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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Carlos Eduardo Gonzales Barreto. A TUTELA PENAL DA ORDEM TRIBUTÁRIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2012

Carlos Eduardo Gonzales Barreto. A TUTELA PENAL DA … Eduardo... · reflexo pôde ser visto nos crimes tributários, ... tutela penal na proteção da ordem tributária, ... 1.6.1

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Carlos Eduardo Gonzales Barreto.

A TUTELA PENAL DA ORDEM TRIBUTÁRIA NO ESTADO DEMOC RÁTICO DE

DIREITO

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Carlos Eduardo Gonzales Barreto.

A TUTELA PENAL DA ORDEM TRIBUTÁRIA NO ESTADO DEMOC RÁTICO DE

DIREITO

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de Mestre

em Direito Processual Penal, sob a

orientação do Prof. Dr. Claudio José

Langroiva Pereira.

SÃO PAULO

2012

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BANCA EXAMINADORA

__________________________________

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Ao Professor Marco Antonio Marques da

Silva, fonte ímpar de inspiração na luta

diária pela aplicação das garantias

constitucionais no Estado Democrático de

Direito.

Ao Professor Claudio Jose Langroiva

Pereira, pela paciência, atenção e, acima

de tudo, pelos ensinamentos ministrados

no decorrer deste trabalho.

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À minha esposa Camila, sinônimo de amor

e companheirismo que me acompanha

desde os primeiros dias da minha jornada

no Direito.

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RESUMO

BARRETO. Carlos Eduardo Gonzales. A Tutela Penal da Ordem Tributária no Estado Democrático do Direito. 2012. 168 p. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.

A presente dissertação de mestrado tem por objetivo, diante da atual

importância da arrecadação tributária no cenário nacional, analisar como este

instituto é tutelado no Brasil pelo direito penal e processual penal. Assim, visando

alcançar este objetivo, primeiramente realizou-se um estudo da história e das

características do Estado Democrático de Direito, adotado na Constituição Federal

de 1988, de seus pilares de sustentação, quais sejam, a soberania, cidadania e a

dignidade da pessoa humana e também dos princípios constitucionais orientadores

do poder punitivo do Estado. Em seguida, numa análise sobre o avanço da

criminalidade global, que tem como figura principal, o Direito Penal Econômico,

constatou-se que, sob o pretexto de combatê-la, a sociedade passou a clamar por

um Estado mais punitivo, que, consequentemente, levou em determinados

momentos a uma diminuição dos direitos e garantias individuais. No Brasil, este

reflexo pôde ser visto nos crimes tributários, quando foram permitidas pelo Poder

Judiciário, como forma de combater a criminalidade tributária, a utilização de

denúncias genéricas. Ainda com base no objeto deste trabalho, destaca-se a

proteção que a Constituição Federal destina a ordem tributária sobre Brasil, que, em

tese justificaria a aplicação da tutela penal e processual penal sobre este instituto.

Para tanto, é realizado um estudo completo a respeito das figuras típicas e ao

processo penal dos delitos tributários previstos na Lei nº 8.137/90, e como estes

crimes são tratados em países como Portugal e Espanha, que mantém uma ligação

histórica e cultural com o Brasil. Por fim, em que pese o legislador brasileiro utilizar a

tutela penal na proteção da ordem tributária, verifica-se também que o grande

objetivo do Estado na seara penal tributária é garantir a arrecadação tributária. Esta

premissa pode ser comprovada diante do histórico de leis que permitiram e, ainda

permitem, a suspensão ou extinção da pretensão punitiva mediante o parcelamento

ou pagamento do débito tributário, respectivamente, o que suscita a discussão

acerca da real necessidade de criminalização dos ilícitos tributários.

Palavras-chaves: Ordem tributária – Estado Democrático de Direito – Arrecadação tributária – Denúncia genérica – Extinção da punibilidade.

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ABSTRACT

BARRETO. Carlos Eduardo Gonzales. A Tutela Penal da Ordem Tributária no Estado Democrático do Direito. 2012. 168 p. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.

This master thesis has as purpose, given the current importance of tax

collection in the national scenario, to analyze how this institute is tutored in Brazil by

the criminal law and procedural criminal law. Thus, aiming at reaching this object, it

was primarily performed a study of the history and characteristics of the Democratic

Rule-Of-Law State, adopted in the Federal Constitution of 1988, of its supporting

pillars, namely, the sovereignty, citizenship and the dignity of the human person and

also the constitutional principles that guide the punitive power of the State.

Thereafter, in an analysis on the advance of global criminality, which has as main

figure the Economic Criminal Law, it was found that under the pretext of combating it,

the society started to clamor for a more punitive State, which, consequently, leaded in

certain moments to a reduction of the individual rights and guarantees. In Brazil, this

reflex could be seen in the tax crimes, when the Judiciary allowed, as a manner of

combating the tax criminality, the use of generic denounces. Still based on the

purpose of this work, it is important to emphasize that the protection given by the

Federal Constitution to the tax order about Brazil, which, in thesis would justify the

application of the criminal and procedural criminal tutelage over this institute. To that

end, a complete approach on the typical figures and the criminal procedure of the tax

crimes provided in Law No. 8.137/90 is performed, and how these crimes are treated

in countries like Portugal and Spain, which have a historic and cultural connection

with Brazil. Finally, in spite of the Brazilian legislator using the criminal tutelage in the

protection of the tax order, it is also verified that the great objective of the State in the

criminal tax area is to ensure the tax collection. That premise may be proven before

the history of laws that allowed, and still allow, the suspension or extinction of the

punitive claim before the tax payment in installments or payment of the tax debt,

respectively, which raises the discussion on the real necessity of criminalization of tax

torts.

Keywords: Tax order – Democratic Rule-Of-Law State – Tax collection – Generic denounce – Annulment of liability to prosecution.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

CAPÍTULO I - ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, DIGNIDA DE DA

PESSOA HUMANA e PROTEÇÃO PENAL 14

1. Estado de Direito, Estado Liberal, Estado Social e Estado Democrático

de Direito. 14

1.1 O Estado Democrático de Direito e o princípio da dignidade humana. 18

2. Princípios constitucionais orientadores do Estado Democrático de Direito

Brasileiro. 19

2.1 Dignidade da pessoa humana. 19

2.2 Soberania. 21

2.3 Cidadania. 22

3. Os princípios constitucionais orientadores do poder punitivo do Estado 23

3.1 Princípio da legalidade. 24

3.2 Princípio da igualdade. 25

3.3 Princípio da ultima ratio. 27

3.4 Princípio da fragmentariedade. 28

3.5 Princípio da subsidiariedade. 28

3.6 Princípio da adequação. 30

3.7 Princípio da necessidade. 31

3.8 Princípio da proporcionalidade. 31

3.9 Princípio da culpabilidade. 32

3.10 Princípio da individualização da pena. 33

3.11 Princípio do devido processo legal. 33

3.12 Princípios do contraditório e da ampla defesa. 35

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3.13 Princípio do acusatório e juiz natural. 37

3.14 Princípio da presunção de inocência. 38

3.15 Princípio do In dúbio pro reo. 40

3.16 Princípio da verdade no processo penal. 41

CAPÍTULO II - DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PEN AL E

CRIMINALIDADE ECONÔMICA GLOBALIZADA. 43

1. A Criminalidade Econômica, a globalização e seus reflexos na ordem

jurídica. 43

2. A Sociedade Globalizada e o Direito Penal. 46

3. O Direito Penal Econômico. 48

3.1 Origem histórica e conceito. 48

3.2 O Bem jurídico tutelado no Direito Penal Econômico. 51

4. A criminalidade tributária como parcela da criminalidade econômica. 55

5. Experiências da proteção penal tributária no direito estrangeiro. 56

5.1 Direito português. 56

5.2 Direito espanhol. 61

CAPÍTULO III - PREVISÃO LEGAL E SISTEMA PENAL DE PR OTEÇÃO

A ORDEM JURÍDICA TRIBUTÁRIA. 64

1. A tutela penal das obrigações tributárias na Constituição Federal. 64

2. Conceito de direito tributário. 65

2.1 Princípios constitucionais orientadores da ordem tributária. 67

2.1.1 Princípio da legalidade. 68

2.1.2 Princípio da irretroatividade. 69

2.1.3 Principio da anterioridade. 70

2.1.4 Princípio da Isonomia. 70

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3. Ordem tributária e proteção penal. 71

3.1 Tipos penais tributários. 74

3.1.1 A figura típica do artigo 1º. 74

3.1.2 Modalidades específicas de condutas. 76

3.1.2.1 Inciso I – Omissão ou prestação de informação falsa. 76

3.1.2.2 Inciso II – Fraude pela inserção de elementos inexatos ou pela

omissão de operações. 79

3.1.2.3 Inciso III – Falsificação ou alteração de qualquer documento

destinado à operação fiscal. 83

3.1.2.4 Inciso IV – Engenho de meios falsos e seu uso. 84

3.1.2.5 Inciso V - Recusa ou omissão de fornecimento de documento. 87

3.1.2.6 Parágrafo único – Obstrução à ação fiscal. 90

3.2. A figura típica do artigo 2º. 92

3.2.1 Modalidades de Condutas. 94

3.2.1.1 Omissão e prestação de informações falsas. 94

3.2.1.2 Não recolhimento do tributo. 95

3.2.1.3 Incentivos fiscais. 97

3.2.1.4 Incentivo fiscal. 98

3.2.1.5 Programa de processamento de dados. 98

3.3 O Tipo subjetivo – Dolo. 99

3.4 Erro de tipo e de proibição. 100

3.5 Concurso de pessoas. 102

CAPÍTULO IV - O PROCESSO PENAL TRIBUTÁRIO. 106

1. Procedibilidade e condição objetiva de punibilidade 106

1.1 O término do processo administrativo como condição para o oferecimento

da denúncia criminal. 107

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11

1.2 A Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal. 113

1.3 Requisitos da denúncia criminal nos crimes contra a ordem tributária. 118

1.4 O procedimento. 119

1.5 A prescrição nos crimes contra a ordem tributária. 121

1.5.1 A prescrição relativa aos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/90. 121

1.6 A extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária. 123

1.6.1 Histórico da legislação. 123

1.7 A suspensão da pretensão punitiva em face do parcelamento do débito

tributário. 126

1.8 A extinção da punibilidade mediante o pagamento do tributo. 132

1.9 O momento do pagamento do tributo. 132

1.10 A Lei nº 12.382/2011 e a sua aplicação nos crimes contra a ordem

tributária. 135

CAPÍTULO V - QUESTÕES POLÊMICAS SOBRE A PROTEÇÃO PE NAL

TRIBUTÁRIA. 139

1. A criminalização dos ilícitos tributários como questão de ultima no direito

penal brasileiro. 139

2. A denúncia genérica nos crimes contra a ordem tributária e sua

flexibilização como ofensa aos princípios constitucionais do contraditório,

ampla defesa e dignidade da pessoa humana. 141

CONCLUSÃO. 156

BIBLIOGRAFIA 160

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INTRODUÇÃO.

A Constituição Federal de 1988 consolidou no Brasil o Estado Democrático de

Direito, cujos fundamentos básicos são a soberania, a cidadania e a dignidade da

pessoa humana que, juntamente com os direitos e garantias individuais, visam

propiciar uma vida igualitária e harmônica em sociedade.

Assim, para este fim possa ser alcançado e também para garantir o

desenvolvimento de sua economia e justiça social, únicas formas de garantir a

igualdade entre todos os indivíduos e o respeito à dignidade humana, o Estado

necessita de recursos para a criação e desenvolvimento de seus programas sociais,

e estes, necessariamente, são oriundos da arrecadação de impostos.

Desta forma, considerando a importância da arrecadação tributária para o

desenvolvimento econômico e social de uma nação, uma vez que os valores

arrecadados com o pagamento dos tributos e contribuições sociais são destinados à

sociedade, para investimentos na saúde, educação, transporte, segurança,

tecnologia, etc, e também diante da falência de outros ramos do direito em proteger

este instituto, o direito penal assume a tarefa de exercer a tutela sobre este bem

jurídico, passando e punir aqueles que causam prejuízo ao erário público.

Esta proteção surge por intermédio da criminalização das condutas tendentes

a fraudar a ordem tributária e, consequentemente, diminuir a arrecadação de

impostos pelo Estado, impossibilitando a efetivação dos valores acima apresentados

e que são inerentes ao Estado Democrático de Direito.

Logo, para entender esta proteção estatal, é necessário realizar, num primeiro

momento, uma análise no plano constitucional, enfocando para tanto os princípios

constitucionais relativos ao poder punitivo do Estado e aqueles que protegem o bem

jurídico tributário.

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13

Posteriormente, deve-se realizar um estudo sobre a legislação penal e

processual penal atinente a matéria, bem como a atuação do Poder Judiciário na

interpretação destas normas, haja vista que, com enorme freqüência, tanto estas,

como os entendimentos dos tribunais brasileiros, especialmente o Superior Tribunal

de Justiça e o Supremo Tribunal Federal realizam reformam os seus

posicionamentos sobre a matéria.

Outro ponto que merece destaque é a influência do avanço da criminalidade

moderna, que engloba o Direito Penal Econômico, nos crimes contra a ordem

tributária, (espécie do gênero “criminalidade econômica”), mais precisamente na

tendência de diminuição dos direitos e garantias individuais.

Este efeito pode ser visualizado, especificamente, dentro do processo penal,

onde, em alguns casos, prerrogativas constitucionais atinentes aos cidadãos são

afastadas, sob o pretexto de garantir a punição daqueles que praticam os delitos

tributários.

Por fim, diante do estudo da proteção penal destinada à ordem tributária

dentro do Estado Democrático de Direito, surge a indagação se o direito penal e

processual penal são os melhores caminhos para a proteção da atividade de

arrecadação de tributos em um país como o Brasil.

Esta premissa ocorre diante da busca do Estado, até certo ponto obsessiva,

em garantir o pagamento de tributos, que pode ser comprovada através da edição de

várias leis visam exclusivamente o recebimento do tributo, em detrimento da punição

na esfera penal.

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CAPÍTULO I - ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, DIGNIDA DE DA

PESSOA HUMANA e a PROTEÇÃO PENAL.

1. Estado de Direito, Estado Liberal, Estado Social e Estado Democrático

de Direito.

É de conhecimento notório que para a existência de uma sociedade

harmoniosa, é necessário que esta seja regida por leis e que esteja minimamente

organizada. Esta organização é o que chamamos atualmente de Estado, ou seja,

“uma associação humana (povo), radicada em base especial (território), que vive sob

o comando de uma autoridade (poder) não sujeita a qualquer outra (soberana).1

Assim, uma das conseqüências para que esta organização em sociedade

prosperasse, foi a necessidade da presença de um líder, cujos principais atributos

seriam o de manter unida a coletividade, proteger os seus membros e direcioná-los

na busca de um objetivo comum, tudo com base em normas criadas para tal fim e

que eram de observância obrigatória todos os cidadãos.

Contudo, todo poder, por menor que seja, tende a abusos e autoritarismos,

vide os Estados Absolutistas, onde os poderes econômicos e políticos eram

centralizados, e onde as leis eram criadas para manipular os cidadãos e para

atender os interesses dos monarcas.

Assim, numa tentativa de neutralizar este poder absolutista, a “quota da

desprestigiada da população insurgiu-se, em busca de uma ordem social justa, com

melhores condições de vida e tratamento igualitário. Nasce, então, a idéia de vincular

e subordinar o poder político aos termos de um direito objetivo, na tentativa de

exprimir o justo, impondo aos governos mecanismos de contenção do poder, através

1 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Curso de Direito Constitucional, p.39.

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da submissão de todos, governantes e governados, às leis gerais e abstratas,

instituindo as liberdades públicas.”2

Surgiu então o Estado de Direito, “com fundamento no jusnaturalismo

iluminista, como ente que estabelece regras mitadoras das condutas a serem

seguidas pelo povo, para uma coexistência pacífica das liberdades individuais, que

devem ser garantidas pela não interferência no seu desenvolvimento.”3 Logo, a

função do Estado de Direito seria a de delimitar os poderes dos absolutistas, visando

evitar a prática de condutas ditatoriais.

A sua primeira concepção foi marcada pelo caráter liberal; “daí falar-se em

Estado Liberal de Direito, cujas características básicas, sempre visando a

intervenção mínima estatal, foram: (a) submissão ao império da lei (...); (b) divisão de

poderes (...); (c) enunciado e garantias dos direitos individuais.”4

Contudo, esta nova forma de governar, materializada por um Estado que

teoricamente teria o ideal de erradicar as diferenças sociais, políticas e econômicas,

transformando os cidadãos em pessoas livres, adquiriu outras versões que

desvirtuaram a sua real finalidade. “O individualismo, assim como o apoliticismo e

neutralidade do Estado Liberal de Direito, não podia satisfazer a exigência de

liberdade e igualdade reais dos setores sociais e economicamente menos

favorecidos.”5

Além disso, esta ausência do Estado no controle das relações sociais e

individuais acabou favorecendo o surgimento de minorias (elite burguesa) que

passaram a controlar toda a sociedade, deixando sem a proteção estatal a parte

hipossuficiente, que por sua vez, passaram a ser explorados em condições análogas

à de escravos e sem poderem usufruir dos direitos assegurados pelo Estado Liberal,

2 MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, p. 228. 3 PEREIRA. Claudio José Langroiva, Proteção Jurídico-Penal e Direitos Universais, p. 33. 4 SILVA. José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 113. 5 MIRANDA. Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da (coord), op. cit., p. 229.

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16

como por exemplo, “o acesso à Justiça, assim como os demais direitos individuais

formalmente assegurados, que somente poderiam ser obtidos por aqueles cidadãos

que tivessem condições materiais de fazê-lo”.6

Assim, “o individualismo e abstencionismo ou neutralismo do Estado liberal

provocaram imensas injustiças, e os movimentos sociais do século passado e deste

especialmente, desvelando a insuficiência das liberdades burguesas, permitiram que

se tivesse consciência da necessidade da justiça social.”7

Desta forma, em contraponto ao Estado Liberal, surge o Estado Social de

Direito como forma de promover a maior intervenção do Estado nas relações sociais,

econômicas e políticas e com o intuito de diminuir as diferenças criadas pelo sistema

anterior.

No entanto, “a indicação de direitos econômicos e sociais, expressamente nas

Cartas Constitucionais destes Estados Sociais de Direito, não foi suficiente diante

das interpretações contraditórias que o caráter social proporciona, tornando suspeita

qualquer aceitação desta concepção de Estado.”8

Além disso, apesar do Estado Social de Direito transmitir uma sensação de

justiça social e de garantir o bem estar da pessoa humana, o seu conceito gerou

uma notória ambigüidade, que não permitiu, inclusive, que a palavra social fosse

confundida com o socialismo de Marx, pois todas as ideologias, com sua própria

visão do social e do Direito, podem acolher uma concepção do Estado Social de

Direito, haja vista que na Alemanha de Hitler, na Itália de Mussolini, na Espanha

franquista e no Brasil após a revolução de 30, por exemplo, eram Estados eram

Sociais.9

6 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 75. 7 SILVA. José Afonso da, op. cit., p. 115. 8 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 36. 9 SILVA. José Afonso da, op. cit., p. 116.

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Portanto, na busca por um Estado que atendesse os anseios da sociedade,

surge o Estado Democrático e o Estado de Direito, impondo a todos um tratamento

igualitário, de forma a prover “justiça social, não tolerando a desigualdade entre os

seus cidadãos, em uma universalização de prestações sociais.”10 Contudo, é

importante frisar “que a igualdade do Estado de Direito, na concepção clássica, se

funda num elemento puramente formal e abstrato, qual seja a generalidade das

leis.”11

Trata-se ainda de um Estado fundado no “princípio da soberania popular, que

impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que

não se exauri, como veremos, na simples formação das instituições representativas,

que constituem um estágio da evolução do Estado Democrático, mas não seu

completo desenvolvimento.”12

O Estado Democrático de Direito é marcado ainda pela sua ausência de um

modelo único de governo, na medida em que “está sempre em evolução, nunca

alcançando uma concepção definitiva, pois constitui um modelo de Estado, como

entidade de variação constante, decorrente dos momentos históricos que a

sociedade estiver vivenciando, do povo que integra esta mesma sociedade e, ainda,

da posição global em que este Estado se encontrar.”13

No Brasil, o regime em questão encontra-se previsto no artigo 1º da

Constituição Federal de 1988, quando esta afirma que a República Federativa do

Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, “não como mera promessa de

organizar tal Estado, pois a Constituição aí já o está proclamando e fundando, mas

sim no fato de que, o ‘democrático’ qualifica o Estado, o que irradia os valores da

democracia sobre todos os elementos constitutivos do Estado e, pois, também sobre

a ordem jurídica.”14

10 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 37. 11 SILVA. José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 118. 12 Ibid., p. 117. 13 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 38. 14 SILVA. José Afonso da, op. cit., p. 119.

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Ainda no artigo 1º da Constituição Federal, mas precisamente em seus

incisos, há previsão dos fundamentos que norteiam do Estado Democrático de

Direito, ou seja, a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores

sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, que demonstram que o

referido regime “apenas abre as perspectivas de realização social profunda pela

prática dos direitos sociais, que ela inscreve, e pelo exercício dos instrumentos que

oferece à cidadania e que possibilita concretizar as exigências de um Estado de

justiça social, fundado na dignidade da pessoa humana.”15

1.1. O Estado Democrático de Direito e o princípio da dignidade humana.

Como já salientado anteriormente, a Constituição Federal da República

Federativa do Brasil de e 1988, delimitou “um modelo de Estado Democrático de

Direito através da identificação de princípios orientadores de soberania popular,

cidadania, garantia da dignidade da pessoa humana, reconhecendo valores sociais

do trabalho e da livre iniciativa, acolhendo o pluralismo político e buscando justiça

social por meio da liberdade e igualdade em sua constituição.”16

Assim, em que pese “a ligação jurídico-positiva entre direitos fundamentais e

dignidade da pessoa humana só ter começado no Estado Social de Direito e, mais

rigorosamente, com as Constituições e os grandes textos internacionais

subsequentes à segunda guerra mundial,”17 percebe-se que, a dignidade da pessoa

humana, até como forma de coibir os abusos contra a humanidade, tornou-se um

dos principais pilares de sustentação do modelo de estado posterior ao Estado

Social, qual seja, o Estado Democrático de Direito, na medida em que “implica em

liberdade, igualdade e justiça; todos os seres humanos nascem livres e iguais em

15 SILVA. José Afonso da, op. cit., p. 120. 16 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 39. 17 MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), op. cit., p. 168.

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19

dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir um para

com os outros em espírito de fraternidade.”18

Portanto, sendo o Estado Democrático de Direito pautado em tais princípios,

ele deve “criar condições favoráveis para uma integral realização dos mesmos”,19

sendo que em relação à dignidade da pessoa humana, tido como “princípio absoluto,

informador de todos os demais princípios instrutores do Estado Democrático de

Direito, não podendo, mesmo a título de argumentação, ser afastado com a

justificativa de garantir outro direito constitucionalmente previsto, já que este também

decorre, em sua essência do supraprincípio da dignidade da pessoa humana.20

2. Princípios constitucionais orientadores do Estad o Democrático de

Direito Brasileiro

2.1. Dignidade da pessoa humana.

Conforme já estudado nos tópicos anteriores, ao longo dos anos e após as

inúmeras transformações que a sociedade sofreu, principalmente após as duas

grandes guerras mundiais, os Estados evoluíram no intuito de proporcionar aos seus

cidadãos uma convivência pacífica em todos os seguimentos e, principalmente, com

a devida observância à dignidade da pessoa humana.

Desta forma, considerado como um dos princípios basilares do Estado

Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana está prevista no artigo 1º,

inciso III da Constituição Federal de 199821, sendo assim, um dos fundamentos

Estado Brasileiro, tanto que, para Luiz Antonio Rizzato Nunes, a dignidade da

pessoa humana é “o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o

18 MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), op. cit., p. 224. 19 Ibid., p. 224. 20 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 43. 21 “Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:...III – a dignidade da pessoa humana;”

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último arcabouço da guarida dos direitos individuais. (...) É a dignidade que dá a

direção, o comando a ser considerado primeiramente pelo intérprete.”22

No entanto, apesar da sua importância para o Estado Democrático de Direito,

ainda não há um conceito ou significado definido na doutrina sobre o princípio da

dignidade humana.

Marco Antonio Marques da Silva, afirma que a dignidade da pessoa humana

“se manifesta em todas as pessoas, já que cada um, ao respeitar o outro, tem a

visão do outro. A dignidade humana existe em todos os indivíduos e impõe o respeito

mútuo entre as pessoas, no ato da comunicação, e se opõe a uma interferência

indevida na vida privada pelo Estado.”23

O próprio Luiz Antonio Rizzato Nunes, ao defini-la, atribui à mesma um caráter

de valor supremo ao afirmar que a dignidade é “absoluta, plena e que não pode

sofrer arranhões nem ser vítima de argumentos que a coloquem num relativismo. ”24

Por este conceito, a dignidade humana se torna algo absoluto, intocável, que

nem o próprio indivíduo pode agir contra ela.

Contudo, o mesmo autor, num segundo momento, atribui à dignidade uma

humana um caráter de relativismo ao afirmar que se, “de um lado, a qualidade da

dignidade cresce, se amplia, se enriquece, de outro, novos problemas em termos de

guarida surgem. Afinal, na medida em que o ser humano age socialmente, poderá

ele próprio – tão dignamente protegido – violar a dignidade de outrem.(...) Ter-se-á,

então, de incorporar no conceito de dignidade uma qualidade social como limite à

22 MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, p. 421. 23 Ibid., p. 224. 24 Ibid., p. 422.

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possibilidade de garantia. Ou seja, a dignidade só é garantia ilimitada se não ferir

outra.”25

Já no campo do processo penal, o princípio da dignidade humana pode ser

vista como “um valor-fonte do ordenamento jurídico, representando, assim, a

inspiração de outros princípios e de regras constitucionais, sendo portanto, a origem

de muitos preceitos da legislação existente.”26

Por fim, destaca-se que a dignidade humana é o alicerce de todo um Estado

de Democrático de Direito, sendo que para sua efetiva concretização, são

necessários que todos atuem com respeito mútuo no decorrer das relações sociais.

2.2. Soberania

Além da dignidade da pessoa humana, outras características marcam o

Estado Democrático de Direito, sendo que uma delas é a soberania, tida como “traço

distintivo e específico do Estado e entendida como o poder supremo autônomo e

originário.”27

Além disso, corroborando a ideia de independência do Estado, a soberania

caracteriza-se também pela a “independência do povo e do Estado em relação a

outros Estados, mais ainda, identificando uma individualidade cultural, política e

social, representa uma das notas distintivas do Estado Democrático de Direito no

Brasil.”28

Contudo, nem sempre a soberania esteve ligada à independência de um

Estado ou nação. Já houve no passado nações que possuíam territórios, povo,

25 MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana., p. 423. 26 Ibid., p. 539 27 CARRAZZA. Roque Antonio, Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 94. 28 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 40.

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organização política, mas que eram regidas por uma autoridade externa. “Foi o que

ocorreu, por exemplo, na Idade Média, quando reinos e senhorios aceitavam a

subordinação ao Império ou ao Papado. Tais autoridades não se punham como as

mais altas (no superlativo), ou seja, como soberanas (pois soberano, do latim

soberanus, é o superlativo de super.”29

Hoje, “o Estado é soberano, porque só ele goza deste atributo, na medida em

que a eficácia e a validade de seus atos não provêm de fora, mas de si próprio.”30

No Brasil, a soberania é oriunda do povo (popular), e encontra-se prevista no

inciso I, do artigo 1º da Constituição Federal de 1988, e que “impõe a participação

efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que não se exaure na

simples formação das instituições representativas, que constituem um estágio de

evolução do Estado Democrático, mas no seu completo desenvolvimento. Visa,

assim, a realizar o princípio democrático como garantia geral dos direitos

fundamentais da pessoa humana.”31

2.3. Cidadania

A cidadania nunca foi sinônimo absoluto de igualdade, sendo que o seu

conceito originário remetia ao de uma pessoa integrante de uma determinada

comunidade, o que hoje poderia ser considerado como nacionalidade. Esta

participação, por sua vez, era segregada por meio de classes sociais ou econômicas,

como ocorre na atualidade, por exemplo, na Índia, onde as pessoas são separadas

por um regime de “castas”.

Assim, ao longo dos tempos, a cidadania, considerada como um dos

elementos essenciais do Estado, vem aperfeiçoando-se no sentido de proporcionar à

29 FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves, op. cit., p. 40. 30 CARRAZZA. Roque Antonio, op. cit., p. 92. 31 MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, p. 229.

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todos os cidadãos a oportunidade de participarem de forma efetiva nas melhorias

das condições de vida, visando o alcance da dignidade humana e o respeito às

garantias individuais, tanto que para José Afonso da Silva, não há mais diferença em

cidadania e nacionalidade ao afirmar que “aquela como vínculo ao território estatal

por nascimento ou naturalização; esta como um status ligado ao regime político.32

Na atualidade, a cidadania “implica o reconhecimento e exercício de extenso

conjunto de direitos e deveres, cuja efetivação só se torna possível no Estado

Democrático de Direito, que tem por fundamento o desenvolvimento social

econômico igualitário, de modo a promover a dignidade da pessoa humana.”33

3. Os princípios constitucionais orientadores do po der punitivo do

Estado.

Antes de iniciarmos o estudo dos princípios constitucionais que orientam o

poder punitivo do Estado, mister se faz uma pequena definição sobre o significado

dos princípios.

De uma maneira objetiva, “princípios são as proposições que se colocam no

início de uma dedução e que não são deduzidas de nenhuma outra dentro do

sistema considerado, são, em um sentido figurado, como as vigas mestras e inicia de

uma construção e de onde a estrutura será desenvolvida.” (...) Assim, “os princípios

de direito penal são os fundamentos lógicos que irão nortear a sua existência e a sua

identidade.”34

32 SILVA. José Afonso da, op. cit., p. 345-346. 33 MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), op. cit., p.233. 34 SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), Processo Penal e Garantias Constitucionais, p. 42.

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3.1. Princípio da legalidade.

