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Probidade Legalidade Moralidade de Eficiência Economicidade Honestidade Transparência Impessoalidade Defesa do Patrimônio Coleção Suporte Técnico-Jurídico Estado de Santa Catarina MINISTÉRIO PÚBLICO 2

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Probidade

Legalidade Moralidade

de Eficiência Economicidade

Honestidade Transparência

Impessoalidade

Defesa do Patrimônio

Coleção Suporte Técnico-Jurídico

Estado de Santa CatarinaMINISTÉRIO PÚBLICO

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Coleção Suporte Técnico-Jurídico

A Coleção Suporte Técnico-Jurídico tem a supervisão da Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos, com apoio da Procuradoria-Geral de Justiça, e contempla publicações visando a subsidiar a atuação das Procuradorias e Promotorias de Justiça.

Outros livros da coleção:

Guia do Saneamento Básico – Perguntas e respostasContato:Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente(48) 3229.9216 | [email protected]

Manual do Promotor de Justiça da Infância e da JuventudeContato:Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude(48) 3229.9155 | [email protected]

Coletânea de Pesquisas da Moralidade Administra-tiva – vol. 1Contato:Centro de Apoio Operacional da Moralidade Administrativa(48) 3229.9206 | [email protected]

www.mp.sc.gov.br | www.youtube.com.br/ministeriopublicosc

COLETÂNEA DE PESQUISAS DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA

Segundo volume da obra “Coletânea de Pesquisas da Moralidade Administrativa”, que buscar dar continui-dade ao conhecimento das mais variadas situações envol-vendo a atuação dos membros do Ministério Público do Estado de Santa Catarina, na área da moralidade adminis-trativa, e à contribuição para o aperfeiçoamento das ações destinadas à proteção do patrimônio público.

O livro foi elaborado pelo Centro de Apoio Operacional da Moralidade Administrativa, estrutura da Instituição que oferece suporte à atuação de seus membros. Organizado por índice remissivo, transcreve as pesquisas elaboradas como subsídio às Promotorias de Justiça, oferecendo uma análise técnico-jurídica sobre os temas que, atualmente, mais demandam a atenção da Instituição, na sua missão de proteger bens e recursos que pertencem a toda a socie-dade.

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Elaboração

Centro de Apoio Operacional da Moralidade Administrativa, sob a Coordenação-Geral do Pro-motor de Justiça Fabrício José Cavalcanti, com supervisão da Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos e apoio da Procuradoria-Geral de Justiça. As pesquisas que compõem a presente obra também contaram com a participa-ção da Procuradora de Justiça Gladys Afonso e do Promotor de Justiça Benhur Poti Betiolo.

Centro de Apoio Operacional da Moralidade Administrativa - CMA

Coordenador-GeralPromotor de Justiça Ricardo Paladino

Equipe TécnicaAssessor Jurídico: Eduardo Varella VieceliAnalista do Ministério Público: Diego Christiano Allet MatteTécnico do Ministério Público: Daniel Rosa CorreiaTécnico do Ministério Público: Luciano MaurícioEstagiária de Direito: Izaura Maria Krüger da SilvaBolsista de 2° grau: Dayany Nascimento

ContatoRua Bocaiúva, 1.750, 2° andar, sala 202Centro – Florianópolis - SCTelefone: (48) 3229.9206Fax: (48) 3229.9230E-mail: [email protected]

Equipe do CMA em maio de 2009

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ColeçãoSuporte Técnico-Jurídico

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ElaboraçãoCentro de Apoio Operacional da Moralidade Administrativa do Ministério Público do Estado de Santa Catarina, sob a Coordenação-Geral do Promotor de Justiça Fabrício José Cavalcanti, com supervisão da Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos e apoio da Procuradoria-Geral de Justiça. As pesquisas que compõem a presente obra também contaram com a participação da Procuradora de Justiça Gladys Afonso e do Promotor de Justiça Benhur Poti Betiolo.

Projeto gráfico e editoraçãoCoordenadoria de Comunicação Social(48) 3229.9011 | [email protected]

CapaBruno Coelho Probst

Revisão gramaticalLucia Anilda Miguel

ImpressãoGráfica LisegraffMai. 2009

Tiragem1.000 exemplares

Catalogação na publicação por: Clarice Martins Quint CRB 14/384

Santa Catarina. Ministério Público. Centro de Apoio Operacional da Moralidade Administrativa. S222 Coletânea de pesquisas da moralidade administrativa / Coordenação-Geral de Fabrício José Cavalcanti. – Florianópolis : Procuradoria-Geral de Justiça, 2009. 376 p. - (Suporte Técnico-Jurídico ; 2)

1. Moralidade Administrativa. I. Cavalcanti, Fabrício José. II. Título. CDD : 341.336

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Sumário

Acordo

- Ação de execução de TAC. Litisconsórcio passivo ........................................321

Advogado

- Criação do órgão no Município. Advocacia pública ....................................308- Dativo. Exercício de munus publicum e não de função pública ................155- Procurador Municipal. Defesa de servidores em ACP por ato de improbidade .........................................................................................................160- Procurador Municipal. Prova prática .............................................................122

Aposentadoria

- Pelo RGPS. Servidor municipal. Extinção do vínculo com a Adminis-tração .....................................................................................................................146 Bens públicos

- Compra de imóvel. Sede da Câmara de vereadores ....................................229

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- Desafetação de praça. Permuta com particular ...............................................19- E-mail. Utilização de e-mail da Administração Pública ..............................335- Edificação de parte de imóvel particular sobre rua pública ........................257 Bolsista

- Contratação – Pagamento de bolsa com verba do FRBL .............................241

Busca e apreensão

- Provas. Medida cautelar com caráter satisfativo ............................................70

Cargo comissionado

- Gratificação por dedicação exclusiva. Incompatibilidade ............................108- Vereador. Cargo demissível ad nutum .............................................................32

Competência

- Agente político. Lei n. 8.429/92, aplicação. Reclamação n. 2.138/DF, do STF ..........................................................................................................................356

Concurso público

- Critério de desempate .......................................................................................237- Procurador do Município. Prova prática ......................................................122

Contratação temporária

- Contratação de professores ACTs pelo Município. Critério de Seleção ....186- Período pré-eleitoral ..........................................................................................301- Período pré-eleitoral. Serviços essenciais .......................................................316

Cumulação

- Cargo de fiscal municipal com o exercício da atividade privada de Engenheiro civil .........................................................................................................................366

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Coletânea de Pesquisas - �

Desvio de função

-Orientadora escolar. Exercício da função de professora .................................90

Emprego público

- Em comissão. Criação. Necessidade de lei .........................................................8

Hospital

-Contratação pelo Município. Servidor público no quadro societário .........150

Improbidade

- Advogado dativo – cobrança de honorários da parte ..................................155- Agente político. Lei n. 8.429/92, aplicação. Reclamação n. 2.138/DF, do STF ....................................................................................................................... 356- Contratação em período pré-eleitoral .............................................................301- E-mail. Utilização de e-mail da Administração Pública ..............................335- Procurador Municipal – Defesa de servidores em ACP ..............................160- Sucessão. Responsabilidade dos herdeiros do agente ímprobo ...................60

Licitações

- Inexigibilidade. Contratação de Hospital. Servidor no quadro societário ...150- Período pré-eleitoral – dispensa ......................................................................251- Saúde. Gestão. Pregão .......................................................................................176

Medida cautelar

- Busca e apreensão. Provas. Caráter satisfativo ...............................................70

Multa

- Aplicada pelo TCE x aplicada em ação de improbidade .............................116

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Nepotismo

- Função Gratificada de nível superior. Servidor ocupante de cargo de nível médio .....................................................................................................................166- União estável ......................................................................................................262

Orçamento

- Abertura de créditos orçamentários adicionais ...............................................84

Período Pré-eleitoral

- Contratação. Improbidade ...............................................................................301- Licitação frusta. Dispensa. Repasse de recursos estaduais ..........................251 - Realização de TAC. Contratação temporária ................................................316

Processo seletivo

- PACS. Entrevista. Critério de pontuação .......................................................266- Processo seletivo para PSF. Entrevista ............................................................78- PSF, PACS e Cargos efetivos. Incompatibilidades ........................................198

Procuradoria municipal

- Criação do orgão no Município. Advocacia pública ....................................308- Procurador Municipal – Defesa de servidores em ACP ..............................160

Professor

- Aposentadoria pelo RGPS. Extinção do vínculo ...........................................146 - Contratação de professores ACTs pelo Município. Critério de Seleção ....186- Desvio de função. Orientadora escolar .............................................................90

Provas

- Busca e apreensão. Medida cautelar com caráter satisfativo ........................70

Regime jurídico

- Celetista. Medida cautelar deferida na ADI n. 2.135/DF, do STF ..............138

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- Emenda n. 19/1998. Medida cautelar deferida na ADI n. 2.135/DF, do STF. Regime jurídico único ............................................................................................96- PSF, PACS e Cargos efetivos. Incompatibilidades ........................................198

Responsabilidade fiscal

- Termo de amortização de dívida. Comunicação à União. Omissão ..........341

Ressarcimento ao Erário

- Sucessão. Responsabilidade dos herdeiros do agente ímprobo ...................60

Servidores públicos

- Celetista. Medida cautelar deferida na ADI n. 2.135/DF, do STF ..............138- Emenda n. 19/1998. Medida cautelar deferida na ADI n. 2.135/DF, do STF. Regime jurídico único ............................................................................................96- Pelo RGPS. Servidor municipal . Extinção do vínculo com a Administração ......................................................................................................146

Sigilo fiscal e bancário

- Quebra. Procedimentos necessários ............................................................ 42

Vencimentos e Subsídios

- Diárias. Natureza indenizatória ................................................................ 103- Gratificação por dedicação exclusiva. Natureza da vantagem pecu-niária ................................................................................................................ 108

Vereadores

- Cargo Comissionado. Cargo demissível ad nutum. ................................. 32- Compra de imóvel. Sede da Câmara de vereadores .............................. 229

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PESQuiSA - CmA n. 46/2008Data: 14 de fevereiro de 2008

Sociedade de economia Mista – Car-go/Emprego comissionado – Neces-sidade de lei para criação.

CONTEÚDO:

A previsão de exceção, para intervenção do Estado na atividade eco-nômica, vem disposta no art. 173 da CRFB, a qual dispõe que:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segu-rança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que ex-plorem atividade econômica de produção ou comercialização

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de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Reda-ção dada pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998) I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; (Incluído pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998)II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (Incluído pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998)III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alie-nações, observados os princípios da Administração Pública; (Incluído pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998)IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; (Incluído pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998)V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsa-bilidade dos administradores.(Incluído pela Emenda Cons-titucional n. 19, de 1998)§ 2º - As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. [...]

Uma das formas pela qual poderá dar-se tal intervenção é por meio da constituição de um sociedade de economia mista, a qual teve seu conceito legal definido pela Lei de Reforma Administrativo, o Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967, que no inciso III do seu art. 5°, assim a definiu:

Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se: [...] III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta. (Redação dada pelo Decreto-Lei n. 900, de 1969)

Tal conceito, apesar de tratar-se de norma federal que se limita a esta-belecer regras para a organização da Administração Pública Federal, é aceito pela doutrina como definidor das características da sociedade de economia mista, tendo em vista que a forma de organização por sociedade anônima, é hoje imposição legal prevista pelo art. 235 da Lei n. 6.404/76, que, obrigato-riamente, também deverá ser observada pelo ente da esfera estadual e muni-cipal. Inclusive, sobre tal obrigatoriedade, a Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro observa que

No entanto, hoje a organização da sociedade de economia

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mista sob a forma de sociedade anônima é imposição que consta de lei do âmbito nacional, a saber, a Lei das Sociedades por Ações, que tem um capitulo dedicado e essas entidades (arts. 235 a 241); embora não contenha conceito, o art. 235 determina que “as sociedades de economia mista estão sujeitas a esta lei, sem prejuízo das disposições especiais de lei federal”. De modo que Estados e Municípios não têm liberdade de adotar outra forma de organização, já que não dispõem de competência para legislar sobre Direito Civil e Comercial”.1

Todavia, não obstante a adoção de uma personalidade jurídica de direito privado, com as ressalvas que mais adiante veremos, não se deve esquecer que a motivação para a criação de uma sociedade de economia mista devesse sempre originar em um “imperativo de segurança nacional” ou em “relevante interesse coletivo”, conforme dispõe o caput do art. 173 da CRFB. Portanto, o interesse público sempre exercerá papel prioritário sobre tais entidades, nunca podendo ser relegado ou não-observado nos atos e nas decisões afetas àquela.

Sobre tal tema, com muita propriedade, Celso Antônio Bandeira de Mello leciona que:

1. Sociedades de economia mista, tanto como empresas públicas ou outras formas personalizadas que o Estado concebe, são meros instrumentos de sua ação. Para realizar atividades que lhe dizem respeito, o Poder Público engendra, no plano legislativo, distintos modelos operacionais, ou seja, fórmulas subjetivas diversas, para implementar objetivos que assumiu no interesse da coletividade. Assim, optará pela instituição pessoa de direito público, como as autarquias (por vezes criadas segundo o esquema de fundação pública), ora optará pela instituição de pessoas jurídicas de direito privado, como ocorre no caso de empresas públicas e sociedades de economias mista.Em quaisquer destas hipóteses, contudo, é evidente que as entidades a que deu vida não passam de sujeitos auxiliares seus. As finalidades em cujo o nome foram instituídas as diretrizes a que devem se ajustar e os controles para aferir seu procedimento são, evidentemente, públicos. Nem poderia ser de outra forma. Por isso, todas elas são categorizadas, quer doutrinária, quer normativamente, como entidades da “Administração indireta” (art. 4° do Dec.-lei federal 200, de 25.2.67, modificado pelo Dec.-lei 900, de 29.9.69, com altera-ções posteriores); ou seja: “Administração Pública indireta”, como é óbvio – e não administração privada indireta.2. As criaturas em apreço são, pois, figuras pelas quais se realiza Administração Pública, vale dizer administração de

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interesses que pertencem a toda a Sociedade e que, de con-seguinte, têm que ser conhecidos e controlados por todos os membros do corpo social, através dos mecanismos que a sociedade, constitucionalmente e ou legalmente, institui como pertinentes à fiscalização e correção dos negócios públicos.2

Tais características colocam as sociedades de economia mista dentro da classificação, legal e doutrinária, de Administração Pública Indireta, su-bordinando-as a vários mecanismos de controle previstos para a própria da Administração Pública Direta, a exemplo do disposto no inciso II do art. 71 da CRFB, os quais devem prevalecer sobre as normas de Direito Privado, submetendo-se assim as sociedades de economia mista a um regime jurídico híbrido, conforme observa Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

No entanto, tais pessoas nunca se sujeitam inteiramente ao direito privado. O seu regime jurídico é hibrido, porque, sob muitos aspectos, elas se submetem ao direito público, tendo em vista especialmente a necessidade de fazer pre-valecer a vontade do ente estatal, que as criou para atingir determinado fim de interesse público.Sendo o interesse público indisponível e sempre predomi-nante sobre o particular, a adoção pura e simples de regime jurídico privado seria inaceitável, porque retiraria das enti-dades da Administração Indireta determinadas prerrogativas que lhes são reconhecidas precisamente para permitir a consecução de seus fins.3

Assim dentro desse sistema híbrido está alocada a figura do emprego público, ao qual se aplica, por regra geral, o regime da CLT, devendo-se, no entanto, observar-se algumas normas impostas pela Constituição, conforme observa a doutrinadora já acima citada:

Os da segunda categoria (empregados públicos) são contra-tados sob o regime da legislação trabalhista, que é aplicável com as alterações decorrentes da Constituição Federal; não podem Estados e Municípios derrogar outras normas da legislação trabalhista, já que não têm competência para legislar sobre Direito de Trabalho, reservada privativamente à União (art. 22, I, da Constituição). Embora sujeitos a CLT, submetem-se a todas as normas constitucionais referentes a requisitos para investidura, acumulação de cargos, venci-mentos, entre outras previstas no Capítulo VII, do Título III, da Constituição.4

Como se vê, está a sociedade de economia mista, independentemente de esta ser prestadora de serviço público ou exploradora de atividade econômica, está subordinada à maior parte das regras do art. 37, conforme bem observa Odete Medauar, ao consignar que “A Todas as entidade da Administração

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indireta, da União, Estados, Distrito Federal e Municípios arrolados no caput do art. 37 (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência) e todos os preceitos contidos nos incs. I a XXII do mesmo art.”.5

Portanto, constata-se que a sociedade de economia mista esta subordi-nada à regra geral do concurso público para acesso aos empregos públicos de seu quadro de pessoal, a teor do que dispõe o inciso II do art. 37 da CRFB, sendo majoritário reconhecimento pela doutrina a exigência de tal requisito, a exemplo do entendimento de Odete Medauar6, Celso Antônio Bandeira de Mello7, Lúcia Valle Figueiredo8, ou, ainda, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a qual consigna:

No entanto, a própria constituição, no capítulo concernente à Administração Público (art. 37), derroga parcialmente a legislação trabalhista, ao dispor normas que se aplicam a todos os servidores da Administração Pública Direta ou Indireta, merecendo realce: a exigência de concurso Público para ingresso; proibição de acumulação de cargos, empregos e funções (com as exceções previstas na própria Constituição)9

Sobre o tema, reafirmando o entendimento doutrinário acima exposto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Segurança n° 21.322-1, do Distrito Federal, assim se manifestou, verbis;

CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS. ADMINISTRA-ÇÃO PÚBLICA DIRETA INDIRETA E FUNDACIO-NAL. ACESSIBILIDADE.A acessibilidade aos cargos públicos a todos os brasileiros, nos termos da lei e mediante concurso público é princípio constitucional explicito, desde 1934, art. 168.Embora cronicamente sofismado, mercê de expedientes destinados a iludir a regra, não só foi reafirmado pela consti-tuição, como ampliado, para alcançar os empregos públicos, art. 37, I e II.Pela vigente ordem constitucional, em regra, o acesso aos empregos públicos opera-se mediante concurso público.As autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista estão sujeitas à regra, que envolve a administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.Sociedade de economia mista destinada a explorar atividade econômica está igualmente sujeita a esse princípio, que não colide com o expresso no art. 173, § 1º.Exceções ao princípio, se existem, estão na própria Cons-tituição.

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Sendo o que consta no referido Acórdão, extrai-se do voto do Exce-lentíssimo Ex-Ministro Paulo Brossard, que atuou como relator, a seguinte lição, in verbis:

A Constituição é clara ao exigir o concurso público para os empregos públicos da Administração Pública indireta. Assim, parece-me que a questão se circunscreve ao alcance que se der a expressão “administração indireta”. Este parece ser o ponto fundamental da questão em exame.O conceito legal de administração indireta é dado pelo Decreto-lei 200, de 25.2.67, que, no seu art. 4º, nele inclui as autarquias, empresas públicas e sociedade de economia mista. Não obstante as objeções que se façam a esse conceito, o certo é, como conclui MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, que o sentido dado pelo legislador, nesse disposi-tivo, à administração indireta:significa o conjunto de pessoas jurídicas, de direito público ou privado, criadas por lei, para o desempenho de atividades assumidas pelo Estado, como serviços públicos ou a título de intervenção no domínio econômico. (Concurso Público na Administração Pública Indireta, RDP n° 93, p. 129/132)Este conceito, que dá sentido amplo a expressão “atividade econômica” constante constante do art. 5º, abarca tanto as empresas estatais de natureza pública, voltada para o serviço público, comercial ou industrial, quanto a de natureza privada exercida a título de intervenção na domínio econômico. Não tendo a Constituição definido o que se deve entender por “administração indireta”, é de se concluir que este con-ceito, que já havia sido incorporado tanto pela doutrina como pela jurisprudência, serviu de base ao constituinte. Vou além, creio que o conceito legal do art. 4º e 5º, esta recepcionada pela nova ordem constitucional.[...].

Outrossim, cabe ainda destacar, a despeito de teses já ultrapassadas pela doutrina e jurisprudência, que o disposto no art. 173 da CRFB em nada altera a incidência da obrigatoriedade do concurso público para acesso aos empregos do quadro de pessoal das sociedades de economia mista. Nesse sentido, há de se transcrever fragmento do brilhante parecer redigido pela Procuradora do Estado da Bahia, à época, Joselita Cardoso Leão, e publicado na Revista de Direito Público de n. 97, no qual ela observou:

Reportando-nos aos anais da Assembleia Nacional Cons-tituinte, constatamos que o Relator-Geral, no parecer que acompanhou o projeto B, ao justificar tal sistematização, deixou bastante evidenciado que, a despeito do regime jurí-dico a que estão submetidos os empregados das paraestatais exploradoras de atividade econômica por força do art. 173,

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§ 1°, o legislador constituinte, atento, muito embora, a essa circunstância, quis, de fato, estender ao pessoal daquelas entidades os princípios e normas contidas na seção I sobre Disposições Gerais art. 37. Apenas as regras elencadas na seção II são restritas aos servidores da Administração direta, das autarquias e das fundações. Daí a divisão da matéria.Diz textualmente o Relator: “Promovi substancial redis-tribuição dos dispositivos aprovados em primeiro turmo para compatibilizar seus mandamentos com os princípios constantes do título “Ordem Econômica” (art. 179, § 1º), que submete as entidades estatais, no tocante a obrigações trabalhistas, ao regime fixado para as empresas privadas e, assim, obstar desvirtuamento da mens legislatoris em interpretações futuras. Com esse intuito reuni na seção I, “Disposições Gerais”, os preceitos que dizem respeito aos diversos segmentos da Administração Pública e aos servido-res em geral, independente do seu regime jurídico. Na seção II agrupei os dispositivos aplicáveis apenas aos servidores civis da Administração direta, autárquica e fundacional.Não fosse a clareza meridiana desse importante depoimen-to, caberia perguntar: Por que o legislador constituinte não incluiu na seção II as regras do incs. I a XV se todas elas se referem a servidores públicos? A única explicação lógica é de que ali está compreendida, também, uma categoria de servidores públicos que não se confunde com os servidores públicos civis a que a seção II especificamente se refere. E a qual seria essa categoria de servidores diversa da dos servi-dores civis? Evidentemente só poderia ser a dos empregados das empresas públicas e das sociedade de economia mista (Administração indireta) pois, se a teor do art. 39 (seção II) servidores públicos civis são agentes da Administração direta, das autarquias e das fundações, se considerarmos o caput, do art. 37, só ficariam de fora desse universo os servidores das empresas e sociedades de economia mista.Assim, as “Disposições Gerais” da seção I foram dirigidas in-distintamente aos servidores públicos de todos os segmentos da Administração (categoria genérica que compreende, inclu-sive, os empregados das entidades paraestatais), [...]”.10

Mais adiante a mesma parecerista completa:Por outro lado, se toda a normatividade imposta pela CF/88 a Administração Pública direta, indireta ou fundacional tem por objetivo o controle da atuação estatal e a limitação dos gastos públicos com vistas à preservação dos interesses da coletividade que são, por essência, indisponíveis, não há como excluir de sua incidência as empresas públicas e as sociedade

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de economia mista exploradoras da atividade econômica, por isso que, tanto as prestadoras de serviço público, são elas criadas pela Estado – portanto, para satisfazer interesse e cumprir fins do estado – constituídas com recursos do erário e não raro subvencionadas pelo Poder Público.De resto, não parece razoável a concepção de que o legislador constituinte de 1988, atuando como atuou sob o influxo dos anseios de uma sociedade que clamava pelo restabele-cimento da moralização do setor público, pela erradicação do clientelismo, do empreguismo, da corrupção, houvesse pretendido alterar a sistemática então vigente para subtrair ao controle da comunidade, através de seus representantes, fabuloso segmento da Administração.O argumento de que suposta mudança da orientação teria resultado da regra posta no art. 173, § 1º, da CF/88 carece de fundamento, como se demonstrou, porque a Constituição de 1967 e sua Emenda 1/69, continham disposição semelhante (arts. 163, § 2º e 170, § 2º, respectivamente) e nem por isso se cogitou excluir quaisquer entidades paraestatais do âmbito da administração indireta para efeito de subtraí-las à incidência de outros tantos preceitos, derrogadores do direito privado, impostos a este segmento da Administração. [...].11

No mesmo sentido, entendendo que o disposto no art. 173 do CRFB não elide a incidência da regra geral do concurso público para a acessibilidade ao emprego público, encontra-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Fe-deral, da qual se extrai a lição proferida, no voto do Ministro Celso de Mello, no julgamento do já citado Mandado de Segurança n. 21.322-1, do Distrito Federal, no qual aquele assim se manifestou, in verbis:

Impõe-se observar, ainda, que a regra inscrita no art. 173, § 1 º, da Constituição Federal – precisamente porque destinada a inibir, no plano normativo, possíveis tratamentos prefe-rênciais em beneficio dos entes paraestatais – não exonera as empresa públicas e as sociedades de economia mista da obrigação jurídico-constitucional de, elas também, e ainda que exploradores de atividade empresarial na área econômica, proverem a contratação de seus empregados mediante prévia realização de prova de caráter público.Esse preceito veículo norma de equiparação, que visa a deslegitimar qualquer deliberação do poder público que, ao conferir privilégio a entidades paraestatais que explorem atividade econômica, importe em tratamento discriminatório incompatível com os postulados constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência entre os diversos agentes econômicos. Daí porque Celso Bastos (Comentários a Constituição do

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Brasil, vol. 7/83-84, 19990, Saraiva), ao expender magistério sobre o sentido finalístico da regra em questão, observa, verbis:Este preceito guarda grande similitude com o § 2º do art. 170 da Constituição de 1967, com a Emenda de 1969.Neste parágrafo agasalha-se a idéia de que é possível ao Estado, através de pessoas decentralizadas, desempenhar um papel assemelhado àquele cumprido pelas empresas privadas. Fixou-se no nosso direito crença de que esta convivência é possível. Assim, o que se procura é que a empresa pública, a sociedade de economia mista e outra entidade que explore atividade econômica submetam-se ao regime jurídico previs-to para empresas privadas. Como que finalidade?Na verdade, como o propósito de impedir que o Estado, exercendo atividade econômica, se valha de um regime jurí-dico privilegiado, que torne sua competição com a empresa privada desastrosa para esta. Em outras palavra: o Estado quer abstrair-se da sua condição de Poder Público para atuar no meio dos particulares, com eles competindo em condições isonômicas. Aliás, essa preocupação é reforçada pelo § 2º deste art., que impede a outorga de privilégios fiscais não extensivos às empresas do setor privado. (grifei)Igual orientação é perfilada, no ponto, por MANOEL GON-ÇALVES FERREIRA FILHO (RDA 144/191), para quem o objetivo da norma equiparadora é o de impedir tratamento seletivo que, privilegiando as entidades paraestatais, resulte em prejuízo para as empresas privada, com inadmissível vul-neração ao postulado da liberdade de iniciatíva empresarial, que constitui, no quadro normativo delineado pela Carta da República, um dos princípios estruturadores da prórpia ordem econômica.Sendo esse o telos da norma inscrita no art. 173, § 1º, da Carta Política, torna-se clara a impossibilidade de sua pertinente invocação para legitimar, no que concerne às relações inter-nas da entidade paraestatal com seus próprios empregados, a dispensa de prova seletiva pública, de realização sempre necessária, para o efeito específico de composição do seu quadro de pessoal. É preciso ter presente, enfim, que o legislador constituinte, ao prestigiar, em sua máxima extensão, o postulado do concurso público, quis, na realidade, consagrá-lo como instrumento concretizador dos princípios da isonomia, da impessoalidade e da moralidade administrativa. [...]

Portanto, não havendo dúvidas da incidência da regra geral do concurso público para acesso a emprego público do quadro de pessoal da sociedade de

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economia mista. Também não há dúvidas que tal regra somente poderá não ser observada caso exista expressa previsão legal que autorize, tendo em vista que a redação do inciso II do art. 37 da CRFB é clara ao dispor que

a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

Ressalta-se que a regra do concurso público trata-se de norma impo-sitiva, a qual somente poderá deixar de ser observada em caso de expressa previsão legal, não estando a Administração Pública, direta ou indireta, auto-rizada a presumir tal exceção. Nesse sentido, inclusive, novamente se extrai do voto do Ministro Celso de Mello, no julgamento do Mandado de Segurança n. 21.322-1, do Distrito Federal, a seguinte lição, verbis:

A par da norma constante do art. 53, I, do ADCT, a única outra exceção derrogatória do dever estatal de proceder à realização do concurso público – cuja a validade deriva da circunstância de também fundamentar-se em expressa autorização constitucional – concerne às “nomeação para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração” (CF, art. 37, II, in fine).Essa situação excepcional, contudo, não se presume, eis que “para que o cargo seja considerado de provimento em comissão é necessários que a lei expressamente o declare, valendo a ausência dessa cláusula como indicativa da inves-tidura efetiva (RDA 17/68).

Em consonância com tal entendimento, é valido transcrevermos nota incluída no art. do Procurador Regional do Trabalho, Professor e Doutor Marco Aurélio Lustosa Caminha, Publicado na Revista Síntese Trabalhista, na qual o mesmo argumenta que: “Tomando-se por empréstimo para o Direito Administrativo - num esforço muito criativo com o qual assinalamos nossa discórdia – instituto próprio do Direito do Trabalho, poder-se-ia propor que é aceitável, nas empresas de públicas e sociedades de economia mista e suas subsidiárias, de supostos

empregos públicos em comissão”, para serem providos sem prévio concurso público, tendo em conta que a própria CLT reconhece a existência de empregados ocupantes de “cargo de confiança”, conforme referências expressas contidas nos seus arts. 224, § 2º, e 450. Ocorre que, como se verá neste art., o “cargo de confiança” da CLT, no contesto da empresa não integrante da Administração Pública, pode realmente ser de livre provimento pelo empregador, todavia o mesmo não

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se pode dizer desse mesmo “cargo de confiança” no âmbito da empresa integrante da Administração Pública, salvo se a criação desse “cargo” se dê mediante atendimento da mesma exigência constitucional para a criação de cargo público de confiança, ou seja, por lei. Do contrário, abrir-se-ia larga porta para a burla da exigência constitucional do concurso público, posto que os “cargos” nas empresas públicas e economias mistas costumam ser criados por simples decisão da diretoria.12

Portanto, parece-nos lógico estabelecer-se que tal autorização legal para inobservância da regra de acessibilidade por concurso público, somente poderá vir expressa na lei que venha a criar o cargo/emprego em comissão declarando-o de livre nomeação e exoneração, o que leva-nos à conclusão, por consequência, de que haverá a exigência de lei para a criação do próprio cargo/emprego em comissão.

CONCLUSÃO:

Assim, considerando-se o acima exposto, conclui-se que o cargo/em-prego em comissão somente poderá ser criado por lei que o declare de livre nomeação e exoneração, em consonância com o disposto na parte final do inciso II do art. 37 da CRFB.

1Direito Administrativo; 20. ed. 2007; Editora Atlas; p. 418. 2Revista de Direito Público; Ano 24; n. 97; p. 29; Jan./Mar. 1991.3Op. Cit., pág. 395.4Op. Cit., pág. 479.5Direito Administrativo Moderno; 11. ed 2007; Editora Revista dos Tribunais; p. 68.6Op. Cit. pág. 68.7Curso de Direito Administrativo; 23. ed. 2007; Editora Malheiros; p. 197.8Curso de Direito administrativo; 8. ed. 2006; Editora Malheiros; p. 132.9Op. Cit., pág. 422.10Revista de Direito Público; Ano 24; n. 97; p. 117; Jan./Mar. 1991. 11Idem, pág. 121.12Síntese Trabalhista; V. 16, n. 187; Jan. 2005; p. 29, nota 7.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Sociedade de economia mista - Cargo-Emprego comissionado - Necessidade de lei para criação.”

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PESQuiSA - CmA n. 47/2008Data: 22 de fevereiro de 2008

Bens públicos – Aquisição – Aliena-ção – Bem de uso comum – Praça – Desafetação – Permuta.

CONTEÚDO:

Cuida-se de solicitação de apoio operacional formulada pela Promotoria de Justiça de Jaguaruna, nos seguintes termos:

Trata-se de uma desafetação de área pública destinada ori-ginalmente à praça pública. Já desafetada, houve posterior permuta, gerando ainda despesa para a municipalidade até o mês de novembro ano de 2012, na referida transação.Tal fato originou a deflagração de Peça Informativa, no âm-bito desta Promotoria de Justiça, na última segunda-feira.[...]

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Assim, tem-se os seguintes aspectos a serem esclareci-dos, sem prejuízo de outros vislumbrados pela equipe do CMA:1. Legalidade na desafetação de área pública destinada ori-ginalmente à praça pública.2. Legalidade da permuta efetuada.3. Legalidade da criação de despesa até o ano de 2012 (es-pecialmente no ultimo ano de mandato).4. Legalidade do “regime de urgência” pedido pelo Chefe do Executivo de Jaguaruna na Mensagem do Projeto de Lei n.---/2007. (grifou-se).

1 Bens públicos

Na conceituação de Celso Antônio Bandeira de Mello – harmônica com o disposto no art. 98 do Código Civil1 –, “Bens públicos são todos os bens que pertencem às pessoas jurídicas de Direito Público, isto é, União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações de Direito Público [...]”2.

Para Odete Medauar, “Bens públicos é expressão que designa os bens pertencentes a entes estatais, para que sirvam de meios ao atendimento imediato do interesse público e sobre os quais incidem normas espe-ciais, deferentes das normas que regem os bens privados”.3 (grifou-se).

Os bens públicos podem ser classificados de acordo com a sua desti-nação, como:

a) de uso comum – são os destinados ao uso indistinto de todos, como os mares, ruas, estradas, praças etc.;b) de uso especial – são os afetados a um serviço ou estabe-lecimento público, como as repartições públicas [...];c) dominicais, também chamados dominiais – são os próprios do Estado como objeto de direito real, não aplicados nem ao uso comum, nem ao uso especial, tais os terrenos ou terras em geral, sobre os quais tem senhoria, à moda de qualquer proprietário [...].4

1.1 Afetação e desafetaçãoCumpre salientar que os bens públicos, como decorrência de sua sin-

gularidade, podem sofrer afetação ou desafetação:Afetação é a preposição de um bem a um dado desti-no categorial de uso comum ou especial, assim como desafetação é sua retirada do referido destino. Os bens

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dominicais são bens não afetados a qualquer destino público.A afetação ao uso comum tanto pode provir do destino natural do bem, como ocorre com os mares, rios, ruas, estradas, praças, quanto por lei ou por ato administrativo que determine a aplicação de um bem dominical ou de uso especial ao uso público.Já, a desafetação dos bens de uso comum, isto é, seu trespasse para o uso especial ou sua conversão em bens meramente dominicais, depende de lei ou de ato do Executivo praticado na conformidade dela. É que, pos-suindo originariamente destinação natural para o uso comum ou tendo-a adquirido em consequência de ato administrativo que os tenha proposto neste destino, haverão, de toda sorte, neste caso, terminado por assumir uma destinação natural para tal fim. Só um ato de hierarquia jurídica superior, como o é a lei, poderia ulteriormente contrariar o destino natural que adquiriram ou habilitar o Executivo a fazê-lo”.5 (grifou-se)

1.2 Regime jurídico Quanto ao regime jurídico dos bens públicos, destaca-se que “O atendi-

mento do interesse geral, a que visam todos os bens, e sua proteção quanto aos particulares e aos próprios agentes públicos explicam os preceitos básicos que norteiam a gestão dos bens públicos”.6 (grifou-se)

Desse modo, uma das principais características desse regime jurídico diferenciado é a inalienabilidade7.

Inalienável é o bem de que seu titular não pode dispor. Ina-lienabilidade significa, então, a qualidade do bem que não pode ser vendido, doado, transferido etc. Todos os bens públicos são dotados de inalienabilidade.No entanto, a inalienabilidade não se apresenta com caráter absoluto, pois, se assim fosse, ficaria paralisada a Administração, sobretudo em se tratando de bens dominicais, como o dinheiro dos cofres públicos. Existe uma escala ou gradação da inalienabilidade, de tal forma que são mais rigorosos os preceitos relativos à alienação dos bens de uso comum e de bens de uso especial do que os preceitos relativos a alguns tipos de bens dominicais [...].8 (grifou-se)

Importante frisar que os bens “[...] de uso comum ou especial não são alienáveis enquanto conservarem tal qualificação, isto é, enquanto estiverem afetados a tais destinos. Só podem sê-lo (sempre nos termos da lei) ao serem desafetados, passando à categoria dos dominiais”.9

Nesse passo, convém destacar que “Os bens públicos adquirem-se pelas mesmas formas previstas no Direito Privado (compra e venda, doação,

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permuta, etc.), e mais por formas específicas de Direito Público, como a de-sapropriação ou a determinação legal”.10

Portanto, uma vez desafetados, os bens de uso comum, como as praças, tornam-se bens dominicais, que podem ser negociados.

Todavia, ao abordar os bens dominicais, Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que

Hoje já se entende que a natureza desses bens não é ex-clusivamente patrimonial; a sua administração pode visar, paralelamente, a objetivos de interesse geral. [...] Além disso, a própria administração financeira constitui objetivo apenas imediato, pois, em uma perspectiva mais ampla, atende a fins de interesse geral.11 (grifo no original)

1.3 AlienaçãoAlém disso, “O fato de um bem estar na categoria de dominical

não significa, entretanto, que só por isto seja alienável ao alvedrio da Administração, pois o Código Civil, no art. 101, dispõe que: ‘Os bens pú-blicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei’”.12 (grifou-se).

E, adiante, Celso Antônio Bandeira de Mello enfatiza queA alienação de bens públicos só pode ter lugar nos termos e forma legalmente previstos, como, de resto, consta do precitado art. 101 do Código Civil. A Administração, portanto, para alienar bens públicos, depende, no caso de bens imóveis, de autorização legislativa, nor-malmente explícita, embora se deva admitir que há casos em que aparece implicitamente conferida. Dita alienação deve ser precedida da avaliação do bem e de licitação [...].13 (grifou-se).

Com efeito, a Lei n. 8.666/93 prevê, em diversos dispositivos, a obriga-toriedade da realização de procedimento licitatório para a alienação de bens públicos.

De início, o art. 2º assevera:Art. 2o As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Admi-nistração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei. (grifou-se).

Por sua vez, reza o art. 17:Art. 17. A alienação de bens da Administração Pú-blica, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e

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obedecerá às seguintes normas:I - quando imóveis, dependerá de autorização legisla-tiva para órgãos da administração direta e entidades autár-quicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos: a) dação em pagamento; [...]c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei; d) investidura; e) venda a outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo; [...] (grifou-se)

E o art. 24 assim dispõe:Art. 24. É dispensável a licitação:[...]X – para compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da adminis-tração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia. (grifou-se)

Complementando o exposto, Hely Lopes Meirelles aduz queA alienação de bens imóveis do patrimônio municipal exige autorização por lei, avaliação prévia e concorrência, sendo inexigível esta última formalidade nos casos de doação, dação em pagamento, permuta, legitimação de posse e investidura, por incompatíveis com a própria natureza do contrato, que tem objeto determinado e destinatário certo (Lei 8.666, de 1993, art. 17, I)”.14 (grifou-se).

E, no mesmo sentido, Lúcia Valle Figueiredo afirma que “Também na permuta são necessárias lei autorizadora e prévia avaliação de ambos os bens, e, por óbvio, poderá ser dispensada a licitação se envolvidos objetos certos e determinados”.15

Por outro lado, a doutrinadora alerta que:Todavia, há hipótese, bem assinalada por Diógenes Gasparini (in Direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 499] em que a licitação será obrigatória. Examinemos o trecho do autor: ‘[...] Assim, a licitação é necessária, sob pena de nulidade, quando o Estado se propõe a permutar um terreno de sua propriedade, com área de 1.200 m2, com

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perímetro, divisas e confrontações tais e quais, situado no Bairro Barro Preto, com frente para a rua dos Pardais, por um terreno de área igual ou superior, situado nas proximi-dades da sede do Poder Público licitante. Como mais de um terreno pode atender a essas especificações, necessária, necessária é a licitação [...]”.16

Em suma, pode-se afirmar que um bem dominical (imóvel), pode ser alienado, desde que observados os seguintes requisitos:

a) interesse público b) avaliação do bem – ou dos bens, no caso de permuta pelo único imóvel que possa satisfazer o interesse público;c) autorização legislativa;d) licitação – que pode ser dispensada em alguns casos (por exemplo, na referida permuta pelo único imóvel que possa satisfazer o interesse público – arts. 17, I, “c” e 24, X, ambos da Lei n. 8.666/93]”.

1.4 AquisiçãoDito isso, imperioso tecer alguns comentários a respeito da aquisição

de bens imóveis pela Administração Pública. Maria Sylvia Zanella Di Pietro sustenta que

A licitação para aquisição de bem imóvel é exigida, sob a modalidade concorrência (art. 23, §3º, da Lei n. 8.666/93), porém é dispensável quando se tratar de bem destinado ao serviço público, cujas necessidades de instalação ou localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado segundo avaliação prévia (art. 24, X)”.17 E continua: “Para a aquisição de imóvel (grifo no original] é muito rara a compra, já que a Ad-ministração Pública dispõe do poder de desapropriar. Além disso, ela é, em regra, inadequada para atender às necessidades da Administração (grifou-se), já que esta necessita escolher o imóvel, pelo local e características, não podendo ficar na dependência da concordância do proprietá-rio; mesmo porque, como a aquisição fica sujeita à avaliação feita pelo próprio poder público, dificilmente o particular concorda em alienar pelo preço ofertado”.18

Sobre a aquisição de imóvel mediante desapropriação, Lúcia Valle Fi-gueiredo destaca que

é a forma mais comum de aquisição de bens para imple-mentação das necessidades públicas”.19 E complementa: “A desapropriação desenvolve-se por procedimento admi-nistrativo, preparatório do judicial, por meio do qual o Poder Público, compulsoriamente, pretende despojar alguém

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de seu direito de propriedade a fim de o adquirir, mediante indenização, prévia, justa, em geral, em dinheiro, ou, excepcionalmente, em títulos da dívida pública, res-gatáveis ao longo do tempo, fundada em interesse público, necessidade pública, interesse social [...].A desapropriação deve ser fundada em necessidade, utilidade pública, interesse social ou finalidade de reforma agrária, ou ter como objeto penalização pelo descumprimento da função social da propriedade.A desapropriação é processo administrativo que leva á ablação do direito de propriedade, consagrado constitucio-nalmente. Se assim é, somente se justifica na ocorrência de interesse público relevante (do mesmo porte), já res-salvado pela Constituição.As hipóteses de utilidade pública estão agrupadas na legisla-ção específica (Decreto-lei 3.365/1941e leis modificadoras), bem como por interesse social (Lei 4.132/1962).[...]No procedimento administrativo de desapropriação deve, necessariamente, o Poder Público cumprir todos os trâ-mites necessários à consecução do ato administrativo de expropriar.Destarte, necessária será primeiramente a declaração de utilidade, necessidade pública, ou interesse social, por meio de ato administrativo em que o Poder Público (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) e o Le-gislativo submetam o bem à força expropriatória”.20

Assim, pode-se afirmar quea) a forma corrente de aquisição de bens imóveis pela Administração Pública é a desapropriação;b) “Os requisitos ou condições que autorizam a desapro-priação são os previstos no art. 5º, XXIV, do Texto Consti-tucional, ou seja: necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, pagamento de indenização prévia, justa e em dinheiro, no caso da desapropriação comum, prevista no art. 5º, XXIV, da Constituição.21

2 Situação fática

Analisando o material remetido por fac-símile, verifica-se que o obje-tivo principal do Município de Jaguaruna seria adquirir o imóvel, de propriedade da SAPAC [Sociedade Amigos da Praia do Arroio Corrente],

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“[...] localizado no Balneário Arroio Corrente, município de Jaguaruna, ante-riormente denominado como sede do Mariscão Praia Clube, com as seguintes medidas e confrontações: [...] ao leste, com terras da Marinha, com a medida de 150,00 metros. Perfazendo a área de 12.000,00 m2. E sobre a área descrita encontra-se edificado uma área de 1.285, 27 m2, em alvenaria”.22

De acordo com a mensagem do aludido projeto de lei, tal imóvel serviria para “[...] funcionamento na temporada de verão da Secretaria Municipal de Esportes e Turismo, Juventude e Eventos, Corpo de Bombeiros, Policia Militar, Centro de Informações Turísticas, bem como para futuros projetos que envolvam cultura, lazer e entretenimento”. (grifou-se)

Para tanto, esse Projeto de Lei dispunha:Art. 2º. O valor total do imóvel a ser adquirido é de R$ 500.00,00 (sic] (quinhentos mil reais).Parágrafo único. As formas e as condições de pagamento serão as seguintes:“a) 12 (doze) lotes da quadra nº 52, do Loteamento da SAPAC, com área total de 3.500,00 m2, [...] pelo valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais);b) O Lote nº 14 da quadra ‘P’, com a medida de 21X19, com área total de 399,00 m2. E sobre o referido lote, encontra-se edificada uma área construída em alvenaria de aproximada-mente 80,00 m2, conhecida como antiga escola do Balneário de Arroio Corrente, pelo valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais);c) Quitação de todos os Impostos Municipais (IPTU’s), de-vidos pela Vendedora (SAPAC), vencidos até 31/03/2008.d) O saldo remanescente no valor de R$ 170.000,00 (cento e setenta mil reais), será pago em 56 parcelas da seguinte forma: R$ 3.000,00 (três mil reais) mensais, cujo vencimento dar-se-á no último dia útil de cada mês, iniciando-se em 31-3-2008, findando-se em 30-11-2012, sendo que esta última parcela será no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)”. (grifou-se)

Como visto, o Município de Jaguaruna, de acordo com a mensagem do Projeto de Lei, pretendia adquirir um imóvel que atendesse a determinadas necessidades.

A desafetação da praça e a sua permuta por outro imóvel seriam so-mente parte do pagamento da nova aquisição. Logo, o interesse do Município de Jaguaruna, pelo menos o que foi declarado, seria a aquisição do imóvel, e não a desafetação da praça e sua transferência ao patrimônio particular, o que seria apenas de interesse da SAPAC.

Aliás, a SAPAC já havia demonstrado interesse em adquirir o terreno onde se localiza a praça.

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Com efeito, em 26 de julho de 2006, o Presidente da SAPAC remeteu ofício ao Prefeito Municipal de Jaguaruna solicitando a permuta da “[...] quadra n. 52, do Balneário Arroio Corrente, pela quadra n. 82 [...]”, argumentando que “[...] há mais de vinte anos, consta edificado uma casa na referida quadra (52), o que vem causando problemas para esta entidade, haja vista, que o proprietário exige escritura e caso não venha a ser resolvido tal problema, o próprio Município terá da mesma forma que a SAPAC arcar com as consequências”. (grifou-se)

E a proposta da SAPAC foi aceita pelo Poder Executivo, conforme demonstra certidão exarada em 27 de novembro de 2006 pela Diretora de Planejamento do Município: “[...] esta Prefeitura concorda e aprova a permuta no loteamento SAPAC, de propriedade da Sociedade Amigos da Praia do Arroio Corrente, Matriculado sob o nº 3.829, onde a Quadra 52 encontra-se como área destinada a praça, que passara [sic] a ser dividida em 12 lotes conforme planta em anexo, e a Quadra 82 onde é dividida e, 12 lotes passará a ser destinada a praça”.

Acontece que permuta envolvendo imóveis do Município de Jaguaruna depende de expressa autorização legislativa, mediante lei específica, consoante disposto na Lei Orgânica Municipal:

Art. 8º. Os bens imóveis serão administrados pelo Órgão competente, sob a supervisão do Prefeito Municipal sem prejuízo da competência que, para esse fim, venha a ser transferida às autoridades responsáveis por sua utilização.[...]§3º. Os imóveis do Município não serão objeto de doação, permuta ou cessão, a título gratuito, nem serão vendidos ou aforados senão em virtude de lei especial, sendo a venda ou aforamento precedidos de edital publica-do – na forma desta lei com antecedência mínima de trinta dias. (grifou-se)

Em decorrência disso, a ----- conseguiu apenas averbar, em 22 de fe-vereiro de 2007, a referida certidão na matrícula da quadra --, sem transferir a propriedade do imóvel.

Destarte, percebe-se que a aquisição do terreno onde se localiza a antiga sede do “Mariscão Praia Clube”, pertencente à SAPAC, não parece ter sido decorrente de interesse público.

Isso porque a justificativa do Projeto de Lei faz alusão à utilização do bem somente durante a “temporada de verão”, destinando-o, ainda, à utilização da Secretaria Municipal de Turismo – sem expor a necessidade da sua trans-ferência para lá durante aquele período –, além de alegar a sua utilização pelo Corpo de Bombeiro e pela Polícia Militar. Mas estas duas últimas instituições

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nem sequer integram o Poder Executivo Municipal, de forma que nem é sabido se, efetivamente, elas teriam interesse de utilizar aquele local.

E a alegação de utilização do imóvel para “[...] futuros projetos que envolvam cultura, lazer e entretenimento” parece ser muito vaga, incapaz de demonstrar um interesse público concreto.

Ademais, não se constata qualquer dado que demonstre ser esse o único imóvel (em virtude da sua localização e das suas características) capaz de possibilitar a realização dos fins almejados pela Administração Pública Municipal.

Na verdade, uma análise perfunctória dos fatos esboça que o único interesse que move essa transação seria da SAPAC. Vendendo tal imóvel, talvez ela esteja desembaraçando-se de um grande “elefante branco”, como se diz no jargão popular. A par do seu tamanho, uma simples leitura do art. 2º do Projeto de Lei n. 048/2007 demonstra que ele se localiza à beira-mar, possivelmente em terreno de marinha23.

Ademais, com a realização dessa transação, a SAPAC seria agraciada com a quitação dos impostos que deve ao Município de Jaguaruna [no valor de R$ 30.000,00].

Outrossim, a SAPAC seria favorecida também com a permuta das quadras 52 e 82 do loteamento SAPAC. Como demonstrado, há muitos anos, a SAPAC vendeu ilegalmente um lote da quadra 52 – bem público de uso comum destinado à praça – a um particular, que exige a escritura pública. Como o ônus dessa venda irregular recai sobre a SAPAC, ele pretende, ao menos desde 2006, permutar essas duas quadras, para não ter que indenizar o particular ludibriado.

Como a SAPAC não conseguiu levar a cabo a permuta ilegal entre esses lotes realizada em 2006 [que não foi precedida de desafetação, de avaliação prévia e nem de autorização legislativa], a venda da antiga sede do Mariscão Praia Clube resolveria esse problema, incluindo a permuta das quadras na forma de pagamento do imóvell.

Reforça essa tese o fato de o Município de Jaguaruna não ter escolhido a forma de aquisição mais comum por parte da Administração Pública: a desa-propriação. Por óbvio, se esse imóvel fosse desapropriado, não possibilitaria a permuta das quadras 52 e 82 do loteamento SAPAC, visto que a indenização deveria ser paga em dinheiro.24

Frisa-se, por derradeiro, que não se constatou a existência de avaliação prévia de nenhum dos imóveis envolvidos na debatida negociação.

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3 Questionamentos do consulente

a) Legalidade na desafetação de área pública destinada original-mente a praça pública

Em tese, um bem de uso comum (como uma praça) pode ser desafetado, mediante lei, desde que haja interesse público para tanto. Contudo, no caso em apreço, verifica-se a ausência de interesse público decorrente da desafetação da quadra 52, do loteamento SAPAC, conforme fundamentação supra.

b) Legalidade da permuta efetuadaA permuta entre as quadras 52 e 82 do loteamento SAPAC parece ser

ilegal pela ausência de interesse público e de avaliação prévia dos bens. A iniciativa dessa permuta partiu da SAPAC, e não do Município de Jaguaruna, que apenas concordou com a avença. Em nenhum momento constata-se informação da necessidade de o Município modificar a localização da praça do loteamento SAPAC.

c) Legalidade da criação de despesa até o ano de 2012 (especial-mente no ultimo ano de mandato)

Como decorrência da ilegalidade da compra e venda do imóvel onde se situa a antiga sede do Mariscão Praia Clube, reputa-se irregular, por corolário, a assunção de despesa decorrente dessa negociação.

Acrescente-se que essa despesa também pode ofender a CF/88, que, ao regular as finanças públicas, assim dispôs:

Art. 167. São vedados:[...]§ 1º - Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade.

Por outro lado, cumpre salientar que essa despesa parece não ofender o disposto no art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF):

Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente dis-ponibilidade de caixa para este efeito.Parágrafo único. Na determinação da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas compro-missadas a pagar até o final do exercício.

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Isso porque a assunção da despesa não ocorreu nos últimos dois qua-drimestres do mandato do Prefeito. Segundo estudo elaborado, em 15 de dezembro de 2000, pelo Consultor de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, Wéder de Oliveira25, “[...] a obrigação de despesa é contraída, por exemplo: quando se contrata um funcionário, quando se contrata um empréstimo, quando se parcela uma dívida, quando se assina um convênio e quando se contrata uma obra, o fornecimento de bens e a prestação de serviços”.

Pela mesma razão, parece não haver enquadramento no tipo previsto no art. 359-C do Código Penal, que assim reza:

Art. 359-C. Ordenar ou autorizar a assunção de obriga-ção, nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato ou legislatura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro ou, caso reste parcela a ser paga no exercício seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (grifou-se)

d) Legalidade do “regime de urgência” pedido pelo Chefe do Executivo de Jaguaruna, na Mensagem do Projeto de Lei n. ---/2007.

De acordo com o caput do art. 45 da Lei Orgânica do Município de Jaguaruna, “O Prefeito Municipal poderá solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa, considerados relevantes, os quais deverão ser apreciados no prazo de 30 (trinta) dias”.

Logo, a solicitação de urgência, na tramitação de projetos de iniciativa do Poder Executivo, é um ato discricionário do Prefeito da Jaguaruna e, como todo ato discricionário, deve respeitar os princípios da Administração Pública, pois eles não se tratam de mera liberalidade do Prefeito.

Assim, não parece razoável a solicitação de urgência para a tramitação do presente projeto, em virtude de tudo o que foi exposto. Acredita-se que existam muitos outros projetos de maior relevância para o Município de Jaguaruna, mesmo porque nem sequer se verifica interesse público no comentado projeto de lei, o que pode acarretar, ainda, ofensa ao princípio da impessoalidade, vez que teria sido privilegiado determinado interesse particular.

1Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.

2In Curso de direito administrativo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 876.

3In Direito administrativo moderno. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2007. p. 236.4MELLO, Celso Antônio Bandeira de, op. cit., p. 877.

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5Ibdem, p. 878.6MEDAUAR, Odete, op. cit., p. 240.7CC - Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis,

enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.8MEDAUAR, Odete, op. cit., p. 242.9MELLO, Celso Antônio Bandeira de, op. cit., p. 879.10Ibdem, p. 887.11In Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 621.12MELLO, Celso Antônio Bandeira de, op. cit., p. 879.13Ibdem, p. 887.14In Direito Municipal Brasileiro. 15. ed. 2ª. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2007. p.

318.15In Curso de direito administrativo. 8.. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006.

p. 585.16Idem.17Op. cit., p. 650.18Idem.19Op. cit. p. 586.20Ibdem, p. 324 a 327.21MELLO, Celso Antônio Bandeira de, op. cit., p. 838 e 839.22Art. 1º do Projeto de Lei do Poder Executivo n. 048/2007, de 12 de dezembro de 2007.23“Terrenos de marinha são os que, banhados pelas águas do mar ou dos rios navegáveis,

vão até a distância de 15 craveiras (33 metros), para a parte da terra, contadas desde o ponto em que chega o preamar médio (art. 13 do Código de Águas)”. PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo. 20ª. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.655.

24Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...] XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou

utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; (grifou-se)

25Lei de Responsabilidade Fiscal - O art. 42, a assunção de obrigações no final de mandato e a inscrição de despesas em Restos a Pagar – disponível na intranet do MPSC.

(*) O inteiro teor desta pesquisa pode ser consultado acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Bens públicos - aquisição - alienação - bem de uso comum - praça - desafetação – permuta.”

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PESQuiSA - CmA n. 48/2008Data: 4 de março de 2008

Vereador – Exercício de cargo comis-sionado – Cargo demissível ad nutum - Vedação, art. 54, inc. II, alínea “b”, da CRFB.

CONTEÚDO:

Inicialmente cabe lembrar que a acumulação remunerada de cargos públicos é vedada pela Constituição Federal, em seu art. 37, inciso XVI, o qual dispõe que:

Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, im-pessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional n.

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19, de 1998)[...]XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, obser-vados em qualquer caso o disposto no inciso XI:a) a de dois cargos de professor;b) a de um cargo de professor com outro, técnico ou cien-tífico;c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público.

Conforme se verifica, no art. acima transcrito, a princípio, a regra geral proibitiva comporta algumas exceções que são enumeradas nas alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’, as quais também pode ser somadas à prevista no inciso III do art. 38, que dispõe:

Art. 38. Ao servidor público da administração direta, au-tárquica e fundacional, no exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições: (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998)I – [...]III - investido no mandato de Vereador, havendo compati-bilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada a norma do inciso anterior.IV - em qualquer caso que exija o afastamento para o exercício de mandato eletivo, seu tempo de serviço será contado para todos os efeitos legais, exceto para promoção por merecimento;V - para efeito de benefício previdenciário, no caso de afastamento, os valores serão determinados como se no exercício estivesse.

Portanto, em uma análise superficial, poder-se-ia dizer que o inciso III do art. 38 autoriza ao Vereador o pleno exercício de qualquer cargo público, bastando para isso apenas que haja compatibilidade de horários. Todavia, tal conclusão é precipitada, tendo em vista que há de se ter em mente que a acumulação remuneratória somente possível nas exceções expressamente previstas, conforme se extrai da lição do renomado doutrinador Celso Antônia Bandeira de Mello, o qual leciona que

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Também para evitar abusos, veda-se a acumulação remunera-da de cargos, funções ou empregos tanto na Administração direta como na Administração indireta ou fundacional e reciprocamente entre elas, conforme dispõem os incisos XVI e XVII do art. 37, ressalvadas certas hipóteses expressamen-te arroladas, desde que haja compatibilidade de horários e respeitado o teto de remuneração.1

Outrossim, ao interpretar-se o art. 38, especialmente quanto ao inciso III, verifica-se que ele é expresso e claro ao se referir ao “servidor público” [...] “investido no mandato de Vereador”. Portanto, observa-se que a condição de ser-vidor, que possibilitará a cumulação em caso de compatibilidade de horário, trata-se de situação anterior à diplomação do candidato eleito, como bem observou o ilustre colega Raul de Mello Franco Junior, Membro do Ministé-rio Público do Estado de São Paulo, em artigo publicado na revista Interesse Público, ao consignar que

A investidura administrativa deve ser anterior ao mandato. A constituição não permite que o vereador eleito aceite cargo, função ou emprego remunerado (inclusive aqueles demissíveis ad mutum) que não ocupava antes do pleito. Mister atentar-se para o fato de que a regra do art. 38 da Carta Maior pressupõe que a investidura eletiva seja poste-rior à administrativa. Trata do servidor público investido em mandato eletivo e não do eleito que vier na se tornar servidor público”.2

Portanto, na prática, tal hipótese se torna incompatível para o ocupan-te de cargo público comissionado, visto que este, para adquirir condição de elegibilidade, segundo a legislação eleitoral, deverá se afastar definitivamente da função pública que ocupa, com, no mínimo, três meses de antecedência da data do pleito, conforme já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral, in verbis:

I. Membro de direção escolar que pretenda concorrer a cargos eletivos deverá, sujeitando-se tal ofício à livre nomeação e exoneração, afastar-se definitivamente do cargo em comissão que porventura ocupe, até 3 (três) meses antecedentes ao pleito (LC 64/90, art. 1°, II, l). II. Na hipótese do inciso anterior, se detentor de cargo efe-tivo na Administração Pública, terá direito à percepção de sua remuneração durante o afastamento legal. III. Precedentes: Res./TSE nos 18.019/92, Pertence; 19.491/96, Ilmar Galvão; 20.610 e 20.623/00, Maurício Corrêa. IV. Impossibilidade de retorno à função comissionada após consumada a exoneração. V. Consulta respondida negativamente. (Consulta – 769;

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Decisão n° 21097; Município de Origem: Brasília/DF; Data 14/05/2002; Relator : José Paulo Sepúlveda Pertence; Publicação D.J. vol. 1, data 10/07/2002, pág. 3)(sem grifo no original)

De mais a mais, verifica-se, ainda, que, na realidade, o art. 38 refere-se aos servidores públicos ocupantes de cargo efetivo investidos em mandato eletivo, conforme fica claro, pela leitura dos incisos IV e V, os quais, em caso de afastamento do servidor, disciplinam a contagem do tempo de serviço e os efeitos previdenciários, para situações que não são características dos cargos comissionados. Inclusive, nesse sentido, extrai-se do Acórdão proferido nos autos da Apelação Cível n. 2005.032242-0, do Tribunal de Justiça deste Estado, cujo relator foi Desembargador Vanderlei Romer, a seguinte lição, verbis:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMI-NISTRATIVA. RÉU QUE, NO EXERCÍCIO DA VERE-ANÇA, EXERCE CONCOMITANTEMENTE CARGO DE CONFIANÇA. [...]Não há falar em legalidade da acumulação do cargo de vereador com outro, comissionado, tão-só pelo princí-pio da simetria do art. 38, inciso III, da Constituição de 1988, porquanto aludido dispositivo, segundo entendi-mento doutrinário, aplica-se ao cargo ou emprego de provimento efetivo, o que não é o caso dos autos. [...]” (Data da Decisão 06/07/2006). (grifei)

Ainda, no âmbito da Constituição Federal, quanto a Deputados e Se-nadores, extrai-se das alíneas “a” e “b” do inciso I e “b” do II do art. 54 e do inciso I do art. 55 as seguintes vedações:

Art. 54 - Os deputados e senadores não poderão:I - desde a expedição do diploma:a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes;b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis ad nutum, nas entidades constantes na alínea anterior;II - desde a posse:[...]b) ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis ad nutum, nas entidades referidas no inciso I, “a”;[...]Art. 55 - Perderá o mandato o Deputado ou Senador: I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no

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art. anterior;

Os citados dispositivos são literalmente reprodu-zidos nas alíneas “a” e “b” do inciso I e “b” do II do art. 43 e no inciso I do art. 44 da Constituição do Estado de Santa Catarina, estendendo assim tais vedações aos Deputados Estaduais. Tais incompatibilidades, em observância ao principio da simetria, também devem ser estendidas aos Vereadores, até porque a própria Constituição, em seu art. 29, inciso IX, estipula que:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:[...]IX - proibições e incompatibilidades, no exercício da verean-ça, similares, no que couber, ao disposto nesta Constituição para os membros do Congresso Nacional e na Constituição do respectivo Estado para os membros da Assembléia Le-gislativa; (Renumerado do inciso VII, pela Emenda Consti-tucional n. 1, de 1992)

Sobre os fundamentos e a importância de tais vedações, o constitucio-nalista Celso Ribeiro Bastos observa que

A partir da posse, os deputados e senadores não poderão ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis ad nutum, em pessoa jurídica de direito público, em autarquia, em empresa pública, em sociedade de economia mista e em concessionária de direito público. Funcionário ad nutum é aquele que ocupa função de con-fiança de livre provimento e exoneração. Não comporta estabilidade. O funcionário se mantém na função enquanto seu superior hierárquico pode contar com ele com lealdade. A perda da confiança nele depositada determina de pronto seu afastamento.Na verdade, seria uma arma a ser utilizada pela Administra-ção, no sentido de que a não-obtenção de voto favorável do parlamentar acarretaria a sua demissão do cargo ad nutum.Todas essas proibições objetivam a moralização da vida pública, evitando que o parlamentar, ou se torne um agente passível de ser corrompido, ou um possível corruptor. En-tretanto, mais do que isso, são elas, fundamentalmente, meios assecuratórios da independência e autonomia dos poderes entre si, pois a possibilidade de um agente interpenetrar, interferir na atividade de um agente de um outro poder,

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quebraria a própria separação dos poderes.3

Sobre a matéria, no âmbito municipal, Wolgran Junqueira Ferreira leciona que

Os vereadores têm as mesmas proibições e incompatibi-lidades que têm os membros do Congresso Nacional e as que forem impostas pelas Constituições Estaduais para os membros da Assembleia Legislativa. [...] Tais proibições têm base em razões de ordem moral que libertam os representantes do povo da influência do Poder Executivo.Estes princípios Constitucionais se impõem tanto à União, aos Estados-membros, aos Municípios e aos territórios, quanto a membros das Assembleias Legislativas e Verea-dores.4

No caso especifico do Município de Maravilha, a Lei Orgânica5, em seus arts. 43 e 44, dispõe que:

Art. 43. É vedado ao Vereador:I – desde a expedição do diploma:a) firmar ou manter contrato com o Município, com suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista ou com suas empresas concessionárias de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláu-sulas uniformes;b) aceitar cargo, emprego ou função, no âmbito da Adminis-tração Pública Direta ou Indireta municipal, salvo mediante aprovação em concurso público e observado o disposto no art. 91, I, IV, e V desta Lei.II – desde a posse:a) ocupar cargo, função ou emprego, na Administração Pública Direta ou Indireta do Município, de que seja exo-nerável ad nutun, salvo o cargo de Secretário Municipal ou Diretor equivalente, desde que se licencie do exercício do mandato;b) exercer outro cargo eletivo federal, estadual ou munici-pal;c) ser proprietário, controlador ou diretor de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público do Município, ou nela exercer função remunerada;d) patrocinar causa junto ao Município em que seja inte-ressada qualquer das entidades a que se refere a alínea a do inciso I.Art. 44. Perderá o mandato o Vereador:

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I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no art. anterior;II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar ou atentatório às instituições vigentes;III – que utilizar-se do mandato para prática de atos de corrupção ou de improbidade administrativa;

No caso dos arts. acima transcritos, verifica-se que a Lei Orgânica Municipal é bem menos restritiva que os respectivos dispositivos constantes da Constituição Federal e Estadual, tendo em vista que, além de restringir as incompatibilidades ao âmbito do Poder Público do Município, abre ainda outras exceções além das Constitucionais.

É bem verdade que alguns autores, a exemplo de Hely Lopes Meirlles6 e José Nilo de Castro7, coadunam do entendimento de que tais impedimentos devem ser aplicados apenas no âmbito do Município. Todavia, não nos pare-ce que tal interpretação seja a mais adequada a fim de atender os princípios constitucionais motivadores de tais impedimentos, que, conforme a lição do já citado constitucionalista Celso Ribeiro Bastos, “objetivam a moralização da vida pública, evitando que o parlamentar, ou se torne um agente passível de ser corrompido, ou um possível corruptor”, além dos “meios assecuratórios da independência e autonomia dos poderes entre si,” tendo em vista que uma situação real, mesmo estando o cargo comissionado alocado no poder executivo de uma esfera diferente da Municipal, ainda assim tal situação terá forte probabilidade de influenciar e prejudicar os princípios da moralidade e da independência dos poderes.

Wolgran Junqueira Ferreira que, conforme já citado, entende queos vereadores têm as mesmas proibições e incompatibilidades que têm os membros do Congresso Nacional e as que forem impostas pelas Constituições Estaduais para os membros da Assembléia Legislativa”, ao comentar a alínea “b”, do inciso II do art. 54 da Constituição Federal, argumenta que; “A vedação contida nesta alínea segue o princípio da moralidade e da independência dos Poderes. Aceitando o Deputado ou Senador qualquer cargo demissível ad nutum, ficaria preso ao favor recebido, o que estaria fazendo com que ele pas-sasse a depender de quem o nomeou e, em decorrência, sua necessária independência ficaria comprometida.8

Outrossim, constata-se ainda que o art. 43 da Lei Orgânica de Maravi-lha é, no mínimo, omisso, se comparado à norma Constitucional, visto que estava este obrigado, em atenção ao princípio da simetria e ao disposto no art. 29, inciso IX, da Constituição Federal, no mínimo, a reproduzir, na íntegra, as vedações dispostas no art. 54 da mesma Constituição, aos Congressistas, também aos Vereadores do Município.

Todavia, não obstante a tal omissão, é certo que as vedações para acei-

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tar, exercer ou ocupar cargo comissionado, demissíveis ad nutum, aplicam-se aos Vereadores, conforme reiteradamente vem decidindo a jurisprudência pátria, verbis:

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CI-VIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Vereador que assume cargo em comissão em que é exigida dedicação integral. Cumulação indevida ante os termos dos arts. 54 e 55 da CF/1988, aplicável aos integrantes do legislativo municipal por força do art. 29, inciso IX, da Carta Política e Social. Ausência de invalidades processuais, tais como inépcia da inicial, inadequação da via processual eleita e cerceamento de defesa. Mérito que se resolve pela procedência da caracterização da conduta do agente público como ímproba. A aplicação das penas previstas na Lei n.º 8.429/92 deve obedecer ao princípio da proporcionalida-de, aqui visualizada a ação e os efeitos reflexos lesivos ao patrimônio público. Inexistência de fraude ou corrupção declaradas no caso concreto. Sentença de procedência do pedido. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJRS – Apelação Cível n° 70003357407; 3ª Câmara Cível; Relator: Des. Augusto Otávio Stren; Data da decisão 27/06/2002). (sem grifo no original) DIREITO CONSTITUCIONAL - CUMULATIVIDADE DE FUNÇÃO COMISSIONADA E MANDATO DE VEREADOR - IMPOSSIBILIDADE - EXTENSÃO DA REGRA CONFERIDA AOS DEPUTADOS E SENADORES - ART. 54, “b”, I E II, DA CF - PRE-CEDENTE DA CÂMARA (ACMS n. 2004.016754-7) - RECURSO DESPROVIDO. O exercício de mandatos eletivos por servidor público não é vedado na Constituição Federal, cujo art. 38, regula a situação dos servidores da Administração direta, autárquica e fundacional investidos em mandatos eletivos. Por outro lado, é expressamente vedado ao Vereador o exercício de cargo em comissão ou exonerável ad nutum nos casos já previstos na Constituição da República para os Deputados Federais e Senadores (art. 54, I, b, e II, b), conforme o disposto no art. 29, IX, da mesma CF (Direi-to Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 25. ed., p. 421 e 422). (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2003.027710-2, de Tubarão, Re. Des. Rui Fortes, j. 14-12-2004)AGRAVO DE INSTRUMENTO - IMPROBIDADE ADMINSTRATIVA - ACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGOS - PRESENÇA DOS REQUISITOS DO FU-MUS BONI JURIS E PERICULUM IN MORA - DECI-

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SÃO INTERLOCUTÓRIA REFORMADA - RECURSO PROVIDO. O texto constitucional não autoriza o exercício simultâneo do mandato de vereador com função exonerável ad nutum em outro órgão público, razão pela qual torna-se prudente afastar o agente que incide em tal ilegalidade do seu cargo de confiança, pois caso contrário estar-se-ia tolerando a perpe-tração de um ato ilícito. (TJSC - Agravo de Instrumento n° 2006.001719-9; Relator: Des. Cid Goulart; Data da decisão 12/9/2006).

Por fim, não obstante o entendimento de que ao Vereador é vedado aceitar, exercer ou ocupar cargo comissionado demissível ad nutum, indepen-dentemente de que esse seja remunerado ou não, há de se lembrar, que, no âmbito estadual, o art. 1° do Decreto Executivo n. 003, de 3 de Janeiro de 2007, dispõe que:

Art. 1° - O ocupante de mandato eletivo do legislativo munici-pal que vier exercer os cargos de provimento em comissão não codificados de livre nomeação pelo Governador do Estado, das funções de chefia, ou das funções técnicas gerenciais de que trata o art. 170, da Lei Complementar no 284, de 28 de fe-vereiro de 2005, deverá solicitar licença prévia do seu mandato, pelo período que ocupar o cargo para o qual for nomeado em um dos órgãos e entidades da Administração Direta, Autár-quica e Fundacional do Poder Executivo Estadual.Parágrafo único. O ato de nomeação deverá ser precedido da apresentação da licença de que trata o “caput” deste art..

CONCLUSÃO:

Assim, considerando-se o acima exposto, conclui-se que é vedado ao Vereador aceitar, exercer ou ocupar cargo comissionado demissível ad nutum, independente de que esse seja remunerado ou não.

1Curso de direito administrativo. 13ª. ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 261.

2Revista Interesse Público; ano 5, n° 22; Nov./Dez. de 2003; Caderno de Direito Municipal; pág. 180.

3Comentários à Constituição do Brasil; 2ª edição, 1999; Editora Saraiva; pág. 228. 4O Município à luz da Constituição Federal de 1988; 2° Edição, 19995; Editora EDIPRO;

pág. 83.5Consulta efetuada no acervo do CMA e no sítio da Camara Municipal, onde não há infor-

mação de alteração.6Em Direito Municipal Brasileiro; 15ª Edição, 2007; Editora Malheiros; pág. 627. Tendo

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Porém o mesmo autor, em sua obra Direito Administrativo Brasileiro. 29ª edição, 2004, editora Malheiros, página 441, afirmado que “é expressamente vedado ao Vereador o exercício de cargo em comissão ou exonerável ad nutum nos casos já previstos na Constituição da República para os Deputados Federais e Senadores (art. 54, I, ‘b’, e II, ‘b’), conforme o disposto no art. 29, IX, da mesma CF”, sem fazer qualquer ressalva de limitação ao âmbito Municipal.

7Em Direito Municipal Positivo; 5ª Edição, 2001; Editora Del Rey; pág. 132. 8Op. cit.; pág. 84.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Vereador - Exercício de cargo comissionado - Cargo demissível “ad nutum” - Vedação, art. 54, inc. II, alínea b, da CRFB”

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PESQUISA - CMA n. 49/2008Data: 25 de fevereiro de 2008

Sigilo Bancário e Fiscal - Direito fun-damental relativo - Quebra cabível na jurisdição penal e civil - Jurisprudên-cia majoritária assenta a necessidade de autorização judicial - Novo meca-nismo de quebra do sigilo bancário: Bacen Jud 2.0 - Maior celeridade e efetividade no recolhimento dos da-dos bancários.

CONTEÚDO:

A presente pesquisa visa a apurar os procedimentos necessários para quebra de sigilo bancário e fiscal.

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De acordo com parcela da doutrina, o sigilo bancário e fiscal encontra amparo no inciso XII do art. 5°:

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comuni-cações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (grifo nosso)

Para essa corrente, o texto constitucional vigente permite a quebra do sigilo bancário e fiscal; sempre, porém, com autorização judicial, para fins probatórios em investigação criminal ou instrução processual penal.

No entanto, essa não parece ser a interpretação mais correta. Isso porque sigilo bancário e fiscal insere-se, sem dúvida, no campo da intimidade e, por esse enfoque, encontra amparo constitucional.

Nesse sentido, o inciso X do art. 5° da Constituição da República dispõe que a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas são invioláveis; o que também é garantido pelo Pacto Internacional sobre Direi-tos Civis e Políticos1 e pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos2, que consagram o direito à vida, à integridade e liberdade pessoal, à honra e dignidade.

Deste modo se manifestou o Ministro Carlos Velloso3:

Em primeiro lugar, para dizer que tenho o sigilo bancário como espécie de direito à privacidade, que é inerente à per-sonalidade das pessoas, já que não seria possível que a vida destas pudesse ser exposta a terceiros Isto está inscrito no inc. X do art. 5° da Constituição: [...] Faço residir, portanto, no inciso X, do art. 5°, da Constitui-ção, o sigilo bancário, que tenho como espécie de direito à privacidade.

Rogério Pacheco Alves4 esclarece “que o inciso XII do art. 5° nada tem com a hipótese do sigilo bancário, uma vez que o que se busca ali tutelar é o sigilo das comunicações, inclusive de dados, não os denominados ‘dados estanques’”.

Por esse enfoque, não resta dúvida de que os sigilos bancário e fiscal podem ser quebrados tanto pela jurisdição Penal quanto pela Civil.5

Nesse sentido, o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça Cata-rinense:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. PEDIDO DE QUEBRA DE SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL DA AGRAVADA E DE TERCEIRO. MEDIDA DRÁSTICA, CABÍVEL APENAS EM SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS

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E DEPOIS DE ESGOTADOS OS DEMAIS MEIOS PARA AVERIGUAÇÃO DA VERACIDADE DOS FA-TOS NARRADOS PELA PARTE. PREVALÊNCIA DO DIREITO À INTIMIDADE SOBRE O INTERESSE MERAMENTE PATRIMONIAL. RECURSO DESPRO-VIDO. Na seara do direito processual civil, a quebra dos sigilos bancário e fiscal é medida excepcionalíssima, cabível somente quando houver interesse público relevante que auto-rize a mitigação do direito à intimidade e após o esgotamento dos demais meios para averiguação da veracidade dos fatos narrados pelo requerente da medida. Logo, o interesse da parte em comprovar a realização de negócio supostamente simulado não é suficiente para o deferimento de tal pretensão. (Agravo de instrumento 2005.036716-3, Relator: Luiz Carlos Freyesleben, Data da Decisão: 30/11/2006).EXECUÇÃO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. APLI-CAÇÃO TEMERÁRIA NO PROCESSO CIVIL. ART. 5º, XII, DA CF E § 4º, ART. 1O, DA LEI COMPLEMENTAR 105/01. DIREITO À INTIMIDADE CONTRAPOSTO A INTERESSE FINANCEIRO TRADUZIDO NA LOCA-LIZAÇÃO DE BENS PENHORÁVEIS. PREVALÊNCIA, IN CASU, DO PRIMEIRO. Ressai da inteligência do inciso XII, do art. 5º, da CF, c/c o § 4ª, do art. 1º, da Lei Comple-mentar n. 105/01, que a quebra do sigilo bancário é provi-dência temerária quando em voga tema de direito processual civil. Mesmo que admitida, em caráter excepcionalíssimo, no processo civil, a quebra de sigilo pressupõe se contraponha ao direito à intimidade um interesse público apto a, à vista da proporcionalidade, justificar-lhe o relativizar, o que não ocorre quando o interesse do credor traduza-se financeira-mente na localização de bens penhoráveis, mostrando-se possíveis, ainda, providências constritivas outras de menor drasticidade (AI n. 2003.013635-5, da Capital. Rela. Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, j. 19-2-2004).

Da mesma forma, o julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que consagra a quebra do sigilo bancário, em sede de ação civil pública, por ato de improbidade administrativa:

SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO – INDISPONIBILIDADE DE BENS – INTERESSE PÚBLICO – APURAÇÃO DE IRREGULARIDADES – QUEBRA – POSSIBILIDADE – AÇÃO CIVIL PÚ-BLICA – LIMINAR – NORMAS CONSTITUCIONAIS – DIREITO AO SIGILO – INTERPRETAÇÃO HAR-MÔNICA COM AS DE PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO

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- A garantia de sigilo bancário não tem caráter absoluto, sendo facultada ao juiz a providência de dispensá-lo, em caso de relevante interesse público. Interesses particulares na conservação do sigilo de informações pessoais e da dis-ponibilidade de bens não estão acima do interesse público, consistente na preservação do patrimônio público, espe-cialmente diante da gravidade dos fatos apontados em ação civil pública e da ausência de elementos que demonstrem qualquer arbitrariedade ou insuficiência de subsídios para a concessão de medida liminar.- As normas de direito ao sigilo da inviolabilidade da vida privada devem ser interpretadas em harmonia com as de pro-teção do patrimônio público. A interpretação harmônica das normas constitucionais obriga conciliar o interesse público com o interesse particular e justifica a limitação dos direitos da vida privada quando guarda relação de pertinência com o objeto das investigações. Havendo suspeitas de que exista lesão ao patrimônio público ou à moralidade administrativa, justifica-se a quebra de direitos constitucionais para se fazer o levantamento da prova.- O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar questões de ordem na Petição n. 577, entendeu que a quebra do sigilo bancário não afronta o art. 5º, X e XII, da Carta da República. (Agravo n. 183.841-6/00 – Comarca de Belo Horizonte – Relator: Des. Almeida Melo – DJMG 06-3-01 – apud Revista Jurídica n. 282, abril de 2001, p. 117)

Além disso, em se tratando de meio para instrução de procedimento in-vestigatório, não há que falar em contraditório, semelhantemente ao que ocorre no inquérito policial. Tal pedido, conforme a jurisprudência, é judicialiforme, bastando apenas a demonstração da necessidade à vista do interesse público, sem contraditório, sob pena de entravamento das investigações:

INQUÉRITO. AGRAVO REGIMENTAL. SIGILO BAN-CÁRIO. QUEBRA. AFRONTA AO ART. 5º X E XII, da CF: INEXISTÊNCIA. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. CONTRADITÓRIO. NÃO PREVALECE. I – A quebra do sigilo bancário não afronta o art. 5º - X e XII da Constituição Federal (Precedente: PET. 577). II – O princípio do contraditório não prevalece na fase inquisitória (HHCC 55.447 e 69.372; RE 136.239, inter alia). Agravo regimental não provido” (Supremo Tribunal Fe-deral, Agravo Regimental em Inquérito 897-5-DF, Sessão Plenária, Relator Ministro Francisco Rezek, m.v., 23-11-1994 – grifamos).

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Ação Cautelar (exibição de documentos bancários). Le-gitimidade do Ministério Público Estadual. Providências Investigatórias Urgentes e Preparatórias para o Inquérito Civil e Ação civil Pública. Constituição Federal, Arts. 5º, X e XII, 37, 127 e 129. Lei 4.595/64 (art. 38). Lei 7.347/85. Lei 4.728/65 (art. 4º, § 2º) e Lei 8.625/93 (arts. 25 e 26). 1. A parla de relevante interesse público e social, ampliou-se ao âmbito de atividades do Ministério Público para realizar atividades instrutórias, alicerçando informações para promo-ver o Inquérito e Ação Civil Pública (C.F., arts. 127 e 129, III – Lei 7.347/85, arts. 1º e 5º). 2. O sigilo bancário não é um direito absoluto, quando de-monstradas fundadas razões, podendo ser desvendado por requisição do Ministério Público em medidas e procedimen-tos administrativos, inquéritos e ações, mediante requisição submetida ao Poder Judiciário. 3. A ‘quebra de sigilo’ compatibiliza-se com a norma inscrita no art. 5º, X e XII, C.F., cônsono jurisprudência do STF. 4. O princípio do contraditório não prevalece no curso de das investigações preparatórias encetadas pelo Mi-nistério Público (RE. 136.239 – Ag. Reg. Em Inquérito n. 897 – DJU de 24.3.95). 5. Não constitui ilegalidade ou abuso de poder, provimento judicial aparelhando o Ministério Público na coleta de urgen-tes informações para apuração de ilícitos civis e penais. 6. Recurso improvido” (Superior Tribunal de Justiça, Re-curso Ordinário em Mandado de Segurança 8.716-GO, 1ª Turma, Relator Ministro Milton Luiz Pereira, v.u., 31-03-1998 – destacamos).RECURSO ORDINÁRIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. SI-GILO BANCÁRIO. DIREITO RELATIVO. SUSPEITA DE CRIME FINANCEIRO.1. A suspeita de crime financeiro, calcado em prova de lesivi-dade manifesta autoriza a obtenção de informações prelimi-nares acerca de movimentação bancária de pessoa física ou jurídica determinada por autoridade judicial com o escopo de instruir inquérito instaurado por órgão competente.2. A quebra do sigilo bancário encerra um procedimento administrativo investigatório de natureza inquisitiva, diverso da natureza do processo, o que afasta a alegação de violação dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.3. O sigilo bancário não é um direito absoluto, deparando-se ele com uma série de exceções previstas em lei ou impostas pela necessidade de defesa ou salvaguarda de interesses

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sociais mais relevantes. (Vide § 3º e § 4º do art. 1º e art. 7º da Lei Complementar 105/2001)4. Recuso ordinário improvido.Decisão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, José Delgado e Francisco Fal-cão votaram com o Sr. Ministro Relator. (Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 15146/SC (2002/0087609-7), 1ª Turma do STJ, Rel. Min. Luiz Fux. j. 18.03.2003, DJU 7-4-2003, p. 223). (grifo nosso)

Há que ressaltar que os sigilos bancário e fiscal não se constituem em direito absoluto, quando as informações deles decorrentes adquirem especial relevo para o interesse público, notadamente na hipótese de malversação de recursos públicos.

Nesse diapasão, o Ministério Público, no cumprimento de seu relevan-te mister constitucional insculpido no art. 127, inciso III, da Carta Magna Republicana, tem o dever de requerer tais informações visando à defesa do Patrimônio Público. Outra não é a lição da jurisprudência:

PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMI-NISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. COM-PETÊNCIA. SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL. MEDI-DAS INVESTIGATIVAS URGENTES. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERESSE PÚBLICO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. 1. Os sigilos bancário e fiscal não constituem direito absoluto, quando demonstradas fundadas razões de interesse público que, na hipótese, refere-se à investigação sobre malversação de verbas federais repassadas à Companhia Energética do Estado de Roraima - CER. 2. Legitimidade do “Parquet” para requisitar a quebra de sigilos bancário e fiscal ante sua função institucional prevista no art. 129, III, da Carta Magna. 3. Competência da Justiça Federal para emanar o ato autorizativo de tal medida restritiva extrema. 4. Ausência de ilegalidade ou abuso de poder. 5. Recurso Ordinário impro-vido. Decisão: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Garcia Vieira, Humberto Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira votaram com o Sr. Ministro Relator. Referências Legislativas: CF-88 Art. 5º Inc. X Inc. XII, Art. 109 Inc. I Art. 129 Inc.

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III. Veja: (Legalidade Quebra do Sigilo Bancário e Fiscal) STF - ROMS 23002/RJ STJ - ROMS 10939/SC (RDTJRJ 45/77), ROMS 7423/SP (RSTJ 102/62), AGINQ 187/DF (RDA 206/261, LEXSTJ vol. 90 Fevereiro/1997/319, REFOR 338/366), ROMS 10475/MT (LEXSTJ 130/362, RSTJ 134/547), ROMS 8757/GO. (Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 12131/RR (2000/0055637-8), 1ª Turma do STJ, Rel. Min. José Delgado, j. 21-6-2001, Publ. DJU 10-9-2001 p. 274) (grifo nosso)

Não há de se questionar a legitimidade do Ministério Público para a rea-lização do pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal, em Ação Civil Pública, visando à proteção do patrimônio público e apuração de ato de improbidade administrativa. A nova ordem constitucional, instaurada em 1988, ampliou, sobremaneira, as atribuições ministeriais, inclusive no campo da investigação. No particular, conferiu função institucional ao Parquet de “promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (art. 129, III).

Portanto, ao regulamentar a matéria, a legislação infraconstitucional outorgou ao Ministério Público a possibilidade de requisitar informações, exames e documentos de quaisquer autoridades, órgãos ou entidades públicos ou privados (art. 26, incisos I e II da Lei n. 8.625/93 – Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e a faculdade de requerer ao órgão judicial competente “a quebra de sigilo bancário [...] para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, instrução de procedimento administrativo preparatório de inquérito civil ou de ação civil [...]” (art. 83, X, alínea a, da Lei Complementar Estadual n. 197/00 – Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Santa Catarina).

O sigilo bancário está disciplinado na Lei Complementar n. 105, de 10 de janeiro de 2001, que afasta o sigilo das operações bancárias e financeiras, sem a necessidade de autorização judicial, na hipótese de requisições prove-nientes do Poder Legislativo, do Fisco e da Advocacia-Geral da União (arts. 3°, 4°, 5° e 6°):

Art. 3º Serão prestadas pelo Banco Central do Brasil, pela Co-missão de Valores Mobiliários e pelas instituições financeiras as informações ordenadas pelo Poder Judiciário, preservado o seu caráter sigiloso mediante acesso restrito às partes, que delas não poderão servir-se para fins estranhos à lide.§ 1º Dependem de prévia autorização do Poder Judiciário a prestação de informações e o fornecimento de documentos sigilosos solicitados por comissão de inquérito administrati-vo destinada a apurar responsabilidade de servidor público por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido.

