional concebida para estabelecer a correção, ou

valoração, do juízo jurídico de um discurso, o que significa dizer que a ponderação é uma forma de

argumentação própria do constitucionalismo discursivo, instrumentalizada em torno da máxima da

proporcionalidade.

E ainda que a ponderação não possa ser tida por si mesma como um modelo suscetível de conduzir

o intérprete à melhor decisão em todos os casos, o modelo da ponderação como um todo, ao

associar a lei da colisão à teoria da argumentação jurídica, pode ser aceito como um modelo

discursivo confiável, em cuja essência consiste a busca pela fundamentação racional de enunciados

de precedências condicionadas entre dois ou mais valores, interesses ou princípios colidentes.

Nesse sentido, é certo que os enunciados de precedências condicionadas decorrentes da

ponderação de dois ou mais princípios no caso concreto consubstanciam regras atribuídas aos

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direitos fundamentais as quais, diante de determinadas condições, estabelecem a consequência

jurídica em relação ao princípio prevalente.

No processo de criação e fundamentação de tais enunciados, no entanto, todos os argumentos

possíveis na argumentação constitucional podem ser utilizados. Desse modo, para a

fundamentação de um enunciado de preferência condicionada e, com isso, para a justificação da

regra a que ele corresponde, pode-se recorrer a todos os cânones da interpretação e argumentos

dogmáticos, precedentes, argumentos práticos e empíricos em geral, além de formas específicas de

argumentação jurídica.

É indiscutivelmente aceito pela jurisprudência dessa Suprema Corte o entendimento de que os

direitos fundamentais previstos na Constituição não se revestem de caráter absoluto, estando

sujeitos, portanto, a juízos de ponderação no caso concreto, definidores de relações de precedência

condicionadas entre os demais princípios fundamentais concorrentes.

Nesse sentido, para uma adequada colocação normativa do problema, deve-se desde logo registrar

que culpa e prisão não podem ser consideradas como entidades caracterizadoras do mesmo

mandado normativo perante a Constituição, pois decorre da própria ordem constitucional a

possibilidade de segregação sem declaração inequívoca de culpa, “em flagrante delito ou por

ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente” (art. 5º, LXI, CRFB).

Resulta importante, aqui, a advertência do Ministro Eros Roberto Grau, segundo o qual a

Constituição não pode simplesmente ser lida em tiras, aos pedaços isolados.

O traço materialmente diferenciador entre a sentença do magistrado singular em um julgamento

de crime comum, e aquela decorrente de um crime contra a vida pelo Tribunal do Júri, está

plasmado na expressão “soberania dos vereditos”.

A expressão “soberania” é mencionada no texto constitucional somente em três hipóteses:

1ª) referindo-se à soberania nacional como fundamento da república;

2) à soberania popular exercida por meio do sufrágio universal;

3) e à soberania dos veredictos nos julgamentos dos crimes dolosos contra a vida.

Nessa lógica, ao contrário dos demais crimes comuns, a Carta Magna conferiu ao próprio povo a

prerrogativa de julgar seus pares pelo cometimento de crimes contra a vida, e o fez não apenas na

perspectiva de uma cláusula institucional de soberania, mas também como uma garantia

fundamental do próprio indivíduo contra o Estado, vez que, no julgamento comum de crimes

contra a vida, não é dado a nenhum integrante da Magistratura nacional interferir no mérito dessa

decisão (5º, XXXVIII, alínea “c”, da CRFB).

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O tratamento diferenciado no plano normativo-constitucional corrobora a necessidade de

diferenciação no plano da concordância prática.

Tal revela que a Constituição da República, ao atribuir ao Tribunal do Júri a competência para o

julgamento de crimes dolosos contra a vida e qualificá-los sob a cláusula da “soberania dos

veredictos”, retirou dos tribunais a possibilidade de substituição da decisão proferida pelo Conselho

de Sentença, sendo vedado ao órgão do Poder Judiciário reapreciar os fatos e as provas que

assentaram a responsabilidade penal do réu reconhecida soberanamente pelo Júri.

Não cabendo aos Tribunais a reapreciação dos fatos e provas – ressalvada apenas a hipótese de

decisão manifestamente contrária à prova dos autos -, não há se falar em violação ao princípio da

presunção de inocência ou de não culpabilidade na execução imediata da condenação imposta pelo

Tribunal do Júri.

3. A SOBERANIA DO JÚRI E JURISPRUDÊNCIA DO STF

A questão da prevalência do princípio da soberania do júri na resolução do antagonismo normativo

concreto decorrente da aplicação do princípio da não culpabilidade não é matéria não é estranha à

jurisprudência desse Supremo Tribunal Federal.

Nos autos do HC n. 118.770/SP, de relatoria para acórdão do Eminente Ministro Luís Roberto

Barroso, a Primeira Turma firmou a tese de que: “A prisão de réu condenado por decisão do

Tribunal do Júri, ainda que sujeita a recurso, não viola o princípio constitucional da presunção de

inocência ou não-culpabilidade”.

De acordo com esse julgamento, a “Constituição Federal prevê a competência do Tribunal do Júri

para o julgamento de crimes dolosos contra a vida (art. 5º, inciso XXXVIII, d). Prevê, ademais, a

soberania dos veredictos (art. 5º, inciso XXXVIII, c), a significar que os tribunais não podem

substituir a decisão proferida pelo júri popular”. Diante disso, “não viola o princípio da presunção

de inocência ou da não culpabilidade a execução da condenação pelo Tribunal do Júri,

independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso. Essa decisão está

em consonância com a lógica do precedente firmado em repercussão geral no ARE 964.246-RG, Rel.