O princípio da legalidade ou reserva legal, “presente em todas as

Constituições liberal-democráticas dos países de civil law, é uma das mais típicas

expressões, juntamente com o princípio da culpabilidade, do superior

Rechtsstaatsprinzip, nos seus três corolários da reserva legal, do princípio da

taxatividade-determinação e da irretroatividade.”35

Característica marcante do Estão Democrático de Direito, “o princípio da

legalidade (democrática) ou da constitucionalidade, em sua essência, exige a

subordinação dos integrantes do Estado ao regime regulador fundamental, expresso

na Constituição, em decorrência da soberania e realização popular, com objetivo de

estabelecer o cumprimento dos valores democráticos exigidos para este Estado de

Justiça, sem jamais se limitar a um conceito formal e estático de lei, mas, sobretudo,

como exercício da função transformadora da sociedade, garantindo uma efetivação

dos direitos e garantias estabelecidos, sob a égide de princípios informadores, mas

decorrência de um processo legal e regular de criação.”36

Já para Marco Antonio Marques da Silva, “o princípio da legalidade é, no

Estado Democrático de Direito, consequência direta do fundamento da dignidade da

pessoa humana, pois remonta à ideia de proteção e desenvolvimento da pessoa,

que o tem como referencial. A clareza e o limite da formulação normativa dos tipos

penais, no âmbito do direito penal, são exigências deste princípio, enquanto, no

processo penal, viabilizam as formas de intervenção do Estado na vida do cidadão,

requerendo a observância, não só da legalidade desta intervenção, como também de

outros princípios informadores do processo penal.”37

E continua o autor, ao afirmar que a “atual concepção do princípio da

legalidade, no denominado quadro da função de garantia da lei penal, tem

35 PALAZZO. Francesco C, Valores Constitucionais e Direito Penal, p. 43. 36 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 40. 37 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 7.

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determinado o seu desdobramento em quatro garantias básicas. Estas garantias

seriam: a existência da Lex praveia, que significa proibição de edição de leis

retroativas que fundamentem ou agravem a punibilidade; da lex scripta, que

determina a proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pelo

direito consuetudinário; da lex stricta, que é a proibição da fundamentação ou da

punibilidade pela analogia (analogia in malam partem), e da lex certa, que a

proibição de leis penais indeterminadas.”38

Portanto, diante dos conceitos apresentados, conclui-se que o princípio da

legalidade ou reserva legal, visa garantir a segurança dos cidadãos, ao impedir que

uma determinada pessoa seja processada ou punida na esfera penal, sem a

existência prévia de leis e regras processuais elaboradas com base nos ditames

constitucionais, visando acima de tudo, a dignidade da pessoa humana.

3.2. Princípio da igualdade .

O caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 prevê que “todos são

iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”

Desta forma, apesar do conceito de igualdade, liberdade, ser variável, em

virtude de cada Estado externá-la de uma forma no Brasil, significa dizer que “a lei

não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da

vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o

conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos

textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas

normativos vigentes.”39

38 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 8. 39 MELLO. Celso Antonio Bandeira de, Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, p. 10.

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No entanto, do ponto de vista jurídico, o princípio da igualdade ou isonomia,

segundo Ignácio Burgoa, citado por Rogério Lauria Tucci, “se traduz em varias

pessoas indeterminadas, que se encontram numa determinada situação, tendo a

possibilidade e a capacidade de serem titulares dos mesmos diretos e das mesmas

obrigações emanadas do Estado de Direito. Em outras palavras, a igualdade, do

ponto de vista jurídico, manifesta a possibilidade e capacidade de inúmeras pessoas

indeterminadas adquirirem os direitos e contraírem as obrigações derivadas de uma

certa e determinada situação em que se encontram.”40

Logo, “não há a possibilidade, assim, de existência de leis discriminatórias,

embora possam existir as que punam fatos típicos que possam ser praticados por

determinadas pessoas, como por exemplo, no caso dos funcionários públicos, ou em

decorrência de cargos ou funções que estas pessoas exerçam.”41

Portanto, diante das premissas expostas, conclui-se que, “por via do princípio

da igualdade, o que a ordem jurídica pretende firmar é a impossibilidade de

desequiparações fortuitas ou injustificadas. Para atingir este bem, este valor

absorvido pelo Direito, o sistema normativo concebeu fórmula hábil que interdita,

assegura que os preceitos genéricos, abstratos e atos concretos colham a todos sem

especificações arbitrárias, assim proveitosas que detrimentosas para os atingidos.”42

No processo penal, “em duas direções manifesta-se o princípio da igualdade

no direito processual: dirige-se aos que encontram nas mesmas posições no

processo – autor, réu, testemunha -, garantindo-lhes idêntico tratamento; dirige-se,

também, aos que estejam nas posições contrárias de autor e de réu, assegurando-

lhes idênticas oportunidades e impedindo que a uma parte sejam atribuídos maiores

direitos, poderes, ou impostos maiores deveres ou ônus do que à outra.”43

40 TUCCI. Rogério Lauria, Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro, p. 125. 41 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 6. 42 MELLO. Celso Antonio Bandeira de, op. cit., p. 18. 43 FERNANDES. Antonio Scarance, Processo Penal Constitucional, p. 50.

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3.3 Princípio da ultima ratio.

Trata-se de um princípio corolário da dignidade da pessoa humana, onde a

“proteção do Direito Penal deve estar voltada para os bens mais essenciais à vida

humana em comunidade que não possam ser tutelados por outros meios menos

drásticos, na medida em que o direito penal é o instrumento mais violento de

intervenção do Estado na vida das pessoas, em razão da antinomia de proteger os

direitos fundamentais, violando outros direitos fundamentais.”44

Para Claudio José Langroiva Pereira, “o princípio da intervenção mínima,

reconhecendo um Direito Penal segundo a subsidiariedade, busca a validação dos

direitos fundamentais, em especial da liberdade, com a restrição de normas jurídico-

penais em uma interpretação de acordo com a Constituição.”45

Assim, percebe-se que o direito penal, no intuito de preservar o máximo de

liberdade possível, acaba sendo destinado somente à proteção dos bens jurídicos

relativamente preponderantes à sociedade, até em observância à vida e a dignidade

humana, pois conforme afirma Cleber Rogério Masson, “o Estado não tem o direito

de intervir na esfera de liberdade do cidadão sem justa causa, isto é, na ausência de

relevante interesse a legitimar a utilização do aparelhamento estatal.”46

Por fim, conclui-se que ao se limitar o poder punitivo do Estado, surgem “duas

conseqüências para a configuração de bens jurídicos supra-individuais, envolvendo

a subsidiariedade e a fragmentariedade, quase que como sub-princípios.”47

44 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito. p. 9. 45 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 150. 46 SILVA. Marco Antonio Marques da, (coord.). Processo Penal e Garantias Constitucionais. p. 133. 47 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 151.

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3.4 Princípio da fragmentariedade.

Ainda em consequência da aplicação do Direito Penal Mínimo, da qual

também se aplica o princípio da ultima ratio, surge ainda a questão da

fragmentariedade deste seguimento do Direito. “Este princípio decorre do próprio

caráter fragmentário do Direito Penal e estabelece que o uso deste instrumento de

intervenção somente deve ser aplicado nos casos de ataques intoleráveis que

impedem a manutenção da ordem social. Não é através do direito penal que se evita

os crimes, mas por meio de uma política social que se destine a remover os fatores

que favorecem a delinqüência.”48

Com base no princípio da fragmentariedade do Direito, percebe-se que o

Direito Penal deve ser utilizado para soluções de questões importantes para a

sociedade, pois “diante da sua relevância dos seus bens jurídicos, não será todo

ilícito o seu objeto. Ao contrário, apenas aqueles indispensáveis para o convívio

social serão amparados pelas normas penais, já que as ofensas de menor gravidade

podem ser sancionadas por outros ramos do Direito, principalmente Civil,

Administrativo e Tributário.”49

3.5 Princípio da subsidiariedade .

Conforme estudado no tópico anterior, o direito penal deve ser utilizado

somente para questões sociais relevantes, deixando as demais questões sob o crivo

de outros ramos do direito, ou seja, funcionaria “como um soldado de reserva,

entrando em cena somente se os demais ramos jurídicos não forem suficientes para

proteção do bem jurídico tutelado. Caso não seja necessária sua atuação, fica ele de

prontidão, aguardando, se necessário, ser chamado pelo operador do Direito para, aí

sim, enfrentar uma conduta que coloca em risco a estrutura da sociedade.”50

48 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 9. 49 SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Processo Penal Garantias Constitucionais, p. 134. 50 Ibid., p. 135.

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Além disso, para Claudio José Langroiva Pereira “a subsidiariedade surge

como um princípio orientador das atividades do Estado em uma atuação punitiva,

indicando que sua intervenção somente deve ser aceita quando reconhecidos como

ineficazes os demais meios de contenção de ilícito, em um critério decisivo para

reduzir os tipos de crimes.”51

O referido autor ainda aponta outras maneiras pelas quais o Estado poderia

intervir na sociedade, antes de utilizar o direito penal. Dentre estas medidas,

“estariam as políticas públicas de prevenção, educação e adequação sociocultural-

econômica e os meios sancionatórios.”52

Assim, percebe-se pelo princípio da subsidiariedade, que o direito penal só

deve ser usado na hipótese de falência de outros meios utilizados na prevenção e

repressão delitos utilizados pelo Estado.

Contudo, na eventualidade de ineficácia do direito penal, “uma corrente mais

radical, que constitui pelas teses abolicionistas, com base nestes princípios, tem o

delito como um conflito de interesses contrapostos que o direito penal atual não tem

condições de evitar, nem mesmo atender as necessidades das vítimas ou do agente

do crime. Não supõe abandonar o controle social formalizado, mas transferir para

outros subsistemas a resolução dos conflitos.”53

Há ainda, como forma de fundamentar o princípio da intervenção mínima,

“uma tendência do direito penal, a garantista. Esta tem três ideias fundamentais para

intervenção do Direito Penal: humanização, pois a pena é um mal, devendo ser

restabelecida a segurança jurídica com um tratamento adequado ao delinqüente e

uma aperfeiçoamento do sistema de penas; ideia de um direito penal mínimo e

51 PEREIRA. Claudio José Langroiva, Proteção Jurídico-Penal e Direitos Universais, p. 152. 52 Ibid., p. 152. 53 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 9.

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desconexão com exigências éticas, devendo seus conteúdos serem os necessários

à manutenção da ordem social.”54

Observa-se assim, que todas as teorias apresentadas referentes à

subsidiariedade, tendem a justificar a aplicação do direito penal somente em

situações excepcionais, utilizando antes disso, medidas alternativas à este instituto.

3.6 Princípio da adequação.

A “tipicidade de um comportamento proibido é enriquecida pelo desvalor da

ação e pelo desvalor do resultado lesando efetivamente o bem juridicamente

protegido, constituindo o que se chama de tipicidade material.”55

Assim, pelo princípio da adequação, “o direito penal deve estar apto a

proteger os bens jurídicos, adotando medidas adequadas aos objetivos visados, no

sentido de estabelecer penas que possibilitem a prevenção geral e especial, nas

formas estabelecidas pela lei.”56

A verdade é que este princípio ainda não possui uma posição pacificada junto

à doutrina nacional e internacional, tendo em vista que o sentimento de reprovação

antisocial de uma conduta, que justificaria a sua tipicidade material, é extremamente

subjetivas, de modo que sempre haverá divergências que impediriam definir se tal

comportamento deve ou não ser tutelado penalmente pelo Estado.

54 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 12. 55 BITENCOURT. Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, p. 50. 56 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p.13.

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3.7 Princípio da necessidade .

Importante na fundamentação da substituição das penas, o princípio da

necessidade prega que “o legislador não deve cominar penas desnecessárias, quer

na qualidade, quer na quantidade, para fatos que a política criminal não recomenda

o excesso”(...) Além disso, “no âmbito judiciário, este princípio tem, também, sua

importância, pois, quando para um determinado fato é prevista pena substitutiva, não

se recomenda a privação de liberdade ou pena mais grave, por ser totalmente

desnecessária e por violar o referido princípio.”57

3.8 Princípio da proporcionalidade.

Trata-se de um princípio que apresenta uma determinada complexidade em

seu estudo. Pode ser pode encontrado tanto no direito penal, no que tange à

aplicação das penas, como no processo penal, quando se fala no tratamento

dispensado às partes dentro do processo.

No Estado Democrático de Direito, “o princípio da proporcionalidade surge

como um instrumento capaz de captar a sensibilidade popular às violações de

normas, bem como a valorização social racional do próprio sentido das penas.”58

Para Marco Antonio Marques da Silva, “com este princípio é necessário que

se verifique se a intervenção do direito penal é a própria para a defesa do bem

jurídico e se compensa a utilização do pode punitivo do Estão para o fato ocorrido.”59

Observa-se pelos conceitos expostos, que o princípio da proporcionalidade,

além de se aproximar dos princípios da ultima ratio, fragmentariedade e

subsidiariedade, no que se refere à aplicação do direito penal para fatos

57SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 14. 58 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 163. 59 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 14.

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juridicamente relevantes para a sociedade, também norteia o legislador na resposta

penal para ações que causem maior ou menor reprovação social.

Ainda sobre o princípio da proporcionalidade, mas precisamente no processo

penal, “a afirmação do princípio foi no sentido de garantir o indivíduo contra os

excessos na atuação dos órgãos detentores do poder, buscando encontrar a medida

adequada, necessária e justa.(...)Assim, não se cuida de invocar o princípio em favor

do acusado ou da acusação, mas de verificar se, no caso concreto, a restrição ao

acusado é adequada, necessária e se justifica em face de valor maior a ser

protegido.”60

3.9 Princípio da culpabilidade .

O artigo 5º, XLV, da Constituição Federal de 1988 dispõe que “nenhuma pena

passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a

decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores

e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”.

O dispositivo constitucional em questão demonstra o pressuposto da

personalidade da pena, ou seja, de que nenhuma sanção aplicada na esfera penal

ultrapassará a pessoa do agente. Trata-se de uma “decorrência do princípio da

culpabilidade, que é reflexo da dignidade humana, fundamento do Estado

Democrático de Direito.(...)Pelo princípio da culpabilidade, somente podem ser

responsabilizados por atos criminosos pessoas que possuem consciência da

ilicitude, impedindo-se a punição do menor e do doente mental.”61

Esta premissa, ao adotar que o princípio da culpabilidade age como um limite

na intervenção punitiva do Estado ou como limite da pena, assegura que “a sanção

encontra sua justificação na finalidade de prevenção do crime, respondendo a

60 FERNANDES. Antonio Scarance, op. cit., p. 60. 61 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 15.

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culpabilidade à exigência de evitar que o Estado, na persecução da finalidade

preventiva, abuse de seu poder punitivo, chegando, até, a ‘ferir’ o respeito ao qual

não se põe nenhuma exigência de irrogar a pena;”62

3.10 Princípio da individualização da pena .

Previsto no artigo 5º, incisos XLVI e XLVII, da Constituição Federal de 1988,63

o princípio da individualização da pena funciona como um limitador do ius puniendi

do Estado.

Este princípio materializa, “em sentido estrito, a regulamentação da adaptação

da pena ao condenado, sendo que para tanto são consideradas as características da

infração praticada e da sua própria personalidade, e, largamente, da fixação dos

lindes de sua imposição.”64

Em suma, o princípio da individualização da pena, juntamente com o princípio

da dignidade humana, visa propiciar punição do agente que infringir a norma penal,

de maneira proporcional, efetiva e sem violar os direitos e garantias

constitucionalmente garantidos.

3.11 Princípio do devido processo legal.

O primeiro documento a fazer menção ao princípio do due process of law foi

na Magna Carta, de 1215 outorgada por João Sem-Terra e seus barões na

Inglaterra. Esta expressão “importava na época, antes de tudo, na vinculação dos

62 PALAZZO. Francesco C., op. cit., p. 53. 63 “Art. 5º - ...XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos;...XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.” 64 TUCCI. Rogério Lauria, op. cit., p. 260.

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direitos às regras comuns, aceitas por todos e decorrentes de precedentes fáticos e

judiciais.”65

No Brasil, o princípio do devido processo legal, previsto no art. 5º, LIV66, da

Constituição Federal, caracteriza-se pela sua “amplitude, abrange outras garantias,

sempre no sentido de proteger o cidadão contra a ação abusiva e arbitrária do

Estado,”67 ou seja, este princípio atua como um limitador dos poderes do Estado, no

que tange à produção de leis, tanto que o referido princípio, “não se destina tão

somente ao intérprete da lei, mas já informa a atuação do legislador, impondo-lhe a

correta e regular elaboração da lei processual penal. Em outras palavras, o juiz está

submetido e deve submeter as partes à norma processual penal vigente, o que

caracteriza a garantia constitucional.”68

Estas garantias constitucionais, por sua vez, também se estendem ao devido

processo penal, “que examina as mesmas garantias do devido processo legal em

face do processo penal.”69

Segundo Rogério Lauria Tucci, além de garantir que um “membro da

coletividade, antes de sofrer a imposição de qualquer sanção penal, tem direito a um

processo prévio, em regra antecedido de procedimento investigatório”, possibilitam

ainda ao cidadão: “a) o acesso à justiça penal; b) do juiz natural em matéria penal; c)

de tratamento paritário dos sujeitos parciais do processo penal; d) da plenitude de

defesa do indiciado, acusado, ou condenado, com todos os meios e recursos a ela

inerentes; e) da publicidade dos atos processuais penais; f) da motivação dos atos

decisórios penais. G) da fixação de prazo razoável de duração do processo penal; e,

h) da legalidade da execução penal.”70

65 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 17. 66 “Art. 5º - ...LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” 67 SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Processo Penal e Garantias Constitucionais, p. 50. 68 Idem, Acesso à Justiça e o Estado Democrático de Direito, p. 17. 69 FERNANDES. Antonio Fernandes, op. cit., p. 48. 70 TUCCI. Rogério Lauria, Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro, p. 66.

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3.12 Princípios do contraditório e da ampla defesa.

Previsto no artigo 5º, inciso LV71, da Constituição Federal de 1988, os

princípios do contraditório e da ampla defesa são decorrentes do princípio devido

processo legal, e visam, dentro do processo penal, garantir a aplicação de um

julgamento justo, com a observância dos direitos e garantias individuais.

Para Marco Antonio Marques da Silva, “o contraditório e ampla defesa formam

um binômio inarredável e uma conseqüência lógica do devido processo legal em um

Estado Democrático de Direito.(...) Afirma ainda, que “o princípio do contraditório é

absoluto, ou seja, qualquer violação leva a existência de nulidade processual.(...)É

do contraditório, manifestado num primeiro momento no direito à informação que

nasce a possibilidade do exercício da ampla de defesa.(...)Já o direito à informação é

indispensável para que se dote o processo do conteúdo dialético característico do

princípio do contraditório.”72

Antonio Scarance Fernandes aduz que “no processo penal é necessário que a

informação e a possibilidade de reação permitam um contraditório pleno e efetivo.

Pleno porque se exige a observância do contraditório durante todo o desenrolar da

causa, até o seu encerramento. Efetivo porque não é suficiente dar à parte a

possibilidade formal de se pronunciar sobre os atos da parte contrária, sendo

imprescindível proporcionar-lhe os meios para que tenha condições reais de

contrariá-los.”73

Este direito à informação citado pelos doutrinadores, nada mais é, que o

direito do acusado de ter acesso integral e irrestrito à acusação que lhe é feita pelo

Estado, para que possa realizar a sua defesa de forma plena. Assim, ferem o

71 “Art. 5º - ...LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;” 72 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 18. 73 FERNANDES. Antonio Scarance, op. cit., p. 64.

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princípio em comento, atos que visam impedir, por exemplo, acesso aos autos, seja

de um inquérito policial ou de uma ação penal, pelo advogado constituído do réu.

Ada Pellegrini Grinover acentua que “a garantia do contraditório não tem

apenas como objetivo a defesa entendida em seu sentido negativo – como oposição

ou resistência -, mas sim principalmente a defesa vista em sua dimensão positiva,

como influência, ou seja, como direito de incidir ativamente sobre o desenvolvimento

e o resultado do processo. É essa visão que coloca ação, defesa e contraditório

como direitos a que sejam desenvolvidas todas as atividades necessárias à tutela

dos próprios interesses ao logo de todo o processo, manifestando-se em uma série

de posições de vantagem que se titularizam quer no autor, quer no réu.”74

Ainda no sentido do contraditório como influenciador do desfecho processual,

Vicente Greco Filho, ao discorrer do tema no âmbito do processo civil, afirma que “a

sentença do juiz deve resultar de um processo que se desenvolveu com igualdade

de oportunidades para as partes se manifestarem, produzirem suas provas, etc. É

evidente que as posições das partes (como autor ou como réu) impõem uma

diferente atividade, mas, na essência, as oportunidades devem ser iguais.”75

Esta igualdade de oportunidades no processo entre acusação e defesa,

também é defendida por Marco Antonio Marques da Silva como garantia

constitucional, ao afirmar que “a ampla defesa é um corolário do processo como

modo de garantia individual.

A defesa, tal como a ação, é também um direito constitucional e

processualmente garantido. Desse modo, como no processo a acusação é exercida

por um órgão que possui conhecimentos técnicos-jurídicos, também ao acusado

deve ser proporcionada idêntica oportunidade de se ver representado em juízo por

74 GRINOVER. Ada Pellegrini; FERNANDES. Antonio Scarance; GOMES FILHO. Antonio Magalhães, As Nulidades no Processo Penal, p. 145. 75 GRECO FILHO. Vicente, Direito Processual Civil Brasileiro, p. 82.

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quem tenha igual formação a do órgão de acusação, sob pena de violar-se o

tratamento paritário que é uma imposição do princípio do devido processo legal.”76

Ainda no sentido da abrangência da ampla defesa, Antonio Scaranse

Fernandes afirma que “a defesa técnica, para ser ampla como exige o texto

constitucional, apresenta-se no processo como defesa necessária, indeclinável,

plena e efetiva. Por outro lado, além de ser garantia, a defesa técnica é também um

direito e, assim, pode o acusado escolher defensor de sua confiança.”77

3.13 Princípio do acusatório e juiz natural.

Dentre os princípios corolários do devido processo legal, encontra-se o

princípio do juiz natural, nos incisos XXVII e LIIII, ambos do artigo 5º, da Constituição

Federal de 1988.78

Trata-se de um princípio que “remonta à Carta Magna de 1215, onde aparece

(art. 20) como garantia de julgamento por órgãos e pessoas do local em que delito foi

cometido (competência territorial),”79 O princípio do juiz natural esteve presente

ainda nas Constituições francesa de 1814, holandesa de 1830 e italiana de 1967.

Nos direitos alemão, espanhol e brasileiro é chamado de princípio do juiz legal ou

operante.”80

Com base no princípio do juiz natural, estão proibidos os tribunais de exceção,

criados para “julgar, de maneira excepcional, determinadas pessoas ou matérias.”81

Além disso, ele garante ao “indivíduo envolvido numa persecutio criminis só poder

76 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 20. 77 FERNANDES. Antonio Scarance, op. cit., p. 295. 78 “Art. 5º -... XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;” “Art. 5º -... LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;” 79 FERNANDES. Antonio Scarance, op. cit., p. 133. 80 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 21. 81 FERNANDES. Antonio Scarance, op. cit., p. 135.

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ser validamente processado e julgado por agente do Poder Judiciário – juiz ou

tribunal – dito ‘autêntico’”.82

Além disso, “sem ele, a própria relação processual não pode nascer, é

aparente, é um não-processo. Estamos aqui, inquestionavelmente, perante um

verdadeiro pressuposto de existência do processo, em cuja ausência não se pode

falar em mera nulidade da relação processual.”83

3.14 Princípio da presunção de inocência.

Previsto implicitamente na Constituição Federal de 198884, a expressão

presunção de inocência é um dos princípios basilares do processo penal pátrio.

Contudo, antes de adentrarmos no conceito deste princípio, é necessária uma

pequena exposição sobre o seu conteúdo histórico.

O princípio da presunção de inocência tem como marco fundamental do

movimento de reforma da legislação penal no século XVIII, o livro Dei delitti e delle

pene, de Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria. Nesta obra todo o sistema

punitivo da época é questionado, sendo também questionado o modo como o

imputado, dentro de um processo penal inquisitivo, é tratado como culpado, cabendo

a ele o ônus de demonstrar a inocência.”85

Esta obra repercutiu em toda a Europa, em especial na França, que detinha

um sistema criminal extremamente rígido para o imputado durante o processo

82 TUCCI. Rogério Lauria, op. cit., p. 101. 83 GRINOVER. Ada Pellegrini; FERNANDES. Antonio Scarance; GOMES FILHO. Antonio Magalhães, op. cit., p. 50. 84 “Art. 5º...LVIII – Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.” 85 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 25.

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inquisitivo. Era um procedimento pautado na tortura e na prisão provisória, e que

tratava o individuo, durante o processo, como se já tivesse sido declarado culpado.

Contudo, após a obra do Marquês de Beccaria, a monarquia francesa cedeu

às pressões reformistas, e em 1780, Luis XVI, em uma declaração suprimiu o

emprego da tortura como meio hábil para se obter a confissão. Posteriormente, por

meio de um Edito do rei de 1788, foi abordada a necessidade de reforma do

Ordenamento Criminal e do Código Penal.

Essa Revolução Liberal dos séculos XVIII e XIX – “processo reformador”, em

reação ao sistema inquisitório – adquire relevo, mas somente a partir do século XIX,

por influência da Escola Clássica, é que a presunção de inocência passou a dogma

fundamental do direito repressivo.86

Assim, após todo este movimento iniciado por Beccaria, em 1789, surge com

a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, onde em seu artigo IX87 há a

expressa menção ao princípio da presunção de inocência.

O referido artigo prevê que todo acusado será considerado inocente até a

decisão final de um processo. Além disso, há ainda a menção expressa sobre as

consequências dos abusos cometidos em caso de necessidade de prisão cautelar.

Sobre este dispositivo, Marco Antonio Marques da Silva afirma que “a

presunção de inocência pode, ainda, ser um postulado dirigido diretamente ao

tratamento do imputado no decorrer do processo penal, ou seja, que se deve partir

da ideia de que ele é inocente e, como via de conseqüência, reduzir ao mínimo

possível as chamadas medidas restritivas de direitos a ele aplicadas, durante o

86 BENTO. Patricia Stucchi, Pronúncia. Enfoque Constitucional, p. 86. 87 “Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.”

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processo. É esse o significado que tem a presunção de inocência no artigo IX da

Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.”88

Posteriormente à Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, a

presunção de inocência também surgiu na Declaração Universal de Direitos do

Homem, de 1948; no Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos, de 1966 e na

Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica.

3.15 Princípio do in dubio pro reo.

Derivado da presunção de inocência, o princípio do In Dúbio Pro Reo “foi

desenvolvido para os casos em que a prova produzida não era segura, para a pena

em virtude de suspeita e para o absolutio ab instantia.”(...)Assim, “a incerteza da

prova e motivação inadequada das sentenças criminais devem determinar a

absolvição pura e simples do acusado, uma vez que não há certeza da culpa.”89

Para Patrícia Stucchi Bento, “o in dúbio pro reo e a presunção de inocência se

relacionam de forma direta, pois este é uma garantia constitucional e aquele uma

regra processual, tendo ambos a função de preservar status libertatis e a dignidade

da pessoa humana em sede de persecução penal.90

Contudo, Cesare Bonesana, afirma que “as provas de um delito podem

distinguir-se em provas perfeitas e provas imperfeitas. As provas perfeitas são

aquelas que demonstram positivamente que é impossível ser o acusado inocente. As

provas são imperfeitas quando a possibilidade de inocência do acusado não é

excluída.

88 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 31. 89 Ibid., p. 33. 90 BENTO. Patricia Stucchi, op. cit., p. 90.

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Além disso, o autor afirma ainda que “basta uma prova perfeita para autorizar

a condenação; se desejar, contudo, condenar baseado em provas imperfeitas, visto

que cada prova dessas não estabelece a impossibilidade da inocência do réu, é

necessário que se apresentem em número muito grande para valerem como uma

prova perfeita, isto é, para provarem, todas juntas, que é impossível não ser o

acusado culpado.”91

Este pensamento de Beccaria na referida obra, é reconhecido por Marco

Antonio Marques da Silva, ao afirmar que o mesmo “se insurgiu energicamente

contra a quase prova ou semi prova, afirmando que não havia perigo maior do que

condenar um inocente quando a probabilidade da inocência superasse a do delito.”92

Portanto, observa-se que a prova, para ensejar a condenação no processo

penal, deve ser certa, robusta e incontroversa, pois caso contrário, ou seja, a se

mesma produzir qualquer dúvida sobre a culpabilidade do acusado, deve o

magistrado, com base no princípio do in dubio pro reo e afim de se evitar injustiças,

absolvê-lo.

3.16 Princípio da verdade no processo penal.

Dentro do processo penal, após o oferecimento da denúncia, que delimita a

acusação, tanto o órgão acusador, como a defesa, realizam uma busca incessante

pelas provas que, consequentemente terão o condão de corroborar as suas

respectivas teses.

Para alguns doutrinadores, “no processo penal brasileiro, vigora o Princípio da

Verdade Real, com referência à produção de provas. Isto quer dizer que o

91 BONESANA. Cesare, Dos Delitos e das Penas. Tradução: Torrieri Guimarãe, p. 28. 92 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 33.

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Magistrado não fica adstrito a critérios valorativos da prova, mas é livre, na sua

escolha e aceitação, atribuindo-lhe o valor que merecer.”93

Um exemplo desta teoria encontra-se no artigo 209 do Código de Processo

Penal.94

Por outro lado, esta posição é vista com reservas, na medida em que esta

busca pela verdade real pode acarretar em violações às regras processuais, o que

não coaduna com o processo penal acusatório vigente atualmente no Brasil, onde

vigora, conforme denomina Antonio Magalhães Gomes Filho, “a verdade processual,

que não é extorquida inquisitoriamente, mas uma verdade obtida através de provas e

desmentidos.”95

Assim, é importante que “a busca da verdade no processo penal deva ser feita

com cautela, pois não se admite qualquer meio de prova, mas somente aqueles

processualmente admitidos, ainda que desta limitação resulte um sacrifício à

verdade material.”96

93 INELLAS. Gabriel Cesar Zaccaria de, Da Prova em Matéria Criminal, p. 39. 94 “Art. 209. O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes.” 95 GOMES FILHO. Antonio Magalhães, Direito à Prova no Processo Penal, p. 55. 96 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e o Estado Democrático de Direito, p. 35.