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§ 2º Nas hipóteses do § 1º, o requerimento de quebra de sigilo independe da existência de processo judicial em curso.§ 3º Além dos casos previstos neste art. o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários fornecerão à Advocacia-Geral da União as informações e os documentos necessários à defesa da União nas ações em que seja parte.Art. 4º O Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários, nas áreas de suas atribuições, e as instituições financeiras fornecerão ao Poder Legislativo Federal as infor-mações e os documentos sigilosos que, fundamentadamente, se fizerem necessários ao exercício de suas respectivas com-petências constitucionais e legais.§ 1º As comissões parlamentares de inquérito, no exercício de sua competência constitucional e legal de ampla inves-tigação, obterão as informações e documentos sigilosos de que necessitarem, diretamente das instituições financeiras, ou por intermédio do Banco Central do Brasil ou da Comissão de Valores Mobiliários.§ 2º As solicitações de que trata este art. deverão ser previa-mente aprovadas pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, ou do plenário de suas respectivas comissões parlamentares de inquérito.Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este art. serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.

A referida Lei, na contramão dos dispositivos constitucionais que conformam a matriz de atuação do Ministério Público, não previu a possi-bilidade de acesso direto do Promotor de Justiça aos dados bancários dos investigados.

Apesar disso, a omissão da lei quanto ao acesso direto do Ministério Público ao sigilo bancário não afasta sua possibilidade, tendo em vista o plexo de atribuições inseridos na Constituição da República lhe dá legitimidade.

Assim é o entendimento de Rogério Pacheco Alves6: a Constituição Federal comete ao Parquet a atribuição de instaurar o inquérito civil “para a proteção do patrimônio público”, não se poderia mesmo conceber que a sua atuação protetivo-reparadora se visse subordinada a uma decisão do Poder Judiciário, pois, como soa evidente, quem comete os fins (defesa do patrimônio público por intermédio do inqué-rito e da ação civil pública) deve, também, conferir os meios. Meios eficazes, que garantam a máxima potencialização dos preceitos constitucionais.[...]

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Não obstante, não satisfeito com a enunciação genérica con-tida no art. 129, III, o legislador constituinte foi mais longe, estabelecendo no inciso VI do mesmo art. 129 o poder de requisição de “informações e documentos” para instruir os procedimentos administrativos da atribuição do Ministério Público (cíveis ou criminais), não criando, como se extrai do texto, qualquer restrição. E, atualmente, como já ressaltado, a plena aplicabilidade da regra viu-se alcançada pela edição da legislação orgânica (Lei n. 8.625/93 e Lei Complementar n. 75/93) referida no próprio texto constitucional (“na forma da lei complementar respectiva”). [...]É relevante notar, por outro lado, que quando o legislador constituinte desejou reservar ao Poder Judiciário o mono-pólio de “violação da privacidade” o fez expressamente, tal como se vê no art. 5°, XII, que possibilita a interceptação das conversas telefônicas somente por intermédio de ordem de autoridade judiciária (criminal) competente, bem assim no inciso XI do mesmo art., que, salvo nas situações de flagrância, desastre ou emergência, submete a possibilidade de violação do domicílio a prévia autorização judicial. Nada dizendo a respeito do sigilo bancário, que sequer conta com referência específica, ilegítimos os óbices geralmente levanta-dos à atuação constitucionalmente arrimada do Parquet.[...]Em resumo, consideramos que a regra do sigilo, cujo con-teúdo ético parece ter sido esquecido por alguns, não pode servir de obstáculo ao pleno exercício de uma atribuição imperativamente conferida ao Ministério Público pelo pró-prio texto constitucional.

O mesmo posicionamento é adotado por Luiz Fernando Bellinetti7: A nosso ver, somente uma alteração no texto constitucional poderia autorizar a proibição de requisição de informações bancárias diretamente pelo Ministério Público Estadual. Isto por estar ele devidamente autorizado por lei editada para dar aplicabilidade aos dispositivo constitucional do art. 129, inc. VI (n. 8.625/93), embora elaborada sob a forma de lei ordinária, foi editada justamente para complementar o texto constitucional, permitindo efetiva aplicação, e o dispositivo apontado simplesmente detalha o previsto no inc. VI do art. 129 da CF. Portanto, é importante frisar que o poder de requisição das informações deriva do Texto Constitucional, que é complementado pela aludida Lei Orgânica.

Da mesma forma, pensam Hugo Nigro Mazzili8 e Nelso Nery Junior9, à luz do disposto no art. 129, VI, da Constituição da República e do art. 8°, §§ 1° e 2°, da Lei Complementar n. 75/1993 c/c art. 80 da Lei n. 8.625/1993,

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não pode ser oposta ao Ministério Público a exceção legal de sigilo.Esse entendimento, no entanto, não vem sendo acolhido pelos Tri-

bunais Superiores, os quais vêm repelindo a possibilidade de requisição de dados bancários por parte do Ministério Público, limitando o alcance do art. 8°, § 2°, da Lei Complementar n. 75/1993, o que condiciona a quebra do sigilo bancário à intervenção judicial, sob o argumento de que a autorização é necessária para a imparcial ponderação dos bens envolvidos e consequente acesso à referida informação.

A jurisprudência, no Supremo Tribunal Federal, consolidou-se no sentido de que o acesso ao sigilo bancário somente pode se dar por meio de ordem judicial:

1. RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Institui-ções Financeiras. Sigilo bancário. Quebra. Requisição. Ilegi-timidade do Ministério Público. Necessidade de autorização judicial. Jurisprudência assentada. Ausência de razões novas. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Nega-se provimento a agravo regimental tendente a impugnar, sem razões novas, decisão fundada em jurisprudência assente na Corte. 2. RECURSO. Agravo. Regimental. Jurisprudência assentada sobre a matéria. Caráter meramente abusivo. Litigância de má-fé. Imposição de multa. Aplicação do art. 557, § 2º, cc. arts. 14, II e III, e 17, VII, do CPC. Quando abusiva a interposição de agravo, manifestamente inadmis-sível ou infundado, deve o Tribunal condenar a agravante a pagar multa ao agravado.( RE-AgR 318136-RJ, AG.REG. No Recurso Extraordinário, Relator(a): Min. Cezar Peluzo, Julgamento: 12-9-2006.)

Da mesma forma, em reiteradas decisões, o Superior Tribunal de Jus-tiça10 vem assentando que o sigilo bancário não é absoluto e, por isso mes-mo, havendo relevante interesse social, poderá ser quebrado, sem afronta à proteção da privacidade, por requisição do Ministério Público, em medidas e procedimentos administrativos, inquéritos e ações, desde que submetidas ao Poder Judiciário.

Nesse sentido, outrossim, julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

MANDADO DE SEGURANÇA DIRIGIDO CONTRA ATO DE JUIZ QUE DETERMINOU A QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO DOS IMPETRANTES - INDÍCIOS DE CONDUTAS ILÍCITAS - LEGALIDADE - INOCOR-RÊNCIA DE OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CER-TO - ART. 5º, INCISOS X e XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E INCISO VI, DO § 4º DO ART. 1º DA LEI COMPLEMENTAR N. 105/01 - ORDEM DENEGADA.

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É legítima a quebra do sigilo bancário quando há interesse público relevante, como o da investigação fundada em sus-peita razoável de infração penal, desde que ordenada pelo Poder Judiciário. “O poder de investigação do Estado é dirigi-do a coibir atividades afrontosas à ordem jurídica e a garantia do sigilo bancário não se estende às atividades ilícitas” (STF). (Mandado de Segurança 2005.003870-5, Relator: Irineu João da Silva, Data da Decisão: 28-6-2005.- grifo nosso).

Em contrapartida, Emerson Garcia11 critica o posicionamento adotado pelas Cortes Superiores:

Tendo o Ministério Público interesse direto na persecução do ato que enseja a quebra do sigilo, não deteria a Instituição a imparcialidade necessária para a realização de tal ponde-ração, motivo pelo qual lhe é vedada, em regra, a requisição direta das informações cobertas pelo sigilo bancário. Esse entendimento não nos parece correto, pois, ainda que o Ministério Público assuma uma posição específica no limiar da relação processual, não se pode taxar de parcial uma Instituição comprometida, não com interesses privados e adredemente individualizados, mas com a consecução do próprio interesse social. Além disso, se o Ministério Público não detém a imparcialidade necessária para a quebra do sigilo bancário, como se sustentaria a constitucionalidade da Lei Complementar n. 105/2001, que outorgou essa prerrogativa ao Fisco? Ou alguém sustentaria que o legislador infra-constitucional pode realizar referido juízo de ponderação da forma que melhor lhe aprouver e outorgar, a quem lhe convier, o poder de quebra do sigilo bancário? Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal não reconheceu a inconstitu-cionalidade da Lei Complementar n. 105/2001, o que está a demonstrar que o segundo questionamento respondido de forma positiva, vale dizer, o Legislador pode autorizar que determinados órgãos, que não os jurisdicionais, tenham acesso ao sigilo bancário”.

Já, no caso envolvendo recursos públicos, o Supremo Tribunal Federal decidiu no sentido de que o Poder Público, na sua condição de mero instru-mento destinado à consecução de uma atividade finalística de interesse público, não tem qualquer direito à privacidade ou à intimidade. Assim, por força do comando constitucional (art. 37, caput), seus atos estão sujeitos ao princípio da publicidade, o que elimina qualquer possibilidade de sigilo com relação a recursos públicos que tem o dever de gerenciar:

Mandado de Segurança. Sigilo bancário. Instituição fi-nanceira executora de política creditícia e financeira do Governo Federal. Legitimidade do Ministério Público para requisitar informações e documentos destinados a instruir

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procedimentos administrativos de sua competência. 2. So-licitação de informações, pelo Ministério Público Federal ao Banco do Brasil S/A, sobre concessão de empréstimos, subsidiados pelo Tesouro Nacional, com base em plano de governo, a empresas do setor sucroalcooleiro. 3. Alegação do Banco impetrante de não poder informar os beneficiários dos aludidos empréstimos, por estarem protegidos pelo sigilo bancário, previsto no art. 38 da Lei n. 4.595/1964, e, ainda, ao entendimento de que dirigente do Banco do Brasil S/A não é autoridade, para efeito do art. 8º da LC n. 75/1993. 4. O poder de investigação do Estado é dirigido a coibir atividades afrontosas à ordem jurídica e a garantia do sigilo bancário não se estende às atividades ilícitas. A ordem jurídica confere explicitamente poderes amplos de investigação ao Ministério Público - art. 129, incisos VI, VIII, da Constituição Federal, e art. 8º, incisos II e IV, e § 2º, da Lei Complementar n. 75/1993. 5. Não cabe ao Banco do Brasil negar, ao Ministério Público, informações sobre nomes de beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição, com recursos subsidiados pelo erário federal, sob invocação do sigilo bancário, em se tratando de requisição de informações e documentos para instruir procedimento administrativo instaurado em defesa do patrimônio público. Princípio da publicidade, ut art. 37 da Constituição. 6. No caso concreto, os empréstimos concedidos eram verdadei-ros financiamentos públicos, porquanto o Banco do Brasil os realizou na condição de executor da política creditícia e financeira do Governo Federal, que deliberou sobre sua con-cessão e ainda se comprometeu a proceder à equalização da taxa de juros, sob a forma de subvenção econômica ao setor produtivo, de acordo com a Lei n. 8.427/1992. 7. Mandado de segurança indeferido. (MS 21729 / DF - DISTRITO FEDERAL, MANDADO DE SEGURANÇA, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Julgamento: 5-10-1995).

Nota-se que o pedido de quebra do sigilo é feito por meio de ofício envidado ao Banco Central - método tradicional que se prolonga no tempo e retarda o término das investigações. Os Juízes oficiam diretamente ao Banco Central requisitando as informações, prática que exige o reenvio das requisi-ções a todas as instituições financeiras componentes do Sistema Financeiro Nacional, o que torna lento o processamento das ordens.

Tendo em vista o princípio da eficiência e da efetividade, o Banco Central do Brasil criou um sistema informatizado (Bacen Jud) para agilizar o cumprimento de determinações e requisições judiciais relativas a ativos financeiros.

Nessa senda, a Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça deste Estado

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editou, em 25 de maio de 2006, o Provimento n. 05/2006, dispondo sobre a utilização do Sistema Bacen Jud.

No citado Ato, considerou-se, dentre outras coisas: 1) as diretrizes constitucionais consubstanciadas no princípio da eficiência (CF, art. 37, caput) e de que a todos são assegura-dos a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (CF, art. 5º, LXXVIII); 2) o princípio do resultado, segundo o qual todo processo de execução realiza-se no interesse do credor (CPC, art. 612); 3) os elevados custos financeiros do processo de execução, os quais oneram o Estado e as partes e 4) a preferência legal do dinheiro em relação aos demais bens passíveis de penhora (CPC, art. 655, I; Lei n. 6.830/80, art. 11, I).

Mecanismo eletrônico para a quebra do sigilo bancário: Bacen Jud 2.0:

Sobre a natureza do Bacen Jud e sua aplicação prática, elucidativas as palavras de Eduardo Sens dos Santos12:

O Bacen Jud nada mais faz que encurtar o caminho entre o Banco Central do Brasil e as instituições financeiras, repas-sando aos agentes do Sistema Financeiro a ordem judicial, que em pouco tempo é executada.Além do bloqueio de ativos, o Bacen Jud possibilita requisitar informações sobre a existência de contas correntes e demais aplicações financeiras, como poupanças, fundos de renda fixa e variável e fundos de previdência privada.O sistema do Bacen Jud, há muito utilizado na execução pelos juízes do trabalho, pode então ser conceituado como um sistema informatizado para trânsito de ordens judiciais recebidas pelo Banco Central do Brasil entre as instituições componentes do Sistema Financeiro Nacional. Institui, em verdade, ofícios eletrônicos, emitidos pelo magistrado para tornar bens indisponíveis, requisitar informações bancárias ou simplesmente penhorar dinheiro, sendo por isso conhe-cido como “penhora on-line”.É de se observar que, ao invés de prejuízo ao sigilo ban-cário, a adoção do sistema Bacen Jud na verdade amplia a garantia constitucional, à medida que torna mais seguro o processamento da ordem judicial e impede que terceiros to-mem conhecimento da medida. Em determinadas hipóteses nem mesmo o escrivão judicial sabe da medida antes de o processo retornar ao cartório, situação que inevitavelmente ocorria antes.

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Por outro lado, o sistema não expõe a intimidade do indiví-duo a público. Pelo contrário: como os “ofícios eletrônicos” tramitam criptografados eletronicamente, o risco de a infor-mação chegar a pessoas não autorizadas é mínimo, muito menor, diga-se de passagem, do que o risco de uma senha bancária comum ser apropriada por hackers.Na verdade, o Bacen Jud apenas transformou o meio pelo qual transitavam as informações sobre quebra do sigilo bancário e sobre bloqueios: o ofício impresso em papel e remetido pelo correio transformou-se em “ofício eletrôni-co”, ou seja, em informação criptografada eletronicamente remetida pela Internet.[...]De forma bastante simples, em execução de títulos extraju-diciais (por exemplo o ajustamento de conduta), na fase de cumprimento da sentença, em cautelares ou mesmo em sede liminar é possível ao juiz, de ofício, mediante provocação de qualquer interessado ou do Ministério Público, realizar o bloqueio de ativos financeiros ou a pesquisa de informações bancárias.Para tanto, de forma a resguardar o sigilo, o próprio juiz deve solicitar ao Tribunal de Justiça o fornecimento de sua senha pessoal. Em Santa Catarina, basta o juiz pessoalmente ligar para a secretaria da Presidência do Tribunal de Justiça, no telefone 48 3221-1243, e informar sua matrícula e seu e-mail. O servidor responsável – o master, no anglicismo utilizado pelo Bando Central – acessará o sistema Bacen Jud e em poucos minutos criará a senha para o magistrado.De posse do código, deve-se então acessar a página www.bcb.gov.br/ju-diciario, informar o código da instituição, que também será fornecido pelo servidor responsável, o nome do usuário e a senha e selecionar as opções disponíveis.Neste momento, é imprescindível o conhecimento do CPF ou do CNPJ do titular dos ativos financeiros a serem blo-queados, pois não é possível pesquisa por nome ou outro dado. Daí a relevância de no pedido indicar-se tal dado com absoluta precisão.Os centros de apoio operacional do Ministério Público de Santa Catarina dispõem de meios para facilmente encontrar tais dados diante do nome da pessoa a ser pesquisada. O sistema Infoseg, já disponível diretamente aos membros do Ministério Público, permite a procura pelo CPF de qualquer pessoa que tenha veículo registrado em seu nome.[...]Em Pomerode três ex-prefeitos, um deputado federal,

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um servidor e uma empresa fantasma foram condenados em ação de improbidade administrativa ao pagamento de aproximadamente meio milhão de reais cada um – trabalho brilhantemente realizado pelos colegas Odair Tramontin e João Carlos Teixeira Joaquim. Diante do evidente fumus boni juris, e à vista do recente periculum in mora que significava a notícia da condenação, propôs-se ação cautelar para bloquear todos os ativos finan-ceiros das pessoas envolvidas.Requereu-se ainda fosse oficiado à Comissão de Valores Mobiliários, tendo em vista a notícia de serem titulares de ações no mercado financeiro, ao Incra, para apurar a pro-priedade de imóveis rurais, além de ao Detran e aos registros de imóveis da região.O pedido foi deferido pelo juiz Roberto Lepper, que pes-soalmente registrou o bloqueio on-line no Bacen Jud. Dias após todos os ativos financeiros dos réus estavam bloqueados integralmente.No decorrer da ação sobrevieram informações sobre as con-tas correntes e demais aplicações financeiras dos réus, bem como sobre os valores indisponibilizados. Posteriormente, mediante novo pedido do Ministério Público, a juíza Iraci Satomi Kuraoka Schiocchet determinou via Bacen Jud que todas as agências do país em que os requeridos tivessem contas apresentassem extratos bancários desde o ano de 1997, o que foi prontamente realizado. De posse dos dados, pôde-se tornar ainda mais evidente a prova de transações ilícitas ocorridas no período em que os agentes públicos exerceram os cargos.[...]Apesar de os valores encontrados não terem sido suficientes para saldar o débito, a utilização do Bacen Jud se demonstrou ágil e eficaz, notadamente em se considerando a pluralidade de envolvidos e a multiplicidade de contas, inclusive algu-mas delas situadas em outros Estados da Federação e em Brasília.

Nova versão do sistema (Bacen Jud 2.0), que entrou em vigor em 29-2-2008, apresenta procedimentos mais sofisticados, o que torna mais efetivo o cumprimento das ordens judiciais referentes a informações bancárias.

Nesse sentido, leia-se o aviso emitido pelo Banco Central13:A V I S O DO BANCO CENTRAL DO BRASIL SENHORES USUÁRIOS DO SISTEMA BACEN JUD 2.0Diante do contínuo processo de aperfeiçoamento do sistema

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Bacen Jud 2.0 e das atuais necessidades do Poder Judiciá-rio, em 29.02.2008, será lançada a nova versão do sistema Bacen Jud 2.0, que apresentará, entre outras, as seguintes melhorias:- requisição de informações: consulta a relação de agências e contas existentes, saldo consolidado, ende-reços e extratos bancários de clientes de instituições financeiras;[...]A fim de viabilizar a inclusão das citadas melhorias no sis-tema, o Bacen Jud 2.0 ficará indisponível para os usuários entre 19h do dia 25-2 às 9h de 29-2-2008.Por motivo de segurança operacional, a funcionalidade de “requisição de informações” será liberada, no período de 29.02 a 17.03.2008, somente para alguns magistrados. A partir de 18.03.2008, essa funcionalidade será liberada para todos magistrados. As demais melhorias dessa nova versão passarão a vigorar a partir de 29.02.2008, juntamente com as funcionalidades da versão anterior.Eventuais dúvidas sobre o sistema informatizado BACEN JUD 2.0 poderão ser dirimidas pelo telefone (48) 3221-1037 ou por intermédio do e-mail [email protected]. (grifo nosso).

Consta também no site da Corregedora-Geral de Justiça de Santa Cata-rina, o Regulamento do Bacen Jud 2.014, donde se extrai:

ART. 17 - O sistema BACEN JUD 2.0 permitirá ao Poder Judiciário solicitar as seguintes informações: saldo consolida-do, extrato de contas (corrente, poupança e investimento), de aplicações financeiras e de outros ativos (bloqueáveis e não bloqueáveis pelo sistema) e endereços das pessoas físicas/jurídicas a serem pesquisadas. A resposta a essas solicitações tem caráter meramente informativo.PARÁGRAFO ÚNICO - As solicitações de extrato, limita-das ao período dos últimos cinco anos, serão respondidas por oficio (em papel), em até 30 dias. As demais solicitações serão respondidas via sistema, no prazo previsto no caput do art. 3°.[...]ART. 19 - O sistema BACEN JUD 2.0 será implementado em três etapas:I. Primeira etapa: ordens judiciais de bloqueio, desbloqueio e transferência de valores para contas judiciais, que serão cumpridas, nessa fase, com observância dos saldos exis-tentes em contas de depósitos à vista (contas correntes), de

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investimento e de poupança, fundos de investimento sob administração e depósitos a prazo (CDB/RDB) sob custódia das instituições financeiras;II. Segunda etapa: incorpora as ordens judiciais de solicita-ções de informações; e os bloqueios passam a incidir também sobre os demais ativos.III.Terceira etapa: incorpora as comunicações relativas ao processo de falência; relatórios gerenciais e a inserção, pelo BACEN, das ordens judiciais recebidas fora do sistema (em papel).PARÁGRAFO ÚNICO – Não haverá migração de ordens judiciais entre o atual sistema BACEN JUD e o BACEN JUD 2.0, de forma que as ordens judiciais encaminhadas em um sistema não terão tratamento no outro.

Quanto à aplicabilidade prática do Bacen Jud, já se manifestou o Tri-bunal de Santa Catarina:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – SIGILO FISCAL E BANCÁRIO – OFÍCIOS AO BAN-CO CENTRAL E À RECEITA FEDERAL E BLOQUEIO DE VALORES DEPOSITADOS – POSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE – NÃO ENCONTRADOS BENS PASSÍVEIS DE PENHORA – CONVÊNIO BACEN JUD – PROVI-MENTO. ”Proclamou o Superior Tribunal de Justiça: “1. A jurisprudência desta Corte admite a quebra do sigilo bancário e o bloqueio de valores depositados em conta corrente, após a constatação inviabilidade dos meios postos à disposição do exequente para a localização de bens do devedor. 2. A recorrida logrou demonstrar que teria esgotado todas as providências para a localização de bens penhoráveis, que justifica a providência excepcional” (REsp n. 735128/SP).AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA DE DINHEIRO – SISTEMA BACEN JUD – APLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA EFICIÊNCIA E RESULTADO. “A penhora em dinheiro através do Sistema Bacen Jud foi autorizada pelo CTN (art. 185-A). Ato seguinte, a Corregedoria Geral deste Tribunal de Justiça editou, em 25 de maio de 2006, o Provimento n. 05/2006, dispondo sobre a utilização do procedimento. “Tendo sido consideradas no ato administrativo as diretrizes consubstanciadas no princípio da eficiência (CRFB, art. 37, caput) e da razoável duração do processo (CRFB, art. 5º, LXXVIII), bem como o princípio do resultado, segundo o qual toda execução realiza-se no interesse do credor (CPC, art. 612), torna-se legítima a constrição verificada nos autos, porque em consonância com postulados constitucionais e

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ainda atendido o disposto no art. 11, I, da Lei n. 6830/80 c/c o art. 185-A do CTN.” (AI n. 2006.030898-0, de Itajaí, Rel. Des. Volnei Carlin, j. em 09.11.06)

Pode-se concluir, por fim, que o sistema Bacen Jud 2.0 amplia os ins-trumentos à disposição do promotor para o desempenho de suas funções, quer na investigação de atos de improbidade administrativa, quer no caso de ilícitos praticados mediante uso do Sistema Financeiro Nacional, ou mesmo na adoção de providências cautelares, na satisfação de créditos oriundos de sentenças condenatórias e nos ajustamentos de conduta.

1Promulgado pelo Decreto 592, de 6.7.92. Dispõe o art. 17: “Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais a sua honra e reputação”.

2Promulgada pelo Decreto 678, de 6.11.92. O art. 11 praticamente repete a disposição contida no Pacto Internacional acima transcrita.

3Petição n. 577 (Questão de Ordem), j. 25.03.92, RTJ v. 148/370.4GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro:

Lumens Júris, 2006, p. 576.5STF – MS n. 2.172, 1ª T, Rel. Nelson Hungria, Diário da Justiça, 7 jun. 1954, p. 1.805;

Tribunal de Justiça de São Paulo, Agravo de Instrumento n. 203.152-1 – Jaú – Relator Des. Donaldo Armelin; Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível n. 258.031-2 – Jundiaí, 4ª Câmara Cível, Relator Des. Ribeiro Machado.

6GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Rio de Ja-neiro: Lumens Júris, 2006, p. 579-580.

7BELLINETTI, Luiz Fernando. Limitações Legais ao Sigilo Bancário. p. 160-161.8Regime Jurídico do Ministério Público, p. 407/409.9Código de Processo Civil Comentado, p. 1425.10HC n. 1290/MG, RSTJ 36/113; HC n. 2353-RJ, DJ 09.05.1994, p. 10882; HC n. 2019-

RJ, RSTJ 60/119; Resp. n. 9027-CE, DJ 02.12.1996, p. 47732; Resp. n. 79026-DF, DJ 03.05.199, p. 182.

11GARCIA, Emerson. Ministério Público, Organização, Atribuições e Regime Jurídico. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005, p. 357-358.

12Art.: Bloqueio on-line de Ativos Financeiros – Apesctos Práticos. Eduardo Sens dos Santos – Promotor de Justiça em Santa Catarina.

13http://cgj.tj.sc.gov.br/bacen/documentos/bacenjudaviso.pdf , acessado em 22.02.08.14http://cgj.tj.sc.gov.br/bacen/material/regulamentobacenjud_2_0.pdf, acessado em 22 de

fevereiro.

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PESQUISA - CMA n. 50/2008Data: 11 de março de 2008

Improbidade administrativa – Res-ponsabilidade dos sucessores do agente ímprobo – Ressarcimento ao erário – Multa civil.

CONTEÚDO:

Cuida-se de solicitação de apoio operacional, formulada pela 2ª Pro-motoria de Justiça de Curitibanos, nos seguintes termos:

No ano de 2005 ingressou-se com ACP por ato de impro-bidade administrativa, contra o ex-prefeito Municipal de Curitibanos - Sr. Generino Fontana, falecido em 2006 - após a regularização do pólo passivo, foi prolatada sentença que julgou procedente em parte a inicial ingressada pelo MPSC, condenando o espólio nos seguintes termos:

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‘Diante do exposto, julgo procedente em parte o pedido para condenar o espólio de Generino Fontana ao pagamento de metade (50%) dos valores dispendidos com publicidade inde-vida em jornais locais, em favor do Município de Curitibanos, bem como na totalidade das despesas com desenvolvimento de logomarca identificadora da administração 2001/2004 e sua impressão em matérias de uso público. O montante final será apurado em liquidação de sentença. Ainda, concedo liminar declarando indisponíveis os bens do espólio de Ge-nerino Fontana, em sua totalidade, para garantia de eficácia da decisão, levando-se em conta o periculum in mora acima reconhecido e a imperiosa necessidade de ressarcimento dos cofres públicos. Liquidada a sentença, a indisponibilidade restará estabelecida no montante apurado do débito, libe-rando-se eventual excesso indisponível. Oficie-se ao Juízo em que tramita o inventário para ciência e cumprimento da indisponibilidade liminarmente decretada. Condeno o espó-lio réu ao pagamento das custas processuais. P. R. I.’.Nossa dúvida paira no seguinte ponto: na fundamentação de sua decisão o MM Juiz argumentou que “quanto aos demais pedidos, perderam completamente o objeto com o advento da morte do ex-prefeito, inclusive a multa patrimonial, que não pode ter por finalidade punir os herdeiros, mas apenas o autor do ato que diante do óbito restou prejudicado”. A sanção de multa civil prevista no art. 12, II da LIA, com o falecimento do agente, perde seu objeto? Sabe-se que as demais sanções previstas, como perda dos direitos políticos, proibição de contratar com o poder público, etc., realmente perderam o seu objeto, a sua finalidade, mas e a multa? (grifou-se).

Em síntese, o questionamento do Consulente é atinente à aplicação de multa civil, prevista na Lei n. 8.429/92 (LIA), aos herdeiros de agente que lesou o patrimônio público ou que enriqueceu ilicitamente.

Tal dúvida decorre dos seguintes dispositivos da LIA:Art. 8º O sucessor daquele que causar lesão ao patrimô-nio público ou se enriquecer ilicitamente está sujeito às cominações desta lei até o limite do valor da herança. [...]Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguin-tes cominações:[...]II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do

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dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; [...] (grifou-se).

Para responder ao questionamento levantado, é necessário verificar o alcance da expressão que determina a aplicação das cominações da LIA aos sucessores do agente ímprobo.

Antes de tudo, imperioso destacar que a Constituição Federal (CF/88) assim reza:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos es-trangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[...]XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; [...]§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respec-tivas ações de ressarcimento. (grifou-se)

Outrossim, consta no Código Civil (CC):Art. 943. O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança.[...]Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.[...]

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Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demonstrando o valor dos bens herdados. (grifou-se)

Feito um cotejo desses dispositivos, entende-se que o ressarcimento ao erário (que inclui a perda de bens adquiridos ilicitamente), previsto na LIA, não caracteriza uma sanção decorrente da prática de ato de improbidade administrativa, mas, antes disso, uma obrigação (de reparar um dano causado) que encontra esteio na CF/88 e no CC.

Nesse sentido, aduz Emerson Garcia: Aquele que causar dano a outrem tem o dever de repará-lo, dever este que reside na necessidade de recompor o patrimônio do lesado, fazendo com que este, tanto quanto possível, retorne ao estado em que se encontrava, por ocasião da prática do ato lesivo.Essa concepção, hodiernamente, encontra-se ampla-mente difundida e erigida à categoria de princípio geral de direito, sendo integralmente aplicada em se tratando de danos causados ao patrimônio público. Note-se, no entanto, que o texto legal não tem o poder de alterar a essência ou a natureza dos institutos; in casu, observa-se que a reparação dos danos, em essência, não representa uma punição para o ímprobo, pois tão-somente visa repor o status quo”.1

Vale lembrar que, mesmo que o dano ao erário seja decorrente de ato anterior ao início da vigência da LIA ou que tenha ocorrido a prescrição prevista no art. 23 daquela Lei, pode-se ingressar com uma ação que vise tão-somente ao ressarcimento ao erário, conforme expresso na CF/88.

E, em complementação a esse pensamento, tanto a CF/88 quanto o CC permitem que a obrigação de reparar os danos (leia-se: ressarcimento ao erário) transmita-se aos sucessores do agente (até o valor da herança).

Por outro lado, a multa civil prevista na LIA é uma autêntica sanção ao agente ímprobo.

Para Emerson Garcia, Como se vê, sob o prisma ôntico, não há distinção entre as sanções cominadas nos diferentes ramos do direito, quer tenham natureza penal, civil, política ou admi-nistrativa, pois, em essência, todas visam a recompor, coibir ou prevenir um padrão de conduta violado, cuja observância apresenta-se necessária à manutenção do elo de encadeamento das relações sociais.[...]

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Caberá ao órgão incumbido da produção normativa, dire-cionado pelos fatores sócio-culturais da época, identificar os interesses que devem ser tutelados e estabelecer as sanções em que incorrerão aqueles que os violarem. Inexistindo um elenco apriorístico de sanções cuja aplicação esteja adstrita a determinado ramo do direito, torna-se possí-vel dizer que o poder sancionador do Estado forma um alicerce comum, do qual se irradiam distintos efeitos, os quais apresentarão peculiaridades próprias conforme a seara em que venham a se manifestar”.2 (grifou-se)

Assim, Em que pese à sua natureza extrapenal, a aplicação das sanções cominadas na Lei de Improbidade, não raro, haverá de ser direcionada pelos princípios básicos norteadores do direito penal, o qual sempre assumirá uma posição subsidiária no exercício do Poder sancionador do Estado, já que este, como visto, deflui de uma origem comum, e as normas penais, em razão de sua maior seve-ridade, outorgam garantias mais amplas ao cidadão”.3 (grifou-se)

Comentando especificamente sobre a multa civil prevista no art. 12 da LIA, Emerson Garcia destaca que: “Muitas são as vantagens que apresenta, dentre elas o papel punitivo sobre o infrator; o intimidativo sobre os demais componentes do grupamento; e o fator de renda par o Estado, ente para o qual é revertido o valor arre-cadado”.4 (grifou-se)

Seguindo essa linha de raciocínio, diante do caráter personalíssimo das sanções (decorrente do caráter punitivo que se encontra em seu âmago), per-cebe-se que a multa civil só pode ser aplicada ao próprio agente ímprobo. E é notório que a personalidade das pessoas naturais se extingue com a morte (art. 6º do CC).

Embora se compreenda que a aplicação da multa ao agente ímprobo se reflita diretamente no seu patrimônio e que o seu espólio é constituído justamente por esse (ativo e passivo), percebe-se que são personalidades distintas.

Logo, aplicando-se a multa civil ao espólio do agente ímprobo ou aos seus herdeiros, estar-se-ia punindo pessoas distintas das que praticaram os atos ilícitos, pois, como dito, a personalidade do agente estaria extinta desde a sua morte.

Corroborando o exposto, Wallace Paiva Martins Júnior, afirma queA regra do art. 8º da Lei Federal n. 8.429/92 deriva dos arts. 1526 do Código Civil de 1916 (art. 943 do CC/02) e 5º, XLV, da Constituição Federal. A transmissibilidade

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das sanções derivadas da improbidade administrativa limita-se às hipóteses da perda dos bens ou valores ilicitamente acrescidos e ao ressarcimento integral do dano, excluindo-se as demais cabíveis em face de seu caráter personalíssimo”.5. (grifou-se)

Além disso, recorda Emerson Garcia: O direito positivo pátrio tem tradicionalmente se afastado da tese de que a multa deveria ser fixada em percentual inci-dente sobre o patrimônio do devedor, sendo sua aplicação normalmente norteada por critérios concernentes à personalidade do agente, às circunstâncias da conduta e aos seus efeitos.O art. 12 da Lei n. 8.429/92, em seus três incisos, procura co-minar as multas passíveis de aplicação ao ímprobo de forma correlata à natureza do ato por ele praticado”.6 (grifou-se)Assim, quais seriam os critérios que balizariam a aplicação de multa civil ao espólio ou aos herdeiros, uma vez que eles não praticaram nenhum ato de improbidade administrativa? Vale anotar que, “No mais, considerando-se a previsão autônoma de ressarcimento do dano, não há que se falar em caráter indenizatório da multa. Esta não se encontra alicerçada em uma relação de equilíbrio com o dano causado, que é valorado unicamente para fins de fixação do montante da multa, a qual sempre atingirá patamares superiores aos do dano”.7

Nesse passo, imperioso demonstrar que, apesar da fundamentação até então exposta, Emerson Garcia conclui de forma diferente:

Cumpre ressaltar que a multa ora analisada tem natureza civil e sancionatória, o que inviabiliza o aproveitamento de argu-mentos comumente relacionados à multa aplicada na esfera penal, em especial a assertiva de que ela não seria transmissí-vel aos herdeiros do ímprobo falecido”.8 E continua: “Assim, em sendo aplicadas ao ímprobo as sanções cominadas no art. 12, arcará o sucessor com aquelas de natureza pecuniária – pagamento de multa civil, ressarcimento integral do dano e perda de bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio.[...]Com efeito, de acordo com o art. 5º, XLV, da CR/88, ‘ne-nhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido’. Em que pese não se referir o texto constitucional

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à multa, tal não tem o condão de excluir sua transmissibili-dade aos sucessores quando sua aplicação resultar da prática de um ato de improbidade”.9 (grifou-se).

O Autor acrescenta a seguinte nota de rodapé:Em sentido contrário, entendendo que a multa civil não é transmissível, Rita Tourinho (Discricionariedade..., p. 219), Marino Pazzaglini filho et alii (ob. Cit, pp. 139-140), Luis Cládio Almeida dos Santos (‘Reflexões sobre a Lei n. 8.429, de 2-6-1992 – ‘Lei Anticorrupção’’, in Revista do Ministério Público do Estado do Sergipe n. 5/28), Wallace Paiva Martins Júnior (Probidade Administrativa, p. 253), Francisco Octavio de Almeida Prado (Improbidade adminis-trativa, pp. 142-143) e Cristiano Álvares Valladares do Lago (Improbidade Administrativa, in RT 786/802). No sentido do texto: Sérgio Monteiro Medeiros (Lei de Improbidade Administrativa, p. 49)”.10 (grifou-se).

Adiante, fundamentando a posição esposada, aduz o referido doutri-nador:

Se não vejamos: a) a posição topográfica do inciso XLV do art. 5º denota claramente que ele se refere à pena aplicada em virtude da prática de uma infração penal, o que é robus-tecido pela nomenclatura utilizada (pena e condenado); b) a não-transmissibilidade da multa penal não pode ser utilizada como paradigma, pois as sanções penais, quaisquer que sejam elas, são eminentemente pessoais; c) a multa cominada ao ímprobo tem natureza cível, o que deflui da nomenclatura empregada e da própria natureza jurídica das sanções pre-vistas no art. 12 da Lei n. 8.429/92; d) tendo natureza cível e não sendo consectário de uma infração penal, eventual multa aplicada deve ser adimplida com o patrimônio deixado pelo ímprobo, o que revela-se [sic] consentâneo com o princípio de que o patrimônio do devedor responde por suas dívidas (arts. 391 e 942 do CC de 2002 e art. 1.518 do CC de 1916); e) a sanção aplicada não recairá sobre a pessoa do herdeiro, e sim sobre o patrimônio deixado pelo de cujus; f) estão sujeitos às cominações da Lei até o limite do valor da he-rança, o que também denota que somente são transmitidas aquelas de natureza patrimonial; g) guarda grande similitude com a espécie o tratamento legal e doutrinário dispensado às penalidades pecuniárias resultantes do descumprimento da legislação tributária, que também têm natureza sancionatória e às quais é reconhecida a natureza de obrigação tributária principal, sendo transmissíveis aos sucessores do de cujus e h) no âmbito da legislação civil, as cláusulas penais, ver-dadeiras penalidades aplicadas ao contratante que deixar de

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cumprir, ou apenas retardar, a obrigação que assumira, são induvidosamente transmissíveis aos seus herdeiros.[...]Ante a natureza jurídica das sanções pecuniárias, ainda que o ímprobo tenha falecido, será possível a instauração de relação processual para a perquirição do ilícitos praticados e eventual aplicação das sanções, sendo o pólo passivo composto pelo espólio ou pelos sucessores do ímprobo”.11

Acredita-se que a posição de Emerson Garcia sobre a transmissibilidade da multa civil aos herdeiros está calcada em outra situação fática: a condenação do agente ímprobo ao pagamento de multa civil e a ocorrência de sua morte antes da execução da sentença. Nesse caso, como a multa já teria sido aplicada ao próprio agente ímprobo, ela estaria incluída no seu patrimônio (passivo) e, assim, transmitir-se-ia aos seus herdeiros (como, aliás, ocorre com todo o seu patrimônio ativo e passivo].

Reforça essa tese a já referida expressão que o debatido Autor utilizou ao iniciar sua fundamentação: “[...] sendo aplicadas ao ímprobo as sanções cominadas no art. 12, arcará o sucessor com aquelas de natureza pecuniária [...]” (grifou-se).

Para finalizar, retorna-se ao questionamento formulado pelo consulente: “A sanção de multa civil prevista no art. 12, II, da LIA, com o faleci-mento do agente, perde seu objeto?”

Pelo exposto, defende-se que, se o falecimento do agente ocorrer antes da sua condenação (como ocorreu no caso), torna-se inaplicável a sanção de multa civil ao espólio ou aos herdeiros.

Nesse norte, já decidiram o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

PROCESSO CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IM-PROBIDADE ADMINISTRATIVA - FALECIMEN-TO DO RÉU (EX-PREFEITO) NO DECORRER DA DEMANDA - HABILITAÇÃO DA VIÚVA MEEIRA E DEMAIS HERDEIROS REQUERIDA PELO MINIS-TÉRIO PÚBLICO - POSSIBILIDADE - ARTS. 1055 E SEGUINTES DO CPC - ART. 535 DO CPC.1. Não pode o jurisdicionado escolher quais fundamentos devem ser utilizados pelo magistrado, que pauta-se na per-suasão racional para “dizer o direito.” Não-violação dos arts. 535, 165 e 458, II, do CPC.2. A questão federal principal consiste em saber se é possível a habilitação dos herdeiros de réu, falecido no curso da ação civil pública, de improbidade movida pelo Minis-tério Público, exclusivamente para fins de se prosseguir

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na pretensão deressarcimento ao erário.3. Ao requerer a habilitação, não pretendeu o órgão ministe-rial imputar aos requerentes crimes de responsabilidade ou atos de improbidade administrativa, porquanto personalís-sima é a ação intentada.4. Estão os herdeiros legitimados a figurar no pólo passivo da demanda, exclusivamente para o prosseguimento da preten-são de ressarcimento ao erário (art.8°, Lei 8.429/1992).Recurso especial improvido. (grifou-se)STJ - RESP 732777. Processo: 200500407700. MG. SE-GUNDA TURMA. Data da decisão: 6-11-2007. Documento: STJ000786022. DJ 19/11/2007. PÁGINA:218. Relator(a) HUMBERTO MARTINS.CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. SuBS-TITUIÇÃO DE PARTE. MORTE DE UMA DAS PESSOAS SITUADAS NO PÓLO PASSIVO DE AÇÃO DE IMPROBIDADE. SUSPENSÃO DO CURSO DO PROCESSO. VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. DIREITO TRANSMISSÍVEL. CONSTI-TUIÇÃO FEDERAL, ARTS. 5º, LIV, E 37, § 4º. LEI 8.429/92, ART. 8º. CPC, ARTS. 43, 265, I E 1.005 E SEGUINTES.I - Descumprida a providência determinada no § 3º do art. 523 do CPC, nega-se conhecimento aos agravos retidos interpostos no trâmite do processo.II - A reparação do dano, de que trata o art. 8º da Lei 8.429/92, é transmissível aos sucessores do agente que praticou quaisquer das condutas qualificadas como improbidade administrativa, nos limites do patrimônio transferido.III - De acordo com a sistemática do CPC, a superveniência da morte de uma das partes enseja a suspensão do trâmite processual, salvo se estiver em curso audiência de instrução e julgamento, hipótese em que o processo continuará seu fluxo até a publicação da sentença.IV - A suspensão determinada na sentença, restrita a uma das pessoas que compõe o pólo passivo da ação, revela-se não somente incompatível com o art. 265, I e §§ 1º e 2º, do CPC, mas também infrutífera e determinante de tumulto processual.V - A partir da ciência do evento morte, cumpre ao juiz suspender incontinente o curso do processo, salvo se já iniciada audiência de instrução, sob pena de nulidade dos

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atos processuais praticados em detrimento do art. 265, I e §§ 1º e 2º.VI - Prolatada sentença, em prejuízo da suspensão pro-cessual, impõe-se a sua nulificação por violação do devido processo legal.VII - Agravos retidos não conhecidos. Remessa oficial pro-vida. Recursos de apelação prejudicados. TRF - PRIMEIRA REGIÃO. APELAÇÃO CIVEL – 199801000162680. Processo: 199801000162680. DF. QUARTA TURMA. Data da decisão: 31/10/2000. Do-cumento: TRF100143460. DJ 6/3/2003. PAGINA: 183. Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL FAGUNDES DE DEUS.No mesmo sentido: TRF - PRIMEIRA REGIÃO. APELAÇÃO CIVEL – 199801000162677. Processo: 199801000162677. DF. QUARTA TURMA. Data da decisão: 31/10/2000. Documento: TRF100105392. DJ 15/12/2000. PAGINA: 421. Relator(a) JUIZ HILTON QUEIROZ.

Mas frisa-se que, em situação oposta, se o agente vier a falecer após a sua condenação ao pagamento de multa civil, crê-se que essa se transmitirá ao espólio ou aos herdeiros, por já integrar o seu patrimônio desde antes do falecimento.

1In Improbidade Administrativa, 3. ed. rev. e amp. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p. 444.

2Ibidem, p. 431.3Ibidem, p. 434.4Ibidem, p. 486.5In Probidade administrativa. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 318.6Op. cit, p. 486.7Ibidem, p. 486 e 487.8Op. cit, p. 486.9Ibidem, p. 241.10Idem.11Op. cit., p. 241 e 242.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Improbidade administrativa - responsabilidade dos sucessores do agente ímprobo - ressarcimento ao erário - multa civil”

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PESQUISA - CMA n. 51/2008Data: 13 de março de 2008

Medida Cautelar de busca e apre-ensão para obtenção de provas – Não-incidência do disposto no art. 806 do CPC – Caráter satisfativo da medida.

CONTEÚDO:

Busca-se com o presente estudo analisar as medidas cautelares de busca e apreensão (exibição de documentos, produção antecipada de provas), reque-ridas pelo Ministério Público para instrução de procedimento investigatório e a necessidade de propositura de ação principal no prazo de 30 dias (arts. 806 e 808 do CPC).

Inicialmente, há de admitir-se, que, como regra geral, a ação cautelar possui caráter de temporariedade e provisoriedade, como bem observa o

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Professor Humberto Theodoro Júnior, ao consignar que: Por sua natureza e por seu fim específico, a eficácia da medida preventiva obtida por meio da ação cautelar é essencialmente temporária e provisória: só dura enquanto se aguarda a solução do processo de cognição ou de execu-ção, que é o principal, o que soluciona realmente a lide; e destina-se forçosamente a ser substituída por outra medida que será determinada, em caráter definitivo, pelo processo principal.”1

Há também de lembrar-se que tais características de temporariedade e provisoriedade decorrem do conceito de que a medida cautelar se destinaria apenas a operar no plano dos provimentos conservativos, ficando os pro-vimentos satisfativos no plano do direito material controvertido, objeto do processo principal, conforme leciona o doutrinador2 acima citado, decorrendo daí a justificativa para o Código de Processo Civil fixar (art. 806) um prazo, em caso de medida cautelar concedida em procedimento preparatório, para a interposição do processo principal em que seria discutido o mérito.

Todavia, conforme já reconhecido pela doutrina e jurisprudência, há medidas urgentes (não se questionando se essas devem ser classificadas como medidas cautelares ou não) que reclamam uma resposta rápida do judiciário que exige a adoção do rito célere cautelar, pois é certo que “[...] o Estado, no exercício do seu poder-dever jurisdicional, não pode escusar-se de enfrentar a situação de periclitação do direito da parte a pretexto de inexistir texto expresso que autoriza essa cognição satisfativa sumária e urgente”3, e, efetivadas tais medidas, estas não comportam características de temporariedade e proviso-riedade, inexistindo também a necessidade de propositura de outro processo, o que, com certeza, afasta a incidência do disposto no art. 806 do CPC.

Dentre tais medidas urgentes, certamente está incluída a busca e apre-ensão de provas, requerida pelo Ministério Público, diante da necessidade de resguardar as investigações, com o escopo de garantir uma eventual e futura propositura de ação de improbidade, no exercício de seu dever/direito de promoção do inquérito, o qual inclusive possui status de garantia constitucional (art. 129, inc. III, VI, VIII), garantia esta que representa em suma o poder de investigação da Sociedade, que, nesses casos, é representada pelo Parquet.

Nesse sentido, a jurisprudência assim se manifesta, in verbis: CONSTITUCIONAL. INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. REQUERIMENTO DE BUSCA E APREENSÃO. INO-CORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO À GARANTIA CONSTI-TUCIONAL DA AUTO-INCRIMINAÇÃO. RECURSO PROVIDO. Não há ofensa ao princípio da não auto-incrimi-nação, quando o Ministério Público requer ao Poder Judiciário

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a produção de busca e apreensão de amostras da escrita do investigado, pois, se a ele é assegurado constitucionalmente o direito de não produzir prova contra si mesmo, também é assegurado ao Ministério Público investigar os atos contrários à probidade administrativa. No caso, como o investigado se valeu da garantia constitucional da não auto-incriminação, quando recusou fornecer material gráfico, recaiu sobre o Ministério Público todo o ônus da prova, o que lhe impôs pleitear a produção de busca e apreensão de amostras de escrita do investigado, a fim de continuar a sua investigação, o que é amparado pelo ordenamento jurídico (art. 129 da Constituição Federal, incisos VI, VIII, art. 26, incisos I e IV, da Lei n.8625/93 e arts. 839 e 840 do Código de Processo Civil). Entender o contrário é neutralizar o poder de investigação da sociedade, que, no caso, é empreendido pela atuação do Ministério Público. O Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento da medida cautelar n. 7.492/SP, enfatizou que é admissível ao Ministério Público, no exercício de suas funções, requerer ao Poder Judiciário a produção de provas, requisitar diligências, informações e documentos para instruir seus procedimentos administrativos, porquanto a ordem jurídica confere-lhe, explicitamente, poderes amplos de investigação. (TJMG - Número do processo: 1.0083.05.005266-7/001(1). Relator: MARIA ELZA. Data do Julgamento: 9-2-2006. Data da Publicação: 26-4-2006).

Do voto do Acórdão se extrai: O Ministério Público, ao empreender inquérito civil público, para fim de apuração de ato de improbidade administrati-va, está legitimado a realizar investigações que auxiliem na apuração do fato tido como ilícito. Tal poder investigatório se funda no interesse público da sociedade em apurar e pu-nir atos que importem enriquecimento ilícito, que atentem contra os princípios da Administração Pública e que causem prejuízos ao erário.É certo que o poder investigatório, no contexto de um Estado Social e Democrático de Direito, é limitado pelas garantias constitucionais, dentre as quais, destaco, a da não auto-incriminação, a qual assegura ao investigado o direito de não produzir prova contra si mesmo, como, por exemplo, o fornecimento de padrão de escrita para confronto a ser feito em perícia grafotécnica. (Precedente do STF: HC 77.135 ? SP, relator Ministro Ilmar Galvão, 9.9.98).Contudo, a interpretação e a aplicação dessa garantia cons-titucional não pode conduzir ao esvaziamento do poder de investigação da sociedade, que é manifestado, no caso, pela atuação do Ministério Público, sob pena de se gerar uma

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impunidade generalizada. Nenhuma interpretação pode conduzir ao absurdo.Assim, é relevante que o julgador tenha o cuidado de conciliar os valores jurídicos envolvidos, sem que um anule o outro.No caso em exame, não verifico ofensa ao princípio da não auto-incriminação, quando o Ministério Público requer ao Poder Judiciário à produção de busca e apreensão de amos-tras da escrita do investigado Luiz Carlos Cobra, pois, se é assegurado constitucionalmente o direito do investigado em não produzir prova contra si mesmo, também é assegurado ao Ministério Público investigar os atos contrários à probi-dade administrativa. No caso, como o investigado se valeu da garantia constitucional da não auto-incriminação, quando recusou fornecer material gráfico, recaiu sobre o Ministério Público todo o ônus da prova, o que lhe impôs pleitear a produção de busca e apreensão de amostras de escrita do investigado, para fim de continuar a sua investigação, o que é amparado pelo ordenamento jurídico (art. 129 da Constitui-ção Federal, incisos VI, VIII, art. 26, incisos I e IV, da Lei n. 8.625/93 e arts. 839 e 840 do Código de Processo Civil).Entender o contrário é neutralizar o poder de investigação da sociedade, que, no caso, é empreendido pela atuação do Ministério Público.O Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento da medida cautelar n. 7.492/SP, enfatizou que é admissível ao Ministério Público, no exercício de suas funções, requerer ao Poder Judiciário a produção de provas, requisitar diligências, informações e documentos para instruir seus procedimentos administrativos, porquanto a ordem jurídica confere-lhe, explicitamente, poderes amplos de investigação. [...]”

Portanto, verifica-se que, ao requerer a busca e apreensão de provas, o Ministério Público não está somente exercendo uma medida preventiva mas também exercendo (representando a sociedade) seu direito constitucional de investigação. Sendo deferida e cumprida tal medida, propiciando-se assim o acesso e a análise da prova, ela adquire natureza satisfativa e exaure-se em si mesma, já que foi resguardado o direito de investigação.

Sobre a natureza satisfativa da ação cautelar de busca e apreensão de pro-vas, requerida pelo Ministério Público, extrai-se da jurisprudência, in verbis:

AÇÃO CAUTELAR. BUSCA E APREENSÃO. DOCU-MENTOS PÚBLICOS. INVESTIGAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR SATISFA-TIVA.1. Nos termos do art. 5º da Lei n. 9.469/1997, a União po-

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derá intervir nas causas em que figurem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedade de economia mista e empresas públicas federais, sempre que os efeitos da decisão possam afetar os seus interesses.2. É cabível a concessão de medida cautelar de busca e apre-ensão de documentos públicos, diante da patente necessidade de resguardar as investigações do Ministério Público, com o escopo de garantir uma eventual e futura propositura de ação de improbidade.3. A jurisprudência tem reconhecido a natureza satisfativa das cautelares, como na espécie, em que a cautelar de exibição de documentos exaure-se em si mesma, sem a obrigatoriedade de propositura da ação principal. Precedentes do STJ.4. Apelações improvidas. TRF - PRIMEIRA REGIÃO. AC - APELAÇÃO CIVEL – 200001000634612. Processo: 200001000634612. RR. TER-CEIRA TURMA. Data da decisão: 12/2/2007. Documento: TRF100242622. DJ 2-3-2007 PAGINA: 41. Relator(a) DE-SEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES.

Outrossim, há ainda de se considerar que, dentre os procedimentos cautelares específicos, previstos no CPC, os que mais se assemelham à medida de busca e apreensão de provas são o de exibição e o de produção antecipada de provas, visto que também nesses se busca o acesso a informações, pela análise de documentos, e a proteção contra o perecimento da prova.

Quanto a tais procedimentos cautelares, a doutrina é clara, ao defender que o prazo do art. 806 do CPC não se aplica às medidas assecuratórias de prova. Argumentam os doutrinadores que, nesses casos, nem mesmo existe a certeza de que o requerente da cautelar ajuizará a ação principal, pois as provas colhidas podem indicar que ela não é cabível, sendo tal raciocínio também aplicável ao caso no caso da busca e apreensão de prova, visto que, se os documentos apreendidos não indicarem indícios de improbidade, a ação pode não ser ajuizada.

Sobre o tema, Humberto Theodoro Junior argumenta queO prazo extintivo de eficácia refere-se naturalmente àquelas medidas de caráter restritivo de direito ou de constrição de bens, pois nos provimentos meramente conservativos (jus-tificações, protestos, interpelações e notificações) e nos de antecipação de provas (vistoria e inquirições ad perpetuam rei memoriam) não tem, como é óbvio, nenhuma influência o prazo do art. 806. Em tais casos, o fato provado ou a pre-tensão resguardada ou conservada não desaparecem nem se tornam inócuos pelo simples fato de não ser a ação proposta nos trinta dias seguintes à realização da medida preventiva.

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Por isso, essas medidas preventivas, mesmo preparatórias, e necessárias, estão isentas de prazo”.4

Ainda sobre o tema, com muita propriedade, Alcides Munhoz da Cunha leciona que

A despeito de a regra do art. 796 prever constante a referi-bilidade da tutela cautelar a um processo principal, atual ou iminente, tanto que o art. 806 fixa prazo para a propositura da ação principal quanto for antecedente à ação cautelar, sob pena de cessar a eficácia do provimento porventura conce-dido, o fato é que existem situações em que o exercício da ação e da demanda cautelar se faz autonomamente.Afinal, como se tem insistido, a referibilidade a um outro processo não cautelar somente pode ser exigida por razões de política processual e quando ocorre de modo atual a inter-relação de lides sobre os mesmo interesses, embora com fundamentos diferentes e fins diversos. A referibilidade constante na tutela cautelar é ao direito subsidiário da cautela a um interesse acautelável, cuja referibilidade está implícita no pressuposto do fumus boni iuris.Não havendo a possibilidade fática de se estabelecer conco-mitantemente a inter-relação com a lide cognitiva sobre os mesmos interesses que motivam a ação cautelar, seja típica ou atípica, ensejando medidas antecipatórias ou meramen-te conservativas do fumus, desenvolve-se a ação cautelar autonomamente.É o que pode ocorrer nos casos já mencionados da produção antecipada de prova e de exibição, quando, em face do pericu-lum damnum, querem-se obter elementos para fundamentar eventual pedido ou defesa em uma incerta ação cognitiva. É o que se pode dar com o arresto de bens do devedor, quando inexigível ainda o título executivo, o que inviabiliza o exercício concomitante da ação de execução.Existe nesses casos apenas a lide cautelar e em face apenas dessa lide, no âmbito do processo cautelar, aplica-se o regime da cautelaridade, na medida da necessidade, o que se pode visu-alizar de modo bastante nítido na hipótese referida no arresto, em face da sua natureza continuativa, porque subsiste enquan-to subsiste a situação de perigo ao suposto direito de crédito e ao eventual exercício de uma faculdade processual, pertinente à penhora, em um processo de execução incerto”.5

Também, na jurisprudência, verifica-se que é predominante o reconhe-cimento do caráter satisfativo de tais medidas cautelares, tendo o Superior Tribunal de Justiça assim já se manifestado, in verbis:

PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. EXIBI-

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ÇÃO JUDICIAL DE DOCUMENTOS.ARTS. 801, III e 844/CPC.Em princípio, as medidas cautelares estão vinculadas a uma ação principal, ou a ser proposta ou já em curso (art. 800/CPC).Todavia, a jurisprudência, sensível aos fatos da vida, que são mais ricos que a previsão dos legisladores, tem reconhecido, em certas situações, a natureza satisfativa das cautelares, como na espécie, em que a cautelar de exibição exaure-se em si mesma, com a simples apresentação dos documentos.A medida cautelar de cunho administrativo e voluntário que objetiva a colheita de prova para potencial e futura utiliza-ção não obriga a propositura da ação principal, não sendo obrigatório, portanto, que dela conste a indicação da lide e seu fundamento.Recurso especial não conhecido. (REsp 104356/ES, Rel. Ministro CÉSAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 06/12/1999, DJ 17/04/2000, p. 67) RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBI-ÇÃO DE DOCUMENTOS. MEDIDA DE NATUREZA SATISFATIVA. PROPOSITURA DE AÇÃO PRINCIPAL. DESNECESSIDADE.1. A ação cautelar de exibição é satisfativa, não garantindo eficácia de suposto provimento jurisdicional a ser buscado em outra ação. Exibidos os documentos, pode haver o desin-teresse da parte em interpor o feito principal, por constatar que não porta o direito que antes suspeitava ostentar.2. O direito subjetivo específico da cautelar de exibição é o de ver. Assim, entendendo o Juízo que a parte requerente é possuidora de tal direito, a ponto de determinar a exibição, é decorrência lógica que julgue a medida procedente.3. Recurso especial conhecido, mas improvido.”(REsp 244.517/RN, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NO-RONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/08/2005, DJ 19/09/2005, p. 243.)PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – VIO-LAÇÃO AO ART. 798 DO CPC – FALTA DE PRE-QUESTIONAMENTO E DEFICIÊNCIA NA FUNDA-MENTAÇÃO - SÚMULAS 356 E 284 DO STF – AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS – NA-TUREZA SATISFATIVA – DISPENSA DO REQUISITO CONTIDO NO ART. 801, III, DO CPC (INDICAÇÃO DA LIDE E SEU FUNDAMENTO).1 - Não enseja interposição de recurso especial matéria não

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ventilada no julgado atacado e sobre a qual está deficiente a fundamentação da parte recorrente. Incidência das Súmulas 356 e 284 do STF.2 - Em regra, as ações cautelares têm natureza acessória, ou seja, estão, em tese, vinculadas a uma demanda principal, a ser proposta ou já em curso. Ocorre que, em hipóteses excepcionais, a natureza satisfativa das cautelares se impõe, como no caso vertente, em que a ação cautelar de exibição de documentos exaure-se em si mesma, com a simples apresentação dos documentos, inexistindo pretensão ao ajuizamento de ação principal. Desta feita, nos casos em que a ação cautelar tem caráter satisfativo, não há que se falar no indeferimento da petição inicial pela inobservância do requisito contido no art. 801, III, do CPC, segundo o qual “o requerente pleiteará a medida cautelar em petição escrita, que indicará a lide e seu fundamento”. Precedentes (REsp n.s 104.356/ES e 285.279/MG).3 - Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, provido para determinar o retorno dos autos à origem, a fim de que seja julgada a ação cautelar de exibição de documentos”.(REsp 744.620/RS, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 23-8-2005, DJ 12-9-2005, p. 344.).

CONCLUSÃO:

Assim, considerando-se o acima exposto, conclui-se que a ação de busca e apreensão de provas intentada pelo Ministério Público, no exercício do seu dever/direito de investigação, possui natureza satisfativa, não estando condicionada ao prazo do art. 806 do CPC.

1Processo Cautelar; 23ª edição, 2006; Editora LEUD; pág. 26. 2Idem, pág. 44. 3FUX, Luiz; Curso de direito processual civil; 2ª edição, 2004; Editora Forense; pág.

1556.4Op. Cit., pág. 154/155.5Comentários ao Código de Processo Civil; vol. 11; Editora Revista dos Tribunais, 2001,

pág. 496/497.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Medida Cautelar de busca e apreensão para obten-ção de provas - Não incidência do disposto no art. 806 do CPC - Caráter satisfativo da medida”

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PESQUISA - CMA n. 52/2008Data: 26 de março de 2008

Processo seletivo para PSF – Entre-vista com atribuição de pontuação expressiva – Possibilidade de ofensa ao princípio da impessoalidade e do caráter objetivo do concurso públi-co.

CONTEÚDO:

O processo seletivo para preenchimento de empregos de agente co-munitário (incluindo-se neste os do Programa de Saúde Familiar - PSF) foi introduzido na Constituição Federal pela Emenda n. 51, de 2006, que acres-centou ao art. 198 o § 4º, passando ele a dispor que:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma

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rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:[...] § 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de com-bate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação.§ 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regula-mentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias. [...]

Todavia, como também acontece no caso do concurso público, tal “processo seletivo” não possui forma definida na Constituição, cabendo a lei inferior ou ao edital a definição das regras a serem aplicadas a ele. Porém, mesmo no âmbito federal, no qual foi editada a Lei n. 11.350/06, que regu-lamenta o § 5º do art. 198 da CRFB, a regulamentação de como se dará ou a definição do que seja “processo seletivo” não foi tratada.

Outrossim, sobre o processo seletivo, Celso Antônio Bandeira de Mello leciona que:

Registra-se que a emenda Constitucional 51, de 14.2.2006, incluiu um § 4º no art. 198, por força do qual ficou prevista a admissão de agentes comunitários de saúde e agentes de combate a endemias mediante processo seletivo público. Ninguém sabe exatamente o que seja “processo seletivo público”. Esta expressão surgiu para designar, no passado, o concurso efetuado para admissão a empregos (isto é, quando se tratava de cargos a serem providos). Hoje, como se viu, a constituição exige concurso público tanto para cargos quanto para empregos. Tais procedimentos eram mais céleres, menos burocratizados que o costumeiro nos concursos públicos, mas é impreciso precisar com rigor quais as diferenças, em relação a eles, suscetíveis de serem aceitas sem burla no princípio da impessoalidade. Assim, quando a Emenda 51 – tecnicamente lastimável – fala em “processo seletivo”, ter-se-á de entender que não poderia revogar a igualdade de todos perante a lei (cláusula pétrea, por se alojar entre os direitos e garantias individuais, conforme art. 60, § 4º, IV, da CF) e, a fortiori, perante as possibilidade de ingresso no serviço público. Logo, o tal processo seletivo terá que apresentar características similares a de um concurso público, podendo apenas simplificá-lo naquilo que não interfira com a necessária publicidade, igualdade dos concorrentes e possibilidade de aferirem a lisura do certame. Será obrigatório, ainda, que as provas ou provas

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e títulos guardem relação com a natureza e a complexidade de emprego.”01 (sem grifo no original).

Assim fica claro que, apesar de não haver procedimento estabelecido pela Constituição para o processo seletivo, deve a regulamentação deste, legal ou administrativa, como também acontece no caso do concurso público, observar fielmente os princípios constitucionais a que se subordina a Administração Pública, podendo-se destacar entre esses os princípios da publicidade, da isonomia, da legalidade, da eficiência e da razoabilidade.

Em observância a tais princípios, principalmente, o da isonomia e ra-zoabilidade, torna-se necessário que as regras estabelecidas para o processo seletivo sejam de caráter objetivo, a fim de se propiciar a verificação da lisura do certame.

Na hipótese cogitada, o Edital que institui o processo seletivo atribui pontuação expressiva (quase a mesma da prova objetiva) à entrevista. Tal critério, todavia, parece-nos que atenta contra a possibilidade de apuração da lisura do certame, visto que há de se questionar qual a forma objetiva de avaliação do candidato para atribuição de pontos a esse, a fim de se determinar a classificação final.

Certamente, se o Edital não define critérios objetivos e técnico para que a entrevista atribua certa pontuação, tal disposição do Edital atenta contra o caráter objetivo a que se subordinam os critérios de avaliação do processo seletivo, a exemplo do que acontece no caso do concurso público. Nesse sentido, o Professor Marçal Justen Filho observa que:

[...] o concurso público objetiva assegurar que a seleção dos titulares de cargo de provimento efetivo oriente-se pelo princípio da impessoalidade. A escolha refletirá as virtudes e capacidades individuais reveladas na avaliação objetiva, segundo critérios predeterminados de virtuosidade física e (ou) capacidade intelectual.”02.

Nesse passo, interessante também é anotar a lição do já citado Celso Antônio Bandeira Mello, no qual ele consigna que

Os concursos públicos devem dispensar tratamento impesso-al e igualitário aos interessados. Sem isto, ficariam fraudadas suas finalidades. Logo, são inválidas disposições capazes de desvirtuar a objetividade ou o controle dos certames. É o que injustamente, tem ocorrido com a introdução de exames psicotécnicos destinados a excluir liminarmente candidatos que não se enquadrem em um pretenso “perfil psicológico”, decidido pelos promotores do certame como sendo o “adequado” para os futuros ocupantes do cargo ou do emprego.”03.

Sobre o tema, assim já se manifestou o Tribunal de Justiça Catarinense,

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por intermédio de Acórdão da lavra do eminente Desembargado Newton Trisotto:

A subjetividade dos critérios de avaliação e o caráter si-giloso do exame psicotécnico, ensejando a eliminação de candidato aprovado nas demais etapas do certame, não se coadunam com os princípios norteadores dos concursos públicos (REsp n. 37941, Min. Gilson Dipp)” (TJSC, ACMS n. 99.002454-7).

No mesmo sentido, veja-se o aresto lavrado no Mandado de Segurança n. 8.654, também do Tribunal Catarinense, in verbis:

Administrativo. Concurso público. Exigência de exame psi-cotécnico. Inaceitabilidade no caso. Se o exame psicotécnico firma suas conclusões em critérios nitidamente subjetivos, através de laudo sigiloso não sujeito a impugnação do can-didato, não há como aceitá-lo para inabilitar candidato que revelou, nas demais provas, aptidão para o cargo. Existência, ademais, de estágio probatório em cujo curso pode a admi-nistração avaliar o servidor. Segurança concedida. (Relator João José Ramos Schaefer; Data da decisão 14/04/1997)

Como se vê, a subjetividade do critério de avaliação é causa de ofensa ao princípio da impessoalidade e do caráter objetivo, aos quais também estão subordinados os processos seletivos para preenchimento de cargos ou empre-gos públicos. Assim, na hipótese ventilada, atribuiu–se como uma das fases da avaliação dos candidatos, inclusive, com atribuição de expressiva pontuação, entrevista, sem, no entanto, definirem-se critérios técnicos e objetivos para a realização desta, verifica-se que tal dispositivo do Edital atenta contra os princípios que norteiam o concurso público e também o processo seletivo, que, na realidade, trata-se de espécie simplificada daquele.

No mesmo sentido da jurisprudência catarinense, considerando o ca-ráter subjetivo de avaliação ofensivo aos princípios que norteiam o concurso público, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim também já se manifestou, in verbis:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRI-GAÇÃO DE FAZER. CONCURSO PÚBLICO. CEEE. TÉCNICO INDUSTRIAL ELETROTÉCNICO. EXA-ME PSICOLÓGICO. - Deferimento de liminar que não traz prejuízo irreparável ou de difícil reparação à CEEE na medida em que admitida apenas participação do candidato nas demais fases do certame, sem determinação relativa à posse ou nomeação do certamista. - Exame psicotécnico que apresenta caráter sigiloso e subjetivo, violando o princípio da impessoalidade, pois sujeito única e exclusivamente ao arbítrio do avaliador. NEGARAM

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PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.” (Agravo de Instrumento N. 70016019234, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Matilde Chabar Maia, Julgado em 16-11-2006)(sem grifo no original).AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. CONCURSO PUBLICO. COMPANHIA ESTADUAL DE ENERGIA ELÉTRICA. AJUDANTE GERAL DE ELETRICISTA. EXAME PSICOTÉCNICO. INAPTIDÃO DO CANDIDATO. EMBORA LEGITIMA A EXIGÊNCIA DO EXAME PSICOTÉCNICO, mAS TENDO ELE COMPREENDIDO UMA FASE DE ENTREVISTA, EMINENTEMENTE SUBJETIVA, PODE A SUA CONCLUSÃO SER DISCUTIDA JU-DICIALMENTE. DECISÃO LIMINAR LIMITADA EM ASSEGURAR O DIREITO A RESERVA DE VAGA, OB-SERVADA A CLASSIFICAÇÃO DO DEMANDANTE, ATE O JULGAMENTO DA AÇÃO. DECISÃO MANTI-DA. AGRAVO NÃO PROVIDO. (Agravo de Instrumento N. 595083833, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tael João Selistre, Julgado em 10-8-1995) (sem grifo no original).AGRAVO DE INSTRUMENTO - CONCURSO PÚBLI-CO PARA INGRESSO NA RESIDÊNCIA INTEGRADA EM SAÚDE (RIS) - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - EXCLU-SÃO DA NOTA ATRIBUÍDA A TÍTULO DE EN-TREVISTA - CORREÇÃO DA MEDIDA JUDICIAL, ANTE A UTILIZAÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO DE CRITÉRIOS VAGOS E IMPRECISOS PARA AFERIÇÃO DAS QUALIDADES TÉCNICAS DOS CANDIDATOS, IMPEDINDO O CONTROLE DA LEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS - OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDA-DE E DA ISONOMIA. Agravo desprovido” (Agravo de Instrumento N. 70018424853, Terceira Câmara Cível, Tribu-nal de Justiça do RS, Relator: João Carlos Branco Cardoso, Julgado em 25-4-2007)

Deste último voto citado se extrai:[...] A Administração Pública, no exercício da sua prerrogativa de escolha daqueles que passarão a integrar os seus quadros funcionais ou, como no caso, que cursarão residência integra-da em saúde ministrada por instituição pública como é o caso da Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul, possui legitimidade para verificar, mediante avaliação própria, se o candidato possui as características necessárias ao adequado

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desempenho das funções a serem desempenhadas, desde que obedecidos parâmetros objetivos.[...]

Por fim, quanto à atribuição de pontuação relativa à “experiência”, cabe salientar que tal dispositivo tem sido visto como válido pela doutrina e jurisprudência, desde que alicerçado em critérios objetivos que não impor-tem em tratamento desigual aos candidatos, como, por exemplo, a distinção entre atividade pública e privada, e que também seja coerente com um dos objetivos do concurso público, que é o de “selecionar os candidatos mais ca-pazes e aptos para integra os quadros da Administração Pública”04, devendo, portanto, tal experiência guardar estrita relação com o cargo ou emprego que está em disputa.

1 Curso de Direito Administrativo; 23ª edição; Editora Malheiros, 2007; pág. 269/270.2 Curso de direito administrativo; editor Saraiva, 2005; pág. 584/585.3 Op. Cit.; pág. 271.4 MEIRELLES, Helly Lopes; Direito administrativo brasileiro; 33ª ed., 2007; Editora

Malheiros; pág. 437.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Processo seletivo para PSF – Entrevista com atribuição de pontua-ção expressiva – Possibilidade de ofensa ao princípio da impessoalidade e do caráter objetivo do concurso público”

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PESQUISA – CMA n. 53/2008 Data: 26 de março de 2008

Abertura de créditos orçamentários adicionais por Decreto Executivo - Necessidade de prévia autorização legislativa nos casos de créditos su-plementares e especiais, ressalvada a categoria dos créditos extraordinários - Inteligência do inciso V e § 3° do art. 167 da Constituição da República.

SOLICITAÇÃO:

Realização de pesquisa acerca da possibilidade de se realizar Suple-mentação à Dotação Orçamentária, apenas por Decreto do Executivo, sem a aprovação do Legislativo Municipal.

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CONTEÚDO:

A execução orçamentária tornar-se-ia muito difícil se o orçamento não pudesse ser alterado visando a atender situações não previstas quando de sua elaboração.

Devido a essa contingência surgiu a figura do crédito adicional, que nada mais é do que um mecanismo de ajuste do orçamento. De acordo com art. 40 da Lei 4.320/64, créditos adicionais são “as autorizações de despesas não computadas ou insuficientemente dotadas na Lei de Orçamento.”

Os créditos adicionais se destinam a duas situações clássicas de não-previsão na elaboração orçamentária: a) não há crédito orçamentário para atender a determinada despesa que se faz necessária; e b) existe o crédito or-çamentário, mas sua dotação apresenta saldo insuficiente para o atendimento de despesas necessárias.

Carlos Valder do Nascimento01 apresenta o conceito de crédito adi-cional:

O crédito adicional consiste na autorização de despesas não previstas no orçamento e executadas durante o exercício financeiro em que foi aberto. Trata-se de expressão repre-sentativa de despesas não contempladas ou de dotação insu-ficiente na Lei do Orçamento, compreendendo os créditos: suplementar, especial e extraordinário.

A classificação dos créditos adicionais em suplementares, especiais e extraordinários está prevista no art. 41 da Lei n. 4.320/64:

Art. 41. Os créditos adicionais classificam-se em:I - suplementares, os destinados a reforço de dotação or-çamentária;II - especiais, os destinados a despesas para as quais não haja dotação orçamentária específica;III - extraordinários, os destinados a despesas urgentes e imprevistas, em caso de guerra, comoção intestina ou cala-midade pública.

O crédito suplementar objetiva ao atendimento de dotações orçamentá-rias insuficientes, e o crédito especial é destinado a cobrir as despesas para as quais não foram alocados recursos no orçamento, inexistindo, pois, dotação específica.

Quanto à diferença existente entre créditos suplementares e especiais, ensina Francisco de Paula Schettini 02:

Se a modificação é quantitativa, aumentando-se apenas o limite monetário dos gastos, mas não a programação da des-

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pesa já autorizada, o crédito é suplementar. Se a modificação é qualitativa, acrescentando-se uma programação nova às despesas já autorizadas, o crédito é especial.

O crédito extraordinário aplica-se aos casos naturalmente imprevisíveis, cuja urgência exige tramitação diferenciada, conforme o disposto no § 3º do art. 167 da Constituição da República:

§ 3°. A abertura de crédito extraordinário somente será admi-tida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, observado o disposto no art. 62.

A participação legislativa, na formalização dos créditos adicionais, está prevista nos arts. 42 e 44 da Lei n. 4.320/64:

Art. 42. Os créditos suplementares e especiais serão auto-rizados por lei e abertos por decreto executivo. (grifado)[...]Art. 44. Os créditos extraordinários serão abertos por decreto do Poder Executivo, que deles dará imediato conhecimento ao Poder Legislativo.

No mesmo diapasão, a Constituição da República de 1988, no inciso V do art. 167, veda expressamente “a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes” (grifado).

Afonso Aguiar Gomes comenta, sobre a necessidade de prévia autoriza-ção legislativa, para a implementação de créditos suplementares e especiais:

É bom recordar que os créditos suplementares e especiais, quando abertos, alteram o orçamento anual. Sendo este or-çamento uma lei, não pode ser modificado por um decreto. De acordo com o que dispõe a Lei de Introdução ao Có-digo Civil Brasileiro (art. 2°) “não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou a revogue”. Face a essa disposição legal, isto é, em respeito a este texto legal, é que a Constituição Federal não permite a abertura de créditos suplementares ou especiais sem um prévia autorização legislativa dada através de lei. Além dessa vedação, veda, outrossim, o texto constitucional pátrio abertura desses créditos sem a devida indicação dos recursos que lhes servirão de fundos (art. 167, V, CF, e art. 42, Lei n. 4.320/64). (grifado)03

No mesmo sentido o julgado do Tribunal Federal da 2ª Região04:

PROCESSO CIVIL – AGRAVO INTERNO – ART. 168, § 8º, DA CRFB –CRÉDITOS SUPLEMENTARES – COMPETÊNCIA DO PODER LEGISLATIVO – SEPA-

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RAÇÃO DE PODERES – REGIME DE PAGAMENTO VIA EXPEDIÇÃO DE PRECATÓRIOS – RECURSO DESPROVIDO. - A FEDERAÇÃO NACIONAL DOS POLICIAIS FEDERAIS – FENAPEF interpõe o presente agravo interno com o fito de reformar decisão, de lavra desta relatoria, que, em apertada síntese, indeferiu o requerimento ora renovado. - Em suma, pretende a agravante, com a expedição dos ofícios requeridos, o pagamento, pela via administrativa, da quantia reconhecida como devida em sentença transitada em julgado, cuja exigibilidade ainda é discutida em sede de apelação em embargos à execução.- A abertura de créditos suplementares possui uma finali-dade específica – reforço das dotações orçamentárias – e sua abertura, a teor do disposto no art. 167, V, da CRFB, é vedada sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes.- Daí conclui-se que os requerimentos deduzidos pela parte não encontram guarida no texto constitucional. A uma, por-que não há qualquer dotação orçamentária a ser reforçada; a duas, pois o acolhimento de tal providência implicaria indevida ingerência em áreas afetadas ao Poder Executivo, pois a ele compete elaborar a proposta de lei orçamentária (art. 165, III, da CRFB), bem como ao Poder Legislativo, a quem, por meio do Congresso Nacional, incumbe, com a sanção do Presidente da República, dispor sobre “plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual...” (art. 48, II, da CRFB).- Ainda que existam recursos orçamentários reservados, como afirma a agravante, revela-se incabível, do ponto de vista jurídico, a pretensão ora apreciada, na medida em que a Constituição da República, no que tange aos pagamentos que envolvam a Fazenda Pública como parte devedora, esta-belece, de forma inarredável, a via do precatório judicial.- Agravo interno desprovido.

No caso do crédito extraordinário, a dispensa de manifestação prévia justi-fica-se plenamente, pois o Executivo é impelido a agir com urgência. Contudo, a necessidade de informar o Legislativo imediatamente após a abertura do crédito extraordinário impede que o Executivo possa cometer qualquer abuso nessa área, possibilitando-se a fiscalização por outro Poder.

É interessante ressaltar que a própria lei orçamentária anual poderá autorizar a abertura de créditos suplementares até determinado limite. Tal prerro-gativa decorre do disposto no art. 7°, I, da Lei n. 4.320/64 e art. 165, § 8°, da CF. Com efeito, nesse caso, o Executivo poderá abrir créditos suplementares,

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por meio de Decreto, sem ouvir o Legislativo.No entanto, quando extrapolado o limite fixado na lei orçamentária para

a abertura dos créditos suplementares, “o Executivo terá necessidade de pedir nova autorização ao Legislativo, ou tantas autorizações quantas forem necessárias para a abertura de novos créditos suplementares”.05 Assim, os créditos dessa natureza têm de se limitar ao percentual estabelecido na Lei Orçamentária.

O art. 43 da Lei n. 4.320/64 estabelece que a abertura de créditos su-plementares e especiais fica condicionada à existência de recursos disponíveis e de exposição justificada:

Art. 43. A abertura dos créditos suplementares e especiais depende da existência de recursos disponíveis para ocorrer a despesa e será precedida de exposição justificativa. § 1º Consideram-se recursos para o fim deste art., desde que não comprometidos: I - o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do exercício anterior; II - os provenientes de excesso de arrecadação; III - os resultantes de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou de créditos adicionais, autorizados em Lei; IV - o produto de operações de credito autorizadas, em forma que juridicamente possibilite ao poder executivo realiza-las.

A previsão legal é clara ao explicitar as fontes de recursos para os créditos suplementares e especiais. Entretanto, no âmbito municipal, é comum a interpretação descuidada do art. 43, resultando na utilização de recursos sem o devido respeito aos conceitos legais.

A “anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou de créditos adicionais, autorizados em Lei” é o tipo de recurso (§ 1°, III) mais utilizado e que traz implicações importantes na execução do orçamento público, pois podem interferir no interesse da comunidade.

De acordo com o entendimento de Teixeira Machado e Heraldo Reis06, o Chefe do Executivo não pode pura e simplesmente anular a dotação de um projeto ou atividade de uma área prioritária:

Relativamente às anulações parciais ou totais de dotações ou de créditos adicionais, as mesmas constituem recursos legais, devendo-se, entretanto, analisar as despesas que, por sua importância e natureza, e, em especial, aquelas que são consideradas comprometidas, podem ter as suas dotações anuladas, para servirem de recursos aos créditos adicionais, suplementares e especiais, autorizados.

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Esta observação é muito importante para evitar que se anulem dotações consignadas para despesas essenciais, so-mente com o fito de criar recursos. Seria cobrir um santo, descobrindo o outro.

Ante esse cenário, considerando as normas constitucionais e legais sobre orçamento e o próprio princípio da separação de poderes (art. 2°, CF/88), revela-se juridicamente impossível a abertura de créditos suplementares ou adicionais sem a prévia autorização legislativa.

1 NASCIMENTO. Carlos Valder do. Finanças Públicas e Sistema Constitucional Orça-mentário. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 77.

2 SCHETTINI. Francisco de Paula. Emendas a projetos de lei de crédito adicional. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 34, n. 135, p. 198, jul./set. 1997.

3 AGUIAR. Afonso Gomes. Lei de Responsabilidade Fiscal: Questões Práticas. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2006, p. 86.

4 Origem: TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO, Classe: AGTAC - AGRAVO INTERNO NA APELAÇÃO CÍVEL – 265938, Processo: 200102010205524 UF: RJ Órgão Julgador: QUINTA TURMA ESP. Data da decisão: 30/11/2005

5 Machado Jr., José Teixeira e Reis, Heraldo da Costa. A Lei n. 4.320: Comentada. 21ª ed. Rio de Janeiro, IBAM, 1989, p. 83.

6 MACHADO JR., José Teixeira & REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320 comentada. 14. ed. Rio de Janeiro: IBAM, 1980, p. 114-5.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Abertura de créditos orçamentários adicionais por Decreto Executivo. Necessidade de prévia autorização legislativa nos casos de cré-ditos suplementares e especiais, ressalvada a categoria dos créditos extraordinários. Inteligência do inciso V e § 3° do art. 167 da Constituição da República.”

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PESQUISA - CMA n. 54/2008Data: 1º de abril de 2008

Orientadora Escolar – Exercício do cargo de Professora – Desvio de função.

CONTEÚDO:

A presente pesquisa visa a abordar a hipótese em que “uma servidora mu-nicipal, do Município de Campo Belo do Sul, prestou concurso e foi aprovada para o cargo de orientadora escolar (atividade pedagógica de apoio) em 1990. Empossada, exerceu suas funções até 2005, quando o Prefeito Municipal lhe atribuiu regência de classe, fazendo com que a servidora passasse a ser professora efetivamente (em sala de aula)”. Questio-nando-se se tal situação importaria ou não em desvio de função.

Inicialmente, torna-se necessário observarmos que, apesar da tentativa de acesso, por meio da Internet, acervo do CMA e da Biblioteca da PGJ, a

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legislação que trata do funcionalismo público do Município de Campo Belo do Sul, no período entre 1990 e 2005, a fim de verificarem-se os requisitos e as atribuições dos cargos de orientadora escolar e professora, este não foi possível, fato que prejudicara uma abordagem mais específica da hipótese.

Outrossim, antes de adentramos no tema “desvio de função”, cabe trazermos o conceito de Cargo Público no entendimento do professor Hely Lopes Meirelles, o qual leciona que “Cargo público é o lugar instituído na organização do serviço público, com denominação própria, atribuições e responsabilidades especificas e estipêndio correspondente, para ser provido e exercido por um titular, na forma estabelecida em lei.” 01

Assim, extrai-se do conceito acima que as atribuições de um cargo pú-blico não se confundem com esse, tendo em vista que são as mesmas apenas um dos elementos que o compõem.

Torna-se ainda oportuno lembrarmos, em relação ao serviço público, conforme comenta o já citado Hely Lopes Meirelles, que “A estabilidade é um atributo pessoal do servidor, enquanto a efetividade é uma característica do provimento de certos cargos. Daí decorre que a estabilidade não é no cargo mas no serviço público, em qualquer cargo equivalente ao da nomeação.” 02 Assim, mesmo no caso de servidor estável, é possível a transferência desse para outro cargo compatível, bastando que, para isso, haja interesse público.

Outrossim, tem-se que a relação que o servidor público mantém com a Administração Pública é estatutária, a qual é estabelecida por lei de forma unilateral, não havendo, em tal relação, um acordo de vontades, mas simplesmente, após a aprovação em concurso público e o cumprimento dos requisitos exigidos, a aderência da pessoa aprovada, nomeada e empossada, ao respectivo regime estatutário.

Sobre o tema, com muita propriedade, o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, ao analisar a natureza da relação jurídica entre o Estado e o funcionário, leciona que,

De início, entendido como contrato de direito público, afinal, prevaleceu o entendimento correto, que nega caráter contra-tual à relação e afirma-lhe natureza institucional.Isto significa que o funcionário se encontra debaixo de uma situação legal, estatutária, que não é produzida mediante um acordo de vontades, mas imposta unilateralmente pelo Es-tado e, por isso mesmo, suscetível de ser, a qualquer tempo, alterada por ele sem que o funcionário possa se opor à mu-dança das condições de prestação de serviço, de sistema de retribuição, de direitos e vantagens, de deveres e limitações, em uma palavra, de regime jurídico.03

No mesmo sentido, destacando a unilateralidade da relação e sua su-

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bordinação à Lei, podendo o Estado alterar esta de acordo com o interesse público, desde que respeitados os preceitos constitucionais, Adilson Abreu Dallari argumenta que

A diferença fundamental entre um e outro desses regimes (estatutário e celetista) está no fato de que o regime estatutá-rio é estabelecido unilateralmente por lei, pelo poder público, que pode a qualquer tempo alterar, também unilateralmente, as condições estabelecidas, respeitando apenas os limites constitucionais.04

Ainda, segundo o mesmo Autor, o servidor adere a um estatuto cujas condições estão preestabelecidas em lei, motivo porque “ele implicitamente aceita as futuras alterações de horário, remuneração, férias, licenças e outras condições de prestação de serviço que vierem a ser procedidas pela adminis-tração, por lei, no interesse do serviço público.”05

Tal entendimento doutrinário, quanto à possibilidade de a Administração alterar, por lei, a relação jurídica com seus servidores, também é pacifico na jurisprudência. Podendo-se, inclusive, citar-se como exemplo o entendimento do eminente Desembargador César Abreu, que, em caso análogo, nos autos da Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2003.002323-2, de Biguaçu, consignou, em seu voto, como relator, in verbis:

Estes posicionamentos não permitem dúvidas no sentido de que o Município pode, a qualquer momento, desde que o faça por lei, alterar tanto as condições de serviço prestado por seus agentes, como a composição e a forma de pagamento dos respectivos vencimentos, posto inexistir entre ambos qualquer contrato de trabalho. (D.J. em 22-6-2004).

