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Aspectos psicológicos e rendimento escolar em adolescentes obesos _________________________________________________________ - 158 - CAPÍTULO 3 ASPECTOS PSICOLÓGICOS E RENDIMENTO ESCOLAR EM ADOLESCENTES OBESOS Campos ―(…) identificou as seguintes características psicológicas em adultos obesos por hiperfagia: passividade e submissão, preocupação excessiva com comida, ingestão compulsiva de alimentos e drogas, dependência e infantilização, primitivismo, não aceitação do esquema corporal, temor de não ser aceito ou amado, indicadores de dificuldades de adaptação social, bloqueio da agressividade, dificuldade para absorver frustração, desamparo, insegurança, intolerância e culpa‖ (1993, in Cataneo, Carvalho, & Galindo, 2005, 39). Se num indivíduo obeso as alterações físicas são múltiplas e importantes, as alterações psicossociais também não devem ser descuradas. Guerreiro (2000b) afirma que a gravidade da obesidade não está apenas relacionada com as doenças directamente associadas, mas também com as consequências psicológicas concomitantes, uma vez que são muitos os obesos com problemas de auto-estima. Lemos (2002) refere como alterações psicossociais a dificuldade ou incapacidade na actividade sexual e afectiva, a insatisfação com o próprio corpo, a frustração em relação ao vestuário, a perda de emprego ou a dificuldade em ingressar no mercado de trabalho. Cerqueira (1999) acrescenta que, regra geral, os obesos são mais ansiosos e menos optimistas, exteriorizando um total desinteresse pelo seu peso devido, em parte, às atitudes discriminatórias a que são sujeitos. Esta autora acrescenta ainda que as complicações psicológicas ou psicossomáticas traduzem-se por uma auto-imagem negativa, isolamento social e limitação da vida social (Lemos, 2002). Uma pesquisa realizada por Matos, Aranha, Faria, Ferreira, Bacaltchuck e Zanella (2002) procurou avaliar, entre outros, a ansiedade, depressão e distúrbios na imagem corporal em pacientes com obesidade grau III em tratamento. Para tal, foram avaliados 50 pacientes dos 18 aos 56 anos com obesidade mórbida, verificando-se que todos os indivíduos manifestavam sintomas depressivos, 84% destes com sintomatologia grave. Quanto à frequência de ansiedade-traço foi de 70% e de

CAPÍTULO 3 ASPECTOS PSICOLÓGICOS E RENDIMENTO … -ASPECTOS... · estigmas parecem ser as mulheres, motivo pelo qual estas frequentam mais as consultas de obesidade (Carmo et al.,

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  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    CAPTULO 3 ASPECTOS PSICOLGICOS E RENDIMENTO ESCOLAR EM

    ADOLESCENTES OBESOS

    Campos () identificou as seguintes caractersticas psicolgicas em

    adultos obesos por hiperfagia: passividade e submisso, preocupao excessiva

    com comida, ingesto compulsiva de alimentos e drogas, dependncia e

    infantilizao, primitivismo, no aceitao do esquema corporal, temor de no

    ser aceito ou amado, indicadores de dificuldades de adaptao social, bloqueio

    da agressividade, dificuldade para absorver frustrao, desamparo, insegurana,

    intolerncia e culpa (1993, in Cataneo, Carvalho, & Galindo, 2005, 39).

    Se num indivduo obeso as alteraes fsicas so mltiplas e importantes, as

    alteraes psicossociais tambm no devem ser descuradas. Guerreiro (2000b) afirma

    que a gravidade da obesidade no est apenas relacionada com as doenas directamente

    associadas, mas tambm com as consequncias psicolgicas concomitantes, uma vez

    que so muitos os obesos com problemas de auto-estima. Lemos (2002) refere como

    alteraes psicossociais a dificuldade ou incapacidade na actividade sexual e afectiva, a

    insatisfao com o prprio corpo, a frustrao em relao ao vesturio, a perda de

    emprego ou a dificuldade em ingressar no mercado de trabalho. Cerqueira (1999)

    acrescenta que, regra geral, os obesos so mais ansiosos e menos optimistas,

    exteriorizando um total desinteresse pelo seu peso devido, em parte, s atitudes

    discriminatrias a que so sujeitos. Esta autora acrescenta ainda que as complicaes

    psicolgicas ou psicossomticas traduzem-se por uma auto-imagem negativa,

    isolamento social e limitao da vida social (Lemos, 2002).

    Uma pesquisa realizada por Matos, Aranha, Faria, Ferreira, Bacaltchuck e

    Zanella (2002) procurou avaliar, entre outros, a ansiedade, depresso e distrbios na

    imagem corporal em pacientes com obesidade grau III em tratamento. Para tal, foram

    avaliados 50 pacientes dos 18 aos 56 anos com obesidade mrbida, verificando-se que

    todos os indivduos manifestavam sintomas depressivos, 84% destes com

    sintomatologia grave. Quanto frequncia de ansiedade-trao foi de 70% e de

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    ansiedade-estado 54%. A preocupao com a imagem corporal esteve presente em 76%

    dos pacientes.

    Uma reflexo importante veiculada por Ballone (2002b) que a sociedade tende

    a exprimir duas opinies sobre as pessoas com excesso de peso: uma delas diz respeito

    discriminao esttica e outra culpabilizao do obeso pelo seu estado. Estes

    preconceitos fazem com que os indivduos sintam maior dificuldade no relacionamento

    social, afectivo e na aquisio de emprego. Em consequncia, esta marginalizao

    aumenta o risco do obeso apresentar quadros de distrbios psiquitricos. Esta

    marginalizao to frequente que existem estudos clssicos (pediu-se para colocar por

    ordem decrescente de desvalorizao fsica crianas normais, sem braos, cegas e

    obesas) que encontraram uma percentagem significativamente elevada de casos em que

    as crianas obesas eram preteridas e colocadas em ltimo lugar (Allon, 1979, in Carmo

    et al., 1989). Alguns investigadores tm-se tambm dedicado ao estudo das atitudes dos

    profissionais de sade face aos obesos, concluindo que muitos apresentam uma atitude

    de desprezo para com eles. Esta atitude pode ser favorecedora do agravamento dos

    factores psquicos patolgicos associados obesidade. Os mais afectados por estes

    estigmas parecem ser as mulheres, motivo pelo qual estas frequentam mais as consultas

    de obesidade (Carmo et al., 1989).

    De facto, os prejuzos a nvel psicossocial so os que maior nfase possuem na

    vida do indivduo, podendo marcar de forma negativa o desenvolvimento do

    adolescente (Carvalho, 2001). Estas alteraes so exacerbadas pelos adolescentes, pois

    estes esto muito direccionados para a observao do corpo (o seu e o dos outros), dado

    que este est em transformao, contribuindo para a formao da sua identidade e para a

    preparao da sexualidade (Carmo, 1999). Tambm Thompson e Ashwill (1996)

    afirmam que a obesidade manifestada de um modo peculiar na adolescncia, visto que

    nesta etapa do ciclo da vida os sentimentos de inadequao so pronunciados e tende-se

    a sobrevalorizar a aparncia. Tal ir convergir numa maior susceptibilidade dos

    adolescentes obesos, uma vez que estes possuem uma aparncia diferente (por exemplo,

    os rapazes obesos parecem ter desenvolvido mamas, estrias no abdmen e o pnis

    parece pequeno) dos restantes membros do seu grupo, sendo submetidos muitas vezes

    ao ridculo. Tudo isto se reflecte na vida social do adolescente que poder-se- sentir

    rejeitado e feio, incapacitando-o de participar em determinadas actividades sociais, a

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    uma maior propenso para sofrer acidentes, limitao da vida afectiva (tm menos

    namoradas) e a uma maior restrio na escolha profissional.

    A estigmatizao da obesidade inicia-se sobretudo na adolescncia, perodo de

    alto risco para o desenvolvimento de uma imagem corporal desequilibrada. Assim

    sendo, o adolescente com excesso de peso apercebe-se, por si s, da sua diferena, o que

    no impede que entre os adultos e colegas existam frases indelicadas e at ofensivas.

    Isso far com que limitem as suas actividades desportivas, porque no se querem despir

    em frente dos colegas, face ao risco de serem gozados e porque tm maior dificuldade

    na execuo dos exerccios que os seus colegas. Tudo isto contribui para que grande

    parte dos adolescentes obesos revelem um grande desgosto e desconforto com a sua

    obesidade, apresentando dificuldade no relacionamento com os seus pares. Assim, so

    muitas vezes excludos e gozados pelos companheiros (Carvalho, 2001). Tambm a

    UEC (1997) acrescenta que a obesidade persistente durante a idade escolar leva o jovem

    a desenvolver problemas psicolgicos em funo de comentrios e piadas a que

    sujeito por parte de colegas. Esta situao leva a um crculo vicioso: a pouca aceitao

    grupal fortalece a baixa de auto-estima e a desvalorizao pessoal implica um

    afastamento das actividades desportivas. A obesidade est, tambm, associada a uma

    limitao do desempenho individual e social, problemas estticos, impossibilidade de

    usar roupas da moda e problemas de locomoo. J Cruz (1983) afirma que algumas

    das consequncias sociais so a discriminao, a dificuldade de integrao cultural e a

    deteriorao da imagem de si prprio.

    Andrade (1995, in Cataneo, Carvalho, & Galindo, 2005), num estudo com 134

    crianas obesas, constatou que 76.8% apresentavam uma forte componente emocional

    associada ao desenvolvimento da obesidade. Quanto a Zeller, Saelens, Roehrig, Kirk e

    Daniels (2004) conseguiram comprovar numa amostra de 121 crianas e jovens obesos

    que a obesidade estaria relacionada de modo significativo com um desajustamento

    psicolgico. De facto, os indivduos obesos parecem apresentar evidncias de

    depresso, imagem corporal distorcida, problemas familiares e com os pares, bem como

    um menor rendimento escolar. No que concerne s crianas obesas, Campos (1993, in

    Cataneo, Carvalho, & Galindo, 2005) considera que estas so mais regredidas e

    infantilizadas, apresentando dificuldade em lidar com as experincias de forma

    simblica, no relacionamento social e na sexualidade, alm de manifestarem uma auto-

    http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=pubmed&cmd=Search&term=%22Roehrig+H%22%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=pubmed&cmd=Search&term=%22Roehrig+H%22%5BAuthor%5Dhttp://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=pubmed&cmd=Search&term=%22Daniels+SR%22%5BAuthor%5D

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    -estima diminuda e dependncia materna. Por sua vez, Stotland e Zuroff (1990, in

    Cataneo, Carvalho, & Galindo, 2005) encontraram uma relao significativa entre locus

    de controle e perda de peso. J anteriormente, num estudo de Aldersberg e Mayer

    (1949, in Cataneo, Carvalho, & Galindo, 2005) constatou-se que indivduos com

    excesso de peso possuam crenas que caracterizavam a denominada atribuio de

    causalidade externa.