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CAPÍTULO II – DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PEN AL E

CRIMINALIDADE ECONÔMICA GLOBALIZADA .

1. A Criminalidade Econômica, a Globalização e seus reflexos na

ordem jurídica.

Existe atualmente uma dificuldade muito grande entre os doutrinadores em

interpretar e conceituar a criminalidade global ou moderna, bem como os seus

efeitos. José de Faria Costa, ao discorrer sobre o tema, questiona se “há um

alfabeto, uma semântica, uma gramática que nos ajude a interpretar a criminalidade

em um mundo globalizado.” 97

Uma das possíveis respostas para esta indagação seria primeiramente tentar

entender uma das origens desta criminalidade, que coincide com a globalização, que

por sua vez, “não é um processo simples, é uma rede complexa de processos. E

estes operam de forma contraditória ou em oposição aberta.98

A globalização seria ainda uma evolução mundial, onde todos os seus

seguimentos, dentre elas as ramificações sociais, econômicas e tecnológicas, são

renovadas com extrema velocidade, levando o mundo a uma evolução sem

precedentes “Tais fatores contribuíram para facilitar ações criminosas e subversivas

transnacionais, sem que houvesse uma reação interna e externa efetiva e

orquestrada por parte dos Estados Modernos.”99

Logo, como uma decorrência lógica da globalização, a criminalidade hoje está

mais voltada a “uma criminalidade moderna e especializada, a qual atua em diversos

países, praticando ilícitos graves e em áreas diversas como, por exemplo, o tráfico

ilícito de entorpecentes, as fraudes bancárias e o terrorismo aproveitando-se da falta 97 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais, p. 89. 98 Ibid., p. 277. 99 SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Processo Penal e Garantias Constitucionais, p. 38

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de cooperação.”100 Assim, “todas as justificativas para os problemas da atual

sociedade, com suas complexidades, são atribuídos ao fenômeno da

globalização.”101

“No tempo do Direito penal tradicional falava-se em ofensa aos direitos

subjetivos do indivíduo: evoluiu-se depois para a admissibilidade também dos

direitos coletivos e dos bens supraindividuais. Agora já se propugna pelo

reconhecimento de bens jurídicos universais ou planetários.”102

Hoje os delitos contra a ordem econômica, os praticados por meio da internet,

fraudes bancárias, terrorismo, tráfico ilícito de entorpecentes, constituem uma

criminalidade que dispensa uma atenção especial do legislador penal. “Essa

criminalidade de última geração, se pode dizer assim, caracteriza-se pelo poderio,

pela organizacionalidade e transnacionalidade. Tem força bastante para produzir

resultados profundamente lesivos à comunidade internacional, nas suas várias faces:

política, economia e social.” 103

Desta forma, criminalidade decorrente da globalização, extremamente nociva

e avassaladora, “exige que os países passem a se concentrar em atitudes mais

práticas, a fim de que suas abordagens sejam mais sejam mais eficazes no combate

à criminalidade.”104

Nesse contexto, até como uma forma de resposta rápida e efetiva por parte da

sociedade e também visando conter uma eventual crise da justiça penal, é que

muitos passaram a clamar, até como uma única solução, pela presença de um

Estado mais punitivo, pois a ideia de Estado opressor traz ao indivíduo uma

100 SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Processo Penal e Garantias Constitucionais, p. 38 101 Ibid.,p. 39. 102 GOMES. Luiz Flávio; BIANCHINI. Alice, O Direito Penal na Era da Globalização, Série Ciências Criminais no Século XXI, p. 23. 103 SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Processo Penal e Garantias Constitucionais, p. 42. 104 Idem, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 137.

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sensação, ou pseudo-sensação, de que o mesmo está repelindo de forma eficaz a

criminalidade.

No entanto, este Estado punitivo, tão almejado pela sociedade, pode causar

um efeito inverso, já que “a história tem mostrado que todos os autoritarismos

começam com este canto de sereia.” 105 Assim, sem que percebam, a sociedade, ao

clamar por um Estado sancionador, como única forma de combater a criminalidade

moderna, pode abrir o caminho para a violação da liberdade e das garantias

individuais.

José de Faria Costa, elenca alguma das conseqüências de um Estado

punitivo nas garantias individuais . Seriam elas:

“a) Adopção de uma cultura de controlo;

b) Proliferação de leis de emergência;

c) Aumento de leis de tonalidade securitária;

d) Assunção aberta e clara de estratégias globais diferenciadas,

tendencialmente incompatíveis, para diferentes patamares da vida colectiva;

e) Exaltação do oxímero “tolerância zero”, enquanto forma ideológica para

satisfação e tutela de medos primários e injustificados;

f) Diminuição das garantias processuais;

g) Tentativa de neutralização axiológica perante o fantástico aumento de

carcerização;

h) Defesa doutrinal de um ilegítimo, mas já difuso entre vozes

autorizadíssimas, “direito penal do inimigo”;

i) Afirmação de soberba ética;

j) Contração insustentável de espaços livres de direito”;106 (grifo nosso)

105 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais, p. 91 106 Ibid., p. 91.

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Diante deste rol apresentado, bem como o objeto do estudo ora realizado,

percebe-se que um dos efeitos, senão o principal, da criminalidade moderna

decorrente da globalização na ordem jurídica, é a diminuição das garantias

individuais, que “é um dos aspectos que mais rapidamente se manifestam enquanto

característica do Estado Punitivo. Não por acaso é o direito processual penal visto

como mais sensível das sensitivas às variações mínimas das estruturas do poder.”107

Nunca é demais lembrar que as garantias individuais, dentro do Estado

Democrático de Direito, nada mais são, que “o conjunto institucionalizado de direitos

e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade,

por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de

condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.”108

2. A Sociedade Globalizada e o Direito Penal .

Após o término do mundo bipolarizado, composto pelos blocos capitalista e

socialista, a sociedade passou a conviver em todos os seus sentidos com um

fenômeno denominado globalização. Este, consequentemente, por estar presente

em diversos seguimentos sociais, dentre eles a economia, gerou uma modernização

da criminalidade, o que levou a transformações no direito penal.

Conforme já mencionado no corpo deste trabalho, assim como a sociedade, a

criminalidade também evoluiu, passando a abranger delitos decorrentes de um

mundo globalizado, mas precisamente voltada para o âmbito econômico.

Esta criminalidade é decorrente de uma “causalidade que independe da

vontade humana, mas vem aliada ao avanço tecnológico, de consequências

107 COSTA. José de Faria, Direito Penal e Globalização, p. 62. 108 MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), op. cit., p. 225.

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desconhecidas.”109 “É uma criminalidade organizada, ou seja, nela intervém

estruturas coletivas de pessoas que, a semelhança das organizações empresariais,

tem uma estrutura hierárquica.”110

Assim, “no âmbito do direito penal o problema da dogmática está em

encontrar uma fórmula adequada para administrar os riscos decorrentes desta

globalização, não vislumbrando um instrumento eficaz para, pelo menos, prevenir-se

os efeitos danosos do desenvolvimento tecnológico, científico e dos demais meios de

comunicação, nestes se incluindo os negócios econômicos.”111

Além disso, para alguns doutrinadores, esta criminalidade decorrente da

globalização, moderna, organizada institucionalmente e que atinge a economia de

países, criou a necessidade um Direito Penal que “seja eficiente e alcance seus

resultados programados, mesmo que com alto custo em termos de corte de direitos e

garantias fundamentais.“112

Marco Antonio Marques da Silva preconiza que “partindo-se da anterior

constatação de que o paradigma do direito penal globalizado é o delito econômico

organizado, em um sentido de política criminal, a tendência será acenar aos

imputados com menos garantias pelo enorme potencial perigoso que contém.”113

Portanto, percebe-se que pensamento doutrinário acerca da solução para a

criminalidade moderna, que tem como foco principal o Direito Penal Econômico, está

na aplicação de um direito penal com o cerceamento dos direitos e garantias

individuais.

109 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), op. cit.,, p. 403. 110 SILVA. Marco Antonio Marques da,Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 137. 111COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.),Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais, p. 402. 112 Ibid., p. 56. 113 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 139.

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3. O Direito Penal Econômico.

3.1. Origem histórica e conceito .

Em virtude até da sua origem histórica, há também, assim como ocorre na

criminalidade moderna, uma grande dificuldade na doutrina para definir o conceito de

direito penal econômico, em que pese ele figurar “como um dos modernos ramos do

direito penal.”114 Além disso, nem sempre a sua aplicação como ramo do direito

penal foi possível.

O século XIX, por exemplo, que sucedeu as monarquias absolutistas e que

marcou a consolidação da burguesia no poder, bem como do capitalismo, foi

marcado por uma valorização, da vida, da liberdade e do patrimônio. O poder estatal,

nesta época, era voltado a preservá-los.

Consequentemente, “o direito penal do século XIX, denominado “liberal-

burguês”, não teria como fugir às mesmas características. De fato, a doutrina do

século XIX propõe um direito penal protetor dos interesses subjetivos violados

mediante rompimentos do contrato social.”115 Assim, não havia nesta época espaço

para aplicação de um direito penal econômico, que visava a proteção acima da

esfera individual.

Contudo, ainda no século XIX, surgiu como contraponto ao estado liberal-

burguês, o direito penal econômico, voltado à tutela da intervenção estatal na

economia, pois “enquanto no ideário liberal iluminista, o estado estava a serviço do

indivíduo, a experiência totalitária da primeira metade do século XX enalteceu o

reverso: um indivíduo a serviço do estado, como força de trabalho e soldado, no

quadro de esforços de guerra que foi peculiar ao período.”116

114 CÂMARA. Luiz Antonio. (coord.), Crimes Contra a Ordem Tributária e Tutela de Direitos Fundamentais, p. 139. 115 Ibid., p. 147. 116 Ibid,, p. 151.

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A consolidação deste ideal veio com o fim da primeira guerra mundial, quando

surgiram os estados contrários ao estado liberal-burguês do século XIX. Eram

estados fortes que passaram a impor a sua ordem econômica ao mundo, sendo que

para isso, necessitavam proteger as economias, os seus interesses políticos, bem

como o seu imperialismo.

“Para a proteção destas ‘ordens econômicas’, os mencionados estados fortes,

de regimes de governos totalitários, recorreram ao ordenamento jurídico penal,

constituindo todo um novo campo de criminalidade voltado:

a) à garantia do sucesso das atividades interventoras realizadas na

economia;

b) à preservação dos modelos econômicos desenhados para os ciclos

produtivos e distributivos de bens e serviços, atados fortemente aos destinos

políticos postos avante pelos respectivos governos.”117

Assim, juntamente com o fato das relações econômicas terem se tornado o

centro do mundo globalizado, surgia o direito penal econômico, voltado à proteção

das economias das nações. No Brasil, duas leis foram editadas no início da década

de noventa, visando disciplinar e proteger a economia e o sistema financeiro

nacional.118

Desta forma, diante deste breve relato da origem do direito penal econômico,

bem como da sua aplicação nas relações sociais e econômicas, poderíamos defini-lo

“como o conjunto de normas que regulam a vida e as atividades econômicas e dos

preceitos que de alguma forma se relacionam com a produção e a distribuição dos

bens econômicos.”119

117 CÂMARA. Luiz Antonio. (coord.), op. cit., p. 150. 118 Lei nºs 7.492/86, 8.078/90, 8.137/90 e 8.884/90. 119 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da. (coord.), op. cit., p. 405.

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Como podemos notar, trata-se de um conceito amplo, que não especifica o

seu objeto principal, e que desta forma, sofre diversas críticas doutrinárias. No

entanto, talvez este seja a maior dificuldade na conceituação do direito econômico,

qual seja, especificar a sua área de atuação.

Esta dificuldade em delimitar a área de atuação do direito penal econômico,

pode ser justificada até em razão do conceito de crime econômico, que “dadas as

características, abrangem a denominada ordem econômica, distribuição e consumo

de bens. A área de atuação deste crime, como se verifica, é ampla, incluindo a

tipificação de diversas situações das relações sociais que surgem no

desenvolvimento social.” 120

Ainda sobre as barreiras que existem para conceituar o direito penal

econômico, José de Faria Costa, ao mencionar que este ramo do direito “deve ser

encarado como uma nova disciplina e estabelecer o que denomina de ‘vertigem de

especialização’, conclui que o direito penal econômico não é apenas um nome, mas,

diante da produção teórica sobre a matéria é ‘um bom indício de autonomia e

especialidade’”.121

Em sentido contrário, a Escola de Frankfurt de Direito Penal, que tem em

Winfried Hassemer seu expoente principal, prega que o Direito Penal não deve ter as

suas fronteiras expandidas, pois tal atitude, mesmo que fosse para garantir a tutela

de novos setores da sociedade, acabaria por afetar o Estado de Direito, bem como

as suas garantias.122

Contudo, na definição do conceito de direito penal econômico, “há de se levar

em conta vários aspectos, em especial, que pretende proteger, preventivamente, a

120 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da. (coord.), Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais, p. 264. 121 Ibid.., p. 405. 122 HASSEMER. Winifried; CONDE. Francisco Munõz. La responsabilidad por El producto em Derecho penal, p. 31 e segs.

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economia, num sentido amplo. Esta proteção, mesmo que o defina como um ramo

específico do direito penal, não pode deixar de excluir os institutos do direito penal

nuclear, já consolidados, inclusive quanto às novas formulações funcionalistas, tais

como, a imputação objetiva, a proteção do ordenamento jurídico ou comportamento

ético-social, e assim chegar ao denominado sistema integral de direito penal.123.

Já Eduardo Reale Ferrari, defende que “a amplitude do tema Direito Penal

Econômico não configura-se (sic) como um fenômeno nacional, a corroborar o quão

perigosa representa a intervenção penal de forma totalitária, vez que ao sabor dos

fatos e momentos eleitoreiros estar-se-ão ampliando searas que poderiam ser

resolvidas por meio de alternativas de controle social não penal, aumentando cada

vez mais o descrédito de nosso sistema.”124

Observa-se que por este entendimento, o Direito Penal Econômico deve ser

visto de uma maneira global, pois ele toda uma ordem econômica, tributária e social,

sendo que outros ramos do direito, como o administrativo sancionador, devem ser

utilizados em substituição à seara penal tributária.

Portanto, percebe-se que não há um conceito preciso de Direito Penal

Econômico, mas sim a certeza que esta ramificação do direito, até em virtude da sua

abrangência, não deve ser tratada de maneira singular ou através do direito penal

comum.

3.2 O Bem jurídico tutelado no Direito Penal Econôm ico.

“Os bens jurídicos têm como fundamento valores culturais que se baseiam em

necessidades individuais. Estas se convertem em valores culturais quando são

123 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da. (coord.), Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais, p. 496 124 Ibid., p. 590.

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socialmente dominantes. E os valores culturais transformam-se em bens jurídicos

quando a confiança em sua existência surge necessitada de proteção jurídica.”125

No mesmo sentido Claudio José Langroiva Pereira, afirma que “o bem jurídico

pode ser entendido como um valor ideal, proveniente da ordem social em vigor,

juridicamente estabelecido e protegido, em relação ao qual a sociedade tem

interesse na segurança e manutenção, tendo como titular tanto o particular quanto a

própria coletividade.”126

Assim, segundo este conceito, entende-se ainda que “o bem jurídico deve se

posicionar segundo a realidade social, formada dos conflitos estabelecidos entre as

pessoas, decorrente de necessidades particulares de satisfação de interesses

diversos, indicando que os bens jurídicos têm um caráter eminentemente pessoal,

ligado às próprias condições de existência individuada de cada ser humano em uma

sociedade”127

No âmbito penal, o bem jurídico “não só assenta a pedra angular do Direito

Penal, mas coroa o norte de seu telos punitivo, uma vez que constitui o elo entre as

instituições penais do Estado e o ordenamento social no qual está inserido.”128

Percebe-se pelos conceitos apresentados, a importância que o bem jurídico

econômico tem para uma sociedade, o que justifica a utilização do direito penal em

sua proteção. De outro modo, resta saber, até com base no que fora exposto sobre

a atual função da ordem econômica no mundo globalizado, se a tutela penal pode

ser aplicada a ele, já que “o bem jurídico tutelado pelos tipos penais econômicos

deve ser analisado à luz de uma sociedade complexa, de risco, que o direito penal

nuclear ou comum não dispõe de instituto para enfrentá-los.”129

125 PRADO. Luiz Régis, Bem Jurídico-Penal e Constituição, p. 44. 126 PEREIRA. Claudio José Langroiva, Proteção Jurídico-Penal e Direitos Universais, p. 71. 127 Ibid., p. 78. 128 CANTON FILHO. Fábio Romeu, Bem Jurídico Penal, p. 03. 129 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais, p. 406.

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Eduardo Reale Ferrari entende que as manifestações de proteção penal à

ordem econômica, podem se manifestar de forma restrita e ampla.130

Na visão ampla, “não há uma individualização da tutela econômica nem de

forma direta, nem sentido técnico, porquanto o que se visa na tutela econômica é a

ordem jurídica da produção, distribuição e consumo de bens e serviços, podendo em

face de uma acepção aberta, integrar-se a quaisquer desses valores no âmbito da

tutela econômica.

Já em uma visão restrita, a ordem econômica deve tutelar a regulação jurídica

do intervencionismo estatal da economia de uma nação, incluindo como objeto de

proteção o próprio interesse do Estado, suscetível de concreção particularizada, dos

quais exemplos são as infrações monetárias; as transações com o exterior; o delito

fiscal, a liberdade da empresa no marco da economia do mercado, a livre

concorrência empresarial, incluindo-se dentro desse conceito os interesses coletivos,

dos quais exemplos são o consumo, o meio ambiente, dentre outros.”131

A visão restrita de proteção penal à ordem econômica. visa assegurar a

proteção dos bens supra-individuais ou coletivos, ou seja, tudo aquilo que existe

para proteger o Estado, a sua economia, política e soberania.

Este é o posicionamento de Marco Antonio Marques da Silva, ao afirmar que

as normas do direito penal econômico, responsáveis por tutelarem penalmente a

ordem econômica, “tem por objetivo proteger bens jurídicos supra-individuais, e para

tanto se socorre dos denominados crimes de perigo abstrato.132

130 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais, p. 586. 131Ibid., p. 406. 132 Ibid., p. 407.

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E o doutrinador vai além ao afirmar que “no aspecto econômico, nos bens

jurídicos supra-individuais não há, especificamente, um dano material apreensível ou

concreto capaz de possibilitar a mensuração do mesmo. Daí, duas conseqüências

imediatas ocorrem com o direito penal econômico: a primeira, referente aos tipos

penais que são de perigo concreto ou abstrato; a segunda, a necessidade do recurso

à imputação objetiva, como única forma de relacionar-se uma ação a uma

responsabilidade penal.”133

Para Fábio André Guaragni, o direito penal econômico surgiu como “ campo

jurídico-penal destinado à tutela do bem jurídico meta-individual ‘ordem econômica’.

A ‘ordem econômica’, neste contexto, era definida como intervenção do estado na

economia. Tal concepção do bem jurídico ‘ordem econômica’, conquanto meta-

individual, deixou patente a pretensão do direito penal econômico de proteger, a

partir da constituição de um novo campo de criminalização primária, não os

interesses do pessoas integrantes da sociedade, mas sim – e sobretudo – os

interesses do próprio Estado, enquanto gestor da economia.”134

Este interesse no Estado, por sua vez, é materializado, por exemplo, na

Constituição Federal de 1988, onde o artigo 173 prevê as hipóteses em que ele

poderá intervir na ordem econômica:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração

direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando

necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse

coletivo, conforme definido em lei.

Independentemente do bem jurídico tutelado no direito penal econômico, há

ainda o entendimento de que a ordem econômica pode ser protegida pelo direito

administrativo e pelo direito penal, na medida em que “ambos protegem a ordem

econômica e o regular desenvolvimento do mercado, restando claro que dois (sic) 133 COSTA. José de Faria; Marco Antonio Marques da SILVA (coord.), op. cit., p. 408. 134 CÂMARA. Luiz Antonio. (coord.), op. cit., p. 151.

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são os melhores meios preventivos de maior realizabilidade no desenvolvimento da

economia: a informação e a organização administrativa.”135

4. A criminalidade tributária como parcela da criminal idade econômica .

Dentro desta criminalidade transnacional presente atualmente no cenário

mundial, surge a indagação acerca da inserção dos delitos tributários na

criminalidade econômica, em que pese a dificuldade em apontar um critério capaz de

sustentar tal posicionamento.

A criminalidade econômica é geralmente composta de “crimes especiais ou

específicos, ou seja, é exigida a verificação de uma determinada qualidade no

agente do crime".136 Neste passo, seria perfeitamente possível enquadrar os delitos

tributários, que na maioria das vezes são praticados por intermédio de pessoas

jurídicas no rol de crimes econômicos.

É importante salientar, que a sonegação fiscal, assim como a lavagem de

dinheiro e a evasão de divisas, podem perfeitamente afetar a economia de um

determinado país, ou até mesmo, de um determinado bloco econômico, pois

“mediante a lesão patrimonial que o delito fiscal origina para a Fazenda Pública se

prejudica o bom funcionamento da intervenção pública na economia, impedindo a

consecução de uma série de fins de caráter económico (sic) e social que o Estado

persegue com a percepção dos tributos.”137

Portanto, se considerarmos o caráter genérico dos delitos econômicos, bem

como o potencial lesivo que os crimes contra a ordem tributária pode causar a um

determinado cenário econômico, é perfeitamente possível enquadrá-los como um

dos elementos formadores da criminalidade global.

135 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), op. cit., p. 587. 136 COSTA. José de Faria (coord.), Temas de Direito Penal Econômico, p. 210. 137 SOUSA. Susana Aires, Os crimes Fiscais, p. 273.

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5. Experiências da Proteção Penal Tributária no dir eito estrangeiro.

A preocupação com a arrecadação tributária não existe somente no Brasil.

Numa clara demonstração de que como os recursos oriundos do pagamento dos

tributos são importantes para a ordem econômica de uma nação, outros países

também possuem a sua legislação penal sobre o tema.

Assim, ainda que de maneira sucinta, passaremos a analisar neste tópico

como a proteção penal tributária é tratada em países como Portugal e Espanha.

5.1 Direito português.

A proteção à ordem tributária em Portugal existe desde os meados do século

XIX, sendo que a Lei nº 12, de 13 de dezembro de 1844, foi a primeira norma a tratar

das sanções fiscais, ao prever em seus artigos 18º a 20º punições de caráter

administrativos, como pena de multa (art. 19) para aqueles que tinham a finalidade

de prejudicar os interesses patrimoniais da Fazenda Nacional.

Já no âmbito proteção penal tributária, apesar do Código Penal Português de

1886 fazer referência aos crimes de contrabando (art. 279) e descaminho (art. 280),

a punição para estes delitos era meramente administrativa, como por exemplo,

perdimento de mercadorias e multa.

Como assinala Susana Aires de Sousa, “a disciplina jurídica das infracções

aduaneiras sofreria importantes alterações, passadas algumas décadas, com a

publicação do Decreto-Lei nº 31.664, de 22 de Novembro de 1941, que aprovou um

novo “Contencioso Aduaneiro”. Este diploma assumiu grande importância e logo no

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nº 2 do Relatório preambular estabelece como objectivo a nítida separação entre

responsabilidade fiscais de natureza criminal e civil.”138

Atualmente, após inúmeras legislações acerca do tema, a questão dos crimes

fiscais no direito português, encontra-se disciplinada pela Lei nº 15/2001, de 5 de

Junho que aprovou o RGIT (Regime Geral de Infrações Tributárias).

Este regulamento é composto pela parte geral (Parte I), uma parte que integra

o processo penal tributário (Parte II) e por fim a terceira parte, que versa sobre os

delitos tributários. Estes, por sua vez, dividem-se em crimes tributários comuns (arts.

87 a 91 do RGIT), crimes aduaneiros (arts. 92 a 102 do RGIT), crimes fiscais (arts.

103 a 105 do RGIT) e crimes contra a segurança social (arts. 106 e 107).

No entanto, os delitos cujas condutas ilícitas são voltadas para supressão ou

redução de tributos, ou seja, que efetivamente causam prejuízo ao erário público, e

que se assemelham aos crimes contra a ordem tributária contidos na legislação

brasileira, estão os previstos nos artigos 103 a 105 do RGIT, que seriam

respectivamente, os crimes de fraude fiscal, fraude fiscal qualificada e abuso de

confiança fiscal.

As figuras típicas do artigo 103 do RGIT, que podem ocorrer por ação ou

omissão, prevêem que constituem crime de fraude fiscal a prática de condutas que

visem “a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a

obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens

patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.”

Segundo o legislador português, esta diminuição das receitas tributárias seria

causada pelas condutas previstas nas alíneas a, b e c do artigo 103 do RGIT.139

138 SOUSA. Susana Aires, op. cit., p. 54. 139 Art. 103... a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;

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Trata-se de um rol exemplificativo, pois “ao referir o tipo legal, que a fraude fiscal

pode ter lugar através da realização das condutas previstas nas alíneas que se

seguem, poderíamos ser induzidos pela ideia de que o legislador teria optado por um

elenco exemplificativo. Contudo, esta conclusão parece ser infirmada pelo próprio

legislador ao estabelecer no primeiro número daquela norma que constituem fraude

fiscal as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo.”140

A pena pela prática do crime no artigo 103 é três anos de prisão ou multa de

360 dias. Se a fraude por praticada por meio de pessoa jurídica, ainda que

constituída irregularmente, a pena de multa é majorada para de 20 a 720 dias, nos

termos do §3º do artigo 12, do RGIT. É oportuno salientar que a pena de multa de

120 dias de prisão corresponde a um ano de prisão.

Sobre a consumação referente ao crime de fraude fiscal, a mesma ocorre

“quando a ocultação ou alteração de factos ou valores tributários saem do domínio

do agente,”141ou seja, quando o contribuinte realiza a entrega dos documentos

fiscais com omissão ou informações falsas ao agente tributário. Já a punição, a

exemplo do que ocorre nos crimes previstos na Lei nº 8.137/90, só ocorre a título de

dolo.

Outro aspecto importante sobre este delito encontra-se previsto no §2º do

artigo 103, que prevê que “os factos previstos nos números anteriores não são

puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a 15.000 euros.”

Continuando a análise dos crimes de fraude fiscal, no artigo 104 do RGIT há a

previsão da forma qualificada deste delito ao dispor que “os factos previstos no artigo

anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e

b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária; c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas. 140 SOUSA. Susana Aires, Os Crimes Fiscais, p. 79. 141 Ibid., P. 84.

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multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a

acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:”

Já nas alíneas ‘a’ a ‘g’, encontram-se as circunstâncias qualificadores da

fraude fiscal,142 sendo que a pena, nestas hipóteses, será de prisão de cincos anos

para pessoas físicas e multa de 240 a 1200 dias para pessoas jurídicas, quando

forem praticadas mais de uma das condutas previstas nas alíneas citadas.

Para que ocorra a fraude fiscal qualificada, não basta a incidência de apenas

uma das hipóteses previstas no artigo 104. É necessário que duas ou mais

qualificadoras se unam à figura típica do artigo 103 do RGIT.

Ainda sobre a fraude qualificada, pela leitura do artigo 104, percebe-se que o

rol apresentado pelo legislador é taxativo, na medida em que este determina quais

são as circunstâncias que agravam o delito e, consequentemente, aumentam a pena

do agente.

Por fim, o RGIT traz em seu artigo 105 o crime de abuso de confiança que

ocorre quando o agente não entrega “à administração tributária, total ou

parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos

termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar.”

142 Art. 104. 1-.... a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária; b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções; c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções; d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária; e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro; f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável; g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais.

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Trata-se de um típico delito de apropriação indébita ou de substituição

tributária, onde o legislador português procurou “impedir e prevenir o desvio de

créditos tributários punindo-se o agente que violar a específica relação de confiança

pelo facto de não entregar à Administração Fiscal as quantias que recebeu e

deduziu.”143

Outrossim, para a configuração do artigo 105, o legislador português elencou

no nº 4º144 duas condições de punibilidade, ou seja, requisitos para que a conduta do

agente torne-se punível na esfera penal.

A primeira delas é que só haverá crime após o decurso do prazo de 90 dias

para o recolhimento do tributo aos cofres públicos, ou seja, o crime de abuso de

confiança fiscal somente restará consumado após o transcurso deste prazo. Caso o

recolhimento ocorra dentro deste lapso temporal, o agente deve responder apenas

pela contra-ordenação prevista no artigo 114, nº 1, do RGIT, que prevê que dispõe

que “a não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período

superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da

prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o

valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite

máximo abstractamente estabelecido.”

A outra hipótese de condição de punibilidade elencada no nº 4, alínea b, do

artigo 105, é a que determina que o agente, que declarou corretamente ao fisco o

valor dos tributos, mas sem contudo proceder o seu recolhimento, somente será

punido penalmente após o lapso temporal de 30 dias contados da respectiva

notificação da autoridade fazendária.

143 MARQUES. Paulo, Crime de Abuso de Confiança Fiscal, p. 38. 144 Art. 105... 4- Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se: a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação; b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.

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Segundo Paulo Marques, este dispositivo legal demonstra “que o sistema

penal fiscal privilegia e incentiva o cumprimento das obrigações fiscais (principiais

e/ou acessórias), recorrendo-se aos instrumentos coactivos penais apenas quando a

colaboração dos contribuintes não é conseguida num patamar aceitável (Princípio da

subsidiariedade do Direito Penal), sendo então uma espécie de crime de

desobediência em face da notificação emitida pela Administração Tributária.”145

Sobre a pena pela prática do crime de abuso de confiança fiscal, o artigo 105

do RGIT prevê uma sanção de prisão de até três anos ou multa de até 360 dias.

Caso valor do tributo não entregue aos cofres públicos seja superior a 50000 euros,

a pena, nos termos do nº 5 do mesmo artigo 105, será de prisão de um a cinco anos

e de multa de 240 a 1200 dias, caso o agente seja pessoa jurídica.

5.2 Direito espanhol.

Os delitos contra a Fazenda Pública e a Seguridade Social na legislação

espanhola, encontram-se previstos no Título XIV do Livro II do Código Penal

espanhol, mas precisamente entre os artigos 305 (fraude tributária); artigo 306

(fraude aos pressupostos da Comunidade Européia); 307 (fraude contra a

seguridade social) e artigo 308 (fraude contra os fundos da Comunidade Européia).