Dessas observações, deve-se, portanto, concluir, que pode a adminis-tração, desde que o faça por lei, alterar as atribuições de um cargo público, desde que estas sejam correlatas e compatíveis com a formação exigida para o cargo original, sem que, para isso, exija-se a anuência do servidor. O que nos abre a possibilidade de que, mesmo tendo um servidor tomado posse em um cargo com atribuições “x”, possa, por interesse da Administração, vir a ser atribuído a esse, ainda no mesmo cargo, atribuições “y” ou “z”, não importando tal fato em desvio de função.

Já, quanto à progressão vertical, especificamente sobre os Cargos de Carreira, Odete Medauar, com muita propriedade, consigna que

Os cargos de carreira são aqueles que admitem progressão funcional vertical; para tanto, os cargos são agrupados e es-calonados em classes. Classe é o agrupamento de cargos da mesma denominação e idêntica referências de vencimento; assim, por exemplo: uma carreira de Procurador escalonada nas classes de Procurador I [...]; cada uma das classes reúne um

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grupo de cargos; o Procurador inicialmente é nomeado para o cargo inicial da carreira, procurador I; no decorrer da vida funcional, ascenderá aos cargos das classes superiores, o que importará em acréscimo de remuneração e ás vezes no exercí-cio de atribuições mais complexas, mas da mesma natureza de trabalho. Por isso, carreira é o conjunto de classes da mesma natureza de trabalho, escalonados segundo a responsabilidade e a complexidade das atribuições.”06

Todavia, cabe relembrar que, após a Constituição de 1988, em razão do art. 37, II, da CF, qualquer investidura em carreira diversa daquela em que o servidor ingressou por concurso é hoje vedada, visto que, conforme observa Hely Lopes Meirelles,

O art. 37, II, da CF, ao abolir a expressão “primeira”, constante da constituição anterior, tornou obrigatório o concurso para o ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor ingressou por concurso. Dentro da carreira, o acesso a seus vários degraus se faz por critérios internos de seleção, constantes do estatuto.”07

Portanto, observa-se que, como regra geral, legalmente o servidor público somente exercerá atribuições diversas daquelas relacionadas a seu cargo de investidura inicial, caso essas resultem da progressão dentro de sua classe ou da alteração por lei das atribuições de seu cargo, fora tais hipóteses, poder-se-á caracterizar desvio de função.

Ocorrendo o desvio de função, estará a Administração Pública locu-pletando-se do trabalho alheio, já que estará o servidor exercendo atribuições que não são de sua obrigação legal e para as quais não é remunerado, ou, caso ocorra tal remuneração, estará cometendo-se burla no comando consti-tucional da obrigatoriedade do concurso público para provimento de cargo ou emprego público. Inclusive, neste sentido, a jurisprudência assim tem se manifestado, in verbis:

ADMINISTRATIVO - MAGISTÉRIO PÚBLICO - PRO-FESSOR TITULAR - ACESSO AO CARGO - CONCURSO - NECESSIDADE - PRECEDENTES.1. Consoante a mais recente jurisprudência desta Corte, é im-prescindível a submissão a concurso de provas e títulos para provimento do cargo de Professor Universitário Titular.2. O art. 206, V, da CF, não confere direito líquido e certo de acesso a este cargo por simples progressão vertical.3. A incerteza e iliquidez desse presumível direito impossibili-tam sua proteção na via estreita do mandado de segurança.4. Recurso conhecido pelo fundamento da letra c e improvi-do (STJ; REsp. n. 12.207-0/PB; rel. Min. Peçanha Martins; DJU n. 198, de 18-10-93, pág. 21.862).

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ADMINISTRATIVO - SERVIDOR MUNICIPAL - RE-ENQUADRAMENTO EM CARGO DIVERSO AO QUAL FOI EFETIVADO - IMPOSSIBILIDADE - CF, ART. 37, II - EXERCÍCIO EFETIVO DA FUNÇÃO DI-VERSA - DIREITO A INDENIZAÇÃO A transformação de cargos e a transferência de servidores para outros cargos ou para categorias funcionais diversas traduzem, quando desacompanhadas da prévia realização do concurso público de provas ou de provas e títulos, formas inconstitucionais de provimento no Serviço Público, pois implicam o ingresso do servidor em cargos diversos daqueles nos quais foi ele legitimamente admitido. Insuficiência, para esse efeito, da mera prova de títulos e da realização de concurso interno. Ofensa ao princípio da isonomia” (ADI n. 248/RJ, Min. Celso de Mello). “O desvio funcional não gera direito ao reenquadramento, mas apenas às diferenças salariais dele de-correntes, sob pena de locupletamento indevido do Estado” (REsp n. 74.634/RS, Min. Edson Vidigal). (TJSC; Apelação Cível n° 2004.014160-2; Relator: Luiz Cézar Medeiros; Data da Decisão: 14-9-2004)

CONCLUSÃO:

Assim, considerando-se o acima exposto, além da hipótese de que as mudanças na legislação municipal de Campo Belo do Sul, desde a posse da servidora, em 1990, até o inicio do exercício da função de professora, não tenham concedido ao cargo de orientadora educacional as atribuições de magistério, estará a servidora em desvio de função ao exercer o magistério em sala de aula, fato terminantemente proibido por constituir burla à regra da obrigatoriedade do concurso público.

Outrossim, na hipótese de que a legislação municipal tenha atribuído ao cargo de orientadora a função de magistério em sala de aula, faz-se neces-sária a análise do histórico da respectiva legislação, a fim de verificar-se se tal alteração é compatível e correlata com as atribuições e exigências de formação do cargo inicial.

1 DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO; 33ª edição, 2007; Editora Malheiros; pág. 419.

2 Op. Cit.; pág. 449.3 Regime dos Servidores da Administração direta e indireta; 3ª edição, 1995; Editora Ma-

lheiros; pág. 20.4 Dicionário de Direito Administrativo. Enciclopédia Saraiva de Direito, vol. 64, 1977;

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Edit. Saraiva; pág. 15 Op. Cit; pág. 200.6 Direito Administrativo Moderno; 11ª edição, 2007; Editora Revista dos Tribunais; pág.

266. 7 DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO; 33ª edição, 2007; Editora Malheiros;

pág. 436, nota 38.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Orientadora Escolar – Exercício do cargo de Professora – Desvio de função.”

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PESQUISA – CMA n. 55/2008Data: 4 de abril de 2008

Regime Jurídico dos Servidores Pú-blicos - ADI 2.135/DF - Deferimento de Medida Cautelar suspendendo a eficácia do art. 39, caput, com a reda-ção dada pela Emenda Constitucio-nal n. 19/98 - Restabelecimento do Regime Jurídico Único.

CONTEÚDO:

O conteúdo original do caput do art. 39 (anterior à Emenda Constitu-cional n. 19/98) determinava que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deveriam instituir no âmbito de sua competência regime jurídico único (RJU) e planos de carreira para os servidores da Administração Pública Direta, das autarquias e das fundações públicas.

Helly Lopes Meirelles01 traz o conceito de regime jurídico:

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O regime jurídico dos servidores civis consubstancia os preceitos legais sobre a acessibilidade aos cargos públicos, a investidura em cargo efetivo (por concurso público) e em comissão, as nomeações para funções de confiança; os deveres e direitos dos servidores; a promoção e respectivos critérios; o sistema remuneratório (subsídios ou remunera-ção, envolvendo os vencimentos, com as especificações das vantagens de ordem pecuniária, os salários e as reposições pecuniárias); as penalidades e sua aplicação; o processo administrativo; e a aposentadoria.

A Emenda Constitucional n. 19, publicada no DOU, de 5 de junho de 1998, modificou o caput do 39, suprimindo assim a obrigatoriedade de um regime jurídico único para todos os servidores públicos:

Art. 39 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Mu-nicípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal integrado por servidores designa-dos pelos respectivos Poderes (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998).

Com a alteração do texto do art. 39, deixou de ser necessária a fixação de um único regime jurídico para todos os servidores, passando a ser possível a convivência, numa mesma esfera de governo, de múltiplos regimes jurídicos, cada qual estabelecendo regras de determinada carreira, com peculiaridades próprias de cada caso.

Com isso, buscou-se a flexibilização da Administração Pública, deixando de lado muitas regras rigorosas de Estatutos de Servidores Públicos, facilitando a dispensa de trabalhadores, que passariam a ser contratados pelas regras da CLT, sem direito à estabilidade, como prevista no art. 41 da CRF/88.

Assim, com o advento da EC n. 19/98, deixou de ser vedado o regime contratual no âmbito da Administração Pública, não sendo mais obrigatório o regime estatutário para a Administração Pública direta, autárquica e funda-cional, podendo os servidores ser regidos pelo regime celetista ou contratual, ressalvado o regime estatutário para as carreiras próprias de estado (art. 247, CRF/88).

A partir dessa alteração constitucional, a União, os Estados, o Distri-to Federal e os Municípios, imbuídos de nova faculdade, passaram a poder estabelecer regime jurídico estatutário, celetista (o da CLT) e administrativo especial.

Helly Lopes Meirelles02 disserta acerca do regime jurídico múltiplo proposto pela EC n. 19/98:

Em consequência, em razão de sua autonomia política, o Município pode estabelecer regime jurídico não-contratual para os titulares de cargo público, sempre através de lei geral

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ou de leis específicas para determinadas categorias profis-sionais, as quais substanciam o chamado regime estatutário regular, geral ou peculiar. Pode, ainda, adotar para parte de seus servidores o regime da Consolidação das Leis do Traba-lho (CLT) ( nr. 5. Não pode, todavia, adotar a Consolidação das Leis dos Trabalho e alterá-la em alguns pontos, pois tal competência é da União (CF, art. 22, I ] Por fim, deve adotar, através de lei, um regime de natureza administrativa especial, nos termos do art. 37, IX, da CF, para a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária ou de excepcional interesse público. Mister, no entanto, ter presente que alguns servidores públicos, por exercerem atribuições exclusivas de Estado, submetem-se, obrigatoriamente, a regime jurídico estatutário, pois, como se depreende do art. 247 da CF, com redação da EC 19, devem ter cargo efetivo.

Assim, em razão da alteração efetuada pela EC n. 19/98, que alterou a redação do caput do art. 39 da Constituição da República, o legislador ordinário adquiriu liberdade para instituir no âmbito da Administração Pública o regime celetista/contratual para os seus servidores, desde que respeitados os limites impostos pelo constituinte quanto às carreiras que dada as suas peculiaridades de atividades típicas do Estado, devem ser regidas por regime estatutário.

Porém, a EC n. 19/98 foi questionada, perante o Supremo, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.135/DF, proposta pelo PT, PDT, PC do B e PSB. Alega-se, em especial, a inconstitucionalidade formal da EC n. 19/98, quanto à nova redação dada ao art. 39, tendo em vista que a alteração do referido artigo simplesmente não fora aprovada por 3/5 das duas Casas do Congresso, em dois turnos de votação, como exige o art. 60, § 2º, da CF. Com isso, ter-se-ia indevidamente suprimido a exigência do regime jurídico único, sem a manifestação da Câmara sobre a questão.

Dia 2-8-2007, após sete anos da propositura da Ação Direta de Incons-titucionalidade n. 2135/2000, o Supremo Tribunal Federal suspendeu, em medida cautelar, por oito votos a favor e três contra um, o caput do art. 39 da Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 19/1998, restabelecendo o texto original previsto pelo Legislador Constituinte Originário, que estabelecia regime jurídico único para os servidores públi-cos da Administração Pública direta, das Autarquias e das Fundações Públicas (RJU).

É de se notar que a decisão liminar, como de regra, foi concedida com efeitos meramente prospectivos, isto é, ex nunc (art. 11, §§ 1º e 2º da Lei n. 9.868/99), o que traz como consequência que os efeitos advindos da EC n. 19/98 permanecerão em vigor até a data da decisão cautelar, isto é, 2-8-2007, e, a partir da publicação da decisão, não poderá ser realizada contratação pelo

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regime de emprego para a Administração Pública direta, das Autarquias e das Fundações Públicas, in verbis:

Decisão: O Tribunal, por maioria, vencidos os Senhores Ministros Nelson Jobim, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa, deferiu parcialmente a medida cautelar para sus-pender a eficácia do art. 39, caput, da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional n. 19, de 04 de junho de 1998, tudo nos termos do voto do relator originário, Ministro Néri da Silveira, esclarecido, nesta assentada, que a decisão – como é próprio das medidas cautelares – terá efeitos ex nunc, subsistindo a legislação editada nos termos da emenda declarada suspensa. Votou a Presidente, Minis-tra Ellen Gracie, que lavrará o acórdão. Não participaram da votação a Senhora Ministra Cármen Lúcia e o Senhor Ministro Gilmar Mendes por sucederem, respectivamente, aos Senhores Ministros Nelson Jobim e Néri da Silveira. Plenário, 2-8-2007. (grifado)

Então, suspensa a redação determinada pela EC n. 19/98, há de en-tender-se mantido em pleno vigor03 o caput do art. 39 da Constituição tal qual aprovado em 1998:

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Mu-nicípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da Administração Pública direta, das autarquias e das fundações públicas.

Apesar da objetividade da norma original do art. 39 em instituir um único regime jurídico para a Administração, não ficou clara a exigência de ser de direito público sua natureza.

Doutrinariamente, a questão da natureza jurídica do regime único foi objeto de estudo de vários autores, alguns se inclinando, como Hely Lopes Meireles pela natureza pública do regime e outros em minoria, vêm defendendo que a Constituição Federal não determinou previamente o regime único a ser adotado, cabendo a essas pessoas jurídicas de direito público a escolha.

Assim, divergem as opiniões acerca da natureza jurídica do regime único. Seria ele o regime de cargo (estatutário) ou o regime de emprego (celetista)? Ou, poder-se-ia adotar alternativamente qualquer um deles?

Ressalte-se que a corrente doutrinária minoritária entende que a Cons-tituição Federal com a redação anterior à EC n. 19/98 não exigia, obrigatoria-mente, o regime estatutário. Para eles, havia, isso sim, que ser o mesmo regime para todos, independentemente de ser estatutário (legal), celetista (contratual) ou qualquer outro que fosse criado.

Segundo esse entendimento, o regime jurídico dos servidores públicos,

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na redação original do art. 39, não precisava ser obrigatoriamente o estatutá-rio, no entanto, deveria ser o mesmo, ou seja, um “único” regime para todos, garantido, assim, o respeito ao princípio da isonomia.

A corrente majoritária, contudo, entende que a opção a ser feita por iniciativa do Poder Público estaria, em regra, adstrita ao regime estatutário. Segundo José Afonso da Silva04, “essa interpretação baseia-se na sistemática constitucional, mas decorre especialmente do texto do art. 39, que predestina o regime jurídico único (regime estatutário, regedor de cargos) à três adminis-trações: direta, autárquica e fundacional [...]”.

Entre os Autores que sustentam o regime jurídico único como de natureza estatutária, pode-se citar Celso Antônio Bandeira05, Diogo Figueiredo Moreira Neto06, José Nilo de Castro07 e Hely Lopes Meirelles08.

De outro lado, sustentando a opção alternativa do regime estatutário ou do regime celetista, encontram-se Toshio Mukai09, Diógenes Gasparini10 e Ivan Rigolim11.

Sem embargo da polêmica sobre a natureza jurídica do regime único, constitui-se em fato inconteste, no direito positivo brasileiro, que os regimes não se confundem e que a decisão do STF sinalizou no sentido da adoção do regime jurídico único estatutário para o servidor público. Extrai-se, por oportuno, do voto da ministra Ellen Gracie:

A matéria destacada nesse DVS não foi aprovada no 1° tur-no, pois, obteve apenas 298 votos e não os 308 necessários. Teria sido mantido, assim, o então vigente caput do art. 39, que tratava do regime jurídico único, incompatível com a figura do emprego público. Evidencia-se, pela exposição de motivos do DVS n. 9 e pelas declarações de líderes da oposição, que o objetivo desse destaque era o de, suprimindo-se a nova redação proposta pelo substitutivo, manter-se a redação então vigente do caput do atr. 39, que tratava do regime jurídico único. Vê-se também que, logo após a rejeição do DVS, houve várias declarações de parla-mentares lamentando a derrota da proposição que viabilizava a implementação do contrato de emprego público.Parece-me que a não aprovação do DVS n. 9 acarreta a manutenção do texto então vigente, e não a modificação do texto com o deslocamento de um parágrafo do substitutivo aprovado pelo Plenário para preencher o vazio deixado pelo caput, cabendo observar que esse parágrafo deslocado tinha pertinência estrita com o texto rejeitado do caput. Parece-me que houve uma tentativa para introduzir o contrato de emprego público, ainda que à revelia da regra cons-titucional que exige o quórum de 3/5 para aprovação de qualquer mudança constitucional.

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Colhe-se, outrossim, das palavras proferidas, durante o julgamento da ADI n. 2135/2000, pelo Ministro Gilmar Mendes:

Coloco a seguinte questão de ordem: temos uma Emenda Constitucional que rompeu com o modelo único do regime já destacado pela Ministra Cármen Lúcia. Então, temos a possibilidade de adoção de um regime plural. Alguns Estados – talvez, a própria União, diz o Ministro Joaquim Barbosa; creio que, no âmbito das agências reguladoras, talvez haja esse tipo de regime – já adotaram esse modelo de viés contratual. Pessoas realizaram concursos não para cargos públicos, mas para empregos públicos. Se essa Emenda resta suspensa, e é suspensão de vigência, isso repercute sobre o fundamento de validade dessas leis.

De acordo com Hely Lopes Meirelles, os servidores públicos estatu-tários são:

Os servidores públicos em sentido estrito ou estatutários são os titulares de cargo publico efetivo e em comissão, com regime jurídico estatutário geral ou peculiar e integrantes da Administração direta, das autarquias e das fundações públicas com personalidade de Direito Público. Tratando-se de cargo efetivo, seus titulares podem adquirir estabilidade e estarão sujeitos a regime peculiar de previdência social. (MEIREL-LES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33 ed. São Paulo: 2007, p. 415)

Tecnicamente, o regime estatutário é o regime que estabelece relações jurídicas entre o Estado e o servidor público, com base nos princípios cons-titucionais e preceitos legais da entidade estatal a que pertence. As regras são estabelecidas unilateralmente pela Administração Pública, elevando retorica-mente a supremacia do “interesse público”. A relação entre Poder público e servidor não se dá por instrumento contratual mas por regras preestabelecidas, consagradas em um Estatuto.

Conclusão:

O caput do art. 39 da Constituição, em sua redação original, exigia que cada ente federativo instituísse um regime jurídico único aplicável a todos os agentes da sua administração direta, autárquica e fundacional, ou seja, um mesmo conjunto de regras e princípios jurídicos que regulasse a relação funcional desses agentes administrativos. É o que ficou conhecido sob a ex-pressão regime jurídico único.

A EC n. 19/98, todavia, ao alterar o referido dispositivo constitucional,

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acabou com a obrigatoriedade de adoção do referido regime jurídico único, com o que a União, cada Estado, o Distrito Federal e cada Município passaram a ter liberdade na escolha do regime de pessoal dos agentes administrativos da sua administração direta, autárquica e fundacional. Enfim, com o fim da obrigatoriedade do regime jurídico único, as entidades políticas, as autarquias e as funções públicas passaram a poder compor seu quadro de pessoal se valendo de ambos os regimes de pessoal da Administração, o celetista e o estatutário.

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, em 2-8-2007 (ADI n. 2135), proferiu decisão liminar suspendendo a vigência do caput art. 39 da Cons-tituição, com a redação dada pela EC 19/98, de modo a restabelecer, pro-visoriamente, sua redação original e, portanto, a obrigatoriedade de adoção do regime jurídico único para o pessoal da Administração direta, autárquica e fundacional.

Assim, o panorama atual, na matéria, até que o STF decida definitiva-mente a questão, é que, em cada esfera da Federação, deverá obrigatoriamente ser adotado o mesmo regime jurídico para o pessoal da administração direta, autárquica e fundacional, sendo que o regime estatutário é obrigatório para as funções típicas de Estado.

1 MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33 ed. São Paulo: 2007, p. 416.

2 MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Direito Municipal Brasileiro. 15 ed. São Paulo: 2007, p. 585.

3 Trecho do voto do Ministro Néri da Silverira – relator da ADI 2135/2000.4 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13 ed. São Paulo:

1997, p. 634.5 Regime Constitucional dos Servidores da Administração Direta e Indireta, RT, São Paulo,

1990.6 Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos na Constituição de 1988, Lumen Júris,

Rio de Janeiro, 1990.7 Direito Municipal Positivo, 2 ed. Del Rey, Belo Horizonte, 1992.8 Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores Ltda., São Paulo, 1992.9 Administração Pública na Constituição de 1988, Saraiva, São Paulo, 1989.10 Direito Administrativo, Saraiva, São Paulo, 1989.11 O Servidor Público na Constituição de 1988, Saraiva, São Paulo, 1989.

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PESQUISA – CMA n. 56/2008Data: 10 de abril de 2008

Diárias – Valor fixado em percentual sobre o salário do servidor por meio de Decreto municipal – Necessidade de autorização legal e de manuten-ção da natureza indenizatória do estipêndio.

CONTEÚDO:

A presente pesquisa visa a abordar a seguinte hipótese aventada pela Promotoria de Justiça:

No Município de Major Vieira, fixou-se, em 1993, por De-creto, parcela fixa para as diárias, no importe de 15% sobre a remuneração do servidor ou agente político, sendo que a

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Lei Municipal não fez menção a tal percentual, referindo-se apenas ao ressarcimento de despesas com passagens e diárias.” Questiona-se: “Se é moral o pagamento de parcela fixa de diárias? E se estas podem ser estipulada via decreto ou deveria constar da própria lei?”

Celso Antônio Bandeira de Mello argumenta que:De acordo com a sistematização da Lei n° 8.112 (art. 49) existem três espécies de vantagens pecuniárias (indeniza-ções, gratificações e adicionais)[...]”. Sendo que quanto às indenizações este estabelece que: “(a) Indenizações (art. 51), cuja finalidade é ressarcir despesas a que o servidor seja obrigado em razão do serviço, compreendendo (1) ajuda de custo, para acudir a despesas que o servidor tenha de fazer em razão de mudança permanente de domicílio, quando for designado em nova sede, e se calculam sobre a remuneração do servidor, não podendo exceder importância correspondente a três meses (arts. 53 e 54); (2) diárias, para enfrentar gastos com deslocação transitória e eventual, a serviço, para outro ponto do território nacional ou exterior (art. 58); (3) transporte, para suprir dispêndio do servidor que, em veículo próprio, deva realizar serviço, por força das atribuições próprias do cargo (art. 60); e (4) auxílio-moradia, [...].01(sem grifo no original) (No mesmo sentido é a lição de Diógenes Gasparini, in “Direito Administrativo, 11ª edição, Editora Saraiva, 2006, página 231”)

Helly Lopes Meirelles também consigna que as indenizações:São previstas em lei e destinam-se a indenizar o servidor por gastos em razão da função. Seus valores podem ser fixados em lei ou em decreto, se aquela permitir. Tendo natureza jurídica indenizatória, não se incorporam à remuneração, não repercutem no cálculo dos benefícios previdenciários e não estão sujeitas ao imposto de renda. Normalmente, recebem as seguintes denominações: ajuda de custo – [...]; diárias – indenizam despesas com passagem e/ou estadia em razão de prestação de serviço em outra sede e em caráter eventual; auxílio-transporte – [...].Outras podem ser previstas pela lei, desde que tenham na-tureza indenizatória. Seus valores não podem ultrapassar os limites ditados por essa finalidade, não podem se converter em remuneração indireta. Há de imperar, como sempre, a razoabilidade.”02 (sem grifo no original)

Em igual norte, citamos a lição de Ivan Barbosa Rigolin, ao comentar os arts. 58 e 59 da Lei n. 8.112/90, em que este argumenta que:

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Serve a diária para indenizar despesa do servidor que se afasta, em caráter não habitual, da sede de seu serviço para qualquer outro ponto do território nacional, e destina-se especificamente a custear despesas de pousada e alimentação. O caput do art. 58 fixa que o servidor fará jus, neste caso, também a passagens, referindo-se ali à locomoção urbana. Só se pode desse texto concluir que diária, conforme tradição antiga no direito brasileiro, cobre pousada alimentação e nada mais, e as passagens a atendem à locomoção urbana, ainda que às vezes elas, passagens de ônibus urbanos, mate-rialmente inexistam.”03

Como se vê, a doutrina é pacífica em reconhecer que as “diárias” são um estipêndio com natureza de indenização, cuja finalidade é ressarcir o servidor de despesas com deslocamento, hospedagem e/ou alimentação, de caráter eventual e transitório, realizadas em razão da função quando do afastamento da sua sede de trabalho.

Sobre o parâmetro de fixação das “diárias”, o já citado doutrinador Ivan Barbosa Rigolin leciona que:

Um importante parâmetro, praticamente forçoso em razão do nome diária, é que essa vantagem será concedida por cada dia de afastamento, conforme fixa o §1º do art. 58. A unidade básica para a concessão da diária evidentemente é o dia de afastamento, não estando impedido entretanto um regulamento de fixar períodos horários que ensejam pagamentos parciais de diárias, sem embargo da parte final do § 1º”04

Tal parâmetro, e. g., é observado no caso do Decreto n. 4.307/2002, que dispõe sobre a reestruturação da remuneração dos militares das Forças Arma-das, em seu art. 18, pelo Decreto n. 5.992/2006, que dispõe sobre a concessão de diárias no âmbito da administração federal direta, autárquica e fundacional, qual estabelece uma tabela, de acordo com o cargo do servidor, fixando um valor por dia de afastamento; pela Lei Complementar n. 75/93, que, no inciso II do art. 227, fixa o valor da diária em 1/30 avos do subsídio.

Portanto, verifica-se que por praxe, o valor da “diária” tanto pode ser estabelecido como sendo uma determinada fração do vencimento/subsídio do servidor ou valor fixo, Porém sempre sendo devido de maneira proporcional aos dias de afastamento da sede de trabalho.

Quanto à estipulação do valor das “diárias” via decreto, Hely Lopes Meirelles admite tal forma desde que a lei o permita (nota de citação 2). Tam-bém admitindo a fixação do valor das “diárias” via decreto, Ivan Barbosa Rigolin consigna que:

É comum existir na Administração diferenciação do valor das

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diárias, conforme se destinem a cobrir despesas em capitais ou cidades do interior dos estados, ou de menor porte; é também comum existir uma tabela, fixada em regulamento, referente ao número de horas que o servidor passa fora de sua sede, onde o valor a ser pago varia de acordo com cada caso. A matéria é própria para regulamento, uma vez que, autorizada basicamente a despesa na lei, torna-se excessiva-mente fastidioso e inadequado para a própria lei resumir toda a casuística que envolve a concessão desta vantagem.”05

Todavia, apesar de admitir tal forma, o citado doutrinador a critica, argumentando que

Tal atitude, sem embargo da dificuldade que uma lei teria para fixar valores de indenizações, arranha, ainda que ligeiramente, o princípio da legalidade da despesa pública, insculpido na Constituição Federal, art. 37. Pelo princípio da legalidade quis o constituinte obrigar ao administrador de fixasse, em ato não inferior à lei em sentido formal, o valor de qualquer despesa pública, sobretudo sobre tudo aquelas permanen-temente efetuadas com os servidores públicos.”É algo temerário deixar à conta de um simples decreto, ou, no caso das autarquias e das fundações, a atos ainda menores que o decreto, a fixação do valor e do critério de pagamento de indenizações a servidores públicos. O princípio da legali-dade quis resguardar exatamente a necessária participação do Congresso Nacional na fixação de despesas permanentes da Administração, como é o caso exato das vantagens deferidas aos servidores públicos.De qualquer modo, o princípio da legalidade está talvez sufi-cientemente observado no caso presente, pela só delegação que a L. 8.112 fez a regulamentos, para que estes fixem o valor das indenizações.”06

Portanto, não obstante a critica acima exposta, verifica-se que, havendo autorização legal, podem os critérios de concessão e valor das “diárias” ser fixados por decreto.

Por fim, há de se destacar que a fixação do valor da “diária” não pode se afastar da natureza do estipêndio que é exclusivamente indenizatória, sob pena de se transformar em forma de remuneração indireta. Destacando tal natureza, cita-se novamente Ivan Baptista Rigolin, que leciona:

Com efeito, uma indenização apenas cobre danos ou prejuí-zos havidos, e por isso não tem natureza de vantagem, que é sempre um acréscimo ao vencimento, um aditivo, algo que o aumenta. Indenizações apenas repõem o valor real da remu-neração, restaurando prejuízos havidos pelo servidor;07

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CONCLUSÃO:

Assim, considerando-se o acima exposto, conclui-se; i) que, havendo autorização legal, poderá o valor das diárias ser fixado por Decreto; ii) a fi-xação de tal valor dessas não deverá descaracterizar a natureza do estipêndio, que é exclusivamente indenizatória; iii) o parâmetro de pagamento deverá ser fixado com base nos dias de afastamento do servidor da sua sede de trabalho, havendo a possibilidade de aquele ser fracionado; e iv) a fixação do valor das “diárias”, em parcela fixa, sem considerar a proporcionalidade do tempo de afastamento do servidor, desvirtua a natureza do estipêndio, podendo carac-terizar forma de remuneração.

1 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO; 23ª edição; Editora Malheiros; pág. 300.2 DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO; 33ª edição; Editora Malheiros; pág.

499.3 COMENTÁRIOS AO REGIME ÚNICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS; 3ª

edição, 1994; Editora Saraiva; pág. 122.4 Op. Cit.; pág. 123.5 Op.cit; pág.123.6 Op.cit; pág.118.7 Op. cit.; pág. 117.

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PESQUISA – CMA n. 57/2008Data: 14 de abril de 2008

Concessão de “gratificação” por dedicação exclusiva - Vantagem Pecuniária acrescida ao vencimento do cargo em comissão de Chefe de Gabinete da Prefeitura de Urussanga - Incompatibilidade entre a “benes-se” e o referido cargo - Natureza jurídica correspondente ao Adicional de Dedicação Plena - Regime espe-cial de trabalho caracterizado por demorados estudos e aprofundados trabalhos técnicos

Trata-se de consulta acerca da possibilidade de concessão de “gra-tificação por dedicação exclusiva” ao Chefe de Gabinete da Prefeitura de

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Urussanga.Faz-se necessário, antes de discorrer sobre a natureza jurídica da “benes-

se” em questão, entender os motivos que levaram o Prefeito a concedê-la.O Chefe de Gabinete, no período de 3 de janeiro de 2005 a 18 de

fevereiro de 2008, acumulou os cargos em comissão de Chefe de Gabinete da Prefeitura de Urussanga e de Diretor do SAMAE (Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto).

Durante esse tempo, o Chefe de Gabinete percebeu a quantia mensal de

R$ 2.759,46 (dois mil e setecentos e cinquenta e nove reais e quarenta e seis centavos), correspondente aos vencimentos do cargo de Chefe de Gabinete, além da “gratificação” de R$ 1.655,88 (um mil e seiscentos e cinquenta e cinco reais e oitenta e oito centavos) pelo exercício do cargo de Diretor do SAMAE. 01

Segundo apurado no Procedimento Administrativo n. 15/2006 da Pro-motoria de Urussanga, a gratificação pelo desempenho do cargo de Diretor do SAMAE correspondia a 60% dos vencimentos auferidos como Chefe de Gabinete da Prefeitura02:

[...] a gratificação obtida para o exercício do cargo de Diretor do SAMAE, nos termos do Decreto n.º 18/05, corresponde a 60% (sessenta por cento) dos vencimentos auferidos como Chefe de Gabinete e, nas palavras do próprio Requerido Chefe de Gabinete, tal proceder teria sido a forma encontrada por ele e pelo Requerido Prefeito Municipal, para que aquele pudesse trabalhar na Prefeitura de Urussanga (fl. 24 do PAP).

Diante a acumulação ilegal de cargos públicos, a Promotora de Justiça ingressou com a competente Ação Civil Pública, cuja liminar foi deferida, em 13 de fevereiro de 2008, determinando a “suspensão provisória do Decreto n. 18/05, que nomeou o Chefe de Gabinete ao cargo de Diretor do SAMAE com gratificação de 60% sobre os vencimentos, cessando-se imediatamente a dupla remuneração”.

O Prefeito de Urussanga, por sua vez, no dia 18 de fevereiro de 2008, exonerou o Chefe de Gabinete do cargo de Diretor do SAMAE e cancelou sua “gratificação” de 60%, de modo que esse passou a exercer apenas o cargo de Chefe de Gabinete da Prefeitura.03

Porém, no dia seguinte, ou seja, em 19 de fevereiro de 2008, o Prefeito editou o Decreto GP/n. 34 e passou a conceder “gratificação” por dedi-cação exclusiva de 60% ao servidor, pelo exercício do cargo de Chefe de Gabinete da Prefeitura, nos seguintes termos:

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Art. 1° Fica concedido ao servidor xxxxxxxxx, gratificação por dedicação exclusiva de 60% (sessenta por cento) sobre seu salário, nos termos do art. 31, da Lei n. 1.767, de 1° de março de 2001.

A concessão da aludida “gratificação” buscou amparo no art. 31 da Lei n. 1.767/2001, que assim estabelece:

Art. 31. O Prefeito Municipal é autorizado a conceder grati-ficação de, até, 100% (cem por cento) sobre seus salários aos ocupantes dos empregos comissionados do Poder Executivo, exceto aos titulares de secretarias, obedecido o que determina o parágrafo único do art. 29 desta lei.[...]Art. 29 parágrafo único. A gratificação de que fala este art., não constitui situação permanente e, sim, vantagem transi-tória pelo efetivo exercício da chefia.

Nesse contexto, está patente o intuito do Prefeito de dissimular o aca-tamento da decisão judicial, pois, ainda que exonerado do cargo de Diretor do SAMAE continuou a acumular a mesma remuneração (vencimento acrescido de 60%), tal qual ao tempo em que exercia os cargos de Chefe de Gabinete da Prefeitura e de Diretor do SAMAE.

Além do descumprimento da decisão judicial, verifica-se ilegalidade na concessão de “gratificação” para dedicação exclusiva a ocupante de cargo comissionado de Chefe de Gabinete de Prefeitura. De fato, a natureza do referido cargo não comporta a concessão de “gratificação” por dedicação exclusiva.

Na verdade, a “benesse” concedida corresponde a um adicional de dedicação plena, modalidade de vantagem pecuniária que não se amolda ao cargo de Chefe de Gabinete de Prefeitura.

Nesse sentido, imperiosa a realização de distinção técnica entre adicional e gratificação.

Segundo Hely Lopes Meirelles, os adicionais e as gratificações são espécies do gênero - vantagens pecuniárias04:

Vantagens pecuniárias são acréscimos ao vencimento do servidor, concedidas a título definitivo ou transitório, pela decorrência do tempo de serviço (ex facto temporis), ou pelo desempenho de funções especiais (ex facto officii), ou em razão das condições anormais em que se realiza o serviço (propter laborem), ou, finalmente, em razão de condições pessoais do servidor (propter presonam). As duas primeiras constituem adicionais (adicionais de vencimento e adicionais de função), as duas últimas formam a categoria das gratifica-ções (gratificações de serviço e gratificações de pessoais).

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Na mesma linha, segue o conceito de vantagem pecuniária formulado por Celso Antônio Bandeira de Mello05:

De acordo com a sistematização da Lei n° 8.112 (art. 49) existem três espécies de vantagens pecuniárias (indenizações, gratificações e adicionais) mas, em verdade, são de quatro ordens, pois ainda há outras catalogadas como “benefícios” da seguridade social. [...] (b) Gratificações (art. 61,I, II e IX), compreensivas de três espécies de acréscimos: 1) pelo exer-cício de função de direção, chefia assessoramento, cargo de provimento em comissão ou de natureza especial (art. 62); 2) natalina [...]; 3) por encargo de curso ou concurso, [...]. (c) Adicionais: 1) pelo exercício de atividades insalubres, penosas ou perigosas, devido aos que trabalhem com habitualidade, sob tais condições (art. 68); 2) por serviço extraordinário [...]; 3) por trabalho noturno [...]; 4) de férias [...]. A Lei 8.112 refere a possibilidade de outros adicionais, relativos ao local ou à natureza do trabalho, que, evidentemente, só por lei podem ser criados (art. 61, VIII).

Com frequência, os Estatutos de Servidores Públicos e as Leis Munici-pais confundem gratificações com adicionais. Muitas vezes, os adicionais de tempo de serviço, de dedicação plena e de nível universitário são impropria-mente rotulados de gratificações.

No presente caso, percebe-se que o Prefeito de Urussanga criou um adicional e o colocou inadvertidamente no rol das gratificações, sem atentar para a sua verdadeira natureza jurídica.

Hely Lopes Meirelles disserta acerca da natureza jurídica dos adicio-nais06:

O que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é o ser aquele uma recompensa ao tempo de serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor. O adicional relaciona-se com o tempo ou com a função; a gratificação relaciona-se com o serviço ou com o servidor.

Consoante o Decreto GP/n. 34, de 19 de fevereiro de 2008, a vantagem pecuniária foi concedida tendo em vista sua “dedicação exclusiva” 07 ao cargo em comissão de Chefe de Gabinete da Prefeitura de Urussanga.

Nesse passo, fica claro que a referida vantagem pecuniária corresponde ao adicional de dedicação plena. Tal intelecção é corroborada pelos apon-tamentos de Hely Lopes Meirelles08:

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As vantagens pecuniárias podem ser concedidas tendo-se em vista unicamente o tempo de serviço, como podem ficar condicionadas a determinados requisitos de duração, modo e forma de prestação de serviço (vantagens modais ou con-dicionais). As primeiras tornam-se devidas desde logo e para sempre com o só exercício do cargo pelo tempo fixado em lei; as últimas (modais ou condicionais) exigem, além do exercício do cargo, a ocorrência de certas situações, ou o preenchimento de determinadas condições ou encargos estabelecidos pela Administração. Exemplo típico de vantagens dependentes apenas do tempo de serviço são os adicionais por biênio, tri-ênio, quinquênio etc., exemplos de vantagens condicionais ou modais temo-los nos adicionais de tempo integral, de dedicação plena e de nível universitário, como, também, nas gratificações por risco de vida e saúde, no salário-família, na licença-prêmio conversível em pecúnia e outras dessa espécie.[...]O adicional de função apresenta-se como vantagem pecuniária ex facto officii, ligada a determinados cargos ou funções que, para serem bem desempe-nhados, exigem um regime especial de trabalho, uma particular dedicação ou uma especial habilitação de seus titulares. Ocorrendo qualquer dessas hipóteses, em que o serviço refoge da rotina burocrática, por seu caráter técnico, didático ou científico, passando a exigir maior jornada de trabalho, maior atenção do servidor ou maior especialização profissional, a Administração recompensa pecuniariamente os funcionários que o re-alizam, pagando-lhes um adicional de função enquanto desempenham o cargo nas condições estabelecidas pelo Poder Público. (grifado)

Cabe ressaltar, entretanto, que o adicional por dedicação plena não se coaduna com o cargo em comissão de Chefe de Gabinete de Prefeitura. Isso porque esse tipo de acréscimo somente pode ser concedido aos regimes de trabalho que demandem prolongados estudos e grande aprofundamento técnico. Segundo preleciona Hely Lopes Meirelles09:

O adicional de dedicação plena tem natureza similar à do de tempo integral, visto que ambos resultam de regimes especiais de trabalho, exigidos por determina-das atividades do Magistério e Pesquisa, próprias das Universidades e Institutos científicos.A diferença entre o regime de tempo integral e o de dedicação plena está em que naquele o servidor só pode trabalhar no

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cargo ou na função que exerce para a Administração, sen-do-lhe vedado o desempenho de qualquer outra atividade profissional pública ou particular, ao passo que neste (regi-me de dedicação plena) o servidor trabalhará na atividade profissional de seu cargo ou de sua função exclusivamente para a Administração, mas poderá desempenhar atividade diversa da do seu cargo ou de sua função em qualquer outro emprego particular ou público, desde que compatível com o da dedicação plena.[...]Trabalhando em regime de dedicação plena o servidor fará jus ao adicional de função estabelecido em lei, como compensação pelas restrições do cargo. Este regime só se justifica para aqueles serviços que exigem demorados estudos e pacientes trabalhos técnicos que nem sempre podem ser feitos nas repartições, requerendo do fun-cionário a preparação ou a complementação em casa ou, mesmo, em biblioteca e locais diversos do da sede do serviço. (grifado)

Ademais, de acordo com os estudos de Lúcia Valle Figueiredo10, o adicional por dedicação plena não é compatível com cargos em co-missão, pois esse tipo de dedicação ao trabalho já é inerente aos serviços comissionados:

Por outro lado, os funcionários que ocupem cargos em comissão devem dedicar-se plenamente à função. Isto quer dizer incompatibilidade com outras formas de atividade – isso está no Estatuto, na Lei 8.112/1990, art. 19 – e, tam-bém, podem ser convocados, a qualquer hora, para prestar serviços, sem qualquer remuneração extraordinária.Se aos ocupantes de cargos em comissão vão ser carreados alguns direitos, exatamente por estarem intimamente ligados àqueles que os indicou, devem dedicação plena ao trabalho, não somente as quarenta horas de trabalho, como está ex-presso no art. 19 do Estatuto, na Lei 8.112/1990. A dedica-ção plena é muito importante e implica que o funcionário em comissão não possa exercer outra função ou serviço, exceto, por exemplo, dar aulas, pois seria aprimoramento técnico.

Nessa esteira também sinaliza o Egrégio Tribunal de Justiça Catarinense, conforme se extrai do voto do Desembargador Francisco Oliveira Filho, na Apelação Cível11 n. 03.009846-1:

Em razão de exercer cargo comissionado, excepcionando a obrigatoriedade do concurso público (art. 37, II, da CF), não tem direito ao pagamento de horas extras, visto que a

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dedicação daquele que ocupa cargo em comissão é de natureza especial em razão da relação de confiança, exi-gindo-se dedicação integral. A jurisprudência catarinense tem se pronunciado nesse diapasão: “O servidor público ocupante de cargo em comissão não em direito ao pagamento de horas extras, salvo expressa previsão legal” (Apelação Cível n. 1998.009926-9, de Chapecó, Desembargador Newton Tri-sotto). E ainda: “Os funcionários exercentes de cargos comis-sionados, a exemplo de todos os demais servidores públicos, somente fazem jus à percepção de horas extras quando , a par de haver um controle rígido acerca das horas trabalhadas dia-riamente, no decorrer da semana e do mês, a matéria encontre previsão na lei organizativa local” (Ap. cív. n. 98.006661-1, de Laguna, Des. Trindade dos Santos). “Ocupando o servidor cargo de caráter precário, a ausência de controle de horário e a própria relação de confiança que envolve, por si só, tornariam inviável pleitear horas extraordinárias. Mais descabido então o pleito, quando o Estatuto dos Funcionários Públicos do Município expressamente o proíbe” (Ap. cív. n. 2001.003267-8, de Criciúma, Des. Volnei Carlin). (grifado)

Ora, se o servidor acumulava as funções de Chefe de Gabinete da Prefeitura e de Diretor do SAMAE, como é possível que, de um dia para outro, o cargo de Chefe de Gabinete tenha transmudado sua natureza e renascido como cargo de dedicação exclusiva. Tal situação atenta contra os mais basilares princípios da Administração Pública, já que o adicional agregou ao vencimento do servidor, em razão de sua pessoa, e não devido à função exercida por ele.

De tudo resulta o caráter anômalo da “benesse” concedida, que aliado ao contexto fático que engendrou a edição do sobredito Decreto Executivo, configura ato de extrema censura, tendo como propósito deliberado beneficiar Odair Bonetti em detrimento do interesse público. Sobre esse tipo de situação, revela-se preciso o diagnóstico de Hely Lopes Meirelles12:

Além dessas vantagens, que encontram justificativa em fatos ou situações de interessa administrativo, por relacionadas direta e indiretamente com a prestação do serviço ou com a situação do servidor, as Administrações têm concedido vantagens anômalas, que refogem completamente dos princípios jurídicos e da orientação técnica que devem nortear a retribuição do servidor. Estas vantagens anômalas não se enquadram quer como adicionais, quer como gratificações, pois não têm a natureza ad-ministrativa nenhum destes acréscimos estipendiários, apresentando-se como liberalidades ilegítimas que o legislador faz à custa do erário, com o só propósito de cortejar o servidor público. (grifado)

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Diante do exposto, conclui-se pela impossibilidade do adicional de dedicação plena, impropriamente denominado de “gratificação” por dedicação exclusiva, ser acrescido ao vencimento do cargo comissionado de Chefe de Gabinete da Prefeitura de Urussanga.

1 Informações extraídas da Ação Civil Pública n. 078.08.000663-6.2 Informações extraídas da Ação Civil Pública n. 078.08.000663-6.3 Decreto GP/n. 33, de 18 de fevereiro de 2008: Considerando, que foi deferida Tutela Antecipada pelo Juízo da Comarca de Urussanga

em sede de Ação Civil Pública, para determinar a suspensão da gratificação de 60% (sessenta por cento) concedida ao servidor xxxxxxxxx, que entendeu que a referida gratificação era em função de estar exercendo também a função de Direção do Serviço Autônomo de Água e Esgosto – SAMAE.

Art. 1° É revogado o art. 2° do Decreto n. 18, de 03 de janeiro de 2005, passando o servidor xxxxxxxxx a não mais responder pela Direção do Serviço Autônomo de Água e Esgoto – SAMAE, e cancela a gratificação de 60% (sessenta por cento), passando somente a exercer pelo cargo de Chefe de Gabinete.

4 MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33 ed. Malheiros Editores, 2007, p. 488.

5 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Malheiros Edi-tores, 2007, p. 300.

6 MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33 ed. Malheiros Editores, 2007, p. 491.

7 Art. 1° Fica concedido ao servidor xxxxxxxxx, gratificação por dedicação exclusiva de 60% (sessenta por cento) sobre seu salário, nos termos do art. 31, da Lei n. 1.767, de 1° de março de 2001. (Decreto GP/n. 34 de 19 de fevereiro de 2008).

8 MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33 ed. Malheiros Editores, 2007, p. 489 e 492.

9 MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33 ed. Malheiros Editores, 2007, p. 494.

10 FIGUEIREDO. Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 8 ed. Malheiros Editores, 2006, p. 611-612.

11 Apelação Cível n. 03.009846-1 de Anchieta, Rel. Des. Francisco José Rodrigues de Oliveira Filho, 01-06-2004.

12 MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33 ed. Malheiros Editores, 2007, p. 490.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Concessão de “gratificação” por dedicação exclusiva. Vantagem Pecuniária acrescida ao vencimento do cargo em comissão de Chefe de Gabinete da Prefeitura de Urussanga. Incompatibilidade entre a “benesse” e o referido cargo. Natureza jurídica correspondente ao Adicional de Dedicação Plena. Re-gime especial de trabalho caracterizado por demorados estudos e aprofundados trabalhos técnicos”

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PESQUISA – CMA n. 58/200822 de abril de 2008

Multa aplicada pelo TCE x multa aplicada em ação de improbidade – Art. n. 12 da Lei n. 8.429/92 – Pos-sibilidade de aplicação em ambas às instâncias – Não-ocorrência de bis in idem – Prevalência da independência de instâncias.

CONTEÚDO:

A presente pesquisa visa a abordar a hipótese em que se questiona a possibilidade, em ação de improbidade, da aplicação de multa, com base no art. 12 da Lei n. 8.429/92, a agente já punido com multa pelo Tribunal de Contas Estadual, questionando se tal fato poderia caracterizar um bis idem quanto às sanções.

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Inicialmente, cabe observar que, conforme dispõe o art. 71 da CRFB, compete ao Tribunal de Contas:

I – apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elabo-rado em sessenta dias a contar de seu recebimento;II – julgar as contas dos administradores e demais responsá-veis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituí-das e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daque-les que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de quer resulte prejuízo ao erário público; [...] VIII – aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário. (sem grifo no original).

No mesmo sentido, a Constituição do Estado de Santa Cataria, em seu art. 59, também estabelece:

Art. 59. O controle externo, a cargo da Assembléia Legisla-tiva, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete:I – apreciar as contas prestadas anualmente pelo Governador, às quais serão anexadas as dos Poderes Legislativo e Judiciá-rio, do Ministério Público e do Tribunal de Contas, mediante parecer prévio que levará em consideração as contas dos três últimos exercícios financeiros e que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;II – julgar as contas dos administradores e demais responsá-veis por dinheiros, bens e valores da administração direta e indireta, incluídas as sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público estadual, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário; [...]VIII – aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; (sem grifo no original).

Ainda, quanto aos Municípios, estabelece o art. 31 da CRFB que:Art. 31 - A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externos, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo, na forma da lei.

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§ 1º O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.§ 2º O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.

Portanto, verifica-se que, no exercício de suas atividades, tem o Tribunal de Contas o poder de imputar ao agente público, na esfera federal, estadual ou municipal, a sanção de multa, a qual é respaldada pelo ordenamento cons-titucional.

Porém, o Tribunal de Contas, ao realizar a fiscalização financeira e or-çamentária, pratica tais atos como forma de controle externo. Nesse passo, Marino Pazzaglini Filho, argumenta que:

Contudo, a competência constitucional dos Tribunais de Contas, adstrita à apreciação técnico-contábil própria do controle externo de fiscalização financeira e orçamentária, não preexclui o julgamento político parlamentar e muito me-nos a cognocibilidade jurisdicional de legalidade e lesividade dos atos subjacentes às contas aprovadas.01

Tal julgamento a cargo do Tribunal de Contas, acerca da gestão orça-mentária e financeira do respectivo ente público e da análise das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores da admi-nistração direta e indireta, não se confunde, a toda evidência, com a apuração e consequente punição de possíveis infrações de improbidade pelo judiciário. A decisão administrativa proferida naquele órgão não tem o condão de excluir do judiciário a apreciação de qualquer possível lesão de direito, são instâncias independentes entre si, conforme expressamente dispõe o caput do art. 12 da Lei de Improbidade, a responsabilidade civil, penal e administrativa. Inclusive, neste sentido, se extrai da jurisprudência, verbis;

ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRA-TIVA. DECISÃO. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. FRUSTRAÇÃO. LICITAÇÃO. PREJUÍZO. ERÁRIO. LEI 8.429/92, ART. 10.1. A Lei 8.429/92 referente à Ação de Improbidade Admi-nistrativa, que regulamentou o disposto no art. 37, § 4º da Constituição Federal de 1988, tem como finalidade impor sanções aos agentes públicos incursos em atos de impro-bidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art.9º); b) que causem prejuízo ao erário (art. 10); c) que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11).

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2. A decisão que aprecia as contas dos administradores de valores públicos faz coisa julgada administrativa no sentido de exaurir as instâncias administrativas, não sendo mais suscetível de revisão naquele âmbito. Não fica, no entanto, excluída de apreciação pelo Poder Judiciário, porquanto nenhuma lesão de direito pode dele ser subtraída.3. Na hipótese do art. 10 da Lei 8.429/92, independen-temente das sanções penais, civis e administrativas, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações: ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fis-cais ou creditícios, direta ou indiretamente.4. Frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente constitui ato de improbidade administrativa previsto no inciso VIII, do art. 10, da Lei 8.429/92, além de sujeitar o administrador público às sanções penais e ad-ministrativas previstas na Lei 8.666/93. 5. Apelação não provida.” (TRF 1ª REGIÃO - APELA-ÇÃO CíVEL n. 200140000057538/PI - Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA - Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO - Data da decisão: 29-9-2004 - Fonte DJ DATA: 8-10-2004 PAGINA: 21)(sem grifo no original).

Portanto, prevalecendo a independência de instâncias, não há como se cogitar a ocorrência de bis in idem, na aplicação de sanções cumulativas, na esfera administrativa, penal e/ou civil, conforme expressamente já reconhe-ceu o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Segurança n. 22.728-PR, in verbis:

Mandado de segurança. Servidor público. Penalidade de cassação da aposentadoria por improbidade administrativa e por aplicação irregular de dinheiros públicos. – [...] - Inexis-tência do “bis in idem” pela circunstância de, pelos mesmos fatos, terem sido aplicadas a pena de multa pelo Tribunal de Contas da União e a pena de cassação da aposentadoria pela Administração. Independência das instâncias. Não aplicação ao caso da súmula 19 desta Corte. – [...]. Mandado de segu-rança denegado. (STF - MANDADO DE SEGURANÇA N° 22728 / PR - Órgão Julgador: Tribunal Pleno - Relator: Min. MOREIRA ALVES – Data do julgamento: 22/01/1998

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– Publicação: DJ 13-11-1998 PP-00005)Do voto do ex-Ministro Moreira Alves se extrai, in verbis:

13. Igualmente sem razão a impetrante ao sustentar que a aplicação da pena de cassação da aposentadoria estaria a con-figurar bis in idem em razão da multa que lhe fora aplica pelo Tribunal de Contas da União com base nos mesmos fatos que motivaram a cassação de sua aposentadoria. O julgamento a cargo da Corta de Contas acerca da gestão orçamentária e financeira da Coordenação de serviços Gerais do MEC, órgão pelo qual era responsável a impetrante no exercício de 1991 não se confunde, à evidência, com a apuração e consequente punição de possíveis infrações disciplinares pela Administração Pública. São independentes entre si a respon-sabilidade administrativa dos servidores públicos faltosos e a atuação do Tribunal de Contas da União, no exercício do controle externo das contas públicas como órgão auxiliar do poder legislativo. [...]

Tal linha de raciocínio aplica-se literalmente à hipótese ventilada na presente pesquisa, conforme, também expressamente, já se manifestou o Tribunal Regional Federal desta Região, in verbis:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IMPROBI-DADE ADMINISTRATIVA. FRAUDE À LICITAÇÃO. LESÃO AO ERÁRIO E AOS PRINCÍPIOS CONS-TITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS JUDICIAL E ADMINISTRATIVA. APRECIAÇÃO ANTERIOR PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. INA-FASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. NE BIS IN IDEM. SANÇÕES CIVIS APLICADAS PELO JUÍZO COMPETENTE DIVERSAS DAQUELAS COMINA-DAS NA ESFERA ELEITORAL. CONCEITOS DE SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS E DE INELEGIBILIDADE. VIABILIDADE DA APLICA-ÇÃO DAS SANÇÕES PREVISTAS NO ART. 12, III DA LEI N° 8.429/92. REPERCUSSÃO SOCIAL. CONDUTA REPROVÁVEL. PROPORCIONALIDADE. CRITÉ-RIOS PARA APLICAÇÃO DA MULTA. VINCULAÇÃO COM A REMUNERAÇÃO DO AGENTE À ÉPOCA DO FATO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. (TRF 4ª Região - APELAÇÃO CÍVEL n. 2004.70.13.000760-9/PR - Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA - Relator CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ - Data da Decisão: 31-7-2007 - Fonte D.E. DATA: 22-8-2007) (sem grifo no original)

Do voto do relator se extrai, in verbis:

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23. Quanto à alegação de bis in idem, com a duplicidade de sanções pelo mesmo fato, tendo em vista o arbitramento de multa pelo juízo a quo e a imposição de multa pelo Tribunal de Contas da União, razão não assiste ao apelante. 24. É que o Poder Judiciário, como detentor supremo do exercício de jurisdição, pode decidir sobre casos envolven-do coisas já julgadas pelos Tribunais de Contas. Ademais, importante frisar que a Constituição Federal, art. 5°, XXXV, consagra o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciá-rio. Assim, nada impede que um legitimado possa pleitear judicialmente sanções por improbidade administrativa, sendo irrelevante que o TCU já tenha aplicado multa, como ocorrido no caso em tela. 25. Até porque as decisões do Tribunal de Contas, que atua no controle externo das contas públicas, são de cunho ad-ministrativo e fazem coisa julgada administrativa, mas não coisa julgada judicial.

CONCLUSÃO:

Assim, considerando-se o acima exposto, conclui-se que é possível a aplicação de sanção de multa, de forma cumulativa, tanto no âmbito de julga-mento do Tribunal de Contas, como também no julgamento de Ação por ato de Improbidade, sem que tal fato constitua bis in idem com relação a tal espécie de sanção, prevalecendo no caso a independência das instâncias.

1 Marino Pazzaglini Filho e outros, in “Improbidade Administrativa, Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público, p. 141, 4.ª edição, Ed. Atlas, 1999, São Paulo.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Multa aplicada pelo TCE x multa aplicada em ação de improbidade – Art. 12 da Lei n° 8.429/92 – Possibilidade de aplicação em ambas às instâncias – Não ocorrência de bis in idem – Prevalência da independência de instâncias.”

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PESQUISA - CMA n. 59/2008 Data: 9 de maio de 2008

Concurso público – Procurador Mu-nicipal – prova prática – Prestação de informações em mandado de segurança – Peça não privativa de advogado – Aceitação de recursos não previstos no Edital.

CONTEÚDO:

Trata-se de solicitação de apoio operacional formulada pela 3ª Promo-toria de Justiça de São Miguel do Oeste, nos seguintes termos:

[...]Conforme contato telefônico, estou encaminhado cópia do edital. Os itens que eu te falei são: 5.3.1, letra a (peça provativa advogado, a peça que os candidato tinham que elaborar era um pedido de informações em mandado de segurança: isso

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é peça privativa de advogado?), e 8, letra d.Lembrando que uma candidata ingressou com um recurso solicitando o não conhecimento de outros 3 recursos, sob o argumento de que o edital não prevê recurso da segunda prova - peça processual. ela ainda deixa claro em seu recurso dirigido ao Prefeito Municipal que também tinha interesse em recorrer e que somente não assim não procedeu por ausência de previsão no edital, pois, segundo ela o edital somente prevê recurso da prova preliminar - primeira prova. [...]

Antes de se comentarem as supostas irregularidades apontadas pelo Consulente, cumpre informar que se analisou o edital do Concurso Público n. 005/2007, do Município de São Miguel do Oeste, e não se encontrou outras irregularidades, podendo ser feita apenas uma ressalva: o item 2.13.1 aplicou a Lei Estadual n. 10.567, de 7 de novembro de 1997, de forma que possibilitou aos candidatos que eram doadores de sangue a isenção do pagamento da taxa de inscrição do concurso.

Todavia, reza a referida Lei: “Art.1º Fica o doador de sangue isento do pagamento de taxas de inscrição a concursos públicos realizados pelo Estado de Santa Catarina”. (grifou-se).

Diante da clareza do dispositivo, não resta dúvida de que a isenção do pagamento da taxa de inscrição prevista nessa Lei só se aplica aos concursos pú-blicos promovidos pelo Estado de Santa Catarina, e não pelos Municípios.

Quanto à prova prática do cargo de Procurador do Município (ou Advogado, como consta no Edital), pode-se afirmar que um de seus itens seria a “Redação de uma Peça Processual privativa de Advogado (petição ou parecer) [...]” (item 5.3.8, “a”).

Contudo, a peça que os candidatos tiveram que elaborar foi a prestação de informações (da autoridade coatora) em mandado de segurança.

Segundo Hely Lopes Meirelles,As informações constituem a defesa da Administração. Devem ser prestadas pela própria autoridade arguida de coatora [...]. Podem ser subscritas por advogado, mas juntamente com a autoridade responsável pelo ato sub judice, porque a responsabilidade administrativa é pessoal e intrans-ferível perante a Justiça. A Administração só se faz presente em mandado de segurança até a prestação das informações, pela autoridade contra quem é impetrada a ordem. Daí por diante, o processo pode – e deve – ser acompanhado por procurador habilitado nos autos [...].01 (grifou-se)

Nesse sentido, decide o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC):MANDADO DE SEGURANÇA - INFORMAÇÕES

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PRESTADAS POR ADVOGADO CONSTITUÍDO - NÃO CONHECIMENTO. Em ação de segurança é inadmissível que a autoridade tida como coatora dele-gue a advogado poderes para prestar as informações em seu nome. CONCURSO PÚBLICO - PROVA ORAL NÃO PREVISTA EM EDITAL - IMPOSSIBILIDADE. Observa-se no Edital n. 001/97 que para os cargos admi-nistrativos eram previstos, tão-somente, prova de conheci-mentos básicos, datilografia e títulos. Destarte, não estando prevista no Edital a prova oral, deve ser ela desconsiderada. CANDIDATA PRETERIDA - NOTA NÃO LANÇADA PARA EFEITOS DE CLASSIFICAÇÃO - DIREITO À PONTUAÇÃO INSERIDA NO EDITAL DO CERTAME - DIREITO LÍQUIDO VIOLADO. Não tendo sido lançada a nota da impetrante da prova de datilografia, há que se cor-rigir o equívoco, eis que foi quebrada a ordem classificatória e ferido seu direito líquido e certo, constitucionalmente protegido. (grifou-se)Apelação cível em Mandado de Segurança 2000.000660-2. Relator: Volnei Carlin. Data da Decisão: 24/4/2003.

Por outro lado, José Cretella Júnior, ao comentar o procedimento ado-tado no Mandado de Segurança, afirma que

Nos altos escalões da pirâmide administrativa, da Administração direta e indireta, existe mesmo corpo diferenciado de advogados internos da repartição, encarregados de elaborar as informações; nos escalões inferiores, para a autoridade que não recorra a advogado, do quadro ou não, para que responda, com fundamento, ponto por ponto, aos ataques do ato impugnado.Inúmeras vezes, o prestígio da autoridade coatora é tão grande e a repercussão do ato impugnado é tão relevante no meio social, que a medida impugnada passa a ser defendida, com unhas e dentes, pelo próprio editor do ato, contra-tando-se mesmo advogado de fora do quadro para a prestação das informações e para o acompanhamento do feito, inclusive, se for o caso, para a sustentação oral, perante os tribunais.02 (grifou-se)

Portanto, percebe-se que a prestação de informações em mandado de segurança não é ato privativo de advogado, mas também não é raro que eles prestem tal serviço.

No que tange aos recursos, o Edital assim reza:8.1 – É admitido recurso quanto a divergências:a) a não homologação ou indeferimento da inscrição;b) na formulação das questões da prova escrita/objetiva;

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c) na opção considerada como certa na prova escrita/objetiva – relativamente ao gabarito provisório, (divulgado);d) ao resultado da divulgação da Classificação dos candida-tos por cargo/função (resultado preliminar) do Concurso Público.

Como visto, não consta no Edital a previsão de interposição de recurso referente à prova prática antes comentada.

Ocorre que, conforme informações do Consulente, alguns candidatos interpuseram recursos relativos à prova prática, que foram conhecidos (não se sabe se foram providos).

Ante esse fato, uma candidata interpôs um recurso (também não pre-visto no edital), atacando os recursos dos outros candidatos e alegando ter sido prejudicada, visto que queria ter recorrido da prova prática e não o fez porque o edital não permitia.

Para resolver esse dilema, imperioso aprofundar um pouco o tema.Os recursos administrativos são interpostos em processos (ou proce-

dimentos) administrativos.Segundo Odete Medauar, “[...] processo administrativo caracteriza-se pela

atuação dos interessados, em contraditório, seja ante a própria Administração, seja ante outro sujeito (administrado em geral, licitante, contribuinte, por exem-plo), todos, neste caso, confrontando seus direitos ante a Administração”03.

Comentando sobre o devido processo legal no âmbito administrativo, prossegue a Doutrinadora:

Relacionando os incis. LIV e LV, pode-se dizer que o segundo especifica, para a esfera administrativa, o devido processo legal, ao impor a realização do processo administrativo, com as garantias do contraditório e ampla defesa, nos casos de controvérsia e ante a existência de acusados. No âmbito administrativo, desse modo, o devido processo legal não se restringe às situações de possibilidade de privação de liber-dade e de bens. O devido processo legal desdobra-se, so-bretudo, nas garantias do contraditório e ampla defesa, aplicadas ao processo administrativo.04 (grifou-se).

Adiante, a referida Autora classifica o concurso público como um pro-cesso administrativo de gestão:

Tendo em vista o inc. LV do art. 5º da CF e levando em conta as modalidades formuladas por Hely Lopes Meirelles, Sérgio de Andréa Ferreira e Ana Lúcia Berbert Fontes, propõe-se a seguinte tipologia para os processos administrativos no direito pátrio:a) processos administrativos em que há controvérsias, con-

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flito de interesses:a.1) processos administrativos de gestão; exemplos: licitações, concursos públicos, concursos de acesso ou promoção;[...]05 (grifou-se).

Por outro lado, sobre o conceito de recurso administrativo, Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma:

Recursos administrativos são todos os meios que podem utilizar os administrados para provocar o reexame do ato pela Administração Pública.[...]Os recursos administrativos têm duplo fundamento consti-tucional: art. 5º, incisos XXXIV e LV.Este último garante aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.06 (grifos no original)

Por sua vez, Hely Lopes Meirelles aduz:Recursos administrativos, em acepção ampla, são todos os meios hábeis a propiciar o reexame de decisão interna pela própria Administração, por razões de legalidade e de mérito administrativo. No exercício de sua jurisdição a Administração aprecia e decide as pretensões dos atos administrativos e de seus servidores, aplicando o Direito que entenda cabível, segundo a interpretação de seus órgãos técnicos e jurídicos. [...] 07 (grifou-se).

No que tange aos princípios que são aplicados aos recursos decorrentes de processos administrativos em geral, e, logo, também àqueles oriundos dos concursos públicos, Lúcia do Valle Figueiredo afirma:

Deveras, se os recursos forem interpostos de decisões ema-nadas em procedimentos administrativos (nominados ou inominados), que não relativos a punições disciplinares ou sanções administrativas, devemos entender que as garantias deverão ser as do processo judicial civil. [...]Entretanto, quer nos procedimentos comuns, nominados ou inominados, quer nos sancionatórios, encontramos basicamente os seguintes princípios: 1) legalidade; 2) impessoalidade; 3) publicidade; 4) moralidade; 5) motivação; 6) razoabilidade; e 7) proporcionalidade.08 (grifou-se)

Com base nesses princípios, a doutrina pátria é uníssona em defender

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a interposição de recurso administrativo mesmo sem a previsão expressa em lei ou em qualquer espécie de norma.

Para Odete Medauar, “O direito de interpor recurso administrativo foi afirmado no direito francês como um princípio geral, mesmo sem texto que o preveja explicitamente. Esse entendimento deve prevalecer também no ordenamento pátrio, sobretudo ante o direito de petição assegurado na Constituição Federal, art, 5º, LV.”09 (grifou-se)

Continua a referida Doutrinadora: Os princípios do contraditório e ampla defesa mantêm profunda interação, já se disse, mesclando-se, em muitos pontos, as decorrências de um e outro. A seguir serão arrolados desdobramentos mais diretamente vinculados à ampla defesa. [...]b) Direito de interpor recurso administrativo – Inde-pende de previsão explícita em lei ou demais normas, visto ter respaldo no direito de petição, que, no ordenamento pátrio, vem indicado na Constituição Federal, art. 5º, inc, XXXIV, alínea a. Além disso, nos processos administrativos o direito de recorrer está alicerçado na garantia de ampla defesa, como uma de suas decorrências.10 (grifou-se)

Maria Sylvia Zanella Di Pietro compartilha o mesmo entendimento:Como a legislação administrativa é esparsa, as normas sobre recursos têm que ser encontradas conforme o assunto de que se trate. Mas a inexistência de normas específicas sobre determinada matéria não impede seja dirigida pretensão à Administração Pública, sempre com base no direito de petição assegurado entre os direitos e garantias fundamentais do homem.11 (grifou-se)

E preceitua Hely Lopes Meirelles:Os recursos administrativos são um corolário do Estado de Direito e uma prerrogativa de todo administrado ou servidor atingido por qualquer ato da Administração. Inconcebível é a decisão administrativa única e irre-corrível, porque isto contraria a índole democrática de todo julgamento que possa ferir direitos individuais e afronta o princípio constitucional da ampla defesa, que pressupõe mais de um grau de jurisdição. Decisão única e irrecorrível é a consagração do arbítrio, não tolerado pelo nosso Direito. A Lei 9.784/99 consagrou esse entendimento ao estatuir, no capítulo do ‘Recursos’, que das ‘decisões administrativas cabe recurso, em face da razões de legalidade e mérito’ (art. 56).12 (grifou-se)

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Da mesma forma, Celso Antônio Bandeira de Mello expõe queO direito de recorrer administrativamente não pode ser recusado, visto que se trata de uma inerência ao princípio constitucional da ampla defesa, na conformidade do art. 5º, LV, da Lei Magna, segundo o qual ‘aos litigantes, em proces-so judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. [...]Se o insurgente não é parte da relação jurídica em cujo bojo foi tomada a decisão, ou não é diretamente afetado pela medida ou, em qualquer caso, se a lei não previu recur-so para a hipótese específica, mas o requerente tem interesse individual ou meramente como cidadão em impugná-la, poderá dirigir-se à autoridade competente para apreciar a matéria. Trata-se de manifestação do direito de petição, previsto no art. 5º, XXXIV, ‘a’, da Constituição Federal”.13 (grifou-se)

Ao comentar sobre concursos públicos, Hely Lopes Meirelles sintetiza o assunto:

Como atos administrativos, devem ser realizados atra-vés de bancas ou comissões examinadoras, regularmente constituídas com elementos capazes e idôneos dos quadros do funcionalismo ou não, e com recurso para órgãos su-periores, visto que o regime democrático é contrário a decisões únicas, soberanas e irrecorríveis.14 (grifou-se)

Corroborando o entendimento doutrinário, a jurisprudência pátria de-fende a aplicação dos princípios administrativos quando se trata de recursos que versem sobre concursos públicos.

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGU-RANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. FATOS QUE CONFIGU-RAM CRIME. APURAÇÃO NA VIA CRIMINAL. EX-CLUSÃO DO CERTAME. POSSIBILIDADE.[...]III - O direito à ampla defesa, em concurso público, se materializa com a interposição de recurso administra-tivo, o qual, na espécie, não foi interposto pelo recorrente. Recurso ordinário desprovido. (grifou-se)STJ - ROMS 22089. Processo: 200601208943 UF: MS Órgão Julgador: QUINTA TURMA. Data da de-cisão: 26/06/2007Documento: STJ000761364. DJ DATA:13/08/2007 PÁGINA:390. Relator(a) FELIX

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FISCHER.ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EXAME FÍSICO. IMPETRANTE CONSIDERADO INAPTO. AU-SÊNCIA DE ESPECIFICAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO, BEM COMO DOS MOTIVOS DA REPRO-VAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO EM RELAÇÃO A TAL MATÉRIA. IRREGULARIDADE. PEDIDO, CONTUDO, QUE SE RESTRINGE À APROVAÇÃO DO IMPETRANTE NO CERTAME. INVIABILIDADE, ADEMAIS, DE O PODER JUDICIÁRIO IMISCUIR-SE NA AVALIAÇÃO DA PROVA. ORDEM DENEGADA.Mandado de Segurança n. 2005.043166-4, da Capital. Relator designado: Des. Vanderlei Romer. Data da Decisão: 10-5-2006.

Destaca-se dessa decisão: [...]De outro vértice, vislumbra-se, igualmente, que, além de o candidato não conhecer a motivação oficial de sua reprova-ção no certame, não lhe restou garantida a possibilidade de interposição de recurso administrativo contra o resultado do exame psicotécnico.O item 30.2 do edital estabelece que “O candidato poderá recorrer no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, após a divulga-ção do resultado, à Comissão de Concurso Público, em caso de erro na contagem de pontos dos resultados nos Exames de Avaliação Psicológica e Avaliação Física”.Ora, se o impetrante sequer sabe o porquê de sua reprovação não há como recorrer da contagem de pontos do resultado do teste físico.Ademais, a interposição do recurso não pode ser restringida somente a essa hipótese, pois o candidato tem o direito de se insurgir contra os critérios utilizados para aplicação das provas.Confira-se:ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. CRITÉRIOS SUBJETIVOS. CARÁTER SIGILOSO E IRRECORRÍ-VEL. IMPOSSIBILIDADE.O entendimento deste Superior Tribunal de Justiça já se firmou no sentido de que, embora seja possível se exigir, como requisito para a investidura em determinados cargos públicos, a aprovação do candidato em exame psicotécnico, é necessário, além da previsão em lei, que a avaliação se dê

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mediante critérios cientificamente objetivos, bem como é vedado o caráter sigiloso e irrecorrível do teste.Recurso não conhecido (REsp 499522/CE, rel. Ministro Felix Fischer, j. 6-5-03, DJU 16-6-03). (grifou-se)[...]

Consta em declaração de voto vencido dessa mesma decisão:[...]Os atos praticados em concurso público são considerados atos administrativos para todos os efeitos e devem ser sub-metidos aos princípios que regem o direito administrativo, em especial, in casu, o da motivação dos atos que afetem direitos.A reprovação, mesmo em etapa meramente eliminatória de concurso público, deve indicar os acertos e erros, para permitir o direito de defesa do candidato e preservar a im-pessoalidade e a moralidade administrativa. [...]Fabrício Motta adota exegese similar: “A caracterização do concurso como processo administrativo determina a aplicação de uma série de princípios constitucionais e legais. De se realçar, imediatamente, que a Constituição assegurou como garantia fundamental aos acusados em geral e aos litigantes em processo administrativo o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recur-sos a ela inerentes. Na mesma esteira, a lei que regula o processo administrativo na Administração Pública federal - Lei n. 9.784/99, aplicável, ainda que subsidiariamente, aos concursos públicos - determina ainda a obediência a outros princípios não referidos explicitamente pela Constituição Federal, mas identificáveis no sistema constitucional. Pare-cem assumir mais relevância para a correta implemen-tação, interpretação e controle dos concursos públicos os princípios da isonomia, legalidade, publicidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, e finalmente vincu-lação ao edital, que passamos a analisar”.E, na sequência, afirma: “Obviamente, o conteúdo da lei (in casu, regras do concurso] está sujeito a controle mediante cotejo com os princípios constitucionalmente albergados, notadamente os que regem a atividade administrativa” (Concursos Públicos e o princípio da vinculação ao edital. In: Revista de direito administrativo. N. 239. Rio de Janeiro: Renovar, 2005).[...] (grifou-se).

Ademais, o Supremo Tribunal Federal (STF), o Superior Tribunal de

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Justiça (STJ) e o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) repelem a reali-zação de provas de concurso público que não admitam recurso administrati-vo, como demonstram os seguintes julgados (encontram-se outras decisões, inclusive do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais no arquivo anexo a esta pesquisa):

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONCURSO PÚ-BLICO. POLÍCIA MILITAR. EXAME PSICOTÉCNICO. Somente lei pode exigir exame psicotécnico como requisito para a nomeação em cargo público. Precedentes: RE 230.197 e AGRAG 182.487. O acórdão recorrido concluiu que a legislação potiguar não exige o teste psicoténico para a investitura no cargo de Po-licial Militar, premissa que não pode ser impugnada em sede extrordinária pelo óbice da Súmula STF n. 280.A jurisprudência desta Corte assentou que é ilegítimo o exame psicotécnico baseado em entrevista, com critério subjetivos e sigilosos e sem direito à recurso administra-tivo. Precedentes: RE 243.926 e RE 125.556.Agravo regimental desprovido. (grifou-se)STF - RE-AgR - Processo: 344880 RN. DJ 06-12-2002 PP-00066. EMENT VOL-02094-03 PP-00625. Relator(a) ELLEN GRACIE.RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGU-RANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO DE POLÍCIA SUBSTITUTO. INABILITAÇÃO EM TESTE FÍSICO. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. TER-MO A QUO DATA DA EXCLUSÃO DO CERTAME. CARÁTER IRRECORRÍVEL DO TESTE FÍSICO E DE REDAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADES FLAGRANTES. PLEITO DE ANULAÇÃO DE QUES-TÃO DE PROVA OBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE.[...]2. Assiste razão ao Recorrente quanto à tese da irrecor-ribilidade do teste físico e de redação. Isso porque, esta Corte Superior, na esteira dos precedentes do Supremo Tribunal Federal, já consagrou o entendimento segun-do o qual é inadmissível a realização de fases (testes, exames) de concursos públicos para provimento de cargos em caráter irrecorrível.[...]STJ - ROMS 15742. Processo: 200201707638 SC. QUIN-TA TURMA. Data da decisão: 17/08/2006. Documento: STJ000713634. DJ DATA:16/10/2006 PÁGINA:384.

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Relator(a) LAURITA VAZ.ADMINISTRATIVO - CONCURO PÚBLICO - EDI-TAL - RECURSO ADMINISTRATIVO NÃO RE-CEBIDO - SEGURANÇA CONCEDIDA - ISENÇÃO DE CUSTAS EM FAVOR DA FUNDAÇÃO PÚBLICA. (grifou-se)Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 1999.005204-4, da Capital. Relator: Des. Jaime Ramos. Data da Decisão: 16/02/2004.

Consta no corpo do julgado:A impetrante, não tendo obtido a nota mínima (6,4 ao in-vés de 7,0) na primeira prova do concurso público para o cargo de professor da disciplina de Orientação Educacional junto à UDESC, apresentou pedido de reavaliação da prova, com base no item 12.2 do edital do certame (fls. 32/33). Esse item dispunha o seguinte: “Do resultado do Concurso caberá recurso ao Conselho Universitário, até 5 (cinco) dias após a publicação, por estrita arguição de ilegalidade” (fl. 20). Bem se vê que essa regra não é aplicável à situação da impetrante, porque o item se refere a concurso contra o resultado final do concurso, e não contra etapas do certame. Aliás, não há no edital (fls. 09/20) previsão de recurso contra o resultado das provas. Mesmo assim, não se podia negar à impetrante o direito de revisão de prova, mesmo porque se tratava de avaliação subjetiva (escrita), o que exigia maior transparência quanto aos critérios de atribuição das notas. Em situação semelhante, decidiu o Superior Tribunal de Justiça: ADMINISTRATIVO - CONCURSO PÚBLICO - REVI-SÃO DE PROVAS. - Concede-se a revisão de provas em concurso público com o fito de preservar a probidade administrativa. “- Recurso provido” (STJ - 5ª Turma - Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 2.402-RJ, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini, julgado em 28.04.1997). Do corpo do acórdão consta o seguinte trecho, transcrito do voto vencido do acórdão estadual:A liberdade ou poder discricionário da Administração, en-tretanto, não vai ao ponto de poder violar a Constituição, por isso que toda lei, decreto, regulamento ou qualquer ato normativo encontra a sua base de validade na Lei Maior. Importa dizer que o regulamento é a lei do concurso, pelo

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que deve ser cumprido, salvo se conflitante com preceitos constitucionais ou legais, no que se torna inoperante. E tal é o caso dos autos. Tenho para mim que a farta jurisprudência trazida à colação pela honrada autoridade impetrada tornou-se inaplicável em face da nova ordem constitucional, e ainda porque não está o Judiciário a alterar os critérios de aferição das provas estabelecidos pela Administração, nem a fazer arre-dondamento de notas, mas tão somente a assegurar ao impetrante o direito de recorrer e ver reexaminada, na própria esfera administrativa, a decisão da banca exa-minadora que o reprovou. Os motivos que ensejaram tal decisão hão de ser conhecidos do impetrante, pois está em causa o seu direito constitucional de ampla defesa e de acesso competitivo aos cargos públicos, não poden-do prevalecer o puro arbítrio da Administração”. Transcrevem-se, ainda, pertinentes julgados colacionados pelo eminente Ministro relator: ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CON-TROLADOR DE ARRECADAÇÃO FEDERAL. VISTA DE PROVA. 1. Em respeito à moralidade da atividade administrativa, impõe-se a concessão de vista das provas em qualquer concurso público. 2. Remessa oficial conhecida e improvida” (REO n. 107.827/DF, Rel. Min. Jesus Costa Lima, DJ 26.02.1987). ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. REVISÃO DE PROVA. I - Norma de edital de concurso, que inadmite revisão de prova, compromete a transparência do certame e põe sob suspeita a lisura na correção das provas. II - A norma editalícia, in casu, não pode prevalecer sobre o bem jurídico maior a ser protegido, que é a probidade administrativa” (AMS n. 125.282/MT, Rel. Juiz Hermenito Dourado, DJ 16.04.1990).Portanto, ainda que não prevista expressamente no edital do concurso, não poderia ter sido negada à impetrante a revisão de prova. Saliente-se que através dessa medida não se interferiu no âmbito de conveniência ou oportunidade da Admi-nistração, porque em nenhum momento se realizou avaliação da prova prestada pela impetrante. Apenas se determinou neste mandamus que autoridade compe-tente efetuasse essa reavaliaçao, com base nos critérios que ela própria julgasse conveniente. [...] (grifou-se)

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ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EXAME PSICOTÉCNICO. IMPETRANTE CONSIDERADO INAPTO. AUSÊNCIA DE ESPECIFICAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO, BEM COMO DOS MO-TIVOS DA REPROVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRA-TIVO EM RELAÇÃO A TAL MATÉRIA. ILEGALI-DADE. PEDIDO, CONTUDO, QUE SE RESTRINGE À APROVAÇÃO DO IMPETRANTE NO CERTAME. INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA. (grifou-se)Mandado de Segurança n. 2005.039959-3, da Capital. Relator: Des. Vanderlei Romer. Data da Decisão: 8-3-2006.[...]Na verdade, o que a jurisprudência coíbe repetidamente é que determinadas etapas dos concursos públicos se-jam eliminatórias e, por sobre isso, sejam também sigilosas, subjetivas e não admitam recurso administrativo. Ou, ainda, que se exija determinada prova para cargo cuja lei de regência não prevê.Neste sentido, colhe-se do Superior Tribunal de Justiça:“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CON-CURSO PÚBLICO. EXAME PSICOTÉCNICO. NÃO RECORRIBILIDADE. ILEGALIDADE DO EDI-TAL.- A jurisprudência dos nossos Tribunais tem admitido a exigência da aprovação em exame psicotécnico no edital de concurso público para provimento de certos cargos, com vistas a avaliação intelectual e profissional do candidato, desde que claramente prevista em lei, renegando, todavia, a sua realização segundo critérios subjetivos do avaliador, sus-ceptível de ocorrer procedimento seletivo discriminatório.- Não havendo prova da previsão legal da realização de exame psicotécnico, e tendo o mesmo sido realizado dentro de cri-térios subjetivos, sigilosos e irrecorríveis, é de se reconhecer a ofensa a direito líquido e certo do candidato a continuar no certame e a ser submetido a novo exame.- Recurso ordinário a que se dá parcial provimento”. (RMS 14395/PI, rel. Min. Paulo Medina, DJU 26-4-04).[...] (grifou-se)Mandado de Segurança Número: 2006.000011-8 Des. Rela-tor: Newton Janke Data da Decisão: 14-6-2006

Outrossim, decisão do STJ abordou caso semelhante ao analisado:ADMINISTRATIVO - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA -

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CONCURSO PÚBLICO - CARGO DE JUIZ SUBS-TITUTO - PEDIDO ALÉM DO CONSTANTE NA INICIAL - IMPOSSIBILIDADE - NOTA DA PROVA ORAL - RECURSO ADMINISTRATIVO DE VÁRIOS CANDIDATOS - ALGUNS INDEFERIDOS, OU-TROS INADMITIDOS - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA.1 - É defeso ao recorrente, nesta seara, acrescer a seu pedido inicial o reconhecimento de sua aprovação do Concurso Público para provimento do cargo de Juiz Substituto do Estado do Espírito Santo. Isto porque, o pedido constante da exordial do mandamus objetiva apenas o seguimento do recurso administrativo que interpôs contra a nota obtida na prova oral, o que se analisa.2 - O fato do recurso administrativo do recorrente se-quer ter sido admitido, sob a alegação de que inexiste previsão, no edital, de recurso contra prova oral, viola o Princípio da Isonomia, porquanto a Comissão do Certame em questão admitiu recursos administrativos com o mesmo teor, tendo inclusive, alterado notas. Dessa forma, sendo inconcebível o tratamento discri-minatório de candidatos em situação idêntica, deve o recurso administrativo do recorrente ser admitido e julgado. (grifou-se)3 - Precedente (ROMS n.s 15.836/ES).4 - Recurso conhecido e provido para, reformando o v. acórdão de origem, conceder a ordem, nos termos em que pleiteada na inicial.STJ - ROMS – 17266. Processo: 200301813834 UF: ES Órgão Julgador: QUINTA TURMA. Data da decisão: 27/04/2004 Documento: STJ000574585. DJ 25/10/2004 PÁGINA:366. Relator(a) JORGE SCARTEZZINI.

De outro lado, necessário frisar que a Segunda Câmara de Direito Pú-blico do TJSC decidiu que a Lei n. 9.784/99, que “Regula o processo adminis-trativo no âmbito da Administração Pública Federal”, também é aplicável aos concursos públicos municipais, conforme consta no inteiro teor da decisão (Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2002.001348-0, Des. Relator Jaime Ramos, Data da Decisão: 18-8-2003):

Sobre o tema, é válido trazer a lume as disposições da Lei Federal n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Esta lei dispõe sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, mas é evidente que seus princípios norteadores haverão de servir de suporte in-terpretativo para o processo administrativo nos âmbitos

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estadual e municipal, quando for omissa a norma que o regula, como no caso. [...].Como o regulamento do concurso nada dispunha acer-ca de prazo para interposição de recurso, mais uma vez devem ser levadas em consideração as regras gerais da Lei n. 9.784/99. (grifou-se)

Acerca de tal Lei, escreve Odete Medauar: “De acordo com o art. 69, os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei pró-pria, aplicando-se-lhes subsidiariamente a Lei n. 9.784/99”15. Posteriormente, completa a Doutrinadora:

No direito brasileiro inexiste uniformidade nos prazos de recursos, mesmo em cada esfera administrativa; cada lei ou decreto regulador de um tipo de matéria estabelece prazos específicos. Para a Administração federal direta e indireta a Lei 9.784/99 previu, salvo disposição legal específica, o prazo de dez dias para interposição de recurso, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida (art. 59). Havendo prazo para interposição, este tem caráter peremptório; se o recurso é oferecido fora do prazo, a Ad-ministração, de regra, não o conhece. Porém, tendo em vista que o recurso administrativo também é meio de exercício do controle interno, se a autoridade administrativa verificar, pela sua leitura, a ocorrência de ilegalidade ou de medidas que ferem o interesse público, poderá, de ofício, determinar o reexame da matéria.16

E, adverte Hely Lopes Meirelles, “[...] Registre-se, embora evidente, que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não estão obrigados a seguir a norma em exame (art. 60, § 1º, da Lei n. 9.784/99)”.17

CONCLUSÃO:

Ante o exposto, entende-se que, embora a peça exigida na prova prática não seja privativa de bacharel em Direito, não se pode olvidar que a prestação de informações em mandado de segurança faz parte do cotidiano das Prefeituras, de forma que se vislumbra o atendimento dos fins almejados pelo concurso público: a seleção dos candidatos mais aptos à consecução das atividades inerentes ao respectivo cargo.

Da mesma forma, não se percebe irregularidade no recebimento de recurso administrativo sem a previsão expressa no Edital, tendo em vista que os princípios da Administração Pública repelem a prática de atos irrecorríveis. Nesse caso, pode se ter como parâmetro o prazo previsto na Lei n. 9.784/9918, que, segundo o TJSC, poderá ser utilizada também pela Administração Mu-

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nicipal.