    No entanto, os dados da literatura no so conclusivos quanto aos aspectos

    emocionais relacionados com a obesidade. De facto, existe uma fraco que defende

    que nem todos os obesos tm sentimentos negativos sobre o seu corpo. Esses

    sentimentos seriam mais comuns em pessoas com o incio da obesidade na infncia,

    cujos pais e amigos depreciem o seu corpo (Cataneo, Carvalho, & Galindo, 2005). O

    distrbio da imagem corporal desenvolvido na adolescncia representaria, ento, uma

    internalizao da censura dos pais e dos pares, persistindo com a contnua

    desvalorizao. Venturini (2000, in Cataneo, Carvalho, & Galindo, 2005), utilizando o

    Desenho da Figura Humana com 15 crianas obesas verificou que suas produes

    evidenciaram perturbaes no esquema corporal, ansiedade, insegurana, insatisfao

    consigo mesmas, sinais de agressividade, entre outros. Quanto a Ackard, Neumark-

    -Sztainer, Story e Perry (2003), numa pesquisa com 4746 adolescentes dos EUA

    verificaram que os indivduos com sndrome de hiperfagia apresentavam ndices

    elevados de compromissos psicolgicos. Constaram ainda que entre estes adolescentes

    seria mais prevalente o humor depressivo, a auto-estima reduzida, as tentativas e

    ideao suicida.

    Assim, parecem haver evidncias de que os indivduos obesos apresentam um

    maior risco de depresso, ansiedade, auto-estima reduzida, relacionamento social pobre,

    menor sade mental e uma qualidade de vida e funcionamento psicossocial mais pobres.

    Todavia, tais resultados so ainda inconsistentes surgindo estudos contraditrios (Ball,

    Crawford, & Kenardy, 2004). Por outro lado, estudos realizados em pases

    desenvolvidos sugerem que os adolescentes obesos apresentam tambm desvantagens

    socioeconmicas na vida adulta (Monteiro et al., 2000), destacando o absentismo, as

    reformas precoces e o aumento do consumo mdico. Tambm Maham e Escott-Stump

    (1998) referem que as consequncias sociais e econmicas parecem ser maiores que as

    consequncias fsicas ou aquelas experimentadas por adolescentes com doenas

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    crnicas (asma, diabetes, anomalias msculo-esquelticas, epilepsia). J um estudo

    realizado nos EUA com 10.000 indivduos acompanhados durante 7 anos concluiu que

    as raparigas obesas apresentavam uma taxa de casamento, nmero de anos de estudo e

    rendimento menores. Nos rapazes observou-se uma tendncia similar, embora menos

    acentuada (Jouret, 2002).

    Por sua vez, Travado et al. (2004) realizaram um estudo com 212 indivduos

    candidatos a cirurgia baritrica por obesidade mrbida, avaliados de Fevereiro de 2002

    a Maio de 2004 em consulta no Hospital S. Jos. Da anlise dos dados constatou-se que,

    apesar de no apresentarem perturbao psicopatolgica e de personalidade com

    significado clnico, em termos estatsticos possuam algumas alteraes de

    personalidade sugestivas de instabilidade psicolgica, entre as quais se salienta a

    personalidade compulsiva. Acresce a presena de alteraes emocionais ligeiras de

    ansiedade como precipitantes do comportamento compulsivo de comer. No se

    verificou a existncia de psicoticismo como esperado, mas a ideao suicida estava

    presente em cerca de 25% dos casos associada a uma elevao significativa da

    morbilidade psicolgica. Verificou-se ainda que o IMC se correlacionava de modo

    negativo com a escolaridade e de modo positivo com as alteraes emocionais de

    ansiedade (HADS) e com a maior parte das subescalas de personalidade e

    psicopatologia (MCMI-II) (Travado et al., 2004).

    Em suma, a obesidade, alm das inmeras repercusses a nvel fsico, envolve

    tambm alguns aspectos psicolgicos e at de ndole pedaggica. De facto, a obesidade

    uma patologia complexa e de difcil entendimento, pelo que necessrio uma

    abordagem multidisciplinar do problema. Maybe even more importantly, obesity also

    affects childrens psychosocial outcomes, such as low self-esteem and depression,

    resulting from overweight concerns.3 (Datar, Sturm, & Magnabosco, 2004, 58).

    Todavia, preciso cautela no encaminhamento psicolgico, pois a necessidade no

    generalizada: ser gordo no significa ter problemas psicolgicos. preciso desmistificar

    esta crena, sobretudo junto dos pais que, talvez por dificuldade em administrar uma

    alimentao mais equilibrada aos seus filhos, procuram encontrar problemas de ordem

    3 Talvez at mais importante, a obesidade tambm afecta os aspectos psicossociais da criana, tais como

    a baixa auto-estima e a depresso, resultantes do excesso de peso.

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    emocional como factores de explicao para a ocorrncia do excesso de peso (Cataneo,

    Carvalho, & Galindo, 2005).

    Desta forma, parece ser pertinente o estudo pormenorizado desta problemtica,

    direccionando a investigao na rea da obesidade para a especificidade das relaes

    que se estabelecem com o domnio psicolgico do indivduo (nomeadamente com o

    autoconceito, a ansiedade e a depresso) e o seu rendimento escolar.

    1. Obesidade e autoconceito

    Como foi referido, a obesidade envolve um conjunto de aspectos que

    ultrapassam a esfera do domnio biolgico do indivduo. De facto, hoje parece

    incontornvel que o autoconceito tem um papel preponderante na obesidade. Todavia, a

    dvida persiste se o seu papel ser o de catalisador da obesidade ou se ser apenas uma

    consequncia desta. Neste sentido, analisemos com maior pormenor o constructo do

    autoconceito.

    1.1. Caracterizao do autoconceito

    A compreenso do self tem sido um dos objectivos mais antigos e persistentes da

    Psicologia. O interesse pela anlise do autoconceito desenvolveu-se no contexto da

    fenomenologia existencial e depressa surgiram inmeras pesquisas e publicaes. O

    primeiro a analisar de modo sistemtico a noo de autoconceito foi William James,

    constituindo uma ruptura com a abordagem filosfica da poca ao introduzir a dimenso

    social no autoconceito. nos princpios do sc. XX, com o advento do segundo

    momento da cientificao da Psicologia dominado por concepes monolticas, que a

    perspectiva de William James sobre o Eu vem ganhar pertinncia (Simes, 1997). No

    entanto, o seu desenvolvimento pleno s viria a ocorrer no 3 momento de cientificao

    (revoluo cognitivista) baseado nas insuficincias do comportamentalismo, nas

    contribuies de Chomsky, Piaget e do Modelo de Processamento da Informao

    (Costa, 2001). Assim, em 1890 James apresenta na sua obra emblemtica "The

    Principles of Psychology" um modelo que assenta em quatro componentes (self

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    espiritual, material, social e corporal) de importncia decrescente para a auto-estima do

    indivduo. Ao atribuir-lhes categorias descritivas e avaliativas, James antecipa

    concepes futuras, prope uma estrutura multidimensional e hierrquica para o

    conceito de self e teve o mrito de realar a sua natureza social (Albuquerque &

    Oliveira, 2002). Vaz Serra (1986a) refere mesmo que o autoconceito passa a ser

    associado a aspectos cognitivos, afectivos e motores.

    William James, considerado o precursor dos estudos empricos na rea de

    autoconceito (Albuquerque & Oliveira, 2002; Costa, 2001; 2002; Giavoni & Tamayo,

    2003) definiu o autoconceito como o conjunto de tudo o que o sujeito pode chamar de

    seu ou fazer parte de si (corpo, capacidades fsicas, os seus pertences, amigos,

    parentes e trabalho), possuindo uma propriedade reflexiva, uma dualidade entre o I-self

    (o que o indivduo) e o Me-self (o que pertence ao indivduo). O primeiro

    considerado como o sujeito, o conhecedor, enquanto que o segundo o objecto, o

    conhecido, um integrador de coisas e conceitos que so considerados como pertinentes

    ao self. O I-self refere-se conscincia daquilo que se est a pensar ou a perceber

    quanto aos processos fsicos, enquanto que o Me-self mais subjectivo, visto ser um

    fenmeno mais psicolgico e referente s ideias que as pessoas tm sobre como elas so

    e o que elas gostariam de ser (Albuquerque & Oliveira, 2002; Costa, 2002). Se o Me

    uma teoria do self criada pelo I, facilmente se deduz que as caractersticas

    desenvolvimentais da capacidade de pensar do ltimo influenciam a viso do primeiro.

    (Costa, 2001, 106).

    Desta forma, a definio de autoconceito foi sofrendo algumas transformaes

    em virtude das correntes ideolgicas vigentes na poca. Epstein defendia que o

    autoconceito seria uma auto-teoria que o indivduo elaborava a respeito de si mesmo.

    Assim, a sua finalidade seria optimizar o equilbrio entre o prazer e o sofrimento

    durante o curso da vida; proteger e conservar a auto-estima e organizar as experincias

    (Epstein, 1973, in Giavoni & Tamayo, 2003). Epstein afirma mesmo que "(...) para os

    fenomenologistas, o autoconceito o constructo central da Psicologia, proporcionando a

    nica perspectiva atravs da qual o comportamento humano pode ser compreendido."

    (1973, 404, in Albuquerque & Oliveira, 2002, 80).

    Devido sua importncia, o autoconceito tem sido estudado nas diversas reas

    da Psicologia, podendo destacar-se a Psicologia da Educao (Veiga, 1989), a

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    Psicologia Clnica (Vaz Serra, 1986a; Vaz Serra, Matos, & Gonalves, 1986) e

    Psicologia Social (Gecas, 1982, Neto, 1986, in Albuquerque & Oliveira, 2002).

    Todavia, possvel encontrar alguns pontos de consenso entre os vrios autores ou pelo

    menos referir algumas das posies que maior destaque alcanaram entre a comunidade

    cientfica.