Para o objeto de estudo deste trabalho, faremos a partir de agora uma análise

do artigo 305 do Código Penal espanhol, que dispõe sobre a fraude fiscal

(defraudacion tributaria).

Este dispositivo legal visa punir “aquele que, por ação ou omissão, frauda a

Fazenda Pública autônoma e local, iludindo o pagamento de tributos, bem como que

viola a obrigação de reter, ou de reter e entregar, total ou parcialmente,

determinadas quantias a título de imposto ou ainda obtendo indevidamente

devoluções, bem como desfrutando de benefícios fiscais da mesma natureza, desde 145 MARQUES. Paulo, op.cit., p. 126.

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que o valor da fraude ou do respectivo benefício indevido seja superior a cento e

vinte mil euros.”

As condutas típicas previstas no artigo em comento são primeiramente a obter

a vantagem ilícita no pagamento de tributos, através de ação ou da omissão do

agente, que segundo Susana Aires de Souza, ao discorrer sobre o tema, podem ser

“através omissão de factos com relevância tributária ou mediante a utilização de

dados falsos.”146

Ainda nos termos do artigo 305 do Código Penal espanhol, a fraude tributária

ocorre quando o agente retém, ou retém e não repassa aos cofres públicos impostos

por ele recolhidos na qualidade de substituto tributário.

Por fim, a fraude tributária, nos termos do citado artigo, pode ocorrer ainda em

casos de obtenção de benefícios fiscais e reembolsos ilegais que causem prejuízo

ao erário público.

Pela a breve análise da legislação espanhola que trata dos crimes tributários,

é possível perceber a preocupação do legislador em proteger à ordem tributária

daquele país, sem contudo deixar de estabelecer uma nítida fronteira entre o direito

penal e o direito administrativo sancionador, na medida em que as condutas acima

descritas somente receberão a tutela penal, caso o valor do tributo sonegado ou do

benefício obtido ilegalmente seja superior a cento e vinte mil euros.

Assim, caso o valor da fraude seja inferior a este quantia, o agente

responderá apenas pelas sanções cabíveis na esfera administrativa.

Sobre as penas aplicadas pela prática dos crimes elencados no artigo 305 do

Código Penal, as mesmas são cumulativas, ou seja, prisão de um a cinco anos e

146 SOUSA. Susana Aires, op. cit., p. 159.

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multa de até ao sêxtuplo da quantia sonegada. No entanto, estas penas poderão ser

agravadas pela metade, se ocorrem as hipóteses previstas nas alíneas ‘a’ e ‘b’ do

artigo 305, quais sejam: a utilização de terceiros com o intuito de ocultar a identidade

do verdadeiro agente e a grávida da fraude fiscal praticada em virtude do valor

sonegado, bem como a existência de uma estrutura organizada que a arrecadação

do Estado.

Além disso, a Lei nº 15/2003, acrescentou ao citado artigo, que, além das

penas ora citadas, o agente condenado pela prática de fraude fiscal, ficará pelo

período de três a seis anos, impossibilitado de obter subsídios estatais, bem como

gozar de benefícios e incentivos fiscais concedidos pela Seguridade Social.

Por fim, a lei penal espanhola prevê ainda no nº 4 do artigo 305 do Código

Penal, a possibilidade da extinção da punibilidade do agente mediante o pagamento

do débito tributário, desde que antes da notificação pela administração tributária do

início do processo administrativa, ou, na ausência deste, do início do processo penal.

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CAPÍTULO III - PREVISÃO LEGAL E SISTEMA PENAL DE PR OTEÇÃO À

ORDEM JURÍDICA TRIBUTÁRIA.

1. A tutela penal das obrigações tributárias na Con stituição Federal.

Para que um determinado bem jurídico recebe a tutela penal do Estado, é

necessário primeiramente verificar a sua importância perante as relações sociais,

pois “em um Estado democrático e social de Direito, a tutela penal não pode vir

dissociada do pressuposto do bem jurídico, sendo considerada legítima, sob a ótica

constitucional, quando socialmente necessária.”147

Já é sabido que “as Constituições contemporâneas tem uma série de

preceitos destinados a alargar a incidência do direito criminal no sentido de fazê-lo

um instrumento de proteção de direitos coletivos, cuja tutela se impõe para que haja

uma justiça mais autêntica, ou seja, para que se atendam as exigências de Justiça

material.”148

No que tange às Obrigações Tributárias, a sua proteção está embasada

dentro do ordenamento do Estado como “um sistema destinado, essencialmente, a

servir de instrumento ao alcance das metas de justiça e igualdade sociais.149Tanto

que dentro da atividade financeira do Estado, a arrecadação tributária mostra-se

atualmente essencial para o custeio dos programas sociais destinados,

principalmente, à concretização da dignidade da pessoa humana.

Neste sentido, a Constituição Federal de 1988, em artigo 170, tutela a ordem

econômica, ao prever que esta tem por fim assegurar a todos existência digna,

conforme os ditames da justiça social.

147 PRADO. Luiz Regis, Bem Jurídico-Penal e Constituição, p. 72. 148 LUISI. LUIZ, Os Princípios Constitucionais Penais, p. 57. 149 SALOMÃO. Heloisa Estellita, A Tutela penal e as Obrigações Tributárias na Consituição Federal, p. 180.

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Já em relação a ordem tributária, o fundamento constitucional primário de sua

imposição encontra-se previsto no art. 3º, I a IV da Constituição, que estabelece os

objetivos fundamentais do Estado, dentre eles a construção de uma sociedade livre,

solidária, isenta de pobreza e desigualdades sociais, além da construção do bem de

todos.

O alcance destes objetivos elencados na Carta Constitucional demonstra a

importância da arrecadação tributária dentro do atual cenário nacional, pois são os

tributos recolhidos aos cofres que irão subsidiar a máquina estatal neste sentido.

Assim, arrecadação tributária “representa um valor superindividual, com

relevância constitucional e indiretamente reconduzível à pessoa humana, apto,

portanto, a ser tutelado com o emprego da sanção penal, ou seja, sob o ãngulo do

merecimento de pena.”150

No entanto, é oportuno salientar que a tutela penal referente á ordem tributária

somente deve recair sobre as condutas graves, praticadas dolosamente no sentido

de fraudar o erário público. Esta assertiva é importante para se evitar o emprego da

tutela penal contra o mero inadimplemento da obrigação principal de pagar o tributo.

2. Conceito de direito tributário.

Conforme explanado, é inegável a importância do direito tributário dentro do

cenário econômico de um país, tanto que, no Brasil, a sua proteção é assegurada

pelo direito penal.

150 SALOMÃO. Heloisa Estellita. op. cit., p. 188.

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Paro Luciano Amaro, “direito tributário é a disciplina jurídica dos tributos. Com

isso se abrange todo o conjunto de princípios e normas reguladores da criação,

fiscalização e arrecadação das prestações de natureza tributária.”151

Já para Rubens Gomes de Sousa, direito tributário é o “ramo do direito público

que rege as relações jurídicas entre o Estado e os particulares, decorrentes da

atividade financeira do Estado no que se refere à obtenção de receitas que

correspondam ao conceito de tributos.”152

No mesmo sentido, Hugo de Brito Machado, ao defender que a relação

tributária é uma relação jurídica, razão pela qual o tributo é pago em cumprimento a

um dever jurídico e não social153, conceitua o Direito Tributário “como o ramo do

Direito que se ocupa das relações entre o fisco e as pessoas sujeitas a imposições

tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão

contra os abusos desse poder.154

Paulo de Barros de Carvalho vai além ao definir que “direito tributário positivo

é o ramo didaticamente autônomo do direito, integrado pelo conjunto de proposições

jurídico-normativas que correspondam, direta ou indiretamente, à instituição,

arrecadação e fiscalização de tributos.”155

Percebe-se assim, que todos os doutrinadores visualizam o direito tributário

como um ramo do direito destinado a disciplinar a relação jurídica entre Estado e

particular, e vice-versa, voltada à arrecadação tributária. Seria uma bifurcação do

Direito Financeiro, sendo este mais abrangente.

151 AMARO. Luciano, Direito Tributário Brasileiro, p. 2. 152 SOUZA. Rubens Gomes de, Compêndio de legislação tributária, p. 40. 153 Cf. MACHADO. Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário, p. 58. 154 Ibid., p. 59 155 CARVALHO. Paulo de Barros, Curso de Direito Tributário, p. 15.

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Além desta relação entre Estado e contribuinte, o direito tributário manteria

relações com outros ramos do direito, como o civil, administrativo, trabalho e,

principalmente, o direito penal, como cita Luciano Amaro:

O direito penal, além de sancionar criminalmente os ilícitos tributários

considerados mais graves, fornece ao direito dos tributos um conjunto de

princípios extremamente útil no campo das infrações e penalidade fiscais de

caráter não delituoso.156

Contudo os conceitos apresentados são mais amplos, sendo que o direito

tributário não se restringe apenas a disciplinar a relação entre o fisco e contribuinte,

tendo em vista que a sua finalidade é “promover o equilíbrio nas relações entre os

que têm e os que não têm poder.157

2.1 Princípios constitucionais orientadores da orde m tributária.

“Etimologicamente, o termo ‘princípio’ (do latim principium, principii) encerra a

idéia de começo, origem, base. Em linguagem leiga é, de fato, o ponto de partida e o

fundamento (causa) de um processo qualquer. (...) Por igual modo, em qualquer

Ciência, princípio é começo, alicerce, ponto de partida. Pressupõe, sempre a figura

de um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a demonstração

de algo. Nessa medida, é, ainda, pedra angular de qualquer sistema.”158

Os princípios constitucionais orientadores da ordem tributária devem ser

entendidos como mecanismos voltados a limitar a atividade do legislador na criação

dos tributos, ou seja, seria uma limitação à competência tributária, expressamente

prevista na Constituição Federal de 1988, em seus artigos 150 a 152, (Limitações ao

Poder de Tributar).

156 AMARO. Luciano, op. cit., p. 13. 157 MACHADO. Hugo de Brito., Curso de Direito Tributário, p. 59. 158 CARRAZZA. Roque Antonio, op. cit., p. 30.

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Conforme observa Luciano Amaro, “o exercício do poder de tributar supõe o

respeito às fronteiras do campo material de incidência definido pela Constituição

Federal e a obediência às demais normas constitucionais ou infraconstitucionais que

complementam a demarcação desse campo e balizam o exercício daquele poder.159

Ainda sobre os princípios orientadores da ordem tributária, deve ficar

consignado que “são preposições que atingem um grau praticamente exaustivo de

normatividade.”160, ou seja, que não dependem de outras explicações para se definir

a sua extensão de aplicação.

Dentre os princípios constitucionais que orientam a ordem tributária,

destacam-se os seguintes:

2.1.1 Princípio da legalidade

Trata-se do enunciado fundamental para elaboração de qualquer norma

tendente a disciplinar as relações sociais, e em especial, a ordem tributária, e tem a

sua origem histórica na Inglaterra, mais precisamente na Carta Magna de 1215, do

Rei João Sem Terra. Na oportunidade os barões impuseram ao rei a necessidade de

obtenção prévia de autorização dos súditos para a cobrança de tributos

Nos dias atuais, a sua previsão constitucional no inciso I, do artigo 150, da

Constituição Federal, cuja redação menciona, em linhas gerais, que é vedado exigir

ou aumentar tributo senão em virtude de lei.

Em que pese legalidade tributária, através da limitação ao poder de tributar,

visar evitar que a segurança jurídica seja ofendida, o mais importante neste contexto,

159 AMARO. Luciano, Direito Tributário Brasileiro, p. 106. 160 Ibid., p. 110.

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é verificar a semelhança do princípio constitucional da legalidade em matéria

tributária, com a legalidade voltada para o Direito Penal, prevista no artigo 5º, XXXIX,

da CF.

.

Heloísa Estellita Salomão afirma que há “semelhança política, ideológica e,

até, jurídica entre a estrita legalidade penal e a estrita legalidade tributária. Naquele

garante-se energicamente a liberdade; neste a propriedade, ambos direitos

fundamentais do homem (art. 5º , caput, da CF).”161

A legalidade tributária, como já visto acima, visa proteger o patrimônio dos

contribuintes, ao determinar que a tributação só deve incidir em hipóteses previstas

em lei, ou seja, somente esta é que pode determinar o fato gerador, a hipótese de

incidência, alíquota, o órgão competente para arrecadar e fiscalizar a arrecadação,

bem como cominar as sanções cabíveis em caso de descumprimento da regra

tributária.

2.1.2 Princípio da irretroatividade .

O princípio da irretroatividade tributária encontra-se previsto no artigo 150, III,

“a”, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual é vedado cobrar um tributo

sobre fatos geradores ocorridos antes da entrada em vigor da lei que os instituiu ou

que determinou o seu aumento.

Visa-se este princípio, por exemplo, que um determinado fato sofra a

incidência de um tributo criado por uma lei posterior ao seu acontecimento, ou seja, o

princípio da irretroatividade veda a aplicação da lei tributária a fatos passados.

161 SALOMÃO. Heloisa Estellita, op. cit., p. 138.

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2.1.3 Principio da anterioridade.

A anterioridade da lei tributária, segundo Heloísa Estellita Salomão,

“estabelece a exigência de que a cobrança do tributo ou seu aumento somente

possam ser feitos no exercício financeiro posterior à entrada em vigor da lei que os

houver instituído ou aumentado”.162

Trata-se de uma forma de limitação ao poder de tributar, mas que, contudo,

admite exceções, como as previstas nos artigos 148, I, 150, § 1º da CF.

2.1.4 Princípio da isonomia.

Nos termos do artigo 150, II, da CF, é vedado à União, aos Estados, ao

Distrito Federal e aos Municípios “instituir tratamento desigual entre contribuintes que

se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de

ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da

denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.”

Este comando constitucional materializa o princípio da isonomia tributária, que

nada mais é que uma reafirmação da norma contida no caput do artigo 5º da CF e

que impõe tratamento igual aos iguais.

3. Ordem tributária e proteção penal.

Dentre as funções e deveres do Estado, encontra-se a proteção aos bens

jurídicos “próprios e os de todos que se submetem a sua soberania.”163 Esta

proteção, por sua vez, é manifestada por meio das normas elaboradas pelo próprio

Estado e que visam, além de proteger o ordenamento jurídico, delimitar direitos e

162 SALOMÃO. Heloisa Estellita, op. cit., p. 139. 163 MACHADO. Hugo de Brito, Crimes Contra a Ordem Tributária, p. 18.

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obrigações de cada individuo, impondo para tanto, a aplicação de uma reprimenda,

penal ou administrativa.

Já esta reprimenda, materializada por intermédio da sanção, que em

nenhuma hipótese pode ofender os direitos e garantias individuais previstos no artigo

5º da CF, nada mais seria que o resultado da execução da norma criada manter o

ordenamento jurídico de forma harmônica.

Estas normas, que cuidam da manutenção do ordenamento jurídico, bem

como das reprimendas, formam o Direito Penal. Este, consequentemente, subdivide-

se em diversos ramos, especialmente o Direito Tributário. Assim, ao juntarmos o

Direito Penal e o Direito Tributário, teremos um ramo do direito voltado à proteção

penal da ordem tributária.

Contudo, antes de entrarmos na questão da proteção penal à ordem tributária,

é oportuno colacionar o conceito deste instituto.

A palavra ordem, contida na expressão “ordem tributária” tem o mesmo

significado que tem na expressão “ordem jurídica”. Segundo Hugo de Brito Machado,

“enquanto a expressão ordem jurídica designa o conjunto sistematizado de normas

que compõem o direito positivo de um Estado, a expressão ordem tributária designa

o conjunto das normas que disciplinam o exercício do seu poder de tributar.”164

Desta forma, assim como a ordem jurídica visa disciplinar como um todo, as

relações existentes entre os três entes públicos que formam um Estado, quais sejam,

união, estados e municípios, a ordem tributária atua nestes níveis de organização

política, como responsável por todo ordenamento de leis vinculadas à atividade de

tributação.

164 MACHADO. Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário, p. 135.

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Já a competência para exercer a atividade de tributação no Brasil é totalmente

do Estado, sendo que se torna assim, uma atividade indivisível e ligada à soberania

nacional, ou seja, o Estado não pode delegar a um terceiro a tarefa de criar leis que

instituam e aumentam tributos, bem como isenções.

Logo, quando uma determinada conduta ofende ordem tributária, a mesma

está ofendendo a soberania de um Estado, pois a mesma compõe toda a esfera de

tributação, seja da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Assim, nada mais

salutar que, para protegê-la, bem como a atividade de tributação, o Estado lance

mão do direito penal.

Não obstante a isso, dentro desta proteção dispensada à ordem tributária,

surge o bem jurídico a ser tutelado por esta através da seara penal, que num

primeiro momento pode parecer que este bem seria o interesse do Estado na

arrecadação tributária, devido à importância que os tributos possuem na atividade

estatal em busca de um bem como em favor da sociedade.

Este é o pensamento de Luiz Regis Prado ao afirmar que “a tutela penal da

ordem tributária se encontra justificada pela natureza supraindividual, de cariz

institucional, do bem jurídico, em razão de que são os recursos auferidos das

receitas tributárias que darão o respaldo econômico necessário para a realização

das atividades destinadas a atender às necessidades sociais. Tal assertativa é

corroborada pela proteção constitucional conferida à ordem tributária (art. 170 da

CF).”165

Em termos de estudo comparado, Susana Aires de Sousa, ao discorrer sobre

o tema no direito português afirma que “o bem jurídico-penal protegido pelos crimes

fiscais coincide, assim, a nosso ver, com a obtenção das receitas fiscais.”166

165 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 265. 166 SOUSA. Susana Aires de, op. cit., p. 299.

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Contudo, diante do conceito de ordem tributária exposto a pouco, não seria

correto dizer que ao proteger bem jurídico tributário, o direito penal estaria

protegendo exclusivamente o interesse da Administração Pública na arrecadação de

tributos. Se assim fosse, não haveria como justificar a previsão de crime contra a

ordem tributária, das condutas praticadas pelos funcionários públicos praticadas

contra a administração, como as previstas no artigo 3º da Lei nº 8.137/90, ou

mesmo, no caso do crime de excesso de exação, previsto no parágrafo único do

artigo 316 do Código Penal.

Hugo de Brito Machado afirma que “realmente, nos crimes contra a ordem

tributária, como esta expressão bem diz, o bem jurídico protegido é a ordem

tributária e não o interesse na arrecadação do tributo. A ordem tributária, como bem

jurídico protegido pela norma que criminaliza o ilícito tributário, não se confunde com

o interesse da Fazenda Pública. A ordem tributária é o conjunto das normas jurídicas

concernentes à tributação. É uma ordem jurídica, portanto, e não um contexto de

arbítrio. É um conjunto de normas que constituem limites ao poder de tributar e,

assim, não pode ser considerado instrumento do interesse exclusivo da Fazenda

Pública como parte nas relações de tributação.”167

Portanto, observa-se que a proteção à ordem tributária, além de tutelar o

interesse da administração pública na arrecadação de tributos, abrange também todo

um ramo do serviço público voltado às normas que regem a tributação, o que

demonstra que o interesse do Estado está muito acima do dever de cobrar tributos

do particular. Isso pode ser comprovado pela proteção que o direito penal dispensa

tanto ao interesse da fazenda pública na arrecadação, quanto na proteção do

particular ou contribuinte que, na maioria das vezes, é a parte hipossuficiente desta

relação.

167 MACHADO. Hugo de Brito, Crimes Contra a Ordem Tributária, p. 23.

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3.1 Tipos penais tributários.

Os tipos penais responsáveis pela proteção à ordem tributária encontram-se

elencados nos artigos 1º a 3º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990.

Dentre estes, os artigos 1º e 2º versam sobre os crimes praticados por

particulares contra a fazenda pública, sendo que os tipos penais tributários estão

previstos no caput do artigo 1º.

3.1.1 A figura típica do artigo 1º.

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo,

ou contribuição social e qualquer acessório, median te as seguintes

condutas : (grifo nosso)

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades

fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou

omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela

lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou

qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba

ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou

documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de

serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no

prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da

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maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao

atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

As primeiras condutas típicas previstas no caput artigo 1º são as de suprimir e

reduzir tributos, ou contribuição social e qualquer acessório. Já nos incisos,

encontram-se elencadas as diversas hipóteses pelas quais isso pode acontecer.

Pela leitura do referido dispositivo legal, “verifica-se que as condutas neles

previstas podem ser omissivas, comissivas ou ambas, implicando a prática de várias

delas em um único crime, desde que se refiram a um mesmo objeto ou fato

imponível.”168

Ainda sobre os tipos penais previstos no artigo 1º, Suprimir, segundo Luiz

Regis Prado, “significa omitir, não cumprir a obrigação tributária devida, não recolher

o que deveria ter sido pago. É evasão total.” Já a redução, segundo o mesmo autor,

“equivale a diminuir, restringir o quantum de tributo a ser recolhido, É a inadimplência

parcial ou incompleta da obrigação por parte do devedor.”169

É importante frisar que “se a conduta não tem o condão de reduzir ou de

suprimir o tributo, ou seja, se não produz resultado algum em relação aos tributos

e/ou acessórios, inexiste a figura típica.”170

Observa-se ainda que a fraude é um elemento essencial para a ocorrência

dos crimes contra a ordem tributária, sendo que a supressão ou redução de tributos,

contribuição social ou qualquer acessório, devem decorrer essencialmente de

comportamento anterior fraudulento e doloso, sob pena da conduta do agente ser

atípica.

168 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentadas, p. 243. 169 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 273. 170 LOVATTO. Alécio Adão, Crimes Tributários. Aspectos Criminais e Processuais, p. 96.

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Passaremos agora, a análise das condutas previstas nos incisos I a V, do

artigo 1º da Lei nº 8.137/90.

3.1.2 Modalidades específicas de condutas

3.1.2.1 Inciso I – Omissão ou prestação de informaç ão falsa.

No inciso I, do artigo 1º da Lei nº 8.137/90, encontram-se previstas duas

modalidades de condutas pelas quais poder ocorrer a supressão ou redução de um

tributo.

A primeira delas é a omissão de informações às autoridades fazendárias,

sendo esta portanto, uma conduta omissiva. Já a segunda, é a prestação de

informações falsas, que é uma conduta comissiva. Ambas, para serem

caracterizadas como crime tributário, devem que ser praticadas com finalidade a

reduzir ou suprimir tributo.

As situações em questão podem ocorrer no lançamento por declaração ou

misto, previsto no artigo 147 do CTN, e que “é efetuado com base na declaração do

sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária,

presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato, indispensáveis

à sua efetivação.”171

Esta modalidade de lançamento é materializada na declaração de imposto de

renda, onde “o contribuinte, por meio de uma declaração, presta informações sobre

as matérias de fato e o fisco ou a autoridade administrativa, com base na declaração,

efetua o lançamento, razão por que é denominado de lançamento por declaração.”172

171 ICHIHARA. Yoshiaki, Direito Tributário, p. 138. 172 Ibid., p. 138.

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Um exemplo clássico desta conduta ocorre quando o contribuinte, visando

aumentar a sua restituição de imposto de renda, lança mão em sua declaração de

renda, de recibos médicos falsificados. Outro exemplo é a do profissional liberal que

omite a receita oriunda de uma prestação de serviços.

Há ainda os casos envolvendo o Imposto sobre a circulação de mercadorias –

ICMS e o Imposto sobre Importação – IPI, onde o contribuinte informa as operações

realizadas, realiza o pagamento dos tributos com base nas mesmas, cabendo ao

fisco realizar a homologação em momento posterior. Logo, se nesta declaração

houver a omissão ou a prestação de informações falsas, certamente o valor a ser

recolhido aos cofres públicos será suprimido ou reduzido, dependendo da

circunstância.

Conforme assevera Aliomar Baleeiro, “até prova em contrário (e também são

provas os indícios e as presunções veementes), o Fisco aceita a palavra do sujeito

passivo, em sua declaração, ressalvado o controle posterior, inclusive nos casos do

art. 149 do CTN.”173

De outra sorte, não há que se falar em sonegação fiscal, se o sócio de uma

determinada empresa, v.g. deixa de recolher os impostos ao fisco sem que haja para

tanto a prestação de informações falsas ou omissão destas. É o que acontece, por

exemplo, na modalidade de imposto de renda de pessoa jurídica que foram

declarado e não pago, onde o sujeito passivo da obrigação tributária não pratica

nenhuma omissão ou prestação de informação falsa na sua declaração de imposto

de renda.

Contudo, por não possuir recursos financeiros para arcar com o pagamento

dos tributos oriundos da obtenção das receitas, o contribuinte simplesmente não

realiza os respectivos recolhidos, sendo que neste, somente caberá a cobrança da

dívida da esfera tributária.

173 BALEEIRO. Aliomar, Direito Tributário Brasileiro, p. 513.

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Estes são alguns exemplos de omissão ou de prestação de informações

falsas às autoridades fazendárias, sendo que o mais importante neste momento é

estabelecer a premissa de que estas condutas, para caracterizarem a ocorrência do

delito previsto no inciso I, do artigo 1º da Lei nº 8.137/90, devem causar o efetivo

prejuízo ao Erário Público, por meio da supressão ou redução de um tributo, na

medida em que se trata de um crime material.

Roberto Delmanto expõe bem este raciocino:

Pune-se a conduta daquele que, através da prática de quaisquer das

condutas descritas nos incisos I a V, causar a supressão ou a redução do

tributo ou contribuição social, sendo que este resultado imprescindível à

caracterização do crime.174

Os nossos tribunais também têm se manifestado neste sentido:

...

O tipo penal exige a ocultação fraudulenta de dado patrimonial relevante no

bojo da própria declaração, com a finalidade de obstar a fiscalização do

Estado. Precedente da 1ª Seção desta Corte.175

...

Tendo o réu apresentado sucessivas declarações de imposto de renda como

(sic) omissões de grande parte de seus bens, o mesmo acarretou efetivo

prejuízo ao erário, ao não realizar o recolhimento do tributo devido, realizando

a conduta do art. 1º, I, da lei .º 8.137/90.”176

174 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentadas, p. 242. 175 ACR – 15369 – 2ª Turma do TRF da 3ª Região – Des. Federal Cotrim Guimarães. 176 ACR – 16382 – 2ª Turma do TRF da 3ª Região – Des. Federal Cotrim Guimarães.

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No entanto, na hipótese de ocorrer apenas a inserção de elementos inexatos

ou a omissão de informações, sem que haja o resultado sonegação, nós estaremos

diante do crime definido no artigo 2º, I, da referida lei, e que será objeto de estudo

nos próximo item deste capítulo.

Por fim, a título de ilustração, é importante ressaltar que se, a omissão ou a

prestação de informações falsas versarem sobre contribuições previdenciárias, nós

estaremos diante da ocorrência do delito previsto no artigo 337-A do Código Penal.

3.1.2.2 Inciso II – Fraude pela inserção de element os inexatos ou pela

omissão de operação.

No inciso II, do artigo 1º da Lei nº 8.137/90 prevê mais uma modalidade de

supressão ou redução de tributos, qual seja, “fraudar a fiscalização tributária,

inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em

documento ou livro exigido pela lei fiscal.”

Pela simples leitura do referido dispositivo, percebe-se uma semelhança com

o inciso I do mesmo artigo 1º. Contudo, enquanto naquele a supressão ou redução

do tributo são realizadas pela simples omissão ou prestação/declaração de

informações falsas às autoridades fazendárias, aqui, o delito resta configurado

quando a omissão ou a inserção de elementos ocorre em documentos ou livros

fiscais exigidos pela lei fiscal, sendo que desta forma, percebe-se que o inciso II é

mais abrangente que o inciso I.

O tipo penal em questão caracteriza-se ainda pela fraude de lesar o Erário

Público. Por fraude podemos entender como o “artifício, que é a utilização de um

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aparato que modifica, aparentemente, o aspecto material da coisa ou da situação

etc.”177

Ainda sobre a fraude, mas especificamente sobre a prevista no inciso II, do

artigo 1º, Alécio Adão Lovatto, afirma que ela “ocorre pela falsidade de ação (inserir

elementos inexatos) ou de omissão (omitir operações) nos documentos onde deveria

constar a verdade ou onde deveria estar registrada a operação.”178

Na inserção de elementos inexatos em documentos ou livros fiscais exigidos

pela lei fiscal, nós temos uma conduta de natureza comissiva. Já na omissão, que se

caracteriza pela ação de não mencionar ou não incluir os fatos em livros e

documentos fiscais, a conduta é de índole omissiva. Para Roberto Delmanto, “nesta

modalidade, o crime seria comissivo por omissão (também chamado de omissivo

impróprio), ou seja, o agente comete uma fraude (com resultado naturalístico)

mediante uma omissão.”179

Como exemplos típicos destas duas condutas, nós temos os seguintes casos:

a) Ausência de registro de entrada e saída de mercadorias nos respectivos

livros fiscais.

Nessa hipótese, o autor do delito adquire mercadorias sem notas fiscais,

inserindo-as em seu estoque e posteriormente, as revende em seu comércio, sem

contudo realizar os registros nos livros de entrada e saída. Esta pratica, por não ser

escriturada contabilmente, acarreta na supressão de tributos, na medida em que há

uma omissão de informações que impossibilita o fisco de realizar a cobrança do

tributo oriundo destas informações.

177 MIRABETTE. Julio Fabbrini, Código Penal Interpretado, p.1549. 178 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 104. 179 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentados, p. 257.

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b) Nota “espelhada” ou “calçada”.

Exemplo clássico de redução de tributos, mediante a inserção de elementos

inexatos em documento exigido pela lei fiscal. Nesta prática, o agente insere na via

da nota fiscal destinada ao consumidor, o valor correto da operação. Já na via cativa,

ou seja, aquela que fica retida no bloco, que posteriormente será objeto de análise

pelo fisco, o valor da operação é registrado a menor, o que acarreta no recolhimento

a menor do respectivo tributo.

Ainda sobre o tema, a jurisprudência se manifesta no seguinte sentido:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 1º, INCISO I, DA LEI Nº

8.137/90. VIOLAÇÃO AO ART. 619, DO CPP. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA

DEVIDAMENTE PREQUESTIONADA. ATIPICIDADE DA CONDUTA EM

RAZÃO DA AUSÊNCIA DE DOLO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

DOSIMETRIA DA PENA-BASE. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. REDUÇÃO

DA PENA. ATENUANTE DO ART. 65, III, "D", DO CP. NÃO INCIDÊNCIA.