1 In Mandado de segurança. 29ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 100.2 In Comentários à lei do mandado de segurança. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

p. 209.3 In Direito administrativo moderno. 11ª rev. e atual. São Paulo: RT, 2007. p. 162.4 Ibdem, p. 166.5 Ibdem, p. 171.6 In Direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 674 e 675.7 In Direito administrativo brasileiro. 33ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 673.8 In Curso de direito administrativo. 8ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros,

2006. p. 362.9 Op. cit., p. 379.10 Op. cit. p. 168 e 169.11 Op. cit. p. 676.12 Op. cit., p. 673 e 674.13 In Curso de direito administrativo. 23ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p.

143 e 144.14 Op. cit., p. 437.15 Op. cit., p. 177.16 Ibidem, p. 380.17 Op. cit., p. 677.18 Art. 59. Salvo disposição legal específica, é de dez dias o prazo para interposição de

recurso administrativo, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida. [...]

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Concurso público – Procurador municipal – prova prática – prestação de informações em mandado de segurança – peça não privativa de advogado – aceitação de recursos não previstos no edital”

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PESQUISA – CMA n. 60/2008Data: 30 de abril de 2008

Regime Jurídico Celetista – CLT – Possibilidade de contratação pela Administração Pública – Permissão, em casos específicos, no período posterior à EC n. 19 até a publica-ção da liminar deferida na ADI n. 2.135/2000-STF.

CONTEÚDO:

A presente pesquisa visa a abordar a hipótese de possibilidade de con-tratação pela Administração, sob o regime Celetista, de servidores ou empre-gados públicos, inclusive cargo comissionado, bem como a possibilidade de pagamento de verbas rescisória previstas pela CLT, no caso de rescisão dos contratados.

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Inicialmente, cabe lembramos que conteúdo original do caput do art. 39 (anterior à Emenda Constitucional n. 19/98) determinava que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deveriam instituir, no âmbito de sua competência, regime jurídico único (RJU) e planos de carreira para os servidores da Administração Pública Direta, das autarquias e das fundações públicas. Para Hely Lopes Meirelles:

O regime jurídico dos servidores civis consubstancia os preceitos legais sobre a acessibilidade aos cargos públicos, a investidura em cargo efetivo (por concurso público) e em comissão, as nomeações para funções de confiança; os deveres e direitos dos servidores; a promoção e respectivos critérios; o sistema remuneratório (subsídios ou remunera-ção, envolvendo os vencimentos, com as especificações das vantagens de ordem pecuniária, os salários e as reposições pecuniárias); as penalidades e sua aplicação; o processo administrativo; e a aposentadoria.” 01

Todavia, com a Emenda Constitucional n. 19, de junho de 1998, modificou-se o caput do art. 39, suprimindo assim a obrigatoriedade de um regime jurídico único para todos os servidores públicos, passando o mesmo a dispor:

Art. 39 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Mu-nicípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal integrado por servidores designa-dos pelos respectivos Poderes (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998).

Assim, com a alteração do texto do art. 39, deixou de ser necessária a fixação de um único regime jurídico para todos os servidores, passando a ser possível a convivência, numa mesma esfera de governo, de múltiplos re-gimes jurídicos, cada qual estabelecendo regras de determinada carreira, com peculiaridades próprias de cada caso. Com isso, buscou-se a flexibilização da Administração Pública, deixando de lado regras mais rigorosas, geralmente previstas nos Estatutos, facilitando, por exemplo, a dispensa de trabalhado-res, que poderiam ser contratados por outros regimes, inclusive o previsto na CLT, sem direito à estabilidade prevista no art. 41 da CRFB, que, com as alterações da EC n. 19, passou a ser restrita aos “servidores nomeados para cargo de provimento efetivo, em virtude de concurso público,” “após três anos de efetivo exercício”, conforme dispõe o caput do referido artigo.

Com o advento da EC n. 19/98, deixou de ser vedado o regime con-tratual no âmbito da Administração Pública, não sendo mais obrigatório o regime estatutário para a Administração Pública direta, autárquica e funda-cional, podendo os servidores ser regidos pelo regime estatutário, celetista ou contratual, ressalvado no entanto, o regime estatutário para as carreiras próprias de estado (art. 247, CRFB).

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A partir dessa alteração constitucional, a União, os Estados, o Distri-to Federal e os Municípios, imbuídos de nova faculdade, passaram a poder estabelecer regime jurídico estatutário, celetista (o da CLT) e administrativo especial. Sobre a possibilidade de regime jurídico múltiplo proposto pela EC n. 19/98, Hely Lopes Meirelles disserta:

Em consequência, em razão de sua autonomia política, o Município pode estabelecer regime jurídico não-contratual para os titulares de cargo público, sempre através de lei geral ou de leis específicas para determinadas categorias profissionais, as quais substanciam o chamado regime es-tatutário regular, geral ou peculiar. Pode, ainda, adotar para parte de seus servidores o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Por fim, deve adotar, através de lei, um regime de natureza administrativa especial, nos termos do art. 37, IX, da CF, para a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária ou de excepcional interesse público. Mister, no entanto, ter presente que alguns servidores públicos, por exercerem atribuições exclusivas de Estado, submetem-se, obrigatoriamente, a regime jurídico estatutário, pois, como se depreende do art. 247 da CF, com redação da EC 19, devem ter cargo efetivo.02

Assim, em razão da alteração efetuada pela EC n. 19/98, que alterou a redação do caput do art. 39 da CRFB, o legislador ordinário adquiriu liberdade para instituir no âmbito da Administração Pública tanto o regime estatutário, celetista e ou administrativo especial para os seus servidores, desde que res-peitados os limites impostos pelo constituinte quanto às carreiras, que dadas as suas peculiaridades de atividades típicas do Estado, devem ser regidas por regime estatutário.

Um exemplo de contratação sob o regime celetista, se dá no caso dos agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, visto que, com a Emenda Constitucional n. 51, de 14 de fevereiro de 2006, foram intro-duzidos no art. 198 da CRFB, os §§ 4º e 5°, dispondo que:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:[...] § 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação.§ 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regula-

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mentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias. [...]

A regulamentação da previsão disposta no § 5° se deu com a edição da Lei n. 11.350, em 5 de outubro de 2006, a qual, ao dispor sobre o regime jurídico dos agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, previu que esses se submeteriam ao regime jurídico estabelecido pela Conso-lidação das Leis do Trabalho (CLT), se outro não fosse o regime estabelecido por lei local. Estabelecendo, em seus arts. 8º a 10, que:

Art. 8° Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, na forma do disposto no § 4o do art. 198 da Constituição, sub-metem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa.Art. 9° A contratação de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias deverá ser precedida de processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para o exercício das atividades, que atenda aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.Parágrafo único. Caberá aos órgãos ou entes da administração direta dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios certificar, em cada caso, a existência de anterior processo de seleção pública, para efeito da dispensa referida no parágrafo único do art. 2o da Emenda Constitucional n° 51, de 14 de fevereiro de 2006, considerando-se como tal aquele que tenha sido realizado com observância dos princípios referidos no caput.Art. 10. A Administração Pública somente poderá rescindir unilateralmente o contrato do Agente Comunitário de Saúde ou do Agente de Combate às Endemias, de acordo com o regime jurídico de trabalho adotado, na ocorrência de uma das seguintes hipóteses:I - prática de falta grave, dentre as enumeradas no art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT;II - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;III - necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa, nos termos da Lei n. 9.801, de 14 de junho de 1999; ouIV - insuficiência de desempenho, apurada em procedimento

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no qual se assegurem pelo menos um recurso hierárquico dotado de efeito suspensivo, que será apreciado em trinta dias, e o prévio conhecimento dos padrões mínimos exigidos para a continuidade da relação de emprego, obrigatoriamente estabelecidos de acordo com as peculiaridades das atividades exercidas.Parágrafo único. No caso do Agente Comunitário de Saúde, o contrato também poderá ser rescindido unilateralmente na hipótese de não-atendimento ao disposto no inciso I do art. 6°, ou em função de apresentação de declaração falsa de residência.”

Portanto, vê-se que, caso não exista lei local prevendo a subordinação dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias e regime específico, estarão esses obrigatoriamente subordinados ao regime previsto pela CLT, tanto em deveres como direitos.

Cabe, no entanto, ressalvar que, apesar de poder o Município ou o Estado adotar a CLT como regime jurídico de uma parte de seus servidores, não podem aqueles, todavia, alterá-la em alguns pontos, tendo em vista que tal competência é privativa da União, conforme dispõe o art. 22, inciso I, da CRFB.

Já, como regime administrativo especial, pode-se citar, no âmbito fede-ral, a Lei n. 8.745/93, a qual regulamenta a contratação de pessoal por tempo determinado com base no inciso IX do art. 37 da CRFB. Esta definiu, em seu art. 2°, os casos de necessidade temporária de excepcional interesse público, como sendo os de assistência a situações de calamidade pública, combate a surtos endêmicos, realização de recenseamentos, entre outros, sempre bus-cando atender a situações emergenciais e/ou de necessidade temporária; em seu art. 4°, definiu os limites dos prazos dos contratos e possibilidades de prorrogação; nos arts. 11 e 12, os direitos dos contratados; e, em seu art. 3°, a forma de seleção dos contratados, na qual se estipulou ser dispensável o concurso público, devendo-se utilizar “processo seletivo simplificado sujeito a ampla divulgação”, procedimento que atualmente se encontra regulado pelo Decreto n. 4.748/2003, no âmbito federal.

No entendimento de José Afonso da Silva, apesar de tal Lei se dirigir apenas a Órgãos da Administração Federal direta, autarquias e fundações públicas, aquele entende que algumas diretrizes desta devem ser observadas pelos demais entes públicos, fazendo a seguinte observação em referência a tal Lei: “Mais ela traz diretivas que devem ser seguidas por leis estaduais e municipais, como por exemplo, a indicação de casos de necessidades temporárias (art. 2°), a exigência de processo seletivo simplificado para o recrutamento do pessoal a ser contratado (art. 3°), o tempo determinado e improrrogável da contratação (art.4°).03

Tal entendimento é corroborado pelo Tribunal de Justiça Catarinense,

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(Ap. Civ. M. n. 2002.007371-2, 2002.0001037-5; Ap.Civ. 2004.012017-6, etc.), conforme se verifica no Acórdão proferido nos autos da Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2002.001179-7, de Otacílio Costa, de onde se extrai:

REEXAME NECESSÁRIO EM MANDADO DE SE-GURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA [...] “A validade da contratação de servidores por tempo determinado, mesmo que pelo regime de tercei-rização, está condicionada aos rígidos critérios elencados no inc. IX do art. 37 da Constituição Federal e aos termos da Lei n. 8.745/93, acrescidos das disposições contidas na lei local. [...]” (27-3-2003)

Portanto, no caso de contratação temporária baseada no disposto no inciso IX do art. 37 da CRFB, cabe a respectiva Lei, de iniciativa do ente público municipal ou estadual, definir quais serão os direitos e deveres dos respectivos contratados, podendo essa fazer referência ao regime celetista ou estatutário, mas devendo obrigatoriamente observar os limites impostos pelo próprio inciso IX do art. 37, além de algumas da diretrizes da Lei n. 8.745/93, conforme acima explicitado.

Contudo, deve-se aqui também abrir um parêntese, para cogitar-se a hipótese de um ajustamento através da rescisão de contratos regularmente baseados em lei municipal, mais que no caso concreto não justifica-se a contratação temporária, para que aplicando-se a Lei n. 8.745/93, teria o con-tratado direito a indenização no valor correspondente a metade do que lhe caberia referente ao restante do contrato, na forma prevista no § 2° do art. 12, aplicável a tais hipóteses, conforme o entendimento do nosso Tribunal de Justiça Estadual (Ap. Civ. M. n. 2006.007890-8, 2005.021490-3; Ap. Civ. 99.016964-2, etc.).

Portanto, verifica-se que, após a EC n. 19, tornou-se possível para a Administração Pública, quer seja no âmbito Federal, Estadual ou Municipal, adotar múltiplos regimes, devendo contudo, observar as restrições e peculia-ridades acima apontadas.

Assim, no caso de rescisão de contrato, por iniciativa do ente público, ou pedido de exoneração/dispensa do servidor ou empregado público, para apuração de seus direitos e deveres, será necessário nos remetermos à legis-lação municipal que define o regime jurídico aplicado ao respectivo cargo ou emprego, para que seja possível apurar-se as existência ou não de verbas devidas. Em caso de omissão, poderá se recorrer, dependendo da natureza do cargo ou emprego, ao respectivo estatuto dos servidores, ou, ainda, às Leis federais n. 8.745/93 e 11.350/06.

Outrossim, a título de conhecimento, torna-se necessário informar-se

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que a Emenda Constitucional n. 19, foi questionada perante o Supremo Tri-bunal Federal, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.135/DF, proposta pelo PT, PDT, PC do B e PSB. Alega-se, em especial, a inconstitucio-nalidade formal da EC n. 19/98, quanto à nova redação dada ao art. 39, tendo em vista que a alteração do referido art. simplesmente não fora aprovada por 3/5 das duas Casas do Congresso, em dois turnos de votação, como exige o art. 60, § 2º, da CF. Com isso, ter-se-ia indevidamente suprimido a exigência do regime jurídico único, sem a manifestação da Câmara sobre a questão.

Em tal ADI, no dia 2-8-2007, após sete anos da propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2135/2000, o Supremo suspendeu, em medida cautelar, por oito votos a favor e três contra, o caput do art. 39 da CRFB, com a redação dada pela EC n. 19/1998, restabelecendo o texto ori-ginal previsto pelo Legislador Constituinte Originário, que estabelecia regime jurídico único para os servidores públicos da Administração Pública direta, das Autarquias e das Fundações Públicas (RJU).

Tal decisão liminar, como de regra, foi concedida com efeitos mera-mente prospectivos, isto é, ex nunc (art. 11, §§ 1º e 2º, da Lei n. 9.868/99.), o que traz como consequência que os efeitos advindos da EC 19/98 perma-necerão em vigor até a data da decisão cautelar, isto é, 2-8-2007, e, a partir da publicação da decisão, não poderá ser realizada contratação pelo regime de emprego para a Administração Pública direta, das Autarquias e das Fundações Públicas, in verbis:

Decisão: O Tribunal, por maioria, vencidos os Senhores Ministros Nelson Jobim, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa, deferiu parcialmente a medida cautelar para suspen-der a eficácia do art. 39, caput, da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional n. 19, de 04 de junho de 1998, tudo nos termos do voto do relator originário, Ministro Néri da Silveira, esclarecido, nesta assentada, que a decisão – como é próprio das medidas cautelares – terá efeitos ex nunc, subsistindo a legislação editada nos termos da emenda declarada suspensa. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie, que lavrará o acórdão. Não participaram da votação a Senhora Ministra Cármen Lúcia e o Senhor Ministro Gilmar Mendes por sucederem, respectivamente, aos Senhores Ministros Nel-son Jobim e Néri da Silveira. Plenário, 02.08.2007. (grifado).

Então, suspensa a redação determinada pela EC n. 19, há de entender-se mantido, em pleno vigor, o caput do art. 39 da CRFB tal qual, aprovado em 1988.

1 Direito Administrativo Brasileiro; 33ª edição, 2007; Editora Malheiros; pág. 416.2 Direito Municipal Brasileiro; 15ª edição, 2007; Editora Malheiros; pág. 585.

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3 CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO;28ª edição; Editora Malheiros; pág. 681.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Regime Jurídico Celetista – CLT – Possibilidade de contratação pela Administração Pública – Permissão em casos específicos, no período posterior a EC n° 19 até a publicação da liminar deferida na ADI n. 2.135/2000-STF”

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PESQUISA – CMA n. 61/2008Data: 29 de abril de 2008

Servidor público municipal – pro-fessora - aposentadoria INSS pelo exercício do cargo junto ao Muni-cípio - extinção do vínculo com o Município.

CONTEÚDO:

A presente pesquisa tem por objetivo analisar a extinção do vínculo laboral com o Município de servidor municipal que se aposenta pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).

Sobre o tema, por atacar com propriedade o esse, merecendo, dessa forma, acolhida integral, artigo da lavra do Dr. Renato Kenji Higa, Procurador do Estado de São Paulo, o qual acompanha a presente pesquisa.

Porém, para complementar, cumpre destacar que a jurisprudência cata-rinense entende, de forma pacífica, que a aposentadoria de servidor público

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pelo INSS extingue o vínculo com a Administração Pública e a sua perma-nência no serviço público coaduna irregularidade insanável, pois obrigatória a realização de concurso público para o ingresso no serviço público. Entende-se ainda pela desnecessidade de processo administrativo para a exoneração do servidor em situação irregular:

SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. ESTABILIDADE CONSTITUCIONAL. APOSENTADORIA PELO INSS. ROMPIMENTO DO VÍNCULO LABORAL. PERMA-NÊNCIA NO SERVIÇO, SEM CONCURSO PÚBLICO. CIRCUNSTÂNCIA QUE AUTORIZA A DEMISSÃO. HIPÓTESE EQUIPARÁVEL A CONTRATAÇÃO IRREGULAR. DESNECESSIDADE DA ABERTURA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA OPERAR A DISPENSA. REMESSA E RECURSO PROVIDOS. Apelação Cível n. 2003.006872-4, de Criciúma. Relator: Des. Cesar Abreu.

E ainda:CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - SEr-VIDOR APOSENTADO PELO INSS - POSTERIOR EXONERAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO MUNICI-PAL. 1. “Ato administrativo contrário à Constituição e à lei é nulo; o administrador público tem o poder-dever de anulá-lo, de ofício. Poderá fazê-lo independentemente da prévia instauração de processo administrativo se a nulidade do ato revisto for flagrante e constatável na sua confrontação com a lei ou a Constituição, sem necessidade de compro-vação de fato a ele extrínseco. Se o ato era ilegal, ‘mantê-lo, apesar disso, só porque a Administração o rescindiu, seria falhar o Judiciário à sua missão, de controle da legalidade dos atos administrativos’ (MS n.º 1.944, Min. Luiz Gallotti). Não pode o Judiciário reconhecer efeitos a ato jurídico ou administrativo flagrantemente nulo (CC, art. 168, parágrafo único)” (AC n.º 2002.008252-5). 2. “Em nosso direito ad-ministrativo, como decorre, inclusive, do parágrafo único do art. 2º da Lei 4.717/65, não se faz distinção entre atos administrativos inexistentes e nulos, considerando-se ambos como nulos” (RE n.º 99.936, Min. Moreira Alves). 3. “O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que ‘não se podem acumular proventos com remuneração na atividade, quando os cargos efetivos de que decorrem ambas essas remunerações não sejam acumuláveis na atividade’ (MS n. 22.182-8, Min. Moreira Alves; RE n.º 163.204, Min. Carlos Velloso). Destarte, é lícita a demissão de servidor público que se aposenta e passa a perceber proventos da previdência oficial” (AC n. 1999.012900-4). A exoneração

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independentemente de processo administrativo não viola o princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). Em-bargos Infringentes n. 2004.025793-7, da Capital. Relator: Des. Newton Trisotto.

Entendimento semelhante possui o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina:

PREJULGADO 0639Ao servidor aposentado, celetista ou estatutário, é facultado o retorno ao serviço público, desde que submeta-se a concurso público de provas ou provas e títulos, em atendimento ao disposto no art. 37, II, da Constituição Federal. Os contratos de trabalho posteriores à concessão do bene-fício da aposentadoria, firmados com ofensa a disposições constitucionais (arts. 37, II), impõe a decretação de nulidade e a imediata interrupção de prestação de serviços, inexistindo, nesses casos, o direito à percepção de verbas, vez que não se verifica rescisão contratual.Os contratos, ajustes ou acordos dessa espécie são nulos de pleno direito e não produzem efeitos futuros, inexistindo o direito a qualquer tipo de verba indenizatória. Processo: CON-TC0433100/87 Parecer: COG-679/98 Origem: Prefeitura Municipal de Schroeder Relator: Conselheiro Luiz Suzin Marini Data da Sessão: 17-2-1999PREJULGADO 1326O Regime Geral de Previdência Social, administrado pelo INSS, não se confunde com o Regime Próprio de Previ-dência, que venha a ser implantado pelo Município através da obediência das linhas mestras traçadas pelos arts. 40 e seguintes da CF/88.A contribuição ao Regime Próprio de Previdência, regular-mente instituído, é compulsória, a ela obrigando-se todos os servidores ocupantes de cargo efetivo, conforme arts. 40 e seguintes da CF/88.Não há impedimento constitucional para o servidor que percebe benefício de aposentadoria pelo INSS venha a per-ceber idêntico benefício pelo Regime Próprio de Previdência, desde que tenha contribuído para tal (arts. 40 e seguintes da CF/88), podendo este último ser proporcional ao tempo de serviço, observada a legislação pertinente.O servidor aposentado com proventos pagos pelo INSS pode retornar ao serviço público para ocupar cargo de pro-

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vimento efetivo desde que se submeta a concurso público.Processo: CON-02/10809841 Parecer: COG-112/03 Decisão: 787/2003 Origem: Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos do Município de Concórdia Relator: Thereza Apparecida Costa Marques Data da Sessão: 7-4-2003 Data do Diário Oficial: 16-6-2003

Assim, pelo exposto e com base nos demais documentos que acom-panham a presente, entendemos pela ilegalidade da permanência de servidor público aposentado pelo INSS nos quadros da Administração Pública, sem a realização de concurso público.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Servidor público municipal – professora - apo-sentadoria INSS pelo exercício do cargo junto ao Município - extinção do vínculo com o Município.”

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PESQuiSA - CmA n. 62/2008Data: 9 de maio de 2008

Contratação de serviços médicos de unidade hospitalar - Médico sócio do Hospital é servidor público mu-nicipal.

CONSULTA:

Trata-se de questionamento acerca da possibilidade de o Município de Itapiranga contratar a prestação de serviços médicos de Unidade Hospitalar que possui servidor público municipal (médico) em seu quadro societário. Ressalta-se, também, que esse é o único hospital do Município.

CONTEÚDO:

A questão acerca da possibilidade de participação de servidor público em licitações foi objeto da Pesquisa n. 30, do CMA. Na oportunidade, obser-

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vou-se que os Tribunais pátrios interpretam de forma ampla o disposto no inciso III do art. 9° da Lei de Licitações:

A Lei n° 8.666/93, em seu art. 3°, caput, estabelece que a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da lega-lidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos.

Assim, visando a dar efetividade aos princípios da moralidade e isono-mia dentro do processo licitatório, a Lei de Licitações, em seu art. 9º, prevê expressamente que:

Art. 9º Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e de forneci-mento de bens a eles necessários:[...]III – servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação.

Tal impedimento, destaca-se, aplica-se a todos os órgãos da Administra-ção Pública, direta ou indireta, e representa, como já dito, a solidificação dos princípios da isonomia e moralidade, conforme entendimento já manifestado pelo STF, em despacho proferido pelo Ministro Eros Grau, nos autos da ADI n. 3.158-9, em que ficou consignado que:

O art. 9° da Lei n. 8.666 é dotado de caráter geral, visto que confere concreção aos princípios da moralidade e da isonomia. Logo como norma geral que é, vincula os órgãos da administração Direta e Indireta dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pelos Estados-membros, pelo distrito Federal e pelos Municípios. [...] (DJ. 20-4-2005).

Outrossim, há de se destacar que o impedimento disposto no art. 9, § 3º, é amplo, bastando para que este se caracterize, que o interessado seja servidor ou dirigente do órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação, independente de que estes tenham ou não condições de interferir sob o destino do procedimento licitatório ou mesmo acesso informações privilegiadas.

Inclusive, nesse sentido, o Mestre Marçal Justen Filho observa que “Há precedente esclarecedor, oriundo do TCU sobre o tema”. No voto do Relator,

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foi incorporado trecho bastante elucidativo sobre a interpretação adequada do art. 9º. Sustentava-se a ausência de impedimento se o servidor público não dispusesse de condições para interferir sobre o destino da licitação. O raciocínio foi rejeitado mediante afirmação que o deslinde da questão ‘não passa pela avaliação de saber se os servidores detinham ou não informações privilegiadas, basta que o interessado seja servidor ou dirigente do órgão ou entidade contratante para que esteja impedido de participar, direta ou indire-tamente, de licitação por ele realizada’ (Decisão n. 133/1997 – Plenário, rel. Min. Bento José Bulgarin).”1

O Superior Tribunal de Justiça no Resp n. 254115/SP adotou uma interpretação extensiva do impedimento do servidor público (art. 9°, inc. III, Lei n. 8.666/93).

Não pode participar de procedimento licitatório, a empresa que possuir, em seu quadro de pessoal, servidor. Ou/ diri-gente do órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação (Lei n. 8.666/93, art. 9º, inciso III). O fato de estar o servidor licenciado, à época do certame, não ilide a aplicação do referido preceito legal, eis que não deixa de ser funcionário o servidor em gozo de licença.(STJ. 1ª Turma. RESP n. 254115/SP. Registro n. 200000323780. DJ 14 ago. 2000. p. 154 e RESP n. 467871/SP. Registro n. 200201273861. DJ 13 out. 2003. p. 233.)

Resta saber, no entanto, se a adoção do critério amplo, para efeitos de vedação ao servidor público, responde de forma satisfatória a extensa gama de situações que envolvem o dia-a-dia do administrador público.

De fato, a proibição do servidor público de participar de licitações se constitui em regra geral, no entanto, casos há em que esta vedação entrará em conflito com direitos de igual ou, até mesmo, de maior estatura constitu-cional, como acontece quando a questão envolve o direito à saúde (art. 196 da CR/882).

Percebe-se que a Lei de Licitações, quando veda a participação do ser-vidor em licitações público, visa, sobretudo, a garantir a competição e como consequência disso, o melhor preço.

Destaca-se que o TCU já decidiu que a presença de servidor público no quadro societário da empresa que disputa a licitação inviabiliza o certame. Segundo Jorge Ulisses Jacoby Fernandes3, “o TCU determinou a anulação do certame licitatório, ao verificar que os servidores da própria Universi-dade licitante eram sócios da empresa contratada” (TCU. Processo n. TC-001.518/2004-0. Acórdão n. 219/2005 – 1ª Câmara).

Verifica-se, entretanto, que, no caso da contratação de serviços médicos pelo Município de Itapiranga, ocorre inviabilidade de competição licitatória,

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pois, a população conta com apenas um único Hospital.Trata-se, assim, de caso de inexigibilidade de licitação (art. 25, Lei n.

8.666/93). Rigolin e Bottino4 esclarecem que o rol de situação abarcadas no art. 28 (incisos I, II e III) é meramente exemplificativo:

A possibilidade de se licitarem certos objetos não ocorre quanto ao art. 25, que versa sobre licitações inexigíveis, pois, que nestes casos inexiste viabilidade – quer jurídica, quer material – de se colocar em competição o objeto que sirva à Administração. Estas hipóteses são ampliáveis, à medida em que surjam, na vida das entidades públicas, casos não previstos no art. 25, que, repita-se ainda uma vez, constitui um rol apenas exemplificativo, aberto, ampliável pelo casu-ísmo particular das entidades licitadoras; sempre que algum objeto tenha sua licitação impossibilitada pela inviabilidade de competição, e apenas por essa razão, ter-se-á caso de licitação inexigível, ainda que não constante a hipótese do elenco de incisos, do art. 25, aquela nova hipótese, um novo inciso, na sua lei ou no seu regulamento, assim como pode adquirir diretamente o objeto respectivo, com fundamento apenas no caput do art. 25, sem descer a inciso, justificando-o devidamente.

Em caso análogo o Tribunal de Contas de Pernambuco5 decidiu que “os postos de revenda de combustíveis pertencentes ao prefeito só po-deriam, por hipótese, fornecer ao Município, na eventualidade de falta do produto em outros postos de abastecimento”.

No mesmo caminho, segundo Jorge Ulisses Jacoby Fernandes6, “o TCU considerou lícita a contratação de serviços com fulcro no art. 25, caput, sempre que comprovada a inviabilidade de competição” (TCU. Processo n. TC-300.061/95-1. Decisão n. 63/1998 – Plenário).

Em outro caso semelhante, o Tribunal de Contas de Santa Catarina7 decidiu que

A contratação de emissora de rádio comunitária, me-diante licitação ou dispensa, a qual tem como presi-dente servidor do órgão licitante, somente poderá ser efetivada se a rádio for a única emissora captada pelos munícipes. (grifei)A dispensa de licitação (art. 24, II, da Lei Federal n. 8.666/93) somente será possível se o órgão licitante des-pender no exercício valor inferior a R$ 8.000,00 (oito mil reais) em publicidade (escrita, falada, televisiva, internet). Caso o órgão licitante venha a despender no exercício valor superior a R$ 8.000,00 (oito mil reais) em pu-blicidade (escrita, falada, televisiva, internet), deve ser

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realizada licitação, dada a vedação de inexigibilidade, im-posta pelo art. 25, II, in fine, da Lei Federal n. 8.666/93. Na hipótese da rádio comunitária não ser a única emissora captada pelos munícipes, a contratação é admissível me-diante realização de sistema de credenciamento de todos os interessados8.

Marçal Justen Filho muito bem explicita o tema:Mas há de se estabelecer uma ressalva. É possível que a causa jurídica da dispensa ou da inexigibilidade exista antes ou in-dependentemente da elaboração do projeto. Nesse caso, não incide o impedimento. Um exemplo permite compreender o raciocínio. Suponha-se que uma certa tecnologia seja de titularidade privativa de uma determinada empresa. A Admi-nistração realizará a contratação direta com fundamento no art. 25, inc. I, da Lei n. 8.666. Se a Administração contratar o único empresário em condições de executar a obra para elaborar os projetos básico e executivo, é evidente que o impedimento examinado não se aplicará9.

In casu, o hospital do Município de Itapiranga é o único qualificado (diga-se: existente) para realizar o desígnio perseguido pela Administração. Logo, inexistindo competição e sendo a única empresa capaz de ser contratada, desde que observado os custos dos serviços (devidamente orçados com comparativo de outras contratações), possível é contratação da empresa, mesmo que seja sócio servidor municipal.

1 Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11º edição, 2005; Editora Dialética; pág. 123.

2 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

3 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Vade – Mécum de Licitações e Contratos. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2006, p. 221.

4 RIGOLIN, Ivan Barbosa; BOTTINO, Marco Tullio. Manual Prático das Licitações. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, p. 310

5 TCE/PE. Decisão n. 36/96. Processo n. 9.507.566-5. Sessão de 17 de janeiro de 1996. Ver: FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Vade – Mécum de Licitações e Contratos. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2006, p. 220.

6 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Vade – Mécum de Licitações e Contratos. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2006, p. 220.

7 Ver prejulgado 1399 disponível em (http://www.tce.sc.gov.br/web/menu/decisoes).8 Prejulgado 13999 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11.

ed. São Paulo: Dialética, 2005. p.120.

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PESQUISA – CMA n. 63/2008Data: 13 de maio de 2008

Advogado nomeado como dativo – Exercício de munus publicum e não de função pública – Exigência de honorários da parte assistida – Não Caracterização de ato de improbi-dade.

CONTEÚDO:

A presente pesquisa visa a abordar a hipótese em que se questiona a possibilidade de aplicação da lei de improbidade, especialmente o art. 11, inciso I, para o enquadramento de conduta, onde um advogado inscrito no Sistema de Assistência Judiciária Gratuita é sorteado e nomeado para atuar como dativo. Porém, ao ter a parte carente encaminhada a seu escritório, efetua a cobrança de honorários advocatícios desta, para atuar no feito.

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Em Santa Catarina, por não existir órgão de Defensoria Pública, o legislador constitucional, autorizou, e o ordinário criou, a Defensoria Dativa e Assistência Judiciária Gratuita, delegando a defesa jurídica dos carentes e necessitados ou do acusado ausente ou foragido a este modelo de assistência jurídica, o qual foi regulado pela Lei Complementar n. 155/97, que inclusive está sendo questionada pela ADI n. 3892-3, a qual aguarda julgamento no STF.

Porém, não obstante a inconstitucionalidade ou não do modelo catari-nense, com relação à hipótese ora aventada, constata-se que a Lei Complemen-tar n. 155/97, é claríssima ao dispor que é vedada a cobrança de honorários, pelo advogado nomeado, da parte assistida, dispondo a lei expressamente em seus arts. 11 e 16, inciso I, que:

Art.11. A prestação de assistência judiciária nos termos desta Lei é totalmente gratuita, vedada qualquer cobrança do assistido a título de honorários advocatícios, taxas, custas ou emolumentos.[...]Art.16. Constituem-se em obrigações fundamentais para a percepção da remuneração ora instituída:I – [...]II – não receber do beneficiário qualquer remuneração a título de honorários profissionais.

Portanto, não há dúvidas que a conduta descrita na hipótese aventada, além de moralmente condenável, também contraria tanto os princípios ad-ministrativos como também o tipo descrito no inciso I do art. 11 da Lei n. 8.429/92.

Todavia, para a caracterização do ato de improbidade, faz-se necessário analisarmos a qualidade do agente que praticou a ação ou omissão, a fim de verificar se este se enquadra no conceito de agente público trazido no art. 2° da Lei de improbidade. Assim, na presente hipótese, caberia verificar se o advogado nomeado dativo, exerce ou não função pública.

Ao analisar-se a jurisprudência, constata-se que essa não considera a advocacia como sendo uma atividade do Estado. Pelo contrário. É a mes-ma atividade privada, sendo seu exercício livre nos termos do estatuto da advocacia. Nesse norte, o advogado designado para a defesa de interesses e direitos de alguém, ao contrário do defensor público, titular de um cargo, não exerceria função pública, mas, sim, um encargo ou ônus, conferido pela lei e pelo imposto pelo Estado, um munus publicum, conforme conceitua Pedro Nunes in Dicionário da Tecnologia Jurídica. Tal entendimento é pacifico na jurisprudência, conforme se constata pelas ementas dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça a seguir transcritos, in verbis:

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RECURSO DE HABEAS CORPUS. DEFENSOR DATI-VO. POSTERIORIDADE. COBRANÇA. HONORÁRIOS. CONDUTA ATÍPICA. FUNCIONÁRIO PÚBLICO.1. O defensor dativo, ao contrário do integrante da Defenso-ria Pública (art. 5º, inciso LXXXIV c/c art. 134 da CF), não exerce função pública, mas somente munus publicum, razão pela qual a sua conduta, referente à cobrança indevida de ho-norários, não pode ser enquadrada como ato de funcionário público, refugindo ao âmbito do Direito Penal.2. Recurso provido. Acórdão Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Mi-nistros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso para conceder a ordem de habeas corpus, ordenando o trancamento da ação penal.” (STJ - Processo RHC 8856 / RS - RECURSO ORDINÁ-RIO EM HABEAS CORPUS 1999/0066044-7 – Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES - Órgão Julgador: SEXTA TURMA - Data do Julgamento: 16/12/1999 - Data da Publicação/Fonte: DJ 21.02.2000, p. 188) PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO OR-DINÁRIO DE HABEAS CORPUS. CONCUSSÃO. DEFENSOR DATIVO. POSTERIOR COBRANÇA DE HONORÁRIOS. ATIPICA.I - A advocacia, mesmo em se tratando de designação para a defesa de alguém, pode ser munus publicum (Lei n. 8.906/94, art. 2, § 2º), mas não é, ao contrário da Defensoria Pública (art. 5º, inciso LXXXIV c/c o art. 134 da Carta Magna), função pública (Precedente).II - Configura matéria extrapenal, a posterior e indevida cobrança de honorários acerca de serviços prestados como defensor dativo. Recurso provido.Acórdão Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Minis-tros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso para trancar a ação penal.(STJ – Processo RHC 8706 / SC - RECURSO ORDINÁ-RIO EM HABEAS CORPUS 1999/0048917-9 – Relator: Ministro FELIX FISCHER - Órgão Julgador: QUINTA

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TURMA - Data do Julgamento: 28/09/1999 - Data da Publicação/Fonte: DJ 18.10.1999, p. 239) RHC - PENAL - FUNCIONÁRIO PUBLICO - AD-VOGADO - O CÓDIGO PENAL REELABOROU O CONCEITO DE - FUNCIONÁRIO PUBLICO (ART. 327). COMPREENDE QUEM, EMBORA TRANSITO-RIAMENTE OU SEM REMUNERAÇÃO, EXERCE CARGO, EMPREGO OU FUNÇÃO PUBLICA. CARGO E LUGAR E CONJUNTO DE ATRIBUIÇÕES CON-FIADAS PELA ADMINISTRAÇÃO A UMA PESSOA FÍSICA, QUE ATUA EM NOME DO ESTADO. EM-PREGO E VINCULO DE ALGUÉM COM O ESTADO, REGIDO PELAS LEIS TRABALHISTAS. FUNÇÃO PU-BLICA, POR SEU TURNO, ATIVIDADE DE ÓRGÃO PUBLICO QUE REALIZA FIM DE INTERESSE DO ESTADO. A ADVOCACIA NÃO E ATIVIDADE DO ESTADO. AO CONTRARIO, PRIVADA. LIVRE E O SEU EXERCÍCIO, NOS TERMOS DO ESTATUTO DO ADVOGADO. A ADVOCACIA NÃO SE CONFUNDE COM A - DEFENSORIA PUBLICA. ESTA E INSTITUI-ÇÃO ESSENCIAL A FUNÇÃO JURISDICIONAL DO ESTADO, INCUMBINDO A ORIENTAÇÃO JURÍDICA E A DEFESA, EM TODOS OS GRAUS, DOS NECES-SITADOS, NA FORMA DO ART. 5., LXXXIV (CONST. ART. 134). O DEFENSOR PUBLICO, AO CONTRARIO DO ADVOGADO EXERCE – FUNÇÃO PUBLICA. O ADVOGADO, DESIGNADO PARA EXERCER A DEFESA DE ALGUM, EXERCE - “MUNUS PUBLI-CUM” (LEI N. 8.906, 14.07.1994, ART. 2., PARÁGRAFO 2.). ASSIM, NÃO EXERCENDO - FUNÇÃO PUBLICA NÃO E FUNCIONÁRIO PUBLICO - PARA OS EFEI-TOS PENAIS.”Acórdão POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E POR MAIORIA DAR-LHE PROVIMENTO, VENCIDO O SR. MINISTRO ADHEMAR MACIEL QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO.(STJ - Processo RHC 3900 / SP - RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 1994/0027399-1 - Relator: Minis-tro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO - Órgão Julgador: SEXTA TURMA - Data do Julgamento: 12-9-1994 - Data da Publicação/Fonte: DJ 3-4-1995, p. 8148)

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça Catarinense também assim já se manifestou, in verbis:

Apelação criminal - Crime contra a Administração Pública

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em geral - Corrupção Passiva - Recurso Ministerial buscan-do a condenação - Recurso defensivo buscando a alteração da capitulação da absolvição para o inciso I do art. 386, do CPP – Impossibilidade - Materialidade comprovada - Crime próprio - Justiça gratuita - Defensoria pública que não se confunde com função pública - Ausência elementar do tipo penal - Fato atípico - Sentença mantida - Recursos desprovidos.ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, negar provimento aos recursos.(TJSC - Apelação Criminal n. 2006.019526-6, de Lauro Muller - Relator: Des. Souza Varella – Data da Decisão: 3-4-2007)

CONCLUSÃO:

Assim, não estando o advogado dativo no exercício de uma função pública, mais sim de um munus publicum, o que impede o enquadramento deste ao conceito de agente público trazido no art. 2° da Lei n. 8.429/92, não há como se cogitar a hipótese de a presente pesquisa como ato de improbidade. Fato, porém, que não prejudica a apuração dos fatos pelo Tribunal de Ética da OAB.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Advogado nomeado como dativo – Exercício de “munus publicum” e não de função pública – Exigência de honorários da parte assistida – Não Caracterização de ato de improbidade.”

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PESQUISA – CMA n. 64/2008 Data: 15 de maio de 2008

Procurador Municipal – Promoção de defesa de servidores em ACP por ato de improbidade – Ocorrência de novo ato de improbidade.

CONTEÚDO:

Trata-se de solicitação de apoio operacional formulada pela Promotoria de Justiça de Campo Belo do Sul, nos seguintes termos:

[...]Foi ajuizada ação de improbidade administrativa contra dois servidores públicos municipais e um terceiro beneficiado. O Município foi notificado para compor a lide, porém que-dou-se silente (art. 17, § 3º da LIA)Agora comparecem em juízo os requeridos, por meio de seu procurador para apresentar defesa preliminar e, em sequência, contestação (após recebida a inicial). Ocorre

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que o procurador dos requeridos é o PROCURADOR DO MUNICÍPIO. Pela abstenção do Município me parece que não há tergiver-sação. Porém, gostaria de pesquisa no sentido de verificar se há responsabilidade administrativa e cível nessa conduta do causídico, inclusive para fins de improbidade administrativa, nos termos do art. 11, caput da lei, por ofensa aos princípios da honestidade e lealdade às instituições .. [...]

É fato notório que os Procuradores Municipais prestam seus serviços aos respectivos Municípios, e não aos seus agentes políticos ou servidores. Quando as ações são dirigidas contra tais pessoas, a sua defesa é um serviço particular e, como tal, deverá ser realizada por advogado contratado pelo réu.

Nesse sentido:[...] a Procuradoria Municipal, a Procuradoria do Estado e a Advocacia da União defendem os interesses dos respec-tivos Entes Públicos, não se confundindo os interesses da Pessoa Jurídica com os interesses de seus representantes legais enquanto pessoas físicas. [...] Mais ainda, o sistema constitucional, uma vez calcado na distinção entre Pessoas Jurídicas de Direito Público e Pessoas Físicas representantes das primeiras, veda, logicamente, que os interesses pessoais dessas últimas se sobreponham aos interesses dos Entes Públicos1.

Resta saber se tal ato redunda na prática de algum ato de improbidade administrativa. De acordo com a doutrina pátria, essa ação se amolda ao pre-visto no art. 9º da Lei n. 8.429/92 (LIA).

Wallace Paiva Martins comenta o referido art.:A censura legal é endereçada àquele que se aproveita de uma função pública para angariar vantagem a que não faz jus, por qualquer artifício que venha a empregar (abuso de confiança, excesso de poder, exploração de prestígio, tráfico de influência etc.) A vantagem patrimonial indevida, para a caracterização do enriquecimento ilícito, pode ser obtida pelo agente público ou terceiro [...].2 Para os fins da Lei Federal n. 8.429/92, é indiferente que a vantagem econômica indevida, que constitui o fruto do enriquecimento ilícito, seja obtida por prestação positiva ou negativa. Dentre estas, incluem-se os prosaicos custeios de transporte e estadia e outros serviços, considera-dos vantagem econômica indevida.” (grifou-se)

Da mesma forma, Emerson Garcia aduz: “Em geral, o enriquecimen-

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to ilícito é o resultado de qualquer ação ou omissão que possibilite ao agente público auferir uma vantagem não prevista em lei.”3 (grifou-se)

E, acrescenta Wallace Paiva Martins:Para Francisco Bilac Moreira (Pinto], ‘a vantagem econô-mica, sob forma de prestação negativa, é aquela que nada acrescenta, diretamente, à fortuna do agente passivo da cor-rupção. Ela representa, porém, para o servidor público, enriquecimento ilícito indireto, porque corresponde à poupança de despesas a que se obrigou, ou pela utili-zação de serviços de qualquer natureza, ou pela locação de móveis ou imóveis, ou pela aceitação de transporte ou hospedagem gratuitos ou pagos por terceiros (Enriqueci-mento ilícito no exercício de cargos públicos. Rio de Janeiro: Forense, 1960. p.269, n. 113]’[...]Assim, caracterizam o enriquecimento ilícito qualquer ação ou omissão no exercício de função pública para angariar vantagem econômica, [...] em razão do seu vínculo com a Administração Pública, independentemente da causação de dano patrimonial a esta, porque o relevo significativo do enriquecimento ilícito tem em si considerada preponderância do valor moral da Administração Pública, sendo direcionado ao desvio ético do agente público. [...]Irrelevante, par os fins da lei, que o agente público pratique ato lícito ou ilícito; incide sobre ambas as situações, porque é intolerável o uso anormal ou antiético da função pública para se enriquecer, mesmo agindo licitamente, sem embargo de que outras consequências jurídicas poderão advir da prática de ato ilícito. 4 (grifou-se)Fulminando o assunto, assevera o comentado autor:O agente público deve servir à Administração Pública e não servir-se dela, obtendo ou fornecendo vantagens a partir da utilização de bens e serviços públicos, dispon-do da coisa pública como se fosse bem do seu acervo particular. O Estado organiza e presta serviços, adquire e utiliza bens, visando ao interesse da coletividade e não à satisfação dos interesses do agente público. Não obstante, o fato mais prosaico é justamente a negação dessa parêmia, pois os agentes públicos têm o péssimo costume de utilizar-se da máquina oficial par os mais diverso escopos distanciados da finalidade estabelecida.4) A ética pública tem como objeto a noção de o fun-cionário estar a serviço do interesse público, e não o

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contrário; por isso, não tolera a utilização dos bens públicos para finalidades alheias ao serviço”.5 (grifou-se)

Por sua vez, Emerson complementa:A análise do preceito legal permite concluir que, afora o elemento volitivo do agente, o qual deve necessariamente se consubstanciar no dolo, são quatro os elementos forma-dores do enriquecimento ilícito sob a ótica da improbidade administrativa: a) o enriquecimento do agente; b) que se trate de agente que ocupe cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades elencadas no art. 1º; ou mesmo o extraneus que concorra para a prática do ato ou dele se beneficie (arts. 3º e 6º); c) a ausência de justa causa, devendo se tratar de vantagem indevida, sem qualquer correspondên-cia com os subsídios ou vencimentos recebidos pelo agente público; d) relação de causalidade entre a vantagem indevida e o exercício do cargo, pois a lei não deixa margem a dúvidas ao falar em ‘vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo...’[...]Inexistindo previsão legal, ilícito será o enriquecimento. No mais, diferentemente do que ocorre no âmbito privado, em raras ocasiões o enriquecimento do agente público im-portará no correlato empobrecimento patrimonial do sujeito passivo, o qual é prescindível à configuração da tipologia legal prevista no caput do art. 9º.A idéia de empobrecimento é substituída pela noção de van-tagem patrimonial indevida, sendo considerado ilícito todo enriquecimento relacionado ao exercício da atividade pública e que não seja resultado da contraprestação paga ao agente, o que demonstra de forma insofis-mável a infringência dos princípios da legalidade e da moralidade, verdadeiros alicerces da atividade estatal.6 (grifou-se)

Outrossim, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina também é contrário à utilização de Procuradores Municipais e à contratação de advogados pelos Municípios para realização de defesa pessoal de agentes públicos, mesmo que Lei Municipal assim permita:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - MEDIDA CAUTELAR - LEI MUNICIPAL N.º 360, DE 10 DE JANEIRO DE 2005, DE SÃO FRANCISCO DO SUL - REGULAMENTA O EXERCÍCIO DO DIREI-TO À ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL AOS PREFEITOS, VEREADORES E SECRETÁRIOS MUNICIPAIS - LEGITIMIDADE ATIVA - IMPOSSI-

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BILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - INÉPCIA DA INICIAL - ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS PRIN-CÍPIOS DA RAZOABILIDADE E MORALIDADE - “FUMUS BONI IURIS” E “PERICULUM IN MORA” PRESENTES - CAUTELAR DEFERIDA. Para concessão de liminar em Ação Direta de Inconstitu-cionalidade são necessários dois requisitos indissociáveis, a saber, o “fumus boni iuris” e o “periculum in mora”. Presen-tes ambos, a medida cautelar de suspensão do ato normativo impugnado, merece ser concedida. (grifou-se)Ação Direta de Inconstitucionalidade 2005.031021-2. Relator: Nicanor Calirio Da Silveira. Data da Decisão: 05/04/2006.AÇÃO POPULAR - PREFEITO - SINDICÂNCIA - PRO-CESSO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - RESPON-SABILIDADE PELO PAGAMENTO Ainda que seus atos sejam inerentes à função, responde o agente público pelo pagamento dos honorários do advogado contratado para a sua defesa pessoal, se na causa não houver interesse público imediato a ser preser-vado. Se absolvido, poderá postular o ressarcimento dessas despesas, observadas as exigências legais (autorização da Câmara, dotação orçamentária etc.). (grifou-se)Apelação Cível 97.014566-7. Relator: Newton Trisotto. Data da Decisão: 25/08/1998.CONSTITUCIONAL - ADI - PREFEITO - CONTRA-TAÇÃO DE ADVOGADO PARA DEFESA - ATOS PRATICADOS NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO - LEI QUE AUTORIZA SEM EXIGIR LICITAÇÃO - EXIS-TÊNCIA DE ASSESSORIA JURÍDICA - PROBABILIDA-DE DE DANOS AO ERÁRIO - LIMINAR CONCEDIDA - VOTO VENCIDO Em princípio não havendo interesse público, mas inte-resse pessoal do prefeito na defesa de atos praticados no exercício da função, defere-se liminar para suspender a eficácia da lei que autoriza a contratação de advogado a ser remunerado pela tabela da OAB. “A imoralidade ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética das instituições.” (grifou-se)Ação direta de inconstitucionalidade 00.015928-0. Relator: Antonio Fernando do Amaral e Silva. Data da Decisão: 06/09/2000.

Ademais, o juízo da Comarca de Videira, em situação similar à comen-

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tada, proferiu sentença nos Autos n. 079.05.005124-3 (conferir anexos desta pesquisa), condenando-se o Prefeito daquela cidade nas sanções do art. 12, I, da LIA.

CONCLUSÃO:

Pelo exposto, percebe-se que a defesa de servidor público ou agente político promovida por Procurador Municipal acarreta uma vantagem pes-soal a esses agentes – decorrente do não-desembolso da quantia que deveria dispensar para a contratação de advogados particulares.

Essa vantagem ilícita ofende os princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade, o que caracteriza a prática de ato de improbidade admi-nistrativa previsto no art. 11 da LIA.

Sem prejuízo disso, essa mesma conduta, por causar um enriquecimento ilícito dessas pessoas, caracteriza a prática de ato de improbidade previsto no art. 9º da LIA.

1 OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade Administrativa – Observações sobre a Lei n.º 8.429/92. Síntese, 2ª ed., p. 163.

2 In Probidade Administrativa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 215.3 In Improbidade Administrativa. 3ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.

p. 251.4 Op. cit., p. 216 e 217.5 Ibiden, p. 223 e 224.6 Op. cit., p. 255 e 256.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Procurador Municipal – promoção de defesa de servidores em ACP por ato de improbidade – ocorrência de novo ato de im-probidade.”

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PESQUISA – CMA n. 65/2008 Data: 21 de maio de 2008

Servidor concursado para o cargo de agente administrativo (nível médio), filho de vereador, indicado para exer-cer a função gratificada de assessor jurídico do Procon - Termo de Ajus-tamento de Conduta silente a respeito dos casos de funções gratificadas - Ante o TAC firmado, mostra-se que a prática merece censura, pois os princípios da moralidade e impessoa-lidade exigem compatibilidade entre o cargo efetivo e a função, ou seja, o parente só poderá exercer função de nível superior, além de possuir habilitação para tal, se ocupar cargo efetivo, mediante concurso, também de nível superior.

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SOLICITAÇÃO:

Trata-se de questionamento acerca da configuração de nepotismo na concessão de função gratificada de “assessor jurídico do Procon” a servidor público, filho de vereador e funcionário efetivo da Prefeitura de Curitibanos (Agente Administrativo, de nível médio).

CONTEÚDO: Da análise do Termo de Ajustamento de Conduta, firmado em 24 de

julho de 2007, com a Prefeitura de Curitibanos, deflui da Cláusula Primeira que as hipóteses de nepotismo se restringiram aos casos de servidores ocupantes de cargos em comissão e daqueles contratados por tempo determinado para atender à necessidade de excepcional interesse público:

1. O Compromissário obriga-se a exonerar, em até 60 (sessenta) dias, a contar da assinatura deste Termo, todos os servidores ocupantes de cargos comissionados e os contratados por tempo determinado para atender neces-sidade temporária de excepcional interesse público, no âmbito do Poder Executivo Municipal, que sejam cônjuges, companheiros ou parentes, consanguíneos (em linha reta ou colateral, até o terceiro grau) ou por afinidade (em linha reta até o terceiro grau, ou em linha colateral até o segundo grau), do Prefeito, do Vice-Prefeito, dos Secretários do Poder Executivo, bem como dos Vereadores. (grifou-se)

De início, verifica-se que o Servidor não se enquadra nas vedações do referido TAC, pois ele ocupa cargo de provimento efetivo da Prefeitura de Curitibanos (Agente Administrativo, de nível médio) e exerce a função gratificada de assessor jurídico do Procon (Assessoria FG – 01, Anexo VI, da LC n. 23/2002).

Ressalta-se que a função gratificada não se confunde com o cargo em comissão. Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello1 traça o seguinte paralelo:

Funções públicas são plexos unitários de atribuições, criados por lei cor-respondentes a encargos de direção, chefia ou assessoramento a serem exercidas por titular de cargo efetivo, da confiança da autoridade que as preenche (art. 37, V, da Constituição). Assemelham-se, quanto à natureza das atribuições e quanto à confiança que caracteriza seu preenchimento, aos cargos em comissão. Contudo não se quis prevê-las como tais, possivelmente para evitar que pudessem ser pre-enchidas por alguém estranho à carreira, já que em cargos em comissão podem

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ser prepostas pessoas alheias ao serviço público, ressalvado um percentual deles, reservado aos servidores de carreira, cujo mínimo será fixado por lei.

No entanto, para fins de complementação do tema, analisar-se-á a questão na hipótese de inclusão de função gratificada no corpo da Cláusula Primeira do TAC, de forma a vedar que servidores efetivos sejam agraciados com gratificações em razão de grau de parentesco com o Prefeito, o Vice-Prefeito, os Secretários do Poder Executivo e Vereadores.

Enfocada a questão sob a configuração dessa hipótese, cabe destacar que o Centro de Apoio da Moralidade Administrativa já elaborou pesquisa2 sobre caso semelhante, em 13 de junho de 2007. Na oportunidade, tendo em consideração as prescrições da Resolução n. 07, do Conselho Nacional de Justiça, observou-se que:

[...]o que se extrai da Resolução 07 é que servidor efetivo pode ser contratado para cargo comissionado ou função gratificada, desde que não haja subordinação hierár-quica. Todavia, a Resolução 07, em seu §1º, do art. 2º (redação dada pela Resolução 21/2006), também estipulou um outro princípio para os servidores efetivos, ou seja, que haja com-patibilidade entre o cargo de origem (principalmente grau de escolaridade do cargo e não do servidor) e o cargo em comissão a ser exercido. Tal normatização visa, pelo que se observa das decisões do CNJ, evitar que o ser-vidor efetivo concursado para cargo de baixa complexidade (exemplo auxiliar de serviços gerais - concursado somente para dizer ser efetivo e fugir a regra de proibição de con-tratação do parente, agora dizendo ser efetivo) e após ser alçado a cargo comissionado ou função gratificada, sem subordinação hierárquica.Foi assim que a Resolução, observada tal distorção, estabe-leceu a necessidade de compatibilidade do cargo de origem com o cargo comissionado. Por exemplo, servidora (esposa de juiz) concursada para o cargo de Analista (que exija a formação em Direito) para o cargo, pode ser chefe de secre-taria que também exige tal qualificação. Não pode servidora concursada que é técnica judiciária, quando cargo de nível médio, ser alçada à função de confiança ou comissionada, cuja função exija a formação em Direito, pois mesmo que a servidora técnica judiciária tenha a formação em Direito, o cargo que ela ocupa (técnica judiciária) não exige tal forma-ção e então, pode permitir que seja utilizado o estratagema que a Resolução (§ 1º, art. 2º) quis evitar, ser concursado para cargo de baixa complexidade para após, com o manto de ser servidor efetivo, dizer poder ocupar cargo comissionado,

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desde que não subordinado hierarquicamente.Em outro exemplo, portanto, a esposa do Desembargador, concursada em cargo de nível superior, pode ocupar função de confiança ou comissionada, em cargo com a mesma qualificação de seu cargo de origem. Todavia se seu esposo assumir a Presidência do TJ, terá que deixar o cargo, pois para os servidores concursados (há dois princípios, primeiro ser concursado e haver a compatibilidade entre o cargo de origem e o comissionado ou função gratificada e o segundo não haver subordinação hierárquica). Neste caso, com a assunção do cargo pelo marido (Presidente do TJ) passou a haver a subordinação hierárquica e mesmo ocupando o cargo anteriormente a este ter assumido à Presidência, a esposa terá que deixar o cargo.[...] Observo então, que o servidor efetivo (sempre primeiro analisando a compatibilidade ente o cargo de origem e o comissionado ou função gratificada), não basta o cumprimento deste primeiro requisito para poder exercer função havendo parente dentro do órgão público, também deve cumprir um segundo requisito, não haver subordinação hierárquica.[...]Outra questão que verifiquei, é que consta da Resolução 07 do CNJ a proibição de “exercício de cargo de provimento em comissão ou função gratificada” (vejamos art. 2º, I, II, e III da Resolução), quando então tenho que seria oportuna a inclusão de tal termo ‘função gratificada’ no TAC e Lei Municipal, pois como visto, muitas funções dentro do Município não são em comissão, mas sim somente gratificadas e então permitida a ocupação por servi-dores concursados que podem ser parentes e burlar o que se pretende com o Programa do Nepotismo (burlar em dois aspectos: sendo parentes e ainda o cargo que ocupam não ser compatível com a função de confiança a ser assumida).”

Diante das razões expostas na pesquisa do CMA, percebe-se que a apli-cação analógica dos comandos da Resolução do CNJ conformaria a solução adequada para o caso em exame, se houvesse a inclusão da função gratificada na Cláusula Primeira do referido TAC.

O inciso I do art. 2° da Resolução CNJ n. 07/2002 é claro ao afir-mar:

Art. 2º Constituem práticas de nepotismo, dentre outras:I - o exercício de cargo de provimento em comissão ou de

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função gratificada, no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados;

Na sequência, o § 1° do mesmo dispositivo excepciona:§ 1º Ficam excepcionadas, nas hipóteses dos incisos I, II e III deste art., as nomeações ou designações de servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo das carreiras judiciárias, admitidos por concurso público, observada a compatibilidade do grau de escolaridade do cargo de origem, ou a compatibilidade da atividade que lhe seja afeta e a com-plexidade inerente ao cargo em comissão a ser exercido, além da qualificação profissional do servidor, vedada, em qualquer caso, a nomeação ou designação para servir subordinado ao magistrado ou servidor determinante da incompatibilidade. (Parágrafo alterado pela Resolução n. 21/2006, de 29-8-2006 - DOU 4-9-2006).

Evidentemente que o servidor, assessor jurídico do Procon, não é subordinado a seu pai, que é vereador. Resta saber, no entanto, se a função gratificada exercida por ele é compatível com o seu cargo de origem.

A resposta é negativa. Embora o servidor seja bacharel em Direito, o cargo originário de nível médio – Agente Administrativo – não se coaduna com a exigência de nível superior inerente aos trabalhos de assessoria jurídica do Procon. Portanto, não há impedimento para que o servidor ocupe o cargo sendo agente administrativo e possuindo capacitação técnica que o cargo exija (bacharel em Direito). O que gera a impossibilidade de ocupar o cargo é o parentesco que gera a incompatibilidade referida no TAC.

Transcrevo, por oportuno, as considerações do eminente Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, Douglas Alencar Rodrigues, no Pedido de Providências n. 2443, julgado na Sessão de 2-5-2006:

Há de ser anotado, ainda, por extremamente relevante e para evitar equívocos de compreensão quanto ao real alcance dessa decisão, que a exigência de compatibilidade do grau de escolaridade do cargo efetivo como o cargo em comissão ou função comissionada, exigência inscrita no § 1° do art. 2° da Resolução n. 07 deste CNJ, teve por objetivo, funda-mental, evitar os desvios e abusos amplamente noticiados pela imprensa, contrários aos postulados éticos fundamentais informativos da ação administrativa (CF, art. 37), nos quais parentes de magistrados prestavam concursos para cargos específicos (tais como agentes de portaria, motoristas, odon-tólogos, etc), não integrantes das carreiras judiciárias (auxiliar, técnico e analista judiciários), passando, em seguida, a ocupar

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cargos e funções comissionadas tipicamente reservados aos integrantes das aludidas carreira.

Sobre a interpretação do § 1° do art. 2° da Resolução n. 07/2005, do Conselho Nacional de Justiça, transcrevo trecho do voto do eminente Con-selheiro Jirair Aram Meguerian, no Pedido de Providências n. 1084, publicado em 22-5-2006:

O dispositivo em tela, outrossim, não quebra o princípio da isonomia, uma vez que não discrimina parcela igual ao todo, destaca os desiguais dos demais, dentro do universo de servidores efetivos, vale dizer, os parentes e afins de autori-dades no Tribunal, que obviamente integram, pelo menos, sub-categoria distinta e razoavelmente, como apontei, para evitar o desvio dos princípios da moralidade e impessoali-dade, exige compatibilidade entre o cargo efetivo e a função, ou seja, o parente só poderá exercer função de nível superior, além de possuir habilitação para tal, se ocupar cargo efetivo, mediante concurso, também de nível superior.

Diante do exposto, conclui-se que o servidor não se enquadra na exceção prevista no § 1° do art. 2° da Resolução n. 07/2005, do Conselho Nacional de Justiça, haja vista que o seu cargo de origem é de nível médio (agente administrativo) e, a princípio, não guarda compatibilidade com o grau de escolaridade, atividade afeta, complexidade e qualificação necessários para o exercício da função gratificada para a qual foi indicado, ou seja, assessor jurídico do Procon, muito embora seja bacharel em Direito.

Lembre-se, contudo, que o TAC firmado com a Prefeitura de Curitiba-nos apenas trata dos casos de “servidores ocupantes de cargos comissionados e os contratados por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público” (Cláusula Primeira).

Ressalva-se, outrossim, que a Constituição da República de 1988, no inciso IX do art. 1295, veda a prestação de consultoria jurídica a entidades públicas por parte do Ministério Público.

Verifica-se, por fim, que a aplicação da exceção prevista no § 1° do art. 2° da Resolução n. 07/2005 do Conselho Nacional de Justiça não é unânime dentre os membros do Ministério Público de Santa Catarina. O Promotor de Justiça de Itaiópolis, Dr. Pedro Roberto Decomain, por exemplo, sustenta, em Ação Civil Pública, que:

[...] A aprovação da Lei Complementar Municipal n. 06/2007 certamente que já representou um avanço bastante signifi-cativo no âmbito da proscrição do nepotismo no âmbito do Município de Itaiópolis.Todavia, por não exaurir as hipóteses em que este possa surgir, deixando de contemplar situações em que também se

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faz presente e que também não guardam consonância com os princípios constitucionais da Administração Pública, em particular com o princípio da impessoalidade, a aprovação daquele texto legislativo não afasta a propositura da pre-sente ação, considerando não ter havido concordância com a subscrição do termo de compromisso de ajustamento de condutas, cuja cláusula primeira, tanto na versão proposta ao Executivo quanto naquela dirigida ao Legislativo, era mais ampla do que o contido na Lei Complementar Municipal n. 06/2007.Com efeito, a Lei Complementar Municipal n. 06/2007 não veda a nomeação de cônjuges, companheiros ou parentes de qualquer Vereador para cargos em comissão no âmbito quer do Poder Executivo quer do Legislativo Municipal. A vedação alcança apenas parentes do Presidente da Câmara de Vereadores.Além disso, o art. 2°, incisos I e II, da referida Lei Comple-mentar Municipal, somente veda a nomeação para cargos de provimento em comissão no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo, de cônjuges ou companheiros(as) e parentes até o segundo grau, por consanguinidade ou afinidade, na linha reta ou na linha colateral. O nepotismo se faz presen-te, todavia, no mínimo também na nomeação de parentes por consanguinidade em terceiro grau, para tais cargos de provimento em comissão. A lei permite, por exemplo, nomeação de tios ou sobrinhos do Prefeito, do Vice-Prefeito e do Presidente da Câmara, para tais cargos de provimento em comissão ou para o exercício de funções de confiança além de permitir também a nomeação (embora esta deva ser considerada muito menos prová-vel) dos bisavós e bisnetos do Prefeito, do Vice-Prefeito ou do Presidente da Câmara de Vereadores.A lei padece de inconstitucionalidade por omissão também por não contemplar a vedação da nomeação para cargos de provimento em comissão ou funções de confiança, de cônjuges, companheiros(as) ou parentes de Secretários Municipais e de Chefes de Autarquias, Empresas Públicas ou Sociedades de Economia Mista do Município. Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista Muni-cipais não existem hoje em Itaiópolis, mas autarquias, sim (a Fundação Hospitalar Municipal Santo Antonio, nítida autarquia de caráter fundacional, e o Instituto de Previdência do Município de Itaiópolis - IPMI).Além disso, há inconstitucionalidade também nos arts. 3° e 4° da Lei Complementar Municipal n. 06/2007, os quais au-torizam nomeação para cargos de provimento em comissão

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ou funções de confiança, de cônjuges, companheiros(as) ou parentes do Prefeito, do Vice-Prefeito e do Presidente da Câmara de Vereadores, se os nomeados forem ocupantes de cargos de provimento efetivo no âmbito municipal. Dita ressalva, porém, não se coaduna com os princípios constitucionais norteadores da Administração Pública, par-ticularmente, mas não com o da impessoalidade.Relativamente a tais arts., registra-se que estará sendo afo-rada pelo signatário Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o E. Tribunal de Justiça do Estado, nos termos dos arts. 83, XII, f, e 85, VII, ambos da Constituição do Estado de Santa Catarina.”

Destaca-se, ainda, da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Promotor de Justiça Pedro Roberto Decomain:

Como resulta claro destes arts. 3° e 4° da Lei Complemen-tar Municipal n. 06/2007, autorizou ela expressamente o nepotismo, desde que a pessoa nomeada para ocupar cargo de provimento em comissão ou função de confiança ou gratificada e que seja cônjuge, companheiro(a) ou parente do Chefe do Executivo, do Vice-prefeito ou do Presidente da Câmara de Vereadores, seja também ocupante de cargo de provimento efetivo no âmbito municipal.Ocorre que as mesmas razões que tornam ofensivas à Constituição Federal e à Constituição do Estado de Santa Catarina as práticas de nepotismo quando o cônjuge, companheiro ou parente nomeado para cargo de provimento em comissão ou designado para função de confiança não seja ocupante também de cargo de provimento efetivo, tornam ofensivas tais práticas quando o jungido a tais cargos já ocupe cargo de provimento efetivo.Por outras palavras, a circunstância da pessoa nomeada para o cargo de provimento em comissão ou função de confiança, e que seja cônjuge, companheiro(a) ou parente do Chefe do Executivo, de seu Vice, ou do Presidente do Legislativo Municipal, já ocupar cargo de provimento efetivo no âmbito do Município, não convalida a respectiva nomeação. O nepotismo persiste existindo e persiste sendo ofensivo tanto à Constituição Federal quanto também à Constituição do Estado, aliás em mais de um aspecto.[...]Registre-se, no ponto, que mesmo quando em alguma situação concreta de nepotismo que surja o princípio da eficiência na Administração Pública e o próprio princípio

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da impessoalidade não restem malferidos de modo severo, dada a competência e eficiência do nomeado para o exercício do cargo ou desempenho da função, não se pode, por conta da possível exceção, afrontar a regra. Esta, a seu turno, im-porta na conclusão de que o nepotismo acarreta afronta aos princípios constitucionais indicados, donde caminho outro não resta, em atenção à generalidade e universalidade que devem marcar as normas, que não proscrevê-lo de modo completo.[...]Finalmente requer-se a procedência da presente ação, para o fim de ser declarada em definitivo a inconstitucionalidade dos arts. 3° e 4° da Lei Complementar Municipal n. 06/2007, de Itaiópolis, para que as vedações contidas em seus arts. 1° e 2° alcancem também cônjuges, companheiros(as) ou parentes do Prefeito Municipal, do Vice-Prefeito Municipal e do Presidente da Câmara de Vereadores, que também ocupem cargo de provimento efetivo no âmbito municipal.” (Segue em anexo à presente pesquisa a Ação Civil Pública e a Ação Direta de Inconstitucionalidade propostas pelo Promotor de Justiça Pedro Roberto Decomain).

CONCLUSÃO:

Embora a diretriz do Centro de Apoio Operacional da Moralidade seja no sentido de considerar o nepotismo a contratação dentro do respectivo poder, verifica-se no presente caso que o TAC estabeleceu a vedação de contra-tação pelo Executivo também de parentes dos integrantes do Legislativo (vide cláusula primeira, item 1 - bem como dos vereadores”). Como visto, o entendimento de que há vedação é recíproca entre os poderes municipais, embora não seja o entendimento que passamos pelo Centro de Apoio, foi este o entendimento firmado quando da assinatura do TAC, e é defensável conforme ação proposta pelo Promotor de Justiça Pedro Roberto Decomain.

Portanto, considerando o entendimento firmado no TAC, resta que se assim for entendido (vedação de contratação pelo executivo também em relação aos parentes do Vereador), conclui-se que o servidor não se enquadra na exceção prevista no § 1° do art. 2° da Resolução n. 07/2005 do Conselho Nacional de Justiça, haja vista que o seu cargo de origem é de nível médio (agente administrativo) e, a princípio, não guarda compatibilidade com o grau de escolaridade, atividade afeta, complexidade e qualificação necessários para o exercício da função gratificada para a qual foi indicado, ou seja, assessor jurídico do Procon, muito embora seja bacharel em direito. Cabe apontar, contudo, que a vedação de contratação para função de confiança não encontra

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previsão no TAC.

1 Curso de Direito Administrativo; 22ª edição; Editora Malheiros; pág 243.2 Arquivo do acervo do CMA: Nepotismo – Resposta casos Chapecó – 130607. (Segue

anexo à Pesquisa).3 Disponível em:http://www.cnj.gov.br. Acesso em: 20 de maio de 2008.4 Disponível em:http://www.cnj.gov.br. Acesso em: 20 de maio de 2008.5 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: Inciso IX – exercer outras fun-

ções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe ve-dada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas. (CR/88).

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Servidor concursado para o cargo de agente administrativo (nível médio), filho de vereador, indicado para exercer a função gratificada de assessor jurídico do Procon. Termo de Ajustamento de Conduta.”

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PESQUISA – CMA n. 66/2008Data: 21 de maio de 2008

Possíveis irregularidades em licitação - Modalidade Pregão - Aquisição me-dicamentos - “Terceirização serviço de saúde” - Análise de Edital.

SOLICITAÇÃO:

A presente pesquisa tem por objetivo a análise de Edital de Procedi-mento Licitatório realizado no Município de São José.

CONTEÚDO: Trata-se de licitação, modalidade Pregão n. 143/2007, com o seguinte

objeto (item 1):1 – A licitação tem como objeto a Contratação de empresa

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para prestação de serviços de gestão informatizada na área da saúde, consistindo em:1.1– Fornecimento, gerenciamento e controle de estoque e da dispensação de produtos (medicamentos, material de en-fermagem e material de odontologia) aos usuários do Sistema de Saúde do Município de São José, conforme especificado no Projeto Básico – anexo 2;1.2 – Fornecimento de 22 estações de trabalho incluindo microcomputador, periféricos, licenças de software, impres-sora matricial com suprimentos, estabilizador, mesa, cadeira e contrato de manutenção alocadas nos 18 (dezoito) Centros de Saúde e Policlínica Municipal relacionadas no anexo 6 e no Almoxarifado Central de Saúde. Deverá também ser fornecida a conexão desses computadores à internet via banda larga;1.3 – Dispensação de medicamentos conforme descritivo nos anexos 2 deste edital, nos 18 (dezoito) Centros de Saúde e da Policlínica Municipal e em rede privada credenciada (mínimo de 1 farmácia);1.4 – Processamento de dados, fornecimento de recursos tecnológicos, consultoria e acessoria [sic] com o objetivo de mapear os pacientes crônicos com base no perfil de retirada de medicamentos a fim de direcionar as ações de medicina preventiva, inclusive das equipes do PSF (Programa de Saúde da Família). Fornecimento mensal de relatórios gerenciais, contendo todas as informações captadas, conforme especi-ficado no projeto básico – Anexo 2;1.5 – Validação do cadastro cartão SUS e emissão de cartei-rinhas nominais para a população.

Da simples leitura do objeto do certame, observa-se que a licitação tem por objetivo não apenas a contratação de serviços mas também a aquisição de bens.

Antes de uma análise mais detalhada dos itens do Edital e do Projeto Básico – Anexo 2, é importante explanarmos sobre a modalidade adotada no certame, o Pregão.

O Pregão atualmente está disciplinado, na Lei n. 10.520/2002, por conversão da MP 2.182, que, em seu art. 1º, assevera:

Art. 1º Para aquisição de bens e serviços comuns, poderá ser adotada a licitação na modalidade de pregão, que será regida por esta Lei.Parágrafo único. Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste art., aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente de-

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finidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.(grifei).

Conceituando “bens e serviços comuns”, Jessé Torres Pereira Júnior1

explica:

4 – O objeto do pregão: compras e serviços “comuns”[...]Entrevêem-se como comuns, para os fins de aplicação do pregão, compras e serviços que apresentem três notas distin-tas básicas: a) aquisição habitual no dia-a-dia administrativo; (b) refiram-se a objetos cujas características encontrem no mercado padrões usuais de especificação; (c) os fatores e critérios de julgamento das propostas sejam rigorosamente objetivos, centrados no menor preço.Tais atributos não defluem apenas da definição lançada no § 1º do art. 1º. São decorrência lógica dos procedimentos fixa-dos nos arts. 3º e 4º da MP. Com efeito, não se imagina como se viabilizaria, idoneamente, uma competição licitatória, mediante pregão, para a contratação de compra ou serviços singular, com características especiais, de execução complexa ou dependente de domínio técnico especializado como a caracterizar produto ou serviço sob encomenda, se:(a) o prazo entre a publicação do aviso de edital e a data de apresentação de proposta será de, no mínimo, oito dias úteis (art. 4º, V), pressupondo, para a elaboração das propostas, simplicidade e rapidez somente compatíveis com objeto de pronta especificação e apuração no ramo de sua produção ou comercialização, porque exatamente assim conhecido no mercado;(b) o julgador das propostas e dos documentos de habilitação é um servidor isolado (art. 3º, IV), abolido o julgamento por órgão colegiado (comissão), o que faz presumir tal previsibi-lidade de especificações e de exigências que torna o exame do objeto e das propostas acessível ao conhecimento médio dos agentes da Administração;(c) prevalece sempre o critério do menor preço, ressalvados “parâmetros mínimos de desempenho e qualidade” (art. 4º, XI), que primam, portanto, pela reiteração e objetividade.

E continua:É evidente que, nessas circunstâncias, o objeto da compra ou do serviço a ser licitado tem de ser de trânsito habitual na praça, em razão de portar especificações passíveis de aferição objetiva e de unívoca compreensão pelos licitantes e pela Administração. De certo que uma infinidade de ma-

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teriais, produtos e serviços preenche tal perfil na rotina das aquisições da Administração Pública, ao qual, porém, não se amoldam obras e serviços de engenharia, nem compras e serviços cuja especificação demande configuração divergente ou especial, projetando-se em maior apuro para a formulação, a análise e o julgamento das propostas.Em aproximação inicial do tema, pareceu que “comum” também sugeria simplicidade. Percebe-se, a segui, que não. O objeto pode portar complexidade técnica e ainda ser “comum”, no sentido de que essa técnica é perfeitamente conhecida, dominada e oferecida pelo mercado. Sendo tal técnica bastante para atender às necessidades da Adminis-tração, a modalidade pregão é cabível a despeito da maior sofisticação do objeto.Será imprescindível a elaboração de projeto básico quando o objeto do pregão for serviço? Justifica-se a indagação. É que tal exigência figura, expressa, como condição para a instau-ração válida de licitação, no art. 7º,§ 2º, da Lei n. 8.666/93, que não distingue entre serviços de engenharia e serviços em geral. Conquanto a doutrina ponderasse, desde a edição daquela lei, que a exigência haveria de ser interpretada como dirigida apenas aos serviços de engenharia, o fato é que o texto legal não os extrema e as Cortes de Controle Externo, em especial o Tribunal de Constas da União, entendem que o projeto básico é de rigor para a instauração de qualquer modalidade de licitação, qualquer que seja a natureza do serviço.No caso do pregão para licitar-se a contratação de serviço, haverá incompatibilidade lógica entre as características da nova modalidade e o conteúdo do projeto básico, tal como enunciado no art. 6º, IX, da Lei n. 8.666/93. Se o serviço, em função de suas características técnicas, houver de ser especificado mediante projeto básico, como as minudências do mencionado inciso do art. 6º, não se pode ser classifi-cado como “comum”, descabendo licitá-lo na modalidade pregão.Em resumo, nos casos de licitação para compras e serviços, a opção da Administração em favor da modalidade pregão se fará em atenção ao fato de tratar-se de bem ou serviço “comum”, qualquer que seja o seu valor estimado. Não se cuidando de bem ou serviço “comum”, a modalidade de licitação adequada será a concorrência, a tomada de preços ou o convite, de acordo com o valor estimado do objeto. (grifei)

No mesmo sentido, Lucas Rocha Furtado2:

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O entendimento do que sejam bens ou serviços comuns está relacionado àqueles bens ou serviços disponíveis no mercado. Àqueles que não requeiram grandes inovações ou adaptações para atender à necessidade da Administração Pública.Se houver a necessidade de a Administração Pública contratar determinado software, por exemplo, e se for possível, por meio de especificações usuais do mercado, identificá-lo facil-mente e se, ademais, este puder ser localizado no mercado em razão de se tratar de produto disponível para a contratação por qualquer consumidor (o que em linguagem da área de informática poder-se-ia traduzir como produto de pratelei-ra), é possível utilizar o pregão para a sua contratação. Se, ao contrário, para atender à necessidade da Administração Pública houver necessidade de grande detalhamento das especificações do bem ou serviço e se para atender a essas especificações o fornecedor precisar elaborar ou produzir algo que não está disponível para pronta comercialização, não nos parece adequado considerar o objeto da contratação bem ou serviço comum.Deve-se ter em mente que um dos mais importantes pro-pósitos do pregão, além da busca pela redução dos preços, é a celeridade. Publicado o edital, a sessão pública em que ocorrerá o julgamento das propostas pode ser realizada no prazo de oito dias úteis.Admitir que produtos ou serviços cujo fornecimento, pres-tação ou fabricação requeiram adaptações ou atendimento de particularidades pouco usuais no mercado possam ser contratados por meio do pregão dá margem a fraudes e a conluios. Em razão do pouco tempo entre a divulgação do pregão e a realização da sessão pública, os fornecedores, exceto aqueles que obtivessem informação privilegiada, po-deriam não dispor sequer de prazo hábil para a elaboração das suas propostas. Ademais, se for possível aos fornecedores a elaboração das suas propostas, é possível que não dispo-nham de tempo para fornecer o bem ou prestar o serviço que requeira especificações que não sejam usuais ou comuns no mercado. (grifei).

Assim, da análise da doutrina acima colacionada, temos que a modalida-de Pregão, adotada pela Prefeitura Municipal de São José, não é a modalidade correta, visto que os serviços a serem licitados não se caracterizam entre aqueles denominados “comuns”.

Dito isso, passar-se-á à análise dos itens do Edital e do Anexo 2.Numa análise superficial, já se observam indícios que põem em dúvida

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a lisura do processo licitatório em análise. Como já mencionado, a modalida-de Pregão não é compatível com o objeto licitado. A escolha da modalidade pregão e o nível de detalhamento dos serviços a serem prestados, em especial as descrições contidas no anexo 2, fazem surgir dúvidas sobre um possível direcionamento do certame. Entretanto, tal conclusão só pode ser feita após uma análise mais detalhada de todo o processo licitatório, com a verificação do número de licitantes, das propostas apresentadas, etc. Entretanto, indícios existem.

O objeto licitado não apenas transfere para entidade privada uma das atividades-fim da Administração Pública, qual seja: a saúde, como também mascara outras possíveis irregularidades, como contratação de servidores de forma terceirizada, burlando-se assim o concurso público; utilização de bens e serviços públicos; dispensa de licitação para a aquisição de medicamentos e outros materiais. A licitação lançada pelo Município de São José transfere todo o Sistema de Saúde para um particular, caracterizando, em outras palavras, uma “privatização” do Sistema Único de Saúde.

Dentre os itens do Edital que servem de indícios de irregularidades, destacamos os seguintes:

1. A licitação tem como objeto a contratação de empresa para a prestação de serviços de gestão informatizada na área da saúde, consistindo em:

Esse item 1 afirma que o objeto é a contratação de empresa para a prestação de serviço. Entretanto, a aquisição de bens também é objeto.

1.1 Fornecimento, gerenciamento e controle de estoque e da dispensação de produtos (medicamentos, material de en-fermagem e material de odontologia) aos usuários do Sistema de Saúde do Município de São José, conforme especificado no Projeto Básico – anexo 2;1.2 – Fornecimento de 22 estações de trabalho incluindo microcomputador, periféricos, licenças de software, impres-sora matricial com suprimentos, estabilizador, mesa, cadeira e contrato de manutenção alocadas nos 18 (dezoito) Centros de Saúde e Policlínica Municipal relacionadas no anexo 6 e no Almoxarifado Central de Saúde. Deverá também ser fornecida a conexão desses computadores à internet via banda larga;

Nos itens 1.1 e 1.2, percebe-se claramente que o objeto da licitação envolve o fornecimento de bens, sendo prudente e, talvez, mais vantajoso para a Administração Pública municipal, que esses itens descritos no item 1.2 fossem licitados separadamente, em procedimento específico. Dessa forma, a possibilidade de se adquirir produtos com melhores preços é evidente.

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Ademais, não está descrita a configuração, em nenhuma passagem do Edital, mesmo que mínima, desses microcomputadores.

1.4 – Processamento de dados, fornecimento de recursos tecnológicos, consultoria e acessoria [sic] com o objetivo de mapear os pacientes crônicos com base no perfil de retirada de medicamentos a fim de direcionar as ações de medicina preventiva, inclusive das equipes do PSF (Programa de Saúde da Família). Fornecimento mensal de relatórios gerenciais, contendo todas as informações captadas, conforme especi-ficado no projeto básico – anexo 2;1.5 – Validação do cadastro cartão SUS e emissão de cartei-rinhas nominais para a população.

Como se pode verificar, o item 1.4 é um tanto quanto genérico, pois não especifica quais os “recursos tecnológicos” fornecerá ou como dar-se-á a “consultoria e acessoria” [sic].

1.13 – Apresentação de Atestado(s) de Capacidade Técnica, emitidos por pessoa jurídica de direito público ou privado, que comprove a aptidão do licitante, para a execução dos serviços objeto do presente Pregão.

Ao abrir a possibilidade de se admitir a apresentação de um Atestado de Capacidade Técnica emitido por pessoa jurídica de direito privado, a Adminis-tração Pública municipal põem em segundo plano os reais interesses públicos. A apresentação deste atestado de entidade privada não trará qualquer tipo de garantia à Administração Pública municipal.

Quanto ao ANEXO 2 – PROJETO BÁSICO, destacam-se os seguintes itens:

Sem prejuízo das demais condições descritas no edital, a licitante vencedora deverá:1. Adquirir, às suas próprias expensas, os medicamentos, ma-teriais de consumo de enfermagem e materiais de consumo de odontologia necessários à manutenção do estoque em 18 (dezoito) Centros de Saúde e da Policlínica Municipal, a serem determinados de acordo com a necessidade da Admi-nistração Pública, a fim de atender a demanda dos munícipes, tomando-se por base a média de consumo mensal histórica da Prefeitura Municipal de São José.[...]1.2 A contratada elegerá os distribuidores de medicamentos a seu critério, podendo a Administração Municipal, por meio da Secretaria de Saúde, solicitar alterações dos medicamen-

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tos, materiais de consumo de enfermagem e materiais de consumo de odontologia que não atendam as necessidades do Município.2. Controlar o estoque de medicamentos, materiais de consu-mo de enfermagem e materiais de consumo de odontologia, em 18 (dezoito) Centros de Saúde e da Policlínica Municipal a serem determinados de acordo com a necessidade da Administração Pública, incluindo armazenamento e acon-dicionamento dos produtos, para que seja mantida a média de consumo mensal histórica da prefeitura, evitando a falta dos produtos listados no Anexo 1 – Tabela A;2.1 O local onde será mantido o estoque será fornecido pela administração, em perfeitas condições para o arma-zenamento dos medicamentos, materiais de consumo de enfermagem e materiais de consumo de odontologia e con-forme especificações da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, ficando ainda a cargo da administração todas as licenças necessárias para funcionamento, bem como a responsabilidade por eventuais perdas e danos ocasionados pelo descumprimento aqui disposto.

A Administração Pública não apenas abre mão de realizar licitação para a aquisição dos medicamentos e demais materiais de consumo, transferindo diretamente a aquisição desses para a empresa vencedora, além de colocar à disposição local para o armazenamento desses produtos, ficando ainda sob responsabilidade da Administração Pública as licenças necessárias para o fun-cionamento do referido depósito e também a responsabilidade por eventuais perdas e danos. Ou seja, a Administração Pública cederá, de forma gratuita, um imóvel que será utilizado pela empresa vencedora, arcará com todas as despesas e responsabilidades, e a empresa ficará responsável pelas aquisições de medicamentos e outros materiais, que seriam de obrigação da Administração Municipal, e fará o controle e gestão de todo esse estoque.

No item 2.3, o Projeto Básico identifica esse local de estoque como “almoxarifado central” e determina que a contratada disponibilize pessoal para a execução das tarefas descritas no anexo 2. Já, no item 3, está previsto que a contratada realizará a capacitação dos funcionários da rede municipal de saúde da Prefeitura.

Em diversas passagens, observa-se que a contratada colocará pessoal à disposição da Administração Pública para a realização de serviços, ou, prevê que a empresa contratada possua um número determinado de funcionários, inclusive com a descrição dos cargos, para a realização de tarefas. Tais condutas podem caracterizar uma espécie de contratação terceirizada.

Carlos Pinto Coelho Motta3, ao abordar o tema, descreve:

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Os itens de serviços aparentemente abrangem um grande espectro de possibilidades de terceirização. A leitura destes itens, nos regulamentos existentes relativos ao pregão, não soluciona a habitual polêmica acerca do tipo de atividade passível de terceirização (ou de “execução indireta”, em melhor expressão).Permanece a discussão que há muito se trava acerca desse tema, expressando-se por meio de textos normativos con-traditórios e opiniões doutrinárias diversificadas.Indaga-se: poderiam ser terceirizadas apenas funções auxi-liares, atividades-meio, ou também as pertinentes à missão finalística do órgão ou entidade? Ou ainda, atividade em parte “funcionalizadas”, executadas também por servidores do quadro próprio da instituição?Alguns itens (como os referentes a “serviços de assistência, hospitalar, médica, odontológica”) dos decretos referidos contribuem para aumentar as dúvidas existentes, e não para solucioná-las. Contudo, recentes decisões têm corroborado a tendência de apenas se admitir execução indireta de serviços de “natureza auxiliar, ligados a atividades-meio”, e não de ser-viços “traduzindo atribuições típicas de cargos permanentes, que só podem ser preenchidos por concurso público”.