Min. TeoriZavascki, já que, também no caso de decisão do Júri, o Tribunal não poderá reapreciar os

fatos e provas, na medida em que a responsabilidade penal do réu já foi assentada soberanamente

pelo Júri. 3. Caso haja fortes indícios de nulidade ou de condenação manifestamente contrária à

prova dos autos, hipóteses incomuns, o Tribunal poderá suspender a execução da decisão até o

julgamento do recurso”.

Além disso, em outro precedente do mesmo órgão julgador decidiu-se favoravelmente à

prevalência do princípio da soberania dos veredictos, ao afirmar-se que a “custódia lastreada em

decisão do Tribunal do Júri, ainda que pendente recurso especial, não viola o princípio

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constitucional da inocência” (Habeas Corpus nº 133528/PA, 1ª Turma do STF, Rel. Marco Aurélio. j.

06.06.2017, maioria, DJe 21.08.2017).

4. OS CRIMES DE HOMICÍDIO E A FACILIDADE DE CONCRETIZAÇÃO DE IMPUNIDADE ATRAVÉS DA

PRESCRIÇÃO

No ano de 2019, em primoroso trabalho coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça, foi

elaborado o “Diagnóstico das Ações Penais de Competência do Tribunal do Júri”.

Esse relatório concluiu que: “o desfecho mais recorrente nos processos de competência do Tribunal

do Júri foi acondenação (47,9% dos casos decididos). Em seguida, vieram as decisões pela extinção

da punibilidade (32,4%) e, em menor proporção, as decisões absolutórias (19,6%)”.

Além disso, na comparação da natureza da decisão final em relação à duração dos processos,

referido estudo demonstrou que “a prescrição ocorreu em 14% dos julgamentos e representa 42%

dos casos de extinção da punibilidade. O tempo médio decorrido entre o início da ação penal e a

decisão pela extinção da punibilidade é de oito anos e seis meses, porém, nas prescrições, a média

sobe para treze anos. Cerca de 64% das decisões que reconhecem a prescrição ocorrem justamente

nos processos mais longevos, com mais de oito anos de tramitação”.

Quando se condiciona o cumprimento da pena definida no veredicto do Conselho de Sentença ao

trânsito em julgado da condenação, facilita-se a famigerada prescrição, além de transmutar-se a

exceção que decorre da mutabilidade fundada na decisão contrária à prova dos autos (que se

verifica em hipóteses muito incomuns e bem delimitadas), em cláusula de barreira da eficácia

normativa do princípio da soberania dos veredictos (firmados normativamente em torno do

pressuposto fático condenatório, segundo o levantamento do CNJ).

5. A SOBERANIA DOS VEREDICTOS E O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE

Atuamos muito tempo no Tribunal do Júri, precisamos muitas injustiças fáticas, mas a pior das

injustiças é a denominada “injustiça hermenêutica”, que pode ser revelada como “o dedo riste e o

riso cínico na cara da justiça”. Como?

Réu assassino confesso de jovens e mulheres, ganha como prêmio um longo procedimento e um

belo dia podem ir a julgamento. Após uma longa batalha de debates, enfim a justiça demonstra seu

veredito: “Condenado”. O alívio é total por parte daqueles que sonhavam com esse momento, as

frases que suspiram no plenário do júri é: “enfim, a justiça foi feita”, mas a alegria logo é arrefecida

quando o juiz ao concluir a sentença diz: “defiro o pedido para que o réu recorra em liberdade”.

Nesse contexto, questiona-se: É razoável? É proporcional que ainda aguarde o réu em liberdade o

desfecho de seus subsequentes artifícios recursais? Quantos julgamentos de feminicídios Brasil

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afora estão em condições mais morosas do que o presente caso? Quantos assassinatos vinculados

ao tráfico de drogas e à guerra entre facções criminosas?

Nesse cenário de conflituosidade normativa, não se pode perder de vista, ainda, o princípio da

razoabilidade, na sua propriedade de conexão e sentido entre o Direito e a Justiça. Oliveira (2003,

p. 92) conceitua o princípio da razoabilidade como:

O razoável é conforme a razão, racionável. Apresenta moderação, lógica, aceitação, sensatez. A

razão enseja conhecer e julgar. Expõe o bom senso, a justiça, o equilíbrio. Promove a explicação,

isto é, a conexão entre um efeito e uma causa. É contraposto ao capricho, à arbitrariedade. Tem a

ver com a prudência, com as virtudes morais, com o senso comum, com valores superiores

propugnado em data comunidade.

O pensamento de Kant buscou uma compreensão ética da natureza humana, conforme descreve

(1785, apud LÔBO, 2009, p.37):

“No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço,

pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente, mas quando uma coisa está acima de

todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade”.

Mas qual seria o verdadeiro “pano de fundo” da superação do princípio da soberania dos

julgamentos do júri ao condicioná-lo ao voluntarismo recursal do acusado?

A hipótese coloca em risco não apenas a efetivação da própria justiça, hoje em fase de total

descrédito pelas constantes efetivações de “injustiça hermenêutica” patrocinada por um

doutrinamento “garantista hiperbólico monocular”, mas, igualmente, enfraquece e esvazia o

sentido do próprio Estado Democrático de Direito, que tem na soberania dos veredictos um de seus

postulados mais evidentes de expressão, ao atribuir ao povo o poder de intervenção direta nos

domínios da Justiça.