AUSÊNCIA DE CONFISSÃO. FIXAÇÃO DA PENA DE MULTA. CRITÉRIO

BIFÁSICO. QUANTUM DO DIA-MULTA. PROPORCIONALIDADE COM A

PENA-BASE. INOCORRÊNCIA. PENA PECUNIÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO.

I...

II - Se o v. acórdão recorrido demonstrou de forma funda mentada o

animus do recorrente consistente na inserção de inf ormações falsas nas

Declarações de Contribuições de Tributos Federais ( DCTF), resta

devidamente caracterizado o delito tipificado no ar t. 1º, I, da Lei nº

8.137/90.

III...

IV...

V...

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82

VI...180

Sobre a fiscalização tributária, que seria o órgão atingido pelas condutas ora

expostas, tem que se que ela “deve ser entendida como o corpo administrativo

responsável pela verificação da regularidade das operações do sujeito passivo,

abrangendo tanto o órgão arrecadador, abstrata e institucionalmente considerado,

quando seus agentes imbuídos das atribuições de fiscalização, auditoria, revisão e

julgamento dos fatos objeto de tributação.”181

Já no que tange às operações de qualquer natureza, é oportuno ressaltar que,

em que pese o dispositivo legal em comento não mencionar, é óbvio que o mesmo

se refere às operações que configurem o fato gerador de uma obrigação tributária.

E, além disso, “não é operação de qualquer natureza que pode tipificar o

crime de sonegação fiscal, mas somente aquela operação sobre a qual houver a

incidência de tributo. Em idêntico sentido, somente o registro de fatos tributáveis em

livros e documentos obrigatórios é que pode repercutir na caracterização do crime do

Artigo 1º, inciso II, da Lei nº 8.137/90.”182

Por fim, sobre os documentos e livros exigidos pela lei fiscal, observa-se que

estamos diante de uma norma penal em branco, cabendo assim à legislação

tributária federal, estadual e municipal definir quais seriam os livros e documentos

exigidos na operação de cada tributo.

180 HC nº 91.219/PE – 5ª Turma do STJ – Ministro Relator Felix Fischer. 181 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 275. 182 COSTA. Claudio, Crimes de Sonegação Fiscal, p. 83.

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3.1.2.3 Inciso III – Falsificação ou alteração de q ualquer documento

destinado à operação fiscal.

O tipo penal previsto no inciso III, do artigo 1º da Lei nº 8.137/90, prevê a

redução ou supressão de tributos por meio da falsidade material. A conduta em

questão é “falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou

qualquer outro documento relativo à operação tributável”.

Pela leitura do dispositivo legal acima citado, nós podemos observar que o

delito de sonegação fiscal “consubstancia-se nos núcleos verbais falsificar ou alterar.

A falsificação pode-se dar mediante contrafação (fabricação de uma cópia falsa

similar a um modelo verdadeiro) ou fabricação (formação de um documento falso ao

qual não corresponda um verdadeiro semelhante). A alteração consiste na

modificação, pelo acréscimo, adulteração ou supressão, de partes do conteúdo do

documento, v.g., rasura de valores, modificação de datas, de modo a adulterar seu

sentido original, levando-o a exprimir coisa diferente do que primitivamente

atestava.”183

Ainda sobre o tipo penal previsto no inciso III, do artigo 1º da Lei nº 8.137/90,

ressalta-se que a falsidade pode ser material ou ideológica. “Na falsidade material, o

que se frauda é a própria forma do documento, que é alterada, no todo ou em parte,

ou é forjada pelo agente, que cria um documento novo.184

Um exemplo desta conduta ocorre quando uma nota fiscal é “montada”, para

justificar a venda de um produto por uma empresa que não está regularmente

constituída. Assim, tendo em vista que esta empresa não pode emitir um documento

fiscal, os respectivos dados contidos neste documento, como CNPJ, Inscrição

estadual e municipal, o número de série da nota fiscal e até a autorização da

repartição fazendária para a confecção da nota fiscal de outras empresas são

utilizados para se fabricar uma nota fiscal da empresa irregular. Neste caso, “o 183 PRADO. Luiz Régis, Direito Penal Econômico, p. 276. 184 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentadas, p. 261.

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documento é falso, não gerando efeito aquilo que é inserido,”185 mesmo que o

respectivo conteúdo inserido, seja verdadeiro.

Já na falsidade ideológica, “ao contrário, a forma do documento é verdadeira,

mas o seu conteúdo é falso, isto é, a idéia ou a declaração que o documento contém

não corresponde a verdade.”186 Exemplo clássico desta conduta é a nota fiscal

“calçada” ou “espelhada”, citada em tópicos anteriores.

É oportuno frisar ainda que as falsidades previstas no inciso III, do artigo 1º da

Lei nº 8.137/90, para que surtam efeitos penais, devem primeiramente terem o

condão de iludir o fisco, ou seja, o falsum deve ser capaz de enganar a

administração tributária.

Além disso, os documentos falsos ou alterados devem ser necessariamente

utilizados para suprimir ou reduzir tributos, pois caso contrário não há que falar em

crime contra a ordem tributária. É o que acontece, v.g. com uma empresa que

“recebe uma nota fria e arquiva, mas diante de seus termos suspeitosos opta por não

incluir seus valores em eventuais compensações de tributo, ou seja, não a utiliza

para o fim de suprimir ou reduzir imposto, o crime não se consuma. É necessária,

nesta hipótese, a efetiva utilização do documento fiscal falso.”187

3.1.2.4 Inciso IV – Engenho de meios falsos e seu u so.

As condutas previstas no inciso IV, do artigo 1º da Lei nº 8.137/90, são as de

“elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber

falso ou inexato;”

185 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 111. 186 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentadas, p. 261. 187 COSTA. Claudio, op. cit., p. 90.

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Na Lei nº 4.729/65, que antecedeu a Lei nº 8.137/90, havia uma conduta

semelhante, porém mais restrita, que previa no IV do artigo 1º, que consistia em

“fornecer ou emitir documentos graciosos ou alterar despesas, majorando-as, com o

objetivo de obter dedução de tributos devidos à Fazenda Pública, sem prejuízo das

sanções administrativas cabíveis.”

Já na atual legislação, são cinco verbos nucleares da conduta que visa a

supressão ou redução de tributos e que demonstram “estarem voltados para o crime

das quadrilhas especializadas em lesar o Fisco.”188

Ainda sobre as modalidades de condutas, elaborar significa “formar, preparar

o documento.”189 Esta elaboração consiste tanto na fabricação de um documento

falso, como na adulteração de um verdadeiro, inserindo-se para tanto, elementos

que alterem o seu conteúdo original.

Já distribuir “é entregar o documento a outrem. Fornecer equivale também a

entregar, suprir, mediante contraprestação ou não. Emitir é expedir, pôr em

circulação. Utilizar é tirar proveito de, empregar com vantagem, servir-se.”190

Observa-se que o tipo penal em questão visa coibir a fabricação, distribuição

e utilização de dados fiscais de empresas, notas frias e outros documentos

fraudulentos na fraude contra a administração tributária.

Assim, como nos demais incisos do artigo 1º, a prática das modalidades

previstas no inciso IV, somente configurará crime contra a ordem tributária, se

houver a efetiva supressão ou redução de tributos, ou seja, não há que se falar no

delito em questão, por exemplo, se uma empresa, ao adquirir uma determinada

188 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 112. 189 PRADO. Luiz Régis, Direito Penal Econômico, p. 278. 190 Ibid., p. 278.

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mercadoria, receber uma nota fiscal fria e não registrá-la em seus livros fiscais para

se beneficiar do crédito decorrente desta operação.

Outro aspecto importante a ser destacado, é a questão do dolo. Em que pese

este assunto ser objeto de estudo mais a adiante, convém salientar que as condutas

previstas no inciso IV, somente são punidas a título de dolo.

Contudo, o legislador ao mencionar que “utilizar documentos que saiba ou

deva saber falso ou inexato” deixou clara a hipótese de dolo eventual no dispositivo

ora estudado. Esta prática é caracterizada, segundo Paulo José da Costa Jr, quando

“o agente assume o risco de realização do evento. Ao representar mentalmente o

evento, o autor aquiesce, tendo uma antevisão duvidosa de sua realização. Ao

prever como possível a realização do evento, não se detém. Age, mesmo à custa de

produzir o evento previsto como possível. Assume o risco, que é algo mais do que

ter consciência de correr o risco: é consentir previamente no resultado, caso este

venha a ocorrer.”191

Assim, se o agente se deparar com uma nota fiscal que, pela forma ou

conteúdo nela inserida, gere nele uma séria presunção de falsidade e, mesmo assim,

resolva utilizá-la, ele estará incidindo na prática de crime contra a ordem tributária,

na modalidade de dolo eventual.

Logo, não pode um contador ou um funcionário da área fiscal de uma

determinada empresa alegar que não tinha conhecimento ou que não desconfiou da

veracidade de documento, pois conforme assevera Claudio da Costa, o dolo

eventual nestas circunstâncias “se caracterizará somente quando, pelos mínimos

conhecimentos que o agente tenha de sua atividade, seja possível a ele perceber

algo de errado com o documento. “192

191 COSTA JR. Paulo José da, Direito Penal, p. 83. 192 COSTA. Claudio, op. cit., p. 90.

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3.1.2.5 Inciso V – Recusa ou omissão de forneciment o de documento.

O inciso V, do artigo 1º da Lei nº 8.137/90 prevê mais três modalidades de

supressão ou redução tributos e que estão dentre as mais habituais entre os

comerciantes brasileiros.

As condutas caracterizam-se em “negar ou deixar de fornecer, quando

obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa à venda de mercadoria ou

prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a

legislação.”

Pela leitura do dispositivo supra, percebe-se que os núcleos verbais do tipo

penal, são de negar, que é uma conduta comissiva, ou deixar de fornecer, que seria

uma conduta omissiva, bem como fornecer documento em desacordo com a

legislação, que seria uma conduta comissiva.

Negar “é não admitir a existência de, não conceder, recusar. Consiste na

manifestação clara de dissentimento em relação a determinada obrigação, é uma

afirmação com sentido negativo.”193 Trata-se da conduta do comerciante, v.g., que se

recusa a fornecer o ticket ou cupom fiscal ao cliente que realiza uma compra em seu

estabelecimento comercial.

Aspecto importante desta conduta, é que, para ela se caracterizar, é

necessário que a recusa em fornecer o documento fiscal seja expressa após a sua

solicitação.

Já a conduta de deixar de fornecer, “equivale a não entregar, abster-se de dar

alguma coisa a alguém, ao contrário da modalidade anterior, evidencia uma conduta

193 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 278.

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omissiva.”194 É caso, por exemplo, do agente que, após a realização da venda, e

aproveitando-se da inércia do comprador, não emite a nota fiscal.

Um aspecto controvertido que engloba esta duas condutas típicas, é a prisão

em flagrante do agente que se recusa expressamente a fornecer nota fiscal ou

daquele se omite a fornecê-la, na medida em que, rotineiramente nos deparamos

com tais comportamentos nos estabelecimentos comerciais.

Claudio Costa afirma que se o agente “emite a nota, mas não a entrega ao

consumidor ou se não a emite, mas lança a venda da mercadoria ou serviço em sua

escrituração contábil e recolhe os tributos respectivos, não há crime, pois

contabilmente o imposto foi lançado, o que exclui o dolo (...). Esse raciocínio também

se aplica, in totum, à conduta do contribuinte que se nega a fornecer a nota fiscal. Se

se nega a fornecer o documento, mas escritura a venda e recolhe os impostos

incidentes sobre a operação mercantil, ainda que passível de sanções de ordem

administrativa, não há crime por ausência do dolo de supressão ou redução de

tributo e por ausência da realização desse resultado.”195

O entendimento em questão está baseado no fato de que não houve lesão ao

Erário Público, tendo em vista que o seu objetivo final foi alcançado, qual seja, o

efetivo recolhimento do tributo gerado pela transação comercial.

Para Alécio Adão Lovatto, “o legislador, em razão do teor do inciso II, poderia

ter dispensado a existência do inciso V. Poderia ele ter criado um crime formal,

separado do artigo 1º, caracterizado pela conduta descrita no inciso.196”

194 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 278. 195 COSTA. Claudio, op. cit., p. 91. 196 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 116.

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Esta ideia permitiria a prisão em flagrante do agente que se recusa a fornecer

a nota ou documento fiscal, pois os crimes formais restam consumados no momento

da sua prática.

Outro aspecto que corrobora a desnecessidade de prisão em flagrante nas

hipóteses previstas no inciso V, está no fato de que se trata de crime material, ou

seja, para que ocorra a sua consumação, é necessária “a efetiva supressão ou

redução do tributo (...) o que se dá no momento da expiração do prazo para o seu

recolhimento, sem que o mesmo tenha se efetivado”197(grifo nosso), sendo que não

haveria crime no momento em que o agente deixasse de fornecer a nota fiscal ou

documento equivalente, pois a consumação do delito somente ocorreria quando

expirasse o prazo para o recolhimento do tributo, o que logicamente, não seria no ato

da prática das condutas previstas no inciso V, do artigo 1º.

Assim, diante todo o exposto, conclui-se que a prisão em flagrante decorrente

da não emissão de nota fiscal, seja ela em virtude da recusa expressa ou da

omissão em fornecê-la, é totalmente descabida e prematura na medida em que o

crime ainda não ocorreu.

Por último, há ainda a conduta de fornecer em desacordo com a legislação,

onde “opera-se a entrega, contudo, ela está em discordância com o previsto

legalmente.”198 Isso pode ocorrer quando o documento fiscal é emitido fora dos

padrões determinados na legislação tributária,.por exemplo, quando há a entrega de

uma nota fiscal ao cliente, sem que a mercadoria adquirida por este lhe seja

efetivamente entregue.

É importante ressaltar novamente, que a obrigação de recolher o tributo surge

somente com a ocorrência do fato gerador, ou seja, com a efetiva da mercadoria, o

que concretiza a operação de venda desta. Logo, se o bem ainda não foi entregue

ao destinatário, a respectiva nota fiscal deve permanecer no estabelecimento 197 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentadas, p. 245. 198 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 279.

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comercial, e posteriormente, acompanhar o produto quando for entregue ao seu

comprador.

Em sentido inverso, não há que se falar em crime, quando a operação

mercantil ou a prestação de serviço é cancelada, pois a lei fala em “venda de

mercadoria ou prestação de serviço, “efetivamente realizada.”

No mais, destaca-se novamente a necessidade de ocorrência da efetiva

supressão ou redução de tributo, para que as condutas previstas no inciso V sejam

consideradas delitos tributários.

Além disso, o presente dispositivo, assim como no inciso II, traz a hipótese de

norma penal em branco, “uma vez que a subsunção típica depende do recurso às

normas tributárias, em que estão consignadas as situações em que são obrigatórias

a emissão ou fornecimento da nota e quais documentos a ela equivalentes.”199

3.1.2.6 Parágrafo único – Obstrução à ação fiscal.

O parágrafo único, do artigo 1º, da Leinº 8.137/90, dispõe que:

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo

de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou

menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da

exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Busca o legislador com este dispositivo, evitar embaraços na ação

fiscalizadora, tendo em vista que o sujeito ativo do delito, devidamente intimado pela

199 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 279.

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autoridade competente, recusa-se ou retarda a entrega dos documentos exigidos por

lei inerentes à atividade tributária.

Por autoridade competente, entendemos que o inciso V refere-se

primeiramente ao agente fiscal, a quem competente para apurar eventual supressão

ou redução de tributos, bem como os magistrados, que, no decorrer uma

investigação ou de uma instrução probatória, tem a competência legal para

determinar a quebra sigilo bancário ou fiscal da pessoa investigada/processada.

Ainda sobre o sujeito ativo do delito, pune-se o individuo para a ordem da

autoridade é dirigida, ou seja, “naquele sobre o qual recai a exigência da

autoridade.”200 Neste caso, a obrigação recairia, por exemplo, na conduta do gerente

do banco que se recusa ou que retarda a entrega de um documento solicitado,

mediante ordem judicial, para se apurar eventual crime de sonegação fiscal.

Outrossim, entendemos que se a exigência, mesmo que emitida por

autoridade competente, for dirigida ao sócio-proprietário da pessoa jurídica

fiscalizada, ou para um terceiro, alheio ao quadro societário, que é nomeado, através

de procuração, como a pessoa responsável para atender a fiscalização tributária,

sendo assim, uma mera “ponte” entre a empresa e o fisco, não há que se falar no

delito previsto no inciso V, pois o atendimento desta exigência poderia acarretar na

auto-incriminação ou na produção de provas contra si mesmo, o que é vedado pela

constituição federal, nos termos do seu artigo 5º, LXIII.

No mais, para ser considerada como crime contra a ordem tributária, a

conduta objeto deste estudo, deve ser realizada com o intuito de garantir a efetiva

supressão ou redução do tributo, na medida em que se o agente fiscal não tiver

acesso aos livros contábeis e notas fiscais, jamais tomará conhecimento da prática

da atividade delituosa.

200 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentadas, p. 268.

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3.2 A figura típica do artigo 2º.

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou

fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de

pagamento de tributo;

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição

social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação

e que deveria recolher aos cofres públicos;

III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário,

qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou

de contribuição como incentivo fiscal;

IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo

fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de

desenvolvimento;

V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita

ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa

daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

O artigo 2º da Lei nº 8.137/90, “indica que os delitos tipificados nos cinco

incisos seguintes são da mesma natureza que os contidos no artigo 1º, ou seja,

estão incluídos na espécie crimes contra a ordem tributária, praticados por

particulares, com o fim de suprimir ou reduzir tributos, contribuição social ou qualquer

acessório.” 201

Contudo, diferentemente das condutas previstas nos incisos do artigo 1º, que

por serem crimes materiais, exigem, para a sua consumação, o resultado de reduzir 201 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 285.

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ou suprimir tributo, as figuras típicas contidas no artigo 2º da não reclamam a

ocorrência do resultado específico, na medida em que são crimes formais ou de

mera conduta.

Assim, diante da diferença existente em relação à consumação dos crimes, o

termo mesma natureza é criticado por alguns doutrinadores, tendo vista que a

diferença entre os dois tipos penais.

Para Claudio da Costa, “a separação pelo legislador das figuras penais

contidas no Artigo 1º daquelas elencadas no artigo 2º certamente se deveu à

diferença na escala penal que se entendeu aplicável às condutas previstas em um e

em outro artigo.” E continua ainda ao afirma que “que a menção a que os crimes

arrolados no Artigo 2º são “da mesma natureza” jurídica daqueles previstos no Artigo

1º nos leva obrigatoriamente à conclusão de que, em regra, tratamos de crimes que

reclamam a supressão ou redução do tributo para seu aperfeiçoamento, pois não

podem ser dogmaticamente considerados da “mesma natureza” crimes materiais e

crimes formais.”202

Roberto Delmanto, afirma que ao prever “o artigo 2º que ‘constitui crime da

mesma natureza’ a prática das condutas descritas nos incisos I a V. Quis o

legislador, com isso dizer que constitui crime ‘contra a ordem tributária praticada por

particulares’ a realização das condutas neles tipificadas.”203

No mesmo sentido, Alécio Adão Lovatto preconiza que “a mesma natureza

significa ordem tributária, sendo que, no artigo 1º, a ordem tributária é protegida de

forma clara e direta, vedando-se a falsidade, enquanto, no artigo 2º, outros aspectos

da ordem tributária são protegidos, alguns nada tendo com sonegação em seu

sentido próprio.”204

202 COSTA. Claudio, op. cit., p. 96 203 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentadas, p. 271. 204 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 120.

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Divergências a parte sobre a natureza dos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/90, o

fato é que os incisos deste, além de serem um complemento do primeiro, prevêem

situações menos graves das previstas no artigo, razão pena pela qual, a pena, para

estas situações é de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, ao passo

que, no artigo primeiro, a pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

3.2.1 Modalidades de Condutas.

3.2.1.1 Omissão e prestação de informações falsas.

O artigo 2º, I, da Lei nº 8.137/90, prevê que constitui crime contra a ordem

tributária “ fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos,

ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de

tributo;”

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 113, §2 º, impõe ao contribuinte,

além das obrigações tributárias principais (art. 113, § 1º), as chamadas obrigações

acessórias, previstas para auxiliar o Estado na sua tarefa de arrecadação. E é

“justamente sobre essas que versa o inciso em análise, uma que estipula o dever de

informar ao Fisco a ocorrência de fatos ensejadores do surgimento de uma

obrigação tributária, mediante declarações prestadas em determinados documentos,

que servirão de base para o lançamento e consequente constituição do crédito

tributário.”205

Logo, se houver divergência intencional entre o conteúdo das declarações e a

realidade dos fatos, restará configurada a fraude tendente a supressão ou redução

de tributos.

Sobre os núcleos penais contidos no dispositivo em comento, “ação é fazer

declaração falsa ou omitir declaração. Além da falsidade por ação ou omissão, a

205 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 286.

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norma prevê o emprego de outra fraude, qualquer artifício no mesmo sentido no

inciso II, somente que não em relação à ocorrência do fato gerador, mas o

pagamento. A ação deve ter por finalidade eximir-se, total ou parcialmente, de

pagamento de tributo.”206

Ainda sobre este dispositivo legal, é importante salientar confronto entre ele, e

o artigo 1º, I. Neles, estão contidas as condutas de “omitir informação, ou prestar

declaração falsa” (art. 1º, I) e “fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre

rendas” (art. 2º, I).

É certo que o primeiro versa sobre crime material e o segundo, crime formal

ou de mera conduta. No entanto, como seria possível distingui-los em um caso

concreto, ou seja, diante da conduta de um agente que prestou declarações falsas

ao Fisco, ou as omitiu?

A resposta, ressalvado os entendimentos em contrário, é apresentada por

Roberto Delmanto, ao afirmar que “a solução para o impasse, está na verificação da

ocorrência do resultado supressão ou redução do tributo, de forma que se tal

resultado tiver ocorrido, o crime será o do artigo 1º, I; se não tiver ocorrido o

resultado, apesar de ter sido esta a intenção do agente, o crime será o do art. 2º,

I.”207

3.2.1.2 Não recolhimento do tributo.

O artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90, pune o agente que, “deixa de recolher,

no prazo legal, valor de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de

sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.”

206 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 121. 207 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentadas, p. 273.

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Trata-se de um delito “claramente omissivo, consubstanciado na conduta

omissiva daquele contribuinte substituto que, diante do dever legal de repassar à

repartição arrecadadora do tributo o montante descontado ou retido de operação

tributável, queda-se inerte.”208

Sobre os núcleos penais embutidos no dispositivo em comento, “deixar de

recolher equivale a não depositar, não pagar, a reter indevidamente a quantia

descontada ou cobrada do contribuinte.”209

Um exemplo deste delito ocorre no imposto de renda retido na fonte, onde o

empregador tem o dever legal de realizar a retenção deste valor dos pagamentos

realizados aos seus funcionários e repassá-los ao Fisco. Contudo, ao realizar este

desconto, não repassa as respectivas quantias ao Erário Público.

Outro exemplo ocorre no Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e

Serviços, no qual o valor do imposto é incluído no preço do produto pago pelo

consumidor final. Esse valor do tributo deve ser repassado pelo comerciante ao

prestador de serviço, que é o contribuinte substituto, à Fazenda Estadual.

Ainda sobre o delito em questão, Roberto Delmanto afirma que “diante do art.

168-A do CP (apropriação indébita previdenciária), instituído pela Lei nº 9.983/00,

ocorreu a revogação tácita deste inciso II, na parte que se refere ao não

recolhimento de ‘contribuição social’. Sendo que em relação a ‘tributo’ permanece

vigente o referido dispositivo.”210

208 COSTA. Claudio, op. cit., p. 99 209 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 288. 210 DELMANTO, Leis Penais Especiais, p. 275.

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3.2.1.3 Incentivos fiscais.

Dispõe o artigo 2º, III, da Lei nº 8.137/90:

III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário,

qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou

de contribuição como incentivo fiscal;

Este dispositivo visa à proteção da “política de incentivo fiscal praticada pelo

Estado, especialmente a lisura e a regularidade do procedimento relativo à

concessão de incentivo fiscal.”211

Dentre as três condutas delituosas contidas no inciso II, do artigo em

comento, temos a de “exigir, que significa impor, reivindicar de modo imperioso;

pagar, que é satisfazer o preço, retribuir, desembolsar numerário; receber, que é

aceitar o pagamento do valor.”212

Trata-se ainda, de um crime “próprio, ou seja, que somente pode ser praticado

pela pessoa física, indicada em lei como contribuinte-beneficiário ou como

intermediário na promoção da dedução.”213

Ainda sobre sujeito ativo do delito, Alécio Adão Lovatto, explica que apesar do

mesmo ter o “verbo correspondente ao crime de concussão previsto no art. 316 do

Código Penal. A diferença está em que a exigência da concussão é feita por

funcionário público. Já no inciso III, do artigo 2º, o crime é praticado por particular,

inexistindo o denominado ‘temor de autoridade’, mas, em razão da função do

particular, a exigibilidade passa a ser relevante.”214

211 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentadas, p. 279. 212 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 289. 213 NUCCI. Guilherme de Souza, Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, p. 882. 214 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 129.

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3.2.1.4 Incentivo fiscal

Pelo inciso IV, artigo 2º, é crime “deixar de aplicar e aplicar em desacordo com

o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade

de desenvolvimento.”

Trata-se desta forma de outro delito que visa à proteção de incentivos fiscais

praticadas pelo Estado e que tem como figuras típicas, as condutas de “deixar de

aplicar” e “aplicar em desacordo com o estatuído.”

“A primeira figura consiste na conduta omissiva do contribuinte que, tendo a

parcela de imposto liberada para emprego em empreendimento incentivado, não o

faz.(...) Já a segunda conduta é comissiva, sendo que aqui fica demonstrado o

caráter absolutamente vinculante do fundamento legal do incentivo, que ser a lei ou

o contrato celebrado entre particular e ente governamental.”215

Outrossim, este dispositivo legal visa impedir que o dinheiro direcionado pelo

Estado para uma determinada área social, não seja desviado, e desta forma, gerar

enriquecimento ilícito em detrimento da população.

3.2.1.5 Programa de processamento de dados.

Visa punir o agente que simplesmente utiliza ou divulga programas de

computadores, ou software que permita a existência de dois controles contábeis, ou

seja, um fornecido à Fazenda Pública e outro utilizado pelo contribuinte.

215 COSTA. Claudio, op. cit., p. 101.

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Diante dos núcleos penais que o inciso apresenta, trata-se de um crime

formal, onde a simples prática de utilizar ou divulgar o programa, já configura o

delito, sendo assim, desnecessária a presença de dano ao Erário Público.

Contudo, conforme afirma Luiz Régis Prado, “se o agente utilizar o programa,

criando uma contabilidade paralela diversa da fornecida à Fazenda Pública e, por

meio do expediente, houver a omissão de operações, de lançamentos ou qualquer

outro meio fraudulento capaz de suprimir ou reduzir tributo, a conduta será

subsumida ao tipo previsto no artigo 1º.”216

3.3 O Tipo Subjetivo – Dolo.

Os crimes previstos nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/90, somente podem ser

praticados na modalidade dolosa específica, ou seja, quando o agente age com “a

vontade dirigida à realização do tipo penal.”217 Por ausência de previsão expressa,

não há a modalidade culposa (Art. 18, parágrafo único do Código Penal).218

Assim, com exceção do inciso IV do artigo 1º, onde há a possibilidade da

ocorrência do dolo eventual, para que se caracterizem os crimes contra a ordem

tributária, é necessário que o dolo do agente seja direto, devendo ele praticar as

modalidades previstas nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/90 “com a intenção de

obter a supressão ou redução de tributo ou contribuição social.”219

Conduto, “não basta a vontade, é necessário a conduta ser capaz de reduzir

ou suprimir o tributo ou acessório. Sabe o agente ser aquela conduta não-devida,

216 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 293. 217 MIRABETE. Julio Fabbrini, Código Penal Interpretado, p. 194. 218 “Art. 18 - ...Parágrafo único: Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.” 219 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentadas, p. 245.

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ilícita, mas mesmo assim quer a ação e quer o resultado, a vontade de reduzir ou de

suprimir tributo fá-lo agir.”220

3.4 Erro de tipo e de proibição.

Diante da grande quantidade de normas que regem o sistema tributário

brasileiro, bem como a sua frequente atualização e complexidade, é comum deparar-

se no cotidiano empresarial, com fundadas dúvidas acerca da incidência ou não de

um determinado tributo sobre uma operação mercantil, ou até mesmos sobre o valor

correto a ser recolhido aos cofres públicos. Estas indagações também podem ser

relativas à ilicitude tributária ou penal da operação mercantil ou industrial realizada.

Estas perguntas, que podem muitas vezes gerar autuações e,

consequentemente, ocasionarem ações penais tendentes a apurar a suposta

ocorrência de crimes contra a ordem tributária, são de suma importância para o

objeto deste trabalho.

Para Hugo de Brito Machado, “todos os crimes contra a ordem tributária

somente se caracterizam quando se trate de conduta dolosa. Assim, e como o erro

sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, é inegável a

relevância da distinção existente entre erro de tipo e erro de proibição no estudo dos

crimes contra a ordem tributária.”221

O erro de tipo surge quando o “erro do agente recai sobre elementos

constitutivos do tipo (Talbestandsirrtum). Poderá decorrer de equivocada percepção

dos fatos como de falsa compreensão do direito.”222

220 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 83. 221 MACHADO. Hugo de Brito, Crimes Contra a Ordem Tributária, p. 69. 222 COSTA JR. Paulo José, op. cit., p. 88.