Item 8, credenciar pontos comerciais (farmácias) no Município, inte-ressados em participar do programa de atendimento dos munícipes, ou seja, os medicamentos serão distribuídos não apenas pelo Município mas também por farmácias cadastradas, o que pode provocar descontrole ou mesmo desvio de medicamentos. De forma estranha, o item 8.2 determina que os participantes devem apresentar, na data do pregão, no mínimo, uma farmácia credenciada.

Assim, pelo acima exposto, o entendimento é no sentido da anulação do Processo Licitatório modalidade Pregão n. 143/2007, em razão da modalidade adotada não ser a correta, além da existência de indícios de irregularidades que podem macular o caráter competitivo do certame, e da permissão de serem realizados serviços que deveriam ser prestados diretamente pelo poder público, os quais estariam sendo prestados por terceiros.

Da mesma forma, ao permitir a aquisição de medicamentos, sem licita-ção, pela empresa que efetuará a gestão do sistema, evidencia burla no processo licitatório, autorizando inúmeros desvios de recursos públicos e descontrole dos preços que possam ser praticados na aquisição dos medicamentos, ou, até mesmo, controle se tais medicamentos foram, ou não, dispensados à população.

Por fim, para uma análise mais correta e detalhada de toda a licitação, o fato deverá ser remetido para que seja conhecido pelo Tribunal de Contas do

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Estado de Santa Catarina, com base no disposto na alínea “b” do inciso XI do art. 83 da Lei Complementar n. 197/2000 – Lei Orgânica do Ministério Público de Santa Catarina.

1 PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei das licitações e contratações da Admi-nistração Pública. 6. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 1005.

2 FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 364/368.

3 MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Pregão: teoria e prática: nova e antiga idéia em licitação pública. 2 ed. atual. Pela Lei n. 10.520, de 17 de julho de 2002. São Paulo: Editora NDJ, 2004. p. 18.

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PESQUISA – CMA n. 67/2008 Data: 27 de maio de 2008

Contratação temporária de profes-sores – Ausência de lei municipal que discipline tais casos – processo seletivo – Critério de avaliação que considera apenas a carga horária já prestada ao Município.

CONTEÚDO:

Trata-se de solicitação de apoio operacional formulada pela Promotoria de Justiça de Campo Belo do Sul, nos seguintes termos:

[...]Enfim, primeiramente, gostaria de saber: a) Se no âmbito estadual existe lei específica para contratação de pro-fessores temporários; b) Se há notícia de Municípios utilizam essa mesma legislação para a contratação tempo-

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rária dos professores da rede pública municipal; c) Se isso é constitucional (acredito desde logo que não, pois cada ente federativo deve ter sua norma de regência própria); d) Se é possível a contratação de ACTs apenas com base em pontuação, que leva em conta apenas a carga horária já prestada anteriormente, o que, faz com que aqueles que estão há mais tempo na rede pública municipal sempre tenham preferência no “processo de seleção”, em detrimento de outros (me parece que tal critério poderia ser adotado para um concurso interno de escolha daqueles que já são efetivos, mas não para um certame externo). (grifou-se)[...]

As contratações de servidores municipais (incluindo os professores), para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, deverão ser realizadas mediante o preenchimento de alguns requisitos cons-titucionais e legais.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que “Estados e Municípios que queiram contratar servidores temporários com base no art. 37, IX, têm que estabelecer, por suas próprias leis, as hipóteses em que essa contratação é possível e o regime jurídico em que a mesma se dará”1. (grifou-se)

Por sua vez, Celso Antônio Bandeira de Mello aduz que “A Constitui-ção prevê que a lei (entende-se: federal, estadual, distrital ou municipal, conforme o caso) estabelecerá os casos de contratação para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX)2. (grifou-se)

Hely Lopes Meirelles3 compartilha o mesmo entendimento e acrescenta outros comentários:

Na utilização desses direitos constitucionais não há prevalência da lei federal ou estadual sobre a munici-pal. O governo local é que provê a Administração em tudo quanto respeite ao interesse local do Município, repelindo, por inconstitucional, qualquer intromissão de outro órgão, autoridade ou poder. Só há hierarquia entre as leis quando, por inexistir exclusividade de Administração, as três entidades (União – Estado-membro – Município) regulem concorrentemente a mesma matéria, caso em que a lei municipal cede à estadual, e esta à federal. Impropria-mente se diz que o Município está subordinado à União e ao Estado-membro. Não ocorre tal subordinação. (p. 92)[...]A competência do Município para organizar o servi-ço público e seu pessoal é consectário da autonomia administrativa de que dispõe (CF, art. 30, I). Atendidas as normas constitucionais aplicáveis ao servidor público

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(CF, arts. 37-41), bem como os preceitos das leis de caráter nacional e de sua lei orgânica, pode o Município elaborar o regime jurídico de seus servidores, segundo as conveniên-cias locais. Nesse campo é inadmissível a extensão das normas estatutárias federais ou estaduais aos servidores municipais. Só será possível a aplicação do estatuto da União ou do Estado-membro se a lei municipal assim o determinar expressamente.Nem mesmo a Constituição Estadual poderá estabelecer direitos, encargos ou vantagens para o servidor municipal, porque isto atenta contra a autonomia local. Desde que o Município é livre para aplicar suas rendas e organizar seus serviços (CF, art. 30, III e V), nenhuma interferência pode ter o Estado-membro nesse campo da privativa competência local.Só o Município pode estabelecer o regime de trabalho e de pagamento de sues servidores, tendo em vista as peculiarida-des locais e as possibilidades de seu orçamento. (p. 564).[...]O regime especial é, portanto, o modo pelo qual se estabele-cem as relações jurídicas entre esses servidores (temporários] e a Prefeitura, em conformidade com a lei pertinente. A Constituição Federal fala em lei especial, sem escla-recer sua origem. Entendemos, todavia, com base nos princípios constitucionais de competência, que no âmbito municipal incumbe à lei local, exclusivamente, estabelecer o regime desses servidores.Pode, pois, o Município, além do estatuto de seus servido-res, elaborar outra espécie de norma reguladora do regime jurídico desses servidores contratados por tempo determi-nado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. (p. 584).

E prossegue o referido Doutrinador4:As entidades estatais são livres para organizar seu pessoal para o melhor atendimento dos serviços a seu cargo. De-vem, todavia, fazê-lo por lei.A competência para essa organização é da entidade estatal a que pertence o respectivo serviço. Sobre esta matéria, como já assinalamos, as competências são estanques e incomunicáveis. As normas estatutárias federais não se aplicam aos servidores estaduais ou municipais, nem as do Estado-membro se estendem aos funcionários dos Municípios. Cada entidade estatal é autônoma para organizar seus

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serviços e compor seu pessoal. Atendidos os princípios constitucionais e os preceitos das leis nacionais de caráter complementar, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão seus regimes ju-rídicos, segundo suas conveniências e necessidades administrativas e as forças de seus erários (CF, arts. 39 e 169). (p. 593).[...]Do acima exposto conclui-se que o Município goza de total liberdade na organização do seu pessoal para o melhor atendimento dos serviços de sua competência. Entretanto, há duas regras fundamentais que não pode preterir: a que exige que a organização se faça por lei e a que impõe a observância dos preceitos constitucionais federais pertinentes aos servidores públicos e das leis federais de caráter nacional. (p. 596).[...]A organização legal do serviço público municipal, ou seja, por lei aprovada pela Câmara de Vereadores e san-cionada pelo prefeito, lei em sentido estrito, é exigência constitucional, decorrente, dentre outros, dos arts. 29, I, 30,I , 37, I-II, 39-41 e 61, §1º, II, ‘a’, impositivos para os Municípios, por força do art. 29, caput, que determina a observância dos princípios constitucionais quanto à organização de seus serviços e assuntos de peculiar interesse e, ainda, especificamente no que se refere aos servidores públicos.Desses preceitos constitucionais resulta que somente lei em sentido estrito pode criar e alterar cargos públicos municipais, bem como fixar-lhes a remuneração (art. 61, §1º, II, ‘a”), dispor sobre servidores municipais, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de servidores (arts. 37 e incisos e 39-41), e estabelecer re-quisitos para a investidura em cargo municipal.No que concerne a esse último aspecto – fixação legal dos requisitos para investidura – a doutrina e a juris-prudência ainda vacilam quanto ao exato entendimento da palavra lei, que figura no texto constitucional, para admitir também seu estabelecimento por decreto e, até mesmo pelo próprio edital do concurso. Nesse ponto estamos com os que, como Adílson de Abreu Dallari, en-tendem que ‘somente a lei, em sentido estrito, pode fixar requisitos, ou seja, nem o regulamento, nem o edital do concurso podem validamente fixar condições restritivas da participação de brasileiros’ (p. 596 e 597).

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O Tribunal de Contas de Santa Catarina também exige lei municipal que regulamente as contratações temporárias, conforme expôs no Prejulgado n. 19275:

1. A contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público é prevista pelo art. 37, IX, da Constituição Federal, que dispõe que a lei (local) estabelecerá em que situações poderá ser efetivada.2. É de competência do respectivo Ente a edição de lei para regulamentar a norma constitucional, a qual deve dispor, entre outros, sobre as hipóteses e condições em que poderão ser realizadas admissões temporárias de pessoal para atender a necessidade de excepcional interesse público, o prazo máximo de contratação, a via-bilidade de prorrogação ou não do contrato e sua limitação, bem como sobre a possibilidade de nova contratação da mesma pessoa, carga horária, remuneração, regime a que se submete a contratação, a obrigatoriedade de vinculação ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), em face do art. 40, § 13, da Constituição Federal (redação da EC n. 20/98), direitos e deveres dos contratados, a forma e condições de admissão, critérios de seleção, a definição das funções que poderão ser objeto de contratação temporária, o número limite de admissões temporárias; os procedimentos admi-nistrativos para a efetivação das contratações.3. Para contratação do pessoal por tempo determinado a Administração deve promover o recrutamento do pessoal mediante prévio processo seletivo público, simplificado, devidamente normatizado no âmbito da Administração e em conformidade com as disposições da lei local, através de edital ou instrumento similar que defina critérios objetivos para a seleção, e que contenha infor-mações sobre as funções a serem preenchidas, a qualificação profissional exigida, a remuneração, o local de exercício, carga horária, prazo da contratação, prazo de validade da seleção e hipótese de sua prorrogação ou não, e outros, sujeito à ampla divulgação, garantindo prazo razoável para conhecimento e inscrição dos interessados, observada a disponibilidade de recursos orçamentários e financeiros, bem como o limite de despesas com pessoal previsto pela LRF.[...]Da mesma forma, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) já decidiu pela obrigatoriedade de lei municipal que regulamente o debatido dispositivo da CF/88:SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. PROFESSOR

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ACT - ADMISSÃO EM CARÁTER TEMPORÁRIO. CONTRATO POR TEMPO DETERMINADO PARA ATENDER NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE EX-CEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO (CF, ART. 37, IX, E LEI MUNICIPAL N. PAN/1.048/97). RESCISÃO ANTECIPADA. POSSIBILIDADE (ART. 9O DA LEI RETRO). PAGAMENTO, EM ATRASO, DE SALÁRIO E DE FÉRIAS PROPORCIONAIS SOMENTE APÓS A CITAÇÃO JUDICIAL. RECONHECIMENTO PARCIAL DA PRETENSÃO DEDUZIDA. SUCUMBÊNCIA RECÍ-PROCA (ART. 21 DO CPC). ISENÇÃO DO MUNICÍPIO DO PAGAMENTO DAS CUSTAS. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.Apelação Cível n. 2004.022327-7, de São Domingos. Des. Relator: Cesar Augusto Mimoso Ruiz Abreu. Data da De-cisão: 22-2-2005.

Destaca-se do corpo dessa decisão:Com efeito, da análise dos autos constata-se que o ape-lante foi admitido como professor em caráter tempo-rário, achando-se, portanto, regido não só pela referida lei (municipal] , como também pelas Leis Municipais n. 0863/90, n. 0865/90 e 0866/90, conforme determina o art. 5o da Lei n. 1.048/97, e não pela legislação trabalhista, como sustenta o apelante;Sobre o assunto esclarece Odete Medauar:Trata-se da possibilidade de contratar, sem concurso público, por prazo determinado (curto), para atender a necessidade que difere das necessidades comuns, por ser qualificada como de excepcional interesse público; por exemplo, em casos de calamidade, epidemia, vacinação em massa. Para tanto, uma lei, em cada nível deve dispor a respeito. Segundo fixar a lei, o contrato poderá ser regido pela CLT ou a própria lei estabelecerá o regime jurídico, podendo até determinar a aplicação, a tais servidores, de preceitos do Estatuto correspondente (in Direito Adminis-trativo Moderno, 7. edição, Revista dos Tribunais, 2003, p. 296). (grifou-se)

Complementando o exposto, José Afonso da Silva aduz que a Lei n. 8.745/93 estabelece algumas diretrizes que devem ser seguidas pelas leis es-taduais e municipais:

O art. 37, IX, prevê que a lei estabelecerá os casos de con-tratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Essa é uma forma de prestação de serviço público diferente do exercício

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de cargo, de emprego e de função. O contratado é, assim, um prestacionista de serviços temporários.Que lei? Achamos que será a lei da entidade contra-tadora: lei federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal, de acordo com as regras de competência federativa. Não há de ser lei federal com validade para todas as entidades, porque não se lhe reserva compe-tência federativa para estabelecer lei geral ou especial nessa matéria com validade para todas. A autonomia administrativa das entidades não o permite. A Lei 8.745, de 9.12.1993, está de acordo com essa doutrina, tanto que só regulou a contratação por órgãos da Administração Fe-deral direta, autárquica e fundações públicas. Mas ela traz diretivas que devem ser seguidas por leis estaduais e municipais, como, por exemplo, a indicação de casos de necessidades temporárias (art. 2º), a exigência de processo seletivo simplificado para o recrutamento do pessoal a ser contratado (art. 3º), o tempo determinado e improrrogável da contratação (art. 4º).6 (grifou-se)

Esse aspecto da Lei n. 8.745/93, de definir diretrizes para Estados e Mu-nicípios, também é comentado por Hely Lopes Meirelles em outra obra sua:

No âmbito federal essa contratação encontra-se regulada pela Lei 8.745, de 9.12.93, alterada pelas Leis 9.848, de 26.10.99, 10.973/2004 e 11.204/2005. Esta lei federal deve servir de norte para Estados e Municípios disPorém sobre a matéria.7 (grifou-se)

E, em outras decisões do TJSC, observa-se essa simbiose entre a legis-lação municipal e a federal:

ADMINISTRATIVO - CONTRATAÇÃO TEMPORÁ-RIA EM DETRIMENTO DE CLASSIFICADOS EM CONCURSO PÚBLICO - AFRONTA ÀS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS E LEGAIS (CF, ART. 37, INCS. II E IX E LEI N. 8.745/93, ART. 1º) - DIREITO LÍQUIDO E CERTO VIOLADO - DESVIO DE FINALIDADE CA-RACTERIZADO - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA A validade da contratação de servidores por tempo determinado, mesmo que pelo regime de terceirização, está condicionada aos rígidos critérios elencados no inc. IX do art. 37 da Constituição Federal e aos termos da Lei n. 8.745/93, acrescidos das disposições contidas na lei local. Inviável e ilegal esse tipo de contratação quando efetivada em detrimento do direito de candidato aprovado em concurso público para o mesmo cargo. Apelação Cível em Mandado de Segurança 2002.001131-

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2. Relator: Luiz Cézar Medeiros. Data da Decisão: 02/09/2002.

No mesmo sentido: Apelação Cível em Mandado de Segurança 2002.000476-6. Relator: Luiz Cézar Medeiros. Data da Decisão: 2-9-2002; e Apelação Cível em Mandado de Segurança 2001.013595-7. Relator: Luiz Cézar Medeiros. Data da Decisão: 2-9-2002.

E de outro julgado do TJSC (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2002.002681-6, de Içara. Relator: Des. Nicanor da Silveira. Data da Deci-são:20/10/2004) extrai-se a seguinte assertiva:

Como já citado, tem-se como parâmetro a Lei Federal n.º 8.745/93, que descreve as situações de contrata-ção temporária no âmbito da administração federal. (grifou-se)

Por fim, caso o Município não tenha elaborado lei regulamentando o inciso IX do art. 37 da CF/88, Hely Lopes Meirelles8 entende que não poderá contratar temporariamente:

O inciso IX do art. 37 da CF determina que a lei estabeleça os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Daí por que advertimos que se o Município não regular a matéria em lei somente poderá admitir servidores na forma do Estatuto dos Servidores Públicos, isto é, me-diante prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos e observância das demais normas constitucionais, legais e regulamentares pertinentes ao funcionalismo, ou contratá-los segundo o preceituado na legislação trabalhista. (p. 584 e 585].[...]Todavia, as exigências para o preenchimento dos cargos pú-blicos, de um lado, e, de outro, as garantias que a Constituição Federal outorga aos servidores podem constituir entraves ao bom desempenho de certas atividades administrativas, como no caso em que a Prefeitura necessite de mão-de-obra para serviços temporários mas considere inoportuno e inconve-niente despojar-se de suas prerrogativas para recrutar esse pessoal no regime trabalhista, sujeito a legislação uniforme, de âmbito nacional.Para atender a esses casos a Constituição Federal prevê, no inciso IX do art. 37, que a ‘lei estabelecerá os casos de con-tratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público’, admitindo um regime especial para o recrutamento de servidores, como vimos acima.

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Em face dessa realidade, é imperativo que o Município crie cargos para a execução de seus serviços específicos de natureza permanente e edite lei que lhe permita atender às situações excepcionais, sob pena de se ver obrigado a contratar servidores no regime da legislação trabalhista, com prejuízos para o normal desenvolvi-mento de suas atividades. (p. 586]

Quanto à contratação de professores “ACT” com base somente em pontuação originada em anterior ministração de aulas ao Município percebe-se a total irregularidade dessa medida.

Com efeito, pesquisa (anexa) anteriormente elaborada neste Centro de Apoio, entendeu pela irregularidade de cláusula de edital de processo seletivo destinado à contratação temporária de professores que previa como critério de desempate o tempo de serviço já prestado ao Município.

Isso porque tal medida afronta os princípios basilares da Administração Pública.

Dessa feita, com muito mais propriedade se levanta a impossibilidade de se selecionar professores somente com fulcro nesse critério.

Da comentada pesquisa frisa-se:Assim, fica claro que apesar de não haver procedimento es-tabelecido pela Constituição para o Concurso Público, deve a regulamentação deste, legal ou administrativa, observar fielmente os princípios constitucionais a que se subordina a Administração Pública, dos quais se destacam os princípios da publicidade, da isonomia, da legalidade, da eficiência e da razoabilidade.Ademais, observa-se que o processo seletivo tem como balizadores os mesmos preceitos que ajustam um concurso público, com a única diferença da opção pela simplicidade – naquilo que não ofenda tais ditames.[...]Como demonstram estas disposições do edital, as pesso-as que prestaram serviço no magistério público do Estado de Santa Catarina somarão mais pontos entre seus títulos – o que influenciará na ordem de classificação –, e aqueles que possuem mais tempo de serviço no magistério público dos Estados terão preferência em caso de empate com os demais candidatos, sejam eles das outras esferas da Administração Pública ou do setor privado. Isso não nos parece razoável e isonômico, pois não se pode afirmar que alguém que tenha lecionado na iniciativa

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privada, ou mesmo na Administração Pública – Federal, Mu-nicipal ou de outro Estado da Federação – será menos apto a lecionar na rede de ensino do Estado de Santa Catarina.Nesse passo, interessante anotar que para Celso Antônio Bandeira Mello, “Os concursos públicos devem dispensar tratamento impessoal e igualitário aos interessados. Sem isto, ficariam fraudadas suas finalidades. Logo, são inválidas dis-posições capazes de desvirtuar a objetividade ou o controle dos certames. (In Curso de direito administrativo. 22ª. ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 268]E para Hely Lopes Meirelles: Desde que o concurso visa a selecionar os candidatos mais capazes, é inadmissível e tem sido julgada inconstitucional a concessão inicial de vantagens ou privilégios a determinadas pessoas ou categorias de servidores, porque isto cria desi-gualdade entre os concorrentes. In Direito administrativo brasileiro. 33ª ed.

atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 437].

[...]Dessarte, conclui-se que, embora a Administração Pública possa valorizar, em concursos públicos, a experiência dos seus candidatos, realmente, nesse caso, as aludidas disposições do edital ferem os princípios que os norteiam – notadamente os da igualdade e da razoabilidade. Isso porque privilegiam sobremaneira os candidatos que eventualmente tenham lecionado na rede ensino do Estado de Santa Catarina, discriminando os demais candidatos que também pos-suem experiência nessa atividade, mas que a exerceram tal função em outras esferas da Administração Pública e/ou na iniciativa privada

Concluindo, respondem-se os questionamentos elaborados pelo Con-sulente da seguinte forma:

“a) Se no âmbito estadual existe lei específica para contratação de professores temporários”;

R: Sim, é a Lei n. 8.391, de 13 de novembro de 1991, que “Disciplina a admissão de pessoal em caráter temporário sob regime administrativo espe-cial, no âmbito do Magistério Público Estadual e dá outras providências” (grifou-se).

“b) Se há notícia de Municípios que utilizam essa mesma legis-lação para a contratação temporária dos professores da rede pública muni-cipal”;

R: A única informação localizada refere-se ao Município de Chapecó. Segundo decisão do TJSC (Apelação Cível N. 1999.009327-1, Des. Relator:

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Newton Janke, Data da Decisão: 28-8-2003), houve a contratação temporária de professor com base no Estatuto do Servidor Público daquele Município e, subsidiariamente, com fulcro na legislação estadual, conforme se extrai do corpo do julgado:

A prova documental dá conta que a apelante ingressou no serviço público municipal de modo precário, através do “Contrato Administrativo n. 606”, para exercer o cargo de “professor não titulado com 1º grau - 40 horas” durante o prazo de 6 meses, a começar em 01.06.93 (fl. 34/7).De acordo com cláusula 2ª desse contrato, “o MUNICÍPIO e o CONTRATADO sujeitam-se ao regime disciplinar previsto no respectivo Estatuto do Servidor Municipal e, subsidiariamente, a legislação estadual correlata, quando omissa a legislação local” (fl. 34). E, na cláusula 5ª, restou estabelecido que “o MUNICÍPIO e o CON-TRATADO ficam expressamente vinculados ao regime administrativo estatutário para todos os efeitos de relação de trabalho entre ambos, com renúncia de qualquer outro, em decorrência do parágrafo único do art. 133 da Lei n. 2.956/89, combinado com os termos da Lei Complementar n. 03/90, ex vi dos arts. 13 e 39 da Constituição Federal, para o que é competente a Justiça Comum” (fl. 36). Tais premissas foram confirmadas por todos os termos aditivos e contratos que se seguiram (fl. 28-30). (grifou-se)

“c) Se isso é constitucional [...]”; R: Não, de acordo com a doutrina majoritária, conforme demonstrado.

Porém, vale lembrar que Hely Lopes Meirelles admite uma exceção: “Só será possível a aplicação do estatuto da União ou do Estado-membro se a lei municipal assim o determinar expressamente”.9 Tal situação parece ter ocorrido na contratação acima descrita.

“d) Se é possível a contratação de ACTs apenas com base em pontuação, que leva em conta apenas a carga horária já prestada an-teriormente, o que, faz com que aqueles que estão há mais tempo na rede pública municipal sempre tenham preferência no “processo de seleção”, em detrimento de outros [...]”.

R: Não é possível, pois, como demonstrado, isso ofende os princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade, uma vez que não há motivo para se discriminar aqueles que anteriormente não foram contratados pelo Município. É possível, todavia, que os Municípios elaborem processo seleti-vo que atribua pontuação à experiência dos candidatos, mas sem privilegiar somente aqueles que já prestaram serviço na rede de ensino municipal, sob pena de ofender os aludidos princípios constitucionais.

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1 In Direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 489.2 In Curso de direito administrativo. 22ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p.

274.3 In Direito municipal brasileiro. 15ª ed. atual. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2007.4 Op. Cit. 5 Processo CON-07/00413340. Relator: Conselheiro Moacir Bertoli. Data da Sessão:

18/12/2007. Data do Diário Oficial: 26/02/2008.6 In Curso de direito constitucional positivo. 28ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,

2007. p. 681.7 In Direito administrativo brasileiro. 33ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 441.8 In Direito municipal brasileiro. 15ª ed. atual. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2007.9 In Direito municipal brasileiro. 15ª ed. atual. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2007.

p. 564.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Contratação temporária de professores – ausência de lei municipal que discipline tais casos – processo seletivo – critério de avaliação que considera apenas a carga horária já prestado ao Município .”

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PESQUISA – CMA n. 68/2008Data: 4 de junho de 2008

Processo seletivo – contratação de servidores para atuar no PSF, PACS e outros – contratação conjunta de outros cargos de provimento efetivo – impossibilidade.

CONTEÚDO:

Trata-se de solicitação de apoio operacional formulada pela Promotoria de Justiça de Imaruí, nos seguintes termos:

[...]Trata-se um concurso público ao qual não foi dada muita publicidade para prover cargos da administração munici-pal. A primeira prova ocorreu dia 25.05, no domingo, mas somente tomei conhecimento disso hoje. Já detectei algumas nulidades, em tese, mas tenho várias dúvidas e gostaria de compartilhá-las contigo. Remeto em anexo o referido edital

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e, abaixo seguem os principais pontos que penso serem dignos de nota: 1) O edital em seu caput diz que o processo seletivo é desti-nado a selecionar candidatos para admissão em caráter temporário. Já o item 1.1 coloca-se que o o processo seletivo destina-se “a selecionar candidatos para provimentos de empregos da Administração Municipal de Imaruí”.Dentre os cargos para provimento estão os do PSF, Programa de Saúde da Família, que já existe a 14 anos no Município. então, a dúvida: é um programa permanente ou temporário? Porque se for permanente, os cargos que o acompanham também o serão.Ve-se então que no item 4 são elencados os programas e atividades temporários com os respectivos cargos a serem preenchidos através do concurso. Por outro lado, no mes-mo item, ao final, são enumerados 13 cargos a serem contratados “EM CARÁTER EXCEPCIONAL POR TEMPO DETERMINADO”.Então pergunto: a contratação em caráter excepcional por tempo determinado, mesmo que precedido de concurso, não deve ser justificada? E a criação destes cargos, não necessita estar prevista em lei?2) As vagas para portadores de necessidades especiais estão fixadas em 5% do total. Isto está correto? Não deveria haver uma melhor especificação? E nos casos em que há somente uma vaga para a categoria?3) No item 5 do edital em que são enumeradas as etapas do processo seletivo infere-se do item 5.2 que depois da prova objetiva a próxima etapa será a análise da EX-PERIÊNCIA PROFISSIONAL e no item 8.2, que trata especificamente da experiência profissional há uma escala de pontuação para o tempo de serviço que vai de 0 (para quem não possui experiência a 5 (para quem tem 9 anos ou mais de experiência, o que me parece uma clara afronta ao princípio da igualdade, e uma tentativa de beneficiar os profissionais que já exercem estas funções no Município, pois, exempli-ficando, se um candidato a enfermeiro sem experiência consegue a nota 9, na prova objetiva e um outro candidato ao mesmo cargo, consegue nota 5, mas tem experiência de 9 anos atingirá a nota máxima, ou seja 10, mesmo tendo nota inferior nos conhecimentos específicos.4) Outro ponto que chama a atenção é o item 8.1.20 que trata dos critérios de desempate para todas as etapas da prova que são: a)maior pontuação em conhecimentos específicos; b) maior idade e c) maior pontuação em língua portuguesa,

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ou seja, a idade ganha maior relevância que o conheci-mento da língua portuguesa;5) A nota mínima estipulada é de 4. Esta pontuação está correta? é permitido?6) Na parte final do item 10 consta que “o candidato ausente no momento da sua chamada NOMINAL perderá a vez”. Penso que o Município deve explicar o que seja CHA-MADA NOMINAL, pois me parece que se está falando de uma “chamada” que sabe-se lá como será realizada. (grifou-se)[...]

Primeiramente, deve-se tecer alguns comentários sobre processo seletivo e concurso público.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, Ninguém sabe exatamente o que seja ‘processo seletivo público’. Esta expressão surgiu para designar, no passado, o concurso efetuado para admissão a empregos (isto é, quando se tratava de cargos a serem providos). Hoje, como se viu, a Constituição exige concurso público tanto para cargos quantos para empregos. Tais procedimentos eram mais céleres, menos burocratizados que o costumeiro nos con-cursos públicos, mas é impossível precisar com rigor quais as diferenças, em relação a eles, suscetíveis de serem aceitas sem burla no princípio da impessoalidade. Assim, quando a Emenda 51 – tecnicamente lastimável – fala em ‘processo seletivo público’, ter-se-á de entender que não poderia revogar a igualdade de todos perante a lei (cláusula pétrea, por se alojar entre os direitos e garantias individuais, conforme o art. 60, § 4º, IV, da CF) e, a fortiori, perante as possibilidades de ingresso no serviço público. Logo, o tal processo seletivo terá de apresentar caracterís-ticas similares às de um concurso público, podendo apenas simplificá-lo naquilo que não interfira com a necessária publicidade, igualdade dos concorrentes e possibilidade de aferirem a lisura do certame. Será obrigatório, ainda, que as provas ou provas e títulos guardem relação com a natureza e a complexidade do emprego.1 (grifou-se)

Por sua vez, concurso público, na dicção de Helly Lopes Meirelles,[...] é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoa-mento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei fixados de acordo com a natureza e

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complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF. [...]Os concursos não têm forma ou procedimento estabeleci-do na Constituição, mas é de toda conveniência que sejam precedidos de uma regulamentação legal ou administrativa, amplamente divulgada, para que os candidatos se interem de suas bases e matérias exigidas. Suas normas, desde que conformes com a CF e a lei, obrigam tanto os candidatos quanto a Administração.”2

Assim, fica claro que, apesar de não haver procedimento estabelecido pela Constituição para o Concurso Público, deverá a regulamentação deste, legal ou administrativamente, observar fielmente os princípios constitucionais a que se subordina a Administração Pública, dos quais se destacam os princípios da publicidade, da isonomia, da legalidade, da eficiência e da razoabilidade.

Ademais, observa-se que o processo seletivo tem como balizadores os mesmos preceitos que ajustam um concurso público, com a única diferença da opção pela simplicidade – naquilo que não ofenda tais ditames.

Isso posto e tendo em vista os referidos princípios que regem a Admi-nistração Pública, destaca-se que o Edital do Processo Seletivo n. 1/2008, do Município de Imaruí, está repleto de irregularidades.

1 DOS REGIMES JURÍDICOS APLICADOS AOS CARGOS PREVISTOS NO EDITAL

A principal dessas irregularidades, como já levantou o Órgão Con-sulente, seria a indevida mescla de empregos públicos e supostas funções públicas (contratações em caráter temporário) – que, em verdade, trata-se de verdadeiros cargos públicos.

Quanto a esse aspecto, é a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:Daí a observação de Celso Antônio Bandeira de Mello (1975a:17): ‘cargo é a denominação dada à mais simples unidade de poderes e deveres estatais a serem expressos por um agente’.[...]Quando se passou a aceitar a possibilidade de contratação de servidores sob o regime da legislação trabalhista, a expressão emprego público passou a ser utilizada, paralelamente a car-go público, também para designar uma unidade de atribui-ções, distinguindo-se uma da outra pelo tipo de vínculo que liga o servidor ao Estado; o ocupante de emprego público

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tem vínculo contratual, sob a regência da CLT, enquanto o ocupante do cargo público tem um vínculo estatutário, regido pelo Estatuto dos Funcionários Públicos [...]. [...]A constituição de 1988 [...] previu, em caráter de excepcio-nalidade, para atender à necessidade temporária de excep-cional interesse público, a possibilidade de contratação por tempo determinado. Esses servidores exercerão funções, porém, não como integrantes de um quadro permanente, paralelo ao dos cargos públicos, mas em caráter transitório e excepcional.3 (sublinhou-se]

Dessa feita, conclui-se que aqueles que forem contratados pela Admi-nistração Pública mediante vínculo estatutário exercerão um cargo público; aqueles que forem contratados de acordo com as regras da CLT exercerão empregos públicos; e aqueles que forem contratados para atender a uma necessidade temporária de excepcional interesse público exercerão funções públicas (estatutário).

Logo, não é razoável, em um mesmo concurso público ou processo seletivo, contratarem-se pessoas para exercer cargos, empregos e funções públicas.

Nesse passo, infere-se que deveria ser realizado um processo seletivo apenas para contratação de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias para atuarem, respectivamente, no Programa de Saúde da Família (PSF) e no Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS).

Quanto a essas atividades, a Constituição Federal observa:Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: [...]§ 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação.§ 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regu-lamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias. [...] (grifou-se)

E o § 5º do referido artigo foi regulamentado pela Lei n. 11.350/06, com base nesses dispositivos constitucionais e legais, este Centro de Apoio e o Centro de Apoio Operacional da Cidadania e Fundações (CCF) editaram,

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a título de sugestão, a Nota Técnica Conjunta CMA-CCF n. 01/06.Destaca-se da aludida Nota Técnica:

1. Nas situações que envolvam a admissão de pessoal para o exercício das atividades de Agente Comunitário de Saúde e de Agente de Combate às Endemias deverão ser observadas as normas contidas na Lei Federal n. 11.350, de 5 de outubro de 2006, que dispõe, dentre seus preceitos, que: [...]1.2. os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), na forma do disposto no § 4° do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa (art. 8.º);1.3. a contratação de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias deverá ser prece-dida de processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade de suas atribuições e seus requisitos específicos para o exercício das atividades, que atenda aos princípios de legalidade, impesso-alidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 9.º);[...]1.5. fica vedada a contratação temporária ou terceirizada de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias, salvo na hipótese de combate a surtos endêmicos, na forma da lei aplicável (art. 16); e [...] 2. A contratação temporária de pessoal, para aten-der ao Programa Saúde da Família (PSF), excetuados os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias, somente será possível na fase de implantação do programa no Município, não sendo re-comendável que ultrapasse o período de dois anos (um ano, prorrogado por igual período); após, o programa assumirá caráter de permanência (principalmente por constituir a saúde atividade típica do Município).3. A contratação temporária para o programa referido no item 2 poderá ser admitida, desde que fundada em lei municipal específica que estabeleça as regras, os prazos de vigência dos contratos, a forma e os critérios de seleção (processo seletivo), os direitos dos contratados, a remunera-ção, sua vinculação ao Regime Geral da Previdência Social, atendidos os pressupostos do art. 37, IX, da Constituição

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Federal, entre outras normas pertinentes. 4. Para atender ao Programa da Saúde da Família (PSF), uma vez consolidada no Município a perenidade do Programa, poderá a administração admitir pessoal:a. em cargos de provimento efetivo, criados por lei, mediante prévia aprovação em concurso público, nos termos do art. 37, II, da Constituição Federal; oub. promover contratação para ocupação de empregos públicos, criados por lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, “a”, CF), em quadro especí-fico constituído exclusivamente por quantitativo de fun-ções e vagas correspondentes às equipes em operação, regidos pelo Decreto-Lei n. 5.452/43 - Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mediante prévia aprovação em concurso público (art. 37, II, CF), com vinculação ao Regime Geral de Previdência Social (art. 201, CF), sem aquisição de estabilidade (art. 41, CF), incluídos no regime do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) (art. 7º, III, CF), demissíveis a qualquer tempo, motivadamente (art. 7º, I, CF), em especial quando da desativação de equipe, da denúncia do convênio entre o Município e a União, ou do encerramento dos Programas. (grifou-se)

Contudo, em 2 de agosto de 2007, o Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu liminar, na ADI n. 2.135-4 (Publicada no DJ de 14-08-2007), suspendendo, com efeito ex nunc, as alterações promovidas no caput do art. 39 da CF/88. Com isso, restabeleceu-se a redação original: “Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da Administração Pública direta, das autarquias e das fundações públicas”. (grifou-se).

A princípio, poder-se-ia aventar que tal decisão do STF vai de encontro à Lei n. 11.350/06, que prevê a contratação para emprego público (vínculo celetista):

Art. 8º Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, na forma do disposto no § 4º do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa. (grifou-se)

Mas deve-se levar em conta que essa Lei apenas regulamenta o § 5º do art. 198 da CF/88, ou seja, essa exceção foi aberta pela própria CF/88, para tratar apenas das contratações do Agentes Comunitários de Saúde e dos

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Agentes de Combate às Endemias.Portanto, frisa-se, apenas em relação ao Agentes Comunitários de

Saúde e aos Agentes de Combate às Endemias, a orientação deste Centro de Apoio é pela contratação mediante processo seletivo, para preenchimento de empregos públicos (regime celetista), a não ser que lei municipal disponha de forma diversa e estabeleça o regime estatutário.

O que não se recomenda, nesses casos, é a contratação temporária, sob pena de ofensa ao art. 164 da Lei n. 11.350/06.

Nesse mesmo sentido, é o entendimento que o Tribunal de Contas Estadual expôs no Prejulgado n. 1867:

1. Para viabilizar a execução do PSF-Programa Saúde da Família e/ou do PACS-Programa dos Agentes Co-munitários de Saúde, a Administração Municipal, não dispondo de pessoal próprio suficiente e capacitado para a prestação dos serviços, deverá implementar o regime de empregos públicos, que se submete às regras ditadas pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, para a admissão dos profissionais da saúde e dos agentes comunitários de saúde necessários para constituir a(s) Equipe(s), por tempo indeterminado, os quais não adquirem estabilidade no serviço público (art. 41 da Constituição Federal).2. Os empregos deverão ser criados mediante edição de lei específica de iniciativa do Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, “a”, Constituição Federal), contendo, entre outras disposições:I - a constituição de quadro específico de pessoal vinculado aos Programas PSF/PACS, distinto do quadro permanente de pessoal do Poder Executivo;II - a definição e o quantitativo dos empregos criados;III - as atividades a serem desenvolvidas no exercício do respectivo emprego, em conformidade com as atribuições definidas pelo Ministério da Saúde;IV - a habilitação e os requisitos a serem atendidos para o exercício do respectivo emprego, observadas as exigências legais;V - a respectiva remuneração;VI - a vinculação dos admitidos:a) ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT - Lei n. 5.452, de 1943);b) ao Regime Geral de Seguridade Social (INSS, art. 201, Constituição Federal);

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c) ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS, art. 7º, III, CF);VII - as hipóteses de demissão do pessoal admitido, con-forme item 5;VIII - a indicação da fonte dos recursos para suprir as des-pesas, com observância do disposto no art. 169, § 1º, incisos I e II, da Constituição Federal;IX - a realização de prévio concurso público (art. 37, II, Constituição Federal) para exercer o emprego público, à exceção dos Agentes Comunitários de Saúde (Lei n. 11.350, de 2006);X - a fixação da carga semanal de trabalho para os pro-fissionais de saúde e os Agentes Comunitários de Saúde (observado o item 2.1-IV do Anexo da Portaria n. 648, de 28/03/2006, do Ministro de Estado da Saúde).3. Para a admissão dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) devem ser atendidas as disposições da Emenda Constitucional n. 51, de 14 de fevereiro de 2006, e da Lei Federal n. 11.350, de 05 de outubro de 2006, e, no que couber, o estabelecido no item 2, observado que:I - efetiva-se através de prévia aprovação em processo seletivo público;II - ficam dispensados da realização do processo seletivo público os Agentes Comunitários de Saúde que se encon-travam em atividade na data da promulgação da EC n. 51 (14/02/2006), desde que tenham sido contratados mediante anterior seleção pública realizada por órgão da administração direta ou indireta do Estado, Distrito Federal ou do Muni-cípio, ou se por outras instituições, mediante supervisão e autorização da administração direta dos entes da federação (União, Estado, DF ou Município, art. 2º, parágrafo único, da EC n. 51);III - o enquadramento de situação concreta no art. 2º, pa-rágrafo único, da EC n. 51, de 2006 (realização de anterior processo seletivo público), é condicionado à certificação por órgão ou ente da administração direta dos Estados, DF ou dos Municípios, sobre a existência de anterior processo de seleção pública;IV - é vedada a admissão e/ou prestação de serviços por Agentes Comunitários de Saúde que não tenham sido sub-metidos previamente a processo seletivo público, observado o art. 17 da Lei n. 11.350, de 2006, que prevê a possibilidade de permanência dos Agentes Comunitários de Saúde em exercício na data da publicação da Lei (6-10-2006), até a conclusão de processo seletivo público pelo ente federativo

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(Estado, DF ou Município).4. A lei municipal de iniciativa do Chefe do Poder Executivo deve estabelecer a forma e condições de realização do concurso público para os profissionais da saúde (médico, enfermeira, técnico ou auxiliar de enfermagem, entre outros), e do processo seletivo pú-blico para os Agentes Comunitários de Saúde, definindo os meios e veículos de divulgação a serem utilizados para a ampla publicidade dos editais/avisos de convocação dos interessados e todos os atos subsequentes.5. Constituem hipóteses de demissão do pessoal vinculado ao PSF (Programa de Saúde da Família) e ao PACS (Programa dos Agentes Comunitários de Saúde):I - a prática de falta grave, conforme previsto no art. 482 da CLT;II - a acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;III - a necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesas, conforme a Lei Federal n. 9.801, de 1999;IV - a insuficiência de desempenho, apurada de acordo com as disposições do inciso IV do art. 10 da Lei Federal n. 11.350, de 2006;V - motivadamente (art. 7º, I, Constituição Federal), devendo estar prevista na lei municipal específica, em face da:a) extinção dos programas federais;b) desativação/redução de equipe(s);c) renúncia ou cancelamento do convênio de adesão assinado por iniciativa do Município ou da União;d) cessação do repasse de recursos financeiros da União para o Município.6. Os Agentes Comunitários de Saúde exercerão suas ativi-dades no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS, mediante vínculo direto com o órgão ou entidade da administração direta, autárquica ou fundacional (art. 2º da Lei n. 11.350, de 2006). É vedada a contratação temporária ou tercei-rizada de Agentes Comunitários de Saúde, conforme art. 16 da Lei n. 11.350, de 2006.7. Por constituir-se de serviço público essencial e atividade-fim do Poder Público, inserida na Atenção Básica à Saúde, cuja execução é de competência do gestor local do SUS, as atividades dos demais profissionais de saúde, tais como, médico, enfermeiro e auxiliar ou técnico de enfermagem, necessários ao atendimento do Programa de Saúde da Fa-

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mília-PSF, não podem ser delegadas a organizações não-go-vernamentais com ou sem fins lucrativos, nem terceirizadas para realização por intermédio de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), criadas conforme a Lei Federal n. 9.790, de 1999, mediante celebração de convênio, termo de parceria, credenciamento ou mesmo contratação através de licitação, assim como, não encontra amparo legal o credenciamento direto de pessoal ou a contratação de prestadores autônomos de serviço, ou quaisquer outras formas de terceirização.8. Para suprir necessidade temporária decorrente de afasta-mento do titular do emprego, durante o prazo do afastamen-to; em face ao acréscimo de serviços, pelo prazo necessário para adotar providências para adequar-se às disposições da EC n. 51, de 2006, e da Lei Federal n. 11.350, de 2006; até a criação de novos ou outros empregos públicos; e/ou adoção das providências administrativas para implementar os Programas PSF e PACS; poderá o Executivo Municipal realizar contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, inciso IX, da Constituição Federal), mediante o atendimento, entre outros, dos seguintes requisito;I - autorização para contratação através de lei municipal específica;II - fixação das funções que podem ser objeto de contratação, com limitação de vagas;III - hipóteses em que a contratação poderá ser efetivada;IV - fixação da remuneração;V - regime jurídico do contrato (especial);VI - definição do prazo máximo de contratação e a possibi-lidade de prorrogação ou não;VII - carga horária de trabalho;VIII - vinculação dos contratados ao Regime Geral de Pre-vidência Social (INSS);IX - condições para contratação;X - forma e condições de realização de processo de seleção pública, previamente à contratação.9. Na fixação da remuneração do médico integrante da equipe de saúde do PSF, deve-se observar, em regra, o dis-posto no art. 37, XI, Constituição Federal, segundo o qual a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos nos Municípios não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, do Prefeito Municipal.10. A saúde é direito social (art. 6º, CF), dever do Estado

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(art. 196, CF) e princípio constitucional (art. 34, VII, CF). Dessarte, em casos concretos, nos quais ocorra conflito entre princípios constitucionais, é admissível, pela doutrina e jurisprudência, a solução da controvérsia utilizando-se a técnica da ponderação de princípios. Assim, no eventual e concreto conflito entre os princípios da saúde e da morali-dade administrativa decorrente da admissão ou contratação de médico para atuar no Programa de Saúde da Família - PSF (Portaria do Ministério da Saúde n. 1.886/GM, de 18-12-1997), comprovada a impossibilidade de observar-se na fixação da remuneração do médico o limite constante do art. 37, XI, CF, através da demonstração de que foi lançado edital de concurso público, com ampla divulgação, sem que acorressem candidatos, é possível adotar-se a ponderação dos princípios aliada a interpretação restritiva como solução do conflito, de forma a assegurar a dignidade da pessoa humana - fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF)._____________________________________Item 8, V, reformado pelo Tribunal Pleno em sessão de 18-7-2007, mediante decisão n. 2197/2007, exarada no processo CON - 07/00225773. Redação inicial do item reformado:”V - regime jurídico do contrato (CLT ou administrativo);”(grifou-se)Processo: CON-05/00173222. Parecer: G C -OGS/2007/040. Decisão: 1007/2007. Origem: Prefeitura Municipal de Mirim Doce. Relator: Conselheiro Otávio Gil-son dos Santos. Data da Sessão: 18-4-2007. Data do Diário Oficial: 7-5-2007.

E, quanto àqueles que devem prestar outras atividades nesses pro-gramas (Médicos, Odontólogos, Enfermeiros etc.), devem ser contratados, mediante concurso público, para exercerem cargos públicos, da mesma forma que as demais atividades previstas no Edital (Professor, Auxiliar de Serviços Gerais, Motorista, Coletor de Lixo e outros), por se tratarem de atividades permanentes da Administração Pública. Novamente não sendo recomendada a contratação temporária, conforme doutrina e jurisprudência majoritária, adiante exposta.

Com efeito, é notório que as contratações para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público deverão ser realizadas mediante o preenchimento de alguns requisitos constitucionais e legais.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que “Estados e Municípios que queiram contratar servidores temporários com base no art. 37, IX, têm que estabelecer, por suas próprias leis, as hipóteses em que essa contratação é possível e o regime jurídico em que a mesma se dará”5. (grifou-se)

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Por sua vez, Celso Antônio Bandeira de Mello aduz que “A Constitui-ção prevê que a lei (entende-se: federal, estadual, distrital ou municipal, conforme o caso) estabelecerá os casos de contratação para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX)6. (grifou-se)

Hely Lopes Meirelles7 compartilha o mesmo entendimento e acrescenta outros comentários:

Na utilização desses direitos constitucionais não há prevalência da lei federal ou estadual sobre a munici-pal. O governo local é que provê a Administração em tudo quanto respeite ao interesse local do Município, repelindo, por inconstitucional, qualquer intromissão de outro órgão, autoridade ou poder. Só há hierarquia entre as leis quando, por inexistir exclusividade de Administração, as três entidades (União – Estado-membro – Município) regulem concorrentemente a mesma matéria, caso em que a lei municipal cede à estadual, e esta à federal. Impropria-mente se diz que o Município está subordinado à União e ao Estado-membro. Não ocorre tal subordinação. (p. 92][...]A competência do Município para organizar o servi-ço público e seu pessoal é consectário da autonomia administrativa de que dispõe (CF, art. 30, I). Atendidas as normas constitucionais aplicáveis ao servidor público (CF, arts. 37-41), bem como os preceitos das leis de caráter nacional e de sua lei orgânica, pode o Município elaborar o regime jurídico de seus servidores, segundo as conveniên-cias locais. Nesse campo é inadmissível a extensão das normas estatutárias federais ou estaduais aos servidores municipais. Só será possível a aplicação do estatuto da União ou do Estado-membro se a lei municipal assim o determinar expressamente.Nem mesmo a Constituição Estadual poderá estabelecer direitos, encargos ou vantagens para o servidor municipal, porque isto atenta contra a autonomia local. Desde que o Município é livre para aplicar suas rendas e organizar seus serviços (CF, art. 30, III e V), nenhuma interferência pode ter o Estado-membro nesse campo da privativa competência local.Só o Município pode estabelecer o regime de trabalho e de pagamento de sues servidores, tendo em vista as peculiarida-des locais e as possibilidades de seu orçamento. (p. 564][...]O regime especial é, portanto, o modo pelo qual se estabele-cem as relações jurídicas entre esses servidores (temporários]

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e a Prefeitura, em conformidade com a lei pertinente. A Constituição Federal fala em lei especial, sem escla-recer sua origem. Entendemos, todavia, com base nos princípios constitucionais de competência, que no âmbito municipal incumbe à lei local, exclusivamente, estabelecer o regime desses servidores.Pode, pois, o Município, além do estatuto de seus servido-res, elaborar outra espécie de norma reguladora do regime jurídico desses servidores contratados por tempo determi-nado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. (p. 584)

E prossegue o referido Doutrinador8:As entidades estatais são livres para organizar seu pessoal para o melhor atendimento dos serviços a seu cargo. De-vem, todavia, fazê-lo por lei.A competência para essa organização é da entidade estatal a que pertence o respectivo serviço. Sobre esta matéria, como já assinalamos, as competências são estanques e incomunicáveis. As normas estatutárias federais não se aplicam aos servidores estaduais ou municipais, nem as do Estado-membro se estendem aos funcionários dos Municípios. Cada entidade estatal é autônoma para organizar seus serviços e compor seu pessoal. Atendidos os princípios constitucionais e os preceitos das leis nacionais de caráter complementar, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão seus regimes ju-rídicos, segundo suas conveniências e necessidades administrativas e as forças de seus erários (CF, arts. 39 e 169). (p. 593)[...]Do acima exposto conclui-se que o Município goza de total liberdade na organização do seu pessoal para o melhor atendimento dos serviços de sua competência. Entretanto, há duas regras fundamentais que não pode preterir: a que exige que a organização se faça por lei e a que impõe a observância dos preceitos constitucionais federais pertinentes aos servidores públicos e das leis federais de caráter nacional. (p. 596][...]A organização legal do serviço público municipal, ou seja, por lei aprovada pela Câmara de Vereadores e san-cionada pelo prefeito, lei em sentido estrito, é exigência constitucional, decorrente, dentre outros, dos arts. 29, I,

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30, I , 37, I-II, 39-41 e 61, §1º, II, ‘a’, impositivos para os Municípios, por força do art. 29, caput, que determina a observância dos princípios constitucionais quanto à organização de seus serviços e assuntos de peculiar interesse e, ainda, especificamente no que se refere aos servidores públicos.Desses preceitos constitucionais resulta que somente lei em sentido estrito pode criar e alterar cargos públicos municipais, bem como fixar-lhes a remuneração (art. 61, §1º, II, ‘a”), dispor sobre servidores municipais, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de servidores (arts. 37 e incisos e 39-41), e estabelecer re-quisitos para a investidura em cargo municipal.No que concerne a esse último aspecto – fixação legal dos requisitos para investidura – a doutrina e a juris-prudência ainda vacilam quanto ao exato entendimento da palavra lei, que figura no texto constitucional, para admitir também seu estabelecimento por decreto e, até mesmo pelo próprio edital do concurso. Nesse ponto estamos com os que, como Adílson de Abreu Dallari, en-tendem que ‘somente a lei, em sentido estrito, pode fixar requisitos, ou seja, nem o regulamento, nem o edital do concurso podem validamente fixar condições restritivas da participação de brasileiros’ (p. 596 e 597).

O Tribunal de Contas de Santa Catarina também exige lei municipal que regulamente as contratações temporárias, conforme expôs no Prejulgado n. 19279:

1. A contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público é prevista pelo art. 37, IX, da Constituição Federal, que dispõe que a lei (local) estabelecerá em que situações poderá ser efetivada.2. É de competência do respectivo Ente a edição de lei para regulamentar a norma constitucional, a qual deve dispor, entre outros, sobre as hipóteses e condições em que poderão ser realizadas admissões temporárias de pessoal para atender a necessidade de excepcional interesse público, o prazo máximo de contratação, a via-bilidade de prorrogação ou não do contrato e sua limitação, bem como sobre a possibilidade de nova contratação da mesma pessoa, carga horária, remuneração, regime a que se submete a contratação, a obrigatoriedade de vinculação ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), em face do art. 40, § 13, da Constituição Federal (redação da EC n. 20/98), direitos e deveres dos contratados, a forma e condições de

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admissão, critérios de seleção, a definição das funções que poderão ser objeto de contratação temporária, o número limite de admissões temporárias; os procedimentos admi-nistrativos para a efetivação das contratações.3. Para contratação do pessoal por tempo determinado a Administração deve promover o recrutamento do pessoal mediante prévio processo seletivo público, simplificado, devidamente normatizado no âmbito da Administração e em conformidade com as disposições da lei local, através de edital ou instrumento similar que defina critérios objetivos para a seleção, e que contenha infor-mações sobre as funções a serem preenchidas, a qualificação profissional exigida, a remuneração, o local de exercício, carga horária, prazo da contratação, prazo de validade da seleção e hipótese de sua prorrogação ou não, e outros, sujeito à ampla divulgação, garantindo prazo razoável para conhecimento e inscrição dos interessados, observada a disponibilidade de recursos orçamentários e financeiros, bem como o limite de despesas com pessoal previsto pela LRF.[...]

Da mesma forma, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) já decidiu pela obrigatoriedade de lei municipal que regulamente o debatido dispositivo da CF/88:

SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. PROFESSOR ACT - ADMISSÃO EM CARÁTER TEMPORÁRIO. CONTRATO POR TEMPO DETERMINADO PARA ATENDER NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE EX-CEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO (CF, ART. 37, IX, E LEI MUNICIPAL N. PAN/1.048/97). RESCISÃO ANTECIPADA. POSSIBILIDADE (ART. 9O DA LEI RETRO). PAGAMENTO, EM ATRASO, DE SALÁRIO E DE FÉRIAS PROPORCIONAIS SOMENTE APÓS A CITAÇÃO JUDICIAL. RECONHECIMENTO PARCIAL DA PRETENSÃO DEDUZIDA. SUCUMBÊNCIA RECÍ-PROCA (ART. 21 DO CPC). ISENÇÃO DO MUNICÍPIO DO PAGAMENTO DAS CUSTAS. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.Apelação cível n. 2004.022327-7, de São Domingos. Des. Relator: Cesar Augusto Mimoso Ruiz Abreu. Data da De-cisão: 22-2-2005.

Destaca-se do corpo dessa decisão:Com efeito, da análise dos autos constata-se que o ape-lante foi admitido como professor em caráter tempo-rário, achando-se, portanto, regido não só pela referida

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lei (municipal] , como também pelas Leis Municipais n. 0863/90, n. 0865/90 e 0866/90, conforme determina o art. 5o da Lei n. 1.048/97, e não pela legislação trabalhista, como sustenta o apelante;Sobre o assunto esclarece Odete Medauar:Trata-se da possibilidade de contratar, sem concurso público, por prazo determinado (curto), para atender a necessidade que difere das necessidades comuns, por ser qualificada como de excepcional interesse público; por exemplo, em casos de calamidade, epidemia, vacinação em massa. Para tanto, uma lei, em cada nível deve dispor a respeito. Segundo fixar a lei, o contrato poderá ser regido pela CLT ou a própria lei estabelecerá o regime jurídico, podendo até determinar a aplicação, a tais servidores, de preceitos do Estatuto correspondente (in Direito Adminis-trativo Moderno, 7 edição, Revista dos Tribunais, 2003, p. 296). (grifou-se)]

Complementando o exposto, José Afonso da Silva aduz que a Lei n. 8.745/93 estabelece algumas diretrizes que devem ser seguidas pelas leis es-taduais e municipais:

O art. 37, IX, prevê que a lei estabelecerá os casos de con-tratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Essa é uma forma de prestação de serviço público diferente do exercício de cargo, de emprego e de função. O contratado é, assim, um prestacionista de serviços temporários.Que lei? Achamos que será a lei da entidade contra-tadora: lei federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal, de acordo com as regras de competência federativa. Não há de ser lei federal com validade para todas as entidades, porque não se lhe reserva compe-tência federativa para estabelecer lei geral ou especial nessa matéria com validade para todas. A autonomia administrativa das entidades não o permite. A Lei 8.745, de 9.12.1993, está de acordo com essa doutrina, tanto que só regulou a contratação por órgãos da Administração Fe-deral direta, autárquica e fundações públicas. Mas ela traz diretivas que devem ser seguidas por leis estaduais e municipais, como, por exemplo, a indicação de casos de necessidades temporárias (art. 2º), a exigência de processo seletivo simplificado para o recrutamento do pessoal a ser contratado (art. 3º), o tempo determinado e improrrogável da contratação (art. 4º).10 (grifou-se)

Esse aspecto da Lei n. 8.745/93, de definir diretrizes para Estados e Municípios, também é comentado por Hely Lopes Meirelles, em outra obra

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sua:No âmbito federal essa contratação encontra-se regulada pela Lei 8.745, de 9.12.93, alterada pelas Leis 9.848, de 26.10.99, 10.973/2004 e 11.204/2005. Esta lei federal deve servir de norte para Estados e Municípios disporem sobre a matéria.11 (grifou-se)

E, em outras decisões do TJSC, observa-se essa simbiose entre a legis-lação municipal e a federal:

ADMINISTRATIVO - CONTRATAÇÃO TEMPORÁ-RIA EM DETRIMENTO DE CLASSIFICADOS EM CONCURSO PÚBLICO - AFRONTA ÀS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS E LEGAIS (CF, ART. 37, INCS. II E IX E LEI N. 8.745/93, ART. 1º) - DIREITO LÍQUIDO E CERTO VIOLADO - DESVIO DE FINALIDADE CA-RACTERIZADO - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA A validade da contratação de servidores por tempo determinado, mesmo que pelo regime de terceirização, está condicionada aos rígidos critérios elencados no inc. IX do art. 37 da Constituição Federal e aos termos da Lei n. 8.745/93, acrescidos das disposições contidas na lei local. Inviável e ilegal esse tipo de contratação quando efetivada em detrimento do direito de candidato aprovado em concurso público para o mesmo cargo. Apelação Cível em Mandado de Segurança 2002.001131-2. Relator: Luiz Cézar Medeiros. Data da Decisão: 2-9-2002.

No mesmo sentido, Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2002.000476-6. Relator: Luiz Cézar Medeiros. Data da Decisão: 2-9-2002; e Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2001.013595-7. Relator: Luiz Cézar Medeiros. Data da Decisão: 2-9-2002.

E de outro julgado do TJSC (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2002.002681-6, de Içara. Relator: Des. Nicanor da Silveira. Data da Decisão: 20-10-2004) extrai-se a seguinte assertiva:

Como já citado, tem-se como parâmetro a Lei Federal n.º 8.745/93, que descreve as situações de contratação temporária no âmbito da administração federal. (gri-fou-se)

Por fim, caso o Município não tenha elaborado lei regulamentando o inciso IX do art. 37 da CF/88, Hely Lopes Meirelles12 entende que não poderá contratar temporariamente:

O inciso IX do art. 37 da CF determina que a lei estabeleça os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.

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Daí por que advertimos que se o Município não regular a matéria em lei somente poderá admitir servidores na forma do Estatuto dos Servidores Públicos, isto é, me-diante prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos e observância das demais normas constitucionais, legais e regulamentares pertinentes ao funcionalismo, ou contratá-los segundo o preceituado na legislação trabalhista. (p. 584 e 585].[...]Todavia, as exigências para o preenchimento dos cargos pú-blicos, de um lado, e, de outro, as garantias que a Constituição Federal outorga aos servidores podem constituir entraves ao bom desempenho de certas atividades administrativas, como no caso em que a Prefeitura necessite de mão-de-obra para serviços temporários mas considere inoportuno e inconve-niente despojar-se de suas prerrogativas para recrutar esse pessoal no regime trabalhista, sujeito a legislação uniforme, de âmbito nacional.Para atender a esses casos a Constituição Federal prevê, no inciso IX do art. 37, que a ‘lei estabelecerá os casos de con-tratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público’, admitindo um regime especial para o recrutamento de servidores, como vimos acima.Em face dessa realidade, é imperativo que o Município crie cargos para a execução de seus serviços específicos de natureza permanente e edite lei que lhe permita atender às situações excepcionais, sob pena de se ver obrigado a contratar servidores no regime da legislação trabalhista, com prejuízos para o normal desenvolvi-mento de suas atividades. (p. 586)

Mas não basta que o Município tenha lei regulamentando as contratações temporárias. Tal lei deverá prever situações que atendam apenas a situações efetivamente temporárias e excepcionais, como as previstas na Lei n. 8.745/93, que serve como diretriz para as leis estaduais e municipais, como visto.

Nesse passo, imperioso colacionar o embasamento de outro estudo elaborado neste Centro de Apoio Operacional:

[...]Já sobre a temporariedade da necessidade, devesse entender que esta se refere a uma situação transitória, alheia ao dia a dia da Administração e na qual é possível imaginar-se o fim daquela exceção. No dizeres do Diogenes Gasparini: “Por necessidade temporária entende-se a qualificada por sua transitoriedade; a que não é permanente; aquela que se

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sabe ter um fim próximo. Em suma, a que é passageira. São exemplos de necessidades temporárias cujo atendimento pode ser conseguido com esses contratados: a restauração do sistema viário e dos serviços de comunicações destruídos por uma inundação; a continuidade dos serviços de magistério em razão do afastamento súbito e prolongado do professor titular; a vacinação emergencial da população em razão de um surto epidêmico imprevisível; o recenseamento e outros levantamentos estatísticos; a melhoria do serviço público tornado de baixa qualidade pela falta de servidores e a sua continuidade em razão de greve”13 Parte da doutrina entende ainda que a previsão do inciso IX não se coaduna com a possibilidade de contratações temporárias para o desempenho de funções permanentes ou previsíveis da Administração Pública, já que estas não se enquadrariam no conceito de “necessidade temporária de excepcional interesse público” intrínseco no permissivo constitucional, devendo tais atribuições, somente serem ser exercidas por servidores admitidos por concurso público, que é via normal de acesso. Há de se destacar que tal cor-rente é majoritária, podendo-se citar como alguns de seus defensores, os doutrinadores José dos Santos Carvalho Filho14; Adilson Abreu Dallari15; Celso Ribeiro Bastos16 (6) e José Cretella Júnior17, entre outros. Sobre a possibilidade de contratação temporária, comenta Adilson Abreu Dallari: ”Está absolutamente claro que não mais se pode admitir pessoal por tempo indeterminado, para exercer funções permanentes, pois o trabalho a ser executado precisa ser, também, eventual ou temporário, além do que a contratação somente se justifica para atender a um interesse público qualificado como excepcional, ou seja, uma situação extremamente importante, que não possa ser atendida de outra forma” 18(Regime Constitucional dos Servidores Públicos, 2. ed., RT: SP, 1992, p. 124).Em sentido contrário, entendendo ser possível à contratação temporária para o exercício de funções de caráter permanente e previsível da Administração Pública, desde que caracteriza a necessidade temporária de excepcional interesse público, a qual por exemplo, poderia se dar frente a impossibilidade de realização de concurso público em tempo hábil para suprir a demanda excepcionalmente surgida, pode-se citar os doutrinadores Celso Antônio Bandeira de Mello19 e Helly Lopes Meirelles, o qual anota que: “O inc. IX não se refere exclusivamente às atividades de natureza eventual, tempo-rária ou excepcional. Assim, não veda a contratação para atividades de natureza regular e permanentes. O que importa

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é o atendimento da finalidade prevista pela norma. Assim, “desde que indispensáveis ao atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, que para o desempenho das atividades de caráter eventual, temporário ou excepcional, quer para o desempenho das atividade de caráter regular ou permanente”, a contratação é permitida. Desta forma, embora não possa envolver cargos típicos de carreira, a contratação pode envolver o desempenho da atividade ou função de carreira, desde que atendidos os requisitos acima. Fora daí, tal contratação tende a contornar a exigência do concurso público, caracterizando fraude a constituição.”20

Porém, observa-se que em ambas as correntes, independente da natureza transitória ou permanente do serviço, é indis-pensável a comprovação do excepcional interesse público, da imperiosa necessidade, da situação incomum e inesperada por que passa a Administração. Ou seja, a doutrina é pacifica em sua interpretação no sentido de que a admissão por tempo determinado, sem concurso público, só tem razão de ser perante situações realmente excepcionais e não de “normal interesse público”, pois “excepcional” significa situações anômalas, de exceção, de repercussões imprevisíveis.Em consonância com a doutrina majoritária, que impõe uma interpretação mais restritiva ao inciso IX do art. 37 da Constituição, o STF corroborou nos acórdãos proferidos na ADI n° 890 (julg. em 11/09/03), ADI n° 2.229 (julg. em 09/06/04) e ADI n° 2.987 (julg. em 19/02/04), bem como na ADI-MC n° 2.125 (julg. em 06/04/00) e ADI-MC 2.380 (julg. em 20/06/01), (sendo que na ADI n° 2.987, foi declarado a inconstitucionalidade do art. 1° da Lei n° 9.186/93 do Estado de Santa Catarina), o entendimento de que o exercício de função permanentes ou previsíveis da Administração Pública é vedado a servidores contratados em caráter temporários.

Dito isso, passa-se à análise dos demais questionamentos do Órgão Consulente e das demais irregularidades contidas no Edital.

2 DA RESERVA DE VAGAS AOS PORTADORES DE NE-CESSIDADES ESPECIAIS

Foi indagado a respeito da reserva de 5% das vagas para os portadores de necessidades especiais, abordado no item 2 do Edital em tela.

Segundo o próprio Edital, tal exigência tem fulcro na Lei Municipal n.

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003, de 26 de dezembro de 2007, e na Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, regulamentada pelos Decretos n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, e 5.296, de 2 de dezembro de 2004.

Com efeito, o Decreto n. 3.298/99 regulamenta a participação dos portadores de necessidades especiais em concursos:

Art. 37. Fica assegurado à pessoa portadora de deficiência o direito de se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador.§ 1o O candidato portador de deficiência, em razão da ne-cessária igualdade de condições, concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no mínimo o percentual de cinco por cento em face da classificação obtida.§ 2o Caso a aplicação do percentual de que trata o parágrafo anterior resulte em número fracionado, este deverá ser ele-vado até o primeiro número inteiro subsequente.Art. 38. Não se aplica o disposto no art. anterior nos casos de provimento de:I - cargo em comissão ou função de confiança, de livre nomeação e exoneração; e II - cargo ou emprego público integrante de carreira que exija aptidão plena do candidato.Art. 39. Os editais de concursos públicos deverão conter:I - o número de vagas existentes, bem como o total cor-respondente à reserva destinada à pessoa portadora de deficiência;II - as atribuições e tarefas essenciais dos cargos;III - previsão de adaptação das provas, do curso de formação e do estágio probatório, conforme a deficiência do candidato; eIV - exigência de apresentação, pelo candidato portador de deficiência, no ato da inscrição, de laudo médico atestando a espécie e o grau ou nível da deficiência, com expressa referência ao código correspondente da Classificação In-ternacional de Doença - CID, bem como a provável causa da deficiência. (grifou-se)

Essas mesmas disposições são aplicadas aos concursos públicos rea-lizados pelo Estado de Santa Catarina, conforme preceituam os arts. 35 a 37 da Lei Estadual n. 12.870/04.

Dessa feita, percebe-se que o Edital peca por não indicar o número

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exato e quais vagas são reservadas aos candidatos portadores de necessidades especiais, além de não apontar quais as atribuições de cada cargo. Isso não possibilita aos interessados o prévio conhecimento das atribuições dos cargos oferecidos em reserva, impedindo-os de conhecer se esses se adaptam ou não a suas limitações físicas, ponto que certamente ofende os princípios da legalidade, da publicidade e da isonomia.

Como visto, a fim de atender ao princípio da isonomia e à inclusão das pessoas portadoras de necessidades especiais no trabalho, todo edital de Concurso Público, além de dar plena publicidade a essas pessoas dos cargos reservados, deverá especificar as atribuições dos cargos ofertados, de forma que fiquem claras as hipóteses e os motivos que exigem aptidão plena e a justificativa de eventual ausência de previsão de reserva.

3 DA EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL

Quanto à análise da experiência profissional dos candidatos, percebe-se que o item 8.2 do Edital não explicita de que forma será computada, na média final, a nota referente a esse item. Assim, não é possível saber se tal nota, que varia entre 0 e 5 pontos, terá caráter eliminatório ou meramente classificatório.

Se for classificatório, essa nota só poderá ser computada para aqueles que tenham sido aprovados nas demais etapas do concurso, de forma a não alterar o resultado do certame, mas apenas a classificação final dos candidatos.

Por outro lado, se essa nota for somada às notas das outras provas e somente, então, for se verificar quais foram os aprovados, essa etapa terá caráter eliminatório e, nesse caso, poderá prejudicar alguns candidatos e beneficiar indevidamente outros, como bem ressaltou o Órgão Consulente.

Portanto, atendendo ao princípio da razoabilidade, entende-se que tal etapa do concurso deveria ter caráter apenas classificatório.

4 DO CRITÉRIO DE DESEMPATE

Já, quanto ao critério de desempate (item 8.1.20), realmente se verifica a ausência de razoabilidade em privilegiar primeiro o número de acertos nas questões de conhecimento específico, depois considerar a idade do candidato e, somente, então, verificar a pontuação obtida na prova de português.

De fato, é mais vantajoso à Administração Pública privilegiar aqueles que obtiveram notas mais altas em determinados aspectos considerados relevantes

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da prova (como os conhecimentos específicos), o que demonstra, ao menos em tese, maior aptidão do candidato para o cargo específico. Nesse passo, o critério de desempate baseado na idade do candidato deveria estar em último lugar, e não antes da pontuação obtida nas questões de português.

Outrossim, apesar de o Estatuto do Idoso21 (Lei n. 10.741/03) pre-ver, como primeiro critério de desempate, a idade dos candidatos, segue-se o entendimento do TRF da 1ª Região, segundo o qual tal disposição só poderá beneficiar aqueles que essa Lei considera idosos (os maiores de 60 anos de idade):

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. CRITÉRIO DE DESEMPATE. ESTATUTO DO IDOSO (LEI N. 10.741/2003). INAPLICABILIDA-DE. MANDADO DE SEGURANÇA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.1. Não possuindo o impetrante idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, não se aplica, ao seu caso, o Estatuto do Idoso, cujo critério de desempate em concurso público, pre-visto no parágrafo único do art. 27, refere-se, obviamente, à hipótese de que cuida o caput do art., qual seja, “na admissão do idoso em qualquer trabalho ou emprego”.2. Sentença confirmada.3. Apelação desprovida.TRF - PRIMEIRA REGIÃO Classe: AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 200434000410534 Processo: 200434000410534 UF: DF Órgão Julgador: SEXTA TURMA Data da decisão: 29/8/2005 Documento: TRF100216783 Fonte DJ DATA: 12-9-2005 PAGINA: 131 Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO.

5 DA NOTA MÍNIMA

No que se refere à nota mínima a ser obtida pelos candidatos para lograrem êxito no concurso, apesar de não haver qualquer previsão legal a esse respeito, parece totalmente despropositado exigir nota igual ou superior a apenas 4,0. O candidato que atingir esse patamar mínimo não terá acertado sequer metade das questões das provas, o que demonstra um nível de preparo muito baixo do candidato.

Portanto, considerar aprovado um candidato com essa pontuação, ofende os princípios da razoabilidade e da eficiência, pois, afinal, o concurso público busca selecionar os candidatos mais aptos, e essa nota não reflete a

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aptidão dos candidatos. Acredita-se que a pontuação mínima a ser exigida dos candidatos deverá corresponder ao acerto mínimo de 50% das questões.

Além do mais, isso tem reflexo na pontuação pela experiência, pois o estabelecimento de nota mínima igual a 4, possibilita que pessoas não qualifi-cadas logrem aprovação e, com as notas de experiência, obtenham aprovação, superando candidatos mais preparados.

6 DA “CHAMADA NOMINAL”

Quanto ao último questionamento do Órgão Consulente, concorda-se que a simples menção à chamada nominal (item 10 do Edital) dos candidatos não esclarece de que forma ela será, o que dá margem a diversas interpretações de ordem subjetiva. Isso é incompatível com a essência do concurso público, que deverá ser totalmente transparente, sob pena de ofensa ao princípio da publicidade.

Portanto, o Edital deveria explicitar como será realizada essa chamada nominal dos candidatos aprovados, a fim de se evitar burla à ordem de clas-sificação.

7 DAS DEMAIS IRREGULARIDADES CONTIDAS NO EDITAL

Não há previsão no Edital relativa ao afastamento de membro da banca caso algum parente seu se inscreva ou, nesse sentido, proíba a participação no processo seletivo de parentes de membros da banca examinadora ou dos próprios membros.

O parentesco a que se alude é aquele determinado pelo Código Civil:Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra. [...]Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos pa-rentes do outro pelo vínculo da afinidade.§ 1

o O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes,

aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companhei-ro.[...]

Segundo Fábio Medina Osório:

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No campo dos concursos públicos, aliás é de se repudiar a possibilidade de contratação de empresas privadas para elaboração e correção das provas, integrando seus membros a própria banca examinadora.Não se olvide que o caráter público do certame não se com-patibiliza com delegação de poderes decisórios à iniciativa privada na elaboração do concurso, correção das provas, fiscalização e até participação na banca examinadora, em que pese tal hipótese ocorrer na vida prática.[...]Os requisitos dos concursos não podem deixar margem às fraudes e falcatruas. O procedimento deve estar revestido de todas as garantias formais. A mera suspeita de fraude, deve ensejar, no mínimo, a nulidade do certame.Nulo o concurso, por exemplo, quando o membro da Comissão Examinadora possui parentes realizando o certame, não se tolera tal prática. Pouco importa que o membro da Comissão seja pessoa idônea e que, na prática, fosse pouco provável, para aqueles que conhecem tal pessoa, pudesse ela repassar informações aos parentes concursandos. É simplesmente inviável admitir tal hipótese, porque sempre haveria espaço para suspeitas, donde seria de se concluir pela vedação de que alguém pertencente a uma Banca Examinadora possua parentes realizando o concurso objeto de seu exame. Nesse caso, o membro da Banca ficará suspeito para participar do certame. (OSÓRIO. Fábio Medina. Improbidade Administrativa. 2. ed., amp. e atual., Porto Alegre: 1988, p. 214-215) (grifou-se)

Além do mais, alguns itens apresentam informações dúbias, incompletas ou conflitantes. É o que ocorre com as disposições referentes às provas a que foram submetidos os candidatos.

O item 1.4 assim reza: “O Processo Seletivo constará de Prova Escrita Objetiva e/ou Prova Prática, em alguns casos, com caráter eliminatório e classificatório para todos os candidatos.” (grifou-se). Nessa parte do Edital, não há qualquer referência à experiência profissional e à avaliação física, que aparecem adiante.

Já, em outros itens assim consta:5.1 Prova escrita objetiva, aplicada para os cargos de: Todos os cargos exceto Auxiliar de Serviços Gerais Mascu-lino/Feminino, Vigia e Coletor de Lixo.5.2 Experiência profissional aplicada a todos os cargos.5.3 Prova prática aplicada para os cargos de: Auxiliar de Serviços Gerais

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Masculino/Feminino e Motorista5.4 Avaliação física: Auxiliar de Serviços Gerais Masculino/Feminino, Coletor de Lixo e Vigia. (grifos no original][...]8 - AVALIAÇÃO DO CANDIDATO:O processo será através da avaliação dos documentos dos candidatos com avaliação do tempo de experiência e prova escrita e prática que terá desenvolvimento segundo asregras [sic] abaixo.[...]8.1.3 A prova Escrita Objetiva será composta por questões específicas e questões distribuídas entre português e/ou matemática e/ou conhecimentos gerais. (grifou-se)8.1.3.1 Cada questão terá valor de 0,20 pontos.8.1.3.2 O resultado da Prova Escrita Objetiva será apurado computando-se o número total de questões respondidas corretamente.

Analisando-se as disposições dos itens 5.1 a 5.4, percebe-se que os candidatos ao cargo de vigia não fizeram prova escrita ou prática, mas foram submetidos apenas à avaliação física.

Ademais, tanto os critérios da avaliação física quanto da prova prática não foram expostos em nenhum item do Edital, o que impossibilita os can-didatos de recorrerem de tais provas caso se julguem prejudicados com a avaliação. Como alguém poderá contestar o resultado de uma prova prática sem saber quais quesitos foram avaliados? Como poderá recorrer de uma avaliação física nesses mesmos termos?

Além disso, a ausência de critérios explícitos dessas provas pode ter prejudicado, inclusive, a inscrição de potenciais candidatos, pois, se as pessoas não têm acesso a essas informações, como elas poderão avaliar o seu interesse em participar do concurso?

Outrossim, não consta, em nenhuma parte, do Edital a fórmula de pontuação das provas práticas e da avaliação física. Também não é sabido como a nota atribuída à experiência profissional será computada na média final dos candidatos, como já exposto. Como alguém poderá saber como foi calculada a sua média final sem conhecer tais critérios?

Essas irregularidades atingem frontalmente o princípio da publicidade e da isonomia, pois permite que eventuais apaniguados sejam beneficiados sob o pálio da falta de informação e de critérios escusos dos avaliadores.

Outro item que gera dúvidas é o 6.1: para os cargos de motorista, co-letor de lixo e auxiliar de serviços gerias (masculino e feminino) é a exigência

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de “nível fundamental incompleto”. Ocorre que o Edital não define o que se considera nível fundamental incompleto. Se alguém apenas iniciou os estudos e nem sequer completou um ano, já poderia se considerar incluído nessa cate-goria? Ou deverá ter cursado até determinada série do ensino fundamental?

Fora isso, o Edital também não explicita como se comprova esse ensino fundamental incompleto. Como não existe diploma que comprove isso, seria apenas uma certidão emitida pela escola? Ou pela Secretaria de Ensino? Ou será admitida outra forma de comprovação?

Quanto ao gabarito, também se percebe a existência de outras irregu-laridades.

No item 8.1.8, está disposto: “O Cartão Resposta não será substituído em caso de dano ou equívoco praticado pelo candidato, exceto em casos excepcionais e mediante autorização da Comissão de Coordenação do Pro-cesso Seletivo”. Quais seriam esses casos excepcionais? Com base em quais critérios a banca poderá afirmar que uma situação é excepcional e outra não é? Novamente, o princípio da publicidade, que rege os concursos públicos, foi atingido.

Já, no item 8.1.10, há a previsão de os três últimos candidatos assinarem a Ata de Enceramento da Prova Escrita Objetiva, mas não há previsão de esses candidatos assinarem o lacre dos envelopes ou das caixas em que foram guardados os gabaritos e as provas, o que demonstraria a inviolabilidade do seu conteúdo e seria essencial para garantir a lisura do certame.

Quanto ao caderno das provas, o item 8.1.12 prevê a sua disponibili-dade aos candidatos somente no local das provas (uma hora após o término) e pelo escasso período de uma hora. Tal disposição prejudica sobremaneira a proposição de recursos contra tais provas, pois limita desarrazoadamente o acesso dos candidatos às questões.

Seria plenamente viável que as questões estivessem disponíveis no site em que os candidatos fizeram a sua inscrição (http://www.faepesul.org.br/psimarui), local, inclusive, onde foram publicadas as erratas e o gabarito dessas mesmas questões – apesar de o item 8.1.19 prever a publicação do gabarito somente no mural da Prefeitura.

Por outro lado, o item 9 do Edital, em sua alínea “a”, exige do candida-to: “ser brasileiro nato ou gozar das prerrogativas do art. 12 da Constituição Federal”. Tal art. da CF/88 determina quem são os brasileiros natos e os naturalizados, bem como as diferenças entre ambos. Assim, com base nessa disposição do Edital, nenhum estrangeiro poderia ser nomeado e empos-sado, o que ofende o disposto no inciso I do art. da CF/88: “I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma

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da lei”. (grifou-se)Além disso, entende-se que a alínea “e” desse mesmo item do Edital

deveria especificar em quais casos será cobrada a quitação dos serviços mili-tares, para que melhor sejam informados os candidatos.

O item 10 do Edital arrola os documentos que os candidatos aprova-dos deverão apresentar para que sejam nomeados. Contudo, não exige que as cópias sejam autenticadas. Este Centro de Apoio Operacional já analisou uma situação em que um candidato, aprovado em processo seletivo para o cargo de professor (em caráter temporário), fora nomeado e exerceu a função após apresentar uma cópia simples de um diploma falsificado, a exigência da autenticação ao menos dificultaria essa possibilidade.

Nesse mesmo item, há a exigência aos candidatos ao cargo de “Agente de Endemias Dengue” de exibição de carteira de motorista categoria AB (moto e carro).

Todavia, esse cargo nem sequer consta no Edital. No item 4, somente se encontra “Agente de Controle de Endemias”. Pode-se presumir que seriam os Agentes de Controle de Endemias que atuarão no programa de erradicação da dengue. Mas por que exigir carteira de motorista somente desses agentes, e não dos que atuarem nos demais programas? Como os cargos não têm suas atribuições descritas no edital, não se justifica essa exigência.

Não obstante, reza o item 1.5 que “Os candidatos aprovados que forem convocados ao trabalho deverão apresentar os documentos arrolados no item 10, além de outros que poderão ser solicitados pela ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL DE IMARUÍ”. (sublinhou-se)

Ou seja, qualquer documento poderá ser cobrado dos candidatos por puro arbítrio dos Administradores Públicos. Essa disposição ofende, além do princípio de publicidade, o da impessoalidade, pois permite que o agente público, não querendo nomear determinada pessoa, exija a apresentação de um documento totalmente desnecessário.

Relativamente aos portadores de necessidades especiais, além das críticas já expostas, acrescenta-se a inexistência de previsão no Edital de adaptação das provas práticas e da avaliação física. A única previsão, nesse sentido, refere-se à prova escrita objetiva (item 2.6).

Quanto aos recursos, o item 11.4 exige que os candidatos os apresen-tem redigidos: “[...] expresso em termos convenientes [...]”. Mais uma vez, o subjetivismo predomina no referido Edital, o que seria se expressar em termos convenientes? Seria apenas utilizar o vernáculo corretamente ou vai além disso? Mas o candidato, então, será avaliado também nessa etapa? Mesmo porque muitos cargos exigem apenas o nível fundamental, e outros, o nível fundamental incompleto (apesar de o edital não apontar o que seria isso e

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como se comprova – como já comentado). Tal discricionariedade abre uma brecha para o não-recebimento ou não-conhecimento de recursos.

Os comentários do parágrafo anterior também se aplicam a esse item do Edital: “13.5 Será excluído do Processo Seletivo, o candidato que: a) Tornar-se culpado de incorreções ou descortesias com qualquer membro da equipe encarregada da aplicação das provas”.

CONCLUSÃO:

Ante todas as irregularidades expostas, entende-se que pode ser dirigida ao Prefeito de Imaruí uma recomendação apontando o que foi constatado e sugerindo a não-homologação desse processo seletivo, com a consequente realização de novos certames sem os vícios apontados:

a) concurso público para os cargos públicos (provimento efetivo);b) processo seletivo para os empregos públicos (Agentes Comunitários

de Saúde e Agentes de Combate às Endemias), exceto se lei local dispuser que seja regime jurídico único; e

c) processo seletivo para as funções públicas (caso possam ser feitas contratações em caráter temporário, de acordo com a legislação municipal e com as disposições da CF/88).

Caso o Prefeito não aceite a recomendação, sugere-se que seja pleiteada com o Poder Judiciário a anulação do presente processo seletivo.

1 In Curso de direito administrativo. 22ª. ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 266 e 267

2 In Direito administrativo brasileiro; 33ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 436 e 437.

3 In Direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 483 e 484.4 Art. 16. Fica vedada a contratação temporária ou terceirizada de Agentes Comunitários

de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias, salvo na hipótese de combate a surtos endêmicos, na forma da lei aplicável.

5 In Direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 489.6 In Curso de direito administrativo. 22ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p.

274.7 In Direito municipal brasileiro. 15ª ed. atual. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2007.8 Op. Cit.9 Processo CON-07/00413340. Relator: Conselheiro Moacir Bertoli. Data da Sessão:

18/12/2007. Data do Diário Oficial: 26/02/2008.10 In Curso de direito constitucional positivo. 28ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,

2007. p. 681.11 In Direito administrativo brasileiro. 33ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 441.

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12 In Direito municipal brasileiro. 15ª ed. atual. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2007.13 Direito Administrativo; 8° edição; Editora Saraiva, 2003; pág. 150. 14 Manual de Direito Administrativo, 1ª edição, pág. 36.15 Regime Constitucional dos Servidores Públicos, 2ª edição, Editora Revista dos Tribunais,

pág. 124/126.16 Comentários à Constituição do Brasil, 3º Volume, Tomo III, Ed. Saraiva, 1992, pág. 98.17 Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 4, Rio de Janeiro: Forense Universi.,

1991, pág. 2203.18 Ob. cit., pág. 124.19 Direito Administrativo na Constituição de 1988; Revista dos Tribunais, 1991, pág.

194/198.20 Ob. cit. Pág. 413/414.21 Art. 27. Na admissão do idoso em qualquer trabalho ou emprego, é vedada a discriminação

e a fixação de limite máximo de idade, inclusive para concursos, ressalvados os casos em que a natureza do cargo o exigir.

Parágrafo único. O primeiro critério de desempate em concurso público será a idade, dando-se preferência ao de idade mais elevada. (grifou-se)

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Processo seletivo – contratação de servidores para atuar no PSF, PACS e outros – contratação conjunta de outros cargos de provimento efetivo – impossibilidade.”

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PESQUISA – CMA n. 69/2008Data: 9 de junho de 2008

Câmara de Vereadores. Aquisição de imóvel para abrigar sua sede. Com-pra possível desde que alicerçada em avaliação prévia, lei autorizadora, licitação e previsão orçamentária específica.

SOLICITAÇÃO:

Considerando a falta de material para a pesquisa, na Promotoria, necessi-to de auxílio, no seguinte estudo: “Tendo em vista que a Câmara de Vereadores não é dotada de personalidade jurídica; que é um Poder do Município, pessoa jurídica que é representada pelo Prefeito Municipal; pode a própria Câmara de Vereadores realizar diretamente, em seu nome, a compra do imóvel?”

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CONTEÚDO: Os bens públicos pertencem às pessoas jurídicas de Direito Público

interno – União, Estados, Distrito Federal, Territórios, Municípios, Autarquias e demais entidades de caráter público criadas por Lei (art. 981 do Código Civil). Segundo Diogenes Gasparini2:

Estabelece o art. 98 do Código Civil que “são públicos os bens de domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno”. Como essas pessoas, segundo a regra do art. 41 desse diploma legal, são a União, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, os Municípios, as autarquias e as fundações públicas, conclui-se que os bens públicos são de propriedade dessas pessoas.[...]O Município tem a propriedade dos bens que dizem respei-to a seu interessa local, além dos adquiridos por qualquer modalidade permitida pelo Direito Positivo.

Helly Lopes Meirelles ressalta que a Câmara de Vereadores não é dotada de personalidade jurídica, fato que a impossibilitaria de estabelecer vínculos obrigacionais com terceiros:

Finalmente, é de esclarecer que a Câmara não representa o Município, cujo representante legal e único é o prefeito. Não há confundir a representação jurídica da entidade estatal (Município) com a representação política dos munícipes (Câmara): aquela produz efeitos civis e gerais (vinculação da pessoa jurídica pelos atos de seu representante); esta só produz efeitos cívicos (representação partidária dos eleitores pelos eleitos), internos e restritos à corporação legislativa. A Câmara, não sendo pessoa jurídica, nem tendo patrimô-nio próprio, não se vincula perante terceiros, pois que lhe falece competência para exercer direitos de natureza privada e assumir obrigações de ordem patrimonial. (fl. 606). (grifou-se).