Não por outra razão, o princípio da soberania dos veredictos foi introduzido no catálogo dos

direitos fundamentais, basicamente vinculado à defesa da VIDA, bem nuclear que reclamou o

estabelecimento de um degrau de proteção constitucional maior que os demais valores e princípios

constitucionais, porque, na invocação de Kant, o ser humano deve estar no centro do

conhecimento, como um fim em si mesmo, o que faz com que a proteção de sua existência seja

gravada com especial nível de proteção na ordem constitucional.

Usando como alicerce o garantismo integral, o promotor de Justiça Caio Márcio Loureiro destaca

que o modelo ideal de direito penal garantista é o que busca não apenas evitar a hipertrofia da

punição, mas também, com a mesma ênfase, impedir a intervenção insuficiente do Estado na tutela

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do bem jurídico apontado como indispensável para a convivência harmônica do homem em

sociedade (O princípio da plenitude da vida no tribunal do júri: Carlini e Caniato, 2017).

6. RELATIVIDADE DO PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS

O denominado “Pacote Anticrime” (Lei nº 13.964/2019) promoveu alterações no artigo 492 do CPP,

ao instituir a letra “e”, no inciso “I”, do art. 492, bem como dos parágrafos 3o, 4o, 5o e 6o, in verbis:

Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que:

I – no caso de condenação:

(…)

e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os

requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15

(quinze) anos de reclusão,determinará a execução provisória das penas, com expedição do

mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser

interpostos;

(…)

§ 3º O presidente poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas

de que trata a alínea e do inciso I do caput deste artigo, se houver questão substancial cuja

resolução pelo tribunal ao qual competir o julgamento possa plausivelmente levar à revisão da

condenação.

§ 4º A apelação interposta contra decisão condenatória do Tribunal do Júri a uma pena igual ou

superior a 15 (quinze) anos de reclusão não terá efeito suspensivo.

§ 5º Excepcionalmente, poderá o tribunal atribuir efeito suspensivo à apelação de que trata o § 4º

deste artigo, quando verificado cumulativamente que o recurso:

I – não tem propósito meramente protelatório; e

II – levanta questão substancial e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, novo

julgamento ou redução da pena para patamar inferior a 15 (quinze) anos de reclusão.

§ 6º O pedido de concessão de efeito suspensivo poderá ser feito incidentemente na apelação ou

por meio de petição em separado dirigida diretamente ao relator, instruída com cópias da sentença

condenatória, das razões da apelação e de prova da tempestividade, das contrarrazões e das

demais peças necessárias à compreensão da controvérsia.

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Rodrigo Faucz Pereira e Silva no artigo “A execução provisória em condenações no Tribunal do

Júri” defende a inconstitucionalidade do artigo supramencionado argumentado que:

Isto é, não obstante as discussões recentes sobre a antecipação do cumprimento da pena a partir

do segundo grau de jurisdição, cria-se a execução da pena a partir de decisão em primeiro grau de

jurisdição, tendo como justificativa a condenação pelo conselho de sentença a uma pena elevada.

Todavia, ao determinar a prisão do condenado sem o trânsito em julgado de sentença penal, viola-

se o princípio constitucional da presunção de inocência previsto no inciso LVII da Constituição

Federal (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal

condenatória”), bem como o princípio do duplo grau de jurisdição, expresso como garantia judicial

mínima no Pacto de San José da Costa Rica no artigo 8, II, h (“direito de recorrer da sentença para

juiz ou tribunal superior”).

Entendemos a inovação legislativa padece de vício de inconstitucionalidade, não por eventual

ofensa ao princípio da não culpabilidade, mas, sim, porque relativiza o principio da soberania dos

vereditos, ao ampliar a única exceção definida de revisão dos veredictos do Tribunal do Júri (aquela

decorrente de condenação manifestamente contrária à prova dos autos), para afastar a

aplicabilidade imediata da norma constitucional que recomenda pronto cumprimento da pena

privativa de liberdade aplicada. Com isso, verifica-se inconstitucionalidade em pelo menos 3 (três)

das hipóteses de aplicação da norma em questão:

a) Condenados pelo tribunal do júri em pena menor que 15 anos, o juiz mandará o acusado

recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão

preventiva= afronta ao princípio da soberania dos vereditos.

b) Condenados pelo tribunal do júri em uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão,

determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso,

sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos = preserva o princípio da

soberania dos vereditos.

c) O presidente poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas, se

houver questão substancial cuja resolução pelo tribunal ao qual competir o julgamento possa

plausivelmente levar à revisão da condenação = afronta ao princípio da soberania dos vereditos.

d) Excepcionalmente, poderá o tribunal atribuir efeito suspensivo à apelação = afronta ao princípio

da soberania dos vereditos.

Em realidade, só hipótese de manifesta incompatibilidade da condenação com a prova dos autos é

que o princípio da soberania dos vereditos pode ser relativizado, levando-se o acusado a novo

julgamento, o que encontra lógica com a própria concordância prática com a correção dos

julgamentos, numa expressão da própria Justiça.