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Este erro, quando incidir sobre um dos elementos constitutivos do tipo penal,

excluirá o dolo (Art. 20 do Código Penal).223

Já no erro de proibição, previsto no artigo 21 do Código Penal, “ocorre quando

o agente, por erro plenamente justificado, não tem ou não lhe é possível o

conhecimento da ilicitude do fato, supondo que atua licitamente. Atua ele

voluntariamente e, portanto, com dolo, porque seu erro não incide sobre elementos

do tipo, mas não há culpabilidade, já que pratica o fato por erro quanto à

antijuridicidade de sua conduta.”224

A diferença entre os dois institutos, é que no erro de tipo, “o agente está

convencido de estar atuando legitimamente. Já no erro de proibição, o erro não recai

sobre os elementos integrantes do tipo, mas sobre a ilicitude da conduta, que julga

ser conforme ao direito e via de conseqüência não proibida.”225

Em se tratando de crimes contra a ordem tributária, “podemos dizer que o erro

de tipo é situado nas questões de Direito Tributário, como as de saber se

determinado tributo deve ser calculado desta ou daquela forma, como esta ou aquela

base de cálculo, ou alíquota, ou de saber se em uma venda ao consumidor é

obrigatória a emissão de nota fiscal, ou se é válida a nota fiscal simplificada, ou

mesmo o cupom de máquina registradora, ou outro equipamento. Já o erro de

proibição reside apenas nas questões de Direito Penal, como as de saber se é crime

ou não, a supressão ou a redução do tributo, ou se o crime de falsificação de um

documento fiscal é ou não elemento do crime de supressão ou redução do tributo.”226

Ainda sobre o erro na interpretação da legislação tributária, os nossos

tribunais têm-se manifestado no seguinte sentido:

223 “Art. 20 – O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.” 224 MIRABETE. Julio Fabbrini, Código Penal Interpretado, p. 214. 225 COSTA JR. Paulo José, op. cit., p. 88. 226 MACHADO. Hugo de Brito, Crimes Contra a Ordem Tributária, p. 71.

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A errônea exegese da lei tributária quanto ao cálculo correto do ICMS no

lançamento de crédito em face da diferença de alíquotas praticadas no Estado

de destino e no de origem, ausente o elemento fraude, não configura a

infração tipificada no art. 1º, I e II, da Lei nº 8.137/90.227

Portanto, tendo em vista a ausência de punição dos crimes tributários na

modalidade culposa, observa-se que, se devidamente configurados, os erros de tipo

e de proibição são instrumentos aptos a comprovar a atipicidade da conduta do

agente.

3.5 Concurso de pessoas.

O sujeito ativo do delito, na teoria formal-objetiva “é o que pratica a conduta

descrita em lei e o que, de qualquer forma, com ele colabora. Por vezes, a lei exige

do sujeito ativo uma capacidade especial, ou seja, uma posição jurídica ou de fato

inscrita no tipo penal (ser funcionário, médico, gestante etc).”228

Em termos de sonegação fiscal, o sujeito ativo é o contribuinte, ou seja, o

sujeito passivo da obrigação tributária e que tem a obrigação legal de realizar o

recolhimento do tributo, “tanto que estão os crimes contra a ordem tributária divididos

em duas seções: Seção I – Dos crimes praticados por particulares; e Seção II – Dos

crimes praticados por funcionários públicos.”229 A única exceção, fica a cargo do

artigo 2º, inciso V da Lei nº 8.137/90, que prevê a punição daquele que divulga

programa de informática destinado à confecção de contabilidade paralela.

Esta linha de pensamento é perfeitamente aplicável quando o sujeito ativo é

uma pessoa física, onde a suposta autoria é clara e, na maioria das vezes,

incontroversa.

227 (STJ, rel. Min. Fernando Gonçalves, RT 774/26). 228 MIRABETE. Julio Fabbrini, Código Penal Interpretado, p. 149. 229 COSTA. Claudio, op. cit., p. 38.

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Contudo, quando se trata de crimes tributários cometidos por intermédio de

pessoas jurídicas, a individualização das condutas, visando à imputação da autoria

não pode ser considerada uma tarefa fácil, haja vista que decorrer do inquérito

policial ou da ação penal, as partes envolvidas, visando fugir da responsabilidade

penal, sempre transferem para terceiros (contadores, gerentes etc) a prática dos

delitos.

Além desta dificuldade, na grande maioria dos casos, é comum a acusação

oferecer a denúncia criminal em face de todos os réus com poderes de gerência que

compõe o quadro societário à época dos fatos, sem discriminar a conduta de cada

um na suposta prática delituosa.

Porém, nem sempre todos os sócios que compõe a administração de uma

empresa são responsáveis ou autores de uma conduta tendente a suprimir ou

reduzir tributos. Muitas vezes, há uma divisão de funções dentro de uma sociedade,

onde somente um ou dois sócios tem plena consciência da administração e,

consequentemente, do recolhimento dos tributos.

Logo, a responsabilidade pela prática do crime de sonegação fiscal, cometido

por meio de pessoa jurídica, deve recair sobre o sócio que efetivamente tem o poder

de decisão, ou seja, aquele que, por exemplo, tem o poder de decidir sobre o

recolhimento dos tributos ou que tem a palavra final sobre as operações tributárias

da sociedade.

Vale lembrar, que pela “teoria final-objetiva, o autor seria aquele que tem o

domínio final do fato. Autor é, portanto, segundo essa posição, quem tem o poder de

decisão sobre a realização do fato. E não só o que executa a ação principal, o que

realiza a conduta típica, como também aquele se utiliza de uma pessoa que não age

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com dolo ou culpa (autoria mediata). O agente tem controle subjetivo do fato e atua

no exercício desse controle.”230

Assim, em se tratando de pessoa jurídica, o sujeito ativo dos crimes

tributários, sempre será o sócio que efetivamente administra a sociedade. Este,

inclusive, é o posicionamento de Claudio Costa, ao afirmar que “quando o delito for

praticado em proveito de sociedades comerciais, instituições financeiras ou

empresas de qualquer natureza, serão responsáveis aqueles que, na

conformidade da divisão de trabalho e da hierarquia , detiverem o poder

decisório – de fato e não meramente estatutário – s obre o recolhimento do

tributo .”231

Portanto, após entendermos a como deve ser disciplinada a questão da

autoria nos crimes contra a ordem tributária, passaremos a abordar outro ponto

importante sobre esta matéria, qual seja, o concurso de pessoas.

Já foi objeto de discussão no decorrer deste trabalho, a possibilidade de

divisão de tarefas nos delitos de natureza tributária, na medida em que o agente

também pode praticar o crime com o auxílio de outros indivíduos.

Esta participação, primeiramente prevista no artigo 29 do Código Penal,232

também encontra embasamento legal no artigo 11 da Lei nº 8.137/90233, que além

de praticamente repetir o disposto no Código Penal, acrescente a possibilidade de

participação da prática delituosa por meio de pessoa jurídica.

230 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 40. 231 COSTA. Claudio, op. cit., p. 39. 232 “Art. 29 - Quem de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.” 233 “Art. 11. Quem de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade.”

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Consequentemente, baseado no concurso de agentes, é comum deparar-se

com denúncias criminais onde contadores, gerentes, e até empregados testa-de-

ferro, são incluídos no pólo passivo das ações penais juntamente com os sócios

administradores da pessoa jurídica, na medida em que, de alguma forma,

contribuíram para a prática do crime de sonegação fiscal.

Desta forma, no caso do concurso de agentes a acusação tenta demonstrar

que a sonegação fiscal ocorreu mediante o trabalho, ainda que fracionado, de todos

do denunciados, ou seja, todos concorreram para a prática do delito e que devem

responder na medida de sua culpabilidade.

É oportuno salientar, que esta divisão de tarefas deve necessariamente ser

elucidada no decorrer na instrução processual, sob o crivo do contraditório, onde

será apurado quem realmente concorreu para a prática do delito. No entanto, esta

premissa não dever ser com subterfúgio para o oferecimento de denúncias ineptas,

que apontam minimamente em seu bojo a tarefa de cada acusado na empreitada

delituosa.

Sobre a questão das denúncias genéricas, a mesma será abordada de

maneira mais profunda no decorrer deste trabalho.

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CAPÍTULO IV - O PROCESSO PENAL TRIBUTÁRIO.

1. Procedibilidade e condição objetiva de punibilid ade.

Há determinados delitos, até por razões de política criminal, que somente

podem ser levados ao conhecimento do Poder Judiciário, após o término de

procedimentos que tramitam à margem dos mesmos.

Estes fatores que impedem ou possibilitam a atuação do judiciário, são

conhecidos como condições de procedibilidade e condições objetivas de

punibilidade, que nada mais são que circunstâncias futuras, alheias ao dolo do

agente e do tipo penal, ou seja, do crime que, enquanto não sanadas, impedem a

interposição da ação penal.234

Doutrinariamente há uma distinção entre os dois institutos, sendo que “as

condições de procedibilidade são fatos, naturais ou jurídicos, cuja existência é

exigida pela lei para a propositura da ação penal.”(...) Já as condições objetivas de

punibilidade “referem-se ao mérito e extinguem a pretensão punitiva, ainda que

posteriores ao início da ação penal, porque quebram a relação natural existente

entre a prática de uma infração pena e a imposição da pena.”235

Jescheck e Weigend, citados por Alécio Adão Lovatto, “observam que as

condições objetivas de punibilidade são circunstâncias que se encontram em relação

imediata com o fato, mas não pertencem nem ao tipo de injusto nem à da

culpabilidade.”236

Por estes conceitos, observa-se que as condições de procedibilidade, que

podem ser negativas ou positivas, impedem ou autorizam a propositura, bem como o

234 Cf. MIRABETE. Julio Fabrini, Processo Penal, p. 92. 235 GRECO FILHO. Vicente, Manual de Processo Penal, p. 130. 236 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 200. (JESCHECK, Hans-Heinrich e WEIGEND, Thomas. Tratado de Derecho Penal. Parte General. Granada: Editorial Comares, 2002, p. 597)

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recebimento da ação penal. As condições de punibilidade, por sua vez, que também

podem ser negativas ou positivas, podem surgir no decorrer da ação penal, onde

neste caso, se reconhecidas, ocasionarão uma sentença de mérito. Contudo, se uma

condição de punibilidade, como por exemplo, o pagamento do débito tributário, que

extingue a punibilidade do agente, ocorrer antes do início da ação penal, esta atuará

como uma condição negativa de procedibilidade, na medida em que obstará o início

da ação penal.

O estudo destes conceitos é de suma importância para abordagem dos

próximos tópicos, referentes à questão da esfera administrativa tributária e da

extinção da punibilidade nos crimes tributários.

1.1. O término do processo administrativo como cond ição para o

oferecimento da denúncia criminal.

A atual legislação brasileira que trata dos crimes tributários, qual seja, a Lei nº

8.137/90, é omissa quanto ao fato do término do processo administrativo ser uma

condição de procedibilidade ou objetiva de punibilidade para o oferecimento da

denúncia criminal.

Assim, tendo em vista que estes institutos não se presumem, pois eles

reclamam expressa determinação legal, o presente tema gerou, e ainda gera

divergências no campo doutrinário e jurisprudencial.

Primeiramente, a questão do término do processo administrativo esteve ligada

a questão da procedibilidade, quando se debateu a necessidade do Ministério

Público aguardar o término do processo administrativo tendente a apurar a existência

do tributo, para oferecer a denúncia criminal em face dos agentes acusados pela

prática de sonegação fiscal.

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Para tanto, utilizava-se o artigo 83 da Lei nº 9.430/96237, cuja redação original

determinava que a representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a

ordem tributária somente seria encaminhada ao parquet após o término do processo

administrativo instaurado para a discussão da exigibilidade do tributo.

No âmbito do Estado de São Paulo foi promulgada a Lei Complementar nº

970/05, que deu nova redação aos dispositivos da Lei Complementar nº 939/2003

(Código de Direitos, Garantias e Obrigações do Contribuinte do Estado de São

Paulo), ao determinar que:

Art. 5º - São garantias do contribuinte:

....

IX – o não encaminhamento ao Ministério Público, por parte da administração

tributária, de representação para fins penais relativa aos crimes contra a

ordem tributária enquanto não proferida a decisão final, na esfera

administrativa, sobre a exigência do crédito tributário correspondente.

Logo, a ausência de julgamento definitivo na esfera administrativa tributária,

conforme já estudado anteriormente, seria uma condição de procedibilidade, ou seja,

um fator externo que impediria a propositura, bem como o recebimento da ação

penal.

No entanto, na contramão deste entendimento defendia-se, além da

independência entre as esferas administrativa e judicial, que a legislação acerca do

tema “nada mais era que uma norma de cunho administrativo, não estabelecendo ela

nenhuma condição de procedibilidade, sendo que a pretensão de condicioná-la ao

esgotamento da esfera administrativa significaria uma ofensa ao Judiciário como se

ele tivesse de acatar a decisão administrativa.”238

237 “Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.” 238 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 194.

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Neste sentido, posicionava-se o STJ (REsp. nº 45861/SP – Rel. Ministro

Gilson Dipp – DJU 22/09/2003 – p. 353) (RHC nº 11735/MG – Rel. Ministro

Fernandes Gonçalves – DJU 17/03/2003 – p. 287).

Ainda em termos de legislação, o § 1º do artigo 34 da Lei nº 9.249/95, previa

que:

Art. 34.....

§ 1º - Caberá a representação penal após julgamento do processo

administrativo fiscal, quando neste forem apurados elementos

caracterizadores do cometimento de crime em tese.

Contudo, este dispositivo foi objeto de veto do então Presidente da República,

Fernando Henrique Cardoso. Os argumentos para o veto foram:

Esse dispositivo é contrário ao interesse público por impedir atuação rápida do

Ministério Público visando à instauração do processo penal, pois prevê que os

órgãos fazendários só podem comunicar-lhe ocorrência de crime fiscal após o

término do correspondente processo administrativo, o que, pelo espaço de

tempo demandado em sua tramitação, terminaria por constituir elemento

altamente estimulador do inadimplemento de obrigações tributárias e da

prática de delitos da espécie.

Além disso, alegava-se que a Constituição Federal do Brasil de 1988, em seu

artigo 129, I, conferiu ao Ministério Público o direito de intentar, em nome do Estado,

a ação penal pública, sendo conferido ao mesmo “o juízo sobre a existência ou não

do crime, em tese a legitimar o oferecimento da denúncia.”239

239 SOARES. Antonio Carlos Martins, A Extinção da Punibilidade nos Crimes Contra a Ordem Tributária, p. 117.

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Desta forma, somente o Poder Judiciário poderia determinar a existência ou

não do elemento caracterizador dos crimes contra a ordem tributária, qual seja, a

fraude, sendo que a atuação do órgão acusador, protegido constitucionalmente, não

poderia sofrer qualquer restrição de pessoas ou órgãos públicos.

Logo, sendo os crimes contra a ordem tributária processados mediante ação

publica incondicionada, nos termos da Súmula 609 do STF240, a atuação da

acusação não estaria subordinada ao artigo 83 da Lei nº 9.430/96.

Além disso, seguindo este entendimento, o Supremo Tribunal Federal ao

julgar a ação direta de inconstitucionalidade nº 1.571 (DF), de autoria do Procurador-

Geral da República, em sede de liminar, declarou que o artigo 83 da Lei nº 9.430, de

27 de dezembro de 1996, não atingia e nem se aplicava ao exercício da funçã o

institucional do Ministério Público para promover a ação penal pública pela

prática de crimes contra a ordem tributária.

Ainda sobre esta ADIN, é oportuno frisar que no julgamento do seu mérito, o

Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, julgou constitucional o

artigo 83 da Lei nº 9.430 de 1996, para declarar a norma em questão tem como

destinatários os agentes fiscais, não afetando assim a atuação do Ministério Público,

na medida em que este órgão, após o término do processo administrativo tributário,

poderia independentemente da representação fiscal, oferecer denúncia, se obtivesse

por outros meios, notícia do lançamento definitivo do débito tributário.

Desta forma, pacificado o entendimento de que o Ministério Público não

estava atrelado ao envio de representação fiscal para finais pela autoridade fiscal

para oferecer denúncia pela prática de crime contra a ordem tributária, o Supremo

Tribunal Federal, em momento posterior, passou a entender que a existência de um

240 “Súmula 609 do STF: É incondicionada a ação penal por crime de sonegação fiscal.”

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processo administrativo tributário, ao invés de uma condição de procedibilidade,

seria, na verdade, uma condição objetiva de punibilidade.

Esta posição foi consolidada no STF com o julgamento HC n° 81.611-8 241,

onde se passou a entender que a acusação somente poderia oferecer denúncia

referente aos crimes tributários, após a decisão final do processo administrativo em

que se discutia a exigibilidade do tributo.

Conforme já mencionado neste trabalho, as figuras típicas previstas no artigo

1º da Lei nº 8.137/90, são crimes materiais, sendo que para que ocorra sua

consumação é necessária a ocorrência da efetiva supressão ou redução do tributo.

Todavia, a existência do tributo, somente pode ser confirmada com a

constituição definitiva do crédito tributário realizada, pela autoridade fiscal mediante o

lançamento, nos termos do artigo 142 do Código Tributário Nacional. É neste ato,

que ocorre após a tramitação do processo administrativo, queserão definidos, dentre

outras coisas, a ocorrência do fato gerador, o montante do tributo devido e o sujeito

passivo da obrigação tributária.

Assim, se a existência do tributo é essencial para a configuração dos crimes

contra a ordem tributária, e se este surge apenas após o término do processo

administrativo fiscal, no julgamento ora citado, concluiu-se que antes deste ato não

haveria que se falar na sua redução ou supressão, figuras típicas do delito em

comento, em virtude da ausência de tributo ou do elemento normativo do tipo.

Para melhor elucidar a questão, em seu voto vista no julgamento do HC nº

81.611-8/SP, o Min. Sepúlveda Pertence afirmou que:

...

241 HC n º 81.611-8/DF – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJ. 13/05/2005

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73. De tudo resulta que, enquanto pendente o processo administrativo, essa

incerteza objetiva sobre a existência e o conteúdo da obrigação

remanescerá.

74. Ora – dadas, de um lado, a competência privativa da Administração fiscal

para ‘constituir o crédito tributário’ e, de outro, que o crime definido no art. 1º

da L. 8.137 pressupõe a existência de tributo – rectius, do crédito tributário –

que, mediante uma das condutas prescritas, o agente antes houvesse logrado

‘suprimir ou reduzir’ -, não se pode afirmar, sequer para a denúncia, a

ocorrência desse pressuposto, enquanto, a respeito, não opere, pelo menos, o

efeito preclusivo da decisão final do processo administrativo.

...

Diante deste raciocínio, conclui-se que a consumação dos crimes contra a

ordem tributária, ou seja, a supressão ou redução de tributos, somente ocorre após a

constituição definitiva do crédito tributário, sendo que antes disso qualquer conduta

vinculada ao artigo 1º da Lei n. 8.137/90 seria atípica acarretando assim na falta de

justa causa para a ação penal e até mesmo para a instauração de um inquérito

policial.

Percebe-se ainda que com este julgamento, o que antes era uma questão de

procedibilidade, processual, passou a ser uma questão de mérito da questão, mas

especificamente sobre a existência do delito, que por sua vez, incidia diretamente na

configuração do tipo penal.

Este entendimento foi no seguido pelo STJ (REsp nº 771667, HC nº 60324 e

HC nº 56799-3).

Logo, a presença da decisão definitiva no processo administrativo tributário,

tendente a apurar o quantum a debeatur, tornou-se uma condição objetiva de

punibilidade, sendo que antes desta, faltaria justa causa para a ação penal ou até

mesmo para a instauração de inquérito policial.

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113

Portanto, qualquer denúncia oferecida pelo Ministério Público antes da

constituição definitiva do crédito tributário seria inepta e deveria assim ser rejeitada

pela autoridade judicial.

1.2 A Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal F ederal.

A Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, acrescentou à

Constituição Federal o artigo 103-A que dispõe sobre a criação da pelo Supremo

Tribunal Federal das súmulas vinculantes. Já a regulamentação deste artigo ocorreu

com a edição da Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006., que dispõe sobre a

edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante.

Assim, “ao editar enunciado de súmula vinculante, coube ao Supremo

Tribunal Federal a função de conferir a interpretação quanto a determinado ato

normativo. Essa tarefa decorre essencialmente da sua posição hierárquica no

sistema e da obrigação de padronização e uniformização do entendimento das

normas jurídicas.”242

No que tange aos crimes tributários, após a pacificação da jurisprudência no

STF acerca materialidade destes delitos, realizada através do HC nº 81.611-8 e

outros precedentes, foi enviado ao Tribunal Pleno da referida Corte a proposta de

súmula vinculante nº 29/DF com as seguintes sugestões de enunciado:

Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, antes do lançamento

definitivo do tributo. (Processo Administrativo 327.127)

242 TRALDI. Mauricio, Súmula Vinculante, p. 43.

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Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º ,

incs. I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo. (Min.

Cezar Peluso)

Após debates realizados em seção plenária, por maioria de votos foi aprovada

a Súmula Vinculante nº 24, com a seguinte redação:

Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º,

incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.”243

Assim, com a edição desta súmula, nenhuma ação penal ou inquérito policial

em que se discutia o crime definido no artigo 1º da Lei nº 8.137/90 poderia ser

iniciado antes do término do processo administrativo onde se discutia o auto de

infração que os originou.

Contudo, em que pese a pacificação da matéria no Supremo Tribunal Federal,

inclusive por meio de súmula vinculante, em 14 de junho de 2011, no julgamento do

HC nº 96.324/SP, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, a Primeira Turma desta

Corte, por maioria de votos, sendo voto vencido o Ministro Dias Toffoli, que votava

pela concessão da ordem com base na Súmula Vinculante nº 24, decidiu que nos

casos em que a fraude demonstra-se latente, descabe exigir, para ter-se a

sequência da persecução penal, o término do process o administrativo .

Em seu voto, o Ministro Marco Aurélio argumentou que:

Tanto a suspensão de ação penal quanto o trancamento surgem com

excepcionalidade maior. Conforme consignei ao indeferir a medida

acauteladora, a denúncia não está a invibializar a defesa. Mais do que isso,

243 Coordenadoria de Análise de Jurisprudência – Dje nº 30. Divulgação 18/02/2012 – Publicação 19/02/2010. Ementário nº 2.390-1.

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versa não a simples sonegação de tributos, mas a existência de organização,

em diversos patamares, visando à prática de delitos, entre os quais os de

sonegação fiscal, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, ocultação de

bens e capitais, corrupção ativa e passiva, com frustração de direitos

trabalhistas. Daí não se poder considerar impróprio o curso da ação penal,

não cabendo, no caso, exigir o término de possível processo administrativo

fiscal. Indefiro a ordem.

Ainda no bojo do referido acórdão ficou consignado que:

De fato, uma coisa é desconstituir o tipo penal quando há discussão

administrativa acerca da própria existência do débito fiscal ou do quantum

devido; outra bem diferente é a configuração, em tese que seja, de crime

contra a ordem tributária em que é imputada ao agente a utilização de

esquema fraudulento, como, por exemplo, a falsificação de documentos,

utilização de empresas ‘fantasmas’ ou de ‘laranjas’ em operações espúrias,

tudo com o claro e primordial intento de lesar o Fisco. Nesses casos,

evidentemente, não haverá processo administrativo-tributário, pelo singelo

motivo de que foram utilizadas fraudes para suprimir ou reduzir o recolhimento

de tributos, ficando a autoridade administrativa completamente alheia à ação

delituosa e sem saber seque houve valores sonegados.

O caso em questão, segundo a denúncia oferecida pelo Ministério, versava

sobre um esquema fraudulento montado para a prática de diversos crimes, dentre

eles o de sonegação fiscal.

A denúncia relata que uma determinada empresa do ramo frigorífico, criou

uma empresa fictícia, gerenciada por “laranjas”, com o intuito de transferir a esta

toda a responsabilidade fiscal, trabalhista e penal tributária, inerentes às suas

atividades econômicas e desta forma sonegar ou reduzir o valor de tributos a serem

recolhidos.

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Ainda com base na acusação, esta empresa “fantasma”, no que tange aos

crimes tributários, declarava nos respectivos documentos exigidos pela fiscalização,

todos os tributos que deveriam ser recolhidos, porém sem efetuar o respectivo

pagamento.

Logo, na medida em que estas declarações, a princípio, não continham

omissões e nem informações falsas, não haveria que ser falar na incidência dos

crimes previstos na Lei nº 8.137/90.

Contudo, segundo a acusação, esta operação nada mais era que uma

estratégia da empresa verdadeira para burlar o fisco e evitar a sua autuação, na

medida em que toda responsabilidade recairia sobre a empresa “fantasma”. Logo,

diante destes fatos, os ministros da Primeira Turma do STF resolveram afastar a

aplicação da Súmula Vinculante nº 24.

O julgamento em questão apresenta dois aspectos importantes no que tange

aos crimes contra a ordem tributária.

O primeiro deles versa sobre a extinção da punibilidade mediante o

pagamento do tributo. A atual legislação em vigor (artigo 6º, § 6ª da Lei nº

12.382/2011 c.c. artigo 34 da Lei nº 9.249/95), em que pese os entendimentos em

contrário, e que serão objetos de um estudo mais aprofundado no decorrer deste

trabalho, dispõe que este pagamento deve ocorrer, visando à extinção da

punibilidade do agente e, ato contínuo, a extinção da ação penal, antes do

recebimento da denúncia pelo magistrado.

Assim, se o novo entendimento da Primeira Turma do STF prevalecer, uma

denúncia referente aos crimes contra a ordem tributária poderia ser recebida pelo

magistrado antes do término do processo administrativo, já que o trâmite deste

procedimento não teria o condão de impedir o prosseguimento da respectiva ação

penal.

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Consequentemente, numa atitude extremamente conservadora, o contribuinte

denunciado pela prática do crime previsto no artigo 1º da Lei nº 8.137/90, e visando

extinguir a sua punibilidade, seria obrigado a renunciar a discussão do tributo no

processo administrativo e efetuar o seu pagamento, afim de evitar o recebimento da

denúncia pelo magistrado e livrar-se da ação do Estado na esfera penal.

Este preocupação também é mencionada por Pedro Luiz Ricardo Cagliardi ao

citar que “o contribuinte tem o direito subjetivo de ter julgada extinta a sua

punibilidade caso pague o tributo antes do recebimento da denúncia, nos termos do

artigo 34 da Lei nº 9.249/95, sendo, desta forma, o pagamento exigível somente

depois de findo o processo executivo.”244

Esta atitude reflete o segundo aspecto deste novo entendimento do Supremo

Tribunal Federal, que seria a ofensa aos princípios constitucionais do devido

processo legal, da ampla defesa e do contraditório previstos respectivamente no

artigo 5º, LIV e LV, da CF, pois “no Direito Brasileiro a necessidade de prévia

decisão da autoridade administrativa no crime de supressão ou redução de tributo é

muito mais que uma questão de direito penal ou processo penal. É uma questão de

direito constitucional. Admitir-se a denúncia criminal antes da decisão definitiva da

autoridade da Administração é forma clara de negação da supremacia

constitucional.”245

Ademais, além de todo este quadro fático e ressalvado os entendimentos em

contrário, a denúncia relativa aos crimes contra a ordem tributária que for recebida

antes do término do processo administrativo, ofende o princípio constitucional da

presunção de inocência246, na medida em que tal conduta possibilita eventualmente

uma condenação na esfera criminal e, anterior à decisão definitiva na esfera

244 COSTA. José de Faria. SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), op. cit., p. 538. 245 NASCIMENTO. Carlos Valder (coord.), Crimes de Sonegação Previdenciária, p. 84. 246 “Art. 5º, inciso LVII, da Constituição da República Federativa do Brasil.”

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administrativa, que pode perfeitamente concluir que o contribuinte não seja o

devedor do tributo.

Por fim, nunca é demais frisar que para que haja crimes contra a ordem

tributária, é necessário que haja a efetiva supressão ou redução de tributo, sendo

que a existência deste ou a sua exigibilidade somente pode ser reconhecida pela

autoridade administrativa, não cabendo a nenhum órgão, nem mesmo ao Judiciário,

a realização desta tarefa.

1.3 Requisitos da denúncia criminal nos crimes cont ra a ordem tributária.

A denúncia criminal, independentemente do delito praticado pelo agente, deve

necessariamente seguir os requisitos elencados no artigo 41 do Código de Processo

Penal.

Segundo Vicente Greco Filho, a denúncia deve conter duas partes. “A

primeira, considerada essencial, deve conter a qualificação do denunciado ou

esclarecimentos fáticos (circunstâncias, na terminologia legal) que devem ser

referidos: os elementares e os identificadores. Já a segunda parte da denúncia é

técnica, devendo conter a indicação dos dispositivos da lei penal em que o acusado

esteja incurso, o procedimento adequado, o pedido de condenação e o rol de

testemunhas.”247

No que tange aos crimes tributários, a denúncia não foge desta regra, sendo

que ela deve descrever a maneira utilizada pelo agente para suprimir ou reduzir

tributos, além do montante do prejuízo causado ao Erário Público. Assim, é comum

deparar-se com peças acusatórias em que a descrição da conduta delituosa, nada

mais é que uma transcrição literal do auto de infração lavrado pela autoridade

fazendária, momento no qual são pormenorizadas as condutas que levaram à

suposta supressão ou redução de tributo, bem como os seus respectivos valores. 247 GRECO FILHO. Vicente, Manual de Processo Penal, p. 144 e 146.

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No que se refere à autoria, a denúncia deve também indicar a conduta de

cada autor ou partícipe. Este apontamento não pode ser realizado de forma

genérica, sob pena de inépcia da peça inicial. Sobre esta questão, a mesma será

discutida oportunamente no decorrer deste trabalho.

No mais, estes requisitos, juntamente com a indicação do procedimento

aplicável ao caso, bem como o rol de testemunhas, é que devem compor a denúncia

oferecida pelo Ministério Público no que tange aos Crimes Contra a Ordem

Tributária.

1.4 O procedimento.

A Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, não prevê um rito específico para

o processamento das ações penais relativas aos crimes tributários. Assim, na

ausência de disposição expressa acerca deste tema, o processo será regido pelo

Código de Processo Penal, sendo que aos delitos previstos no artigo 1º, da lei em

comento, cuja pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) ano, e multa, aplica-se o

procedimento ordinário, nos termos do artigo 394, §1º, I, do CPP.

Neste procedimento, o contribuinte denunciado pela prática de crime contra

ordem tributária, será citado nos termos do artigo 396 do CPP para apresentar a sua

defesa, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, onde poderá alegar preliminares,

oferecer documentos, arrolar testemunhas e especificar as provas que pretende

produzir no decorrer da instrução processual.

Já as condutas previstas no artigo 2º da Lei nº 8.137/90, cuja pena é de

detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, por se tratarem de crimes de

menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei nº 9.099/95), seguem o rito sumaríssimo nos

termos do artigo 394, §1º, III, do CPP c.c. artigos 77 a 83 da Lei nº 9.099/95.

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Independentemente do rito processual a ser seguido, um aspecto um

importante no decorrer do processo penal tributário, é a produção de provas

baseada na prova pericial.