    Segundo Burns (1986, in Albuquerque & Oliveira, 2002), o autoconceito

    constitudo por imagens daquilo que pensamos que somos, que conseguimos realizar,

    que os outros pensam de ns e tambm de como gostaramos de ser. Segundo este

    prisma, o autoconceito baseia-se no modo como o indivduo se v nos seus julgamentos,

    nas suas avaliaes e tendncias de comportamento. Isto leva a que o autoconceito seja

    analisado como um conjunto de vrias atitudes do Eu e nicas de cada indivduo. Para

    Wells e Marwell (1976, in Vaz Serra, 1986a), o autoconceito seria um constructo

    hipottico, inferido ou elaborado com base em acontecimentos pessoais. Tal constructo

    seria til para descrever, explicar e prever o comportamento humano, conhecendo como

    o ser humano se percebe e considera a si prprio. Este conceito permite a noo de que

    o comportamento humano goza de uma continuidade que lhe confere a identidade

    pessoal, com coerncia e consistncia. J Markus (1977, in Vaz Serra, 1986a) refere-se

    ao autoconceito como sendo um conjunto de generalizaes cognitivas que organizam o

    processamento das informaes relevantes para o sujeito. Existiria uma espcie de

    conservadorismo cognitivo, organizador de percepes, recordaes e esquemas

    pessoais que seria muito importante na afirmao da identidade pessoal. J Vaz Serra

    (1986a) define autoconceito como a percepo que o indivduo tem de si prprio nas

    suas mltiplas facetas, sejam elas de ndole social, emocional, fsica ou acadmica.

    Deste modo, o autoconceito concebido como uma construo terica que o

    indivduo realiza sobre si, partindo da sua interaco com o meio social. Esta

    autoconstruo reflectir as percepes, conjecturas e imaginaes que o indivduo

    realiza sobre a influncia que a sua imagem exerce nos outros e no julgamento que estes

    realizam sobre si. Acresce ainda o facto de subsistir uma espcie de sentimento pessoal

    (orgulho ou vergonha) resultante desta interaco social (Giavoni & Tamayo, 2003;

    Simes & Vaz Serra, 1987). Transversalmente a estas interaces sociais, o indivduo

    vai construindo de forma gradual a sua identidade. Todavia, esta identidade prpria e

    singular que o distingue dos demais, no se desliga do social.

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    Embora o autoconceito seja um constructo j muito explorado por diversas

    pesquisas psicolgicas, alguns aspectos carecem ainda de melhor esclarecimento. De

    facto, parece haver uma certa confuso terminolgica entre os termos autoconceito,

    auto-imagem e auto-estima (Costa, 2001, 2002). Se considerarmos que a

    conceptualizao do autoconceito tem variado em funo do quadro de referncia dos

    autores, fcil concluir que a investigao terica, nesta rea se caracteriza por uma

    grande impreciso da terminologia e discordncia das definies. (Albuquerque &

    Oliveira, 2002, 81). Ainda no prembulo da definio do autoconceito geral, Burns

    (1982, in Albuquerque & Oliveira, 2002) refere uma vasta gama de designaes (auto-

    -imagem, auto-descrio e auto-estima) que tm vindo a ser utilizadas para referenciar a

    imagem que o indivduo tem de si, contudo estes termos seriam designaes demasiado

    estticas para uma estrutura dinmica e avaliativa como o autoconceito. Este, deveria

    englobar uma descrio individual de si prprio (enquanto auto-imagem) e uma

    dimenso avaliativa (auto-estima). Tambm Shavelson, Hubner e Stanton referem que

    as pesquisas sobre autoconceito carecem de () concordncia na sua definio devido

    falta de validao adequada das mensuraes do mesmo e tambm por falta de dados

    empricos equivalentes entre elas. (1976, in Costa, 2002, 76). Assim, estes autores

    propuseram um modelo estrutural para o autoconceito, concluindo que o autoconceito

    geral deveria ser dividido em diferentes dimenses, como por exemplo, habilidades

    fsicas, habilidades sociais e relaes emocionais.

    Segundo Byrne (1986, in Albuquerque & Oliveira, 2002), apesar da literatura

    cientfica no apresentar uma definio operacional clara, concisa e universalmente

    aceite existe uma certa concordncia em redor da definio geral do autoconceito como

    sendo a percepo que o indivduo tem de si. A testemunhar isto mesmo, Vaz Serra

    (1986a) refere que o autoconceito um constructo psicolgico que permite ter a noo

    da identidade da pessoa, da sua coerncia e consistncia. Partindo destas deficincias

    terminolgicas e da multiplicidade de conceitos, Shavelson e Bolus (1982, in Simes,

    1997) apresentam uma definio operacional onde defendem que o autoconceito se

    poder definir como um constructo hipottico, cujo contedo seria a percepo que um

    indivduo tem do seu Eu. Essa percepo formar-se-ia tanto por intermdio de

    interaces estabelecidas com os outros significativos, como atravs das atribuies do

    seu prprio comportamento. A carncia de consensos no que se refere ao universo

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    conceptual do autoconceito no , contudo, recente, pois j em 1967 Shavelson e

    colaboradores identificaram 17 dimenses conceptuais para este constructo, enquanto

    que em 1971, Zirkel referia a existncia de 15 (Costa, 2001). Alm da diversidade

    conceptual, Costa refere que () os problemas no estudo do autoconceito incluem

    ainda: (1) a importncia da distino entre o I e o Me; (2) a discrepncia entre o self

    ideal e o real; (3) as origens sociais da auto-avaliao; (4) a existncia de um ou de

    mltiplos selfs; (5) os verdadeiros e falsos selfs; e (6) a uni ou multidimensionalidade

    das descries e avaliaes do self. (2001, 105).

    Em 1984, Piers direcciona a sua investigao para as crianas e adolescentes,

    definindo o autoconceito como o conjunto das percepes conscientes que estes

    indivduos possuem de si, dos seus comportamentos e dos seus atributos. Tais

    percepes desempenhariam um papel fulcral na organizao e motivao do

    comportamento, originando atitudes auto-avaliativas (cognies) e sentimentos (afectos)

    que so essenciais para a compreenso da personalidade e para a previso de

    comportamentos futuros. Outro aspecto importante a salientar que o desenvolvimento

    normal na adolescncia parece incluir falsos comportamentos relativos ao self, que

    fazem parte integrante da experimentao normativa de papis percursora da

    consolidao da identidade. J Selman (1980, in Costa, 2001) destaca a distino que os

    adolescentes fazem entre o verdadeiro self (sentimentos e pensamentos mais profundos)

    e o self perifrico (sentimentos e pensamentos expressos). Segundo Costa (2001), esta

    problemtica importante, uma vez que provoca a discusso sobre a desiderabilidade

    social e os efeitos distorcedores das respostas dos sujeitos nas diversas situaes de

    auto-anlise.

    Quanto s componentes do autoconceito, Vaz Serra (1986a) salienta a auto-

    -estima, as auto-imagens, a auto-eficcia, as identidades, o autoconceito real e o

    autoconceito ideal. A auto-estima um dos constituintes do autoconceito mais

    importantes e com grande impacto na prtica clnica, sendo entendido como o processo

    avaliativo que o indivduo faz das suas qualidades ou dos seus desempenhos. Desta

    feita, o constituinte afectivo do autoconceito em que o indivduo faz julgamentos de si

    prprio, associando sua identidade sentimentos valorativos do "bom" e do "mau". A

    auto-estima parece, ento, reportar-se a uma atitude valorativa do indivduo em relao

    a si mesmo (Costa, 2002). J a auto-imagem surge como um sinnimo de autoconceito,

  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    - 168 -

    no entanto a sua nfase recai sobretudo no aspecto social. Vaz Serra defende que A

    auto-imagem corresponde ao conjunto de percepes, quando a pessoa se constitui, ela

    prpria, o objecto percebido. As vrias auto-imagens que o indivduo percebe, ajudam a

    constituir o autoconceito. (1986a, 60). Estas auto-imagens resultariam das observaes

    em que o indivduo ele mesmo objecto da sua prpria observao. Outro constituinte

    do autoconceito a auto-eficcia, cuja origem remonta teoria da aprendizagem social

    de Bandura. A auto-eficcia refere-se s auto-percepes em que o indivduo acredita,

    confiando na sua capacidade e eficcia para enfrentar o meio com xito (Albuquerque &

    Oliveira, 2002). Por usa vez, Mischel (1977, in Albuquerque & Oliveira, 2002) encara-a

    como um constructo motivacional cognitivo em que o indivduo se auto-avalia como

    eficaz, para enfrentar o meio ambiente. Sobre a quarta componente do autoconceito

    (identidades), Vaz Serra (1986a) apenas refere que qualquer pessoa pode ter dentro de si

    vrias identidades, estando na posio hierrquica mais elevada aquela a que dedicar

    mais tempo e ateno.

    Alm desta diferenciao entre autoconceito, auto-imagem, auto-percepo e

    auto-estima ainda possvel distinguir o autoconceito real do ideal. Enquanto que o

    primeiro reporta-se ao modo como o indivduo se percebe e se avalia, o autoconceito

    ideal refere-se forma como ele sente que deveria ou gostaria de ser. Este parece

    relacionar-se sobretudo com as normas culturais e os valores pessoais que determinado

    meio tenta impor. Assim, esta discrepncia entre o autoconceito real e o ideal traduzir-

    -se- no ndice de aceitao, de satisfao pessoal e de ajustamento pessoal (Vaz Serra,

    1986a), discrepncia esta que estaria aumentada no incio da adolescncia (Costa, 2001)

    e que com a idade iria diminuindo. Este autor defende que, enquanto a discrepncia

    entre o self real e o self ideal est na origem de sentimentos depressivos, as diferenas

    entre o self real e o self desejado provocam sentimentos relacionados com a aco

    (preocupao, ameaa ou sentir-se no limite).

    Comummente, consideram-se trs componentes no autoconceito: o avaliativo, o

    cognitivo e o comportamental. O primeiro designado de auto-estima e consiste na

    avaliao global que a pessoa faz do seu prprio valor, manifestando-se pela aceitao

    de si mesmo como pessoa e por sentimentos de valor pessoal e de autoconfiana. Ela

    constitui um dos determinantes mais importantes do bem-estar psicolgico e do

    funcionamento social (Tamayo et al., 2001). J o componente cognitivo consiste nas

  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    - 169 -

    percepes que o indivduo tem dos traos, caractersticas e capacidades que possui ou

    que pretende possuir. Quanto ao componente comportamental compe-se das estratgias

    de auto-apresentao utilizadas pelo indivduo, com a finalidade de transmitir aos outros

    uma imagem positiva de si mesmo. Estes trs componentes (avaliativo, cognitivo e

    comportamental), apesar de diferentes relacionam-se entre si. Assim, um indivduo que

    se percebe como tendo caractersticas indesejveis, avaliar-se- de forma desfavorvel,

    mas tentar-se- apresentar de forma positiva. Recentemente, Nezlek e Plesko (2001, in

    Tamayo et al., 2001) demonstraram que o contedo do autoconceito determinado tanto

    pela situao social em que se encontra o sujeito, como pelos seus interesses, metas e

    motivaes do momento.