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A anulação de decisão do tribunal do júri, por manifestamente contrária à prova dos autos, não

viola a regra constitucional que assegura a soberania dos veredictos do júri (CF, art. 5º, XXXVIII, c),

pois, in casu, a soberania dos vereditos é relativizada ante à possibilidade concreta de efetivação de

uma injustiça, que seria a condenação de uma pessoa sem provas contundentes ou erro formal

grave. A relativização do princípio da soberania dos veredictos, na hipótese, encontra razões

materiais no próprio texto constitucional. Fora daí, não há margem para restrições formais no plano

infraconstitucional à aplicabilidade do princípio constitucional da soberania dos veredictos,

condicionando-o à quantidade da pena ou à natureza de “questão substancial” não identificada

com a contrariedade manifesta da prova.

Assim vem decidido reiteradamente o STF:

“O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a submissão do acusado a novo

julgamento popular não contraria a garantia constitucional da soberania dos veredictos”.

Precedentes. Habeas Corpus nº 115977/DF, 1ª Turma do STF, Rel. Marco Aurélio. j. 24.10.2017,

unânime, DJe 22.02.2018. Ag. Reg. no Recurso Extraordinário com Agravo nº 1142744/SP, 1ª Turma

do STF, Rel. Alexandre de Moraes. j. 10.09.2018, unânime, DJe 19.09.2018, AI nº 728.023/RS-AgR,

Segunda Turma, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 28.02.11). Ag. Reg. no Recurso

Extraordinário com Agravo nº 1031372/SP, 2ª Turma do STF, Rel. Dias Toffoli. j. 29.09.2017,

unânime, DJe25.10.2017. Ag. Reg. no Habeas Corpus nº 130690/SP, 1ª Turma do STF, Rel. Roberto

Barroso. j. 11.11.2016, maioria, DJe 24.11.2016).

7. UMA CONCLUSÃO INEVITÁVEL

Assim como a aplicação de uma norma constitucional deve se realizar em conexão com a totalidade

das normas constitucionais em busca de uma concordância prática, não se pode conceber a

existência de um princípio constitucional sem o reconhecimento de um espaço normativo que lhe

confira eficácia jurídica na ordem vigente.

Por essa razão, condicionar a aplicação do princípio da soberania dos veredictos ao trânsito em

julgado da sentença penal condenatória equivale ao próprio esvaziamento do conteúdo nele

impregnado – porque de ínfima interferência na eficácia social -, além da caracterização de patente

violação à proibição de proteção insuficiente dos direitos fundamentais em matéria criminal.

Nesse sentido, vale lembrar a lição do Ministro Gilmar Mendes em relação aos “mandatos

constitucionais de criminalização”, no julgamento do HC 104.410/RS, julgado 06.03.2012, segundo

o qual, “os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso

(Übermassverbote), como também podem ser traduzidoscomo proibições de proteção insuficiente

ou imperativos de tutela (Untermassverbote). Os mandatos constitucionais de criminalização,

portanto, impõem ao legislador, para o seu devido cumprimento, o dever de observância do

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princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção

insuficiente”.

Dentro desse espírito, é fundamental que nossa Suprema Corte, no julgamento histórico que se

desenvolve em plenário virtual, dentro de sua competência constitucional, faça a

devida ponderação entre os princípios da não culpabilidade e da soberania dos veredictos,

conferindo, a este último a sua devida efetividade, à luz da necessária concordância prática com as

demais normas constitucionalmente convergentes na aplicação do caso concreto, reconhecendo-se

a plena constitucionalidade da imediata execução do veredicto condenatório proferido pelo

Tribunal do Júri, por inexistir afronta, na hipótese, ao princípio da presunção de não culpabilidade.

Nos processos dos crimes dolosos contra a vida, mais que a ampla defesa, exigida em todo e

qualquer processo criminal (art. 5º, inc. LV, da CF), vigora a plenitude de defesa. No júri, não apenas

a defesa técnica, relativa aos aspectos jurídicos do fato, pode ser produzida. Mais que isso,

dadas as peculiaridades do processo e o fato de que são leigos os juízes, permite-se a

argumentação não jurídica, com referências a questões sociológicas, religiosas, morais, ou seja,

argumentos que, normalmente, não seriam considerados se o julgamento fosse proferido por um

juiz togado.

Ainda como consequência desse princípio, ressalta Pontes de Miranda (Comentários à Constituição

de 1946, p. 270), inclui-se o fato de os jurados serem tirados de todas as classes sociais para

julgamento de seus pares, o que confere um tom democrático ao julgamento, em que sete pessoas

decidem conforme as nuances da ideia de justiça presente em vários segmentos da sociedade.

A plena oportunidade para que o acusado exerça sua defesa no julgamento é, portanto, outro fator

que se agrega para justificar a execução imediata da pena. A plenitude de defesa é algo que não se

repete nas fases recursais, que, se insista, não revisitam o mérito a não ser em

casos excecionalíssimos. A apelação, que na regra geral é ampla e pode provocar a reanálise de

tudo o que foi objeto do processo na primeira instância, no júri é muito restrita devido ao princípio

da soberania dos veredictos. E os recursos especial e extraordinário, no júri como em qualquer

outra situação, só podem ser interpostos se rigorosamente cumpridos seus diversos requisitos

restritivos.

Consignamos, por fim, um dado histórico que não pode ser ignorado, principalmente num

julgamento emblemático aqui comentado. A doutrina alerta que, em governos ditatoriais, umas das

primeiras atitudes do governante é extinguir a soberania dos veredictos. Essa providência

sintomática serve para ocultar de todos a lembrança viva de que o poder emana do povo. Vivemos

esse cenário sombrio na nossa história recente, mais precisamente em duas oportunidades: em

1937 e em 1969. Na primeira supressão, a garantia foi restaurada apenas no final da década

seguinte. Na segunda, a garantia retornou somente com a redemocratização (1988).