É extremamente comum, em se tratando de ações desta natureza, deparar-se

com processos em que a supressão e a reduções de tributos, em que pese

afirmação do fisco, não estão devidamente caracterizados.

Isso acontece, por exemplos, nos casos de “creditamentos indevidos de

impostos”, onde o contribuinte lança em sua escrita fiscal um determinado crédito

tributário oriundo de uma atividade comercial ou industrial, para futuramente

compensar com os valores de tributos que tem a recolher.

O Fisco, seja ele estadual ou federal, na maioria dos casos, por não concordar

com este lançamento autua a pessoa jurídica da qual o agente é o sócio-

administrador e, após o processo administrativo, onde o valor do tributo

supostamente devido é confirmado, encaminha a respectiva representação fiscal

para fins penais para o Ministério Público.

Contudo, nem sempre este débito tributário constituído é oriundo de uma

fraude, sendo que em muitos casos, há ação penal baseada somente nas

informações prestadas pela autoridade fazendária.

Logo, para demonstrar, no decorrer da instrução probatória que não houve a

devida supressão ou redução de tributos mediante fraude, as partes, principalmente

a defesa, lançam mão da prova pericial para visualizar ou não, os requisitos

caracterizadores dos crimes tributários.

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Assim, nestas circunstâncias, a perícia basicamente busca averiguar se houve

a omissão ou prestação de informações falsas nos documentos destinados ao fisco

e, no caso do “creditamento indevido” se o respectivo crédito seria oriundo de

documentos inidôneos, que por sua vez, poderiam caracterizar a fraude tributária.

Por fim, ainda dentro da instrução probatória, encontra-se a prova

testemunhal, que é essencial para a discussão relativa à autoria delitiva.

1.5 A prescrição nos crimes contra a ordem tributá ria.

1.5.1 A prescrição relativa aos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/90.

A partir do momento em que entra em vigor uma norma que cria um

determinado tipo incriminador, surge para o Estado o jus puniendi, ou seja, o direito

de punir aqueles que violam a norma penal. Em decorrência do exercício deste

direito, surge também para o Estado o direito de executar a sentença condenatória

transitada em julgado decorrente desta violação.

Contudo, este direito do Estado de punir e, fazer com que os punidos

cumpram a sua respectiva pena, não é eterno. A mesma norma que concede este

direito de julgar e que impõe uma sanção à aqueles que a infringem, também limita

um lapso temporal de atuação do Estado no exercício do seu direito.

Esta restrição, que visa evitar a tramitação de ações penais por tempo

indeterminado, é denominada de prescrição, ou seja, “a extinção do poder-dever de

punir do Estado em decorrência da inércia do órgão titular da pretensão punitiva ou

da pretensão executiva durante o tempo previsto na lei.248

248 SOARES. Antonio Carlos Martins, A Extinção da Punibilidade nos Crimes contra a Ordem Tributária, p. 111.

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A prescrição, tanto da pretensão punitiva como da executória, é regulada

pelos artigos 109 a 119 do Código Penal, onde são fixamos os prazos prescricionais;

os termos iniciais antes e após a sentença transitada em julgado; as causas

interruptivas, impeditivas, suspensivas e de redução. Além disso, no artigo 107, IV,

do mesmo diploma legal, há a previsão da prescrição como causa de extinção da

punibilidade.

No que tange aos crimes contra a ordem tributária, os seus prazos

prescricionais também são regulados pelo Código Penal, sendo que no artigo 1º da

Lei nº 8.137/90, cuja pena é de 2 (dois) a 5 (cinco) anos de reclusão, a prescrição da

pretensão punitiva, regulada pela pena máxima in abstrato, será de 12 (doze) anos,

nos termos do artigo 109, III, do CP.

Já em relação aos delitos previstos no artigo 2º da referida lei, onde a pena é

de 6 (seis) meses a 2 (anos) de detenção, a prescrição da pretensão punitiva, nos

termos do artigo 109, V, do CP, será de 4 (quatro anos).

A prescrição da pretensão executiva dos crimes tributários é regulada pelos

mesmos prazos fixados no artigo 109 do Código Penal, porém tem como paramento

a pena imposta in concreto na sentença penal, nos termos do artigo 110, §1º do CP.

Contudo, a prescrição relativa aos crimes tributários possui uma característica

peculiar no que se refere ao seu termo inicial, pois conforme já abordado no decorrer

deste trabalho, o Supremo Tribunal Federal, primeiramente por intermédio do HC nº

81.611-8 e, num segundo momento, através da Súmula Vinculante nº 24, definiu que

as figuras típicas previstas no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, por serem

crimes materiais, somente se consumam com a constituição definitiva do crédito

tributário.

Assim, considerando o disposto no artigo 111, inciso I, do Código Penal, o

prazo prescrição relativo a estes crimes, somente começa a fluir a partir deste

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momento e não da data em que agente praticou a fraude visando à supressão ou

redução de tributos.

Em contrapartida, esta forma de contagem do prazo prescricional, não se

aplica aos delitos previstos no artigo 2º da Lei nº 8.137/90, tendo em vista são

crimes formais, sendo que o lapso prescricional, neste caso, começa a tramitar a

partir da data do fato.

Ainda sobre a prescrição dos crimes contra a ordem tributária, ela não corre

durante o período de suspensão da pretensão punitiva do Estado, conforme a atual

redação do artigo 83, § 3º, da Lei nº 9.430/96.

1.6 A extinção da punibilidade mediante o pagamento do tributo.

1.6.1 Histórico da legislação.

A Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965 foi a primeira norma publicada no Brasil

que tratou dos delitos tributários. Trata-se de uma lei, ainda vigor, publicada no início

do regime militar, que versa sobre os “crimes de sonegação fiscal” e que trazia em

seu artigo 2º, a possibilidade de extinção da punibilidade mediante o pagamento do

tributo devido, antes do início, na esfera administrativa, do respectivo processo fiscal.

A norma posterior a esta, qual seja, a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de

1990, que definiu, dentre outros delitos, os crimes contra a ordem tributária, previa

também em artigo 14, a possibilidade de extinção da punibilidade do agente, quando

o pagamento do tributo devido ocorresse antes do recebimento da denúncia pelo

magistrado.

Ambos dispositivos foram revogados pelo artigo 98 da Lei nº 8.383, de 30 de

dezembro de 1991. Assim, até 1995, não havia nenhuma legislação no país que

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versasse sobre a extinção da punibilidade dos crimes tributários mediante o

pagamento do tributo devido.

Este período de vacância perdurou até a entrada em vigor da Lei nº 9.249, de

26 de dezembro de 1995, que restituiu, em seu artigo 34, a extinção da punibilidade,

desde que o pagamento do total do tributo ocorresse antes do recebimento da

denúncia.

Posteriormente a esta norma, veio a Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000, que

instituiu o Programa Recuperação Fiscal – REFIS I. Esta norma, no §3º, do artigo 15,

no que tange à extinção da punibilidade, repetia o disposto na Lei nº 9.249/95.

Contudo, um aspecto inovador desta lei foi a possibilidade da suspensão da

pretensão punitiva mediante o parcelamento dos tributos devidos realizados, desde

que este ato ocorresse antes do recebimento da denúncia. Esta suspensão duraria

enquanto a pessoa jurídica relacionada ao agente dos supostos delitos tributários,

estivesse incluída no programa de parcelamento, conforme o disposto no caput do

artigo 15.

A legislação posterior a tratar do tema, foi a Lei nº 10.684, de 30 de maio de

2003, que tratou à época do parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita

Federal e ao Instituto Nacional do Seguro Social.

O §1º, do artigo 9º da referida lei, manteve a possibilidade de extinção da

punibilidade do agente mediante o pagamento do tributo, bem como a possibilidade

suspensão da pretensão punitiva durante o período de parcelamento do débito

tributário. Entretanto, sobre estes pontos, a referida lei não mencionou em que

momento processual o pagamento ou parcelamento deveriam ocorrer para gerar

efeitos no âmbito da ação penal.

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Outro ponto importante desta lei foi o estabelecimento de um novo regime

jurídico-penal para aqueles que ingressarem no regime de parcelamento. Assim, a

suspensão da pretensão punitiva ocorreria independentemente da espécie de

parcelamento realizado pelo contribuinte, não se limitando aos casos de

parcelamento instituído pela própria lei, tendo em vista que o caput do artigo 9º

estabeleceu que a suspensão permaneceria em vigor “durante o período em que a

pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no

regime de parcelamento.”

Ainda numa clara demonstração de política criminal, em 28 de maio de 2009,

foi publicada a Lei nº 11.941/2009, que dispôs sobre o parcelamento ordinário de

débitos tributos, instituindo para tanto, o popular REFIS da Crise, pois foi criado

durante um período de recessão mundial, que ameaçava afetar a economia do

Brasil.

Esta norma, além de manter a possibilidade de extinção da punibilidade

mediante o pagamento do tributo devido, independentemente do momento

processual da ação penal, previa ainda no caput do seu artigo 68, a suspensão da

pretensão punitiva do Estado durante o período de vigência do parcelamento.

No entanto, a extinção da punibilidade relativa aos valores de tributos

parcelados, somente ocorreria após o término do parcelamento, nos termos do artigo

69 da lei em comento.

Ressalte-se, após esta breve explanação sobre o histórico da legislação

relativa à suspensão da pretensão punitiva, bem como da extinção da punibilidade

dos crimes tributários, que nenhuma das citadas normas promulgadas a partir de

1995, revogou expressamente a norma anterior.

Deste modo, uma grande instabilidade jurídica sobre a matéria vigorou

durante a vigência destas normas, o que acarretou divergências jurisprudenciais e

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doutrinárias acerca do referido tema e que serão abordadas de uma maneira mais

específica no decorrer deste capítulo.

1.7 A suspensão da pretensão punitiva em face do pa rcelamento do

débito tributário.

Conforme demonstrado no item anterior, o tema da extinção da punibilidade,

bem como da suspensão da pretensão punitiva nos crimes contra a ordem tributária,

diante da instabilidade legislativa, sempre causou inúmeras controversas.

Esta instabilidade, segundo Hugo de Brito Machado, “explica-se pela disputa

entre duas correntes de pensamento jurídico penal em nosso País. Uma, a sustentar

que a pena há de ter sempre um fundamento ético, e que admitir a extinção da

punibilidade pelo pagamento dos tributos devidos seria criar um inadmissível

privilégio em favor dos abastados, os quais poderiam sempre escapar da punição e

diante dessa possibilidade apostariam na hipótese de não serem apanhados. A

outra, a sua sustentar o caráter utilitarista da pena, que teria por finalidade coagir o

contribuinte ao pagamento.”249

Assim, ressalvado este entendimento, a suspensão da pretensão punitiva,

com a edição da Lei nº 9.964/2000, que instituiu o chamado “REFIS I”, surgiu pela

primeira vez esta possibilidade, o que até então não era possível, tendo em vista que

a legislação pátria previa apenas, nos termos do artigo 34 da Lei nº 9.245/90, a

extinção da punibilidade mediante o pagamento do tributo.

No entanto, este parcelamento, que deveria ocorrer antes do recebimento da

denúncia, causou a primeira divergência jurisprudencial acerca do tema, pois a

jurisprudência inclinou-se pela ausência de justa causa para a ação penal em casos

de deferimento do pagamento parcelado, conforme acórdãos a seguir citados:

249 MACHADO. Hugo de Brito, Crimes Contra a Ordem Tributária, p. 373.

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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL –

REJEIÇÃO DA DENÚNCIA – OPÇÃO AO REFIS – ART. 15 DA LEI Nº

9.964/2000 – SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO – ART.

34 DA LEI Nº 9.249/95.

I – A suspensão da pretensão punitiva do Estado, instituto previsto no art. 15

da Lei nº 9.964/2000, impede a instauração da ação penal, desde que o

devedor de contribuições previdenciárias adira ao REFIS antes do

recebimento da denúncia; II – O pagamento da dívida previdenciária, nos

termos do art. 34 da Lei nº 9.249/95, implica a extinção da punibilidade, efeito

distinto do que ocorre com a mera opção ao REFIS (art. 15 da Lei nº

9.964/2000) que suspende a ação penal, caso o devedor saia do Programa de

Recuperação Fiscal, em razão da inadimplência, III – Recurso desprovido.250

O segundo ponto polêmico sobre a suspensão da pretensão punitiva dos

crimes contra a ordem tributária foi acerca da possibilidade do parcelamento do

débito tributário realizado antes do recebimento da denúncia, extinguir a punibilidade

destes delitos.

A questão dividiu a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, tribunal

competente pela uniformização da legislação infraconstitucional, onde uma corrente,

manifestada expressamente no voto proferido pelo Ministro Vicente Cernichiaro no

RHC nº 3.973/RS,251 entendia que o parcelamento do débito tributário não seria meio

apto para extingui-lo na medida em que a relação jurídica entre o Estado e o

contribuinte foi mantida, com alteração apenas das condições de pagamento.

Logo, diante da impossibilidade de extinção do crédito tributário, não haveria,

consequentemente, que se falar em extinção da punibilidade do agente.

250 TRF 2ª Região – RCCR 1112 – 4ª Turma – Rel. Valmir Peçanha. 251 STJ, 6ª Turma, RHC nº 3973/RS, julgado em 12.12.94.

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Neste sentido, destacam-se os seguintes julgados:

PROCESSUAL PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. PARCELAMENTO DA

DÍVIDA – EXTNÇÃO DA PUNIBILIDADE – LEI Nº 8.137, DE 27/12/90. LEI Nº

8.383, DE 30/12/91 – EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO (CTN, ART.

156) – A INFRAÇÃO PENAL, COMO CAUSA, GERA RELAÇÃO JURÍDICA

ENTRE O ESTADO (SUJEITO ATIVVO) E AGENTE ( SUJEITO PASSIVO).

No crime tributário a sonegação fiscal atua como causa. O parcelamento do

débito, quando permitido, repercute na relação jurídica, especificamente, no

conteúdo, dado modificar o direito de recebimento do credor. Em havendo

parcelamento (acordo de vontades), enquanto não vencido, pelo menos em

parte, torna-se vincendo. O parcelamento não se confunde com a novação

(esta implica substituição da relação jurídica, com mudança do devedor, do

credor, ou do objeto da prestação). O parcelamento, ao contrário, mantém a

relação jurídica e repercute apenas nas condições de pagamento. O

parcelamento não está arrolado entre as causas de extinção do crédito

tributário (CTN, art, 156). Impõe-se também aqui, interpretação lógico-

sistemática; invoquem-se, ademais, os princípios gerais das obrigações. O

parcelamento não é causa extintiva da obrigação tributária. Todavia, em

sendo honrado, implica pagamento. Assim, obtido o parcelamento, na

vigência e condições da Lei nº 8.137/90, mantém-se a relação jurídica

constituída. Não é afetada (decorrência do direito adquirido) pela Lei nº

8.383/91.252

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO

FISCAL. PARCELAMENTO SERÔDIO.

O parcelamento do débito tributário e dos acessórios ocorridos após o

oferecimento da denúncia não enseja a pretendida extinção da punibilidade e

nem evidencia por si, a inexistência de dolo. Writ denegado.253

252 HC nº 7231/DF, STJ, 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 17/02/99, pág. 00166. 253 HC nº 9033/SP, STJ, 5ª Turma, RE. Min. Felix Fischer, DJ de 21/06/99, pág. 00178.

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Já a segunda corrente entendia que o acordo celebrado entre o fisco e o

contribuinte, formalizado por meio do parcelamento antes do recebimento da

denúncia, teria o condão de extinguir a punibilidade nos termos do artigo 34, da Lei

nº 9.249/95, tendo em vista que a expressão “promover o pagamento”, contida no

caput deste artigo, devia ser interpretada como todo ato concreto dirigido ao

pagamento do tributo.

PENAL. DÉBITO TRIBUTÁRIO. PARECLAMENTO ANTERIOR AO

RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.

1. O acordo de parcelamento do débito tributário, efetivado antes do

recebimento da denúncia, enseja a extinção da punibilidade prevista na Lei nº

9.249/95, art. 34, porquanto a expressão “promover o pagamento” deve ser

interpretada como qualquer manifestação concreta no sentido de pagar o

tributo devido.

2. “Habeas Corpus” conhecido: pedido deferido.”254

PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’, CRIME CONTRA A ORDEM

TRIBUTÁRIA. PARCELAMENTO DO DÉBITO. EXTINÇÃO DA

PUNIBILIDADE. REPRESENTAÇÃO FISCAL (LEI Nº 9.430/96, ART. 83).

IRRELEVÂNCIA PARA AÇÃO PENAL.

- A jurisprudência uniforme deste tribunal tem proclamado o entendimento de

que a concessão de pagamento parcelado de débito fiscal, deferido ante do

oferecimento a denúncia, enseja extinção da punibilidade, nos termos do art.

34 da Lei nº 9.249/95;

- Em sede de crimes contra a ordem tributária, a representação fiscal a que se

refere o art. 83 da Lei nº 9.430/96 não é condição de procedibilidade para a

promoção da ação penal, podendo o Ministério Público, no exercício de sua

competência legal, valer-se de quaisquer outros elementos informativos da

ocorrência do delito para oferecer a denúncia.

- “Habeas Corpus” parcialmente concedido.255

254 HC nº 9.099/SP, STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 13/12/1999, pág. 00164.

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Ainda dentro da segunda corrente, afirmava-se que a simples concessão do

parcelamento do débito tributário, ocorrida antes do recebimento da denúncia,

ensejaria a extinção da punibilidade do agente. Este entendimento baseava-se no

fato de que, no momento em que o Fisco formalizava um parcelamento com o

contribuinte, ocorria uma da novação da dívida, extinguindo-se a primeira obrigação

e fazendo surgir outra em seu lugar, sendo tal operação teria o efeito análogo ao do

pagamento.

Além disso, com base neste entendimento, seria irrelevante, para efeitos

penais, a adimplência ou não do aludido parcelamento. Logo, “em razão desse fato,

foi grande a inadimplência por parte dos agentes que tiveram sua punibilidade

extinta como decorrência da simples adesão ao parcelamento, já que na esfera

penal nada mais poderia ser feito contra eles.”256

Essa discussão sobre os efeitos do parcelamento do débito tributário perdurou

até a entrada em vigor da Lei nº 10.684/2008, que reiterou o disposto na Lei nº

9.964/00 acerca do fato do referido parcelamento suspender a pretensão punitiva do

Estado, conforme o julgado abaixo transcrito:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM

TRIBUTÁRIA. PARCELAMENTO DE DÉBITO. SUSPENSÃO DA

PUNIBILIDADE. ART. 9º DA LEI 10.684/03. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO

PUNITIVA.

I – O simples parcelamento de débito tributário não é procedimento apto a

extinguir a punibilidade por crimes decorrentes de ofensa à Lei nº 8.137/90. II

– Necessidade de quitação integral perante as autoridades fazendárias. III –

Ordem concedida de ofício para suspender a punibilidade do agente, bem

como da prescrição punitiva.257

255 HC nº 6409/MA, STJ, 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, DJ de 09/11/98, pág. 00171. 256 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 284 257 STF – RHC 89152. Rel. Min. Ricardo Lewandowski – DJ. 22.09.2006.

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Outro aspecto referente à Lei nº 10.684/2003 foi a ausência do marco

temporal limite para a formalização do parcelamento. Assim, os nossos tribunais

passaram a entender que o acordo entre o Estado e o contribuinte, visando à

suspensão da pretensão punitiva, poderia ocorrer a qualquer e momento, desde que

não houvesse o trânsito em julgado da ação penal.

Neste sentido:

AÇÃO PENAL. CRIME TRIBUTÁRIO. NÃO RECOLHIMENTO DE

CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DESCONTADAS AOS

EMPREGADOS. CONDENAÇÃO POR INFRAÇÃO AO ART. 168-a, C.C.

ART. 71, DO CP. DÉBITO INCLUÍDO NO PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO

FISCAL – REFIS. PARCELAMENTO DEFERIDO, NA ESFERA

ADMINISTRATIVA PELA AUTORIDADE COMPETENTE. FATO

INCONTRATÁVEL NO JUÍZO CRIMINAL. ADESÃO AO PROGRAMA APÓS

O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. TRÂNSITO EM JULGADO ULTERIOR

DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. IRRELEVÂNCIA. APLICAÇÃO

RETROATIVA DO ART. 9º DA LEI Nº 10.684/03. NORMA GERAL E MAIS

BENÉFICA AO RÉU. APLICAÇÃO DO ART. 2º, § ÚNICO, DO CP, E ART. 5º,

XL, DA CF. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA E DA PRESCRIÇÃO.

HC DEFERIDO PARA ESSE FIM. PRECEDENTES.

No caso de crime tributário, basta, para suspensão da pretensão punitiva e da

prescrição, tenha o réu obtido, da autoridade competente, parcelamento

administrativo do débito fiscal, ainda que após o recebimento da denúncia,

mas antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.258

Por fim, o instituto a suspensão da pretensão punitiva do Estado nos termos

acima expostos, o foi mantido na vigência da Lei nº 11.941/2009.

258 HC nº 85048/RS, STF, 1ª Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ. 30.05.06

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1.8 A extinção da punibilidade mediante o pagamento do tributo.

O pagamento do débito tributário como forma de extinguir a punibilidade

relativa aos crimes contra a ordem tributária surgiu no Brasil juntamente com a

tipificação dos delitos desta natureza.

A fundamentação da extinção da punibilidade dos crimes fiscais “pode ser

analisada sob dois enfoques; o político-fiscal e o jurídico penal. No primeiro,

vislumbra-se uma finalidade extrajurídico-penal da autodenúncia, baseada em

critérios essencialmente fiscais, como função de estímulo, de modo a facilitar o

retorno do contribuinte à honestidade fiscal. No segundo, fundamenta-se a

autodenúncia no âmbito da teoria penal da desistência voluntária e da reparação do

dano.”259

Como exemplo prático do enfoque político-fiscal e jurídico penal, a Lei nº

9.964/2000, instituiu o Programa de Recuperação Fiscal, que se destinava a

regularização do contribuinte inadimplente junto à União Federal. Além disso, esta

norma possuía um regramento penal, quando previu em seu artigo 15, a

possibilidade de suspensão da pretensão punitiva, a extinção da punibilidade

mediante o pagamento do tributo, bem como a suspensão da prescrição criminal

durante o período do parcelamento.

1.9 O pagamento do pagamento do tributo.

Conforme já estudado no decorrer deste trabalho, as legislações criadas para

tratarem dos delitos tributários, quais sejam, as Leis nºs 4.279/65 e 8.137/90, traziam

respectivamente em seus artigos 2º e 14º a possibilidade de extinção da punibilidade

mediante o pagamento do débito tributário.

259 PRADO. Luis Régis, Direito Penal Econômico, p. 283

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A única diferença neste aspecto entre ambas era com relação ao momento do

pagamento. A primeira legislação previa que este ato deveria ocorrer antes do início

do processo fiscal na esfera administrativa, enquanto que a segunda, previa que o

pagamento deveria ocorrer antes do recebimento da denúncia criminal.

Esta última regra vigorou até 1991, quando o artigo 98 da Lei nº 8.383/91,

revogou expressamente os dispositivos legais que até momento cuidavam da

matéria, sendo a questão somente voltou a ser disciplinada com a edição da Lei nº

9.249/95, que restituiu em artigo 34, o pagamento do tributo, inclusive acessórios,

antes do recebimento da denúncia, como forma de extinção da punibilidade dos

crimes tributários.

Esta vigorou até 2003, quando entrou em vigor a Lei nº 10.684/2003, que

previa no §2º do artigo 9º, a possibilidade de extinção da punibilidade mediante o

pagamento integral do tributo. Contudo, como a referida norma não fez menção

sobre o momento em que este pagamento deveria ocorrer, os tribunais passaram a

entender que este ato poderia ocorrer a qualquer momento da ação penal, inclusive

após o recebimento da denúncia e do trânsito em julgado.

Neste sentido:

HABEAS CORPUS. PENAL. ICMS. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA.

ADESÃO AO PROGRAMA DE PARCELAMENTO INCENTIVADO (PPI) E

POSTERIOR PAGAMENTO DO DÉBITO, APÓS O TRÂNSITO EM

JULGADO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 9.º,

§ 2.º, DA LEI N.º 10.684/2003. PLEITO DE SOBRESTAMENTO DA

EXECUÇÃO PENAL ATÉ O JULGAMENTO DE REVISÃO CRIMINAL.

HABEAS CORPUS CONCEDIDO.

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1. O art. 9.º, § 2.º, da Lei n.º 10.684/2003 estabelece expressamente que da

quitação integral do débito tributário pela pessoa jurídica, decorre a extinção

da punibilidade.

2. É entendimento jurisprudencial desta Corte Superior que com o advento da

Lei n.º 10.684/03 o pagamento do tributo a qualquer tempo extingue a

punibilidade quanto aos crimes contra a ordem tributária.

Precedente.

3. Habeas corpus concedido para sobrestar a execução do feito até que se

julgue a Revisão Criminal.260

Assim, com base nesta linha jurisprudencial, além das ações em trâmite, era

possível extinguir a pretensão executória do Estado na esfera penal, ou seja,

mediante o pagamento integral do crédito tributário, era possível extinguir o

cumprimento de pena de um determinado agente condenado pela prática de crime

contra a ordem tributária.

É oportuno salientar ainda, que antes da Lei nº 10.684/2003, a única vez em

que alguns acórdãos admitiram a extinção punibilidade em virtude de pagamentos

de tributos após o recebimento da denúncia, foi para os crimes previdenciários

praticados na vigência da Lei nº 8.212/91.

Contudo, tratou-se de uma questão peculiar, pois como não havia à época da

Lei nº 8.212/91, uma norma que tratasse da extinção da punibilidade mediante o

pagamento do tributo, e tendo em vista que a Lei nº 8.383/91, em seu artigo 98,

revogou o artigo 14 da Lei º 8.137/90, com o surgimento da Lei nº 9.249/95, o seu

artigo 34, que reeditou a mencionada causa extintiva, foi aplicado de maneira

analógica e retroativamente, nos termos do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal,

e artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal.

260 HC nº 232.367/SP, STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ. 05/06/2012

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No mais, visando evitar novamente a incidência destas situações, a Lei nº

11.941 de 2009, posterior à Lei nº 10.684/2003, além de manter a redação desta

norma referente à suspensão da pretensão punitiva e a prescrição penal, deixou

expresso em seu artigo 69261, que a extinção da punibilidade relativa aos crimes

tributários, somente ocorreria após a quitação integral dos débitos inseridos no

regime de parcelamento.

1.10 A Lei nº 12.382/2011 e a sua aplicação aos cri mes contra a ordem

Tributária.

Após anos de divergência legislativa e jurisprudencial acerca do marco

temporal acerca a suspensão da pretensão punitiva ou da extinção da punibilidade

mediante, respectivamente, o parcelamento ou o pagamento integral do tributo, em

01 de março de 2011, entrou em vigor a Lei nº 12.382, de 25 de fevereiro de 2011.

Esta norma, em seu artigo 6º, alterou a redação do artigo 83 da Lei nº

9.430/96, que passou a ter a seguinte alteração:

Art. 6o O art. 83 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar

acrescido dos seguintes §§ 1o a 5o, renumerando-se o atual parágrafo único

para § 6o:

“Art. 83. ...

§ 1º Na hipótese de concessão de parcelamento do crédito tributário, a

representação fiscal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério

Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento.

§ 2o É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes

previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa

jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no

261 Art. 69. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.

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parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado

antes do recebimento da denúncia criminal.

§ 3o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da

pretensão punitiva.

§ 4o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a

pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o

pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que

tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.

§ 5o O disposto nos §§ 1o a 4o não se aplica nas hipóteses de vedação legal

de parcelamento.

§ 6o As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei no 9.249, de 26 de

dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos

e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz.” (NR)

Observa-se pela transcrição supra, que a referida lei alterou redação do artigo

83 da Lei nº 9.430/96 que, conforme já discutido no decorrer deste trabalho, foi

considerada pelo STF como uma norma cunho administrativo, ou seja, voltada para

os entes da administração pública.

Todavia, em virtude da sua nova redação, esta lei, além do seu caráter

administrativo, passou também a vincular o Poder Judiciário, na medida em que

reiterou o disposto nas legislações anteriores no que tange à prescrição penal, a

suspensão da pretensão punitiva e a extinção da punibilidade relativa aos delitos

tributários. Além disso, foi acrescentado ao artigo 83 da Lei nº 9.430/96, o parágrafo

2º, que dispõe que a representação fiscal para fins penais somente será

encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do

parcelamento, numa ratificação expressa acerca da suspensão da pretensão punitiva

mediante o parcelamento do débito tributário.

Não obstante, o aspecto mais relevante desta norma, foi a inclusão dos

parágrafos 2º e 6º ao citado artigo e que prevêem que o parcelamento e a quitação

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integral do débito somente surtirão efeitos na esfera penal, se forem realizados antes

do recebimento de denúncia criminal.

Num primeiro momento, os respectivos dispositivos legais, levam a conclusão

que a referida norma estabeleceu um limite temporal para que o parcelamento ou

pagamento dos débitos tributários repercutam dentro da ação penal, ao prever que

ambos devem ocorrer antes do recebimento da denúncia.

Desta forma, estariam revogados os dispositivos contidos nas Leis nºs

10.684/2003 e 1.1941/2009, que permitiam o pagamento e parcelamento do débito

tributário, para fins penais, após o recebimento da denúncia.

No entanto, em que pese os entendimentos em contrário, entendemos que o

parcelamento do débito tributário, visando gerar efeitos penais, ainda pode ser

realizado no curso da ação penal, na medida em que as normas que tratam desta

matéria antes da entrada em vigor da Lei nº 12.382/2012, não foram expressamente

revogadas por esta.

Ademais, nunca é demais frisar, que nos termos do artigo 9º, da Lei

Complementar nº 95/98262, que atende o previsto no inciso IV do art. 59 da CF/88,

sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis, um dispositivo legal

somente pode ser revogado de forma expressa, não havendo que se falar assim, em

revogação tácita de uma lei ou outra.

Além disso, no que tange à necessidade do pagamento do débito tributário

ocorrer antes do recebimento da denúncia, visando a extinção da punibilidade do

agente, a Lei nº 12.382/2012, neste particular, apenas reiterou a redação original do

art. 34 da Lei nº 9.249/95, que vigorava à época em que as Leis nºs 10.684/03 e

11.941/08 entraram em vigor.