    Desta feita, pode afirmar-se que o autoconceito possui mltiplas facetas:

    estvel (diminuindo essa estabilidade medida que vai descendo na hierarquia),

    avaliativo, diferencivel e tem capacidade para se desenvolver e organizar numa

    hierarquia. O aspecto avaliativo do autoconceito permite que o indivduo auto-avalie de

    forma retrospectiva os seus comportamentos face a uma determinada situao,

    averiguando quais os mais adequados para da retirar informao que lhe seja til em

    novas situaes.

    Para alm dos aspectos j assinalados, o autoconceito possui determinadas

    caractersticas que so fundamentais para uma definio mais precisa (Simes, 1997). O

    autoconceito actua como impulsionador da motivao, tendo Gecas (1982, in

    Albuquerque & Oliveira, 2002) indicado trs motivos que lhe esto associados: o

    motivo de auto-estima ou auto-salincia, o motivo de autoconsistncia e motivo de auto-

    -eficcia. O motivo de auto-estima universal, na medida em que os aspectos positivos

    de cada indivduo so, em geral, realados (Vaz Serra, 1986a). Este motivo apresenta-se

    sob uma perspectiva de "auto-salincia", tendo como objectivo o melhoramento da auto-

    -estima e a perspectiva de "auto-manuteno", virado para a preservao da pessoa

    (estas duas perspectivas determinam as seguintes estratgias comportamentais: disputa

    pelo xito e medo do fracasso). No que se refere ao motivo de consistncia, Markus e

    Wurf (1986, in Albuquerque & Oliveira, 2002) apresentam o autoconceito como um

    conjunto de "generalizaes cognitivas" que estruturam a forma como se elabora a

    informao para o indivduo. Tais esquemas tornam-se progressivamente resistentes

    informao que lhes inconsistente, havendo uma espcie de conservadorismo

  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    cognitivo, organizador de percepes, memrias e esquemas pessoais (Vaz Serra,

    1986a).

    Outra das funes do autoconceito a de auto-regulao, que consiste sobretudo

    nas crenas relativas ao controle do comportamento (Thompson, 1981, in Tamayo et al.,

    2001). Vrias pesquisas tm analisado esta funo do autoconceito sendo apontada uma

    distino entre o controlo primrio e o secundrio. O controlo primrio baseia-se nas

    tentativas de adaptao do ambiente externo aos prprios desejos e interesses. Engloba

    o controlo do comportamento, o controlo cognitivo, o controlo da informao e o

    controlo da deciso. J o controlo secundrio visa a adaptao do self ao meio ambiente

    e recorre a mecanismos de controlo preditivo, ilusrio e interpretativo.

    Outro aspecto importante que a natureza do autoconceito dinmica, uma vez

    que o autoconceito estrutura-se atravs dos vrios perodos do desenvolvimento do

    indivduo e muda em funo das modificaes no ambiente externo, social e

    profissional. Por outro lado, a construo do autoconceito parece ser influenciada pela

    cultura, tendo j sido estudado o impacto do individualismo e do colectivismo, visto que

    h indcios de que o indivduo tende a manter e promover a sua imagem social atravs

    da auto-afirmao (Tamayo et al., 2001). O autoconceito modifica-se e reestrutura-se de

    acordo com o desenvolvimento do indivduo, pelo que podem ocorrer certas

    incoerncias e variaes consoante a situao e o tempo. Contudo, apesar de ser um

    aspecto essencial importante destacar que o autoconceito no apenas uma simples

    reproduo da forma como o indivduo percepcionado pelos outros, pelo contrrio,

    uma varivel dinmica que se modifica em funo das experincias do indivduo e que

    as influencia (Costa, 2002). De facto, enquanto que os psiclogos clnicos apontam para

    a unicidade do self, os psiclogos sociais defendem a multiplicidade de papis que o

    sujeito desempenha (Costa, 2001). A adolescncia parece ser acompanhada de uma

    proliferao de selfs relacionados com os novos papis que so solicitados ao indivduo,

    incluindo a expresso do self para com os pais, amigos prximos, pares, parceiro

    amoroso, para consigo enquanto estudante, profissional, ou atleta. Deste modo podem

    surgir conflitos no incio da adolescncia devido conscincia de diferenas

    comportamentais apesar das semelhanas contextuais (pode sair com os amigos mas ser

    tmido num encontro a dois). A questo da multiplicidade do self pode ser considerada

    como uma caracterstica no patolgica, solidria do desenvolvimento e que suportada

  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    por esforos de diferenciao, no incio da adolescncia, seguidos por momentos de

    integrao, no seu final, que suportam uma viso enriquecida e complexa do self.

    (Costa, 2001).

    Quanto multidimensionalidade, originalmente distinguiam-se trs dimenses

    no self: o self-material, o self-social e o self-espiritual, modelo este que foi seguido por

    muitos investigadores (Costa, 2001; 2002). Hoje, so consideradas como dimenses e

    subdimenses fundamentais do autoconceito, o self-material (self-somtico e self-

    -possessivo), o self-social (preocupaes e atitudes sociais e referncia ao gnero), o

    self-pessoal (imagem e identidade do self), o self-adaptativo (valor e actividade do self)

    e self e no self (referncia aos outros e opinio dos outros sobre si) (Novaes, 1985, in

    Costa, 2002). Uma abordagem fulcral neste mbito e que convm referir o Modelo

    Integrado de L'cuyer (1978, in Costa, 2002). Este modelo considerado integrado por

    derivar de uma anlise detalhada de diversos modelos de autoconceito com o objectivo

    de identificar alguns elementos fundamentais e organiz-los, integrando-os num nico

    modelo. Este modelo apresenta as suas estruturas e categorias com pormenor, o que

    proporciona uma anlise evolutiva do autoconceito do indivduo.

    No se pode deixar de referir ainda o modelo do autoconceito de Marsh e

    Shavelson (1976, in Lobo, 2003) que define o autoconceito em sete tpicos principais:

    organizado e estruturado, multifacetado, hierrquico, estvel, desenvolvimental,

    avaliativo e diferencivel. No que concerne ao aspecto desenvolvimentista do

    autoconceito, Marsh e Shavelson (1985, in Albuquerque & Oliveira, 2002) consideram

    que este se torna cada vez mais especfico e diferenciado medida que a idade avana.

    Por ltimo, os autores referem que o autoconceito diferencivel de outras variveis

    (por exemplo, estado de sade), permitindo a comparao entre si, de forma a averiguar

    possveis relaes.

    Uma outra vertente que importa analisar reporta-se ao autoconceito acadmico,

    uma vez que tem sido apontado como uma das variveis que influencia o rendimento

    escolar na motivao para o estudo e no comportamento na sala de aula. Sendo um

    constructo complexo, o autoconceito composto por vrias dimenses, pelo que

    Shavelson et al. (1976, in Simes & Vaz Serra, 1997) defende que existe um

    autoconceito escolar (subdividido em reas especficas como matemtica, leitura e

  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    - 172 -

    histria) subordinado ao autoconceito geral e um autoconceito no escolar (que

    compreende aspectos fsicos, emocionais e sociais). Tambm Shavelson, Hubner e

    Stanton (1976, in Costa, 2001) defendem a bidimensionalidade do autoconceito que se

    divide em acadmico e no acadmico. Por sua vez, o autoconceito acadmico

    subdividir-se-ia em facetas mais especficas como o autoconceito para a histria ou a

    matemtica.

    O autoconceito acadmico descrito () como o universo de representaes

    que o aluno tem das suas capacidades, das suas realizaes escolares, bem como a

    avaliao que faz dessas mesmas capacidades e realizaes. (Simes, 1997, 202). Uma

    das definies possveis do autoconceito acadmico aponta para a existncia de uma

    dimenso descritiva e avaliativa, tendendo a centrar-se na competncia acadmica.

    Quanto s suas dimenses, surgem algumas diferenas entre autores. Em 1985, Marsh e

    Shavelson apontavam para um autoconceito para a lngua materna e outro direccionado

    para a matemtica, enquanto que em 1988, Marsh defendeu que a existncia de uma

    autoconceito acadmico para a matemtica (fsica e biologia) e um autoconceito

    acadmico verbal (geografia, histria e lnguas). O autoconceito escolar refere-se assim

    s percepes e avaliaes das capacidades que o aluno julga possuir para realizar as

    tarefas escolares, em comparao com outros alunos da mesma classe. (Simes & Vaz

    Serra, 1997, 236)

    Burns (1982, in Simes & Vaz Serra, 1997) defende que o autoconceito escolar

    est quase definido no final da escolaridade primria, sendo um factor importante no

    envolvimento voluntrio em actividades escolares e um bom ndice de prognstico em

    actividades no intelectuais. Por seu turno, Stevanato, Loureiro, Linhares e Marturano

    (2003) defendem que o autoconceito positivo no est necessariamente associado com

    um ajustamento adequado, bem como o autoconceito negativo no implica um

    ajustamento pobre. Carneiro, Martinelli e Sisto (2003) defendem que o xito ou fracasso

    escolar reforaro um determinado autoconceito acadmico que por sua vez determina,

    em grande parte, as prprias possibilidades do aluno, os riscos que enfrenta e os

    resultados que obtm. Assim, as crianas com juzos positivos sobre as suas

    capacidades referentes s tarefas escolares obtm resultados melhores que aquelas cujos

    julgamentos sobre suas prprias habilidades so duvidosos ou negativos.

  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    - 173 -

    Desta forma, a repetio de experincias negativas por um longo perodo

    diminui o autoconceito escolar das crianas, as suas expectativas de auto-eficcia, a sua

    motivao e o seu esforo, provocando um retraimento ou um comportamento no

    adaptativo e inadequado. Assim, o autoconceito integra e organiza a experincia do

    indivduo, regula os seus estados afectivos e actua como motivador e guia do

    comportamento (Carneiro, Martinelli & Sisto, 2003). de salientar que a insero na

    escola contribui para a formao do autoconceito escolar, referente s caractersticas

    que o aluno acredita possuir relativamente ao seu desempenho acadmico e que se

    desenvolve com base nas avaliaes que recebe dos seus professores, colegas e pais

    sobre o seu desempenho escolar.

    No entanto, a presena de uma correlao entre autoconceito e rendimento

    escolar no define por si s a existncia de uma relao causal e, muito menos, a sua

    direco ou natureza. O que possvel afirmar que () alguns estudos revelam que

    possvel aumentar o autoconceito dos alunos e, no menos importante, que os nveis de

    rendimento escolar dos alunos com insucesso aumentam depois do uso de programas

    orientados para a melhoria do seu autoconceito. (Simes & Vaz Serra, 1987, 239).