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Boletim Criminal Comentado n° 090 - Maio 2020

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Fernando da Silva Comin

Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina

Francisco Dirceu de Barros

Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público de Pernambuco

Mário Luiz Sarrubbo

Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo

2- Tema: Ações e estratégias adotadas no MPSP em razão do Covid19

Monitoramento da violência doméstica e dos processos envolvendo violência doméstica e

familiar

O Núcleo de Gênero e o CAOCrim elaboraram a Nota Técnica “Raio X da violência doméstica

durante isolamento: Um retrato de São Paulo” (clique aqui). Neste estudo, foram realizados

levantamentos no período de 1 ano antes da pandemia e no período de 1 mês após a pandemia.

Constatou-se o aumento de 29,2% dos processos de medidas protetivas urgentes em um mês,

muito superior ao aumento de 23,5% registrado durante um ano. Em relação às prisões em

flagrante, constatou-se o aumento de 51,4% no primeiro mês de pandemia, sendo que no ano

anterior houve queda de 10% das prisões em flagrante.

Um aspecto positivo do levantamento foi a constatação de que houve apenas 2 (dois) casos de

prisão em flagrante por descumprimento de medida protetiva de urgência, o que revela a

efetividade dessas medidas.

Atuação do Ministério Público na Casa da Mulher Brasileira

Na Capital de São Paulo, a Casa da Mulher Brasileira concentra todos os serviços e atores do

sistema de Justiça. O Ministério Público, representado pela Dra. Juliana Tucunduva, atua no

atendimento a vítimas, presencial e virtual, bem como em pedidos de medidas protetivas de

urgência, que podem ser concedidas para mulheres de todo o país, independentemente de registro

de boletim de ocorrência.

Recomendação Administrativa – violência contra mulher e serviços essenciais

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A Promotoria Central de Enfrentamento à Violência Doméstica (GEVID Central) elaborou

Recomendação Administrativa para assegurar, durante o período de situação de emergência,

medidas em diversos âmbitos.

No âmbito da Assistência Social: informar os profissionais quanto aos riscos de agravamento da

violência, manter o atendimento pelos serviços especializados, orientar profissionais que realizam

abordagem social, manter o funcionamento das Casas de Acolhimento Provisório, garantir a

celeridade do acolhimento institucional sigiloso, viabilizar a distribuição de equipamentos de

proteção.

No âmbito da Política de Saúde: manter o atendimento pelos serviços de atenção à saúde sexual e

reprodutiva, esclarecer profissionais quanto aos riscos de agravamento da violência doméstica,

garantir serviços de saúde mental, adotar medidas de conscientização pública, aprimorar os canais

de disseminação de informações da prefeitura, garantir repasses financeiros para os serviços.

Por fim, recomenda-se que a Municipalidade adote Protocolos de Atendimento às Situações de

Violência de Gênero no espaço doméstico e familiar.

Atuação à distância em processos urgentes

Desde o decreto de calamidade pública em São Paulo, em 21 de março de 2020, as Promotoras e

Promotores de Justiça continuam a atuar à distância em todos os processos urgentes relacionados

à violência doméstica e familiar contra a mulher.

Divulgação e acompanhamento da implementação do Boletim de Ocorrência Eletrônico

Desde março, criou-se em São Paulo a possibilidade de registro de Boletim de Ocorrência Eletrônico

para casos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher. O Ministério Público tem

acompanhado essa implementação e encaminhado sugestões à Secretaria de Segurança Pública de

São Paulo para aperfeiçoamento do sistema.

Recomendação da Corregedoria Geral de Justiça quanto às medidas protetivas urgentes.

A Corregedoria Geral emitiu Recomendação com o seguinte teor:

“RECOMENDA, sem caráter vinculativo e respeitada a independência funcional e observadas as

peculiaridades do caso concreto, que os membros do Ministério Público do Estado de São Paulo

com atribuição para atuar em casos de violência doméstica e familiar, de natureza civil ou criminal,

considerando o potencial risco de violência para mulheres em quarentena, adotem providências

para assegurar a prorrogação das medidas protetivas de urgência concedidas com prazo

determinado, independentemente de requerimento expresso da vítima, tendo-se por parâmetro o

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Formulário Nacional de Avaliação de Risco (Resolução Conjunta nº 5, de 3 de março de 2020 – CNJ

e CNMP)

Recomenda, ainda, que atentem nos referidos procedimentos, que a concessão das medidas

protetivas não está condicionada ao registro da ocorrência ou mesmo à instauração de inquérito

policial”.

3 -Tema: Sentenciados em meio aberto - Recomendação n.º 62/20 CNJ e Ofício n.º 559 DMF-CNJ

O Conselho Nacional de Justiça recomendou aos juízes de execução a suspensão do dever de

apresentação periódica ao juízo das pessoas em liberdade provisória ou suspensão condicional do

processo, além da suspensão temporária do dever de apresentação regular em juízo das pessoas

em cumprimento de pena no regime aberto, prisão domiciliar, livramento condicional e penas

restritivas, pelo prazo de 90 dias, em virtude da situação de pandemia decorrente da propagação

do novo coronavírus (COVID-19) – Recomendação n.º 62, de 17 de março de 2020.