Entendimento diverso é apresentado por Diogenes Gasparini3, no senti-do de que, apesar de não dispor de personalidade jurídica, possível a aquisição de bens, por parte da Câmara Municipal, em nome do Município:

Por fim diga-se que o Legislativo e o Judiciário não têm capacidade jurídica nem representam a pessoa política que integram. Destarte, quando adquirem bens ou executam obras para seus respectivos serviços, fazem-no em nome da pessoa política de que participam (Estado-Membro, Distrito Federal, União), embora esse procedimento nem sempre seja assim, pois já vimos, por exemplo,

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uma escritura pública de venda e compra de bem imóvel em que certa Câmara Municipal era a outorgada-com-pradora e outra escritura pública de venda e compra em que o outorgado-comprador era o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.

Da mesma forma, extrai-se do Prejulgado n. 1114 que o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina reconheceu a possibilidade de aquisição de imóvel por parte da Câmara de Vereadores de Fraiburgo:

1114 - Para aquisição de imóvel, deve a Câmara realizar o necessário processo de licitação, na forma da Lei Federal n. 8.666/93, através da Comissão Permanente de Licitação. Para a reforma e locação de imóvel, não será alterado o Plano Plurianual; ocorrerá um incremento por meio de Crédito Adicional Especial, com autorização legal, ou seja, a Câmara se manifestará formalmente mediante lei autorizativa. Deve o crédito adicional especial ser aberto por decreto do Poder Executivo, desde que existam recursos disponíveis para ocorrer a despesa, precedida de exposição justificativa; tudo conforme disposições do art. 167 da Constituição Federal e dos arts. 40 a 43 da Lei Federal n. 4.320/64. A construção da nova sede da Câmara Mu-nicipal depende de previsão no Plano Plurianual e na Lei de Diretrizes Orçamentárias. (grifou-se)

O Tribunal de Contas de Santa Catarina também entende possível que a Câmara de Vereadores contrate os serviços de construção da sede própria, reconhecendo, assim, a capacidade de a Câmara de Vereadores entabular contratos com particulares:

0398 - A Câmara, como órgão legislador do Município, ha-vendo interesse, finalidade pública e a existência de recursos orçamentários, poderá contratar mediante licitação prévia a construção de sua sede própria, para atender as necessidades do órgão político.0461 - Os rendimentos decorrentes de aplicações financeiras efetuadas pelas Câmaras pertencem às mesmas, sem prejuízo ou abatimentos de parcelas duodecimais futuras.Desde que compatível com as metas estabelecidas no proces-so de planejamento orçamentário, ou seja, plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias e lei do orçamento anual, poderá a Câmara, ante a existência de recursos orçamentários, contratar, mediante prévio processo licitatório, a construção de prédio para instalação de sua sede. Cabe à Câmara Mu-nicipal recolher aos cofres do Executivo local o produto da arrecadação do imposto incidente na fonte sobre rendimen-tos pagos a qualquer título, vez que pertence ao Município,

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consoante dispõe o art. 158, I, da Constituição Federal.0601 - Como órgão legislador do Município e objetivando atender às suas necessidades, poderá a Câmara contratar, mediante processo licitatório, a construção de prédio para instalação de sua sede, ante a existência de recursos orçamen-tários. A contratação deverá ser compatível com as metas estabelecidas no processo de planejamento orçamentário, ou seja, plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias e lei do orçamento anual.

A análise da Apelação Cível4 n. 2005.019289-6, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), também indica a possibilidade de aquisição de imóvel por parte da Câmara Municipal:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO POPULAR - AQUISI-ÇÃO DE IMÓVEL PARA EDIFICAÇÃO DE SEDE DA CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES DE PINHALZINHO - PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA - LICITAÇÃO REALIZADA - REGULARIDADE - AUSÊNCIA DOS REQUISITOS ENSEJADORES DA ACTIO POPULARIS - EXEGESE DO ART. 5º, LXXIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - FALTA DE APARÊNCIA DA LESIVIDADE - REEXAME NECES-SÁRIO DESPROVIDO. (grifou-se)“O requisito lesividade, é certo, não se traduz em condição indeclinável à propositura da ação popular. Diz respeito ao mérito propriamente dito. Assim, como pressuposto da tutela jurisdicional, na espécie, poderia efetivamente ser examinado ou provado no decurso da instrução processual. Não obs-tante, para a propositura da ação, há que haver um mínimo de plausibilidade de que os fatos noticiados se encaixam num dos requisitos delineados no inciso LXXIII do art. 5° da Constituição da República” (Ap. cív. 2001.010186-6, da Capital, Des. Luiz Cézar Medeiros).Aquisição de imóvel precedida de procedimento licitatório e com previsão orçamentária para tanto, ambos regulares, não pode ser tida como ilegal e nem lesiva ao erário público, por-quanto observou, em todos os aspectos, os ditames legais .[...]Anecleto Galon e outros, por seu procurador, deflagraram ação popular em face da Câmara Municipal de Ve-readores de Pinhalzinho, sustentando a nulidade da aquisição de imóvel, diga-se, sem processo licitatório, com o intuito de edificar sede própria. Para tanto, afir-maram, teria sido apresentado projeto de emenda ao Plano Plurianual, que restou aprovado, convertendo-se na Lei n. 1.216/98, através de promulgação realizada pelo Presidente

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da referida Casa Legislativa, após veto do Prefeito Muni-cipal. Dita manobra, segundo os autores, restou eivada de inconstitucionalidade, uma vez que o Plano Plurianual é de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo. Pos-tularam, então, a concessão de liminar, a fim de suspender o ato praticado pelo Presidente da Câmara Municipal de Vereadores, com a reposição imediata aos cofres públicos do valor pago pelo imóvel, nos termos do art. 5° da Lei n. 4.717/65, e sua confirmação ao final. (grifou-se)

Nesse sentido também a Apelação Cível n. 1999.012400-2, ADI n. 98.017849-5 e ADI n. 98.018168-2, do TJSC, anexas.

Do exame das decisões do TJSC sobre a matéria, resulta perfeita a ila-ção de que, se houver previsão de dotação orçamentária destinada à Câmara Municipal, possível a compra de imóvel para a construção de sua sede, desde que preenchidos os demais requisitos legais.

Segundo Helly Lopes Meirelles5, “de um modo geral, toda aquisição onerosa de imóvel para o Município depende de lei autorizativa e de avaliação prévia, podendo dispensar concorrência se o bem escolhido for o único que convenha à Administração.”

Diogenes Gasparini6 também destaca a necessidade de avaliação pré-via, lei autorizadora e licitação para a aquisição de imóvel por parte do poder público:

O contrato de compra e venda de bem imóvel restará perfeito se atendidos os requisitos civis, que lhe são próprios, e os administrativos, que lhe são incidentes. Entre os primeiros avultam: o bem, o preço, o consentimento e a forma. Entre os segundos sobressaem: o processo administrativo, a ava-liação, a lei autorizadora, o interesse público e, em alguns casos, a licitação. [...]Na escritura deve constar a pessoa jurídica de Direito Pú-blico como a adquirente, já que só ela é capaz de direitos e obrigações. Desse modo, não é correto consignar-se nesse instrumento como adquirente a Prefeitura Municipal, porque esta é a sede do Município. Sendo assim, não pode ser sujeito de direitos e obrigações. Nesse documento deverão ser trans-critos a lei autorizadora da aquisição e o laudo de avaliação, ainda que por extrato. Nele também será mencionado que a aquisição foi precedida de licitação e indicado o número do processo administrativo que corresponda a esse documento. Se, para a aquisição, for dispensada a licitação, essa circuns-tância deverá ser enunciada na escritura.

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De acordo com Lúcia Valle Figueiredo7:A compra é uma das formas de aquisição de bens públicos, porém deverá ser precedida de lei autorizatória e de licitação, a não ser que se coloquem algumas das regras da dispensa ou inexigibilidade. É um contrato, porém regido também por normas de Direito Público.

No mesmo sentido, as observações de José Santos Carvalho Filho8:Exemplo de condição para a aquisição de bens por contrato de compra é a prévia exigência de licitação, como decorre da disciplina traçada pela Lei n. 8.666/93. Se se trata de aqui-sição de imóvel para o atendimento de finalidades básicas da Administração, cujos fatores de instalação e localização indiquem certa escolha, a licitação é dispensável (art. 24, X). Outro exemplo é a demonstração da utilidade do bem para a atividade administrativa, evitando-se eventual dilapidação do erário público sem motivo justificável. Merece ser lembrado também o requisito que exige prévia dotação orçamentária (art. 14, Lei n. 8.666/93). (grifou-se)

Segundo Diogenes Gasparini9, o procedimento licitatório de aquisição de imóvel será complementado por:

[...] documentos comprovadores do domínio do vendedor, as certidões negativas de tributos, ônus e alienações, uma planta da situação do bem desejado e uma planta baixa, indicando a área, o perímetro e as confrontações, o laudo de avaliação, minutas de projeto de lei e respectiva mensagem legislativa autorizando a aquisição e, da escritura pública a ser outorgada pelo vendedor, parecer jurídico, abrangendo a legalidade da aquisição e dos atos que serão realizados, cópia da lei auto-rizadora, cópia da nota de empenho e, finalmente, cópia da escritura pública de compra e venda. Em suma, tudo o que for do interesse da aquisição, que estiver com ela relacionado ou que vise qualquer esclarecimento deve ser juntado a esse processo. A cada caso, portanto, e segundo a necessidade, juntam-se tais ou quais documentos. (p. 824) [...]A lei autorizadora é sempre necessária. Essa exigência é preconizada pela doutrina e pela jurisprudência, com base no Direito Positivo. De fato, a Administração Pública não é livre para adquirir ou alienar bens imóveis. Esses atos vão além dos de mera administração. Ademais, inúmeras leis, a exemplo das leis orgânicas municipais, fazem tal exigência. (826)

Importante salientar, outrossim, que a Constituição do Estado de Santa

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Catarina prescreve a necessidade de lei autorizadora para a aquisição de bens imóveis:

Art. 39 – Cabe a Assembleia Legislativa, com a sanção do Governador, dispor sobre todas as matérias de competência do Estado, especialmente sobre:IX – aquisição, administração, alienação, arrendamento e cessão de bens imóveis do Estado;

No mesmo diapasão, a Lei Orgânica do Município de Itapoá determina que:

Art. 8° - Incluem-se entre os bens do Município, os imóveis, por natureza ou acessão física, e os móveis que atualmente sejam do seu domínio, ou a ele pertençam, bem assim os que lhe vierem a ser atribuídos por lei e os que se incorporarem aos seu patrimônio por ato jurídico perfeito.[...]Art. 28 – Cabe à Câmara Municipal, com a sanção do Pre-feito, dispor sobre todas as matérias de competência do Município, especialmente sobre:III – orçamento anual, plano plurianual e autorização para abertura de créditos suplementares e especiais;VIII – aquisição de bens imóveis, salvo quando se tratar de doação sem encargos; (grifou-se)[...]Art. 44 – Dentre outras atribuições, compete ao Presidente da Câmara:VII – autorizar as despesas da Câmara;[...]Art. 49 – São de iniciativa exclusiva do Prefeito as leis que disponham sobre:IV – matéria orçamentária, e a que autorize a abertura de créditos ou conceda auxílios e subvenções.

Por todo o exposto, conclui-se pela possibilidade de a Câmara de Vere-adores de Itapoá, por meio de seu Presidente, adquirir imóvel para abrigar sua sede. Ressalte-se que o imóvel deverá ser adquirido em nome do Município, que efetivamente é a pessoa jurídica, e, na escritura e na própria matrícula, indicar-se-á que o imóvel será de uso da Câmara de Vereadores.

A escritura de compra e venda deverá ser precedida de lei autorizadora, de avaliação do imóvel, de licitação, se não for o caso, dispensa de licitação10, e o empenho de despesa, que deve correr por conta da dotação orçamentária específica e, na sua liquidação, atender ao que dispõe a Lei federal n. 4.320, de 17 de março de 1964 (arts. 58 e seguintes).

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1 Art. 98. São públicos os bens de domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem. (Código Civil).

2 GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 806.3 GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 817-8.4 Apelação Cível, n. 2005.019289-6, Des. Relator: Francisco Jose Rodrigues de Oliveira

Filho, Data da Decisão: 30/08/2005.5 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Editores Malheiros,

2007, p. 334.6 GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 820-822.7 FIGUEIREDO. Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores,

2006, p. 585 8 CARVALHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora

Lumen Juris, 2004, p. 922.9 GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 824-826.10 X - para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades

precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;(Lei 8.666/93 - Redação dada pela Lei n. 8.883, de 1994)

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Câmara de Vereadores. Aquisição de imóvel para abrigar sua sede. Compra possível desde que alicerçada em avaliação prévia, lei autorizadora, licitação e previsão orçamentária específica.”

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PESQUISA – CMA n. 70/2008Data: 12 de junho de 2008

Critério de desempate em concur-so de ingresso ao serviço público - Controle judicial sob o princípio da razoabilidade.

SOLICITAÇÃO:

O Município de Chapecó lançou Edital de Concurso Público n. 001/2008, o qual já se realizou, estando pendente a classificação dos candi-datos aprovados. No entanto, o Procurador-Geral do Município procurou o Ministério Público para receber auxílio quanto ao critério de desempate. Diante disso, qual seria a ordem de critérios adequada no caso de empate em concursos públicos?

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CONTEÚDO:

O critério de preferência na ordem de desempate entre candidatos igualmente pontuados não possui regramento legal, e o edital do concurso, caso a caso, ditará qual o critério a ser adotado.

A falta de legislação acerca do assunto destaca ainda mais a deferência aos princípios extraídos da Constituição da República. Dentre eles, avulta o princípio da razoabilidade, que, no dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello1,

Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício da discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência exer-cida. Vale dizer: pretende se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e portanto jurisdicionalmente invalidáveis – as condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas em desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada.

De acordo com Maria Paula Dallari Bucci2:O princípio da razoabilidade, na origem, mais que um princípio jurídico, é uma diretriz de senso comum ou, mais exatamente, de bom-senso, aplicada ao direito. Esse “bom-senso jurídico” se faz necessário à medida que as exigências formais que decorrem do princípio da legalidade tendem a reforçar mais o texto das normas, a palavra da lei, que o seu espírito. A razoabilidade formulada como princípio jurídico, ou como diretriz de interpretação das leis e atos da Administração, é uma orientação que se contrapõe ao formalismo vazio, à mera observância dos aspectos exte-riores da lei, formalismo esse que descaracteriza o sentido finalístico do direito.

Nesse sentido, a Corte Especial do Tribunal Regional Federal da Pri-meira Região, no Mandado de Segurança n. 2007.01.00.029916-0 DF3, utilizou o princípio da razoabilidade para sindicar critério de desempate utilizado em concurso de ingresso no serviço público:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. REGRA EDITALÍCIA. AUSÊN-CIA DE PRECLUSÃO. CRITÉRIO DE DESEMPATE.

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PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. EXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. VIA PROCESSUAL ADEQUADA.I - Não há que se falar em inadequação da via eleita do Mandado de Segurança, quando sequer se discute matéria fática.II - Não há preclusão, para efeito de ação judicial, em fase da ausência de impugnação de edital, quando o interesse concreto surge a partir do resultado do concurso.III - A avaliação subjetiva do administrador deve ser consi-derada razoável juridicamente, em consonância com aquilo que, para o senso comum, seria aceitável perante a lei. IV - O conteúdo do ato administrativo, ainda que o ato seja classifi-cado como discricionário, está sujeito a controle judicial, sob o critério da razoabilidade.V - Fixado como critério de desempate o tempo de serviço público, se ambos os candidatos são servidores, obviamente será a classificação desempatada a favor de quem possui mais tempo no serviço público.VI - Preliminares rejeitadas. Segurança concedida. (grifou-se)

Extrai-se do corpo do Acórdão:A interpretação dada pela Administração ao critério de desempate previsto na letra “c” do item 4 do Capítulo XII do Edital de Abertura de Inscrições, contra a qual se insurge a Impetrante, fere o princípio da razoabilidade. Não há dúvida que “tempo de serviço” de que fala o Edital é a experiência acumulada no exercício de determinado cargo, emprego ou função pública. Não se pode desconsiderar o tempo que o candidato esteve no serviço público, tendo por objetivo o critério de desempate a ser perseguido, sob pena dessa conduta não ser considerada razoável juridicamente.Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro in seu Direito Administrativo, 14 ed. São Paulo, Atlas, 2002 , p. 210, “a valoração subjetiva (do administrador] tem que ser feita dentro do razoável, ou seja, em consonância com aquilo que, para o senso comum, seria aceitável perante a lei”. (grifou-se)

O Supremo Tribunal Federal, de mesma forma, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.522/RS, fez uso do princípio da razoabilidade para aferir a constitucionalidade de critério de desempate em concurso público:

Mostra-se conflitante com o princípio da razoabilidade eleger como critério de desempate tempo anterior na

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titularidade do serviço para o qual se realiza o concurso público. (STF, ADI 3.522, Rel. Min. Marco Aurélio, julga-mento em 24-11-05, DJ de 12-5-06)

Pelo exposto, conclui-se que, na falta de prescrição normativa acerca do empate classificatório, o edital do concurso público deverá adotar critério objetivo que se coadune com o princípio da razoabilidade.

Do ponto de vista lógico, tanto o critério da maior idade quanto o da maior pontuação na prova específica se mostram idôneos para serem utilizados no caso de empate classificatório em concurso de ingresso no serviço público.

1 MELLO. Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 17 ed., rev. Atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 99.

2 BUCCI, Maria Paula Dallari. O Princípio da Razoabilidade em Apoio à Legalidade. Ca-dernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, n. 16, 1996, p. 173.

3 TRF – Primeira Região, MS 200701000299160 – DF, Corte Especial, 6/3/2008.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Critério de desempate em concurso de ingresso ao serviço público. Controle judicial sob o princípio da razoabilidade.”

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PESQUISA – CMA n. 71/2008 Data: 24 de junho de 2008

Contratação de bolsistas com verbas do Fundo para a Reconstituição de Bens Lesados.

CONTEÚDO:

Trata-se de solicitação de apoio operacional formulada pela Presi-dência do Fundo de Reconstituição de Bens Lesados (FRBL), nos seguintes termos:

[...]A Portaria n. 01/04, alterada pela Portaria n. 02/04, que disci-plina a celebração de convênios ou instrumentos congêneres de natureza financeira, pelo FRBL com a Administração Pública Estadual, Municipal e ONG’s que tenham como objeto a execução de programas e a ações ligadas ao meio

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ambiente, ao consumidor, a preservação de bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico no âmbito de SC, dispõe em seu art. 9º, in verbis: ‘É vedada a inclusão nos convênios, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade do agente, de cláusulas ou condições que prevejam ou permitam:II- o pagamento de gratificação, consultoria, assistência técnica ou qualquer espécie de remuneração a funcionário ou empregado que pertença aos quadros de pessoal do concedente, do convenente ou do interveniente’.Entidades privadas interessadas em celebrar convênio com o FRBL, propõe, muitas vezes, não o pagamento de servi-dores pertencentes ao seu quadro, mas sim a contratação de profissionais terceirizados para a execução de projetos arcados com verbas do FRBL, o que pode representar burla indireta à norma proibitiva supracitada, além da possibilidade da geração de vínculo empregatício, com possíveis reflexos à Administração do Fundo.Existem projetos, também, que incluem em seu cronograma orçamentário o pagamento de bolsistas.Diante disso, pergunta-se:Na contratação de bolsistas, com pagamento de verbas do FRBL repassadas a entidades convenentes, incide a vedação do art. 9º, inciso II, da Portaria n. 01/04 e os reflexos possivelmente advindos da terceirização de profissionais (burla indireta e vínculo empregatício), conforme descrito acima? (grifou-se)[...]

Como já frisado pelo Órgão Consulente, a Portaria FRBL n. 01/2004 (alterada pela Portaria FRBL n. 02/2004) impõe algumas limitações ao uso das verbas oriundas de convênios firmados com FRBL, das quais se destacam:

Art. 4º Atendidas as exigências previstas no art. anterior, a Secretaria do Fundo para Reconstituição de Bens Lesados encaminhará o texto das minutas de convênio e respectivo Plano de Trabalho de que trata o art. 2º desta Portaria à Assessoria Jurídica para apreciação acompanhado: I - da comprovação por parte de órgão da administração direta ou indireta do Poder Executivo: [...]c) que sua despesa total com pessoal não excede a 49% (quarenta e nove por cento) da receita corrente líquida ou que se tenha conformado a esse limite até o final do segundo quadrimestre subsequente àquele em que foi verificado o excesso;

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[...]i) que mantém atualizados seus compromissos finan-ceiros com o pagamento de pessoal e encargos sociais bem como aqueles assumidos com instituições de ensino superior criadas por lei estadual. II - da comprovação por parte do Município: [...]f) que sua despesa total com pessoal não excede a 60% (sessenta por cento) da receita corrente líquida ou que se tenha conformado a esse limite até o final do segundo quadrimestre subsequente àquele em que foi verificado o excesso;[...]n) que mantém atualizados seus compromissos finan-ceiros com o pagamento de pessoal e encargos sociais bem como aqueles assumidos com instituições de ensino superior criadas por lei municipal; [...]r) que, no primeiro quadrimestre do último ano de mandato dos seus titulares, a despesa total com pessoal não excedeu aos limites de:1. 6% (seis por cento) para o Legislativo;2. 54% (cinquenta e quatro por cento) para o Executivo;[...]Art. 9º É vedada a inclusão nos convênios, sob pena de nulidade do ato e de responsabilidade do agente, de cláusulas ou condições que prevejam ou permitam: [...]II - o pagamento de gratificação, consultoria, assis-tência técnica ou qualquer espécie de remuneração a funcionário ou empregado que pertença aos quadros de pessoal do concedente, do convenente ou do inter-veniente; [...]X - a transferência de recursos para pagamento de despesas com pessoal ativo, inativo ou pensionistas do convenente. (grifou-se)

Analisando-se essas disposições, percebe-se que essa Portaria pretendeu garantir a aplicação das verbas oriundas do FRBL apenas para despesas desti-nadas “[...] à reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, no âmbito do território do Estado de Santa Catarina”1, evitando-se, assim, desvir-

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tuamentos (como o pagamento de despesas com pessoal do convenente).Mas, para responder ao questionamento que originou essa pesquisa,

é necessário saber se a despesa decorrente da contratação de bolsistas está inclusa nos gastos com o quadro de pessoal do órgão convenente.

Para Hely Lopes Meirelles, quadro de pessoal “É o conjunto de car-reiras, cargos isolados e funções gratificadas de um mesmo serviço, órgão ou Poder”.2

Esse quadro é preenchido pelos servidores públicos, designação dada pela CF/88, em seu Título III, Capítulo VII, Seção II (art. 39 e ss.).

Explica Celso Antônio Bandeira de Mello queServidor público, como se pode depreender da Lei Maior, é a designação genérica ali utilizada para englobar, de modo abrangente, todos aqueles que mantêm vínculos de trabalho profissional com as entidades governamentais, integrados em cargos ou empregos da União, Estados, Distrito Federal, Muni-cípios, respectivas autarquias e fundações de Direito Público. Em suma: são os que entretêm com o Estado e com as pessoas de Direito Público da Administração indireta re-lação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência..3 (grifou-se)

E, embora Hely Lopes Meirelles denomine essas pessoas como agentes administrativos, atribui a eles as mesmas características referidas por Celso Antônio Bandeira de Mello:

Agentes Administrativos: são todos aqueles que se vinculam ao Estado ou às suas entidades autárquicas e fundacionais por relações profissionais, sujeitos à hierarquia e ao re-gime jurídico determinado pela entidade estatal a que servem. São investidos a título de emprego e com retribuição pecuniária, em regra por nomeação, e excepcionalmente por contrato de trabalho ou credenciamento.4 (grifou-se)

E prossegue o Doutrinador:Esses agentes administrativos ficam em tudo e por tudo sujeitos ao regime da entidade a que servem e às normas específicas do órgão a que trabalham, e, para efeitos criminais, são considerados funcionários públicos, nos expressos termos do art. 327 do CP. A categoria dos agentes administrativos – espécie do gênero agente público – constitui a imensa massa dos prestadores de serviços à Administração direta e indireta do Estado nas seguintes modalidades admitidas pela Constituição da República de 1988: a) servidores públicos concursados (art. 37, II); b) servidores exercentes de cargos ou empregos em

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comissão titulares de cargo ou emprego público (art. 37, V); c) servidores temporários, contratados ‘por tempo determi-nado para atender a necessidade de excepcional interesse público’ (art. 37, IX).5 (grifou-se)

Como visto, os bolsistas não estão incluídos na categoria de servidores públicos, logo, não integram o quadro de pessoal da Administração Pública.

Aliás, deve-se frisar que não existe definição legal do termo bolsista e que nem as doutrinas das áreas constitucional e administrativa abordam esse tema.

De acordo com o Aurélio Buarque de Holanda Ferreira6, bolsista é a “Pessoa que recebeu uma bolsa de estudos ou de viagem”. Todavia, não se deve esquecer que, além das bolsas de estudo e viagem, existe a bolsa de trabalho – ou de estágio –, que é o objeto desse estudo.

Sendo assim, percebe-se que, apesar de não existir definição legal para o termo bolsista, qualquer pessoa que exerça atividade de estágio e perceba uma bolsa ou outra forma similar de pagamento como contraprestação pode ser designada como bolsista.

Outrossim, esse tipo de atividade é regida pela Lei n. 6.494/77, que foi regulamentada pelo Decreto n. 87.497/82. De acordo com o § 3º do art. 1º dessa Lei, “Os estágios devem propiciar a complementação do ensino e da aprendizagem e ser planejados, executados, acompanhados e avaliados em conformidade com os currículos, programas e calendários escolares”.

E mais:Art. 1º As pessoas jurídicas de Direito Privado, os órgãos de Administração Pública e as Instituições de Ensino podem aceitar, como estagiários, os alunos regularmente matricula-dos em cursos vinculados ao ensino público e particular.[...]Art. 4º O estágio não cria vínculo empregatício de qualquer natureza e o estagiário poderá receber bolsa, ou outra forma de contraprestação que venha a ser acordada, ressalvado o que dispuser a legislação previdenciária, deven-do o estudante, em qualquer hipótese, estar segurado contra acidentes pessoais.

Essa disposição em destaque é repisada no Decreto regulamentador: “Art. 6º A realização do estágio curricular, por parte de estudante, não acar-retará vínculo empregatício de qualquer natureza”. (grifou-se)

E, no âmbito estadual, a Lei n. 10.864/98 (regulamentada pelo Decreto n. 387/99) repetiu essa advertência, em seu art. 3º: “O estágio não cria víncu-lo empregatício de qualquer natureza, devendo o estagiário receber bolsa,

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ajuda de custo ou outra forma de contraprestação acordada em instrumento específico, ressalvado o disposto na legislação previdenciária”. (grifou-se)

Ademais, o Ato n. 110/2008/PGJ, que “Institui no âmbito do Minis-tério Público do Estado de Santa Catarina o ‘Programa Bolsa de Estágio’, em conformidade com a Lei n. 10.864, de 29 de julho de 1998, e suas alterações posteriores” assim dispõe: “Art. 15. A admissão ao ‘Programa de Bolsa de Estágio’ não cria vínculo empregatício de qualquer natureza entre o estudante e o Ministério Público”. (grifou-se)

A par disso, a jurisprudência pátria é uníssona ao considerar que estágio, desde que exercido de acordo com os ditames da comentada Lei, não acarreta vínculo empregatício:

PREVIDENCIÁRIO. ESTAGIÁRIO BOLSISTA. FI-NALIDADE. APRENDIZADO. LEI 5.890/73. INSCRI-ÇÃO REGIME PREVIDENCIÁRIO. POSSIBILIDADE. SEGURADO FACULTATIVO. RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. NECESSIDADE. DESEMPENHO DE ESTÁGIO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. NÃO CONFIGURADO. TEMPO DE SERVIÇO. APOSEN-TAÇÃO. INCABÍVEL. LEI 6.494/77. AGRAVO DES-PROVIDO.I - Da análise dos autos, verifica-se que o recorrido partici-pou de estágio, com base na Portaria Ministerial 1.002, de 29/09/1967, sem vínculo empregatício, junto à COSERN - Cia. de Serviços Elétricos do Rio Grande do Norte no período de 09/08/1978 a 21/12/1978, na qualidade de estudante do curso de Engenharia.II - Não há se confundir vínculo estabelecido para fins de estágio, cujo interesse é o aprendizado do bolsista, com a atividade empregatícia, tendo em vista sua natu-reza diversa, que é a exploração da mão-de-obra.III - No que pese a Lei 5.890, de 08 de junho de 1973, que alterou a Lei 3.807 de 26 de agosto de 1960, em seu art. 2º, possibilitar que o estagiário figure como segurado, não o enquadra como segurado obrigatório, consoante os termos do seu art. 5º.IV - O art. 2º da Lei 5.890/73 facultava ao estudante bolsista ou a qualquer outro que exercesse atividade remunerada, efetiva ou eventual, com ou sem vínculo empregatício, a título precário ou não, inscrever-se no regime de previdência, como segurado facultativo. Para tanto, devia verter as contribuições inerentes ao sistema.V - Na hipótese dos autos, o desempenho de estágio, na Cia. De Energia Elétrica, conforme documentos acostados aos

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autos, não configura vínculo empregatício, sendo incabível o cômputo desse período para fins de aposentação, nos termos do art. 4º da Lei 6.494/77.VI - Agravo interno desprovido. (grifou-se)STJ - AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO RECUR-SO ESPECIAL – 644723.Processo: 200400270781. UF: RN. QUINTA TURMA. Data da decisão: 16/09/2004. Documento: STJ000575708. DJ 03/11/2004 PÁGINA:240. Relator(a) GILSON DIPP.No mesmo sentido: STJ - RESP - RECURSO ESPECIAL – 617689. Processo: 200302190435. UF: PB. QUINTA TURMA. Data da decisão: 06/05/2004. Documento: STJ000548919. DJ 7-6-2004 PÁGINA:281. Relator(a) GILSON DIPP.TRABALHISTA. BOLSISTA. INEXISTENCIA DE RELAÇÃO DE EMPREGO. 1- A ADMISSÃO DE BOLSISTA, SEM VINCULO EM-PREGATICIO, TEM BASE LEGAL E NÃO CONSTITUI FRAUDE A LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.2- RECURSO IMPROVIDO.3- SENTENÇA MANTIDA. (grifou-se)TRF - PRIMEIRA REGIÃO. RO - RECURSO OR-DINARIO TRABALHISTA – 9301156563. Processo: 9301156563. UF: MG. PRIMEIRA TURMA. Data da decisão: 29/11/1994. Documento: TRF100030466. DJ 22/5/1995 PAGINA: 30612.Relator(a) JUIZ PLAUTO RIBEIRO.PREVIDENCIÁRIO - CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO. ESTAGIÁRIO. RECEBIMENTO DE BOLSA-AUXÍLIO.I - “O SERVIÇO PRESTADO POR ESTUDANTE BOLSISTA NÃO CRIA VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE O ESTAGIÁRIO E A ENTIDADE QUE O REMUNERA”.II - APELO IMPROVIDO. (grifou-se)TRF - SEGUNDA REGIÃO. AC - APELAÇÃO CIVEL Processo: 9802119490. UF: RJ. QUARTA TURMA. Data da decisão: 14/09/1998. Documento: TRF200064538.DJ 14/09/1999. Relator(a) JUIZ ROGERIO CARVA-LHO.PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA A QUO. LITISCONSÓRCIO NEGATIVO NECESSÁRIO.

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COISA JULGADA. NÃO-CONHECIMENTO. TEMPO DE SERVIÇO. ESTÁGIO REMUNERADO. BOLSA-AUXÍLIO. VÍNCULO DE EMPREGO NÃO CONFI-GURADO. CONVÊNIO ENTRE ÓRGÃO PÚBLICO E UNIVERSIDADE. ESTÁGIO CURRICULAR. CARACTERIZAÇÃO. RECOLHIMENTO DAS RES-PECTIVAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. INCABIMENTO. SERVI-DOR PÚBLICO. EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO SOB O REGIME CELETISTA. ATIVIDADE ESPECIAL. CONVERSÃO. MUDANÇA DE REGIME JURÍDICO. INSS. COMPE-TÊNCIA PARA A EMISSÃO DA CTS.[...]2. O desempenho de estágio remunerado por bolsa-auxílio e mantido mediante termo de compromisso firmado por convênio entre órgão público e universi-dade, com fundamento na Lei n. 6.494, de 07-12-1977, afasta a possibilidade de vínculo de emprego, por-quanto se trata de estágio curricular, cujo interesse é o aprendizado do bolsista, tornando igualmente incabível o cômputo do período prestado nessa condição como tempo de serviço ou de contribuição para efeitos previdenciários, a teor do disposto no art. 4º da mesma Lei e no art. 6º, caput e parágrafo 1º, do Decreto n. 87.497, de 18-08-1982. [...]TRF - QUARTA REGIÃO. Classe: AMS - APELA-ÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Processo: 200370000145078. UF: PR. SEXTA TURMA. Data da decisão: 01/09/2004. Documento: TRF400099629. DJU 22/09/2004 PÁGINA: 573.Relator(a) NYLSON PAIM DE ABREU.PREVIDENCIÁRIO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. BOLSISTA. IMPOSSIBILIDADE. INOCOR-RÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. CONDI-ÇÕES INSALUBRES DE TRABALHO. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM.O exercício de atividades de monitor/bolsista não cria víncu-lo empregatício, nos termos da Lei n. 6.494/77, tratando-se, na verdade, de um instrumento de aperfeiçoamento técnico-profissional do estudante.A relação de emprego só estaria caracterizada caso restasse comprovado que a atividade exercida não guardava a ne-cessária correlação com a área de formação do estudante.

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Face à impossibilidade de averbação do tempo de serviço na qualidade de monitor, não se faz necessária a apreciação da possibilidade ou não de conversão de tempo especial em comum.Recurso improvido. (grifou-se)TRF - QUINTA REGIÃO. Classe: AC - Apelação Civel – 288276. Processo: 200205000094820. UF: CE. Órgão Julgador: Segunda Turma. Data da decisão: 23/09/2003. Documento: TRF500078234. DJ – Data: 5-12-2003 – Pá-gina: 618 – N.:236. Relator(a) Desembargador Federal Paulo Machado Cordeiro.

Quanto ao pagamento das bolsas, cumpre salientar que aquelas con-tratadas com fulcro no Ato n. 110/2008/PGJ são remuneradas com verbas oriundas do Fundo Especial de Modernização e Reaparelhamento do Mi-nistério Público, instituído pela Lei Complementar Estadual n. 237/2002 e regulamentado pelo Ato n. 061/2003/PGJ, que estabelece:

Art. 3° Os recursos financeiros provenientes da arrecadação do Fundo Especial de Modernização e Reaparelhamento do Ministério Público serão destinados ao reaparelhamento material do Ministério Público, principalmente na:[...]VI - contratação de estagiários;[...]

Salienta-se, por fim, que, segundo informação da Coordenadoria de Auditoria e Controle deste Ministério Público, o gasto realizado com essas bolsas não integra o cálculo da remuneração do quadro de pessoal deste Órgão, justamente pelo fato de esses bolsistas não pertencerem a esse quadro.

CONCLUSÃO:

Considerando que a atividade de estágio possui caráter educativo e de aprimoramento do estudante, que não gera vínculos empregatícios e que, por esse motivo, essas pessoas não integram o quadro de pessoal do Órgão Contratante, a resposta ao questionamento lançado é pela possibilidade da realização do pagamento de bolsas a estagiários com verbas do Fundo de Reconstituição de Bens Lesados.

Ressalva-se que tais pessoas devem atuar em atividades que se amol-dem à previsão do já citado art. 1º do Decreto Estadual n. 1.047/1987, e que essa contratação respeite também as disposições da Lei n. 6.494/77 e da Lei estadual n. 10.864/98 (e de suas respectivas regulamentações), sob pena de caracterização de vínculo empregatício – com a consequente burla nos

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dispositivos Portaria FRBL n. 01/2004 –, como bem salientado pelo Órgão Consulente.

1 Art. 1º do Decreto Estadual n° 1.047/1987.2 In Direito administrativo brasileiro. 33ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 420.3 In Curso de direito administrativo. 22ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p.

240.4 Op. cit.; p. 78 e 79.5 Ibdem, p. 79.6 Dicionário Aurélio eletrônico – V. 2.0 – Editora Nova Fronteira, 1997.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Contratação de bolsistas com verbas do Fundo para a Reconstituição de Bens Lesados .”

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PESQUISA – CMA n. 72/2008Data: 24 de junho de 2008

Certame frustrado – dispensa de lici-tação – Impedimento recebimento de verbas nos 3 meses antes do pleito.

CONTEÚDO:

Trata-se de solicitação de apoio formulada nos seguintes termos:Solicito pesquisa especificamente sobre dispensa de licitação com fundamento no inciso V do art. 24, vale dizer, quando frustrada a licitação.O caso concreto. O Município firmou convênio com o Estado para construir a nova Rodoviária. Feita a tomada de preços, nenhuma proposta foi apresentada. Assim, em face das restrições da lei eleitoral (art. 73, inciso VI, letra “a”) o Município pretende contratar com dispensa, alegando falta

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de tempo e prejuízo com uma segunda convocação.Primeiramente, o que dizem as Leis n. 8.666/93 (licitações) e 9.504/97

(eleições):Lei n. 8.666/93Art. 24. É dispensável a licitação:[...]V - quando não acudirem interessados à licitação anterior e esta, justificadamente, não puder ser repetida sem prejuízo para a Administração, mantidas, neste caso, todas as condi-ções preestabelecidas;Lei n. 9.504/97Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: [...]VI - nos três meses que antecedem o pleito:a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública;

O atraso na construção de uma nova rodoviária não nos parece que trará prejuízo à Administração. A legislação eleitoral proíbe o recebimento de recursos nos 3 (três) meses que antecedem o pleito. Após esse período, aquele é permitido. Sendo assim, não entendemos justificável a dispensa de licitação nessa situação. Poderá o administrador lançar novamente o certame e, passado o prazo de impedimento, receber a verba do Estado.

Sobre a dispensa de licitação lastreada no inciso V do art. 24, Marçal Justen Filho1 preleciona:

A hipótese do inc. V se aperfeiçoa pela presença de quatro elementos.O primeiro é a realização de licitação anterior, concluída infrutiferamente. Pressupõe-se, portanto, uma situação que originariamente comportava licitação, a qual foi regularmente processada.O segundo é a ausência de interessados em participar da licitação anterior, o que provocou a frustração da disputa.O terceiro é o risco de prejuízos se a licitação vier a ser repe-tida. A Administração estaria obrigada a renovar o processo licitatório, na sua etapa externa. No entanto, verifica que a

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repetição dos atos acarretaria prejuízos ao interesse buscado pelo Estado.[...]Por fim, a contratação tem que ser efetivada em condições idênticas àquelas da licitação anterior. A contratação direta é autorizada no pressuposto de inexistirem outros interessados em realizar a contratação nas condições estabelecidas no ato convocatório anterior. Portanto, a alteração de condi-ções importaria ofensa ao princípio da isonomia. É obvio que não serão alteradas as condições do ato convocatório anterior quando os preços forem elevados para compensar inflação.

Logo adiante, o nobre Doutrinador faz uma ressalva, não pode ser uti-lizada a justificativa de ausência de interessados quando o certame originário estava viciado e deu causa à falta de interesse:

Logo, se a licitação anterior era viciada, não é possível extrair tal presunção. Assim, suponha-se que os prazos mínimos de publicidade não tenham sido cumpridos e ninguém tenha comparecido para formular proposta. Anulada a licitação, não é admissível a contratação direta com base no inc. V. Em suma, a aplicação do inc. V pressupõe a validade e regularidade da licitação anterior.[...]Considera-se, porém, que a ausência de interessados decorra precisamente da fixação de condições esdrúxulas. Ou seja, se a Administração modificasse as condições anteriores, haveria interessados em competir pelo contrato. Seria lícito a Adminis-tração manter as condições anteriores e efetuar a contratação? Depende das circunstâncias e a resposta variará caso à caso. Se as condições inicialmente estabelecidas são vantajosas para a Administração, a contratação direta nos termos do inc. V será válida. Se, porém, as condições estabelecidas inicialmente restringiam inadequadamente o universo dos licitantes ou retratavam contrato desinteressante para a Administração, é claro que não será autorizada a contratação direta com fulcro no inc. V. Aliás, seria possível reprovar a própria licitação anteriormente realizada.

Veja-se que, a todo o momento, no comentário do Doutrinador, fica evidente que a dispensa, com base no inciso V do art. 24 da Lei n. 8.666/93, só é cabível em casos comprovados de ausência de licitantes e no interesse da Administração Pública em evitar maiores prejuízos.

Pois bem. A lei eleitoral visa a evitar o abuso do poder econômico e o uso da máquina pública em benefício de candidatos à reeleição, ou não, tor-nando o pleito desigual. Não se sabe ao certo os motivos que provocaram a

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ausência de interessados no certame em comento. Entretanto, deve-se buscar com atenção quais foram os reais motivos.

Como bem tratou Marçal Justen Filho, um edital viciado, com con-dições esdrúxulas, com prazos de publicidade e de execução exíguos, pode provocar o desinteresse de possíveis licitantes. As licitações buscam sempre a contratação da melhor oferta realizada à Administração Pública, mas isso não significa que o particular contratado, que busca o lucro, deva suportar condições impostas pela Administração que trarão prejuízos ou dificuldades na execução do serviço ou da obra.

Quanto à vedação de recebimento de verbas, nos três meses que ante-cedem ao pleito, é da jurisprudência do TSE:

Ementa: Art. 73, VI, a, da Lei n. 9.504/97. Convênio cele-brado com o governo do estado para a pavimentação de ruas e construção de casas populares. Transferência voluntária de recursos no período vedado, destinados à execução de obra fisicamente iniciada nos três meses que antecedem o pleito. Resolução-TSE n. 21.878, de 2004. À União e aos Estados é vedada a transferência voluntária de recursos até que ocorram as eleições municipais, ainda que resultantes de convênio ou outra obrigação preexistente, quando não se destinem à exe-cução de obras ou serviços já iniciados fisicamente. Recursos Especiais desprovidos. (RESPE-25324 - RECURSO ESPE-CIAL ELEITORAL - ACÓRDÃO 25324 VASSOURAS - RJ 7-2-2006 Relator(a) GILMAR FERREIRA MENDES Relator(a) designado(a) Publicação DJ - Diário de Jus-tiça, Data 17-2-2006, Página 126).

A jurisprudência eleitoral parece-nos pacífica quando alega que a trans-ferência de recursos, em período vedado, só poderá ocorrer nos casos em que as obras ou os serviços já estavam em execução antes do período impeditivo ou nos casos de calamidade:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRU-MENTO. ELEIÇÕES MUNICIPAIS. AIJE. ABUSO DE PODER. CONDUTA VEDADA. TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS. PERÍODO ELEITORAL. IMPROCEDÊN-CIA. REEXAME DE PROVAS . IMPOSSIBILIDADE. A transferência de recursos dos Estados aos Municípios pode ser realizada dentro dos três meses que antecedem o pleito, desde que tais recursos sejam destinados à execução do obra ou serviço em andamento ou para atender situações de emergência ou calamidade pública (art. 73, VI, a, da Lei das Eleições).[...]. TSE - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 8.324 – CLASSE 2ª – MEDINA – MINAS GERAIS.

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No mesmo sentido:AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. REALI-ZAÇÃO DE OBRAS NO PERÍODO ELEITORAL. ABU-SO DO PODER POLÍTICO E DE AUTORIDADE (ART. 73, VI, “A”, DA LEI N. 9.504/97). NÃO-COMPROVAÇÃO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTOS NÃO INFIRMADOS. AGRAVO DESPROVIDO. Afir-mada, pelo Tribunal Regional, a não-comprovação da prática vedada pelos arts. 73 da Lei n. 9.504, de 1997, e 22 da Lei Complementar n. 64, de 1990, aferir o contrário importaria na necessidade de reexaminar todo o conjunto fático-probatório, o que não é possível na via do recurso especial. A vedação do art. 73, VI, a, da Lei n. 9.504/97 compreende a transferência voluntária e efetiva dos recursos nos três meses que antecedem o pleito, ressalvado o cumprimento de obrigação formal pre-existente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e, ainda, os casos de atendimento de situações de emergência e de calamidade pública. TSE - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N. 25.980 – CLASSE 22ª – MINAS GERAIS (175ª Zona – Medina).

Entende-se por transferência voluntária o repasse de verbas que um ente de federação faça a outro sem estar obrigado por lei ou pela Constituição. O repasse de verbas decorrentes de convênio é considerado transferência voluntária. Esse é o entendimento do TRE-SC, Acórdão n. 17393, de onde se extrai:

A ressalva contida no art. 73, VI, “a”, da Lei n. 9.504/1997 somente permite o repasse de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, no período pré-eleitoral, desde que destinados a cumprir obrigação forma preexistente para execução de obra ou serviço em andamento, com cronograma prefixadoAs verbas decorrentes de convênio têm natureza de trans-ferência voluntária, entendendo-se por transferência vo-luntária o repasse de verbas que, em princípio, um ente da federação faça a outro sem estar obrigado por lei ou pela Constituição.

Assim, entendemos que permanece o impedimento previsto na Lei Eleitoral. Quanto à dispensa de licitação, deverá ser analisado o caso concre-to, observando-se os motivos pelos quais não apareceram interessados em participar do certame, além de se o relançamento do certame causará efetiva-mente prejuízos à Administração municipal ou apenas “prejuízos” políticos ao Prefeito, em caso de ser candidato à reeleição.

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1 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11 ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 242.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Certame frustrado – dispensa de licitação – impe-dimento recebimento de verbas nos 3 meses antes do pleito .”

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PESQUISA – CMA n. 73/2008Data: 1º de julho de 2008

Edificação em área pública - Prefeito Municipal e particular.

SOLICITAÇÃO:

Este Órgão teve notícia que o Prefeito Municipal de São João Batista, bem como outro particular, edificaram, parte do prédio de suas empresas sobre uma rua pública (Rua Tijucas).Segundo informou, em caráter informal o atual prefeito, o ex-prefeito é quem autorizou verbalmente a construção em parte da rua, alegando que esta teria sua largura reduzida.Antes da adoção de qualquer medida, esta Promotoria de Justiça, notificou o atual prefeito municipal e o particular, para que promovessem a demolição de parte de suas edifi-cações que se encontram sobre a rua, porém, até a presente

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data, não recebeu nenhuma manifestação formal.O atual prefeito, apenas alegou, na data em que firmou o ajuste de conduta do nepotismo (29-5-2008), que pretendia ajustar conduta, doando, parte dos terrenos que ficam do outro lado da rua, os quais também são de sua propriedade, restando assim, compensada a área em que foi promovida a edificação, sem prejuízo para a rua, que ficaria com a largura originalNa oportunidade foi sugerido ao prefeito que apresentasse formalmente o pedido de ajuste de conduta, a fim de que pudéssemos solicitar um parecer deste centro de apoio a respeito.Todavia, e até a presente data, o Prefeito de São João Batista, não apresentou a referida proposta para análise.Solicitamos, se possível, orientação para o presente caso.

CONTEÚDO:

Verifica-se, em princípio, a ausência de ato de improbidade administra-tiva, pois a construção de parte de edificação particular, em via pública, não guardou relação com o exercício da atividade pública do investigado, que, na época, exercia o mandato de Vereador.

Nesse sentido, a preleção de Emerson Garcia1:Como derivação lógica do sistema da Lei n. 8.429/92, não bastará a identificação da condição de agente público e do correspondente vínculo com um dos sujeitos passivos em potencial dos atos de improbidade para que possa ser divisada a prática de atos de improbidade. É necessário, ainda, que o indivíduo pratique o ato em razão de sua especial condição de agente público. Nesta linha, não praticará ato de improbidade aquele que, verbi gratia, seja servidor de uma unidade da Federação e, estando de férias, danifique bens pertencentes a ente de outra unidade. Obviamente, neste singelo exemplo, a condição de agente público não apresentou qualquer relevância para a prática do ato, já que desvinculado do exercício funcional. (grifou-se)

O afastamento da hipótese de ato de improbidade administrativa abre caminho para a elaboração de Termo de Ajustamento de Conduta para a tutela do patrimônio público2, conforme o disposto no § 6° do art. 5° da Lei da Ação Civil Pública:

§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos

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interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

Veja-se que o Ato n. 81/2008/PGJ disciplina o Compromisso de Ajus-tamento de Conduta no âmbito do Ministério Público de Santa Catarina:

Art. 18. O Órgão do Ministério Público, nos inquéritos civis ou nos procedimentos preparatórios que tenha instaurado e, desde que o fato esteja devidamente es-clarecido, poderá formalizar, mediante termo nos autos, compromisso do responsável quanto ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, ou das obrigações necessárias à reparação do dano, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.§ 1º É vedada a dispensa, total ou parcial, das obrigações reclamadas para a efetiva satisfação de interesses indisponí-veis, devendo a convenção com o interessado restringir-se às condições de cumprimento das obrigações, formalizando obrigação certa quanto à sua existência e determinada quanto ao seu objeto.§ 2º Além das obrigações previstas no caput, o Órgão de Execução poderá inserir cláusula contendo medidas com-pensatórias, como forma subsidiária ou complementar de responsabilização pelo fato danoso, especialmente nas hipóteses em que a reparação não puder dar-se de modo integral.§ 3º As medidas compensatórias devem ser dirigidas prefe-rêncialmente ao bem jurídico violado ou, não sendo possível, expressar valor pecuniário a ser depositado em benefício do Fundo Estadual para Reconstituição de Bens Lesados.§ 4º Deverá constar do termo, constituindo cláusula in-dispensável, a cominação de sanções para a hipótese de inadimplemento.§ 5º Firmado o compromisso e em face da perda de objeto do inquérito civil ou do procedimento administrativo preliminar, promoverá o Órgão de Execução o seu arquivamento, na forma do art. 12 e seguintes do presente Ato. (grifou-se)

Nesse diapasão, mostra-se necessária a instauração de procedimento administrativo para a apuração dos fatos e eventual elaboração de Termo de Ajustamento de Conduta.

Importante dizer, à primeira vista, que a doação dos terrenos do outro lado da rua, para compensar o espaço perdido em razão da construção ilegal, é possível desde que o interesse público na desafetação esteja devidamente justificado e autorizado por lei.

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Nesse sentido, a Lei Orgânica de São João Batista: Art.102. – A alienação de bens municipais, subordinada à existência de interesse público devidamente justifica-do, será sempre precedida de avaliação e obedecerá as seguintes normas:I. Quando imóveis, dependerá de autorização legislativa e concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:a)Doação constando da lei e da escritura pública os encargos do donatário, o prazo de seu cumprimento e a cláusula de retrocessão sob pena de nulidade do ato.b)Permuta.II. Quando imóveis, dependerá de licitação, dispensada esta nos seguintes casos:a)Doação, que será permitida exclusivamente para fins de interesse social.b)Permuta.c)Vendas de ações, que será obrigatoriamente efetuada em Bolsa.1º- O Município, no ato da venda ou doação de seus bens imóveis, outorgará concessão de direito real de uso, mediante prévia autorização legislativa e concor-rência. A concorrência poderá ser dispensada por lei, quando o uso se destinar à concessionária de serviços públicos, a entidades assistenciais, ou quando houver relevante interesse público, devidamente justificado.2º- A venda aos proprietários de imóveis lindeiros de áreas urbanas remanescentes e inaproveitáveis para edificação, resultantes de obra pública, dependerá apenas de prévia avaliação e autorização legislativa. As áreas resultantes de modificação de alinhamento serão alienadas nas mesmas condições, que sejam aproveitáveis ou não.Art.103. – A aquisição de bens imóveis, por compra ou permuta, dependerá de prévia avaliação e autorização legislativas. (grifou-se)

Assim, verifica-se que o Termo de Ajustamento de Conduta é um ca-minho possível a ser seguido.

Remete-se anexa, para fins de complementação do tema, a Pesquisa n. 47, do Centro de Apoio da Moralidade Administrativa que tratou de caso de desafetação e permuta de bem público de uso comum.

1 GARCIA, Emerson. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 227.

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2 Segundo Emerson Garcia, “a caracterização da tutela do patrimônio público como um direito difuso nos permite aplicar não só toda a sólida base teórica já produzida, no Brasil e fora dele, sobre o tema, e sobretudo, os instrumentos legais já existentes no nosso ordenamento. Nessa linha, a par da aplicabilidade das normas previstas na Lei de Improbidade Administrativa tem-se como possível a incidência da Lei da Ação Civil Pública (Op. Cit., p. 544).

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PESQUISA – CMA n. 74/2008Data: 2 de julho de 2008

Nepotismo – União estável.

CONTEÚDO:

Trata-se de solicitação de apoio sobre o tema: nepotismo x união es-tável.

Nos termos do Programa de Combate ao Nepotismo no Serviço Público no Estado de Santa Catarina, nepotismo, em linhas gerais, é a contratação de parentes de agentes públicos detentores de mandatos eletivos e/ou ocupantes de cargos de direção e chefia no Serviço Público. Tais contratações infringem diversos princípios constitucionais, notadamente o da moralidade administrativa.

Os impedimentos atingem o cônjuge, companheiro ou parente por consanguinidade (em linha reta ou colateral, até o terceiro grau) ou por afini-dade (em linha reta, até o terceiro grau, ou, em linha colateral, até o segundo grau), dos agentes públicos acima referidos.

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O parentesco entre os cônjuges, pela leitura do art. 1.593, é o civil:Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.

Arnaldo Rizzardo1, sobre relações de parentesco, discorre:Dentre os diversos agrupamentos sociais existentes, destaca-se o de pessoas formado de parentes, cujo liame ou ponto comum da união ou aproximação está numa das seguintes ordens: ou o vínculo conjugal, quando o casamento une o homem e a mulher; ou a consanguinidade, pela qual as pes-soas possuem um ascendente comum, ou trazem elementos sanguíneos comuns, denominado também parentesco bio-lógico ou natural; ou pela afinidade, cujo parentesco é em virtude da lei e se forma em razão do casamento, envolvendo o marido e os familiares da mulher, ou vice-versa, isto é, a afinidade advém do vínculo conjugal entre o marido e a mulher, e se exterioriza com a relação que liga uma pessoa aos parentes do seu cônjuge (sogro, sogra, genro, nora, padrasto, enteado, cunhado).

Para a caracterização de nepotismo, não existe diferenciação entre côn-juge e companheiro, ou seja, os conviventes em união estável.

Assim prevê o Código Civil:Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convi-vência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.§ 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os im-pedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.§ 2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime de comunhão de bens.Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamen-to, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Público.

O homem e a mulher que vivem em união estável denominam-se companheiros.

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Sobre união estável, Arnaldo Rizzardo2:Teve grande importância, nas últimas décadas, a união entre si do homem e da mulher para a convivência em um mesmo local, no recesso de uma moradia, passando a partilhar das responsabilidades da vida em comum e dos momentos de encontros, um devotando-se ao outro, entregando os cor-pos para o mútuo prazer ou satisfação. É uma união sem maiores solenidade ou oficialização pelo Estado, não se submetendo a um compromisso ritual e nem se registrado em órgão próprio. Está-se diante do que se convencionou denominar união estável, ou união livre, ou estado de casado, ou concubinato, expressões que envolvem a convivência, a participação de esforços, a vida em comum, a recíproca entrega de um para o outro, ou seja, a exclusividade não oficializada nas relações entre o homem e a mulher.

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, no Código Civil Comentado3:

3. Convivência pública. A lei qualifica a espécie de con-vivência que autoriza o reconhecimento da existência de união estável (ou seja, casamento de fato) entre cônjuges. O primeiro requisito é a publicidade dessa convivência. Isto pressupõe que os companheiros (homem e mulher) queiram tornar conhecida de toda a gente a circunstância de que vivem como se marido e mulher fosse, e que essa convivência se destina ao fim de constituir família. A fama do casal é de que são companheiros e isso há de ser notório, de todos conhecido. Por isso, não se possa tirar a consequ-ência da fama do casal. Ou seja, os atos por meio dos quais a convivência se manifesta não hão de ser ocultos, secretos, clandestinos.

Todos os argumentos acima servem apenas para demonstrar que não existe qualquer diferenciação entre cônjuges, ou seja, os casados civilmente e os companheiros, aqueles que vivem em uma união estável, de fato, e com intuito de constituir família. A estes a lei civil dispensa os mesmos direitos e as garantias dos casados.

E, assim sendo, tal relação é igualmente considerada ilegal sobre o prisma do nepotismo, cuja conceituação, os exemplos e os limites estão bem delineados e demonstrados nas peças-modelo elaboradas por este Centro de Apoio, que acompanham a presente pesquisa.

Ademais, anexas decisões do Poder Judiciário Catarinense, referentes ao Programa de Combate ao Nepotismo no Serviço Público no Estado.

1 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei n. 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro:

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Forense, 2006. p. 393.2 RIZZARDO, Arnaldo. op. cit. p. 885.3 NERY JÚNIOR, Nelson. Código Civil Comentado. - 4. ed. rev., ampl. e atual. até 20 de

maio de 2006. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 938.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Nepotismo – união estável.”

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PESQUISA – CMA n. 75/2008Data: 7 de julho de 2008

Processo seletivo – Contratação tem-porária de Agentes Comunitários de Saúde – PACS – Impossibilidade – Diversas irregularidades no edital.

CONTEÚDO:

Trata-se de solicitação de apoio operacional formulada pela 1a Promo-toria de Justiça de Camboriú, nos seguintes termos:

[...]Conforme anexos, elas me informaram que o Processo Seletivo para 28 vagas de Agentes Comunitários da Saúde dividiu-se em duas fases: uma prova escrita e uma entrevista individual. Cada uma das fases valendo 50% da nota. Aqui, tenho uma dúvida: Será que a entrevista individual pode ter peso igual à prova escrita?

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De resto, verifica-se que a prova escrita foi bem elementar, tanto que 16 candidatos atingiram nota 10 e 22 candidatos tiraram nota 9,5. Portanto, o que selecionou efetivamente os candidatos foi a entrevista individual. A reclamante Silvana Maria Brusch Jaeger tirou apenas nota 5,0 na entre-vista, restando com média 7,5, ficando ela classificada em 17º lugar na sua área de atuação (Centro). Com relação à entrevista em si, não foi assim tão subjetiva. Foram 5 questões idênticas para todas as candidatas. Tam-bém não foi sigilosa, como quer a reclamante, uma vez que as respostas constam de questionário escrito. As entrevistas eram feitas por duas entrevistadoras e mais uma terceira pessoa conferia a avaliação daquelas. Deste modo, entendo que dois pontos merecem atenção:1-) O valor dado à entrevista individual (50%), sobre o qual tenho dúvidas se é legal. Não sei se existe algum limite de peso para a entrevista, segundo a lei. Peço ajuda desse Centro. 2-) A nota dada à reclamante Silvana Jaeger na entrevista individual. Com relação a este ponto, no entanto, entendo tratar-se de direito individual, para o qual não cabe a in-tervenção do Ministério Público; sem interesse público. [...] (grifou-se)

Primeiramente, deve-se tecer alguns comentários sobre processo seletivo e concurso público.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, Ninguém sabe exatamente o que seja ‘processo seletivo público’. Esta expressão surgiu para designar, no passado, o concurso efetuado para admissão a empregos (isto é, quando se tratava de cargos a serem providos). Hoje, como se viu, a Constituição exige concurso público tanto para cargos quantos para empregos. Tais procedimentos eram mais céleres, menos burocratizados que o costumeiro nos con-cursos públicos, mas é impossível precisar com rigor quais as diferenças, em relação a eles, suscetíveis de serem aceitas sem burla no princípio da impessoalidade. Assim, quando a Emenda 51 – tecnicamente lastimável – fala em ‘processo seletivo público’, ter-se-á de entender que não poderia revogar a igualdade de todos perante a lei (cláusula pétrea, por se alojar entre os direitos e garantias individuais, conforme o art. 60, § 4º, IV, da CF) e, a fortiori, perante as possibilidades de ingresso no serviço público. Logo, o tal processo seletivo terá de apresentar caracterís-ticas similares às de um concurso público, podendo

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apenas simplificá-lo naquilo que não interfira com a necessária publicidade, igualdade dos concorrentes e possibilidade de aferirem a lisura do certame. Será obrigatório, ainda, que as provas ou provas e títulos guardem relação com a natureza e a complexidade do emprego.1 (grifou-se)

Por sua vez, concurso público, na dicção de Helly Lopes Meirelles,[...] é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoa-mento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei fixados de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF. [...]Os concursos não têm forma ou procedimento estabelecido na Constituição, mas é de toda conveniência que sejam precedidos de uma regulamentação legal ou administrativa, amplamente divulgada, para que os candidatos se interem de suas bases e matérias exigidas. Suas normas, desde que conformes com a CF e a lei, obrigam tanto os candidatos quanto a Administração.”2

Assim, fica claro que, apesar de não haver procedimento estabelecido pela Constituição para o Concurso Público, deverá a regulamentação deste, legal ou administrativa, observar fielmente os princípios constitucionais a que se subordina a Administração Pública, dos quais se destacam os princípios da publicidade, da isonomia, da legalidade, da eficiência e da razoabilidade.

Ademais, observa-se que o processo seletivo tem como balizadores os mesmos preceitos que ajustam um concurso público, com a única diferença da opção pela simplicidade – naquilo que não ofenda tais ditames.

Isso posto e tendo em vista os referidos princípios que regem a Admi-nistração Pública, constata-se que o Edital do Processo Seletivo n. 2/2008, do Município de Camboriú, está repleto de irregularidades.

1 DOS REGIMES JURÍDICOS APLICADOS AOS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE

A principal dessas irregularidades consiste na contratação temporária de agentes comunitários de saúde, enquanto o correto, nesse caso, seria a contratação para empregos públicos, conforme adiante será demonstrado.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro diferencia os dois institutos:

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Daí a observação de Celso Antônio Bandeira de Mello (1975a:17): ‘cargo é a denominação dada à mais simples unidade de poderes e deveres estatais a serem expressos por um agente’.[...]Quando se passou a aceitar a possibilidade de contratação de servidores sob o regime da legislação trabalhista, a expressão emprego público passou a ser utilizada, paralelamente a car-go público, também para designar uma unidade de atribui-ções, distinguindo-se uma da outra pelo tipo de vínculo que liga o servidor ao Estado; o ocupante de emprego público tem vínculo contratual, sob a regência da CLT, enquanto o ocupante do cargo público tem um vínculo estatutário, regido pelo Estatuto dos Funcionários Públicos [...]. [...]A constituição de 1988 [...] previu, em caráter de excepcio-nalidade, para atender à necessidade temporária de excep-cional interesse público, a possibilidade de contratação por tempo determinado. Esses servidores exercerão funções, porém, não como integrantes de um quadro permanente, paralelo ao dos cargos públicos, mas em caráter transitório e excepcional.3 (sublinhou-se)

Dessa feita, conclui-se que aqueles que forem contratados pela Admi-nistração Pública mediante vínculo estatutário exercerão um cargo público; aqueles que forem contratados de acordo com as regras da CLT exercerão empregos públicos; e aqueles que forem contratados para atender a uma necessidade temporária de excepcional interesse público exercerão funções públicas (estatutário).

Dito isso, resta retomar o caso específico dos agentes comunitários de saúde. Quanto a essas pessoas, a Constituição Federal observa:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: [...]§ 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de com-bate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação.§ 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regu-lamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias. [...] (grifou-se)

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E o § 5º do referido artigo foi regulamentado pela Lei n. 11.350/06, com base nesses dispositivos constitucionais e legais, este Centro de Apoio e o Centro de Apoio Operacional da Cidadania e Fundações (CCF) editaram, a título de sugestão, a Nota Técnica Conjunta CMA-CCF n. 01/06.

Destaca-se da aludida Nota Técnica:1. Nas situações que envolvam a admissão de pessoal para o exercício das atividades de Agente Comunitário de Saúde e de Agente de Combate às Endemias deverão ser observadas as normas contidas na Lei Federal n. 11.350, de 5 de outubro de 2006, que dispõe, dentre seus preceitos, que: [...]1.2. os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), na forma do disposto no § 4° do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa (art. 8.º);1.3. a contratação de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias deverá ser prece-dida de processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade de suas atribuições e seus requisitos específicos para o exercício das atividades, que atenda aos princípios de legalidade, impesso-alidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 9.º);[...]1.5. fica vedada a contratação temporária ou terceirizada de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias, salvo na hipótese de combate a surtos endêmicos, na forma da lei aplicável (art. 16); e [...] 2. A contratação temporária de pessoal, para aten-der ao Programa Saúde da Família (PSF), excetuados os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias, somente será possível na fase de implantação do programa no Município, não sendo re-comendável que ultrapasse o período de dois anos (um ano, prorrogado por igual período); após, o programa assumirá caráter de permanência (principalmente por constituir a saúde atividade típica do Município).3. A contratação temporária para o programa referido no item 2 poderá ser admitida, desde que fundada em lei municipal específica que estabeleça as regras, os prazos

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de vigência dos contratos, a forma e os critérios de seleção (processo seletivo), os direitos dos contratados, a remunera-ção, sua vinculação ao Regime Geral da Previdência Social, atendidos os pressupostos do art. 37, IX, da Constituição Federal, entre outras normas pertinentes. 4. Para atender ao Programa da Saúde da Família (PSF), uma vez consolidada no Município a perenidade do Programa, poderá a administração admitir pessoal:a. em cargos de provimento efetivo, criados por lei, mediante prévia aprovação em concurso público, nos termos do art. 37, II, da Constituição Federal; oub. promover contratação para ocupação de empregos públicos, criados por lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, “a”, CF), em quadro especí-fico constituído exclusivamente por quantitativo de fun-ções e vagas correspondentes às equipes em operação, regidos pelo Decreto-Lei n. 5.452/43 - Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mediante prévia aprovação em concurso público (art. 37, II, CF), com vinculação ao Regime Geral de Previdência Social (art. 201, CF), sem aquisição de estabilidade (art. 41, CF), incluídos no regime do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) (art. 7º, III, CF), demissíveis a qualquer tempo, motivadamente (art. 7º, I, CF), em especial quando da desativação de equipe, da denúncia do convênio entre o Município e a União, ou do encerramento dos Programas. (grifou-se)

Contudo, em 2 de agosto de 2007, o Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu liminar na ADI n. 2.135-4 (Publicada no DJ de 14-8-2007) suspendendo, com efeito ex nunc, as alterações promovidas no caput do art. 39 da CF/88. Com isso, restabeleceu-se a redação original: “Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da Administração Pública direta, das autarquias e das fundações públicas”. (grifou-se)

A princípio, poder-se-ia aventar que tal decisão do STF vai de encontro à Lei n. 11.350/06, que prevê a contratação para emprego público (vínculo celetista):

Art. 8º Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, na forma do disposto no § 4º do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei

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local dispuser de forma diversa. (grifou-se)Mas deve-se levar em conta que essa Lei apenas regulamenta o § 5º

do art. 198 da CF/88, ou seja, essa exceção foi aberta pela própria CF/88, para tratar apenas das contratações do Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias.

Portanto, frisa-se, apenas em relação ao Agentes Comunitários de Saúde e aos Agentes de Combate às Endemias, a orientação deste Centro de Apoio é no sentido da contratação mediante processo seletivo, para preenchimento de empregos públicos (regime celetista), a não ser que lei municipal disponha de forma diversa e estabeleça o regime estatutário. O que não se recomenda, nesses casos, é a contratação temporária, sob pena de ofensa ao art. 164 da Lei n. 11.350/06.

Nesse mesmo sentido é o entendimento que o Tribunal de Contas Estadual expôs no Prejulgado n. 1867:

1. Para viabilizar a execução do PSF-Programa Saúde da Família e/ou do PACS-Programa dos Agentes Co-munitários de Saúde, a Administração Municipal, não dispondo de pessoal próprio suficiente e capacitado para a prestação dos serviços, deverá implementar o regime de empregos públicos, que se submete às regras ditadas pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, para a admissão dos profissionais da saúde e dos agentes comunitários de saúde necessários para constituir a(s) Equipe(s), por tempo indeterminado, os quais não adquirem estabilidade no serviço público (art. 41 da Constituição Federal).2. Os empregos deverão ser criados mediante edição de lei específica de iniciativa do Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, “a”, Constituição Federal), contendo, entre outras disposições:I - a constituição de quadro específico de pessoal vinculado aos Programas PSF/PACS, distinto do quadro permanente de pessoal do Poder Executivo;II - a definição e o quantitativo dos empregos criados;III - as atividades a serem desenvolvidas no exercício do respectivo emprego, em conformidade com as atribuições definidas pelo Ministério da Saúde;IV - a habilitação e os requisitos a serem atendidos para o exercício do respectivo emprego, observadas as exigências legais;V - a respectiva remuneração;VI - a vinculação dos admitidos:

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a) ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT - Lei n. 5.452, de 1943);b) ao Regime Geral de Seguridade Social (INSS, art. 201, Constituição Federal);c) ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS, art. 7º, III, CF);VII - as hipóteses de demissão do pessoal admitido, con-forme item 5;VIII - a indicação da fonte dos recursos para suprir as des-pesas, com observância do disposto no art. 169, § 1º, incisos I e II, da Constituição Federal;IX - a realização de prévio concurso público (art. 37, II, Constituição Federal) para exercer o emprego público, à exceção dos Agentes Comunitários de Saúde (Lei n. 11.350, de 2006);X - a fixação da carga semanal de trabalho para os pro-fissionais de saúde e os Agentes Comunitários de Saúde (observado o item 2.1-IV do Anexo da Portaria n. 648, de 28-3-2006, do Ministro de Estado da Saúde).3. Para a admissão dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) devem ser atendidas as disposições da Emenda Constitucional n. 51, de 14 de fevereiro de 2006, e da Lei Federal n. 11.350, de 05 de outubro de 2006, e, no que couber, o estabelecido no item 2, observado que:I - efetiva-se através de prévia aprovação em processo seletivo público;II - ficam dispensados da realização do processo seletivo público os Agentes Comunitários de Saúde que se encon-travam em atividade na data da promulgação da EC n. 51 (14-2-2006), desde que tenham sido contratados mediante anterior seleção pública realizada por órgão da administração direta ou indireta do Estado, Distrito Federal ou do Muni-cípio, ou se por outras instituições, mediante supervisão e autorização da administração direta dos entes da federação (União, Estado, DF ou Município, art. 2º, parágrafo único, da EC n. 51);III - o enquadramento de situação concreta no art. 2º, pa-rágrafo único, da EC n. 51, de 2006 (realização de anterior processo seletivo público), é condicionado à certificação por órgão ou ente da administração direta dos Estados, DF ou dos Municípios, sobre a existência de anterior processo de seleção pública;IV - é vedada a admissão e/ou prestação de serviços por Agentes Comunitários de Saúde que não tenham sido sub-

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metidos previamente a processo seletivo público, observado o art. 17 da Lei n. 11.350, de 2006, que prevê a possibilidade de permanência dos Agentes Comunitários de Saúde em exercício na data da publicação da Lei (6-10-2006), até a conclusão de processo seletivo público pelo ente federativo (Estado, DF ou Município).4. A lei municipal de iniciativa do Chefe do Poder Executivo deve estabelecer a forma e condições de realização do concurso público para os profissionais da saúde (médico, enfermeira, técnico ou auxiliar de enfermagem, entre outros), e do processo seletivo pú-blico para os Agentes Comunitários de Saúde, definindo os meios e veículos de divulgação a serem utilizados para a ampla publicidade dos editais/avisos de convocação dos interessados e todos os atos subsequentes.5. Constituem hipóteses de demissão do pessoal vinculado ao PSF (Programa de Saúde da Família) e ao PACS (Programa dos Agentes Comunitários de Saúde):I - a prática de falta grave, conforme previsto no art. 482 da CLT;II - a acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;III - a necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesas, conforme a Lei Federal n. 9.801, de 1999;IV - a insuficiência de desempenho, apurada de acordo com as disposições do inciso IV do art. 10 da Lei Federal n. 11.350, de 2006;V - motivadamente (art. 7º, I, Constituição Federal), devendo estar prevista na lei municipal específica, em face da:a) extinção dos programas federais;b) desativação/redução de equipe(s);c) renúncia ou cancelamento do convênio de adesão assinado por iniciativa do Município ou da União;d) cessação do repasse de recursos financeiros da União para o Município.6. Os Agentes Comunitários de Saúde exercerão suas ativi-dades no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS, mediante vínculo direto com o órgão ou entidade da administração direta, autárquica ou fundacional (art. 2º da Lei n. 11.350, de 2006). É vedada a contratação temporária ou tercei-rizada de Agentes Comunitários de Saúde, conforme art. 16 da Lei n. 11.350, de 2006.7. Por constituir-se de serviço público essencial e atividade-

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fim do Poder Público, inserida na Atenção Básica à Saúde, cuja execução é de competência do gestor local do SUS, as atividades dos demais profissionais de saúde, tais como, médico, enfermeiro e auxiliar ou técnico de enfermagem, necessários ao atendimento do Programa de Saúde da Fa-mília-PSF, não podem ser delegadas a organizações não-go-vernamentais com ou sem fins lucrativos, nem terceirizadas para realização por intermédio de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), criadas conforme a Lei Federal n. 9.790, de 1999, mediante celebração de convênio, termo de parceria, credenciamento ou mesmo contratação através de licitação, assim como, não encontra amparo legal o credenciamento direto de pessoal ou a contratação de prestadores autônomos de serviço, ou quaisquer outras formas de terceirização.8. Para suprir necessidade temporária decorrente de afasta-mento do titular do emprego, durante o prazo do afastamen-to; em face ao acréscimo de serviços, pelo prazo necessário para adotar providências para adequar-se às disposições da EC n. 51, de 2006, e da Lei Federal n. 11.350, de 2006; até a criação de novos ou outros empregos públicos; e/ou adoção das providências administrativas para implementar os Programas PSF e PACS; poderá o Executivo Municipal realizar contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, inciso IX, da Constituição Federal), mediante o atendimento, entre outros, dos seguintes requisito;I - autorização para contratação através de lei municipal específica;II - fixação das funções que podem ser objeto de contratação, com limitação de vagas;III - hipóteses em que a contratação poderá ser efetivada;IV - fixação da remuneração;V - regime jurídico do contrato (especial);VI - definição do prazo máximo de contratação e a possibi-lidade de prorrogação ou não;VII - carga horária de trabalho;VIII - vinculação dos contratados ao Regime Geral de Pre-vidência Social (INSS);IX - condições para contratação;X - forma e condições de realização de processo de seleção pública, previamente à contratação.9. Na fixação da remuneração do médico integrante da equipe de saúde do PSF, deve-se observar, em regra, o dis-

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posto no art. 37, XI, Constituição Federal, segundo o qual a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos nos Municípios não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, do Prefeito Municipal.10. A saúde é direito social (art. 6º, CF), dever do Estado (art. 196, CF) e princípio constitucional (art. 34, VII, CF). Dessarte, em casos concretos, nos quais ocorra conflito entre princípios constitucionais, é admissível, pela doutrina e jurisprudência, a solução da controvérsia utilizando-se a técnica da ponderação de princípios. Assim, no eventual e concreto conflito entre os princípios da saúde e da morali-dade administrativa decorrente da admissão ou contratação de médico para atuar no Programa de Saúde da Família - PSF (Portaria do Ministério da Saúde n. 1.886/GM, de 18/12/1997), comprovada a impossibilidade de observar-se na fixação da remuneração do médico o limite constante do art. 37, XI, CF, através da demonstração de que foi lançado edital de concurso público, com ampla divulgação, sem que acorressem candidatos, é possível adotar-se a ponderação dos princípios aliada a interpretação restritiva como solução do conflito, de forma a assegurar a dignidade da pessoa humana - fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF)._____________________________________Item 8, V, reformado pelo Tribunal Pleno em sessão de 18-7-2007, mediante decisão n. 2197/2007, exarada no processo CON - 07/00225773. Redação inicial do item reformado:”V - regime jurídico do contrato (CLT ou administrativo);”(grifou-se)Processo: CON-05/00173222. Parecer: G C -OGS/2007/040. Decisão: 1007/2007. Origem: Prefeitura Municipal de Mirim Doce. Relator: Conselheiro Otávio Gil-son dos Santos. Data da Sessão: 18-4-2007. Data do Diário Oficial: 7-5-2007.

Como visto, somente essa irregularidade seria suficiente para embasar a anulação do processo seletivo. Mas, como dito, foram constatadas outras irregularidade no presente Edital.

2 DOS EXÍGUOS PRAZOS DE INSCRIÇÃO E DE REALI-ZAÇÃO DAS PROVAS

O processo seletivo sob análise visa à contratação de 28 (vinte e oito) agentes comunitários de saúde. Como corolário do princípio da eficiência

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– que almeja o aperfeiçoamento do serviço público –, um processo seletivo visa à obtenção de um número elevado de inscritos, objetivo que poderá ser alcançado por meio da fixação de um prazo de inscrição razoável de, no míni-mo, 30 dias, de forma a majorar a probabilidade de seleção dos mais capazes à prestação de tão relevante serviço público.

Contudo, o debatido Edital estabeleceu prazo de inscrições entre os dias 7 a 14 de maio de 2008, ou seja, apenas seis dias úteis, seguido pela realização da prova escrita no dia 17 subsequente.

Por óbvio que a limitação do período de inscrição a prazo tão exíguo e a proximidade da data da prova escrita certamente contrariam os princípios da publicidade e da razoabilidade, tendo em vista que tal fato certamente limitará, em muito, o número de candidatos inscritos.

Cabe dizer que o atendimento ao princípio da publicidade não se limi-ta somente à publicação do Edital, tendo em vista que, para dar plenitude à aplicação de tal fundamento, é necessária a concessão de prazo prolongado, a fim de que o maior número de pessoas tomem conhecimento do certame e de suas particularidades, para que aquelas possam decidir sobre a participação, e, ainda, reunir documentação solicitada e se preparar para o certame.

Hely Lopes Meirelles ensina que a publicidade é requisito de eficácia e moralidade dos atos administrativos:

Publicidade é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos. Daí por que as leis, atos e contratos administrativos que produzem consequên-cias jurídicas fora dos órgãos que os emitem exigem publi-cidade para adquirirem validade universal, isto é, perante as partes e terceiros. A publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade. Por isso mesmo, os atos irregulares não se convalidam com a publicação, nem os regulares a dispensam para sua exequibilidade, quando a lei ou regulamento a exige.5

Assim, essas irregularidades vão de encontro também ao princípio da moralidade administrativa. Não há justificativa plausível para tais prazos, já que não se trata de calamidade pública, mas, sim, de contratação para o exercício de um emprego público, como já ressaltado.

Com efeito, de nada adianta conhecer o chamamento da Administração Pública se não há tempo de sequer manifestar quanto à adesão ao processo seletivo, quanto mais de se preparar para a realização das provas. O princípio da publicidade não se restringe à mera divulgação, mas diz respeito à cien-tificação da população eficientemente, de forma que traga efeitos práticos e concretos.

Há de se destacar que o Tribunal de Justiça deste Estado já se manifes-

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tou contra o estabelecimento de prazo diminuto para inscrição em concursos públicos, a exemplo dos acórdãos proferidos na Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 4.431, de Turvo, e na Apelação Cível n. 03.022942-6, de Ja-guaruna, conforme demonstra a seguinte ementa6:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO POPULAR - CONCURSO PÚBLICO OBJETIVANDO A REGULARIZAÇÃO DA SITUAÇÃO DE SERVIDORES ESTÁVEIS DA CÂMA-RA MUNICIPAL DE VEREADORES DE JAGUARUNA - PRAZO EXÍGUO PARA INSCRIÇÃO - SERVIDO-RES EM CARGOS COMISSIONADOS - EXEGESE DO ART. 19, § 2º DO ADCT - VULNERAÇÃO DOS PRIN-CÍPIOS DA PUBLICIDADE E IMPESSOALIDADE - CONVÊNIO ENTRE A CÂMARA DE VEREADORES E INSTITUIÇÃO DE ENSINO PARA A REALIZAÇÃO DO CERTAME - REGULARIDADE - DESPROVIMEN-TOS DOS APELOS - ACOLHIMENTO PARCIAL DO REEXAME NECESSÁRIO. “Publicidade não é só a divulgação do respectivo Edital, mas também tempo, prazo dilatado, para que os interessados possam co-nhecer certamente, seus requisitos de inscrição e, se optarem, participar” (ACMS n. 4.431, de Turvo). Írrito, entretanto, é o certame cuja divulgação não atende tais pressupostos, acarretando a demissão dos aprovados, dispensados, porém, da restituição do valores perce-bidos sob pena de locupletamento da Administração Pública. “O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, efici-ência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malhei-ros, 2002. p. 409). [...]” (Apelação Cível n. 03.022942-6, de Jaguaruna. Relator: Des. Francisco Oliveira Filho. Data da Decisão 14-9-2004) (grifou-se)

3 DA PROVA DE ENTREVISTA

Também se constataram algumas irregularidades pertinentes à prova de entrevista.

A primeira, de menor importância, refere-se à data da prova, ou melhor, às datas das provas. Como o número de candidatos não era muito elevado,

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pensa-se que seria razoável as entrevistas serem realizadas na mesma data, em sequência, de forma a evitar a comunicação entre os candidatos, e, assim, preservar a lisura do certame.

A segunda é pertinente ao questionamento formulado pelo Órgão con-sulente, acerca da influência da nota da entrevista na média final dos candidatos. Relembra-se que, embora não exista previsão legal sobre a forma como devem ser realizados os concursos públicos e processos seletivos, eles deverão atender aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública.

Dessa feita, com base no princípio da razoabilidade, acredita-se que, no presente caso, a nota da entrevista deveria ter um peso menor na média final. Isso porque o nível de dificuldade da prova escrita, refletido pela grande quantidade de notas altas dos candidatos, pareceu aquém do esperado para selecionar os candidatos mais aptos, de forma que a nota final foi praticamente decidida em decorrência das notas obtidas na prova de entrevista. E é aí que reside a pior irregularidade atinente a esse item.

A cópia da avaliação de uma candidata fornecida pela Administração Pública demonstra elevado grau de subjetivismo da banca examinadora na atribuição das notas dessas provas. Com efeito, não se encontra qualquer fundamentação, senão o mero arbítrio dos avaliadores, nas notas atribuídas às respostas formuladas pela referida candidata. Como defender essas notas sem se saber quais critérios balizaram os avaliadores?

Embora o Órgão Consulente tenha destacado que as perguntas for-muladas nessa etapa do concurso foram as mesmas para todos os candidatos, não se pode olvidar a ausência de parâmetros para se aferir a nota atribuída a cada resposta. Esses parâmetros não estão expostos no Edital, que, no item 3.1.2, se limita a prescrever algumas observações incoerentes sobre as notas, as quais também não foram cumpridas pela banca examinadora:

Nesta prova de entrevista, para cada pergunta será atribuído o conceito ÓTIMO, BOM, SATISFATÓRIO, REGULAR e RUIM, conforme o entendimento dos avaliadores e os conceitos serão posteriormente transformados em escala numérica, com peso de 10,0 (dez).

Mesmo se cumpridas as disposições do Edital, o caráter subjetivo dessa avaliação ainda persistiria. Atribuir às respostas os conceitos ótimo, bom, satis-fatório, regular e ruim para, posteriormente, convertê-los em escala numérica parece carecer de um rigor técnico, mesmo porque essa escala numérica nem sequer consta no Edital.

E a jurisprudência é unânime ao se posicionar contra a realização de exames e entrevistas não providos de caráter objetivo, além de contra a irre-corribilidade dessas provas, como ocorreu no caso:

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- CONCURSO PÚBLICO. POLICIA FEDERAL. EXAME PSICOTECNICO. ENTREVISTA CARENTE DE RI-GOR CIENTIFICO. ELIMINAÇÃO DE CANDIDATO, AFINAL DESAUTORIZADA PELO JUDICIARIO, POR ILEGALIDADE, EM MANDADO DE SEGURAN-ÇA. QUANDO A LEI DO CONGRESSO PREVE A REALIZAÇÃO DE EXAME PSICOTECNICO PARA INGRESSO EM CARREIRA DO SERVIÇO PÚBLICO, NÃO PODE A ADMINISTRAÇÃO TRAVESTIR O SIGNIFICADO CURIAL DAS PALAVRAS, QUALI-FICANDO COMO EXAME A ENTREVISTA EM CLÁUSULA, DE CUJOS PARAMETROS TECNICOS NÃO SE TENHA NOTICIA. NÃO E EXAME, NEM PODE INTEGRA-LO, UMA AFERIÇÃO CARENTE DE QUALQUER RIGOR CIENTIFICO, ONDE A POSSIBILIDADE TEORICA DO ARBITRIO, DO CAPRICHO E DO PRECONCEITO NÃO CONHE-CA LIMITES. MÉRITO DO ACÓRDÃO UNÂNIME. DO TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DA UNIÃO A QUE SE NEGA CONHECIMENTO. (grifou-se)STF - Classe: RE - RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Pro-cesso: 112676. UF: MG - MINAS GERAIS. DJ 18-12-1987 PP-29144. EMENT VOL-01487-05 PP-00977. Relator(a) FRANCISCO REZEK. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRU-MENTO. ADMINISTRATIVO.CONCURSO. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. REEXAME DE PROVA. CONCURSO PÚBLICO. PSICOTÉCNICO. CARÁTER SUBJETIVO E IRRECORRÍVEL. IMPOSSIBILIDADE. PRECE-DENTES.[...]3. É inadmissível a realização de exame psicotécnico revestido de caráter subjetivo e irrecorrível, sendo ve-dado o desdobramento em fase de entrevista, restritas as conclusões ao avaliador. (grifou-se)4. Agravo regimental desprovido.STJ - Classe: AGA - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – 623088. Processo: 200401070850. UF: BA. QUINTA TURMA. Data da decisão: 14-12-2004. Documento: STJ000593073. DJ DATA:28/02/2005 PÁGINA:355. Relator(a) LAURITA VAZ.

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ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EXAME PSICOTÉCNICO. CARÁTER SIGILOSO DA EN-TREVISTA. ART. 37 DA CF/1988. INFRINGÊNCIA. MOTIVAÇÃO POSTERIOR. IMPROPRIEDADE.[...]2. É uníssono o entendimento proclamado no âmbi-to deste Tribunal no sentido de não admitir exame psicotécnico segundo critérios subjetivos e sigilosos, devendo impor critérios objetivos, que não permitam procedimento seletivo discriminatório pelo eventual arbítrio.3. O ato administrativo deve ser fundamentado e suas razões contemporâneas. (grifou-se)[...]STJ - Classe: RESP - RECURSO ESPECIAL – 604668. Processo: 200302023660. UF: PR. Órgão Julgador: SEX-TA TURMA. Data da decisão: 6-4-2004. Documento: STJ000546330. DJ 24/05/2004 PÁGINA:354. Relator(a) PAULO MEDINA.CONCURSO PÚBLICO. PSICOTÉCNICO. ENTREVIS-TA. ILEGITIMIDADE. 1. Inconstitucionalidade da reprovação de candidato em concurso público por meio de prova de natureza subjetiva (entrevista) e carente de critérios objetivos de atribuição de notas (Carta Magna, arts. 5º, XXXV; e 37, caput, I e II). Precedentes do STF. (grifou-se)2. Apelação e remessa a que se nega provimento.TRF - PRIMEIRA REGIÃO. Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL - 199801000250431Processo: 199801000250431. UF: MG. TERCEIRA TUR-MA SUPLEMENTAR. Data da decisão: 15/4/2004. Do-cumento: TRF100201676 . DJ 14/10/2004 PAGINA: 36. Relator(a) JUIZ FEDERAL VALLISNEY DE SOUZA OLIVEIRA (CONV.).ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL - CON-CURSO PÚBLICO - ENTREVISTAI- Revela-se contrária ao ordenamento jurídico a reprovação em concurso público por meio de entrevista com resultado irrecorrível e sem qualquer fundamentação, mormente quan-do esta fase é a última do certame e o resultado das etapas anteriores indica êxito do candidato.II - Recurso e remessa necessária improvidos. (grifou-se)TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO. Classe: AMS - APE-LAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 19941.