    Por sua vez, Oerter (1989, in Simes, 1997) defendeu a existncia de 4 nveis no

    desenvolvimento do autoconceito escolar: 1) o Eu capaz de integrar os padres do

    rendimento escolar no autoconceito (idade pr-escolar); 2) o autoconceito integra os

    conceitos de esforo e capacidade, reforando a sua autonomia e confiana; 3) recorre-

    -se comparao social com o seu grupo de referncia, sendo importante o papel do

    sistema escolar; 4) o indivduo apercebe-se que as funes da escola se assemelham s

    da sociedade em geral, existindo uma relao dialctica entre o indivduo e a sociedade,

    cujo sistema social seria integrado pelos diferentes indivduos.

    Uma dimenso desta problemtica que merece ser analisada refere-se aos efeitos

    adversos do fracasso escolar sobre o autoconceito do indivduo. So vrios os estudos

    que salientam o facto das causas do insucesso escolar se deverem no s ausncia de

    capacidades intelectuais, mas a outros factores como um autoconceito pobre ou mesmo

    negativo. De forma idntica, um autoconceito pobre e fraco pode intervir na progresso

    ou xito de uma carreira profissional, dificultar as relaes interpessoais ou mesmo

    intervir na prtica de determinados comportamentos de sade e de risco (Albuquerque

    & Oliveira, 2002).

  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    - 174 -

    J Simes e Vaz Serra ressalvam que Os resultados de vrias investigaes

    relativas s associaes entre o autoconceito geral e o rendimento escolar so,

    aparentemente, ambguos e contraditrios. (1997, 234). Assim, importa dissecar o que

    est subjacente discrepncia de valores encontrados para a correlao entre

    autoconceito e desempenho acadmico, pelo que Byrne (1996b, in Costa, 2001) aponta

    quatro motivos principais: a) diferenas na operacionalizao do autoconceito e

    desempenho acadmico; b) diversidade na forma, pontuao, nmero e especificidade

    dos itens dos instrumentos de anlise do autoconceito; c) validade de constructo desses

    instrumentos varivel; d) as amostras tm sido muito diversas em tamanho, gnero,

    idade, nvel de ensino, capacidade acadmica, etnia e estatuto socioeconmico.

    Assim, de um modo geral o autoconceito pode definir-se como uma estrutura

    cognitiva que organiza as experincias passadas do indivduo, reais ou imaginrias,

    controla o processo informativo relacionado consigo prprio e exerce uma funo de

    auto-regulao (Tamayo et al., 2001). Ou seja, o autoconceito um constructo

    complexo e multidimensional que engloba holisticamente todo o indivduo, reflectindo

    o seu passado, o presente e o futuro. Outro aspecto a destacar a existncia de um

    autoconceito acadmico e um autoconceito no acadmico. Observou-se, assim, a

    importncia de um desempenho acadmico satisfatrio para as crianas no que se refere

    ao autoconceito e tambm no que concerne aceitao por parte dos colegas,

    professores, familiares e de si prpria.

    1.2. Gnese do autoconceito

    O desenvolvimento do autoconceito como constructo fundamental da

    personalidade influenciado por vrios factores, como o aspecto fsico, nvel de

    inteligncia, emoes, padres culturais, escola, famlia e status social. No mbito da

    gnese do autoconceito, importa compreender o modo como o sujeito se vai conhecendo

    ao longo de etapas fundamentais da sua vida como a infncia e, em particular, a

    adolescncia. Assim, o desenvolvimento social da criana marcado pela integrao

    (fundamental para que o indivduo se integre na sociedade e se desenvolva) e pela

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    diferenciao (essencial para que a criana se diferencie progressivamente dos outros e

    se distinga entre si e os restantes elementos da sociedade).

    Para Simes, Tanto o sentido de separao, como a identidade estvel, que a

    criana vai construindo desde a infncia, representam os dois aspectos bsicos do

    autoconceito nos quais o Eu-Como-Sujeito se apoia para dar um sentido sua

    experincia pessoal. (1997, 201). Neste sentido, de acordo com o modelo de

    desenvolvimento da autocompreenso da infncia at adolescncia (Damon, 1983, in

    Simes, 1997) o sujeito desenvolve o seu autoconceito devido interaco entre o Eu-

    -Como-Sujeito e o Eu-Como-Objecto. Este modelo defende tambm que os

    constituintes do Eu e as dimenses mais caractersticas da infncia so o conhecimento

    corporal, pertencente componente fsica do Eu-Como-Objecto enquanto que na

    adolescncia os aspectos mais predominantes so a filosofia pessoal e um sistema de

    crenas.

    A formao do autoconceito um processo lento que se desenvolve com base

    nas experincias pessoais e na reaco dos outros ao seu comportamento. Desse modo, a

    maneira como os outros reagem ao seu comportamento, aprovando-o ou desaprovando-

    -o, influencia as caractersticas do autoconceito que a criana desenvolver. As pessoas

    que interferem nesse processo so, em geral, os adultos importantes na vida da criana

    (como os pais e professores) que, na maioria, exercem algum controle sobre a criana e

    cujas opinies tm influncia sobre ela. Se a criana sofrer experincias de fracasso,

    provavelmente incorporar esse insucesso no seu autoconceito, mesmo que no seja

    condizente com o real. Por outro lado, se as suas qualidades positivas forem ressaltadas

    tender a ter uma auto-estima elevada (Carneiro, Martinelli & Sisto, 2003).

    As percepes criadas pelo indivduo sobre si prprio resultam da sua

    experincia, das avaliaes que lhe so feitas, dos reforos, das atribuies que faz do

    seu comportamento, da comparao que estabelece com os seus pares, dos resultados do

    seu comportamento, das normas e grupos de referncia, bem como de outras influncias

    socioculturais (Vaz Serra, 1986a). Assim, o autoconceito o produto final de juzos de

    valor relativos, importantes no ajustamento do indivduo ao seu meio. Segundo Tamayo

    et al. (2001), o autoconceito forma-se e desenvolve-se pela internalizao do modo

    como os membros do grupo o percebem e avaliam. Estas pessoas formam um espelho

  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    no qual, a partir das imagens sociais que reflecte, o indivduo descobre-se, estrutura-se e

    reconhece-se.

    Mota Cardoso et al. (1986, in Lobo, 2003) defendem que este constructo ser o

    fruto do processo de atribuio que o sujeito faz de si, com caractersticas de

    estabilidade e unidade no espao e no tempo. Fica assim patente que a gnese do

    autoconceito interpessoal, incluindo tanto os pensamentos, sentimentos e aces do

    indivduo, como os de interaco social (Vaz Serra, 1986a). Uma vez que a auto-

    -avaliao do indivduo depende das avaliaes dos outros, depreende-se o seu

    significado na educao em geral, no rendimento escolar e na interaco social. Isto

    porque um autoconceito pobre uma estrutura psicolgica vulnervel que pode

    conduzir o sujeito a auto-depreciar-se e a culpabilizar-se. Consequentemente, assistir-

    -se- diminuio da auto-estima, podendo instalar-se algum tipo de morbilidade. De

    facto, () somos levados a concluir que a maneira como uma pessoa se percebe e

    avalia pode ditar a forma como se relaciona com os outros, as tarefas que tenta, as

    tenses emocionais que experimenta e o modo como subsequentemente se percebe.

    (Wells & Marwell, 1976, in Vaz Serra, 1986a, 58).

    O autoconceito influenciado por inmeras outras variveis de natureza diversa,

    predominando as de base relacional e social, algumas destas com efeito negativo sobre o

    autoconceito, como o neuroticismo, a psicopatia e o alcoolismo. Alm disso, vrias

    caractersticas pessoais influenciam de modo significativo o autoconceito como a idade,

    o estado civil e a ordem ocupada na famlia em funo do nascimento. Por seu turno, as

    variveis que apresentam uma dimenso social mais evidente tm sido bastante

    estudadas, verificando-se uma associao quase sempre positiva com o autoconceito,

    como a popularidade com os colegas e amigos, a opinio e feedback do outro

    significativo, a beleza e aparncia fsica, a frequncia de actividade sexual pr-marital, a

    aceitao social e a atitude positiva dos outros. O autoconceito tambm influenciado

    por variveis situacionais como a situao socio-econmica, posse de carro e ndice de

    acidentes de viao, raa e etnia, regio e cidade de origem, e religiosidade (Tamayo et

    al., 2001).

    Um estudo desenvolvido por Vaz Serra, Matos e Gonalves (1986) demonstrou

    a existncia de uma correlao negativa e significativa entre os sintomas depressivos e o

    autoconceito. Assim sendo, quanto melhor for o autoconceito do sujeito, menor ser a

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    - 177 -

    sua tendncia para apresentar sintomas depressivos. Por outro lado, numa outra

    pesquisa, verificou-se que existir uma correlao negativa, altamente significativa,

    entre o autoconceito e a ansiedade social (Vaz Serra, Gonalves & Firmino, 1986).

    Desta forma, parece ser patente que o autoconceito de um indivduo influenciado pelo

    seu comportamento social, pelo que um autoconceito reduzido e uma auto-avaliao

    social desfavorvel podem desencadear a ansiedade sentida nas situaes sociais.

    No que se refere relao do gnero e da identidade sexual com o autoconceito,

    os resultados ainda no so conclusivos, subsistindo investigaes contraditrias

    (Tamayo et al., 2001). Todavia, de destacar alguns estudos importantes como o de

    Tamayo (1986, in Tamayo et al., 2001) que, com uma amostra de estudantes

    universitrios, verificou que os homens apresentaram ndices superiores em

    autoconfiana e autocontrolo, enquanto que as mulheres manifestaram ndices

    superiores no self tico-moral. J Josephs, Markus e Tafarodi (1992, in Tamayo et al.,

    2001) concluram que existir uma diferena importante na natureza do contedo do

    autoconceito de homens e mulheres. O autoconceito masculino estaria mais associado

    com a prpria autonomia e unicidade, enquanto o feminino incluiria, como elemento

    bsico, a referncia aos outros significativos.

    No mbito da associao entre a actividade fsica e o autoconceito, tambm se

    tm realizado diversas pesquisas. A sua influncia parece depender no s da aco

    benfica sobre o funcionamento fisiolgico do organismo, mas tambm da dimenso

    social presente na actividade fsica. De facto, vrias pesquisas tm demonstrado o efeito

    positivo da actividade fsica regular sobre a sade fsica e mental. Todavia, no que se

    refere s crianas, os resultados tm sido contraditrios (Tamayo et al., 2001).