Por meio do Ofício n.º 559 - DMF (0860143) o CNJ sugeriu aos Tribunais avaliarem a possibilidade

de dispensar as atividades presenciais no âmbito das prestações de serviços à comunidade,

decorrentes de condenação a penas restritivas de direitos, celebração de suspensão condicional do

processo ou de acordo de não persecução penal, durante o prazo de 90 dias, ou enquanto perdurar

a situação de emergência de saúde pública.

Contudo, o Corregedor Geral da Justiça do TJSP entendeu que eventual suspensão no cumprimento

de condições de medidas cautelares e outras benesses ou mesmo da própria pena restritiva de

direitos envolve matéria jurisdicional, e determinou a comunicação do ofício-recomendação aos

magistrados com competência criminal, juizado especial criminal e execução criminal para

conhecimento e eventual adoção.

Desse modo, é importante verificar em cada comarca qual foi a deliberação do juízo no tocante à

matéria, pois não raras vezes, sentenciados recorrem ao Ministério Público, por e-mail ou telefone,

a fim de obter informação sobre o cumprimento das condições fixadas nos benefícios referidos

durante o período da pandemia.

4-Tema: Execução da pena de multa. Esclarecendo as dúvidas mais frequentes da semana

Na última semana inúmeros colegas nos informaram que o local da prisão do sentenciado

constante da certidão de sentença expedida no Juízo de Conhecimento não está atualizado.

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Na tentativa de resolver o problema, realizamos contato com a Juíza Assessora da Corregedoria-

Geral da Justiça indagando a possibilidade do Corregedor-Geral expedir norma determinando ao

cartório a realização de consulta no SIVEC antes da expedição da certidão; estamos aguardando

resposta.

Sem prejuízo, sugerimos aos colegas do processo de conhecimento conversarem com os juízes

respectivos sobre essa possibilidade, pois temos notícia de que em algumas comarcas esse diálogo

solucionou a questão e o cartório passou consultar o SIVEC e informar na certidão o local da

custódia atual do sentenciado.

De outro norte, é importante mencionar que o Provimento n.º 04/2020, que alterou as disposições

das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça atinentes à execução da multa, não

disciplinou o modo como o Ministério Público encaminhará a certidão ao Promotor das Execuções,

sendo certo que não há no ESAJ campo próprio para tal encaminhamento.

O §1.º do artigo 479-B nas NSCGJ preconiza apenas que expedida a certidão no processo de

conhecimento o oficial de justiça abrirá vista ao Ministério Público.

Desse modo, o Promotor que atuou no processo de conhecimento deverá salvar a certidão em PDF

e encaminhá-la por e-mail para a Promotoria das Execuções Criminais do domicílio do sentenciado

(se solto, onde declarou residir; se preso, na cidade onde está situado o estabelecimento em que se

encontre custodiado, ainda que a execução da pena privativa de liberdade tramite em juízo diverso,

por ex., sentenciado preso no CDP de São Bernardo do Campo, processo de execução da pena

privativa de liberdade em tramite no DEECRIM da Capital, a certidão de sentença deve ser

encaminhada à PJ das Execuções de São Bernardo do Campo).

Somente nos casos em que o sentenciado está solto não é encontrado no endereço informado nos

autos (ou possui endereço desconhecido, morador de rua, por ex.) é que a certidão deve ser

encaminhada por e-mail para a Promotoria das Execuções Criminais do Juízo da Condenação.

Importante aqui salientar que o Promotor do Conhecimento deve diligenciar junto ao Juízo para

que na certidão de sentença constem as informações imprescindíveis para o ajuizamento da

execução, tais como o valor da multa, a data do trânsito em julgado da condenação, o local da

prisão e o endereço do sentenciado.

Nos termos do Aviso n.º 146/2020-PGJ-CGMP, a execução da multa será feita em ação autônoma,

mediante peticionamento eletrônico inicial de primeiro grau, razão pela qual, não é obrigatório

constar da certidão o número do processo de execução da pena privativa de liberdade do

sentenciado.

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Boletim Criminal Comentado n° 090 - Maio 2020

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Estando sentenciado preso, caso o Promotor das Execuções que recebeu a certidão opte por não

executar a multa imediatamente, precisará diligenciar para obter o número do processo da

execução da pena privativa de liberdade, a fim de peticionar postulando a juntada da certidão nos

autos respectivos.

Na referida petição deverá constar expressamente que o Ministério Público quer apenas que a

certidão permaneça nos autos, para futura execução da multa, quando o sentenciado obtiver o

regime aberto, o livramento condicional ou terminar de cumprir a pena privativa de liberdade.

Fazemos tal observação porque juízes do DEECRIM de Ribeirão Preto costumavam devolver

certidões de sentença que recebiam, invocando o artigo 8.º da Resolução n.º 616/2013, que exclui

da competência das Unidades Regionais do Departamento Estadual de Execuções Criminais a

execução de multa. Daí a necessidade de ficar bem claro na petição a intenção ministerial de

apenas anexar a certidão nos autos para execução futura da multa, em processo autônomo.