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Processo: 9702304296. UF: RJ. TERCEIRA TURMA. Data da decisão: 13-6-2000. Documento: TRF200071677. DJU 12-9-2000. Relator(a) JUIZA TANIA HEINE.CONCURSO PÚBLICO. EXPERIÊNCIA PROFISSIO-NAL. ENTREVISTA. [...]A etapa da entrevista, prevista no concurso em exame, consiste em procedimento que não fornece garantia alguma de uniformidade e razoabilidade de métodos e de análise de critérios, e que não confere transparência necessária para se auferir impessoalidade ao ato de avaliação dos candidatos. Não se pode, assim, admitir tal espécie de procedimento em seleções públicas, as quais requerem uma qualificada garantia de economia e impessoalidade, com as quais é incompatível o estabelecimento de entrevista sigilosa, com base em critérios por demais amplos e duvidosos.TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO. Classe: AMS - APE-LAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. Processo: 200572000023582. UF: SC. TERCEIRA TURMA. Data da decisão: 4-122007. Documento: TRF400159886. D.E. 16-1-2008. Relator(a) MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA.ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA PROCESSO SELETIVO PARA MÉDICO RESIDENTE. AUSÊNCIA NO EDITAL DO CERTAME DOS CRI-TÉRIOS DE AVALIAÇÃO. - Não constando no edital do certame os critérios de ava-liação dos currículos e da entrevista dos candidatos deve ser a respectiva nota excluída para fins de classificação no concurso em questão.TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO. Classe: REO - REMES-SA EX OFFICIO. Processo: 200572000006158. UF: SC. Órgão Julgador: QUARTA TURMA. Data da decisão: 22-3-2006. Documento: TRF400124868. DJ 12-4-2006 PÁGINA: 105. Relator(a) MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA.

Em verdade, não há no Edital nenhuma referência a quais conhecimen-tos a banca pretendia que os candidatos demonstrassem com a realização dessa prova. Abordando o mérito das 5 (cinco) questões formuladas aos candidatos, nessa etapa do processo seletivo, não se percebe sequer a utilidade da maioria desses questionamentos.

A 1a questão, intitulada apresentação pessoal, indaga ao candidato: “Está trabalhando? Horário? Disponibilidade 40 hs [sic]. Disponibilidade eventos. Filhos?”

Não se imagina como é possível atribuir nota a esses questionamen-tos, ou mesmo qual a pertinência com o concurso. A carga horária (40 horas

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semanais) está definida no item 1.3 do Edital. Por óbvio que se o candidato se inscreveu no certame é porque pretende assumir o cargo, caso aprovado. Não interessa se ele ocupa outro emprego ou se tem total disponibilidade de horário. Se aprovado e convocado, ele terá que optar entre um emprego ou outro. Também não se percebe a relevância da existência, ou não, de filhos do candidato.

Quanto aos demais questionamentos dessa prova, a par de poderem ser abordados na prova escrita, também não foram balizados pelo Edital, sendo impossível verificarem-se os critérios utilizados na atribuição dessas notas, o que deixa margem à idiossincrasias dos avaliadores.

Salienta-se que, apesar de o item 3.1.2 do Edital prever caráter meramen-te classificatório para a entrevista individual, a subjetividade e irrecorribilidade desse teste permitiram aos membros da banca atribuir notas mais elevadas aos candidatos de sua preferência, pois, como dito, a prova objetiva pareceu de pouca utilidade nesse processo seletivo, tendo em vista a sua facilidade.

4 DA NÃO-PREVISÃO DA POSSIBLIDADE DE INTERPO-SIÇÃO DE RECURSOS ADMINISTRATIVOS

Não há no Edital nenhuma disposição quanto à possibilidade de os can-didatos interporem recursos administrativos contra atos da banca examinadora. Nesse passo, interessante fazer algumas considerações sobre o tema.

Os recursos administrativos são interpostos em processos (ou proce-dimentos) administrativos.

Segundo Odete Medauar, “[...] processo administrativo caracteriza-se pela atuação dos interessados, em contraditório, seja ante a própria Administração, seja ante outro sujeito (administrado em geral, licitante, contribuinte, por exem-plo), todos, neste caso, confrontando seus direitos ante a Administração”7.

Comentando sobre o devido processo legal, no âmbito administrativo, prossegue a Doutrinadora:

Relacionando os incis. LIV e LV, pode-se dizer que o segundo especifica, para a esfera administrativa, o devido processo legal, ao impor a realização do processo administrativo, com as garantias do contraditório e ampla defesa, nos casos de con-trovérsia e ante a existência de acusados. No âmbito adminis-trativo, desse modo, o devido processo legal não se restringe às situações de possibilidade de privação de liberdade e de bens. O devido processo legal desdobra-se, sobretudo, nas garantias do contraditório e ampla defesa, aplicadas ao processo administrativo.8 (grifou-se)

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Adiante, a referida Autora classifica o concurso público como um pro-cesso administrativo de gestão:

Tendo em vista o inc. LV do art. 5º da CF e levando em conta as modalidades formuladas por Hely Lopes Meirelles, Sérgio de Andréa Ferreira e Ana Lúcia Berbert Fontes, propõe-se a seguinte tipologia para os processos administrativos no direito pátrio:a) processos administrativos em que há controvérsias, conflito de interesses:a.1) processos administrativos de gestão; exemplos: li-citações, concursos públicos, concursos de acesso ou promoção;[...]9 (grifou-se)

Por outro lado, sobre o conceito de recurso administrativo, Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma:

Recursos administrativos são todos os meios que podem utilizar os administrados para provocar o reexame do ato pela Administração Pública.[...]Os recursos administrativos têm duplo fundamento consti-tucional: art. 5º, incisos XXXIV e LV.Este último garante aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.10 (grifos no original]

Por sua vez, Hely Lopes Meirelles aduz:Recursos administrativos, em acepção ampla, são todos os meios hábeis a propiciar o reexame de decisão interna pela própria Administração, por razões de legalidade e de mérito administrativo. No exercício de sua jurisdição a Administração aprecia e decide as pretensões dos atos administrativos e de seus servidores, aplicando o Direito que entenda cabível, segundo a interpretação de seus órgãos técnicos e jurídicos. [...] 11 (grifou-se)

No que tange aos princípios que são aplicados aos recursos decorrentes de processos administrativos em geral e, logo, também àqueles oriundos dos concursos públicos, Lúcia do Valle Figueiredo afirma:

Deveras, se os recursos forem interpostos de decisões ema-nadas em procedimentos administrativos (nominados ou inominados), que não relativos a punições disciplinares ou sanções administrativas, devemos entender que as garantias

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deverão ser as do processo judicial civil. [...]Entretanto, quer nos procedimentos comuns, nominados ou inominados, quer nos sancionatórios, encontramos basicamente os seguintes princípios: 1) legalidade; 2) impessoalidade; 3) publicidade; 4) moralidade; 5) motivação; 6) razoabilidade; e 7) proporcionalidade.12 (grifou-se)

Com base nesses princípios, a doutrina pátria é uníssona em defender a interposição de recurso administrativo mesmo sem a previsão expressa em lei ou em qualquer espécie de norma.

Para Odete Medauar, “O direito de interpor recurso administrativo foi afirmado no direito francês como um princípio geral, mesmo sem texto que o preveja explicitamente. Esse entendimento deve prevalecer também no ordenamento pátrio, sobretudo ante o direito de petição assegurado na Constituição Federal, art, 5º, LV.”13 (grifou-se)

Continua a referida Doutrinadora: Os princípios do contraditório e ampla defesa mantêm profunda interação, já se disse, mesclando-se, em muitos pontos, as decorrências de um e outro. A seguir serão arrolados desdobramentos mais diretamente vinculados à ampla defesa. [...]b) Direito de interpor recurso administrativo – Independe de previsão explícita em lei ou demais normas, visto ter respaldo no direito de petição, que, no ordenamento pátrio, vem indicado na Constituição Federal, art. 5º, inc, XXXIV, alínea a. Além disso, nos processos administrativos o direito de recorrer está alicerçado na garantia de ampla defesa, como uma de suas decorrências.14 (grifou-se)

Maria Sylvia Zanella Di Pietro compartilha o mesmo entendimento: Como a legislação administrativa é esparsa, as normas sobre recursos têm que ser encontradas conforme o assunto de que se trate. Mas a inexistência de normas específicas sobre determinada matéria não impede seja dirigida pretensão à Administração Pública, sempre com base no direito de petição assegurado entre os direitos e garantias fundamentais do homem.15 (grifou-se)

E preceitua Hely Lopes Meirelles:Os recursos administrativos são um corolário do Estado de Direito e uma prerrogativa de todo administrado ou servidor atingido por qualquer ato da Administração. Inconcebível é a decisão administrativa única e irre-

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corrível, porque isto contraria a índole democrática de todo julgamento que possa ferir direitos individuais e afronta o princípio constitucional da ampla defesa, que pressupõe mais de um grau de jurisdição. Decisão única e irrecorrível é a consagração do arbítrio, não tolerado pelo nosso Direito. A Lei 9.784/99 consagrou esse entendimento ao estatuir, no capítulo do ‘Recursos’, que das ‘decisões administrativas cabe recurso, em face da razões de legalidade e mérito’ (art. 56).16 (grifou-se)

Da mesma forma, Celso Antônio Bandeira de Mello expõe queO direito de recorrer administrativamente não pode ser recusado, visto que se trata de uma inerência ao princípio constitucional da ampla defesa, na conformidade do art. 5º, LV, da Lei Magna, segundo o qual ‘aos litigantes, em proces-so judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. [...]Se o insurgente não é parte da relação jurídica em cujo bojo foi tomada a decisão, ou não é diretamente afetado pela medida ou, em qualquer caso, se a lei não previu recur-so para a hipótese específica, mas o requerente tem interesse individual ou meramente como cidadão em impugná-la, poderá dirigir-se à autoridade competente para apreciar a matéria. Trata-se de manifestação do direito de petição, previsto no art. 5º, XXXIV, ‘a’, da Constituição Federal”.17 (grifou-se)

Ao comentar sobre os concursos públicos, Hely Lopes Meirelles sin-tetiza o assunto:

Como atos administrativos, devem ser realizados atra-vés de bancas ou comissões examinadoras, regularmente constituídas com elementos capazes e idôneos dos quadros do funcionalismo ou não, e com recurso para órgãos su-periores, visto que o regime democrático é contrário a decisões únicas, soberanas e irrecorríveis.18 (grifou-se)

Corroborando o entendimento doutrinário, a jurisprudência pátria de-fende a aplicação dos princípios administrativos quando se trata de recursos que versem sobre concursos públicos.

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGU-RANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA MILITAR. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. FATOS QUE CONFIGU-RAM CRIME. APURAÇÃO NA VIA CRIMINAL. EX-CLUSÃO DO CERTAME. POSSIBILIDADE.[...]

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III - O direito à ampla defesa, em concurso público, se materializa com a interposição de recurso administra-tivo, o qual, na espécie, não foi interposto pelo recorrente. Recurso ordinário desprovido. (grifou-se)STJ - ROMS 22089. Processo: 200601208943 UF: MS Órgão Julgador: QUINTA TURMA. Data da de-cisão: 26/06/2007Documento: STJ000761364. DJ DATA:13/08/2007 PÁGINA:390. Relator(a) FELIX FISCHER.ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EXAME FÍSICO. IMPETRANTE CONSIDERADO INAPTO. AU-SÊNCIA DE ESPECIFICAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO, BEM COMO DOS MOTIVOS DA REPRO-VAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO EM RELAÇÃO A TAL MATÉRIA. IRREGULARIDADE. PEDIDO, CONTUDO, QUE SE RESTRINGE À APROVAÇÃO DO IMPETRANTE NO CERTAME. INVIABILIDADE, ADEMAIS, DE O PODER JUDICIÁRIO IMISCUIR-SE NA AVALIAÇÃO DA PROVA. ORDEM DENEGADA.Mandado de Segurança n. 2005.043166-4, da Capital. Re-lator designado: Des. Vanderlei Romer. Data da Decisão: 10/5/2006.

Destaca-se dessa decisão:[...]De outro vértice, vislumbra-se, igualmente, que, além de o candidato não conhecer a motivação oficial de sua reprova-ção no certame, não lhe restou garantida a possibilidade de interposição de recurso administrativo contra o resultado do exame psicotécnico.O item 30.2 do edital estabelece que “O candidato poderá recorrer no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, após a divulga-ção do resultado, à Comissão de Concurso Público, em caso de erro na contagem de pontos dos resultados nos Exames de Avaliação Psicológica e Avaliação Física”.Ora, se o impetrante sequer sabe o porquê de sua reprovação não há como recorrer da contagem de pontos do resultado do teste físico.Ademais, a interposição do recurso não pode ser restringida somente a essa hipótese, pois o candidato tem o direito de se insurgir contra os critérios utilizados para aplicação das provas.Confira-se:ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍ-

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CIA FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. CRITÉRIOS SUBJETIVOS. CARÁTER SIGILOSO E IRRECORRÍ-VEL. IMPOSSIBILIDADE.O entendimento deste Superior Tribunal de Justiça já se firmou no sentido de que, embora seja possível se exigir, como requisito para a investidura em determinados cargos públicos, a aprovação do candidato em exame psicotécnico, é necessário, além da previsão em lei, que a avaliação se dê mediante critérios cientificamente objetivos, bem como é vedado o caráter sigiloso e irrecorrível do teste.Recurso não conhecido (REsp 499522/CE, rel. Ministro Felix Fischer, j. 6-5-03, DJU 16-6-03). (grifou-se)[...]

Consta em declaração de voto vencido dessa mesma decisão:[...]Os atos praticados em concurso público são considerados atos administrativos para todos os efeitos e devem ser sub-metidos aos princípios que regem o direito administrativo, em especial, in casu, o da motivação dos atos que afetem direitos.A reprovação, mesmo em etapa meramente eliminatória de concurso público, deve indicar os acertos e erros, para permitir o direito de defesa do candidato e preservar a im-pessoalidade e a moralidade administrativa. [...]Fabrício Motta adota exegese similar: “A caracterização do concurso como processo administrativo determina a aplicação de uma série de princípios constitucionais e legais. De se realçar, imediatamente, que a Constituição assegurou como garantia fundamental aos acusados em geral e aos litigantes em processo administrativo o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recur-sos a ela inerentes. Na mesma esteira, a lei que regula o processo administrativo na Administração Pública federal - Lei n. 9.784/99, aplicável, ainda que subsidiariamente, aos concursos públicos - determina ainda a obediência a outros princípios não referidos explicitamente pela Constituição Federal, mas identificáveis no sistema constitucional. Pare-cem assumir mais relevância para a correta implemen-tação, interpretação e controle dos concursos públicos os princípios da isonomia, legalidade, publicidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, e finalmente vincu-lação ao edital, que passamos a analisar”.E, na sequência, afirma: “Obviamente, o conteúdo da lei (in

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casu, regras do concurso] está sujeito a controle mediante cotejo com os princípios constitucionalmente albergados, notadamente os que regem a atividade administrativa” (Concursos Públicos e o princípio da vinculação ao edital. In: Revista de direito administrativo. N. 239. Rio de Janeiro: Renovar, 2005).[...] (grifou-se)

Ademais, o Supremo Tribunal Federal (STF), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) repelem a reali-zação de provas de concurso público que não admitam recurso administrativo, como demonstram os seguintes julgados (encontram-se outras decisões, inclusive do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais no arquivo anexo a esta pesquisa):

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONCURSO PÚ-BLICO. POLÍCIA MILITAR. EXAME PSICOTÉCNICO. Somente lei pode exigir exame psicotécnico como requisito para a nomeação em cargo público. Precedentes: RE 230.197 e AGRAG 182.487. O acórdão recorrido concluiu que a legislação potiguar não exige o teste psicoténico para a investitura no cargo de Po-licial Militar, premissa que não pode ser impugnada em sede extrordinária pelo óbice da Súmula STF n. 280.A jurisprudência desta Corte assentou que é ilegítimo o exame psicotécnico baseado em entrevista, com critério subjetivos e sigilosos e sem direito à recurso administra-tivo. Precedentes: RE 243.926 e RE 125.556.Agravo regimental desprovido. (grifou-se)STF - RE-AgR - Processo: 344880 RN. DJ 06-12-2002 PP-00066. EMENT VOL-02094-03 PP-00625. Relator(a) ELLEN GRACIE.RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGU-RANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO DE POLÍCIA SUBSTITUTO. INABILITAÇÃO EM TESTE FÍSICO. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. TER-MO A QUO DATA DA EXCLUSÃO DO CERTAME. CARÁTER IRRECORRÍVEL DO TESTE FÍSICO E DE REDAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADES FLAGRANTES. PLEITO DE ANULAÇÃO DE QUES-TÃO DE PROVA OBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE.[...]2. Assiste razão ao Recorrente quanto à tese da irrecor-ribilidade do teste físico e de redação. Isso porque, esta Corte Superior, na esteira dos precedentes do Supremo

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Tribunal Federal, já consagrou o entendimento segun-do o qual é inadmissível a realização de fases (testes, exames) de concursos públicos para provimento de cargos em caráter irrecorrível.[...]STJ - ROMS 15742. Processo: 200201707638 SC. QUIN-TA TURMA. Data da decisão: 17-8-2006. Documento: STJ000713634. DJ DATA:16/10/2006 PÁGINA:384. Relator(a) LAURITA VAZ.ADMINISTRATIVO - CONCURO PÚBLICO - EDI-TAL - RECURSO ADMINISTRATIVO NÃO RE-CEBIDO - SEGURANÇA CONCEDIDA - ISENÇÃO DE CUSTAS EM FAVOR DA FUNDAÇÃO PÚBLICA. (grifou-se)Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 1999.005204-4, da Capital. Relator: Des. Jaime Ramos. Data da Decisão: 16-2-2004.

Consta no corpo do julgado:A impetrante, não tendo obtido a nota mínima (6,4 ao in-vés de 7,0) na primeira prova do concurso público para o cargo de professor da disciplina de Orientação Educacional junto à UDESC, apresentou pedido de reavaliação da prova, com base no item 12.2 do edital do certame (fls. 32/33). Esse item dispunha o seguinte: “Do resultado do Con-curso caberá recurso ao Conselho Universitário, até 5 (cinco) dias após a publicação, por estrita arguição de ilegalidade” (fl. 20). Bem se vê que essa regra não é aplicável à situ-ação da impetrante, porque o item se refere a concurso contra o resultado final do concurso, e não contra etapas do certame. Aliás, não há no edital (fls. 09/20) previsão de recurso contra o resultado das provas. Mesmo assim, não se podia negar à impetrante o direito de revisão de prova, mesmo porque se tratava de avaliação subjetiva (escrita), o que exigia maior transparência quanto aos critérios de atribuição das notas. Em situação semelhante, decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “ADMINISTRATIVO - CONCURSO PÚBLICO - REVISÃO DE PROVAS. “- Concede-se a revisão de provas em concurso público com o fito de preservar a probidade administrativa. “- Recurso provido” (STJ - 5ª Turma - Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 2.402-RJ, Rel. Min. Cid

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Flaquer Scartezzini, julgado em 28.04.1997). Do corpo do acórdão consta o seguinte trecho, transcrito do voto vencido do acórdão estadual:A liberdade ou poder discricionário da Administração, en-tretanto, não vai ao ponto de poder violar a Constituição, por isso que toda lei, decreto, regulamento ou qualquer ato normativo encontra a sua base de validade na Lei Maior. Importa dizer que o regulamento é a lei do concurso, pelo que deve ser cumprido, salvo se conflitante com preceitos constitucionais ou legais, no que se torna inoperante. E tal é o caso dos autos. “Tenho para mim que a farta jurisprudência trazida à colação pela honrada autoridade impetrada tornou-se inaplicável em face da nova ordem constitucional, e ainda porque não está o Judiciário a alterar os critérios de aferição das provas estabelecidos pela Admi-nistração, nem a fazer arredondamento de notas, mas tão somente a assegurar ao impetrante o direito de recorrer e ver reexaminada, na própria esfera administrativa, a decisão da banca examinadora que o reprovou. Os motivos que ensejaram tal decisão hão de ser conhecidos do impetrante, pois está em causa o seu direito constitucional de ampla de-fesa e de acesso competitivo aos cargos públicos, não podendo prevalecer o puro arbítrio da Administração. Transcrevem-se, ainda, pertinentes julgados colacionados pelo eminente Ministro relator: ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CON-TROLADOR DE ARRECADAÇÃO FEDERAL. VISTA DE PROVA. “1. Em respeito à moralidade da atividade administrativa, impõe-se a concessão de vista das provas em qualquer concurso público. “2. Remessa oficial conhecida e improvida” (REO n. 107.827/DF, Rel. Min. Jesus Costa Lima, DJ 26.02.1987). “ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. REVISÃO DE PROVA. I - Norma de edital de concurso, que inadmite revisão de prova, compromete a transparência do certame e põe sob suspeita a lisura na correção das provas. II - A norma editalícia, in casu, não pode prevalecer sobre o bem jurídico maior a ser protegido, que é a probidade ad-ministrativa” (AMS n. 125.282/MT, Rel. Juiz Hermenito Dourado, DJ 16.04.1990).Portanto, ainda que não prevista expressamente no edital do concurso, não poderia ter sido negada à impetrante a revisão de prova.

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Saliente-se que através dessa medida não se interferiu no âmbito de conveniência ou oportunidade da Admi-nistração, porque em nenhum momento se realizou avaliação da prova prestada pela impetrante. Apenas se determinou neste mandamus que autoridade competen-te efetuasse essa reavaliaçao, com base nos critérios que ela própria julgasse conveniente. [...] (grifou-se)ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EXAME PSICOTÉCNICO. IMPETRANTE CONSIDERADO INAPTO. AUSÊNCIA DE ESPECIFICAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO, BEM COMO DOS MO-TIVOS DA REPROVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRA-TIVO EM RELAÇÃO A TAL MATÉRIA. ILEGALI-DADE. PEDIDO, CONTUDO, QUE SE RESTRINGE À APROVAÇÃO DO IMPETRANTE NO CERTAME. INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA. (grifou-se)Mandado de Segurança n. 2005.039959-3, da Capital. Relator: Des. Vanderlei Romer. Data da Decisão: 8-3-2006.[...]Na verdade, o que a jurisprudência coíbe repetidamente é que determinadas etapas dos concursos públicos se-jam eliminatórias e, por sobre isso, sejam também sigilosas, subjetivas e não admitam recurso administrativo. Ou, ainda, que se exija determinada prova para cargo cuja lei de regência não prevê.Neste sentido, colhe-se do Superior Tribunal de Justiça:“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CON-CURSO PÚBLICO. EXAME PSICOTÉCNICO. NÃO RECORRIBILIDADE. ILEGALIDADE DO EDITAL.- A jurisprudência dos nossos Tribunais tem admitido a exigência da aprovação em exame psicotécnico no edital de concurso público para provimento de certos cargos, com vistas a avaliação intelectual e profissional do candidato, desde que claramente prevista em lei, renegando, todavia, a sua realização segundo critérios subjetivos do avaliador, sus-ceptível de ocorrer procedimento seletivo discriminatório.- Não havendo prova da previsão legal da realização de exame psicotécnico, e tendo o mesmo sido realizado dentro de cri-térios subjetivos, sigilosos e irrecorríveis, é de se reconhecer a ofensa a direito líquido e certo do candidato a continuar no certame e a ser submetido a novo exame.- Recurso ordinário a que se dá parcial provimento”. (RMS 14395/PI, rel. Min. Paulo Medina, DJU 26-4-04).

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[...] (grifou-se)Mandado de Segurança Número: 2006.000011-8 Des. Rela-tor: Newton Janke Data da Decisão: 14-6-2006

De outro lado, necessário frisar que a Segunda Câmara de Direito Pú-blico do TJSC decidiu que a Lei n. 9.784/99, que “Regula o processo adminis-trativo no âmbito da Administração Pública Federal”, também é aplicável aos concursos públicos municipais, conforme consta no inteiro teor da decisão (Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2002.001348-0, Des. Relator Jaime Ramos, Data da Decisão 18-8-2003):

Sobre o tema, é válido trazer a lume as disposições da Lei Federal n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Esta lei dispõe sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, mas é evidente que seus princípios norteadores haverão de servir de suporte in-terpretativo para o processo administrativo nos âmbitos estadual e municipal, quando for omissa a norma que o regula, como no caso. [...]Como o regulamento do concurso nada dispunha acer-ca de prazo para interposição de recurso, mais uma vez devem ser levadas em consideração as regras gerais da Lei n. 9.784/99. (grifou-se)

Acerca de tal Lei, escreve Odete Medauar: “De acordo com o art. 69, os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei pró-pria, aplicando-se-lhes subsidiariamente a Lei 9.784/99”19. Posteriormente, completa a Doutrinadora:

No direito brasileiro inexiste uniformidade nos prazos de recursos, mesmo em cada esfera administrativa; cada lei ou decreto regulador de um tipo de matéria estabelece prazos específicos. Para a Administração federal direta e indireta a Lei 9.784/99 previu, salvo disposição legal específica, o prazo de dez dias para interposição de recurso, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida (art. 59). Havendo prazo para interposição, este tem caráter peremptório; se o recurso é oferecido fora do prazo, a Ad-ministração, de regra, não o conhece. Porém, tendo em vista que o recurso administrativo também é meio de exercício do controle interno, se a autoridade administrativa verificar, pela sua leitura, a ocorrência de ilegalidade ou de medidas que ferem o interesse público, poderá, de ofício, determinar o reexame da matéria.20

E adverte Hely Lopes Meirelles: “[...] Registre-se, embora evidente, que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não estão obrigados a seguir a norma em exame (art. 60, § 1º, da Lei n. 9.784/99]”.21

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Portanto, embora a doutrina e jurisprudência admitam a interposição de recurso administrativo mesmo sem previsão no edital do processo seletivo, é de bom alvitre que tal disposição conste expressamente no edital, em respeito ao princípio da publicidade.

5 DA NÃO-VEDAÇÃO DE PARENTESCO ENTRE CANDI-DATOS E MEMBROS DA BANCA

Não há previsão no Edital que determine o afastamento de membro da banca caso algum parente seu se inscreva ou, nesse sentido, proíba a parti-cipação no processo seletivo de parentes de membros da banca examinadora ou dos próprios membros.

O parentesco a que se alude é aquele determinado pelo Código Civil:Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra. [...]Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos pa-rentes do outro pelo vínculo da afinidade.§ 1o O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companhei-ro.[...]

Segundo Fábio Medina Osório:No campo dos concursos públicos, aliás é de se repudiar a possibilidade de contratação de empresas privadas para elaboração e correção das provas, integrando seus membros a própria banca examinadora.Não se olvide que o caráter público do certame não se com-patibiliza com delegação de poderes decisórios à iniciativa privada na elaboração do concurso, correção das provas, fiscalização e até participação na banca examinadora, em que pese tal hipótese ocorrer na vida prática.[...]Os requisitos dos concursos não podem deixar margem às fraudes e falcatruas. O procedimento deve estar revestido de todas as garantias formais. A mera suspeita de fraude, deve ensejar, no mínimo, a nulidade do certame.Nulo o concurso, por exemplo, quando o membro da Comissão Examinadora possui parentes realizando o

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certame, Não se tolera tal prática. Pouco importa que o membro da Comissão seja pessoa idônea e que, na prática, fosse pouco provável, para aqueles que conhecem tal pessoa, pudesse ela repassar informações aos parentes concursandos. É simplesmente inviável admitir tal hipótese, porque sempre haveria espaço para suspeitas, donde seria de se concluir pela vedação de que alguém pertencente a uma Banca Examinadora possua parentes realizando o concurso objeto de seu exame. Nesse caso, o membro da Banca ficará suspeito para participar do certame. (OSÓRIO. Fábio Medina. Improbidade Administrativa. 2ª ed., amp. e atual., Porto Alegre: 1988, p. 214-215) (grifou-se)

6 DA AUSÊNCIA DE RESERVA DE VAGAS AOS PORTA-DORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS

No presente processo seletivo, também não houve a reserva de vagas aos portadores de necessidades especiais, a despeito das exigência da Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, regulamentada pelos Decretos n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999 e 5.296, de 2 de dezembro de 2004.

Com efeito, o Decreto n. 3.298/99 regulamenta a participação dos portadores de necessidades especiais em concursos:

Art. 37. Fica assegurado à pessoa portadora de defi-ciência o direito de se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam com-patíveis com a deficiência de que é portador.§ 1o O candidato portador de deficiência, em razão da ne-cessária igualdade de condições, concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no mínimo o percentual de cinco por cento em face da classificação obtida.§ 2o Caso a aplicação do percentual de que trata o parágrafo anterior resulte em número fracionado, este deverá ser ele-vado até o primeiro número inteiro subsequente.Art. 38. Não se aplica o disposto no art. anterior nos casos de provimento de:I - cargo em comissão ou função de confiança, de livre nomeação e exoneração; e II - cargo ou emprego público integrante de carreira que exija aptidão plena do candidato.Art. 39. Os editais de concursos públicos deverão conter:

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I - o número de vagas existentes, bem como o total cor-respondente à reserva destinada à pessoa portadora de deficiência;II - as atribuições e tarefas essenciais dos cargos;III - previsão de adaptação das provas, do curso de formação e do estágio probatório, conforme a deficiência do candidato; eIV - exigência de apresentação, pelo candidato portador de deficiência, no ato da inscrição, de laudo médico atestando a espécie e o grau ou nível da deficiência, com expressa referência ao código correspondente da Classificação In-ternacional de Doença - CID, bem como a provável causa da deficiência. (grifou-se)

Essas mesmas disposições são aplicadas aos concursos públicos rea-lizados pelo Estado de Santa Catarina, conforme preceituam os arts. 35 a 37 da Lei Estadual n. 12.870/04.

Dessa feita, percebe-se que o Edital deveria reservar 5% das vagas aos portadores de necessidades especiais, além de apontar o número exato dessas vagas e prever a adaptação das provas às necessidades dessas pessoas, a fim de garantir a igualdade de condições.

7 DA AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO DA VALIDADE DO CONCURSO

Como o Edital do processo seletivo não informa aos candidatos o período de validade desse concurso, o que ofende novamente o princípio da publicidade, deve-se considerar a previsão constitucional sobre o tema:

Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, im-pessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]III - o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período; (grifou-se)[...]

Levando em conta essa disposição da CF/88, o TRF da 2ª Região assim decidiu:

PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. CONCUR-

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SO PÚBLICO. ALTERAÇÃODE EDITAL. PRAZO DE VALIDADE. VENCIMEN-TOS ATRASADOS. INDENIZAÇÃO.[...]- Sendo omisso o edital quanto ao prazo de validade do concurso, deve-se tê-lo como de dois anos, na forma do art. 37, inc. III, da Constituição Federal de 1988, pois a realização de concurso público, sem prazo de validade, maltrataria os princípios constitucionais que regem a Administração Pública, em especial os da moralidade e da publicidade. (grifou-se)[...]TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO. Classe: AC - APE-LAÇÃO CIVEL – 155741. Processo: 9702416647. UF: RJ. QUARTA TURMA. Data da decisão: 29/11/2000. Documento: TRF200076131. DJU 05/06/2001 PÁGINA: 317/341. Relator(a) JUIZ FERNANDO MARQUES.

8 DAS DEMAIS IRREGULARIDADES

Ao compulsar o edital de um processo seletivo ou concurso público, os candidatos devem encontrar todas as informações pertinentes a esse ato da Administração Pública. Não somente para avaliar a possibilidade de se inscrever no certame, mas também para se preparar para as disputa das vagas, visto que todo concurso tem por objetivo selecionar os candidatos mais aptos, em atenção ao já referido princípio da eficiência.

Dessa forma, em todo edital deverá constar – de forma clara e precisa – a indicação:

1. do conteúdo das provas;2. do número de questões e do respectivo valor;3. do tempo de duração das provas; e4. da forma de avaliação dos candidatos.

E essas informações ou não constam no presente Edital ou foram postas de forma a gerar dúvidas.

O item 3 do Edital assim reza: “Os candidatos dos cargos ofertados serão submetidos à Prova Escrita sobre conhecimento geral de matemá-tica e português (1º grau) e de raciocínio lógico” (grifou-se).

Diante dessa disposição, resta ao candidato indagar: o que seria conhe-cimento geral de português e matemática de 1º grau? Quais conteúdos dessas

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matérias seriam cobrados na prova? Serão quantas as questões de cada matéria? Todas as questões terão o mesmo peso? (Caso contrário, deve-se priorizar o estudo de determinada matéria).

Ademais, a não-consignação do tempo de duração da prova não permite ao candidato definir o tempo que terá para resolver cada questão, o que pode prejudicar seu desempenho.

Outra irregularidade encontrada diz respeito aos itens 4.3 e 4.4 do edital, in verbis:

4.3 A ordem de classificação no Processo Seletivo será definida por equipe de trabalho (área de abrangência do Programa Saúde da Família) e calculada com base nas res-pectivas médias finais, determinando a ordem de ingresso dos candidatos. Caso haja empate, prevalecerá o candidato com maior idade.4.4 A classificação de (sic] dará conforme endereço que o candidato apresentar no ato de inscrição. Ficando o ACS disponível para trabalhar na área de abrangência da equipe da Saúde da Família a qual pertencer seu domicílio. Não podendo então ser chamado o candidato para atuar em outra área fora de sua classificação.

Esses itens do Edital se limitam a informar a existência de equipes de trabalho do PSF atuando em determinadas áreas de abrangência e que os aprovados atuarão na equipe atinente à área de abrangência aonde residem. Mas não indicam quais são essas áreas de abrangência e o número de vagas existentes em cada uma. A única informação além dessa era a existência de 28 (vinte e oito) vagas no total. Será que existiam vagas em todas as áreas de abrangência do Município? Se negativa a resposta, com certeza aqueles que residem nessas áreas sem vagas nem sequer se interessariam em prestar o concurso.

Dessarte, acredita-se que o Edital deveria apontar também as áreas de abrangência com o respectivo número de vagas.

E, continuando o estudo do Edital, percebe-se também a não exigência da assinatura dos 3 (três) últimos candidatos no lacre das provas. Aliás, não existe qualquer referência ao lacre das provas.

Entende-se que essas disposições deveriam estar expressas no Edital, pois garantem a lisura do certame e possuem, portanto, um efeito moralizador na prevenção de fraudes.

Por fim, o item 1.2 do Edital arrola os documentos que os candidatos deverão apresentar ao se inscreverem. Contudo, não se exige que as cópias sejam autenticadas. Este Centro de Apoio Operacional já analisou uma situação em que um candidato aprovado em processo seletivo para o cargo de professor

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(em caráter temporário) fora nomeado e exerceu a função após apresentar uma cópia simples de um diploma falsificado. A exigência da autenticação ao menos dificulta essa possibilidade.

CONCLUSÃO:

Ante todas as irregularidades expostas, entende-se que pode ser dirigida ao Prefeito de Camboriú uma recomendação, apontando o que foi constatado e sugerindo a anulação desse processo seletivo, com a consequente exonera-ção daqueles que eventualmente foram contratados com base nesse certame, recomendando, ainda, a realização de novo processo seletivo, com a correção das irregularidades apontadas nesse estudo, principalmente no que tange à im-possibilidade da contratação temporária de agentes comunitários de saúde.

Caso o Prefeito não aceite a recomendação, sugere-se que seja pleiteado ao Pode Judiciário à anulação do presente processo seletivo.

1 In Curso de direito administrativo. 22ª. ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 266 e 267

2 In Direito administrativo brasileiro; 33ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 436 e 437.

3 In Direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 483 e 484.4 Art. 16. Fica vedada a contratação temporária ou terceirizada de Agentes Comunitários

de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias, salvo na hipótese de combate a surtos endêmicos, na forma da lei aplicável.

5 In Direito administrativo brasileiro; 32ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 94.6 Apelação Cível 03.022942-6. Relator: Francisco José Rodrigues de Oliveira Filho. Data

da Decisão: 14/09/2004.7 In Direito administrativo moderno. 11ª rev. e atual. São Paulo: RT, 2007. p. 162.8 Ibdem, p. 166.9 Ibdem, p. 171.10 In Direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 674 e 675.11 In Direito administrativo brasileiro. 33ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 673.12 In Curso de direito administrativo. 8ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros,

2006. p. 362.13 Op. cit., p. 379.14 Op. cit. p. 168 e 169.15 Op. cit. p. 676.16 Op. cit., p. 673 e 674.17 In Curso de direito administrativo. 23ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p.

143 e 144.18 Op. cit., p. 437.19 Op. cit., p. 177.

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20 Ibidem, p. 380.21 Op. cit., p. 677.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Processo seletivo – contratação temporária de Agentes Comunitários de Saúde – PACS – impossibilidade – diversas irregulari-dades no edital .”

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PESQUISA – CMA n. 76/2008Data: 8 de julho de 2008

Contratação temporária de enfermei-ras em período pré-eleitoral – Pos-sível prática de ato de improbidade administrativa.

CONTEÚDO:

Trata-se de solicitação de apoio operacional, solicitada simultaneamente a este Centro de Apoio (CMA) e ao Centro de Apoio Operacional Cível e Eleitoral (CCE) pela Promotoria de Justiça de Coronel Freitas, nos seguintes termos:

[...]estou com uma dúvida que envolve questão eleitoral. Foi feito um concurso em Águas Frias, comarca de Coronel Freitas, para os cargos de assistente social e enfermeiro. Após a

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constatação de algumas irregularidades, eu recomendei que o concurso fosse anulado em relação a esses cargos. O prefeito alegou que as enfermeiras, inclusive uma que estava trabalhando no PSF, somente poderiam ser contratadas mediante concurso público e por ser período eleitoral, ele não sabia como faria para substituí-las. Há exceções previstas em questões da saúde no Código Eleitoral, mas o PSF seria o caso?[...] (grifou-se)

Percebe-se que a dúvida do Órgão consulente deve ser esclarecida considerando duas vertentes: a primeira, eleitoral, cuja análise caberá ao res-pectivo Centro de Apoio (CCE); e a segunda, da moralidade administrativa, que deverá ser verificada por este Órgão de apoio.

Dessa feita, percebe-se que o CCE verificará se essas contratações ofendem o disposto no Código Eleitoral e na legislação correlata, notada-mente, o disposto na alínea “d’ do inciso V do art. 73 da Lei n. 9.504/971, que “Estabelece normas para as eleições”.

Caso o CCE entenda não existir qualquer ofensa à legislação eleitoral, pode-se afirmar que não há que cogitar a prática de algum ato de improbidade administrativa, pois as condutas previstas no art. 11 da Lei n. 8.429/92 (LIA) devem atentar contra os princípios da Administração Pública, o que não ocorre se respeitada a legislação vigente.

Por outro lado, caso se considere irregulares essas contratações, é possí-vel, em tese, a caracterização da prática de ato de improbidade administrativa previsto no referido artigo da LIA.

Com efeito, reza o dispositivo comentado:Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Administração Pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de hones-tidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:I - praticar ato visando fim proibido em lei ou re-gulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;IV - negar publicidade aos atos oficiais;V - frustrar a licitude de concurso público;VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a

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fazê-lo;VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço. (grifou-se)

Como visto, se as contratações levadas a cabo pelo Prefeito do Muni-cípio de Águas Frias, durante o período vedado pela legislação eleitoral, não se enquadrarem nas exceções previstas na própria Lei, pode-se enquadrar a sua conduta nos termos do art. 11, I, da LIA.

Mas, para caracterizar a prática desse ato de improbidade, não basta o simples ajuste a letra fria desse dispositivo.

Emerson Garcia elaborou um caminho a ser seguido pelo operadores do direito que querem verificar a prática de algum ato de improbidade admi-nistrativa:

Hodiernamente, o iter a ser percorrido para a identifi-cação do ato de improbidade haverá de ser iniciado com a comprovação da incompatibilidade da conduta com os princípios regentes da atividade estatal, vale dizer, com a inobservância do princípio da juridicidade, no qual avultam em importância os princípios da legalidade e da moralidade.A norma, consubstanciada em regras ou princípios, haverá de ser observada, sendo a violação desta o principal prisma dos atos de improbidade.[...]Ainda sob a ótica da tipificação dos atos de improbi-dade, deve ser analisado, em um segundo momento, o elemento volitivo do agente. Todos os atos emanados dos agentes públicos e que estejam em dissonância com os princípios norteadores da atividade estatal serão informados por ume elemento subjetivo, o qual veiculará a vontade do agente com a prática do ato.[...]Ante o teor da Lei n. 8.429/92, constata-se que apenas os atos que acarretem lesão ao erário (art. 10) admitem a forma cul-posa, pois somente aqui tem-se a previsão de sancionamento para tal elemento volitivo. Nas hipóteses de enriquecimento ilícito (art. 9º) e violação aos princípios administrativos (art. 11), o ato deve ser doloso.[...]Constatada a violação aos princípios que legitimam a ativi-dade estatal e identificado o elemento volitivo do agente, deve ser aferido se a sua conduta gerou efeitos outros, o

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que importará em modificação da tipologia legal e alcançará o ato.Assim, havendo unicamente violação aos princípios, ter-se-á a subsunção da conduta ao tipo do art. 11 da Lei n. 8.429/92; tratando-se de ato que tenha igualmente acarretado dano ao patrimônio público, as atenções se voltarão para o art. 10; e em sendo divisado o enriquecimento ilícito, a matéria será regida pelas figuras do art. 9º.[...]Dispõe o art. 1º da Lei n. 8.429/92 que somente estarão sujeitos às sanções previstas nesta lei aqueles atos pratica-dos por agentes públicos em detrimento das entidades ali enumeradas.Nesta passo, devem ser analisadas as características dos sujeitos passivo e ativo do ato, os quais devem encontrar plena adequação ao disposto nos arts. 1º e 2º da Lei de Improbidade [...].Ultrapassados os quatros momentos anteriormente referidos, ter-se-á o que se pode denominar de ‘impro-bidade formal’. [...] Constatada a dissonância, passou-se a uma operação mecâ-nica de subsunção da conduta à tipologia legal, sendo que esta etapa deve ser complementada com a utilização do princípio da proporcionalidade, o que permitirá que coexistam, lado a lado, a ‘improbidade formal’ e a ‘improbidade material’.[...] este quinto momento do iter de identificação da impro-bidade afastará a aplicação desarrazoada da Lei n. 8.429/92, não permitindo o enfraquecimento de sua credibilidade.2

(grifou-se)Seguindo esse roteiro, primeiramente, deve-se investigar se existe a

ofensa a algum princípio da Administração Pública. Uma análise superficial da situação fática aventada permite, em tese, levantar eventual ofensa aos princípios da legalidade e da moralidade administrativa.

A moralidade administrativa assume a posição de su-perprincípio da Administração Pública em relação aos demais princípios administrativos, de valor constitucional ou infraconstitucional, sendo elemento antecedente e autô-nomo na pesquisa da validade da atividade administrativa e informador dos demais princípios administrativos, valendo perceber que a eficiência não pode amesquinhar a morali-dade, pois ambas têm pressuposto no bom funcionamento da Administração Pública.São absolutamente distintos os campos de atuação e os

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conteúdos dos princípios da legalidade e da moralidade administrativa, pois, enquanto aquele prega atividade compatível com o comando legal, este sublinha a ne-cessidade de a conduta estar afinada com valores como boa-fé, honestidade, lealdade, probidade, boa adminis-tração, imparcialidade, enfim, com regras éticas extra-ídas da disciplina interna e da vocação institucional da Administração Pública. Os demais princípios administra-tivos podem funcionar como elementos ou contribuintes do princípio da moralidade administrativa. Todavia, tanto a moralidade quanto a legalidade estão incluídas no bojo do princípio da juridicidade, que propugna a compatibilidade da atuação administrativa com o ordenamento jurídico inteiro, ou seja, leis, Constituição, princípios jurídicos.3 (grifou-se)

Ademais,Os atos administrativos devem ser praticados com estrita ob-servância dos pressupostos legais, o que, por óbvio, abrange as regras e princípios que defluem do sistema [...].Certamente, inexistirão dúvidas de que nenhum agente público está autorizado a praticar atos contrários à lei, o que inclui o sei dever de agir ou de se abster sempre que o determinar. [...]Atualmente, o princípio da legalidade é concebido em uma perspectiva distinta da de outrora, época em que a atividade estatal não tinha como pressuposto a previsão normativa, mas unicamente a ausência de limitação por ela imposta.[...]A subordinação da atividade administrativa à lei é concebida em um sentido negativo, sendo o princípio da legalidade o limite a que estará sujeita a administração, contendo a atuação desta, e em um sentido positivo, somente podendo a administração fazer o que por lei seja consentido. Neste último sentido, constata-se a relação de conformidade que deve existir entre o ato e a lei.[...]Percebe-se que a conformidade contém em si a compatibilidade, pois o ato conforme a leis será necessariamente com ela compatível; bem como que, no sistema da conformidade, a administração pode atuar após a intervenção do legislador, enquanto que, no sistema da compatibilidade, a atuação é admissível independentemente da existência de expressa disciplina legal, o que resulta em maior restrição no primeiro sistema e em ampla liberdade no segundo.4

Se corroborada a afronta a esses princípios, deve-se, então, verificar o

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elemento volitivo do agente. Essa análise deve ser feita pelo Órgão de execu-ção, mas é pertinente lembrar que, para caracterizar tal ato de improbidade, não basta que o agente público tenha agido contrariamente aos princípios da Administração Pública, ou à lei, pois é necessário, ainda, que tenha assim cientemente agido da irregularidade. Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, “A lei (8.429/92) alcança o administrador desonesto, não o inábil”5.

O terceiro passo será verificar se tal ato foi praticado por agente públi-ca contra uma das entidades previstas no art. 1º da LIA, o que é facilmente corroborado.

Se, após essa verificação, se considerar existente o dolo do agente, ain-da seguindo o iter elaborado por Emerson Garcia, resta analisar se a possível conduta ímproba não pode ser amoldada em algum dos outros tipos previstos na LIA: no art. 9º, referente aos atos que importam enriquecimento ilícito, ou no art. 10, relativo ao atos que causam prejuízo ao erário. Verifica-se, em princípio, que a conduta narrada pelo Órgão consulente poderá, no máximo, se enquadrar na previsão do art. 11 da Lia, como já destacado.0

E, por derradeiro, Emerson Garcia recomenda se verificar se o prin-cípio da proporcionalidade aconselha a repressão do ato, a fim de se evitar a utilização indevida das ações civis por ato de improbidade administrativa. Mais uma vez, essa ponderação deverá ser realizada pelo Órgão de execução.

CONCLUSÃO:

Em síntese, este Centro de Apoio entende que, caso as contratações des-critas pelo Órgão Consulente afrontem alguma norma da legislação eleitoral, fato a ser analisado pelo CCE, pode-se ventilar a prática de ato de improbidade administrativa arrolado no art. 11, I, da LIA, desde que existentes os demais elementos caracterizadores dessa conduta, como exposto.

1 Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...] V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir

ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:

[...] d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável

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de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;

[...]2 GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 3ª,

ed. rev. e amp. 2ª, tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Júris. 2006. p. 297 a 300.3 SOUZA, Motauri Ciocchetti de. Ação civil pública e inquérito civil. São Paulo:

Saraiva, 2001. p. 495 e 496.4 GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 3ª,

ed. rev. e amp. 2ª, tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Júris. 2006. p. 63 à 66.5 REsp 213994/MG. 1999/0041561-2 Relator(a) Ministro GARCIA VIEIRA (1082). PRI-

MEIRA TURMA. Data do Julgamento 17-8-1999. Data da Publicação/Fonte DJ 27-9-1999 p. 59.

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PESQUISA – CMA n. 77/2008Data: 4 de julho de 2008

Criação de Órgão de Procuradoria no âmbito municipal – Não-Obrigato-riedade – Advocacia Pública – Regra geral - Características de Função téc-nica, essencial e permanente, a ser atribuída a cargo de provimento efe-tivo provido via concurso público.

CONTEÚDO:

A Constituição Federal, em seu art. 132, dispõe que:Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organi-zados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a

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representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.

No Estado de Santa Catariana, a organização e funcionamento da Procuradoria-Geral do Estado é remetida a lei complementar pelo disposto no art. 103, caput, da Constituição Estadual.

Indubitavelmente, no caso, não paira a menor dúvida, na doutrina ou na jurisprudência, que tratando-se da União, dos Estados ou do Distrito Federal, o grupo de cargos e funções de Procurador, ou Advogado do Esta-do, caso a legislação local assim o defina, deverá ser organizada em carreira, compondo-se naturalmente um orgão ao qual caberá, pelo seu quadro, “o exercício intransferível e indisponível das funções de representação estatal e de consultoria jurídica do Poder Executivo”, como bem consignou o Ministro Celso de Mello, em seu voto, na concessão de medida liminar, na ADI n. 881-ES, na qual atuou como relator, verbis:

O conteúdo normativo do art. 132 da Constituição da Repú-blica revela os limites materiais em cujo âmbito processar-se-á a atuação funcional dos integrantes da Procuradoria-Geral do Estado e do Distrito Federal. Nele contém-se norma que, revestida de eficácia vinculante e cogente para as unidades federadas locais, não permite conferir a terceiros - senão aos próprios procuradores do Estado e do Distrito Fe-deral, selecionados em concurso público de provas e títulos – o exercício intransferível e indisponível das funções de representação estatal e de consultoria jurídica do Poder Executivo.

Todavia, não há como se deixar de observar que os Municípios não se encontram incluídos no art. 132, tampouco são citados nos artigos que compõem a Seção II do Capítulo IV do Título IV da CRFB.

Assim, considerando-se tal omissão, a qual provavelmente tenha sido proposital, talvez por considerar que, em razão da diversidade de estrutura e capacidade financeira dos Municípios espalhados pelo Brasil, dos quais muitos não necessitam e/ou não possuem condições financeiras para ter um orgão de procuradoria, principalmente em razão do seu tamanho e arrecadação, en-tendemos que não há como se estender o efeito vinculante e cogente da regra disposta no art. 132 da CRFB a essas unidades da federação. Até porque a extensão da obrigação de criação de uma estrutura de procuradoria municipal, sem uma disposição expressa, seria contrária à própria autonomia e capacidade de autoorganização conferida aos Municípios pela Constituição de 1988.

Quanto à autonomia e capacidade de autoorganização, José Afonso da Silva observa que:

A autonomia, que a Constituição de 1988 outorgou ao Município, contém uma qualificação especial que lhe dá um

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conteúdo político de extrema importância para a definição de seus status na organização do Estado Brasileiro, inteiramente desconhecido no regime anterior. Antes, o reconhecimento da autonomia municipal tinha um sentido remissivo. Quer dizer, a Constituição remetia aos Estados o poder de criar e organizar seus Municípios. [...] [...]. Agora não, as normas constitucionais instituidoras da autonomia dirigem-se diretamente aos Municípios, a partir da Constituição Federal, que lhes dá o poder de auto-orga-nização e o conteúdo básico de suas leis orgânicas e de suas competências exclusivas, comuns e suplementares (arts. 23, 29, 30 e 182).Isso significa que a ingerência dos Estados nos assuntos municipais ficou limitada a aspectos estritamente indicados na Constituição Federal, como por exemplo, os referentes à criação, incorporação, fusão e ao desmembramento de Municípios (art. 18, §4º) e à intervenção (arts.35 e 36).”1

Portanto, em razão de tal autonomia e capacidade de autoorganização, entende-se que somente seria possível impor ao Município o comando do art. 132 da CRFB, quanto a organização em carreira dos cargos de Procurador, e exclusividade do respectivo orgão na representação judicial e consultoria jurídica, caso houve-se a expressa previsão constitucional, o que não é o caso. Devendo-se inclusive destacar que, apesar da intensa pesquisa doutrinária e jurisprudencial, não se encontrou nenhuma doutrina ou julgado entendendo ser obrigatória aos Municípios a criação de um orgão de Procuradoria, com exclusividade na representação judicial e consultoria jurídica do ente muni-cipal.

Atualmente, na Câmara dos Deputados, encontra-se em tramitação a Proposta de Emenda Constitucional n. 358-A. Essa contém, como uma de suas proposições a alteração do art. 132 da CRFB, o qual passaria a ter a seguinte redação, verbis:

Art. 132. Os Procuradores dos Estados, Municípios e Dis-trito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.Parágrafo primeiro. Aos procuradores referidos neste art. é assegurada estabilidade após 3 (três) anos de efetivo exercí-cio, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.Parágrafo segundo. O disposto neste art. se aplica aos Advo-gados Públicos Municipais que exerçam representação judi-cial e consultoria jurídica dos respectivos entes federativos.

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Porém, ela se encontra, desde 19-2-2008, parada, aguardando o enca-minhamento do Requerimento n. 2283, de 2008, apresentado pelo Deputado Geraldo Pudim (PMDB-RJ), que solicita inclusão na Ordem do Dia da PEC n. 358, de 2005, sem, no entanto, haver qualquer previsão para que seja levada a votação.

Como justificativa para a alteração do art. 132, com a inclusão dos Mu-nicípios no rol de unidades federativas citadas, o Deputado Maurício Rands, à época, apresentou a seguinte justificativa para a proposta de emenda, verbis:

JUSTIFICATIVAA presente emenda nasce como pretensão da Associação Nacional dos Procuradores Municipais - ANPM, tendo por escopo regulamentar a questão da Advocacia Pública no âmbito dos Municípios.Merece registro o fato de que o Brasil possui mais de 5.500 (cinco mil e quinhentos) Municípios, sendo que princípios insculpidos no Texto Constitucional, de observância im-perativa pela Administração Pública, em sentido amplo, demandam a valorização, como ocorreu em plano federal e estadual, da carreira de Procurador.A previsão, em plano constitucional, da carreira de procu-rador municipal é medida que vai ao de encontro do regime jurídico-administrativo e, por conseguinte, é indisponibili-dade do interesse público, pela administração.O Princípio da Legalidade também se efetiva no plano inter-no da Administração Pública, com o exercício do controle preventivo, feito pelos pareceres jurídicos e, no plano externo pela eficiente representação judicial, através de Procuradores concursados, e, portanto com independência funcional.Nada mais justifica excluir os Municípios da exigência constitucional de organizarem suas carreiras de Procurador. Nada mais justifica a possibilidade de ausência de controle de legalidade, ou um controle deficiente, decorrente da falta de mão-de-obra especializada ou de entrega de tal controle a pessoas estranhas ao quadro efetivo da Administração Municipal.A ausência de pareceres, proferidos por Procuradores con-cursados, leva à descredibilidade da Administração Pública frente aos órgãos externos de controle, Tribunais de Contas e Ministério Público.Cabe esclarecer que os Municípios com menor potencial econômico instituirão a carreira de Procurador Municipal de forma proporcional as suas possibilidades.Certo de poder contar com o apoio dos nobres pares, enca-

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minho a presente emenda.Sala da Comissão, em de 2005.

Não há dúvidas que os argumentos acima expostos traduzem uma necessidade atual de muitos dos Municípios brasileiros, em consonância com os princípios e objetivos da Administração Pública. Todavia, ainda assim não há como se afirmar que os Municípios são obrigados a organizar em carreiras seus cargos de Procurador, e de que criado o órgão de procuradoria, detenha este a exclusividade de representação judicial e consultoria jurídica do ente municipal.

Outrossim, o fato de não haver a obrigatoriedade dos Município de subordinação ao disposto no art. 132 da CRFB, não é sinônimo de que os cargos que englobam a advocacia pública municipal possam ser preenchidos de maneira totalmente discricionária pelo administrador público, visto que estes, como regra geral, correspondem a uma função de natureza técnica, essencial e permanente para a Administração Pública, devendo, assim, constituírem-se de cargos de provimento efetivo preenchidos por via do concurso público, sendo o cargo em comissão ou a contratação por processo licitatório uma exceção que deve ficar restrita exclusivamente as hipóteses em que a lei permitir.

Nesse sentido, com bastante propriedade, o Conselheiro Fernando Augusto Mello Guimarães, do Tribunal de Contas do Paraná, no Acórdão n. 60/07 – Pleno, ao abordar a legalidade do provimento de cargos em comissão com funções de natureza jurídica, consignou que:

Note-se ainda que as atribuições jurídicas, além de natureza técnica, têm caráter de permanência na estrutura dos órgãos públicos, haja vista que a Administração Pública está adstrita às prescrições legais, carecendo seus agentes de tal orientação para o desempenho de suas funções, além dos inúmeros casos em que somente o profissional da área poderá atuar, como diante da necessidade de comparecimento em Juízo, ou na elaboração de um parecer jurídico.Ressalte-se apenas a possibilidade de existência de cargos em comissão em caráter complementar, isto é, para asses-soramento do Prefeito Municipal, desde que o quadro de pessoal já contemple outros cargos efetivos para a mesma função, como no caso de Municípios com vários advoga-dos, nos quais pode haver a figura do Procurador Geral, por exemplo. O mesmo ocorre com relação aos cargos de direção e chefia.Resta claro que para a existência de chefias é necessária a existência anterior de funções efetivas que venham a neces-sitar de alguém para orientá-las ou coordená-las, baseadas no elemento confiança, e não apenas a denominação.Cabe frisar que não é suficiente que os cargos tenham sido

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criados mediante lei para afastar a irregularidade do pro-vimento em comissão. Estes cargos devem efetivamente trazer dentre as suas atribuições àquelas previstas no inciso V do art. 37 da Constituição Federal, além de ter natureza provisória e exigir confiança política. A legalidade formal não sana a ilegalidade material existente.”

No mesmo sentido, também são os Prejulgados do Tribunal de Contas Catarinense de n. 1911, 1501, 1485, 1121 e 1579, sendo que deste último se extrai, verbis:

Prejulgados 1579

1. O arcabouço normativo pátrio, com apoio doutrinário e jurisprudencial, atribui a execução das funções típicas e permanentes da Administração Pública a servidores de seu quadro de pessoal, ocupantes de cargos efetivos - admitidos mediante concurso público, nos termos do art. 37, II, da Constituição Federal - ou por ocupantes de cargos comis-sionados, de livre nomeação e exoneração. Contudo, deve-se atentar para o cumprimento do preceito constitucional ins-crito no art. 37, inciso V, da Constituição Federal, segundo o qual os cargos em comissão são destinados exclusivamente ao desempenho de funções de direção, chefia e assessoramento, devendo ser criados e extintos por lei local, na quantidade necessária ao cumprimento das funções institucionais do Órgão, limitados ao mínimo possível, evitando-se a criação desmesurada e sem critérios técnicos, obedecendo-se tam-bém aos limites de gastos com pessoal previstos pela Lei Complementar n. 101/00.

2. Havendo necessidade de diversos profissionais do Direito para atender aos serviços jurídicos de natureza ordinária do ente, órgão ou entidade, que inclui a defesa judicial e extrajudicial e cobrança de dívida ativa, é recomendável a criação de quadro de cargos efetivos para execução desses serviços, com provimento mediante concurso público (art. 37 da Constituição Federal), podendo ser criado cargo em comissão para chefia da correspondente unidade da estru-tura organizacional (Procuradoria, Departamento Jurídico, Assessoria Jurídica, ou denominações equivalentes). Se a demanda de serviços não exigir tal estrutura, pode ser criado cargo em comissão de assessor jurídico, de livre nomeação e exoneração. [...]

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Por fim, é mister trazermos a lição do Ministro Celso de Mello quanto à importância da advocacia pública, consignada em seu voto, acima citado, na concessão de medida liminar na ADI n. 881-ES, a qual, apesar de se referir-se à interpretação do art. 132 da CRFB, pode muito bem ser estendida ao âmbito municipal, verbis:

Penso que o art. 132, da Constituição, quis, relativamente à Advocacia de Estado, no âmbito dos Estados-Membros e do Distrito Federal, conferir às Procuradorias não só a repre-sentatividade judicial, mas, também, o exame da legalidade dos atos, e o fez com a preocupação de atribuir essa função a servidores concursados e detentores do predicamento da efetividade. O grande objetivo foi o exame da legalidade dos atos do Governo, da Administração Estadual, a ser feito por um órgão cujos ocupantes, concursados, detenham as garantias funcionais. Isso conduz à independência funcional, para o bom controle da legalidade interna, da orientação da Administração quanto a seus atos, em ordem a que esses não se pratiquem tão-só de acordo com a vontade do adminis-trador, mas também conforme a lei.

Não quis a Constituição que o exame da legalidade dos atos da Administração Estadual se fizesse por servidores não efetivos. Daí o sentido de conferir aos Procuradores dos Estados – que devem se compor em carreira e ser todos con-cursados – não só a defesa judicial, a representação judicial do Estado, mas também a consultoria, a assistência jurídica. De tal maneira, um Procurador pode afirmar que um ato de Secretário, do Governador não está correspondendo à lei, sem nenhum temor de poder vir a ser exonerado, como admissível suceder se ocupasse um cargo em comissão.

Portanto, considerando-se o acima exposto, entende-se que os Muni-cípios não estão obrigados a organizar em carreira os cargos de procurador, e a conferir ao respectivo órgão a exclusividade na representação judicial e consultoria jurídica, na forma do disposto no art. 132 da CRFB. Todavia, possui a advocacia pública, também no âmbito municipal, natureza de função técnica, essencial e permanente, devendo essa, como regra geral, ser atribuída a cargo de provimento efetivo ser preenchido via concurso público.

1 Curso de Direito Constitucional Positivo; 28ª edição, 2007; Editora Malheiros; pág. 641/642.

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(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Criação de Órgão de Procuradoria no âmbito mu-nicipal – Não Obrigatoriedade – Advocacia Pública – Regra geral - Características de Função técnica, essencial e permanente, a ser atribuída a cargo de provimento efetivo provido via concurso público .”

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PESQUISA – CMA n. 78/2008Data: 8 de julho de 2008

Contratação temporária sem concur-so público - Possibilidade.

CONTEÚDO:

Trata-se de solicitação de apoio nos seguintes termos:Na comarca de Imaruí o poder público municipal deflagrou processo seletivo público para prover funções públicas nos quadros da municipalidade. Em decorrência de irregula-ridades no referido processo seletivo, esta representante do Ministério Público ingressou com Ação Civil Pública Cautelar, sendo que, em razão deste fato, o processo seletivo encontra-se agora suspenso. Ocorre que, dentre os cargos públicos que seriam providos pelo processo seletivo ora suspenso, alguns são considerados essenciais.

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Esses cargos estão ocupados até a próxima sexta-feira,dia 5 de julho, por funcionários contratados, quando expiram os respectivos contratos. Como é sabido, a nomeação ou contratação necessária à ins-talação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, não está vedada no período eleitoral, assim, em princípio, não haveria óbice a que o poder público municipal contratasse funcionários para este período. Mas,o que gera dúvida, é o fato de a Lei Orgânica Municipal estabelecer expressamente que as contratações, ainda que temporárias, serão realizadas APENAS mediante processo seletivo ou concurso público. A pergunta é: Mesmo com essa disposição na LOM é possível a contratação de funcionários para exercerem os serviços públicos essenciais sem a realização de processo seletivo? É possível ao Ministério Público firmar TAC com o poder público municipal no sentido de anular o processo seletivo e, ao mesmo tempo prever a prorrogação do prazo de con-tratação dos funcionários atuais, até que o novo processo seletivo seja realizado?E, senão for possível,em vista da vedação legal, qual seria a solução,já que esses serviços,como já dito, são essenciais?

Antes de se adentrar nos questionamentos, prudentemente lembra-mos que estamos em período eleitoral e que, por força do disposto na Lei n. 9.504/97, algumas condutas são vedadas aos agentes públicos, dentre as quais, destacamos:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:[...]V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;

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c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos ho-mologados até o início daquele prazo;d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos es-senciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;

Na ausência de um diploma legal específico e com base nas regras da Lei de Introdução do Código Civil, utilizamos o disposto na Lei n. 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, para determinar quais sejam os serviços públicos essenciais e inadiáveis, mencionados na exceção prevista na alínea “d”, inciso V, do art. 73 da Lei n. 9.504/97:

Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:I - tratamento e abastecimento de água; produção e distri-buição de energia elétrica, gás e combustíveis;II - assistência médica e hospitalar;III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;IV - funerários;V - transporte coletivo;VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;VII - telecomunicações;VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;X - controle de tráfego aéreo;XI compensação bancária.Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comuni-dade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. (grifei).

Assim, da analise dos diplomas legais acima, entendemos que em período eleitoral, o agente público só pode contratar ou nomear novos fun-cionários caso a falta destes “coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”. Fora essas hipóteses, as contratações ou nomeações estão vedadas no período compreendido entre (três) meses que antecedem o pleito até a posse dos eleitos.

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Mesmo na hipótese de estarmos diante de uma situação que se encaixe nas exceções que permitem contratar, essa deve seguir o que determina o inciso IX do art. 37 da Constituição Federal: “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.”

Para a realização de contratação por tempo determinado, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, deve o Município interessado possuir, em seu ordenamento, diploma legal permitindo e regu-lamentando tais contratações.

Sobre o dispositivo constitucional, Alexandre de Moraes1 tece os se-guintes comentários:

Desta forma, três são os requisitos obrigatórios para a utilização dessa exceção, muito perigosa, como diz Pinto Ferreira, por se tratar de uma válvula de escape para fugir à obrigatoriedade dos concursos públicos, sob pena de fla-grante inconstitucionalidade:5. excepcional interesse público;6. temporariedade da contratação;7. hipóteses expressamente previstas em lei.Observe, porém, que haverá flagrante desvio inconstitucio-nal dessa exceção se a contratação temporária tiver como finalidade o atendimento de necessidade permanente da Administração Pública.Assim, impossível a contratação temporária por tempo de-terminado – ou de suas sucessivas renovações – para atender a necessidade permanente, em face do evidente desrespeito ao preceito constitucional que consagra a obrigatoriedade do concurso público; admitindo-se, excepcionalmente essa contratação, em face da urgência da hipótese e da imediata abertura de concurso público para preenchimento dos cargos efetivos.A lei mencionada no inciso IX do art. 37 da Constituição é a lei editada pela entidade contratadora, ou seja, lei federal, estadual, distrital ou municipal, conforme a respectiva com-petência legislativa constitucional.

Deve-se atentar ao fato de que essas contratações são excepcionalís-simas. Injustificável permitir-se que a Administração Pública utilize desses expedientes em razão de situações emergenciais que ela mesma deu causa, como, por exemplo, o lançamento de um concurso público ou mesmo proces-so seletivo que venha a ser suspenso ou anulado em razão de irregularidades encontradas.

É prudente, no entanto, uma detida análise na legislação municipal,

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objetivando-se verificar a forma e as hipóteses de contratação temporária, notadamente suas prorrogações.

Não existindo na legislação local qualquer forma de prorrogação dos atuais contratos, deve-se observar se os cargos a serem preenchidos se encai-xam naquelas situações de serviços essenciais inadiáveis, pois, nesses casos, e somente nesses casos, será permitida a contratação temporária, precedida sempre de regular Processo Seletivo.

Em resumo, deve-se verificar se os cargos a serem preenchidos são es-senciais e inadiáveis; deve-se observar o que diz a legislação municipal sobre a contratação temporária; e é indispensável a realização de processo seletivo.

1 MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. - São Paulo: Atlas, 2002. p. 849.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pesquisas do CMA”, > Título: “Contratação temporária sem concurso público - possibilidade .”

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PESQUISA – CMA n. 79/2008Data: 9 de julho de 2008

Descumprimento de TAC - Ajuiza-mento da respectiva Ação de Execu-ção - Desnecessidade de formação de litisconsórcio passivo - Desnecessida-de manifestação envolvidos diretos, mas não responsáveis pelas condutas, em Procedimento Administrativo Preliminar originário do TAC.

SOLICITAÇÃO:

Os órgãos de execução com atribuição na 27ª, 29ª e 30ª Promotorias de Justiça desta Comarca, em 21-8-2006, celebraram com o Município de Flo-rianópolis, por meio da Prefeitura Municipal e Secretaria Municipal de Saúde,

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Termo de Ajustamento de Conduta, pelo qual, considerando que o cargo de Fiscal de Vigilância Sanitária (atualmente Fiscal de Vigilância em Saúde) é de provimento efetivo (não função de confiança), comprometeu-se a promover concurso público a fim de substituir os inúmeros designados.

Essas pessoas designadas eram funcionários do Município e do Go-verno do Estado de Santa Catarina (esses cedidos, conforme informações prestadas pelo Município e pelo Estado, por meio de Convênio), concursados para os mais variados cargos (bioquímico, técnico em edificações, engenheiro sanitarista, pedagogo, assistente social etc.) e deslocados sob a nomenclatura de designação para exercer as atividades de Fiscal de Vigilância Sanitária e, consequentemente, ganhar a atrativa gratificação de produtividade.

Descumprida a cláusula que estabelecia prazo para que o Município determinasse o retorno de tais servidores aos cargos para os quais prestaram concurso público, foi aforada Ação de Execução de Obrigação de Fazer, em cujos autos foi implementada a providência anteriormente referida.

Objeto da Pesquisa:Selecionar precedentes jurisprudenciais e doutrina que defendam:a) não ser necessária a citação, nos autos da Ação de Execução, na

qualidade de litisconsortes passivos necessários, dos fiscais referidos no TAC e do Estado de Santa Catarina; e

b) ser dispensável a participação direta dos fiscais com oportunidade para prestarem esclarecimentos nos autos do procedimento administrativo preliminar que resultou na elaboração do TAC, o que não configuraria afronta aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Se possível, buscar precedentes no sentido de que tal fato não interfere na liquidez, certeza e exigibilidade do título executivo.

CONTEÚDO:

No que se refere à preliminar de litisconsórcio passivo necessário, mostra-se de grande valia a colação da manifestação expendida em caso análogo, pelo Promotor de Justiça Cid Luiz Ribeiro Schmitz, nos autos Ação Civil Pública n. 075.07.003759-5, que combate o nepotismo no Município de Pedras Grandes:

[...] Do alegado litisconsórcio necessário:A presente Ação Civil Pública foi ajuizada pelo Ministério Público buscando a declaração de nulidade de ato praticado pelo Prefeito Municipal e também visando coibir a reiterada

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prática de ato semelhante.Não há qualquer pedido formulado na demanda diretamente contra os servidores municipais que eventualmente venham a ser atingidos pela futura decisão, mas apenas contra o Sr. Prefeito Municipal, que é acusado da prática de ato que viola preceitos constitucionais.Nesse raciocínio, mostra-se descabida a citação de qualquer servidor municipal para integrar a lide na condição de litis-consorte passivo necessário, pois tais servidores não detêm a condição de réus, por não serem atingidos pelos efeitos diretos da sentença, mas apenas pelos efeitos indiretos desta ou reflexos, cujas consequências, no âmbito processual, são bem distintas. Conforme Moacyr Amaral dos Santos:‘partes no sentido processual, são as pessoas que pe-dem, ou em face das quais se pede, em nome próprio, a tutela jurisdicional” (Primeiras linhas de direito pro-cessual civil, Saraiva, 1980, v. 1, n. 275). Araújo Cintra, Grinover e Dinamarco definem autor como “aquele que deduz em juízo uma pretensão (“qui res in iudi-cium deductit”); é réu, aquele em face de quem essa pretensão é deduzida (“is contra quem res in iudicium deducitur”) 1 A intervenção de servidores no feito, no entanto, é possível na condição de assistentes facultativos (terceiros interes-sados), que não necessitam ser citados, mas precisam se habilitar na demanda, recebendo-a no estado em que se encontra, nos moldes previstos pelo art. 50 do Código de Processo Civil.O próprio Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Profes-sor Athos Gusmão Carneiro, bem define a modalidade de intervenção de terceiros cabível na demanda ora discutida:A intervenção por assistência é uma forma de intervenção espontânea, e que não ocorre por via de “ação” mas sim por inserção do terceiro na relação processual pendente. ...O terceiro, ao intevir no processo na qualidade de assistente, não formula pedido algum em prol de direito seu. Torna-se sujeito do processo, mas não se torna parte. O assistente insere-se na relação processual com a finalidade ostensiva de coadjuvar a uma das partes, de ajudar ao assistido, pois o assistente tem interesse em que a sentença venha a ser favorável ao litigante a que assiste. Não é qualquer interesse que autoriza um terceiro a intervir no processo em favor de uma das partes, mas sim apenas o interesse jurídico.

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O interesse, v. g., meramente afetivo, ou meramente econô-mico, não faculta a assistência...2

O cabimento de assistência litisconsorcial facultativa na hipótese, também pode ser verificado pelo exame de caso semelhante mencionado pelo autor citado. É o caso de herdeiro legítimo admitido como assistente litisconsorcial do espólio, na ação de cobrança em que o espólio, como réu, é representado pelo inventariante. Nestas hipóteses, embora pedido algum seja formulado contra o assistente do espólio réu, assim como no caso dos autos, onde pedi-do algum foi formulado contra os servidores municipais, é certo que a procedência da ação de cobrança contra o espólio irá refletir-se diretamente no quinhão hereditário do herdeiro assistente e que a futura sentença da ação civil pública discutida irá refletir nas contratações dos servidores pelo Município. Nos dois casos, o assistente não é parte, mas o direito do assistente está em causa. Por tal motivo, pode o assistente litisconsorcial intervir no processo, o que, no entanto, dispensa a obrigatoriedade de sua citação para compor o pólo passivo da lide.A orientação defendida tem sido acolhida pelo Superior Tri-bunal de Justiça, conforme verificamos da seguinte decisão, que reconheceu hipótese de litisconsórcio facultativo:Inventário. Litisconsórcio. Segundo o acórdão estadual, “ao inventariante, cabe representar o espólio ativamen-te em juízo ou fora dele, inc. I do art. 991 do Cód. de Proc. Civil: herdeiros e legatários são litisconsortes facultativos e não necessários. “Inocorrência de ofensa a texto de lei federal. Agravo regimental desprovido”. (STJ, Terceira Turma, AgRg no Ag 269513 / RJ ; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO, n. 1999/0099051-0, Rel. Min. Nilson Naves, j. 21-02-2000, DJ 1-8-2000, p. 276).Dessa forma, não há que se falar em litisconsórcio passi-vo necessário, por não haver qualquer pedido formulado diretamente contra estes na demanda, embora possam ser atingidos pelos efeitos indiretos desta, o que, contudo, per-mite a intervenção facultativa dos servidores interessados, na condição de assistentes litisconsorciais, dispensando-se a realização de suas citações. [...]

Destaca-se, outrossim, da decisão interlocutória exarada nos mesmos autos, pelo Magistrado Júlio César Knoll, a rejeição da preliminar de litiscon-sórcio passivo necessário:

As partes são legítimas e estão regularmente representadas. Encontram-se presentes os pressupostos de constituição e

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desenvolvimento válido e regular do processo, não havendo nulidades a serem declaradas.Quanto à prejudicial de impossibilidade jurídica do pedido, por confundir-se com o próprio mérito, será analisada ao final, quando da prolação da sentença.Por outro lado, não merece prosperar a preliminar atinente ao litisconsórcio passivo necessário, uma vez que, consoante bem ficou consignado pelo Ministério Público em sua mani-festação à contestação (fls. 167/174), não há requerimento formulado contra servidores municipais que eventualmente venham a ser atingidos, de forma indireta, pelos efeitos da sentença a ser proferida, o que afasta a condição de parte quanto a tais pessoas e, como consequência, a necessidade de citação dos mesmos.Logo, muito embora a intervenção de servidores interessados no feito não esteja vedada, tendo em vista as circunstâncias apresentadas, somente poderá se dar através da habilitação como assistentes facultativos, na forma do art. 50, do Código de Processo Civil, uma vez que não possuem a qualidade de litisconsortes passivos necessários.Assim, na forma das razões supra, afasto a preliminar so-bredita e dou o feito por saneado, nos termos do art. 331, do CPC.

Da mesma forma, transcreve-se a manifestação do Dr. Alan Boettger, nos autos da Ação Civil Pública n. 051.07.000608-4, que combate o nepotismo no Município de Passos Maia:

Entrementes, em que pese a tentativa realizada pelos réus de incluir inúmeras pessoas no pólo passivo da presente ação, o que, por certo, retardaria o trâmite da presente ação civil pública, prejudicando em muito a celeridade processual da mesma, razão alguma lhes assiste. Senão vejamos.Dispõe o art. 47 do Cânone Processual Civil:Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição expressa de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo. Parágrafo único. O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo.No caso em apreço, entende o Ministério Público que inexiste entre os Poderes Executivo e Legislativo e os servi-dores, funcionários e empregados ocupantes de cargos em comissão, função de confiança e emprego de contratação

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excepcional e temporária comunhão de interesses suficiente o bastante para autorizar o litisconsórcio necessário, tampouco existe disposição legal ou relação jurídica que imponham o litisconsórcio nessa hipótese.Com efeito, o que se combate na presente ação civil pública é a conduta perpetrada pelo Poder Executivo de Passos Maia/SC (e aquela que poderá ser perpetrada pelo Poder Legislativo, haja vista a inexistência lei municipal a respeito) de contratar e nomear parentes de pessoas do alto escalão da administração municipal para o exercício de funções públicas, deixando de lado princípios básicos da boa Administração Pública, especialmente o da moralidade e o da impesso-alidade, contrariando, destarte, a própria Constituição da República. Ora, pois, não se discute, em si, o direito ou a conduta do servidor, funcionário ou contratado, mas sim os atos de nomeação e contratação realizados pelo Alcaide Municipal e aqueles que poderão ser realizados pelo Presi-dente da Câmara Municipal.Ademais, curial ressaltar que nenhuma das pessoas que poderão ser demitidas, caso seja efetivamente cumprida a r.decisão liminar de fls. 85/89 ou, então, se, ao final, concluir a autoridade judiciária pela procedência da ação, é CON-CURSADA. Todas exercem funções de cunho temporário, funções de confiança, ou, então, funções de cunho excepcio-nal, para atender iminente necessidade (pelo menos, assim deveria ser), de maneira que nenhuma delas possui direito adquirido ou certo quanto à continuidade ou permanência no exercício da função pública, podendo todas serem demitidas ou excluídas da função pública a qualquer tempo.Por fim, também mister registrar que a presente ação civil pública NÃO É LIMITADA ÀS PESSOAS CITADAS À EXORDIAL, mas, inclusive, àquelas cujos nomes porventu-ra não tenham sido citados e, posteriormente, seja descoberto o laço de parentesco ou, então, a todos aqueles que tenham esses laços de parentesco e que não poderão ser contratados ou nomeados para o exercício das funções públicas. De maneira que, seguindo o entendimento dos réus, todos os cônjuges, companheiros ou parentes, consanguíneos (em linha reta ou colateral, até o terceiro grau) ou por afinidade (em linha reta até o terceiro grau, ou em linha colateral até o segundo grau), do Prefeito, Vice-Prefeito, secretários do Poder Executivo ou titulares de cargos equiparados ou, ain-da, dirigentes dos órgãos da Administração Pública direta e indireta municipal, deveriam ser citados, o que logicamente não é possível, uma vez que, conforme já restou mencionado, não há lei tampouco relação jurídica que assim exija.

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Entretanto, ainda que se defenda que terceiros serão atingidos em suas relações jurídicas diante da sentença final que even-tualmente julgue procedente a presente ação civil pública, postula o autor que prevaleçam princípios processuais maiores, especialmente o da economicidade e à própria celeridade processual, os quais restarão maculados, diante da indeter-minação dos atingidos e a necessidade da citação de cada um deles, caso assim se decida. De sorte que, no caso em epígrafe, não há que se cogitar de litisconsórcio passivo necessário.Por oportuno, destaca-se a rejeição da preliminar de litiscon-sórcio passivo necessário prolatada nos autos da ação civil pública Ação Civil Pública n. 051.07.000608-4, que combate o nepotismo no Município de Passos Maia:Encontra-se pendente de apreciação o pedido formulado pelos réus no item “a” das informações (fl. 89), no sentido de que sejam notificados “... todos os servidores nominados na causa de pedir para que integrem a lide na condição de litisconsortes necessários...”Instado, o autor requereu o indeferimento de tal pedido, sob os fundamentos elencados às fls. 107/111.Pois bem.Dispõe o art. 47 do Código de Processo Civil: “Há litis-consórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.” (grifei)Ovídio A. Baptista da Silva ensina que “[...] Diz-se que o litisconsórcio é necessário quando, por disposição de lei, ou pela natureza da relação litigiosa, o processo só se possa formar com a presença de mais de um autor ou mais de um réu, ou seja, de todos os interessados” (in Curso de Processo Civil. Processo de Conhecimento. Vol. 1. 4ª ed. SP: Revista dos Tribunais, 1998, pg. 254).Logo adiante, o mesmo autor prossegue:“GUILHERME ESTELLITA (ob. cit., pág. 314) diz, com propriedade, que litisconsórcio necessário deverá ser definido tendo-se em conta sobretudo o elemento que verdadeiramen-te o define que é a ‘obrigatoriedade’ de sua formação, ou a condição de ser ‘indispensável’ pelas partes, seja porque a lei assim o exija, seja porque a natureza da relação litigiosa igualmente o imponha, por não ser possível a decisão da lide única sem a presença de todos os seus integrantes, tendo em vista a unitariedade da relação de direito material litigiosa” (ob. Cit., mesma pág.)

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Observe-se que a lei e a doutrina falam em ‘obrigatoriedade’ e ‘indispensabilidade’ da formação do litisconsórcio, sem o qual a sentença seria ‘impossível’.O caso em tela não guarda esses contornos.Em primeiro lugar, cumpre assinalar que, na hipótese ver-tente, não existe disposição legal que obrigue à formação do litisconsórcio passivo necessário.No que diz respeito à natureza da relação jurídica, cumpre fazer algumas ponderações.Os funcionários atingidos pela decisão liminar não são titu-lares “do direito de contratar” questionado em Juízo; logo, não há razão para que, necessariamente, ocupem o polo passivo da demanda.Os pedidos formulados na inicial dirigem-se contra os entes que detêm os poderes para fazer as contratações impugnadas, como não poderia deixar de ser.Obviamente que ditos funcionários sofrerão os reflexos de uma eventual sentença de procedência, mas a hipótese não se confunde com o instituto do litisconsórcio necessário. Não reside qualquer ineditismo no fato da sentença poder atingir terceiros.Ao tratar dos ‘terceiros juridicamente interessados e efeitos reflexos da sentença’, OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA ensina:“Finalmente aparecem os terceiros ‘juridicamente interessa-dos’ em virtude de integrarem uma relação jurídica autôno-ma, mas ligada por um vínculo de ‘conexidade’ com a relação litigiosa. A estes a coisa julgada não atinge, mas as eficácias diretas da sentença refletem-se sobre a relação jurídica co-nexa, modificando-a ou mesmo fazendo-a desaparecer.” (in Curso de Processo Civil. Processo de Conhecimento. Vol. 1. 4ª ed. SP: Revista dos Tribunais, 1998, pg. 508).Naturalmente, o instituto da ‘coisa julgada’ não pode ser oposto a esses terceiros, caso não venham a integrar a lide, mas isso não quer dizer que não devam submeter-se à eficácia da eventual sentença de procedência a ser proferida.Com efeito, “[...] A sentença, enquanto coisa julgada, jamais poderá atingir os terceiros, que somente poderão expor-se a suas eficácias naturais. Logo, seria impróprio aludir à ‘eficácia da coisa julgada perante os terceiros’, uma vez que esta proposição não teria conteúdo real. O que alcança os terceiros não é a coisa julgada, mas a sentença, enquanto pro-dutora de efeitos declaratórios, constitutivos – especialmente constitutivos, quase sempre confundidos com produção de coisa julgada contra terceiros, como eficácia ‘erga omnes’ -,

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condenatórios, mandamentais ou executivos” (ob. cit., pg. 511). (grifei)Exemplo claro desse fenômeno (eficácia reflexa da sentença) é o caso da sentença que decreta o despejo, em relação ao subinquilino. Nesse sentido, aproveita-se novamente a lição do mesmo doutrinador antes apontado:“O exemplo mais corriqueiro deste tipo de influência, a que se dá o nome de ‘eficácia reflexa da sentença’, é o efeito produzido pela sentença que decreta o despejo, na ação sustentada pelo locador contra seu inquilino, perante o subinquilino do prédio. A relação jurídica que o liga ao sublocador certamente não constituiu objeto do processo nem foi de qualquer modo decidida pela sentença, como matéria integrante do ‘decisum’; e, não obstante, a extinção do contrato de locação fará com que desapareça, automati-camente, a sublocação (art. 1.203 do Código Civil).”Por tais motivos, indefiro o pedido formulado pelos réus, no item “a” da fl. 89.

De acordo com os argumentos acima colacionados, conclui-se que a alegação de litisconsórcio passivo necessário não merece prosperar.

b) Desnecessidade de manifestação dos fiscais da vigilância sanitária no procedimento administrativo preliminar que culminou na elaboração do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC):

O sujeito apto a firmar o TAC com o órgão ministerial, no presente caso, não poderia deixar ser aquele que detém o poder de comando da admi-nistração municipal.

Observe-se que os servidores estaduais afetados pela execução do TAC não mantêm relação direta com o objeto da avença, ou seja, não são peças determinantes no quadro que engendrou as designações ilegais para atuarem na Vigilância Sanitária Municipal.

Rodolfo de Camargo Mancuso muito bem explicita as divergências que podem ocorrer quanto à configuração do pólo passivo do Termo de Ajustamento de Conduta3:

Questão relevante diz respeito à possibilidade de não haver unanimidade nos pólos ativo e/ou passivo quan-to à realização da transação: suponha-se que um dos co-réus ou um dos co-autores não aceite a transação. Considerando-se o que antes já se expôs sobre litisconsórcio e assistência, cremos que são possíveis estas conclusões: a) se quem discorda é um assistente simples, tal não em-pece a transação, já que ele não exercita uma posição jurídica própria, e sim, de mera adesão ao assistido

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(CPC, arts. 50 e 53); b) se quem está se opondo é um assistente litisconsorcial (CPC, art. 54), tal conduta retirará a eficácia da transação, já que ele é titular de uma relação com o “adversário do assistido”, sendo, ademais, alcançado pelos efeitos da coisa julgada; c) se o que resiste à transação é um dos litisconsortes, aplica-se a solução sub b, mesmo em face do princípio genérico da liberdade de atuação dos litisconsortes (CPC, art. 48). (grifou-se)

Na realidade, os servidores estaduais se apresentam como terceiros interessados (assistentes simples), nos moldes do art. 50 do Código de Pro-cesso Civil:

Art. 50. Pendendo uma causa entre duas ou mais pessoas, o terceiro, que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas, poderá intervir no processo para assisti-la. (grifou-se)Parágrafo único. A assistência tem lugar em qualquer dos tipos de procedimento e em todos os graus da jurisdição; mas o assistente recebe o processo no estado em que se encontra.