    Zaharopoulos e Hodge (1992, in Tamayo et al., 2001) realizaram um estudo onde

    utilizaram uma amostra de homens e mulheres entre 13 e 27 anos, sendo parte deles

    praticante de actividades desportivas. Os resultados revelaram que a prtica desportiva

    no tem impacto sobre o autoconceito global mas sobre componentes especficos do

    mesmo, particularmente o self somtico. Tambm Delaney e Lee (1996, in Tamayo et

    al., 2001) confirmaram o efeito benfico do exerccio fsico sobre o autoconceito dos

    participantes. Por sua vez, Kirshton e Dixon (1995, in Tamayo et al., 2001) encontraram

    resultados favorveis para os sujeitos de gnero masculino em dois dos seis factores

    avaliados. J o gnero feminino apresentou um certo declnio dos ndices de

  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    - 178 -

    autoconceito, algo que os autores interpretaram como consequncia do stress provocado

    pelas competies. Ford et al. (1989, in Tamayo et al., 2001) analisaram a influncia das

    actividades desportivas sobre o autoconceito de estudantes universitrios, no

    observando diferenas estatsticas significativas.

    No final da adolescncia o adolescente ser capaz de integrar os diversos

    aspectos de si prprio num autoconceito bem organizado, resolver muitas das

    contradies e irregularidades das representaes que tem de si, consolidando a

    estrutura da sua identidade no momento em que consegue antecipar qualquer deciso

    importante para o seu autoconceito (Simes, 1997). Em suma, tal como Fitts

    considerava () quanto melhor o autoconceito, melhor o desempenho de um

    indivduo, desde que esteja em p de igualdade, em termos de aptides, com outros que

    lhe sirvam de comparao. (1972, in Vaz Serra, 1986a, 58).

    1.3. Instrumentos de avaliao do autoconceito

    Actualmente existem j inmeros instrumentos de avaliao do autoconceito,

    utilizando processos de medida padronizada, objectiva e quantificada.

    Padronizada, no sentido de que os processos de avaliao so equivalentes

    para todas as pessoas cujo autoconceito se quer medir, em quaisquer condies em que

    seja efectuada. Objectiva, porque os resultados obtidos so independentes da pessoa que

    administra a escala. E quantificada, porque tais escalas costumam subordinar-se a

    regras que atribuem valores quantitativamente diferentes apreciao de cada atributo.

    (Vaz Serra, 1986b, 67).

    Tais escalas so de auto-avaliao e no de avaliao por observador externo,

    uma vez que o autoconceito um fenmeno ntimo e pessoal (Marsh, Smith & Barnes,

    1983, in Vaz Serra, 1986b). Podem ser escalas de descries verbais, onde o indivduo

    se classifica de acordo com um determinado valor em cada atributo definido pelo item

    da escala, ou podem ser no verbais, recorrendo a respostas geomtricas, simblicas ou

    pictricas. Todavia, mesmo estas escalas designadas no verbais, comportam na sua

    essncia algo de verbal, nem que seja pelas instrues necessrias resposta. Quanto

    pontuao, Vaz Serra (1986b) refere que o mais comum que o indivduo se classifique

    em cada item de 0 a 4, ou de 1 a 5, chegando a haver casos de um mximo de 11 pontos.

  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    - 179 -

    Um aspecto a reter que o nmero de questes deve estar equilibrado com a pontuao

    atribuda.

    De entre as escalas mais comuns, pode referir-se a Tennesse Self-Concept Scale,

    elaborada em 1965 por Fitts e colaboradores. Esta escala permite a obteno de diversos

    ndices de avaliao do sujeito, que vo da autocrtica autoconsiderao positiva. Fitts

    ter verificado empiricamente a existncia de agrupamentos de itens sensveis ao mau

    ajustamento geral do indivduo, s situaes de neurose, psicose e distrbios de

    personalidade. No entanto, por ser uma escala extensa (cem itens) e face exigncia do

    tempo de preenchimento, a sua aplicabilidade no muito prtica (Vaz Serra, 1986b).

    J o Self Descriptive Questionnaire construdo por Marsh e colaboradores em

    1983, constitudo por 66 questes direccionadas para a avaliao do autoconceito de

    acordo com as suas multi-facetas, em particular o autoconceito acadmico, emocional,

    social e fsico. Segundo a sua anlise factorial existiro 8 factores explicativos de 51%

    da varincia, correspondentes s dimenses definidas por Shavelson e mais tarde por

    Fleming e Courtney. Segundo Vaz Serra (1986b), esta escala tem sido utilizada,

    sobretudo, em populaes escolares.

    Datada de 1978, existe uma outra escala construda por Williams e Workman

    aps observao prvia de comportamentos de crianas na escola. Esta escala

    comportamental do autoconceito foi projectada para a populao escolar infantil, sendo

    composta por 36 pares de actividades colocadas de forma verbal ou pictrica (Vaz

    Serra, 1986b).

    Alm destas escalas de tipo Likert existem diferenciais semnticos

    desenvolvidos por diversos autores, escalas de estmulos mltiplos, extraco de cartes

    ou respostas a Who am I?. Os diferenciais semnticos tm dois aspectos negativos

    principais: impedimentos na comparibilidade (dificuldade de equivalncia entre as

    diferentes medidas utilizadas na investigao) e na correspondncia dos termos quando

    se trata de idiomas diferentes do original (Vaz Serra, 1986b). Quanto extraco de

    cartes, os indivduos iro colocar os cartes por ordem segundo a forma como o

    definem, devendo realizar um nmero especfico de agrupamentos. Todavia a sua

    capacidade de seleco restrita e pode no traduzir resultados reais, ao seleccionar

    aquele que da o relato mais aproximado e no aquele que verdadeiramente o descreve.

  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    - 180 -

    Por ltimo, importa descrever a escala de Autoconceito de Piers-Harris EAPH

    (de 1984), direccionada para a populao infanto-juvenil. Esta escala foi desenvolvida

    pelo psiclogo Piers e adaptado para a populao portuguesa por Veiga (1989), sendo

    um dos instrumentos de medida do autoconceito mais utilizados na literatura cientfica

    sobre este constructo. A escala original era constituda por 80 itens, cada um com duas

    respostas possveis: Sim e No, podendo ser aplicada em indivduos dos 8 aos 18 anos.

    A verso reduzida validada por Veiga (1989) composta apenas por 58 itens e

    atribudo um ponto a cada resposta indicadora de um autoconceito positivo. A obteno

    de um resultado elevado pode sugerir uma auto-avaliao positiva, a necessidade de

    transmitir uma imagem positiva de si, ou uma incapacidade de auto-avaliao crtica.

    Por outro lado, resultados reduzidos indiciam um autoconceito negativo, ou um elevado

    nvel de exigncia de si prprio auto-avaliao excessivamente crtica (Paiva, 2003).

    A estrutura factorial da escala sugere ainda que o autoconceito no uma dimenso

    unitria, comprovando-se a estrutura dos seis factores da verso original: Aspecto

    comportamental, Ansiedade, Estatuto Intelectual e Escolar, Popularidade, Aparncia e

    Atributos Fsicos, Satisfao-Felicidade.

    Ou seja, existem j diversos instrumentos de avaliao do autoconceito

    disposio dos investigadores, cabe a cada um seleccionar aquele que melhor se adequa,

    atendendo populao, variveis e objectivos do estudo. Devem ainda ser tidos em

    considerao os dados psicomtricos das escalas e a existncia de estudos prvios de

    validao/aferio cultural.

    1.4. Obesidade e autoconceito: estudos realizados

    Quanto ao papel do autoconceito na obesidade, existem j alguns estudos

    realizados a nvel internacional. Todavia, verifica-se uma grande diversidade de

    instrumentos, nomenclaturas e critrios, pelo torna difcil a comparao de resultados.

    Falkner, Neumark-Sztainer, Story, Jeffery, Beuhring e Resnick (2001) referem

    que os resultados dos estudos da associao entre auto-estima global e obesidade so

    inconsistentes, talvez devido a limitaes metodolgicas. Todavia, a auto-estima

  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    - 181 -

    especfica para a aparncia fsica mais consistentemente referida como estando

    associada de forma negativa com a obesidade. J Bruch 1975 (in Strauss, 2000, 1) tinha

    referido que There is no doubt that obesity is an undesirable state of existence for a

    child. It is even more undesirable for an adolescent, for whom even mild degrees of

    overweight may act as a damaging barrier in a society obsessed with slimness.4

    Todavia, a prevalncia e a magnitude desta problemtica tm sido alvo de controvrsia.

    Se, por um lado, so vrios os estudos que encontraram ndices inferiores de auto-

    -estima em crianas obesas, por outro lado existem tambm pesquisas que apresentam

    ndices de auto-estima normais (Strauss, 2000). Tais discrepncias podero dever-se a

    diferenas de idade, regio, nvel socioeconmico e de etnia.

    De facto, um estudo realizado por Gortmaker et al. (1993, in Strauss, 2000), no

    encontrou diferenas significativas na auto-estima durante um perodo de 7 anos em

    indivduos obesos de 16 a 24 anos. Anos depois, French, Story e Perry (1995)

    realizaram uma reviso dos resultados obtidos por 35 estudos que analisaram a relao

    entre a auto-estima e a obesidade, em crianas e adolescentes. Destes estudos, 13

    mostraram claramente uma diminuio da auto-estima em crianas e adolescentes

    obesos, sendo de salientar que 5 estudos mais especficos apontavam uma menor auto-

    -estima corporal nestes indivduos. Por outro lado, os resultados de 6 dos 8 estudos de

    tratamento revelaram que os programas teraputicos de perda de peso parecem melhorar

    a auto-estima.

    J Strauss (2000) realizou um estudo onde correlacionou auto-estima e

    obesidade, numa amostra de 1520 crianas. Da anlise dos dados sobressaiu que os

    hispnicos obesos e as mulheres de etnia caucasiana apresentavam nveis inferiores de

    auto-estima na adolescncia, resultados que poder-se-o dever percepo negativa do

    seu peso. Alm disso, as crianas obesas com nveis de auto-estima reduzidos

    manifestavam ndices superiores significativos de tristeza, solido, nervosismo e uma

    maior propenso para comportamentos de risco como o tabagismo e o alcoolismo.

    Todavia, neste estudo verificou-se que a auto-estima na pr-adolescncia (9-10 anos)

    no estaria relacionada com a obesidade, contrariamente ao que se constatou aos 13-14

    anos.

    4 No h dvida que a obesidade um estado de existncia indesejvel para uma criana. Para um

    adolescente at mais indesejvel, para mesmo os nveis mdios de excesso de peso podem ser uma

    barreira nefasta numa sociedade obcecada com a magreza.