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Boletim Criminal Comentado n° 090 - Maio 2020

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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM

DIREITO PROCESSUAL PENAL:

1 -Tema: Decisão colegiada que confirma sentença condenatória interrompe prazo da prescrição

DECISÃO DO STF- Publicado em notícias do STF

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) fixou o entendimento de que o Código Penal não faz

distinção entre acórdão condenatório inicial ou confirmatório da decisão para fins de interrupção

da prescrição. Por isso, o acórdão (decisão colegiada do Tribunal) que confirma a sentença

condenatória, por revelar pleno exercício da jurisdição penal, interrompe o prazo prescricional, nos

termos do artigo 117, inciso IV, do Código Penal. A decisão, por maioria, foi tomada no julgamento

do Habeas Corpus (HC 176473), de relatoria do ministro Alexandre de Moraes.

Devido processo legal

De acordo com o artigo 117 do Código Penal – que, segundo o relator, deve ser interpretado de

forma sistemática –, todas as causas interruptivas da prescrição demonstram, em cada inciso, que o

Estado não está inerte. Assim, a decisão da pronúncia, em que o réu é submetido ao tribunal do júri

(inciso II), a decisão confirmatória da pronúncia (inciso III) e “a publicação da sentença ou acórdão

condenatórios recorríveis” (inciso IV) interrompem a prescrição.

"A ideia de prescrição está vinculada à inércia estatal, e o que existe na confirmação da

condenação, muito pelo contrário, é a atuação do Tribunal”, afirmou o ministro Alexandre de

Moraes. “Consequentemente, se o Estado não está inerte, há necessidade de se interromper a

prescrição para o cumprimento do devido processo legal".

Caso concreto

O habeas corpus no qual a tese foi fixada foi impetrado pela Defensoria Pública da União (DPU) em

favor de um homem condenado em Roraima pela prática do crime de tráfico transnacional de

drogas à pena de 1 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão, em regime aberto, substituída por

restritivas de direitos. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) manteve a íntegra da

sentença, e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o argumento da Defensoria de prescrição

da pretensão punitiva.

Segundo a DPU, na época dos fatos (17/4/2015), o réu tinha 20 anos e, por isso, o prazo de

prescrição deveria ser reduzido à metade. Como a sentença condenatória foi proferida em

13/4/2016, tendo em conta a pena em concreto e o lapso de dois anos a contar do último marco

interruptivo (publicação da sentença), a prescrição da pretensão punitiva teria se dado em

13/4/2018. Para a Defensoria, o TRF-1 apenas chancelou a sentença condenatória e, portanto, o

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acórdão não poderia interromper a prescrição. Essa tese foi reiterada no HC impetrado no

Supremo.

Divergência

Entre outros argumentos, a DPU sustentou ainda que há divergência de entendimento entre a

Primeira Turma e a Segunda Turma do STF. Por isso, pediu que a questão fosse submetida ao

Plenário.

Tendo em vista a complexidade e importância da matéria, o ministro Alexandre de Moraes então

reconsiderou a decisão monocrática pela qual havia indeferido o HC, para que o tema fosse

discutido pelo Plenário na sessão virtual realizada entre 17 e 24/4.

Tese

A tese fixada no julgamento foi a seguinte: "Nos termos do inciso IV do artigo 117 do Código Penal,

o acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da

sentença de 1º grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta".

Ficaram vencidos os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello.

Leia a íntegra do voto do ministro Alexandre de Moraes.

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

O art. 117, inciso IV, do Código Penal foi modificado pela Lei nº 11.596/07 para anunciar que, além

da sentença condenatória, também o acórdão condenatório interrompe o curso da prescrição.

Antes, tão somente a sentença condenatória recorrível era causa de interrupção.

De acordo com a nova redação legal, além da inclusão do acórdão como causa interruptiva

estabeleceu-se que a interrupção ocorre pela publicação da decisão, não pelo julgamento.

“Publicação” não deve ser confundida com divulgação na imprensa oficial, sendo compreendida

nos termos do artigo 389 do Código de Processo Penal. Desse modo, considera-se publicada a

sentença quando o escrivão procede à juntada desta aos autos – na sentença ou acórdão

proferidos na própria audiência ou sessão, a publicação ocorre neste ato.

Com a edição da lei, duas orientações passaram a debater qual espécie de acórdão condenatório

recorrível teria efeito interruptivo. Há quem sustente que a alteração, alinhando-se a decisões

judicias recorrentes, contempla somente os acórdãos condenatórios em ações penais originárias e

os reformatórios da absolvição em primeira instância. Por isso, tendo havido condenação em

primeira instância, o acórdão que simplesmente a confirme, negando provimento ao recurso da

defesa, ou que somente majore a pena, não interrompe o prazo prescricional. Aqueles adeptos

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desta orientação se alicerçam no fato de que a lei lança mão da partícula “ou” entre as expressões

“publicação de sentença” e “acórdão condenatório”; logo, exclui-se a possibilidade de que ambos

irradiem efeitos interruptivos do prazo fatal.

Outra orientação sustenta que a interrupção do prazo prescricional se dá inclusive pelo acórdão

que se limita a confirmar a condenação de primeira instância, diminuir ou a aumentar a pena,

segundo, aliás, deixou claro o relatório do projeto da lei que viria a alterar o Código Penal:

“O texto atual do Código Penal se refere à sentença condenatória recorrível. O Projeto passa a fixar

a data da publicação, não deixando margem a dúvidas quanto ao momento da sentença, que será o

da publicação, e não o de sua prolação. Também o Projeto inclui, nesse inciso, a publicação do

acórdão condenatório recorrível, contemplando a hipótese de confirmação de condenação de

primeira instância em grau recursal”.

Esta é a orientação adotada pelo STF.