Nesse sentido, os servidores estaduais não são capazes de interferir na elaboração do referido TAC, pois não detêm o poder de transigir a respeito das designações ilegais procedidas pelo chefe do poder executivo (art. 53, CPC):

Art. 53. A assistência não obsta a que a parte principal reco-nheça a procedência do pedido, desista da ação ou transija sobre direitos controvertidos; casos em que, terminando o processo, cessa a intervenção do assistente. (grifou-se)

A ausência de manifestação dos servidores no bojo do procedimento administrativo preliminar não constitui óbice à execução do TAC. Eles podem, em outro processo, repudiar o reflexo da transação.

A respeito, leciona José dos Santos Carvalho Filho4:O compromisso de ajustamento, sendo formado em título executivo extrajudicial, confere certeza jurídica às obrigações nele contidas, sendo desnecessária qualquer discussão sobre os comportamentos que constituíram objeto da declaração compromissória.Em decorrência desse fato, o título executivo que o repre-senta pode ser imediatamente objeto de ação de execução no caso de haver descumprimento, por parte do compromitente, das obrigações a que se comprometeu.

Ademais, consoante a lição de Hugo Nigro Mazzilli5, o procedimento administrativo preliminar não está sujeito ao princípio do contraditório:

Somente em sentido lato se pode dizer seja o inquérito civil

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um processo administrativo; por isso, não está sujeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa que iluminam os processos judiciais e os processos administrativos em sentido estrito, nos quais: a) haja litigantes, parte ou acusados; b) se apliquem penas ou sanções; c) se decidam interesses controvertidos. Com efeito, se no inquérito civil não há im-putação, pretensão ou exercício de ação, nele também não pode haver exercício de defesa.Assim, se a Constituição e as leis incumbem ao Ministério Público o dever de promover a ação civil pública em juízo, no zelo de relevantes interesses ligados à defesa do patri-mônio público e social, do meio ambiente, do consumidor e outros interesse difusos e coletivos, é natural que lhe caiba, como titular do direito de ação, o poder de investigar, por meio de inquérito civil, se existem os elementos de fato necessários para servir de suporte à pretensão a ser por ele ajuizada. Não sendo um fim em si mesmo, o inquérito civil não é contraditório.

No mesmo sentido, os Tribunais têm decidido que o princípio do con-traditório não se estende ao curso das investigações preparatórias procedidas pelo Ministério Público:

Acordão

Origem: TRIBUNAL - QUINTA REGIAO Classe: AG - Agravo de Instrumento - 34445 Processo: 200105000035460 UF: CE Órgão Julgador: Terceira Turma Data da decisão: 23/10/2001 Documento: TRF500050774

Fonte DJ - Data: 28-2-2002 - Página: 1473Relator(a) Desembargador Federal Paulo GadelhaDecisão UNÂNIME

Ementa

PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INQUÉRITO CIVIL. PROCEDIMENTO ADMI-NISTRATIVO. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFE-SA. GARANTIA INEXISTENTE.1 - O INQUÉRITO CIVIL É PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO INVESTIGATÓRIO DE CARÁTER PRÉ-PROCESSUAL E REALIZADO EXTRAJUDICIALMENTE, DESTINADO A COLHER PROVAS PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA.2 - OS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO SÃO GARANTIAS ASSEGURADAS EM PROCESSO ADMINISTRATIVO OU JUDICIAL.3 - INEXISTEM NO INQUÉRITO CIVIL AS GARANTIAS DO CONTRA-DITÓRIO A DA AMPLA DEFESA.

Data Publi-cação 28-2-2002

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Acordão

Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Classe: RESP - RECURSO ESPECIAL - 476660 Processo: 200201518387 UF: MG Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA Data da decisão: 20-5-2003 Documento: STJ000496483

Fonte DJ DATA:4-8-2003 PÁGINA:274Relator(a) ELIANA CALMONDecisão

Acordão

Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Classe: RESP - RECURSO ESPECIAL - 886137 Processo: 200601854553 UF: MG Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA Data da decisão: 15-4-2008 Documento: STJ000828167

Fonte DJ DATA: 25-4-2008 PÁGINA:1Relator(a) HUMBERTO MARTINSDecisão

Ementa

PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LESÃO AO MEIO AMBIENTE – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284/STF.1. Impõe-se o não-conhecimento do recurso especial, pois não basta a mera indicação do dispositivo supostamente violado. As razões do recurso especial devem exprimir, com transparência e objetividade, os motivos pelos quais o recor rente visa reformar o decisum.Incidência da Súmula 284/STF.2. Inexiste ofensa ao contraditório no inquérito civil –preparatório da ação civil pública –, pois representa mera peça informativa que pode ser colhida sem a observância do princípio do contraditório. Precedentes: REsp 849.841/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 28.8.2007, DJ 11.9.2007, REsp 644.994/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 17.2.2005, DJ 21.3.2005.3. In casu, a nulidade foi bem afastada pelo Tribunal de origem pois, nem sequer foram aproveitadas as provas colhidas no inquérito civil uma vez que o juiz sentenciante determinou a elaboração de perícia judicial a fim de comprovar o dano ao meio ambiente.Recurso especial não-conhecido.

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Ementa

PROCESSO CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - INQUÉRITO CIVIL: VALORPROBATÓRIO - REEXAME DE PROVA: SÚMULA 7/STJ.1. O inquérito civil público é procedimento facultativo que visacolher elementos probatórios e informações para o ajuizamento de ação civil pública.2. As provas colhidas no inquérito têm valor probatório relativo,porque colhidas sem a observância do contraditório, mas só de-vem ser afastadas quando há contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzida sob a vigilância do contraditório.3. A prova colhida inquisitorialmente não se afasta por mera ne-gativa, cabendo ao juiz, no seu livre convencimento, sopesá-las.4. Avanço na questão probatória que esbarra na Súmula 7/STJ.5. Recursos especiais improvidos.

Acordão

Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Classe: ROMS - RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGU-RANÇA - 8716 Processo: 199700485234 UF: GO Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA Data da decisão: 31-3-1998 Documento: STJ000210916

Fonte DJ DATA:25-5-1998 PÁGINA:11Relator(a) MILTON LUIZ PEREIRADecisão POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO DO RECURSO.

Ementa

AÇÃO CAUTELAR (EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS BANCARIOS). LE-GITIMIDADE DO MINISTERIO PUBLICO ESTADUAL. PROVIDENCIAS INVESTIGATORIAS URGENTES E PREPARATORIAS PARA O INQUERI-TO CIVIL E AÇÃO CIVIL PUBLICA.CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTS. 5., X E XII, 37, 127 E 129. LEI 4.595/64 (ART. 38). LEI 7.347/85. LEI 4.728/65 (ART. 4., PAR. 2.) E LEI 8.625/93 (ARTS. 25 E 26).1. A PARLA DE RELEVANTE INTERESSE PUBLICO E SOCIAL, AM-PLIOU-SE AO AMBITO DE ATIVIDADES DO MINISTERIO PUBLICO PARA REALIZAR ATIVIDADES INVESTIGATORIAS, ALICERÇANDO INFORMAÇÕES PARA PROMOVER O INQUERITO E AÇÃO CIVIL PUBLICA (C.F., ARTS. 127 E 129, III, - LEI 7.347/85, ARTS. 1. E 5.).2. O SIGILO BANCARIO NÃO E UM DIREITO ABSOLUTO, QUANDODEMONSTRADAS FUNDADAS RAZÕES, PODENDO SER DESVEN-DADO POR REQUISIÇÃO DO MINISTERIO PUBLICO EM MEDIDAS E PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS, INQUERITOS E AÇÕES, MEDIANTE REQUISIÇÃO SUBMETIDA AO PODER JUDICIARIO.3. A “QUEBRA DE SIGILO” COMPATIBILIZA-SE COM A NORMA INSCRITA NO ART. 5., X E XII, C.F., CONSONO JURISPRUDENCIA DO STF. 4. O PRINCIPIO DO CONTRADITORIO NÃO PREVALECE NO CURSO DAS INVESTIGAÇÕES PREPARATORIAS INCETADAS PELO MINISTE-RIO PUBLICO

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Diante do exposto, percebe-se que a ausência de manifestação dos fiscais da vigilância sanitária, no procedimento administrativo preliminar que originou o referido Termo de Ajustamento de Conduta, não tem o condão de inviabilizar a execução daquilo que foi avençado pelo chefe do poder executivo.

1 SANTOS, Moacyr Amaral dos. Teoria geral do processo, 6ª ed., Revista dos Tribunais, n. 169, obra citada por CARNEIRO, Athos Gusmão, Intervenção de Terceiros, 6ª Ed., São Paulo, Ed. Saraiva, 1994, p. 4 e 5.

2 GUSMÃO, Athos. Teoria geral do processo, 6ª ed., Revista dos Tribunais, n. 169, obra citada por CARNEIRO, Intervenção de Terceiros, 6ª Ed., São Paulo, Ed. Saraiva, 1994, p. 107/109.

3 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 336.

4 CARVALHO FILHO. José Santos. Ação civil pública. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 254.

5 MAZZILLI, Hugo Nigro. O inquérito civil. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 241-242.

(*) Esta pesquisa possui anexos, os quais podem ser consultados acessando-se a página da intranet do MP/SC, opção > “Auxiliares”; > “CMA Moralidade Administrativa” > “Pes-quisas do CMA”, > Título: “Descumprimento de TAC. Ajuizamento da respectiva Ação de Execução. Desnecessidade de formação de litisconsórcio passivo. Desne-cessidade manifestação envolvidos diretos, mas não responsáveis pelas condutas, em Procedimento Administrativo Preliminar originário do TAC.”

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PESQUISA – CMA n. 80/2008Data: 16 de julho de 2008

Improbidade administrativa - Uti-lização de e-mail institucional para comunicação partidária.

SOLICITAÇÃO:

Solicita-se pesquisa sobre a eventual caracterização de ato de impro-bidade administrativa na seguinte situação: diretório municipal de partido político (PP de Ponte Serrada), ao qual é filiado o atual prefeito, que se utiliza do e-mail da administração municipal (administraçã[email protected]) para receber comunicações e intimações da Justiça Eleitoral referentes ao partido político.

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CONTEÚDO:

A questão posta leva a refletir acerca da linha que separa o público e o privado. Até que ponto a utilização de um bem público como se privado fosse pode ser considerada moralmente aceitável? E, ainda, qual os elementos que distinguem um ato imoral de um ato de improbidade administrativa?

A experiência brasileira mostra que é muito comum a confusão entre o público e o privado. A trajetória política do país, intensamente marcada pelo patrimonialismo e oligarquias, tardou a contribuir para o desenvolvimento de mecanismos aptos a coibir práticas abusivas dos administradores públicos.

Foi o art. 37, § 4°, da Constituição da República de 1988, regulamen-tado pela Lei n. 8.429/92, que consagrou a defesa do patrimônio público e a tipologia dos atos de improbidade administrativa.

O art. 37, caput, também reconheceu expressamente a adesão da Ad-ministração Pública ao princípio da moralidade administrativa. O conceito de moral comum não é contínuo, do mesmo do modo que a sociedade, muda a cada dia, não sendo possível precisar seu conteúdo. De outra sorte, o princí-pio da moralidade administrativa já nasce com matriz pré-determinada pela Constituição da República, sendo perfeitamente aferível no caso concreto. De acordo com Emerson Garcia1:

A moral administrativa, por sua vez, é extraída do próprio ambiente institucional, condicionando a utilização dos meios previstos em lei para o cumprimento da função própria do Poder Público, a criação do bem comum, o que denota um tipo específico de moral fechada, sendo fruto dos valores de um círculo restrito ocupado pelos agentes públicos. En-quanto a moral comum direciona o homem em sua conduta externa, permitindo-lhe distinguir do bem do mal, a moral administrativa o faz em sua conduta externa, a partir das idéias de boa administração e de função administrativa, con-forme os princípios que regem a atividade administrativa.

É certo que o controle realizado sobre a atuação “dos agentes públicos deve ser rígido e intenso, o que permitirá um paulatino aperfeiçoamento da atividade estatal e, o que é mais importante, a necessária adequação dos agentes públicos aos valores próprios de um Estado Democrático de Direito, no qual o bem comum representa o pilar fundamental”.2

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina julgou ímproba a conduta de Prefeito que transformou o paço municipal em comitê partidário, constatando-se a efetiva existência de esquema de uso irregular da máquina pública na eleição municipal3:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINIS-

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TRATIVA. UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTO (VEÍ-CULOS, COMPUTADORES E IMPRESSORAS ETC. ) E DE MÃO-DE-OBRA MUNICIPAL PARA A CONFEC-ÇÃO E ENTREGA DE MATERIAL ELEITORAL, COM O NÍTIDO INTUITO DE FAVORECER O PREFEITO MUNICIPAL E O VICE-PREFEITO, ENTÃO CAN-DIDATOS À REELEIÇÃO. CONFIGURAÇÃO NÃO SÓ DE ATOS OBVIAMENTE ÍMPROBOS, PORQUE VULNERADOS OS PRINCÍPIOS ARROLADOS NO CAPUT DO ART. 11 DA LEI N. 8.429/92, COMO TAM-BÉM DE ILÍCITOS PRATICADOS EM DETRIMENTO DO PROCESSO ELETIVO POR AGENTES PÚBLICOS (LEI n. 9.504/97). PROCEDÊNCIA.O uso de equipamentos públicos e a atribuição aos servi-dores municipais de atividades voltadas para a confecção de material eleitoral constituem não só atos de improbidade, mas, também, ilícitos praticados em detrimento do processo eletivo por agente público, mediante a “utilização da própria estrutura administrativa posta à sua disposição com a finali-dade, única e exclusiva, de satisfazer o interesse público. Em casos tais, sempre que o agente público mutilar os fins de seu obrar, desviando-os para si mesmo ou para terceiros que de alguma forma passam a beneficiá-lo, estará configurado o desvio de finalidade e, consequentemente, o ato de impro-bidade. Assim, tratando-se de agente público, sempre que no curso do procedimento eletivo for detectada a prática de um ato que esteja em dissonância com a legislação eleitoral, quer sejam identificados os elementos configuradores do abuso de poder, quer se trate de mera violação a um preceito específico, além das sanções de natureza eleitoral, que serão aplicadas pela Justiça Eleitoral, estará o agente sujeito às demais sanções cíveis, penais e administrativas cominadas à espécie, isto, por óbvio, sem prejuízo da aplicação da Lei de Improbidade” (GARCIA, Emerson & ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Edi-tora Lumen Juris, 2006, p. 289-290).DOSIMETRIA DA PENA. PRINCÍPIOS DA PROPOR-CIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. 1. A fixação das sanções estabelecidas no art. 12 da LIA deve levar em conta o padrão de lesividade e a reprovabilidade da conduta. Quanto mais graves forem, maior a exasperação das penalidades.2. A reprimenda imposta ao agente deve, ainda, ser adequada e coerente em relação ao ato ímprobo que cometeu. E mais: compatível com a gravidade e a extensão do dano (material e moral) causado.

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3. Logo, não se admite a aplicação automática das mesmas sanções a todos os ímprobos quando não uniformes as condutas. É indispensável que as circunstâncias que as in-fluenciaram sejam valoradas e que haja uma logicidade entre o tipo de infração e a definição da sanção. Explicando: ao agente público que frustra ou frauda processo de licitação, é razoável a proibição de contratar com o Poder Público; àquele que comete infração à lei eleitoral, a sanção de perda do cargo (se o caso a recomendar) e a suspensão dos direitos políticos é coerente.4. Considerações que, aplicadas ao caso vertente, eviden-ciam a desproporcionalidade e a inadequação das sanções impostas aos agentes públicos, que se impõem ou reduzidas ou subtraídas.

De outro lado, o Superior Tribunal de Justiça já entendeu pela desca-racterização de ato de improbidade administrativa, no caso de agente público que se utilizou indevidamente de veículo oficial e recebeu irregularmente diárias de viagem, em consequência da baixa potencialidade ofensiva de sua conduta l4:

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO – LITIS-CONSÓRCIO FACULTATIVO: UNIDADE (ART. 509 DO CPC) - ATO DE IMPROBIDADE - DESFALQUE PATRIMONIAL - LEI 8.429/92. 8. Litisconsórcio facultativo que, pelas circunstâncias fáticas, recomenda unidade de julgamento.9. 2. Ingresso dos litisconsortes no feito, em grau de recurso especial interposto por um deles apenas, nos termos do art. 509 do CPC.Desfalque patrimonial irrelevante para a configuração da improbidade, considerando os valores e o comportamento da sociedade brasileira, pelo potencial ofensivo de baixa agressão à moralidade pública.4. Recurso especial provido.

Extrai-se do corpo do acórdão:Admitido o recurso, porque prequestionados os arts. da Lei 8.429/92, passo a enfrentá-lo. Advirto que o desfalque pa-trimonial é irrelevante para a configuração da improbidade, porque mesmo recomposto, como na hipótese dos autos, examina-se o aspecto da moralidade pública.São os recorrentes acusados do recebimento de diárias de viagem e uso indevido de veículo oficial.Sem ser tolerante com os desvios administrativos, quando no trato com a coisa pública, entendo que a avaliação não

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pode abstrair o universo fático da sociedade, sob o prisma local e temporal. A sociedade brasileira tenta sair das viciadas práticas oligárquicas e individualistas. Queiramos ou não, na avaliação do que é moral ou imoral, do que é ético ou não ético, nos esbarramos nos obstáculos deste país que, à míngua de uma educação social historicamente apurada, construiu frouxos valores sociais: o que é meu, é meu; o que é público é de ninguém.[...]Sem avaliação sistemática e probatória, mesmo porque incompatível com o recurso especial, não se pode deixar de sopesar a situação fática. JOÃO JOSÉ GONÇALVES só realizou duas viagens, enquanto JOSÉ CARLOS ALVES CARDOSO e JOÃO LEMBO unicamente quatro viagens. E por isso são condenados a suspensão de direitos políticos por oito anos e perda da função pública? É uma despropor-cionalidade tamanha que agride o mais elementar princípio norteador da aplicação do direito, principalmente quando desafia a imposição de sanção. É o princípio da razoabilidade que, outro não é senão o bom senso do magistrado.

Vale dizer que o ato praticado pelo prefeito de Ponte Serrada aparenta o desrespeito ao princípio da moralidade e também é socialmente censurável. Porém, pergunta-se: a potencialidade ofensiva de sua conduta seria capaz de ensejar a configuração de um ato de improbidade administrativa, com a con-sequente suspensão dos direitos políticos e perda da função pública daquele que foi eleito pela maioria popular?

Nesse sentido, qual seria a medida da improbidade administrativa? Sem dúvida, que o princípio da proporcionalidade ditará qual a sanção cabível no caso concreto. A utilização do email da administração para o recebimento de informações da Justiça Eleitoral, a priori, considerada como um fato isolado, não poderia conduzir à suspensão dos direitos políticos ou à perda da função pública.

A consubstanciação do ato de improbidade verificar-se-á, então, pela valoração dada ao princípio da moralidade administrativa, no caso concreto, em contraposição ao princípio da proporcionalidade. Segundo Emerson Garcia5:

A configuração da improbidade, no entanto, ainda pres-supõe a ponderação do ato em cotejo com os valores que violou, denotando sua potencialidade lesiva em detrimento dos interesses tutelados, operação que será realizada com a utilização do princípio da proporcionalidade.

Ressalte-se que a utilização do princípio da proporcionalidade “exige que o operador do direito realize uma valoração responsável da situação fática, o

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que garantirá um relação harmônica entre os fins da lei e os fins que serão atingidos com a sua aplicação ao caso concreto.”6

Segundo a preleção de Emerson Garcia7:À improbidade formal deve estar associada a improbidade material, a qual não restará configurada quando a distorção comportamental do agente importar em lesão ou enriqueci-mento de ínfimo ou de nenhum valor; bem como quando a inobservância dos princípios administrativos, além daqueles elementos, importar em erro de direito escusável ou não assumir contornos aptos a comprometer a consecução do bem comum (art. 3°, IV, da CR/88).[...]Nos casos de improbidade meramente formal, restará a in-cidência das sanções de ordem política ou administrativa, de natureza e grau compatíveis com a reprovabilidade do ato. [...]Merece ser lembrada, aqui, a célebre frase de Jellinek, que sintetiza a idéia de proporcionalidade: “não se abatem pardais disparando canhões”.

Diante do exposto, pode-se dizer que, caso a utilização do e-mail da Administração Pública seja realmente um fato isolado (indício de ato de impro-bidade), não existindo outras atitudes dissociadas da função pública, afigura-se desproporcional o ajuizamento da ação de improbidade administrativa.

1 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006 p. 74.

2 Idem, p. 78.3 TJSC. Apelação Cível n. 2007.049877-0. Rel. Des. Vanderlei Romer.4 STJ. Resp. 324.730 – SP. Rel. Min. Eliana Calmon.5 Ibid, p. 49.6 Ibid, p. 104.7 Ibid, p. 105-108.

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PESQUISA – CMA n. 81/2008Data: 13 de agosto de 2008

Descumprimento LRF - Município deixou de comunicar dívidas à União - Obtenção de financiamentos com a União.

SOLICITAÇÃO

Trata-se de análise quanto a fatos informados pelo Promotor de Justiça com atuação na 14ª PJ de Blumenau, em que se noticia a omissão, pela Pre-feitura Municipal, de comunicação à União, nos termos do art. 51 da LRF, de “termo de amortização de dívida” pactuado com o INSS, no ano de 2000, o que levou o Município a obter vultosos financiamentos, nos anos de 2003 e 2005, onde não foi considerado a dívida previdenciária.

Nestes termos, tem-se que o art. 51, da LRF, estabelece que a União promoverá, até o dia 30/06 de cada ano, a CON-

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SOLIDAÇÃO das contas dos entes da federação (Estados e Municípios), inclusive por meio eletrônico de acesso público. O inciso I, do §1º, do citado art. estabelece que o Município informará suas contas à União até o dia 30/04.Na verdade, como você bem sabe, o objetivo de tais provi-dências e controlar o endividamento dos Estados e Municí-pios, cuja consequência principal é a vedação na concessão de empréstimos além do limite de 120% da receita corrente.Pelas informações, tem-se que em Blumenau, no ano de 2000 a administração firmou um “Termo de Amortização de Dívida” com o INSS, no valor aproximado 90 milhões, mas nas informações à União omitia tal débito. Com isso, conseguiu expressivos financiamentos (12 milhões) nos anos de 2003 e 2005. Todavia, assim que assumiu nova administração municipal em 2005, foram surpreendidos com a negação de um novo empréstimo formulado pelo Município ao BNDES, sob o justificativa de que o Tesouro nacional percebeu a existência daquele débito com o INSS e por isso Blumenau foi colocado na condição de não habilitado a receber empréstimos. Vale dizer, em síntese, que a administração municipal pro-cedeu à informações incompletas, omitindo o débito com o INSS, ao passo que o ente federal encarregado da conso-lidação não percebeu a omissão.Analisa-se assim a existência de ato de improbidade ou a prática de ilícitos penais.

CONTEÚDO:

Verifica-se, em princípio, que a conduta omissiva da administração mu-nicipal, na pessoa no responsável pela prestação das informações, configura ato de improbidade administrativa, por infração aos princípios constitucionais norteadores da Administração Pública, consoante o disposto no art. 11 da Lei n. 8.429/92:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Administração Pública qual-quer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e no-tadamente [...]

Diante da omissão de informação à Secretaria do Tesouro Nacional acerca de “Termo de Amortização de Dívida” formalizado com o INSS, em 2000, no valor de quase R$ 90 milhões de reais, propiciou-se livre caminho para a contratação de empréstimos, nos anos de 2003 e 2005, que superaram

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a cifra de R$ 11 milhões de reais.Aqui reside, em tese, a má-fé do administrador que dolosamente omitiu

informações que viabilizaram a assunção de empréstimos superiores à capaci-dade orçamentária do Município, causando desequilíbrio fiscal e restringindo o potencial governamental das administrações posteriores (comprometimento da renda pública disponível).

1 Infração à Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 51)

A omissão correspondeu precisamente no desatendimento da obrigação legal do Município prestar contas anualmente à União, que se encontra prevista no art. 51 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF – LC 101/00):

Art. 51. O Poder Executivo da União promoverá, até o dia trinta de junho, a consolidação, nacional e por esfera de governo, das contas dos entes da Federação relativas ao exercício anterior, e a sua divulgação, inclusive por meio eletrônico de acesso público.§ 1º Os Estados e os Municípios encaminharão suas contas ao Poder Executivo da União nos seguintes prazos:I - Municípios, com cópia para o Poder Executivo do res-pectivo Estado, até trinta de abril;II - Estados, até trinta e um de maio.§ 2º O descumprimento dos prazos previstos neste art. impedirá, até que a situação seja regularizada, que o ente da Federação receba transferências voluntárias e contrate ope-rações de crédito, exceto as destinadas ao refinanciamento do principal atualizado da dívida mobiliária.

Dessa forma, a União agregará as contas públicas por completo e por nível de governo. O produto dessa tarefa será disponibilizado ao público, inclusive por meio eletrônico. Para tanto, os Municípios encaminharão suas contas até 30 de abril, sob pena de suspensão do recebimento de transferências voluntárias e celebração de operações de crédito (§ 2°, art. 51).

O objetivo desse comando normativo é a consolidação das informações contábeis, para se obter uma visão global e detalhada dos vários segmentos da Administração e melhor avaliação das ações estatais. Segundo o ensinamento de Heraldo Reis1:

[...] Sem tal disposição, não seria possível a evidenciação e a transferência das informações nas demonstrações contábeis ficaria prejudicada, bem como a própria Administração que desconheceria o montante dos re-

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cursos movimentados e se os objetivos foram realmente alcançados, assim como o público externo, que também desconheceria a situação real da entidade governamen-tal como um todo. (grifou-se)

No mesmo sentido, Afonso Gomes Aguiar ensina que2:[...] compete à União, através de seus órgãos de Contabilidade (art. 23, § 3º, Decreto-Lei n. 200/67), o trabalho de em um único balanço consolidar as contas públicas de todos os entes da Federação. Esse balanço consolidado, que objetiva fins estatísticos e outros de interesse nacional, condensará, por esfera de governo, todas as contas públicas dos entes federativos relativas ao exercício anterior; assegurando-se ampla divulgação do mesmo, inclusive através de meios eletrônicos de acesso público (art. 51, LRF).

Importante lembrar que, no setor público brasileiro, a exigência quanto à consolidação de balanços encontra-se presente em duas normas legais: Lei n. 4.320/64 e Lei Complementar n. 101/00 (LRF).

A Lei n. 4.320/64, por sua vez, define no art. 111, que:Art. 111. O Conselho Técnico de Economia e Finanças do Ministério da Fazenda, além de outras apurações, para fins estatísticos, de interesse nacional, organizará e publicará o balanço consolidado das contas da União, Estados, Muni-cípios e Distrito Federal, suas autarquias e outras entidades, bem como um quadro estruturalmente idêntico, baseado em dados orçamentários.§ 1º Os quadros referidos neste art. terão a estrutura do Anexo n. 1.§ 2 O quadro baseado nos orçamentos será publicado até o último dia do primeiro semestre do próprio exercício e o baseado nos balanços, até o último dia do segundo semestre do exercício imediato àquele a que se referirem.Art. 112. Para cumprimento do disposto no art. precedente, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal remeterão ao mencionado órgão, até 30 de abril, os or-çamentos do exercício, e até 30 de junho, os balanços do exercício anterior.Parágrafo único. O pagamento, pela União, de auxílio ou contribuição a Estados, Municípios ou Distrito Federal, cuja concessão não decorra de imperativo constitucional, dependerá de prova do atendimento ao que se determina neste art..

Em atenção ao artigo referido, Heraldo Reis3 afirma que:

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O balanço consolidado é de grande utilidade no pro-cesso de planejamento, quer físico, quer financeiro, provocando certas reações psicológicas que levam os responsáveis pela Administração Pública à formulação de decisões, frente à posição global das contas eviden-ciadas no balanço consolidado. (grifou-se)

Diante dessas considerações, pode-se afirmar que a LRF busca for-necer o supedâneo necessário para que se possa estabelecer, no âmbito da Administração Pública, uma gestão fiscal responsável. Destaque-se que o art. 50 da LRF contém previsão de escrituração específica a respeito das dívidas previdenciárias:

Art. 50. Além de obedecer às demais normas de contabili-dade pública, a escrituração das contas públicas observará as seguintes: IV – as receitas e despesas previdenciárias serão apre-sentadas em demonstrativos financeiros e orçamentários específicos;V – as operações de crédito, as inscrições em Restos a Pa-gar e as demais formas de financiamento ou assunção de compromissos junto a terceiros, deverão ser escrituradas de modo a evidenciar o montante e a variação da dívida pública no período, detalhando, pelo menos, a natureza e o tipo de credor;

Nesse quadrante, pode-se dizer que o art. 51 da LRF traduz a obrigação que tem o agente público de adotar ação planejada e transparente, para que se previnam riscos e se corrijam desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, sendo que a sua inobservância pode acarretar sanções de caráter civil, penal e administrativo.4

2 Prática ofensiva aos princípios da Administração Pública

A exigência social da transparência e boa gestão fiscal do administrador público imanente das disposições da LRF encontra fundamento no direito constitucional a um governo honesto (arts. 5.º, LXXIII5, e 37, caput, e § 4º6), até porque os princípios constitucionais pertinentes convergem ao dever de boa administração.

Deve-se ter em mente que a conduta omissiva da administração através de seus agentes, além de infringir o art. 51 da LRF, pode atentar contra os princípios constitucionais que regem a Administração Pública, notada-mente, os princípios da honestidade, publicidade e da moralidade administra-tiva, enquadrando-se, em tese, como ato de improbidade administrativa, nos

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moldes do art. 11 da Lei n. 8.429/92, evidenciando a prática de ato visando a fim diverso daquele previsto na regra de competência.

Sobre o princípio da publicidade, Emerson Garcia comenta que7:Inexistindo transparência, não seria passível de aferição a necessária adequação que deve existir entre os atos estatais e a consecução do interesse público, razão de ser do pró-prio Estado. Tal culminaria em impedir que os interessados zelassem por seus direitos, pois, se não conhecem os mo-tivos que embasaram o agir da administração, tornar-se-ia tarefa assaz difícil impugná-los, o que torna obrigatória a declinação destes.A publicidade haverá de ser ampla, sendo ilícitas as omissões ou incorreções eventualmente detectadas. O princípio, ademais, é de observância obrigatória por todos os entes da Administração Pública, direta ou indireta, de qualquer dos Poderes e de todas as esferas da Federação.

Sob este enfoque, as normas da LRF buscam garantir maior transparên-cia nos registros do dinheiro público. A Administração Pública deve manter um sistema de custos que permita a avaliação e o acompanhamento da gestão orçamentária, financeira e patrimonial, razão pela qual a LRF destacou, como já visto em linhas anteriores, a importância da escrituração e consolidação de contas dos entes públicos (arts. 50 e 51).

Destaca-se que não são apenas os princípios constitucionais da Admi-nistração Pública descritos no art. 37 da CR/88 que ensejam a responsabiliza-ção por ato de improbidade administrativa. Outros princípios espraiados no corpo constitucional ou mesmo implícitos na Constituição Federal e, ainda, princípios estampados na legislação infraconstitucional, integram o arcabou-ço normativo que sustenta a defesa da moralidade administrativa. Segundo Waldo Fazzio Jr.8:

Em matéria de princípios, o elenco do art. 37 não se esgota no caput. Querendo evitar dúvidas sobre a existência de outros princípios administrativos, o próprio constituinte os declara ao usar a expressão ‘e também ao seguinte’, para designá-los em seus incisos e parágrafos: [...]Mesmo assim, a clareza meridiana do texto fundamental não esgota a matéria. É que nem só o art. 37 porta princípios norteadores da Administração Pública. Ao longo do texto constitucional, eles alojam-se em diversos dispositivos nu-cleares, daí porque os denominamos subprincípios: econo-micidade, motivação e razoabilidade.[...]Saindo da Carta Magna, não é difícil detectar outros sub-

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princípios. [...]O art. 1º parágrafo 1º, da LRF traz o subprincípio da responsabilidade na gestão fiscal, concebendo-se como ação planejada e transparente, em que previnem riscos e corrigem desvios de afetar o equilíbrio das contas públicas.[...]Por isso, para verificar a caracterização ou não de atos de improbidade administrativa praticados pelo prefeito, todos os princípios e subprincípios (explícitos e implí-citos) devem ser considerados, não isoladamente, mas em seu conjunto, porque interagem no âmbito norma-tivo ordinário, uns com maior intensidade, outros com menos incisivos ou com atuação residual.

As palavras de Waldo Fazzio Jr. são bastante contundentes para des-vendar a importância do respeito aos princípios da Administração Pública, diz o autor9:

Atentar contra princípios jurídicos é mais grave do que violar regras; significa agredir todo o sistema. Justamente por isso, o texto do art. 4

da LIA, ao exigir que os agentes públicos

cumpram e façam cumprir os princípios de legalidade, im-pessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, repercute o disposto no art. 37, caput, da Constituição Federal.

Portanto, tornam-se ímprobos os atos que violem os princípios da Administração Pública, normas-valores constitucionalizadas, que reportem às linhas mestras que devem pautar a conduta do agente público.

No Brasil, como aponta Moreira Neto, muitas vezes, não há a res-ponsabilidade devida com a gestão pública, perdurando uma triste tradição de irresponsabilidade fiscal e orçamentária dos governantes brasileiros, em que o gastar mais do que se arrecada, o iniciar obras sem saber se é possível terminá-las, o superfaturar para obter proveitos ilícitos, o paralisar investimentos iniciados pelo antecessor e o endividar os erários, entre outras mazelas administrativas do mesmo jaez, que se incorporam ao quo-tidiano político.10

É nesse ponto que importa mencionar a lição de Carlos Valder do Nascimento, acrescendo um princípio importante em que se baseia a Lei de Responsabilidade fiscal, o princípio da prevenção de déficit fiscal11. Ou seja, mais do que o equilíbrio fiscal, deve-se prevenir contra os déficits financeiros. Tenta-se, com isso, coibir a prática usual do endividamento público irrespon-sável, onerando em demasia os cofres públicos.

Jorge Ulisses Jacoby Fernandes ressalta, ainda, que as amortizações de dívidas podem causar o desequilíbrio fiscal:

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[...] o ordenador de despesas, mesmo sem estar criando, expandindo ou aperfeiçoando a ação governamental, poderá criar forte desequilíbrio entre a receita e a despesa e gerar déficits absurdos.Basta exemplificar com a amortização da dívida do Brasil no período de 1995 a 2000, que saltou de 95 bilhões de reais para 709 bilhões, em período de moeda razoavelmente constante, embora tenha iniciado linha decrescente no ano 2001, para cerca de 594 bilhões.12

Gilmar Ferreira Mendes, ao comentar a Lei de Responsabilidade Fiscal, destaca a importância da gestão fiscal responsável13:

Tanto o art. 53 como o art. 52, dentre outros, demonstram a necessidade de que sejam feitas precisões e projeções de gastos. O equilíbrio das contas públicas somente é exercido se levado em conta o que no presente se gasta e o que, no futuro, pretende-se gastar. Já é claro para a sociedade que os enormes gastos que administradores deixam para seus sucessores, após o processo eleitoral, são flagrantemen-te descabidos, ferindo a ética da boa gestão da coisa pública e um regime de responsabilidade fiscal que se quer implantar, sem falar que tal conduta indesejada onera a sociedade e, com ainda mais fervor, as gerações futuras.

Ricardo Lobo Torres também salienta que a gestão orçamentária res-ponsável “deve se fazer de acordo com os princípios da descentralização, da eficiência e da responsabilidade (accountability) e dos seus subprincípios da prudência e da transparência”.14

A transparência, corolário do princípio constitucional da publicidade, é um dos nortes da LRF. Assim, para receberem a chancela de legitimidade, os planos, orçamentos, as prestações de contas, o relatório da execução orça-mentária e o relatório de gestão fiscal, devem ser amplamente divulgados por meios oficiais e demais veículos de informação, incentivando a ação popular através da realização de audiências públicas.

Diz a Lei de Responsabilidade Fiscal em seu art. 48 que:Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o res-pectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e

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de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos.

Na visão de Helio Saul Mileski, o art. 51 da LRF está intimamente ligado ao Princípio das Garantias de Integridade das Informações Fiscais, pois determina a importância dos procedimentos de escrituração e consolidação das contas públicas:

Outro princípio , que deve nortear os atos de gestão fiscal para que haja transparência, é o relativo à garantia de inte-gridade das informações fiscais.Deve haver garantias específicas quanto à qualidade das in-formações fiscais, com indicação de que os dados dos relató-rios fiscais são internamente coerentes e se foram conciliados com informações relevantes advindas de outras fontes. As contas definitivas devem ser inteiramente conciliadas com as dotações orçamentárias elas devem ser conciliadas com os relatórios fiscais elaborados. A variação no saldo da dívida (e ativos financeiros) deve ser conciliado com o saldo orçamentário apresentado. Deve haver um documento de referência contendo uma análise da diferença entre as previsões orçamentárias dos principais agregados macroeconômicos e fiscais e os resultados dos últimos anos. Deve haver uma rigorosa conciliação dos dados fiscais e monetários, e caso os processos de conciliação se mostrem frágeis, isto deve ser levado ao público.Portanto, para que haja transparência, há necessidade de que as informações efetuadas pelos governantes possuam uma representação de integridade, de cuja qualidade informati-va resulta confiabilidade de certeza e correção dos dados divulgados, com indicativo, inclusive, do regime contábil adotado.15 (grifou-se)

Nesta perspectiva, a conduta narrada, ao omitir informações, além de transgredir os princípios insculpidos no art. 37 da CR/88, também infringiu o princípio da transparência, do equilíbrio fiscal, da prevenção de déficit fiscal e da garantia de integridade das informações fiscais. Vale dizer que o endividamento do Município proporcionado por omissão de informações, pode ter ocasionado a instabilidade financeira do Município e emperrou a atividade da administração.

O desrespeito, portanto, aos princípios da Administração Pública, in-clusive aqueles ínsitos à Lei de Responsabilidade Fiscal, autoriza o manejo de ação civil pública por improbidade administrativa.

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3. Ato de improbidade por infração a princípios (art. 11 – Lei 8.429/1992:

O agente público que violar as normas da Lei de Responsabilidade Fiscal, além das sanções administrativas e penais, poderá incorrer em ato de improbidade administrativa (art. 73, LC 101/00)16. Segundo o entendimento de Emerson Garcia:

Especificamente em relação aos atos de improbidade, ainda que seja flagrante a desnecessidade do preceito, é expresso o art. 73 da LRF no sentido de que as infrações dos disposi-tivos desta Lei Complementar serão punidas segundo a Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992 e demais normas da legislação pertinente. Diz-se que o preceito é desnecessário porque a mera violação ao princípios da legalidade e da moralidade, observados os critérios de proporcionalidade já expostos, por si só, possibilita a subsunção da conduta à tipologia dos atos de improbidade, independentemente de expressa previsão na legislação violada.17

As condutas de agentes públicos que importem em violação a princípios constitucionais caracterizam-se como atos de improbidade administrativa, no molde do art. 11, da Lei n. 8.429/92.

Ao omitir-se no dever de prestar contas dos recursos públicos que geria, mais especificamente, do débito previdenciário de 90 milhões de reais, inviabilizou-se a publicidade ao mesmo, ferindo os princípios da legalidade, posto a afronta direta à Lei de Responsabilidade Fiscal, e da publicidade e transparência fiscal dos atos da Administração Pública - diretrizes valorativas que encontram proteção no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa (8.429/92 - LIA). Segundo Érico Andrade:

Férteis, também, as possibilidades de configuração do ato de improbidade administrativa tipificado no art. 11 da Lei 8.429/92 em razão da violação de normas da Lei de Responsabilidade Fiscal. Assim, por exemplo, o seu inciso V, ao prever como ato de improbidade o fato de o agente “deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo”, importa o enquadramento, como improbidade administrativa, de condutas que violem os comandos insertos nos arts. 51, 54 e 55 da LC 101/00.18 (grifou-se)

O art. 11, da LIA, que prevê os atos de improbidade que atentam con-tra os princípios da Administração Pública, não é exaustivo. As condutas ali dispostas são meramente exemplificativas. Dessa forma, sem embargo das condutas elencadas, qualquer outra atentatória aos princípios da Administra-

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ção Pública pode constituir-se em ato de improbidade. Caso fosse taxativo, o legislador não teria utilizado o vocábulo notadamente, no caput, para abrir os incisos.

A Lei de Improbidade Administrativa ainda traz expressamente a obri-gação dos agentes públicos para com os princípios no seu art. 4° que diz :

Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, de impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência no trato de assuntos que lhe são afetos.

Vale destacar, outrossim, a teor do que dispõe o art. 21 da LIA, que as condutas não necessariamente devem causar prejuízo ao erário público para que esteja caracterizada a improbidade. O fato do de omitir a realiza-ção de amortização de dívida com o INSS na consolidação de suas contas, impossibilitando a fiscalização, e de outro lado, permitindo a assunção de empréstimos vultuosos, configura ato de improbidade por violação ao prin-cípios da legalidade, publicidade, lealdade e moralidade. A conduta também fere princípios infraconstitucionais como da transparência fiscal e da gestão fiscal responsável.

O princípio da publicidade possui da máxima relevância, até porque diz de perto com o dever de transparência de todos os gestores de recursos públicos. A violação a ele havia mesmo de importar em ato de improbidade administrativa.

No caso vertente, mesmo que ausente prejuízo patrimonial concreto, mas violado princípio constitucional dirigido inclusive à Administração Pública de modo geral, e de larga magnitude, configura-se, em tese, a violação à Lei de Responsabilidade Fiscal como enquadrável no art. 11 da Lei n. 8.429/92.

4. Esfera Penal:

De acordo com Érico Andrade, “a LC 101/00, art. 51, determina aos entes da federação o encaminhamento à União de suas contas, para efeito de consolidação e divulgação, obrigação que, se descumprida, gera aplicação de sanção institucional consistente no impedimento de realização de transferên-cias voluntárias (art. 51, § 2°, LC 101/00), e no âmbito municipal ainda poderá implicar em crime (art. 1°, VI, DL 201/67).”19:

Todavia, tem-se que se a conduta for atribuída ao chefe do executivo municipal, dependendo da análise do caso concreto, melhor se ajusta a conduta ao art. 1º, VIII e/ou XX, do DL 201/67.

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Munici-

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pal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independen-temente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:[...]VIII – contrair empréstimo, emitir apólices ou obrigar o Município por títulos de crédito, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei;

Sob outro enfoque, a depender da análise do dolo inerente à conduta do agente, o fato pode ser subsumido ao art. 299 do Código Penal (falsidade ideológica):

Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou al-terar a verdade sobre fato juridicamente relevante:Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o docu-mento é particular.Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.

Fernando Capez explicita os contornos da falsidade ideológica:[...] estamos agora diante do falso ideológico, aquele em que o documento é formalmente perfeito, sendo, no entanto, falsa a idéia nele contida.[...] A diferença básica consiste em que na falsidade ideológica não há modificação da estrutura for-mal do documento, de maneira que ele vem a ser elaborado e assinado exatamente por quem deve fazê-lo. Entretanto, tal pessoa, embora legitimada a lançar declaração, o faz de modo inverídico quanto ao conteúdo.

Cabe lembrar também que “se a dívida consolidada do ente da fede-ração ultrapassar o respectivo limite ao final de um quadrimestre, deverá ser reconduzida ou adequada a tais limites no termos do art. 31 da LC 101/00, sendo que o descumprimento dessa norma acarreta a incidência de sanção institucional (proibição de realização de operação de crédito interna ou externa, impossibilidade de receber transferências voluntárias e inclusão em relação divulgada pelo Ministério da Fazenda – art. 31, §§ 1°, 2° e 3° da LC 101/00); administrativa (aplicação da multa de 30% dos vencimentos anuais do agente – art. 5°, III, e §§ 1° e 2°, Lei 10.028/00 e art. 31, § 1, II, LC 101/00); crimi-nal (no caso dos agentes políticos municipais, art. 1°, XVI, DL 201/67, na redação da Lei 10.028/00)”20:

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Munici-pal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independen-

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temente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:[...]XVI – deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal; (Inciso acrescido pela Lei 10.028, de 19.10.2000)

Ainda pode-se dizer que o termo de amortização de dívida, se ordenado em desacordo com a lei, poderá configurar o crime do inciso XX do art. 1° do Decreto-lei n. 201/67. Segundo Érico Andrade, a Lei de Responsabilidade Fiscal “regula a contratação e realização das operações de crédito, submetendo-as a limites e condições (arts. 32 a 37 da LC 101/00), que, se, descumpridos, podem configurar a infração penal descrita no art. 359-A do CP, na redação dada pela Lei 10.028/00, ou no art. 1°, XX, do DL 201/67 (redação da Lei 10.028/00), no caso de agentes políticos municipais.”21:

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Munici-pal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independen-temente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:[...]XX – ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a reali-zação de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente; (Inciso acrescido pela Lei 10.028, de 19.10.2000)

Cezar Roberto Bitencourt disserta sobre o dolo inerente a este cri-me22:

O elemento subjetivo é o dolo, constituído pela vontade consciente do sujeito ativo de realizar operação de crédito, em desconformidade com a lei, com qualquer dos demais entes federativos, inclusive com a administração indireta. É indispensável que o sujeito ativo tenha consciência que está realizando uma operação de crédito legalmente desautoriza-da. As formas de novação, refinanciamento ou postergação de dívida são invocações puramente exemplificativas, pois o que se proíbe é a realização de operações de créditos cujas espécies estão definidas no art. 29, III, da lei.

Nesse sentido, caso seja verificada irregularidade nos financiamentos obtidos com a omissão da dívida com o INSS (termo de amortização de dívida), a depender do elemento subjetivo, pode a conduta ser subsumida ao tipo penal em exame. Deve se observar, para análise da capacidade de endividamento, que nos termos do art. 50 da LRF, II, a despesa e a assunção de compromissos serão registrados segundo o regime de competência.

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5. Conclusão:

Ante os argumentos expendidos, dependendo da análise da conduta dos responsáveis pela omissão, bem como se a omissão nas informações para fins de consolidação das contas do ente público resultou na obtenção irregu-lar de financiamento, tem-se que os fatos podem caracterizar improbidade administrativa e ilícitos penais, nas formas acima elencadas.

1. MACHADO JR, J. T.; REIS, Heraldo da C. A Lei 4.320 Comentada. 31. ed. Rio de Ja-neiro: IBAM, 2002/2003, p. 225.

2. AGUIAR, Afonso Gomes. Lei de Responsabilidade Fiscal - Questões Práticas. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 239.

3. MACHADO JR, J. T.; REIS, Heraldo da C. A Lei 4.320 Comentada. 31. ed. Rio de Ja-neiro: IBAM, 2002/2003, p. 228.

4. Na esfera administrativa, as sanções a serem aplicadas pela Secretaria do Tesouro Nacio-nal, no caso de infração ao art. 51 da LRF, compreendem a suspensão de transferências voluntárias e contratação de operações de crédito (§ 2° do art. 51):

“Art. 51 - [...] § 2 O descumprimento dos prazos previstos neste art. impedirá, até que a situação seja regularizada, que o ente da Federação receba transferências voluntárias e contrate operações de crédito, exceto as destinadas ao refinanciamento do principal atualizado da dívida mobiliária.”

5. LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

6. § 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

7. GARCIA. Emerson. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 52.

8. JR. FAZZIO, WALDO, Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeitos, Atlas, 2003, p. 174-176.

9. JR. FAZZIO, WALDO, Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeitos, Atlas, 2003. p. 173.

10. MOREIRA NETO. Mutações de Direito Administrativo, p. 289, apud, ANDRADE, Érico. Controle Judicial da responsabilidade fiscal: ação civil pública de improbidade. Revista de Direito Administrativo, n. 232, p. 286-287.

11. NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 19. O autor elenca os princípios elementares da gestão fiscal: prevenção de déficits, prudência fiscal, segurança, planejamento e publicidade ou transparência.

12. FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. O ordenador de despesa e a Lei de Responsabi-lidade Fiscal, Revista de Informação Legislativa, n. 151, jul/set. 2001, p. 160.

13. MENDES. Gilmar Ferreira. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal, p. 346.14. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário, p. 162.15. Helio Saul Mileski. Transparência do poder público e sua fiscalização. In: Interesse

Público, v. 4, n. Especial, p. 24-36, dez. 2002.

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16. Art. 73. As infrações dos dispositivos desta Lei Complementar serão punidas segundo o Decreto-Lei n

o 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); a Lei n

o 1.079, de

10 de abril de 1950; o Decreto-Lei no 201, de 27 de fevereiro de 1967; a Lei n

o 8.429,

de 2 de junho de 1992; e demais normas da legislação pertinente.17. GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2006 p. 394-395.18. ANDRADE, Érico. Controle Judicial da responsabilidade fiscal: ação civil pública de

improbidade. Revista de Direito Administrativo, n. 232, p. 296.19. ANDRADE, Érico. Controle Judicial da responsabilidade fiscal: ação civil pública de

improbidade. Revista de Direito Administrativo, n. 232, p. 289.20. Ibid, p. 288.21. ANDRADE, Érico. Controle Judicial da responsabilidade fiscal: ação civil pública de

improbidade. Revista de Direito Administrativo, n. 232, p. 288.22. BITENCOURT, Cezar Roberto. Crimes contra as Finanças Públicas e Crimes de Res-

ponsabilidade de Prefeitos. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 114.

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PESQUISA – CMA n. 82/200829 de Julho de 2008.

Aplicabilidade da Lei n. 8.429/92 a agentes políticos, tendo em vista re-cente decisão do STF (Reclamação n. 2.138/DF) no sentido de que a LIA não se aplica a tais agentes do Estado.

SOLICITAÇÃO:

Solicita-se pesquisa quanto à seguinte matéria: aplicabilidade da Lei n. 8.429/92 a agentes políticos, tendo em vista recente decisão do STF (Recla-mação n. 2.138/DF) no sentido de que a LIA não se aplica a tais agentes do Estado.

No caso concreto, um Prefeito foi condenado por atos de improbidade administrativa com base na Lei 8.429/92. Agora ele sustenta, no recurso, a não

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aplicabilidade da LIA, fundamentando suas razões na decisão do STF.

CONTEÚDO:

Preliminar - Aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa aos Agentes Públicos:

O apelante utiliza nestes autos a tese sufragada na Reclamação 2.138/STF, no sentido de que as condutas descritas na lei de improbidade adminis-trativa, quando imputadas a autoridades detentoras de prerrogativa foro, se converteriam em crimes de responsabilidade.

De fato, o então Ministro do STF Nelson Jobim, em seu voto condu-tor, concebeu regime de responsabilidade sui generis para os agentes políticos. Extrai-se da ementa da Reclamação 2.138:

Distinção entre os regimes de responsabilização político-ad-ministrativa. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-adminis-trativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4° (regulado pela Lei n. 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, “c”, (disciplinado pela Lei n. 1.079/1950). Se a com-petência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4°) pudesse abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, “c”, da Constituição.

Apesar da decisão do Supremo Tribunal Federal na referida Reclamação, o entendimento da inaplicabilidade da Lei n. 8.429/92 aos agentes políticos, não pode ser concebida, de modo algum, como consolidada.

Na mesma data (13.6.2007) da finalização do julgamento em epígrafe, o Supremo Tribunal Federal, já com nova composição de Ministros, ao julgar questão de ordem em Petição (PET 3923), em feito no qual o Deputado Fe-deral Paulo Maluf restou condenado por ato de improbidade administrativa, determinou a remessa dos autos ao Juízo a quo, a fim de executar, na primeira instância, a condenação por improbidade administrativa. Segundo o relator, Min. Joaquim Barbosa,

Além do mais, à luz da Constituição Federal e da lei 8.429/1992, todo e qualquer servidor, efetivo ou comissio-nado, que cometa um ato de improbidade tal como descrito na lei, estará sujeito a ver sua conduta enquadrada numa das drásticas sanções previstas na lei 8.429/1992.

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Porém, se esse mesmo hipotético servidor, sem se exonerar do cargo efetivo, vier a assumir um posto ministerial e prati-car a mesma conduta, a ele não se aplicarão as severas sanções da lei de improbidade, mas sim as duas únicas sanções que a responsabilidade política é suscetível de engendrar: a perda do cargo público (político) e a inabilitação por 8 anos para o exercício de qualquer função pública. Uma tal discrepân-cia contraria, a meu sentir, um dos postulados básicos do regime democrático, aquilo que no direito norte-americano se traduz na elucidativa expressão “accountability”, e que consiste no seguinte: nas verdadeiras Democracias, a regra fundamental é: quanto mais elevadas e relevantes as funções assumidas pelo agente público, maior há de ser o grau de sua responsabilidade, e não o contrário, como se propõe nestes autos.Aliás, tal incongruência não escapou à arguta observação feita pelo Ministro Pertence, se não me engano, no julgamento da RCL 2.138, quando S. Exa assim se manifestou:“... Os agentes políticos sujeitos a crime de responsa-bilidade só o estão enquanto no exercício do mandato ou cargo referidos. Quid juris? Não responderiam por improbidade administrativa praticada no cargo, se já cessada essa investidura? Como explicar que, aos agen-tes políticos de maior hierarquia, exatamente os que respondem pelos impropriamente chamados crimes de responsabilidade – corretamente chamados, no De-creto-Lei n. 201, de ‘infrações político-administrativas’, precisamente para distinguir dos verdadeiros crimes de responsabilidade, que são os do art. 2º daquele edito -, teriam uma sanção, pela improbidade administrativa, muito mais branda: se no exercício do mandato ou do cargo, a perda do cargo e mais oito anos de impedi-mento para o exercício de funções públicas, e não para a suspensão dos direitos políticos”.[...]“O juiz de primeiro grau pode, sim, conduzir ação de improbidade contra autoridades detentoras de prerro-gativa de foro”.

Na mesma ocasião, os Ministros Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres Brito e a ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha também externaram o entendimento de que os agentes políticos podem ser julgados por atos de improbidade administrativa, sem direito a foro especial. Ressalta-se que os ministros em apreço sucederam aqueles que recentemente se aposentaram, e que, à época, haviam proferido entendimento favorável ao voto vencedor na Reclamação 2.138.

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Com efeito, é inarredável concluir que o Supremo Tribunal Federal já direciona seu posicionamento para norte oposto ao da decisão da Reclamação 2.138, conforme o esposado na questão de ordem em petição n. 3923, assim como na liminar indeferida na Reclamação n. 5173. Em arremate, a tese ven-cedora na Reclamação 2.138 prevaleceu na antiga composição do Plenário, maioria essa que não mais persiste.

Cabe ressaltar que o § 4º, do art. 37, da Constituição da República, ao dispor que os atos de improbidade “[...] importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”, busca a punição do ímprobo nas esferas penal, civil, administrativa e, quando possível, política.

Ora, se a própria Lei Fundamental distinguiu e separou a ação conde-natória do responsável por ato de improbidade da demanda penal cabível, o fez, obviamente, porque aquela não tem natureza criminal.

Nesse norte, é a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:A primeira observação a fazer é no sentido de que um ato de improbidade administrativa pode corresponder a um ilícito penal, se puder ser enquadrado em crime definido no Código Penal ou em sua legislação complementar. É o que decorre da própria redação do dispositivo constitucional, quando, depois de indicar as medidas sancionatórias cabíveis, acrescenta que a lei estabelecerá sua forma e gradação ‘sem prejuízo da ação penal cabível’. Por outras palavras, pode ocorrer que alguns ilícitos definidos em lei, por exemplo, a um dos crimes contra a Administração Pública previstos no capítulo pertinente do Código Penal ou a um dos crimes de responsabilidade definidos na legislação específica sobre a matéria, já referida no item anterior.Isso permite concluir que: a) o ato de improbidade, em si, não constitui crime, mas pode corresponder também a um crime definido em lei; b) as sanções indicadas no art. 37, § 4º, da Constituição não têm a natureza de sanções penais, porque, se tivessem, não se justificaria a ressalva contida na parte final do dispositivo, quando admite a aplicação das medidas sancionatórias nele indicadas ‘sem prejuízo da ação penal cabível’; c) se o ato de improbidade correspon-der também a um crime, a apuração da improbidade pela ação cabível será concomitante com o processo criminal. (Grifou-se) (in Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 677).

Assim, considerando a independência entre as instâncias, nuance tra-dicional do ordenamento jurídico pátrio, é forçoso reconhecer que a Lei n. 8.429/92 almeja concretizar a responsabilidade do agente político no âmbito

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civil.Colhe-se entre os julgados do Superior Tribunal de Justiça excerto

do voto do Ministro Demócrito Reinaldo, no REsp. 28.848:A ação a que se refere a reclamação é ação civil pública de ressarcimento por ato de improbidade. O objetivo da ação é sanção civil. Ela decorre de regulamentação do art. 37, § 4º, da Constituição Federal pela Lei de n. 8.429/92. O preceito constitucional citado, induvidosamente, estabelece sanções civis, ao dispor: ‘atos de improbidade administrativa impor-tarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Com efeito, diante dessas circunstâncias, conclui-se que atuação dos Prefeitos está submetida ao crivo de dois diplomas distintos: o Decreto-Lei n. 201/67, atinente aos crimes de responsabilidade e às infrações político-ad-ministrativas, cujo teor lhes comina reprimendas de natureza penal e política; e a Lei n. 8.429/92, pertinente aos atos de improbidade administrativa, com sanções civis.

Em sede de possível crime de responsabilidade de Prefeitos Municipal, certo existir previsão deles no Decreto-lei n. 201/67. Não menos certo é, porém, que se trata de crimes comuns, como já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal há antanho (O prefeito municipal que, quando no exercício de suas fun-ções, deixa de cumprir ordem judicial, não comete crime de desobediência e, sim, o denominado crime de responsabilidade, tipificado no art. 1º, XIV, do D.L. 201/67, que é, na verdade, crime comum (HHCC 69.428, 70.252 e 69.850 – HC 76888/PI], tratando-se apenas de infrações penais designáveis como crimes próprios, ao menos para punição nos termos do aludido Decreto-lei, na medida em que, para sua incidência, há necessidade de que o sujeito ativo do crime revista a condição de Prefeito Municipal no momento da realização do crime.

A ação por improbidade, todavia, será sempre da competência da justiça de primeira instância, não havendo em face dela situações de competência por prerrogativa de função.

Mais ainda se torna inviável excluir a responsabilidade pelo ato de improbidade administrativa, ainda quando praticado por agente político que, em caso de cometimento de crime, goze de foro por prerrogativa de função, quando se estiver diante de ato que sequer possa ser equiparado a crime de responsabilidade.

Nesse terreno, já se viu que os crimes ditos de responsabilidade de Prefeitos Municipais, tipificados pelo Decreto-lei n. 201/67, são na verdade infrações penais comuns.

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Tocante a crimes de responsabilidade de autoria de Prefeitos Municipais, só o que se tem na Constituição Federal é o § 2º, de seu art. 29-A, acrescido pela EC n. 25, de 14 de fevereiro de 2000. De acordo com aquele parágrafo, constituem crime de responsabilidade de Prefeito Municipal as seguintes condutas:

- efetuar repasse de recursos financeiros ao Legislativo Municipal que ultrapasse os limites definidos no próprio art. 29-A;- não enviar ao Legislativo Municipal o repasse de seus re-cursos orçamentários até o dia 20 de cada mês; e- enviar repasse orçamentário ao Legislativo Municipal, em proporção menor do que a fixada na Lei Orçamentária.

Fora dessas hipóteses, não há referência constitucional acerca de crimes de responsabilidade de Prefeitos Municipais.

Não resta dúvida de que as sanções veiculadas nestas ações são de caráter civil e não se confundem com as punições próprias dos crimes de responsabilidade, de natureza política. Retira-se do voto do Ministro Sepúl-veda Pertence, proferido no julgamento da ADI 2797, ajuizada em face da Lei 10.628/2002:

A ação de improbidade administrativa é uma ação civil: evi-dencia-o o §4º do art. 37, da Constituição, ao explicitar que as sanções que comina à improbidade administrativa serão impostas ‘sem prejuízo da ação penal cabível’.O Tribunal jamais deduziu de sua competência originária para o processo penal contra os mais altos dignatários da República a de conhecer de ações civis contra eles propos-tas por atos de ofícios, ainda que delas possa decorrer a condenação da autoridade a diferentes sanções civis: a ação popular é o exemplo mais frequente dessa nítida distinção jurisprudencial.

Nesse sentido, recente decisão do STF (28.2.2008) novamente reiterou o entendimento de que a ação de improbidade administrativa tem natureza civil, não atraindo, assim, o foro por prerrogativa de função, nem mesmo admitindo que o agente político não se submete as sanções da Lei n. 8.429/92:

COMPETÊNCIA - AÇÃO DE IMPROBIDADE CON-TRA PREFEITO - PRECEDENTE DO PLENÁRIO.1. O Plenário do Supremo, em 15 de setembro de 2005, julgou procedente o pedido formulado na Ação Direta de In-constitucionalidade n. 2.797-2/DF e proclamou a incompa-tibilidade, com a Carta da República, da Lei n. 10.628/2002, no que esta acrescentou o § 1º e o § 2º ao art. 84 do Código de Processo Penal. Considerou o Colegiado que a ação de

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improbidade administrativa teria natureza civil e, assim, não atrairia a competência por prerrogativa de função.2. No caso, o que decidido pela Corte estadual, presente a ação de improbidade, não está em harmonia com o pre-cedente do Supremo. Por isso mesmo, pode-se vislumbrar violência ao texto constitucional. Em síntese, não subsiste o que veio à baila com a Lei n. 10.628/2002. Incumbe ao Juízo, e não ao Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, julgar ação de improbidade formalizada contra prefeito.3. Ante o precedente, conheço e provejo o extraordiná-rio para, reformando o acórdão de origem, assentar a competência do Juízo.1

Percebe-se, assim, que a tese esposada na Reclamação 2.138 incide em equívoco ao excluir os agentes políticos – Prefeitos Municipais inclusos – da órbita de incidência das sanções por atos de improbidade administrativa.

Na mesma linha de pensamento, Celso Antônio Bandeira de Mello comenta o equívoco da tese esposada na Reclamação 2.138:

[...] é equivocado o entendimento de que os agentes políticos não se aplicam as regras comuns da Lei de Improbidade. A atribuição constitucional de competência originária ao Supremo Tribunal Federal para o julgamento de Ministros de Estado em razão de crimes de responsabilidade, significa tão-só que dentre as várias sanções a que estão sujeitos no âmbito da ação civil de improbidade não lhes são aplicáveis as de perda do cargo e suspensão de direitos políticos, que estas só lhes pode ser impostas pela Corte Suprema em julgamento de ação por crime de responsabilidade.2

Nada está a indicar, tanto na Constituição Federal quanto na Lei de Improbidade Administrativa, a necessidade de empreender-se “interpretação teleológica” a que faz menção o Ministro Relator da Reclamação n. 2138-6-DF, com o escopo de retirar os agentes políticos da “vala comum” dos agentes públicos.

Ora, devendo, ser o § 4º do art. 37 da CF/88 interpretado em conso-nância com o disposto no caput do mesmo art., o que disso se conclui é que nenhum agente público, seja de que categoria for, pode pretender-se alforriado ao resguardo mais estrito da improbidade administrativa ou ver-se excluído da possibilidade de incidência das sanções indicadas no mencionado parágrafo.

Desenha-se aí, em âmbito estritamente constitucional, um sistema amplo de responsabilização do ímprobo, que ficará sujeito não somente às sanções indicadas no dispositivo constitucional, mas igualmente a eventuais sanções penais também aplicáveis em decorrência da conduta realizada, quando esta

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guarde tipicidade penal.Desta sorte, a responsabilização no âmbito da caracterização da conduta

como ato de improbidade não exclui a eventual responsabilização também na órbita penal. A recíproca certamente que também é verdadeira.

A par desta responsabilidade dúplice – por improbidade e criminal – obstáculo alguma haveria certamente a que se definisse também eventual responsabilidade político-administrativa, particularmente com responsabili-zação do Executivo pelo Legislativo.

Sem embargo desta evidente possibilidade, contudo, nada existe no texto constitucional que, em face de agente político, permita concluir pelo cabimento única e exclusivamente desta responsabilidade político-administrativa.

Desta sorte, várias condutas caracterizadoras de improbidade, pratica-das pelo Chefe do Executivo e, em tese, guardião maior da observância da probidade na Administração Municipal, podem passar ao largo da punição criminal, inclusive aquelas que eventualmente não guardem tipicidade penal, deixando também de ocorrer a responsabilização político-administrativa. Caso se conclua pelo afastamento ainda agora da incidência das sanções inerentes à improbidade administrativa, chegamos ao porto da impunidade.

Como se viu, porém, o objetivo da Constituição de 1988 foi bem outro. Seu propósito foi criar todo um conjunto de mecanismos de responsabilização de quaisquer agentes públicos, seja qual for sua categoria, que se envolvam em contexto caracterizador de improbidade, seja ou não também típica a conduta em tela em cada caso concreto.

Apenas a deliberada e antijurídica intenção de evitar a submissão dos agentes políticos aos preceitos da Lei 8.429/92 pode conduzir à exegese que, restringindo o sancionamento de tais condutas aos termos da Lei 1.079/50 (e, no caso dos agentes políticos municipais, ao Decreto-Lei 201/67), simplesmen-te estaria negando a aplicação dos dispositivos constitucionais acima elencados e, igualmente, dos arts. 1º e 2º da Lei de Improbidade Administrativa.

De fato, enquanto o primeiro dos dispositivos submete aos termos do diploma “qualquer agente público, servidor ou não”, que pratique atentado contra a probidade da administração, o art. 2º, em notável exemplo de interpretação autêntica, levada a efeito pelo próprio legislador, conceitua agente público como “todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nome-ação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura, ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função” nos entes públicos ou auxiliados pelo Poder Público mencionados pelo art. 1º, parágrafo único, da Lei 8.429/92.

Na clássica definição de Hely Lopes Meirelles, em sua obra tradicional3, agentes públicos são:

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“[...] todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transi-toriamente, do exercício de alguma função estatal”, ao passo que, dentro deste conceito genérico, encontrar-se-iam os agentes políticos, “componentes do governo nos seus pri-meiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais”.4

Segundo o referido autor, a dignidade constitucional dos agentes políticos lhes acarreta a subsunção a normas especiais quanto à escolha, investidura e “processo por crimes funcionais e de responsabilidade, que lhes são privativos”.5

É perfeitamente viável, portanto, a convivência dos regimes do Decre-to-Lei 201/67 com aquele previsto na Lei de Improbidade Administrativa, podendo haver processos simultâneos de cassação do mandato eletivo perante a Câmara de Vereadores enquanto o agente político estiver no exercício do cargo, e a demanda judicial por ato de improbidade administrativa. Fábio Medina Osório esposa o entendimento de que:

A Improbidade Administrativa é um ilícito administrativo previsto diretamente no art. 37, parágrafo 4º, da CF.Suas sanções têm natureza administrativa e seu alcance é geral, na linha do estabelecido pela LGIA e pela Assembléia Constituinte de 1988. Ainda que tal ilícito venha contempla-do como elemento normativo de qualquer outro ilícito, seja ele político, seja penal ou mesmo administrativo em sentido estrito (infrações disciplinares), sua autonomia é evidente e inapagável”.6

A prevalecer a tese do apelante se estaria diante de mais uma hipótese de esvaziamento, por via interpretativa inadequada, das atribuições da Justiça dos Estados, com propósitos protetivos do poder político e prestes a deglu-tir a imposição de flagrante derrota à sociedade na luta contra a corrupção, mediante o esvaziamento da aplicação da Lei 8.429/92.

Há que se indagar quantos agentes políticos municipais perderam seus mandatos através de ato da Câmara de Vereadores — que não pode impor todas as sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa — para que se tenha a exata dimensão da impunidade que está para se instaurar.

Vingando a tese contida na Reclamação 2.138, a Lei de Improbidade Administrativa terá sua aplicação restrita aos agentes públicos de menor escalão, os únicos sujeitos aos seus rigores, como sói acontecer, em regra, com os menos favorecidos, muitas vezes meros “laranjas” dos verdadeiros ímprobos.

Não parece essa interpretação da legislação em vigor a mais adequada aos objetivos fundamentais da República estampados no art. 3º da Constituição, em especial, os de igualdade substancial e promoção social.

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Assim, qualquer outro entendimento que se pudesse admitir, que desa-guasse no entendimento de não responsabilização dos agentes políticos, seria negar vigência e interpretação equivocada ao art. 37§ 4º, da CF e também a Lei n. 8.429/92, especialmente ao seu art. 2º.

Diante do exposto, requer seja o recurso de apelação improvido, de-terminando-se, com base nos fundamentos jurídicos supra, a imposição de responsabilidade a todos os agentes políticos, em especial, no presente caso ao Prefeito Municipal pela prática de ato de improbidade administrativa.

1. Rel. Marco Aurélio, 29 de fevereiro de 2008.2. Celso Antônio Bandeira de Mello. Competência para julgamento de agentes políticos por

ofensa à lei de improbidade administrativa. In Interesse Público, ano 9, n. 42, mar/abr de 2007, Porto Alegre: Nota dez.

3. Segundo sua lição original, não aquela desconfigurada por seus atualizadores que, em vez de preservarem a identidade da obra, utilizaram do prestígio do mestre para divulgar teses próprias.

4. Direito administrativo brasileiro, SP, Malheiros, 2002, pp. 73-75.5. Ibidem.6. Obstáculos Processuais ao Combate à Improbidade Administrativa: uma reflexão ge-

ral”, in Improbidade administrativa: responsabilidade social na prevenção e controle, MPES/CEAF, 2004, p. 203.

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PESQUISA – CMA n. 83/2008Data: 05 de agosto de 2008.

Servidor municipal efetivo e exercício de atividade privada. Possível conflito de interesses e afronta aos princípios da impessoalidade e moralidade.

CONTEÚDO:

A presente pesquisa foi solicitada pela Promotora de Justiça titular da Comarca de Presidente Getúlio, sobre situação existente a administração municipal de Presidente Getúlio. Servidor público municipal, ocupante do cargo efetivo de engenheiro civil, com carga horária de 20h semanais, exerce as atividades de análise e aprovação de projetos e outros afins, inclusive aqueles por ele executado quando do exercício de atividade privada. O servidor atua como fiscal de si mesmo, quando no exercício do cargo público “analisa” projeto privado por ele elaborado e submetido à apreciação da Administração

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Pública municipal.A pesquisa foi solicitada nos seguintes termos:

Na Promotoria de Justiça de Presidente Getúlio, foi instau-rado Procedimento Administrativo Preliminar, objetivando apurar a compatibilidade das atividades particulares de Engenheiro Civil, que exerce o mesmo cargo na Prefeitura Municipal de Presidente Getúlio.Segundo se apurou, o Engenheiro analisa e aprova os seus próprios projetos, quando realizados no exercício da ativi-dade de profissional liberal, expedindo o respectivo alvará de construção.Após a solicitação de informações ao Sr. Prefeito Municipal, este encaminhou cópia de Decreto em que determinou que funcionária da AMAVI - Associação dos Municípios do Alto Vale do Itajaí proceda à análise técnica e emissão de parece-res em relação aos projetos protocolados pelo Engenheiro e servidor público.Assim, dois são os questionamentos, muito embora já esteja convencida da resposta ao primeiro:1) compatibilidade das atividades particulares de Engenheiro Civil, que exerce o mesmo cargo na Prefeitura Municipal, ou seja, o servidor é fiscal de si mesmo;2) possibilidade de delegação de função pública à pessoa es-tranha aos quadros da Administração Municipal, funcionária da AMAVI, mediante Decreto.

Consta no banco de dados deste Centro de Apoio, pesquisa com situ-ação semelhante, da comarca de Balneário Camboriú, a qual transcrevemos na íntegra:

Trata-se de pesquisa solicitada pelo Promotor de Justiça titular da 5ª Promotoria de Justiça da Comarca de Balneário Camboriú, Dr. Rosan da Rocha, acerca de vedação de pessoa exercendo cargo em comissão no serviço público, continuar a exercer suas atividades particulares.Segundo o consulente, o Secretário de Obras do Município exerce conjuntamente as atividades de Engenheiro Civil, sendo inclusive responsável por projetos aprovados junto à Prefeitura Municipal.A Constituição Federal, em seu art. 37, incisos XVI e XVII dispõe:Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, im-pessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,

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ao seguinte:[...]XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, obser-vado em qualquer caso o disposto no inciso XI. a) a de dois cargos de professor;b) a de um cargo de professor com outro técnico ou cien-tífico;c) a de dois cargos privativos de médico;c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público; Por seu turno, a Constituição do Estado de Santa Catarina:“Art. 24. É vedada a acumulação remunerada de cargos públi-cos, exceto, quando houver compatibilidade de horários:I – a de dois cargos de professor;II – a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;III – a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.Parágrafo único. A proibição de acumular estende-se a em-pregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e sociedades controladas direta ou indiretamente pelo Poder Público.Já, a Lei Orgânica do Município de Balneário Camboriú prevê:Art. 75 - As incompatibilidades declaradas no art. 33 seus incisos e letras desta Lei Orgânica, estendem-se, no que forem aplicáveis ao Prefeito e aos Secretários Municipais ou autoridades equivalentes.[...]Art. 33 - É vedado aos Vereadores:I - desde a expedição do diploma:a) firmar ou manter contrato com o Município, com suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista ou com suas empresas concessionárias de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláu-sulas uniformes;

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b) aceitar cargo, emprego ou função, no âmbito da Adminis-tração Pública direta ou indireta municipal, salvo mediante a renovação em concurso público e observado o disposto no art. 38 da Constituição Federal.II - desde a posse:a) ocupar cargo, função ou emprego, na Administração Pública Direta ou Indireta do Município, de que seja exo-nerável “ad nutum”, salvo o cargo de Secretário Municipal ou Diretor equivalente;b) exercer outro cargo eletivo federal, estadual ou munici-pal;c) ser proprietário, controlador ou diretor de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público do Município, ou nela exercer função remunerada;d) patrocinar causa junto ao Município em que seja inte-ressada qualquer das entidades a que se refere a alínea “a” do inciso I.Merece ainda destaque o disposto na Lei Municipal n. 1069/91 que dispõe sobre o estatuto e o plano de carreira dos funcionários públicos civis da administração direta, fun-dacional e autárquica do Município de Balneário Camboriú, e dá outras providências:Art. 31 - O período de trabalho, carga horária semanal, do ocupante de cargo de provimento efetivo é de 40 (quarenta) horas semanais, salvo quando disposto diversamente em lei ou regulamento próprios.§ 1º - O exercício em comissão exige dedicação integral ao serviço por parte do comissionado, que poderá ser convocado extraordinariamente sempre que seja do interesse da administração.§ 2º - A prestação de serviços extraordinários é permitida ao ocupante de cargo de provimento efetivo, desde que previamente autorizada e de conformidade com o interesse público.§ 3º - (VETADO).[...]Art. 198 - Ao funcionário é proibido:I - Retirar, modificar ou substituir, sem prévia anuência da autoridade competente, qualquer documento ou livro da repartição;II - Cometer à pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em Lei, o desempenho de encargos que lhe com-petir ou a seus subordinados;

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III - Opor resistência injustificada ao andamento do processo ou execução de serviço;IV - Dedicar-se nos locais e horas de trabalho às ativi-dades estranhas ao serviço;V - Recusar fé à documentação pública;VI - Referir-se de modo depreciativo ou desrespeitoso em requerimento, representação, parecer ou despacho as auto-ridades e atos da Administração Pública ou censurá-los, por qualquer meio de divulgação pública;VII - Deixar de prestar declaração em processo administra-tivo disciplinar ou de sindicância;VIII - Desrespeitar outras normas funcionais previstas na legislação vigente.IX - Pleitear, como procurador ou intermediário, junto às repartições públicas, salvo quando se tratar de percepção de vencimento e vantagem, provento ou pensão de parentes até o 2º grau civil;X - Solicitar ou receber propinas, comissões, presentes ou vantagens de qualquer espécie em razão de suas atribui-ções;XI - Valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública;[...]Art. 199 - É vedada a acumulação remunerada, exceto quando houver compatibilidade de horário e, apenas nos seguintes casos:I - A de 02 (dois) cargos de professor;II - A de 01 (um) cargo de professor com outro técnico ou científico;III - (VETADO).Parágrafo Único - A proibição de proventos não se aplica ao aposentado quanto ao exercício de mandato eletivo, cargo em comissão ou a contrato para a prestação de serviço técnico ou especializado.Portanto, concluímos que inexiste vedação expressa da acu-mulação de cargo público e atividade privada, desde que o agente, ocupante de cargo comissionado, exerça devidamente sua atividade e cumpra sua função, sem, com diz o estatuo dos servidores municipais, dedicar-se nos locais e horas de trabalho às atividades estranhas ao serviço.Da mesma forma, entendemos, conforme também previsão no estatuto dos servidores municipais, que não se valendo do

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cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detri-mento da dignidade da função pública, não há impedimento da continuidade da atividade privada.Assim, as determinações da lei municipal que rege o fun-cionalismo, nada mais faz que explicitar o art. 37 da CF, ou seja, embora não haja vedação de continuação da atividade privada, não pode o ocupante de cargo comissionado, sob pena de atentar contra o princípio da moralidade, valer-se da função para facilitar a aprovação de projetos. Oportuna o ensinamento de Emerson Garcia1:O ato formalmente adequado à lei, mas que busque, em essência, prejudicar ou beneficiar a outrem, será moralmente ilegítimo, isto em virtude da dissonância existente entre a intenção do agente, a regra de competência e a finalidade que deveria ser legitimamente alcançada com esta.Como desdobramento do que já foi dito, constata-se que, para a visualização da moralidade do ato, será sempre neces-sário analisar o motivo e o objeto em cotejo com o interesse público consubstanciado na finalidade, o que permitirá a identificação de eventuais vícios dos atos discricionários ou mesmo a presença de abuso de poder.Fora desta hipótese, não havendo ingerência do ocupante de cargo comissionado, vejo que não haveria impedimento de postular a aprovação de projeto, dentro de sua habilita-ção, perante a municipalidade, mesmo sendo Secretário de Obras.Assim, no presente caso, entendemos que somente pelo fato objetivo do Secretário Municipal de Obras que exerce suas atividades privadas de engenheiro civil e como tal tem projetos aprovados pela Municipalidade, não está por si só, praticando ato de improbidade ou incidindo em vedação que impeça a continuação do serviço público, desde que cumprida a missão que o cargo impõe.

No caso de Presidente Getúlio, igualmente não se tem a informação de irregularidades cometidas pelo servidor público municipal. Entretanto, é salutar que medidas sejam tomadas, para evitar problemas futuros à adminis-tração e ao próprio servidor.

É no mínimo estranha a situação apresentada. O servidor público mu-nicipal exerce suas atividades na Administração Pública, conforme determina sua carga horária. A ele é permitido, fora do horário de serviço, a realização de outra atividade profissional. No presente caso, exerce atividade compatível com a sua formação profissional, qual seja, a de engenheiro civil.

Em assim sendo, muitas das suas atividades executadas no exercício de

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atividade privada, são levadas para análise e aprovação da administração mu-nicipal. Projetos de construção, pedidos de viabilidade, etc. Assim, não seria coerente, ou mesmo moralmente aceita, que a mesma pessoa que executa um projeto de engenharia, enquanto particular, seja a mesma que irá analisá-la, aprovando, em nome da Administração Pública municipal.

Informações dão conta de que o referido servidor municipal ocupa o único cargo de engenheiro civil existente nos quadros do Município.

Tal conduta afronta princípios administrativos, ínsitos no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988, dentre os quais o da impessoalidade e moralidade.

Sobre o princípio da impessoalidade, a doutrina:Nele se traduz a idéia de que a Administração tem que tra-tar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia. Está consagrado explicitamente no art. 37, caput, da Constituição. Além disso, assim como “todos são iguais perante a lei” (art. 5º, caput), a fortiori teriam de sê-lo perante a Administração2.Com o princípio da impessoalidade a Constituição visa obstaculizar atuações geradas por antipatias, simpatias, ob-jetivos de vingança, represálias, nepotismo, favorecimentos diversos, muito comuns em licitações, concursos públicos, exercício do poder de polícia. Busca, desse modo, que pre-domine o sentido de função, isto é, a idéia de que os poderes atribuídos finalizam-se ao interesse de toda a coletividade, portanto a resultados desconectados de razões pessoais. Em situações que dizem respeito a interesses coletivos ou difusos, a impessoalidade significa a exigência de ponderação equilibrada de todos os interesses envolvidos, para que não se editem decisões movidas por preconceitos ou radialismos de qualquer tipo3.

Por seu turno, quanto ao princípio da moralidade:A moralidade administrativa constitui, hoje em dia, pressu-posto de validade de todo ato da Administração Pública (CF, art. 37, caput). Não se trata – diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito – da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como “o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração”. Desenvol-vendo sua doutrina, explica o mesmo autor que o agente

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administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que de-cidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considera-ções de Direito e Moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos: “non omne quod licet honestum est”. A moral comum, remata Hauriou, é imposta ao homem para sua conduta extrema; a moral ad-ministrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve e a finalidade de sua ação: o bem comum4.

A doutrina reconhece o direito de a Administração Pública impor certos limites e restrições aos seus servidores:

Dentre as restrições que a função pública impõe aos seus exercentes destacam-se a de se sujeitarem aos impedimentos estabelecidos para o desempenho do cargo.Os impedimentos ou incompatibilidades para o desempe-nho de função pública constituem restrições perfeitamente admissíveis ao direito dos servidores estatais, autárquicos e paraestatais, porque é lícito à Administração estabelecer condições para a realização de seus serviços. Assim sendo, permitido é ao Poder Público impedir contratos de seus ser-vidores com a Administração, estabelecer incompatibilidades entre o exercício do cargo ou da função e certas atividades públicas ou particulares, impor exigências de residência no local de trabalho e quaisquer outros requisitos de eficiência e moralidade do serviço público, desde que não afronte os direitos fundamentais do servidor, resguardados pela Cons-tituição da República5.

A Administração Pública pode e deve restringir certas condutas que podem ferir princípios da administração praticadas pelos seus servidores. O caso em análise é exemplo de conduta que deve ser vedada pela administração municipal.

Outra situação apresentada pela consulente reside no fato de que a administração municipal, diante da ocorrência de situação concreta, delegou, por decreto, o exercício da função pública para pessoa estranha à adminis-tração municipal.

Segundo a doutrina:

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Delegar é conferir a outrem atribuições que originariamente competiam ao delegante. As delegações dentro do mesmo Poder são, em principio, admissíveis, desde que o delegado esteja em condições de bem exercê-las. O que não se admite, no nosso sistema constitucional, é a delegação de atribui-ções de um Poder a outro, como também não se permite delegação de atos de natureza política, como a do poder de tributar, a sanção e o veto de lei. [...] Outra restrição à dele-gação é a de atribuição conferida pela lei especificamente a determinado órgão ou agente. Delegáveis, portanto, são as atribuições genéricas, não individualizadas nem fixadas como privativas de certo executor6.

As funções públicas permanentes só podem ser exercidas por titulares dos respectivos cargos:

Todo cargo tem função, mas pode haver função sem cargo. As funções do cargo são definidas; as funções autônomas são, por índole, provisórias, dada a transitoriedade do serviço que visam a atender, como ocorre nos casos de contrata-ção por prazo determinado (CF, art. 37, IX). Daí por que as funções permanentes da Administração só podem ser desempenhadas pelos titulares da cargos efetivos, e as tran-sitórias, por servidores designados, admitidos ou contratados precariamente7.

Assim, entendemos que não pode a administração delegar função pública permanente para outra instituição, quando mais de fora da estrutura administrativa municipal. Deve a administração determinar que o servidor municipal se abstenha de analisar qualquer projeto particular por ele elabo-rado, ou mesmo que tenha participação, e que seja levado à apreciação da administração municipal para aprovação e/ou análise. Ocorrendo esse fato, a análise deve ser encaminhada e ficar sob a responsabilidade de superior hierárquico do servidor ou a outro servidor com atribuição e capacitação técnica para a função.

Portanto, mesmo que a delegação tenha sido efetuada para associação da qual o Municio de Presidente Getúlio integre, mostra inadmissível, que ato privativo da Administração Pública, exercido dentro de seu poder de po-lícia, seja delegado à particular, o qual não possui nenhuma vinculação com a administração, nem mesmo se submete aos deveres dos demais servidores públicos.

A doutrina e a jurisprudência vacilavam entre a possibilidade ou não dessa delegação.Porém, o Supremo Tribunal Federal apreciando a questão, firmou entendimento de que as atividades típicas do Estado, envolvendo, também, poder de polícia e punição, é insusce-

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tível de delegação a entidades privadas.O leADIg case foi o julgamento da ADI 1.717-DF, relatado pelo Ministro SYDNEY SANCHES, onde o STF, por maioria, em sessão de 1/2/1999, concedeu medida cautelar de suspensão de dispositivo da Lei n. 9.469/98, que previa a delegação de poder público para o exercício, em caráter privado, dos serviços de fiscalização de profissões regula-mentadas mediante autorização legislativa. Vide íntegra do Acórdão no ANEXO deste trabalho.Face a importância da referida decisão para o tema ora pro-posto, peço vênia para transcrever alguns trechos dos votos proferidos na mencionada ação.O pedido inicial argumentava que tratando-se de atividade constitucionalmente afeta a União, nos termos do inciso XXIV do art. 21 a inspeção do trabalho, bem como estabe-lecer condições para o exercício das profissões, conforme dispõe o inciso XVI do art. 22 da Constituição, não é possível que a União, através de ato normativo do Poder Executivo venha transferir esta atribuição para entes privados, mediante autorização legislativa.O Ministro SYDNEY SANCHES, Relator da ADI, asseve-rou no seu voto que “não me parece possível, a um primeiro exame, em face do nosso ordenamento constitucional, mediante a interpretação conjugada dos arts. 5º, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70,parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, a delegação, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e punir no que concerne ao exercício de atividades profissionais.” (g.n.)Em seguida, o Ministro MAURÍCIO CORRÊA, proferiu o seu voto, afirmando que não via “impedimento a tal delegação legislativa, até porque a própria Constituição a prevê expressamente para os serviços notariais e de registro, de conotação muito mais ampla do que a fiscalização do exercício de determinada profissão, ao dispor no caput do seu art. 236 que ‘os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado por delegação do poder público’, sem que tal disposição cause qualquer perplexidade. Ao contrário, no direito positivo temos exemplos marcantes do exercício do serviço público de fiscalização de profissão por delegação, como é o caso da Ordem dos Advogados do Brasil, sem que se tenha concluído pela inconstituciona-lidade desta delegação.”Conclui-se, portanto, que a delegação não pode ser outorgada a pessoas da iniciativa privada, desprovidas de vinculação oficial com os entes públicos, visto que, por maior que seja a parceria que tenham com estes, jamais serão dotadas da potestade (ius imperii) neces-

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sária ao desempenho da atividade de polícia.(sem grifo no original]8

Isto posto, ante a impossibilidade de delegação de atividades permanente da administração e referente ao seu poder de polícia, que a administração mu-nicipal cabe providenciar dentro de seus quadros, profissional habilitado para o exercício de atribuição de fiscalização quando servidor seu esteja impedido.

1. GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 88

2. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 23 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 110.

3. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 124.

4. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33 ed. São Paulo: Ma-lheiros, 2007. p. 88.

5. Id. Ibid., p. 476.6. Id. Ibid., p. 123.7. Id. Ibid., p. 420.8. OLIVEIRA, Farlei Martins de (Advogado da União). Delegabilidade do Poder

de Polícia. Disponível em:http://www.escola.agu.gov.br/revista/Ano_III_janei-ro_2002/05012002FarleiMartinsDelegabilidadedoPoderdePolicia_8.pdf, acesso em 15.08.2008.