  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    - 182 -

    Enquanto isso, Falkner et al. (2001) realizaram uma pesquisa com o intuito de

    correlacionar os aspectos social, educacional e psicolgico com o IMC de uma amostra

    adolescente de 4742 rapazes e 5201 raparigas estudantes numa escola pblica (do 7, 9

    e 11 anos). O IMC foi calculado com base nas medidas antropomtricas auto-referidas

    e categorizado em quatro grupos: falta de peso, peso mdio, excesso de peso e

    obesidade. Aps se proceder ao ajustamento para o nvel de escolaridade, raa e nvel

    socioeconmico, verificou-se que:

    as raparigas obesas tinham 1.63 vezes menos probabilidade de sair com

    amigos na ltima semana, 1.49 vezes mais probabilidade de referir srios

    problemas emocionais no ltimo ano, 1.79 vezes mais probabilidade de

    referir falta de esperana, 1.73 vezes mais probabilidade de referir tentativas

    suicidas no ltimo ano e 2.09 vezes mais probabilidade de se considerarem

    piores alunos;

    os rapazes obesos apresentavam 1.91 vezes menos probabilidade de sair com

    amigos na ltima semana, 1.34 vezes mais probabilidade de sentir que os

    seus amigos no se importam com eles, 2.18 vezes mais probabilidade de

    esperarem desistir da escola e 1.46 vezes mais probabilidade de se

    considerarem piores alunos.

    Atravs da avaliao do autoconceito e da avaliao comportamental da criana,

    Braet, Mervielde e Vandereycken (1997, in Cataneo, Carvalho, & Galindo, 2005)

    compararam trs grupos de crianas de 9 a 12 anos: 92 crianas obesas em tratamento,

    47 obesas que no estavam em tratamento e 150 no obesas. Observaram-se diferenas

    significativas entre os trs grupos, constatando-se que as crianas em tratamento

    apresentavam um autoconceito mais negativo e as suas mes relatavam mais problemas

    comportamentais.

    Um estudo realizado por Barton, Walker, Lambert, Gately e Hill (2004) em 61

    adolescentes obesos com uma mdia de idades de 14.1 anos, procurou-se analisar as

    alteraes cognitivas ocorridas aps perda de peso. Assim, verificou-se que estes

    adolescentes no s diminuram o seu peso, como melhoraram a sua auto-representao,

    especialmente em termos de pensamentos automticos sobre exerccio e aparncia.

    Apesar de serem transformaes cognitivas a curto prazo, denotaram-se reflexos

  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    - 183 -

    positivos no mbito da experincia, bem como o valor das melhorias psicolgicas na

    aferio dos resultados do tratamento da obesidade.

    Por sua vez, Galindo et al. (2002, in Cataneo, Carvalho, & Galindo, 2005)

    investigaram um grupo de 23 crianas obesas, com idades entre os 10 e os 13 anos,

    analisando-as quanto ao factor Aparncia Fsica e Atributos (da escala de

    Autoconceito de Piers Harris) e sub-escala Imagem Corporal (do Eating Behavior

    and Body Image Test). Verificou-se que nem sempre predominou uma imagem negativa

    dos corpos e nem todos se consideravam gordos, embora a maioria expressasse sinais de

    descontentamento com a prpria aparncia fsica.

    J Cataneo, Carvalho e Galindo (2005), no seu estudo, no encontraram

    diferenas significativas entre crianas obesas e no obesas quanto varivel Locus de

    Controle, parecendo no haver uma tendncia externalidade ou internalidade

    associada a ser ou no obeso. Tambm no que se reporta avaliao do autoconceito

    no foram identificadas diferenas significativas entre os grupos. Tal verificou-se em

    todos os sub-componentes da escala de Piers-Harris, especialmente para Aparncia

    Fsica e Atributos.

    Em Portugal foi realizada uma pesquisa correlacional por Gomes, Ferreira,

    Rocha, Almeida e Sousa (2004) onde se avaliou a relao existente entre o IMC de 1198

    adolescentes do ensino secundrio do distrito de Viseu e o ndice de autoconceito

    avaliado atravs do Inventrio Clnico de Autoconceito de Vaz Serra. Constatou-se que

    os adolescentes obesos tm um maior ndice de autoconceito (64,44) que os no obesos

    (63,83). Todavia, a relao entre o autoconceito e a obesidade no estatisticamente

    significativa. O mesmo tambm se verifica nas dimenses F1, F2 e F3 do inventrio

    constatando-se que os obesos apresentam maiores ndices de autoconceito (relao

    estatisticamente no significativa). J na dimenso F4 os resultados foram opostos, pois

    os adolescentes no obesos possuam um autoconceito superior (relao estatisticamente

    no significativa).

    Em suma, o autoconceito de um indivduo, embora seja influenciado pela

    comunidade na qual o sujeito vive sobretudo uma "deciso pessoal, o que faz com

    que no seja previsvel. A nvel internacional existem j contributos vlidos, embora

    controversos, que procuram analisar a associao existente entre a obesidade e o

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    autoconceito. Todavia, a nvel nacional, no foi possvel encontrar nenhum estudo

    publicado que analisasse a especificidade deste constructo em adolescentes obesos ou

    com excesso de peso.

    2. Obesidade e ansiedade

    Um factor muito referido como estando presente na dinmica da personalidade

    do indivduo obeso a ansiedade. Segundo Cataneo, Carvalho e Galindo (2005), nveis

    elevados de ansiedade podem conduzir obesidade e encobrir dificuldades internas,

    afectivas e relacionais, requerendo um tratamento psicolgico urgente. Por outro lado,

    um diagnstico de obesidade pode ser um factor desencadeante de uma perturbao da

    ansiedade. Para que se compreenda melhor esta relao complexa, analisemos

    sucintamente este constructo.

    2.1. Caracterizao da ansiedade

    O termo ansiedade s comeou a surgir na literatura internacional aps a 2

    metade do sculo XIX. Remontando ao sculo XIII, existem indcios de termos

    sinnimos como afan, coyta e coytado, enquanto que no sculo XV possvel encontrar

    os termos angustura e pressa e no sculo seguinte surge estreita como conceito

    sinnimo (Lobo, 2003; Vaz Serra, 1980). Mesmo no sculo XIX, a ansiedade no era

    ainda um termo muito utilizado, sendo designadas as situaes ansiosas de fobias ou

    medos. Neste contexto, Lalane (1902, in Vaz Serra, 1980) ter sido pioneiro na

    valorizao da ansiedade enquanto manifestao frequente das neuroses e psicoses.

    As definies actuais de ansiedade variam muito consoante o modelo terico

    considerado. No entanto, de um modo geral, todas se referem de forma implcita ou

    explcita a um sentimento de inquietao que se traduz no plano fisiolgico (taquicardia,

    nuseas, sudorese), motor (hiperactividade, fuga, evitamento), cognitivo (ateno,

    antecipaes), afectivo (medo, pnico, fobias) e motivacional (querer afastar-se da

    situao traumtica). Desta forma, a ansiedade constitui um estado incomodativo em

  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    que todo o sistema afectado (Vaz Serra, 1980). A ansiedade pode ser definida como

    uma resposta psicolgica e fsica face ameaa do autoconceito, caracterizada por um

    sentimento subjectivo de apreenso que interpretado pela conscincia e por uma

    hiperactividade do sistema nervoso autnomo. Assim, nveis elevados de ansiedade

    podem afectar a aprendizagem e o rendimento escolar, pois perante uma situao

    desconhecida de realizar um procedimento novo, o estudante torna-se inseguro,

    assustado e ansioso (Carvalho, Farah & Galdeano, 2004).

    Na literatura, observam-se diversas maneiras de conceituar a ansiedade. Em

    1962, Neylan definiu-a como um sentimento de antecipao, geralmente desagradvel,

    psicologicamente manifesto por mecanismo de luta e fuga e expresso fisiologicamente

    com a liberao de adrenalina na corrente sangunea. Suas manifestaes dependem de

    factores como: idade, temperamento, experincias passadas e estado fsico. (Lobo,

    2003, 135).

    Outra definio de ansiedade apontada encara-a como uma sensao de perigo

    iminente, associada a uma atitude de expectativa que provoca uma perturbao mais ou

    menos profunda (Costa & Boruchovitch, 2004). Ser, ento, um estado de estmulo

    caracterizado por um medo vago cujo propsito ou funo de facilitar a deteco do

    perigo ou ameaa em potencial. Segundo Andrade e Gorenstein, A ansiedade um

    estado emocional com componentes psicolgicos e fisiolgicos, que faz parte do

    espectro normal das experincias humanas, sendo propulsora do desempenho. Ela passa

    a ser patolgica quando desproporcional situao que a desencadeia, ou quando no

    existe um objecto especfico ao qual se direccione (1998, 285). J May (1980, in

    Peniche & Chaves, 2000) definiu ansiedade como uma relao existente entre o

    indivduo, o ambiente ameaador e os processos neurofisiolgicos resultantes desta

    relao. Por seu turno, Dratcu e Lader (1993, in Peniche & Chaves, 2000) consideram a

    ansiedade como um fenmeno adaptativo com durao e intensidade adequadas e

    necessrias ao homem na superao das situaes que lhes so impostas pela vida. Tal

    durao e intensidade podem ser expressas num grfico por uma curva de Gaus obtida

    atravs de pesquisas realizadas por Yerkes-Dodson em 1908, cuja forma varia de

    indivduo para indivduo.

    Convm referir que Freud contribuiu de forma significativa para o

    desenvolvimento das pesquisas sobre a ansiedade, pois antes dele este constructo apenas

    tinha sido estudado no campo da Filosofia (Costa & Boruchovitch, 2004). Baseado em

  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    fenmenos clnicos observveis, Freud considerou que a ansiedade integra o instinto de

    conservao do indivduo e herdada filogeneticamente, estando a sua origem

    associada ao trauma do nascimento e ao medo da castrao. ento que classifica a

    ansiedade em normal e neurtica, estando a primeira relacionada com a conscincia de

    um perigo externo e real como a morte, enquanto que a ansiedade neurtica ocorreria

    em situaes de ausncia de ameaa de perigo real. No entanto, ela no seria percebida

    de modo consciente, mas sim reprimida. Ao definir a ansiedade como patolgica, Freud

    centrou o seu interesse nos efeitos neurticos da ansiedade, repercutindo-se nos estudos

    desenvolvidos posteriori.

    Aps uma extensa reviso sobre a origem e o significado da palavra ansiedade,

    Aubrey Lewis enumera as seguintes caractersticas:

    1. um estado emocional, com a experincia subjectiva de medo ou outra emoo

    relacionada, como terror, horror, alarme, pnico;

    2. a emoo desagradvel, podendo ser uma sensao de morte ou colapso iminente;

    3. direccionada em relao ao futuro. Est implcita a sensao de um perigo iminente.

    No h um risco real, ou se houver, a emoo desproporcionalmente mais intensa;

    4. h desconforto corporal subjectivo durante o estado de ansiedade. Sensao de aperto

    no peito, na garganta, dificuldade para respirar, fraqueza nas pernas e outras sensaes

    subjectivas. (1979, in Andrade & Gorenstein, 1998, 285).