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DIREITO PENAL:

1- Tema: Homicídio culposo na direção de veículo automotor. Perda do controle do carro.

Atropelamento na calçada. Causa especial de aumento de pena. Art. 302, § 1º, II, da Lei n.

9.503/1997.

INFORMATIVO 668 STJ- QUINTA TURMA

A causa de aumento prevista no art. 302, § 1°, II, do Código de Trânsito Brasileiro não exige que o

agente esteja trafegando na calçada, sendo suficiente que o ilícito ocorra nesse local.

No presente caso, o recorrente transitava pela via pública e, ao efetuar manobra, perdeu o controle

do veículo subindo na calçada e atropelando as vítimas.

Alegou-se que a causa de aumento de pena deve estar dirigida aos casos em que o motorista sabe

que, transitando pela calçada, deve ter maior atenção aos pedestres, e se não aplicando àqueles

em que, ao perder o controle do veículo na rua, termina por atingir pedestre na calçada por mero

infortúnio, cuja previsibilidade não era possível antever.

Ocorre que, sobre o tema, a doutrina leciona que "o aumento previsto no art. 302, parágrafo único,

II, do Código de Trânsito Brasileiro será aplicado tanto quando o agente estiver conduzindo o seu

veículo pela via pública e perder o controle do veículo automotor, vindo a adentrar na calçada e

atingir a vítima, como quando estiver saindo de uma garagem ou efetuando qualquer manobra e,

em razão de sua desatenção, acabar por colher o pedestre".

Nesse contexto, a norma não exige que o agente esteja trafegando na calçada, sendo suficiente que

o ilícito ocorra nesse local, o que reveste a conduta de maior reprovabilidade, pois vem atingir o

pedestre em lugar presumidamente seguro.

PROCESSO: AgRg nos EDcl no REsp 1.499.912-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por

unanimidade, julgado em 05/03/2020, DJe 23/03/2020

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

O homicídio culposo na direção de veículo automotor é tipificado no art. 302 do Código de Trânsito.

O caput trata da forma básica e o § 1º elenca quatro majorantes, dentre as quais se insere a prática

do crime na calçada. Como calçada se entende, nos termos do anexo I do CTB, a “parte da via,

normalmente segregada e em nível diferente, não destinada à circulação de veículos, reservada ao

trânsito de pedestres e, quando possível, à implantação de mobiliário urbano, sinalização,

vegetação e outros fins”.

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Boletim Criminal Comentado n° 090 - Maio 2020

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O motivo que justifica a exasperação da pena do crime praticado sobre a calçada (ou mesmo sobre

a faixa de pedestres) é a preocupação do Código de Trânsito com os transeuntes, conforme

observou Geraldo de Faria Lemos Pinheiro, membro da comissão que elaborou a Lei 9.503/97, ao

consignar que “os pedestres não foram esquecidos e terão maior proteção, especialmente quando

estiverem nas faixas a eles destinadas na via pública. É considerada infração gravíssima deixar de

reduzir a velocidade do veículo de forma compatível com a segurança onde haja intensa

movimentação de pedestres (art. 220, XIV), e também é gravíssima a infração quando o condutor

deixar de dar preferência de passagem a pedestre que se encontre na faixa a ele destinada, que

não tenha concluído a travessia, mesmo que ocorra sinal verde para o veículo (art. 214, I e II). Tem

preferência o pedestre quando houver iniciado a travessia, mesmo que não haja sinalização a ele

destinada (art. 214, IV), ou que esteja atravessando a via transversal para onde se dirige o veículo

(art. 214, V)” (Enfim, o código: lei n. 9503, de 23.09.1997. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n. 60, p. 14-

15, nov. 1997).

A incidência da majorante no crime cometido sobre a calçada não pressupõe que o motorista esteja

de fato trafegando sobre ela; basta que, por qualquer razão, o veículo se projete sobre a calçada e

atinja o pedestre. De fato, o texto do art. 302, § 1º, inc. II não traz nenhum requisito a respeito do

tráfego do veículo, limitando-se a punir mais gravemente o crime praticado sobre a calçada. Neste

sentido, decidiu o STJ:

“No presente caso, o recorrente transitava pela via pública e, ao efetuar manobra, perdeu o

controle do veículo subindo na calçada e atropelando as vítimas.

Alegou-se que a causa de aumento de pena deve estar dirigida aos casos em que o motorista sabe

que, transitando pela calçada, deve ter maior atenção aos pedestres, e se não aplicando àqueles

em que, ao perder o controle do veículo na rua, termina por atingir pedestre na calçada por mero

infortúnio, cuja previsibilidade não era possível antever.

Ocorre que, sobre o tema, a doutrina leciona que “o aumento previsto no art. 302, parágrafo único,

II, do Código de Trânsito Brasileiro será aplicado tanto quando o agente estiver conduzindo o seu

veículo pela via pública e perder o controle do veículo automotor, vindo a adentrar na calçada e

atingir a vítima, como quando estiver saindo de uma garagem ou efetuando qualquer manobra e,

em razão de sua desatenção, acabar por colher o pedestre”.

Nesse contexto, a norma não exige que o agente esteja trafegando na calçada, sendo suficiente que

o ilícito ocorra nesse local, o que reveste a conduta de maior reprovabilidade, pois vem atingir o

pedestre em lugar presumidamente seguro” (AgRg nos EDcl no REsp 1.499.912/SP, j. 5/3/2020).