    Lewis (1979, in Andrade & Gorenstein, 1998) apresenta alguns outros atributos

    que podem ser includos na descrio da ansiedade. Este autor defende que a ansiedade

    um fenmeno complexo que pode ser normal ou patolgica, leve ou grave, prejudicial

    ou benfica, episdica ou persistente, ter uma causa fsica ou psicolgica, ocorrer

    isolada ou associada a outra perturbao, bem como afectar ou no a percepo e a

    memria.

    Um passo decisivo no desenvolvimento do estudo da ansiedade foi a distino

    entre ansiedade e medo. Este encarado como um processo cognitivo referente

    avaliao do estmulo ameaador, enquanto que a ansiedade seria a reaco emocional

    face a essa avaliao. Ou seja, ao passo que o medo latente, a ansiedade reporta-se

    vivncia de um estado emocional de desconforto, () caracterizado por sentimentos

    subjectivos de mal-estar, como tenso e nervosismo e por sintomas fisiolgicos, como

    palpitaes, tremor, nuseas e tonturas. Esta variedade de sintomas est relacionada com

    a reaco do sistema autonmico. (Beck, 1985, in Lobo, 2003,139).

  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    - 187 -

    Outro aspecto importante que no nosso quotidiano sentimos nveis normais de

    ansiedade teis para nos estimular e impelir para a aco. A ansiedade , assim, uma

    constante universal indispensvel a um determinado grau de empenho e inibe

    comportamentos inadequados (Lobo, 2003). Fonseca (1998b, in Lobo, 2003) refere

    mesmo que nveis moderados de ansiedade surgem em todos os indivduos, sendo uma

    caracterstica fulcral do seu processo de desenvolvimento normal, ao fornecer meios ao

    sujeito para se adaptar a situaes novas, perigosas ou inesperadas. Este estado de alerta

    caracteriza-se pelo aumento do metabolismo, disperso da ateno e hipervigilncia.

    Contudo a ansiedade pode ser benfica: () pode melhorar a nossa capacidade em

    vrias actividades, desde a realizao de exames, at mesmo excitao sexual. (Lobo,

    2003, 140). A grande dificuldade consiste em discernir quando a ansiedade deixa de ser

    normal e passa a ser patolgica. Segundo Lobo (2003) a diferena no reside em

    aspectos qualitativos, mas sim na gravidade e no modo como os comportamentos

    ansiosos afectam e limitam a vida do sujeito, quer pelo desconforto, quer pelos

    prejuzos causados na escola, famlia e relacionamentos sociais. Deste modo a

    ansiedade ser patolgica caso o perigo seja desproporcional reaco desencadeada,

    ou se persistir alm do esperado.

    A ansiedade tem, assim, uma funo adaptativa, uma vez que mobiliza os

    recursos individuais para fazer face s demandas do quotidiano de modo mais

    adequado. Desta forma, a ansiedade esperada nas interaces humanas e funciona

    como um alerta, proporcionando maior esforo, ateno, prontido e um investimento

    maior em situaes que ameacem o indivduo. Todavia, tambm pode ser um sintoma

    patolgico como no hipertiroidismo, sintoma de quadros psiquitricos (depresso) ou

    pode ser uma doena nos diferentes tipos de ansiedade patolgica, como pnico e fobia

    (Chaves & Cade, 2004). A percepo de que a ansiedade tem uma funo adaptativa

    remonta j a 1872, altura em que evolucionistas como Darwin se apercebem de que a

    ansiedade preparava o indivduo para atacar e defender, quer dos predadores, quer do

    prprio ambiente.

    Como, actualmente, j no temos contacto com estes perigos, somos, nas

    palavras de Beck (1985), como animais enjaulados pelas limitaes sociais e do

    ambiente, que nos inibem de usar as tendncias para a aco geneticamente preparadas

    (luta/fuga). Esta condio torna-nos predispostos a experienciar nveis maladaptativos

  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    de ansiedade que podem interferir na nossa capacidade de funcionar adequadamente.

    (Lobo, 2003, 141-2).

    As manifestaes de ansiedade podem surgir associadas a acontecimentos

    especficos ou constituir uma forma estvel e permanente de reagir. Todavia, os nveis

    de intensidade podem ser variveis, oscilando desde quase imperceptveis at

    profundamente perturbadores do funcionamento do indivduo. Deste modo, existem

    formas muito diversas de ansiedade quanto natureza, frequncia e gravidade dos

    sintomas, bem como s reaces ao tratamento e evoluo a mdio e longo prazo.

    Todavia, de uma forma geral o fenmeno da ansiedade pode ser decomposto em trs

    componentes principais (Vaz Serra, 1980):

    Componente cognitiva, caracterizada pela subjectividade referente aos

    pensamentos e sentimentos desenvolvidos por um indivduo ansioso, como:

    problemas de concentrao, dificuldades de memria, distores cognitivas,

    hipersensibilidade face ao perigo, etc.

    Componente vegetativa ou fisiolgica, que reflecte a activao fisiolgica

    varivel experimentada pelo indivduo ansioso, como taquicardia,

    hipertenso, transpirao, secura da boca, nuseas, tremores, palidez, dor de

    barriga, tiques, etc.

    Componente motora, referente s respostas de fuga e evitamento. Nas

    crianas pode surgir irrequietude, choro, dependncia excessiva de adultos,

    ou imobilidade.

    No entanto, a diferenciao dos componentes da ansiedade bastante ampla,

    divergindo de autor para autor. Eysenck (1992, in Costa & Boruchovitch, 2004)

    identificou trs sistemas de respostas: comportamental, fisiolgica e verbal. J Buss

    (1966, in Costa & Boruchovitch, 2004) distinguiu quatro sistemas compondo a

    ansiedade: sistema somtico (suor, palpitao cardaca, ruborizao), sistema afectivo

    (agitao, pnico, irritabilidade), sistema cognitivo (inquietude, distraco,

    esquecimento) e sistema motor (tenso muscular, tremores, calafrios). Contudo, de uma

    forma geral tais diferenciaes parecem poder sintetizar-se em dois componentes

    principais: cognitivo e somtico. Perante uma ameaa, o componente cognitivo faz

    uma avaliao selectiva do meio e das aptides do sujeito para lidar com a situao,

  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    para determinar se est, efectivamente, na presena de um perigo, activando os restantes

    subsistemas afectivo, comportamental e fisiolgico. (Lobo, 2003, 145).

    Por sua vez, o contributo de Spielberger foi fulcral na diferenciao da ansiedade

    como estado e da ansiedade como trao de personalidade. Segundo Spielberger (1979,

    in Peniche & Chaves, 2000), se um estmulo interno ou externo ao sujeito for

    percepcionado como perigoso ou ameaador, desencadear uma reaco emocional

    descrita como um estado de ansiedade. Deste modo, estado de ansiedade seria uma

    reaco emocional transitria interpretada pela conscincia e caracterizada por

    sentimentos subjectivos de tenso, apreenso, nervosismo e preocupao, intensificando

    a actividade do sistema nervoso autnomo (Andrade & Gorenstein, 1998). Desta forma,

    a maneira como o indivduo percepciona a ameaa ser mais importante do que a

    prpria ameaa. de relevar que as diferenas individuais na percepo dos estmulos e

    na reaco s situaes so influenciados pelas experincias prvias dos indivduos.

    Para Spielberger (1972, in La Rosa, 1998), encarar a ansiedade como trao

    refere-se s diferenas relativamente estveis entre os indivduos no que concerne

    ansiedade, gerando um aumento maior ou menor do estado de ansiedade consoante a

    exposio a situaes percebidas como ameaadoras, quer do ponto de vista fsico quer

    psicolgico. Spielberger et al. (1979, in Peniche & Chaves, 2000) compararam o trao

    de ansiedade a uma energia potencial que lhe confere a qualidade de energia latente

    existente em cada indivduo e que pode ou no ser libertada em determinadas situaes.

    Alm disso, esperado que pessoas com trao de ansiedade elevado apresentem um

    aumento do estado de ansiedade, uma vez que tendem a considerar as situaes como

    ameaadoras. Estes indivduos concebem o mundo como mais perigoso que as pessoas

    com trao de ansiedade inferior, reagindo de forma mais intensa ao estmulo. Ao

    responder s percepes de ameaa, o homem recorre a mecanismos inconscientes e

    conscientes de defesa. Este processo est ilustrado na figura 1 que aponta como ponto

    crtico o acto de avaliao.

  • Aspectos psicolgicos e rendimento escolar em adolescentes obesos

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    Figura 1 - Esquema modificado a partir do proposto por Spielberger

    (Peniche & Chaves, 2000, 48)

    Por sua vez, as crianas com perturbaes de ansiedade so afectadas de modo

    particular, uma vez que revelam ter menos amigos e apresentam

    comprometimento/atraso no desenvolvimento das aptides sociais, face escassez de

    experincias de interaco e falta de apoio dos seus pares. Assim sendo, estas crianas

    possuem um risco acrescido de depresso, solido e afastamento, tornando-se pouco

    assertivas e frustradas. importante, ainda, referir que estas perturbaes na infncia

    passam, muitas vezes, despercebidas, pois as crianas sofrem em silncio. Os pais nem

    colocam a hiptese de tratamento, porque o seu comportamento no considerado um

    problema , somente a sua maneira de ser. (Rappe et al., 2000, in Lobo, 2003, 143).

    Asbahr (2004), no seu artigo, reviu as caractersticas clnicas e epidemiolgicas

    das diversas perturbaes ansiosas em adolescentes, bem como as estratgias actuais

    utilizadas nos tratamentos medicamentosos e psicolgicos. referido que as

    perturbaes ansiosas se encontram entre as condies psiquitricas mais comuns na

    populao peditrica, estimando-se que cerca de 10% da populao possa apresentar

    algum quadro patolgico de ansiedade durante a infncia ou adolescncia. A

    identificao e o tratamento precoces destas perturbaes podem evitar repercusses

    negativas na vida da criana (como absentismo elevado na escola, evaso escolar, a

    utilizao demasiada de servios de pediatria por queixas somticas associadas

    ansiedade e, possivelmente, a ocorrncia de problemas psiquitricos na vida adulta).

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    Como ficou patente, tambm a ansiedade um constructo complexo e que muito

    tem sido analisado e debatido pelos mais diversos autores e correntes tericas. De um

    forma geral, pode considerar-se que a ansiedade algo de inerente ao ser humano que se

    manifesta em todos os domnios do indivduo: quer no plano fsico, quer psicolgico.

    Desta forma, parece verosmil que a ansiedade se expresse de um modo peculiar nos

    adolescentes, sobretudo quando surge assoc