262 Art. 9o A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas

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Por fim, ressalte-se ainda que, na hipótese da Lei nº 12.382/2012 prevalecer

sobre as demais normas em sentido contrário, a mesma, por ser uma lei de caráter

penal, só deve gerar efeitos sobre os débitos tributários constituídos (momento da

consumação do delito tributário) a partir da sua entrada em vigor, ou seja, 01 de

março de 2011, nos termos do artigo 2º, parágrafo único do Código Penal e art. 5º,

inciso XL, da Constituição Federal de 1988.

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CAPÍTULO V - QUESTÕES POLÊMICAS SOBRE A PROTEÇÃO PE NAL

TRIBUTÁRIA.

1. A criminalização dos ilícitos tributários como q uestão de ultima ratio

do direito penal brasileiro.

Já fora devidamente abordado no decorrer deste trabalho que o direito penal

passou a tutelar a arrecadação tributária, diante da sua importância junto à

sociedade e economia de um país, tanto que, a título de exemplo, o Código Penal

Português de 1886 já tratava do tema ao dispor sobre as infrações aduaneiras.

Susana Aires de Sousa aduz que “trata-se de um bem jurídico colectivo cuja

titularidade pertence à comunidade dos indivíduos, por meio do Estado que se

compromete a realizar uma gestão adequada e a prosseguir objectivos econômicos

e sociais reconhecidos como fundamentais pela sociedade.”263

Entretanto, com base no princípio da intervenção mínima, também conhecido

como ultima ratio, “o poder incriminador do Estado, preconiza que a criminalização

de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de um

determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle

social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é

inadequada e não recomendável.” 264

Desta forma, diante desta premissa, bem como das inúmeras leis

promulgadas no Brasil que permitem a suspensão ou a extinção da punibilidade do

agente que pratica um crime contra a ordem tributária mediante, respectivamente, o

parcelamento ou pagamento do tributo, diversos questionamentos acerca da

necessidade, ou não, da criminalização dos ilícitos tributários passaram a surgir na

doutrina nacional e internacional.

263 SOUSA. Susana Aires, op. cit., p. 299. 264 BITENCOURT. Cezar Roberto, op. cit., p. 43.

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Fabio Romeu Canton Filho, afirma que, no tange aos crimes tributários, “a

solução mais razoável seria o fortalecimento do direito administrativo, com a adoção

de normas rígidas de prevenção e repressão à prática de delitos de natureza

tributária ou econômica, por meio de pessoas jurídicas, com a imposição de

penalidades de caráter não penal.”265

Seguindo a mesma linha, qual seja, a da aplicação do direito penal como

ultima ratio nos delitos tributários, Anabela Miranda Rodrigues, citada por Pedro Luiz

Ricardo Gagliardi, afirma que:

É sabido que ao Estado hoje cabe assegurar ao cidadão não só a liberdade

de ser como a liberdade para o ser. E a satisfação de prestações necessárias

à existência do indivíduo em sociedade deve ser garantida pelo Estado ao

mesmo nível que a protecção dos seus direitos fundamentais, quanto estiver

em causa a lesão ou perigo de lesão dos interesses ou valores aí contidos –o

que vale por dizer, ao nível penal. Bens jurídicos dignos desta protecção são,

na verdade, tanto aqueles que surgem como concretização de valores

jurídico-constitucionais ligados aos direitos sociais e à organização

econômica, como os que surgem como concretização de valores ligados aos

direitos, liberdade e garantias.

(...)

Com isso, é inequivocamente o critério político-criminal da necessidade que

se reconhece como critério decisivo legitimador da criminalidade de

comportamentos que implicam fuga ilegítima ao Fisco. Que, entretanto,

implica que a decisão criminalizadora não baste como a pura dignidade

constitucional dos valores a proteger, mas obedeça a razões de

subsidiaridade e eficácia.

Significa isso, então, que a decisão de criminalização só está legitimada se

revela, em primeiro lugar, dimensão de ultima ratio: não se encontram à

265 CANTON FILHO. Fabio Romeu, op. cit., p.103.

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disposição do Estado meios não criminais de política social adequados e

suficientes para a protecção dos valores que está em causa garantir.

E, em segundo lugar, que a referida legitimidade da criminalização só se

alcança se os meios de natureza penal utilizados são aptos a tutelar, de modo

eficaz, os bens ou valores que importa garantir.”266

Ademais, para os que defendem a tese de que a intervenção mínima do

direito penal significaria a abolicionismo, Eduardo Reale Ferrari expõe que

“consoante o princípio da intervenção mínima, o Estado e o seu aparelho penal não

devem fazer mais do que o suficiente na área econômica, intervindo apenas quando

estritamente necessário. O Estado deve ser minimalista em suas intervenções,

pregando por um direito penal mínimo, não se constituindo compulsoriamente em

sinônimo de abolição.”267

Portanto, se o Estado, que é o real destinatário dos impostos recolhidos pelos

contribuintes, abdica do direito de punir o agente que frauda o fisco, mediante o

pagamento do tributo, nada mais salutar que a arrecadação tributária, em que pese a

sua importância para o desenvolvimento social, deixar de ser tutelada pelo direito

penal, para ser abrangida por outros seguimentos do Direito, dentre eles, o direito

administrativo sancionador.

2. A denúncia genérica nos crimes tributários e a s ua flexibilização como

ofensa aos princípios constitucionais do contraditó rio, ampla defesa e

dignidade da pessoa humana.

Conforme já abordado do decorrer deste trabalho, os crimes contra a ordem

tributária são processados mediante ação penal pública incondicionada268. Assim, a

denúncia, peça inaugural nesta ação, deve atender os requisitos do artigo 41 do

266 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da, Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais., p. 545. 267 Ibid., p. 595. 268 Súmula nº 609 do Supremo Tribunal Federal.

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Código de Processo Penal, sob pena de ser considerada inepta e,

consequentemente, rejeitada pelo magistrado nos termos do artigo 395 do CPP.

Dentre estes requisitos encontra-se a qualificação do acusado ou as

circunstâncias que possam identificá-lo, bem como a individualização da sua conduta

na suposta prática delituosa, pois “a autoria de um delito é o liame que une o fato

delituoso ao seu executor e o estabelecimento desse elo de ligação, via de regra,

não se constitui numa tarefa difícil para o aplicador da lei penal, haja vista a maior

incidência dos crimes denominados monossubjetivos ou de autoria única.”269

Em relação à “coautoria ou participação, a denúncia deve apontar a conduta

de cada coautor ou partícipe individualizadamente.”270 No mesmo sentido, é o

entendimento de Marco Antonio Marques da Silva e Jayme Walmer de Freitas, ao

afirmarem “que a denúncia deve especificar claramente o comportamento de cada

um dos acusados, ainda que diversos, como nos crimes de autoria coletiva”271.

Contudo, esta suposta facilidade em determinar o autor, coautor e partícipe de

um determinado delito, tornou-se uma matéria mais complexa com o surgimento dos

chamados crimes societários, ou seja, aqueles praticados por intermédio de pessoas

jurídicas.

Nestes delitos, dentre eles os crimes contra a ordem tributária, são praticados

pelas pessoas que compõe a administração de uma sociedade, sendo que nem

sempre é possível apurar “a responsabilidade pela tomada das decisões no âmbito

interno das empresas ou entidades, por vezes realizadas de modo colegiado.”272

269 SILVA. Marco Antonio Chaves da, A Autoria Coletiva em Crimes Tributários, p. 77. 270 GRECO FILHO. Vicente, Manual de Processo Penal, p. 144. 271 SILVA. Marco Antonio Marques da; FREITAS. Jayme Walmer, Código de Processo Penal Comentado, p. 105. 272 RUIZ FILHO. Antonio; SICA. Leonardo (coord.), Responsabilidade Penal da Atividade Econômico-Empresarial, p. 459.

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Assim, diante da dificuldade em adequar a regra do artigo 41 do CPP às

peculiaridades dos crimes tributários, bem como aumento da impunidade relativa a

estes crimes, sugiram na década de 1970 os primeiros precedentes jurisprudenciais

visando a inversão do ônus da prova e a relativização dos princípios da não-

culpabilidade e presunção de inocência nestes delitos.

E o início deste novo entendimento ocorreu no julgamento do RHC nº

50.880273 pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em 25.5.1973, onde se

discutiu o recebimento de queixa por crime de violação do direito de marca, cuja

previsão legal estava contida nos revogados art. 175 e 177 do Decreto-lei 7.903/45.

Na oportunidade o Ministro Relator Rodrigues Alckmin, endossando o parecer

da Procuradoria Geral da República, proferiu o seu voto, acompanhado por pela

maioria dos ministros da 1ª Turma, no sentido de negar provimento ao referido

recurso, sob o argumento de que a mera exteriorização da vontade aliada à

condição de diretor seria fundamento suficiente para o oferecimento da denúncia:

EMENTA: Habeas Corpus – Crime de violação ao direito de marca, de

violação do direito de expressão ou sinal de propaganda e de concorrência

desleal pelo desleal pelo desvio de clientela. Alegação de inépcia da queixa

por falta de descrição da participação de cada um dos querelados nas ações

delituosas – Improcedência – Recurso não provido.

No bojo deste acórdão, o Ministro Rodrigues Alckmin manifestou-se no

seguinte sentido:

Acrescento ainda, que a alegação de que se não descreveu a participação de

cada um dos querelados nas ações delituosas não atentar para a

peculiaridade dos tipos mencionados. Não exigem eles a direita realização

dos atos materiais, que componham as ações, pelos p róprios réus, mas 273 Publicado em 26.9.1973.

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a extrinsecação da vontade das pessoas físicas, às quais cabe deliberar

sobre a atividade comercial da sociedade. Ora tal, deliberação cabe aos

diretores, não havia descrever a participação de ca da um, como se

tratasse de atos materiais singulares que se fracio nassem ou se

distinguissem no processo executivo dos crimes. (grifo nosso)

Observe que, apesar de não se tratar de um julgamento relativo aos crimes

tributários, o trecho do acórdão ora transcrito revelou o entendimento do STF à

época no sentido de que o julgador, visando viabilizar a denúncia em casos de

autoria delitiva, deveria desprezar a delimitação da autoria e o liame entre a conduta

do agente e os fatos a ele imputados, numa clara demonstração da responsabilidade

penal objetiva.

Além disso, a ausência da ligação entre a conduta do agente e o fato descrito

como crime, na visão do Supremo Tribunal Federal era considerada uma mera

omissão que poderia perfeitamente sanada ao longo da instrução processual.

Neste sentido foi o acórdão proferido nos autos do HC nº 51.451274, também

da 1ª Turma do STF:

EMENTA – Habeas corpus. Crime contra privilégio de invenção. Alegação de

inépcia da queixa, pela fatal de descrição da participação de cada querelado

na ação delituosa. Improcedência. Queixa que contém os requisitos

indispensáveis ao conhecimento da imputação e ao pleno exercício de defesa.

Não é possível exigir, para a propositura da ação penal por crimes em matéria

de propriedade industrial, que a queixa descreva a atividade de cada

querelado nas deliberações reservadas tomadas na sociedade: tal exigência

impune à persecução criminal destes delitos. Ordem de habeas corpus

indeferida.

274 HC nº 51.451. STF 1ª Turma. Min. Rel. Rodrigues Alckmin, DJ 19.12.1973

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É oportuno salientar, que dentro do voto condutor, ficou consignado que:

...

Desde que a queixa impute a violação do privilégio a todos os pacientes, a

falta da discriminação da conduta de cada um destes poderia, no máximo, ser

censurada como omissão suprível a todo tempo antes da decisão final.

Desta forma, com base neste posicionamento dos nossos tribunais acerca do

tema, e também diante da suposta dificuldade em individualizar a conduta de cada

agente na prática dos delitos societários, foi concedido ao Ministério Público uma

condição de hipossuficiente na relação processual, o que lhe garantia o direito de

apresentar uma denúncia genérica em casos de autoria delitiva.

No entanto, diante desta prerrogativa concedida ao órgão acusador, este

passou a denunciar, em casos de crimes cometidos no âmbito de uma sociedade,

todos os sócios com poderes de gerência que compunham o quadro societário. Esta

denúncia, não necessitava descrever a contribuição de cada na suposta prática

delituosa, pois havia uma presunção de que estes agentes teriam de alguma forma,

em razão o cargo que ocupavam, praticado ou autorizado os atos.

Este foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal no julgamento dos RHC

nº 59.857/SP e RHC nº 53.362.

Portanto, num primeiro momento, percebe-se que, com o intuito de evitar o

sentimento de impunidade nos delitos societários e visando combater esta nova

modalidade de criminalidade que surgiu com a evolução das relações sociais, os

nossos tribunais, mais precisamente o Supremo Tribunal Federal e o Superior

Tribunal de Justiça, afrouxaram as garantias constitucionais, ao permitirem que,

nestes delitos, não haveria a necessidade da descrição pormenorizada da

participação pessoal de cada acusado no ato da denúncia.275

275 RHC nº 65.369/SP, STF, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento 02/10/1987; HC nº 75.868/RJ, STF. 2ª Turma, Rel. Min. Mauricio Correa, julgamento 10/02/1998; HC nº 74.813/RJ, STF. 1ª Turma, Rel. Min.

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No entanto, este posicionamento possibilitou aos órgãos de acusação a

possibilidade de oferecer denúncias criminais onde a autoria delitiva era baseada

totalmente no quadro societário de uma determinada empresa, ou seja, o parquet

estava autorizado a denunciar um agente pelo simples fato dele compor o quadro

societário na função de sócio gerente, sendo que cabia a este, numa clara inversão

do ônus da prova, comprovar no decorrer da instrução processual, qual era a sua

função dentro da administração da empresa e acima de tudo, provar que não teve

qualquer ligação com o suposto crime praticado.

Assim, esta postura da acusação, corroborada pelos nossos tribunais à

época, ocasionou a configuração da Responsabilidade Penal Objetiva,

extremamente vedada no direito penal pátrio, pois apesar de não ser exigível nos

crimes societários, a descrição pormenorizada da conduta de cada agente, deveria o

órgão acusatório estabelecer um vínculo entre os denunciados e a empreitada

criminosa as eles imputada, ou seja, deveria descrever ao menos o modo como cada

denunciado concorreu para a prática delitiva, o que nitidamente infringia aos

princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório, da dignidade da pessoa,

devido processo legal, bem como à Convenção Americana de Direitos Humanos

(Pacto de San José da Costa Rica.)

Vale ressaltar que a responsabilidade objetiva não se presume, sendo

extremamente necessário apontar, ainda que minimamente, a contribuição dos

acusados para a prática do delito em questão, ou seja, a acusação deveria informar

no bojo da denúncia como foi a atuação de cada acusado na suposta prática do

crime de falsidade ideológica, e não apenas atribuir a eventual autoria, pelo simples

fato dos mesmos serem sócios-gerentes da empresa autuada, como foi realizado.

Assim, visando adaptar as garantias constitucionais ao processo penal, tanto

o Superior Tribunal de Justiça quanto o Supremo Tribunal Federal reformaram o seu

Sydney Sanches, julgamento 09/09/1997; RHC nº 906/RJ, STJ, 6ª Turma, Rel. Min. José Cândido de Carvalho Filho, DJ 18;02/1991; RHC nº 1961/RJ, STJ, 6ª Turma, Rel. Min Adhemar Maciel, DJ 17/12/1992.

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entendimento, exigindo mais rigor em relação aos requisitos para veiculação da

pretensão punitiva estatal, priorizando assim, os princípios do devido processo legal

e da ampla defesa, como essenciais ao Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, foram os julgamentos proferidos pelo Superior Tribunal de

Justiça:

CRIMINAL. HC. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA.

TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. CRI ME

SOCIETÁRIO. NECESSIDADE DE DESCRIÇÃO MÍNIMA DA RELA ÇÃO DO

PACIENTE COM OS FATOS DELITUOSOS. OFENSA AO PRINCÍP IO DA

AMPLA DEFESA. ORDEM CONCEDIDA. EXTENSÃO AO CO-RÉU.

PENDÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. ALEGAÇÃO

PREJUDICADA.

I. Hipótese em que os pacientes foram denunciados pela suposta prática de

crime contra a ordem tributária, pois, na condição de responsáveis contratuais

e legais pela gerência e administração de empresa, teriam, em tese, omitido

informação ou prestado declaração falsa às autoridades fazendárias.

II. O entendimento desta Corte – no sentido de que, nos crimes societários,

em que a autoria nem sempre se mostra claramente comprovada, a fumaça

do bom direito deve ser abrandada, não se exigindo a descrição

pormenorizada da conduta de cada agente –, não significa que o órgão

acusatório possa deixar de estabelecer qualquer vínculo entre os denunciados

e a empreitada criminosa a eles imputada.

III. O simples fato de ser sócio ou administrador d e empresa não autoriza

a instauração de processo criminal por crimes prati cados no âmbito da

sociedade, se não restar comprovado, ainda que com elementos a serem

aprofundados no decorrer da ação penal, a mínima re lação de causa e

efeito entre as imputações e a sua função na empres a, sob pena de se

reconhecer a responsabilidade penal objetiva.

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IV. A inexistência absoluta de elementos hábeis a descrever a relação entre

os fatos delituosos e a autoria ofende o princípio constitucional da ampla

defesa, tornando inepta a denúncia.

V. Precedentes do STF e do STJ.

VI....” (grifos nossos)276

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 168- A, DO

CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DENÚNCIA I NEPTA.

A inicial de acusação que, sucinta e genérica, não descreve objetiva e

concretamente conduta delitiva e a participação do denunciado é formalmente

inepta, dada a inobservância do disposto no art. 41 do CPP.277

HABEAS CORPUS. CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO E

CONTRABANDO OU DESCAMINHO. DENÚNCIA CONTRA OS

DIRETORES E O SÓCIO MAJORITÁRIO DA EMPRESA. EXIGÊNC IA DA

DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE DELITUOSA DE CADA UM.

CONSTRANGIMENTO CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA.

Em se tratando de crimes societários de autoria coletiva, a doutrina e a

jurisprudência têm procurado abrandar o rigor do disposto no art. 41 do

Código de Processo Penal, dada a natureza dessas infrações , quando nem

sempre é possível, na fase de formulação da peça acusatória, operar uma

descrição detalhada da atuação de cada um dos indiciados, admitindo-se, em

conseqüência, um relato mais generalizado do comportamento que se tem

como violador do regramento de regência.

Não se admite, contudo, pelo evidente constrangimento que acarreta,

denúncia de caráter absolutamente genérico, sem ao menos um breve

detalhamento da atuação de cada um dos indicados, sem o que, por certo,

se inviabilizará o exercício amplo do direito de defesa.

276 HC nº 43.210 – SP, 5ª Turma do STJ, Rel. Ministro Gilson Dipp. 277 RESP 613948/RJ, 5ª Turma do STJ, Min. Rel. FELIX FISCHER, DJ 08.11.2004.

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No caso, mostra-se inepta a peça acusatória, que in voca a condição do

paciente de sócio majoritário da empresa para viabi lizar a peça

acusatória, sem fazer qualquer referência à sua pa rticipação na

atividade considerada delituosa, incluindo, também os nomes de

dirigentes por constarem do contrato social, respon sabilizando todos de

forma objetiva .

Habeas corpus concedido para trancar o andamento da ação penal, por

inépcia da denúncia, sem prejuízo do oferecimento de uma nova peça

acusatória, estendida aos demais co-réus.” 278(grifo nosso).

PENAL. PROCESSUAL. FRAUDE EM LICITAÇÃO. CRIME COMET IDO

CONTRA INTERESSES DA UNIÃO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. "HABEAS

CORPUS"

1. Nos chamados crimes societários, imprescindível que a denúncia descreva,

pelo menos, o modo como o acusado concorreu para o crime.

2. A mera invocação da condição de sócio, gerente ou administrador, sem a

descrição da conduta, não basta para viabilizar a peça acusatória, por impedir

o pleno direito de defesa. Denúncia inepta.

3. "Habeas Corpus" conhecido; pedido deferido.279

PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. CRIME CONTRA A ORD EM

TRIBUTÁRIA. DENÚNCIA INEPTA. AÇÃO PENAL. TRANCAMENT O.

A denúncia deve conter a exposição do fato criminoso, com todas as suas

circunstâncias (CPP, art. 41), com adequada indicação da conduta ilícita

imputada ao réu, de modo a propiciar-lhe o pleno exercício do direito de

defesa, uma das mais importantes franquias constitucionais.

- Contém a mácula da inépcia a denúncia que formula acusação genérica de

prática de crime contra a ordem tributária, sem apontar de modo

circunstanciado a participação da ré no fato delituoso. 278 HC 23819/SP, 6ª Turma do STJ, Min. Rel. Paulo Gallotti, DJ 06.09.2004.

279 HC 16318, 5ª Turma do STJ, Min. Rel. Edson Vidigal, DJ 04.02.2002.

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A mera qualidade de sócio ou diretor de uma empresa, na qual se constatou a

ocorrência de crime de sonegação fiscal, não autoriza que contra o mesmo

diretor seja formulada uma acusação penal em Juízo.

Recurso ordinário provido. Habeas-corpus concedido.280

PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CON TRA

A ORDEM TRIBUTÁRIA. DENÚNCIA CONTRA TODOS OS SÓCIOS .

POSSIBILIDADE. EXIGÊNCIA DA DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE

DELITUOSA DE CADA UM. CONSTRANGIMENTO CARACTERIZADO .

RECURSO PROVIDO.

1. Nos crimes chamados societários, de autoria coletiva, é possível oferecer

denúncia contra todos os sócios de uma empresa, desde que se opere uma

descrição da atividade de cada um, não se exigindo um grande

detalhamento, sem o que não se viabilizará o pleno exercício do d ireito de

defesa, mostrando-se inepta a peça acusatória que i nclui os nomes de

todos, sem fazer qualquer referência à sua particip ação na atividade

considerada delituosa.

2. Recurso em habeas corpus provido, trancando-se a ação penal em relação

à paciente, estendida a ordem a co-réu, ressalvada a possibilidade de nova

instauração.281 (grifos nossos)

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIMES SOCIETÁR IOS.

TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA

INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, AINDA QUE MÍNIMA, DO

ENVOLVIMENTO DO PACIENTE COM OS FATOS DELlTUOSOS.

1. A teor do entendimento pacífico desta Corte, o trancamento da ação penal

pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando

280 HC 11459, 6ª Turma do STJ, Min. Rel. Vicente Leal, DJ 14.08.2000. 281 HC 11537-DF, 6ª Turma do STJ, Min. Rel. Paulo Gallotti, DJ 08.10.2001.

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emerge dos autos, de forma inequívoca. a inocência do acusado, a atipicidade

da conduta ou a extinção da punibilidade.

2. Na hipótese em testilha, todavia, não se justifica a ação penal,

porquanto a denúncia , embora demonstre, de forma suficiente, a

existência de um grande esquema de evasão de divisa s, entre outros

delitos,não conseguiu evidenciar, com provas mínima s, a contribuição

do ora Paciente para a ocorrência de tais condutas. Ampara-se, apenas,

em meras suposições de seu envolvimento com os fato s delituosos,

que, inclusive, são afastados pelos documentos acos tados aos autos .

3. Recurso provido para determinar, em relação ao ora Paciente, o

trancamento da ação penal n.º 2003.70.00.047435-9.282

HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DEN ÚNCIA

CONTRA OS SÓCIOS DA EMPRESA. EXIGÊNCIA DA DESCRIÇÃO DA

ATIVIDADE DELITUOSA. CONSTRANGIMENTO CARACTERIZADO.

ORDEM CONCEDIDA.

1. Em se tratando de crimes societários, de autoria coletiva, a doutrina e a

jurisprudência têm procurado abrandar o rigor do disposto no art. 41 do

Código de Processo Penal, dada a natureza dessas infrações, quando nem

sempre é possível, na fase de formulação da peça acusatória, operar a uma

descrição detalhada da atuação de cada um dos indiciados, admitindo-se, em

conseqüência, um relato mais generalizado do comportamento que se tem

como violador do regramento de regência.

2. Não se admite, contudo, pelo evidente constrangimento que acarreta,

denúncia de caráter absolutamente genérico, sem ao menos um breve

detalhamento da atuação de cada um dos indiciados, sem o que, por certo, se

inviabilizará o exercício amplo do direito de defesa.

3. Mostrando-se inepta a peça acusatória, que invoca a condição dos

pacientes de sócios da empresa para viabilizar a peça acusatória, sem fazer

282 RHC 15.887/PR, 5ª Turma do STJ, Min. Rel. Laurita Vaz, DJ de 28/02/2005.

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qualquer referência às suas participações na atividade considerada delituosa,

evidenciado o constrangimento ilegal.

4. Habeas corpus concedido para trancar a ação penal de que aqui se trata,

por inépcia das denúncia, sem prejuízo do oferecimento de nova peça

acusatória, estendida a ordem aos demais corréus.283

CRIMINAL. HC. DESCAMINHO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. I NÉPCIA

DA DENÚNCIA. CRIME SOCIETÁRIO. IMPUTAÇÃO BASEADA NA

CONDIÇÃO DE SÓCIO DE EMPRESA. NECESSIDADE DE DESCRI ÇÃO

MÍNIMA DA RELAÇÃO DO PACIENTE COM OS FATOS DELITUOS OS.

INÉPCIA DA DENÚNCIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA D EFESA.

ORDEM CONCEDIDA.

Hipótese em que o Ministério Público imputou ao paciente a suposta prática

dos crimes previstos no art. 1º, incisos I e II da Lei nº 8.137/90, arts. 334, § 1º,

"c" e 288 c/c art. 29 e 69, do Código Penal, pois, na condição de sócio-

administrador da empresa, teria importado mercadorias acabadas para a Zona

Franca de Manaus, falsamente declaradas como insumos para

industrialização, e realizado a distribuição de tais mercadorias para o resto do

país como se tivessem sido produzidos naquela localidade, como forma de

usufruir de regime tributário especial.

O entendimento desta Corte de que não se exige, nos crimes societários, a

descrição pormenorizada da conduta de cada agente, não significa que o

órgão acusatório possa deixar de estabelecer qualquer vínculo entre o

denunciado e a empreitada criminosa a ele imputada.

O simples fato de ser sócio, gerente ou administrador de empresa não

autoriza a instauração de processo criminal por crimes praticados no âmbito

da sociedade, se não restar comprovado, ainda que com elementos a serem

aprofundados no decorrer da ação penal, a mínima relação de causa e efeito

entre as imputações e a sua função na empresa, sob pena de se reconhecer a

responsabilidade penal objetiva.

283 HC nº 62786-SP, 6ª Turma do STJ, Min. Rel. Haroldo Rodrigues, DJ de 05/10/2009

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A inexistência absoluta de elementos hábeis a descrever a relação entre os

fatos delituosos e a autoria ofende o princípio constitucional da ampla defesa,

tornando inepta a denúncia.

Precedentes do STF e do STJ.

Deve ser declarada a inépcia da denúncia e determinada a anulação da ação

penal em relação ao paciente. Ordem concedida, nos termos do voto do

Relator.284 (grifo nosso)

Já de maneira mais contundente, ou seja, atendendo aos princípios

constitucionais norteadores do processo do processo penal, foi o posicionamento do

Supremo Tribunal Federal acerca do tema:

HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSO PENAL TRIBUTÁRIO. DE NÚNCIA

GENÉRICA. RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA. INÉPCIA.

Nos crimes contra a ordem tributária a ação penal é pública.

Quando se trata de crime societário, a denúncia não pode ser genérica. Ela

deve estabelecer o vínculo do administrador ao ato ilícito que lhe está sendo

imputado. É necessário que descreva, de forma direta e objetiva, a ação ou

omissão da paciente. Do contrário, ofende os requisitos do CPP, art. 41 e os

Tratados Internacionais sobre o tema. Igualmente, os princípios

constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Denúncia que imputa co-responsabilidade e não descreve a responsabilidade

de cada agente, é inepta.

O princípio da responsabilidade penal adotado pelo sistema jurídico brasileiro

é o pessoal (subjetivo).

A autorização pretoriana de denúncia genérica para os crimes de autoria

coletiva não pode servir de escudo retórico para a não descrição mínima

da participação de cada agente na conduta delitiva. Uma coisa é a

284 HC 171976 / PA, 5ª Turma do STJ, Min. Rel. GILSON DIPP , DJe de 13/12/2010.

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desnecessidade de pormenorizar. Outra, é a ausência absoluta de

vínculo do fato descrito com a pessoa do denunciado .

Habeas deferido.285

1. AÇÃO PENAL. Denúncia. Deficiência. Omissão dos comportamentos

típicos que teriam concretizado a participação dos réus nos fatos criminosos

descritos. Sacrifício do contraditório e da ampla defesa. Ofensa a garantias

constitucionais do devido processo legal (due processo of Law). Nulidade

absoluta e insanável. Superveniência de sentença condenatória. Irrelevância.

Preclusão temporal inocorrente. Conhecimento da argüição em HC. Aplicação

do art. 5º, incs. LIV e LV, da CF. Votos vencidos. A denúncia que, eivada de

narração deficiente, dificulte ou impeça o pleno exercício dos poderes de

defesa, é causa de nulidade absoluta e insanável do processo e da sentença

condenatória e, como tal, não é coberta por preclusão.286

EMENTA: Habeas Corpus. 2. Responsabilidade penal objetiva. 3. Crime

ambiental previsto no art. 2º da Lei nº 9.605/98. 4. Evento danoso: vazamento

em um oleoduto da Petrobrás. 5. Ausência de nexo causal. 6.

Responsabilidade pelo dano ao meio ambiente não-atribuível diretamente ao

dirigente da Petrobrás. 7. Existência de instâncias gerenciais e de operação

para fiscalizar o estado de conservação dos 14 mil quilômetros de oleodutos.

8. Não-configuração de relação de causalidade entre o fato imputado e o

suposto agente criminoso. 8. Diferenças entre a conduta dos dirigentes da

empresa e atividades da própria empresa. 9. Problema da

assinalagmaticidade em uma sociedade de risco. 10. Impossibilidade de se

atribuir ao individuo e à pessoa jurídica os mesmos riscos. 11. Habeas Corpus

concedido.287

285 HC 80549/SP, 1ª Turma do STF, Min. Rel. NELSON JOBIM, DJ de 24/08/01. 286 HC nº 83.301-2/RS, 1ª Turma do STF, Min. Rel. Cezar Peluso. 287 HC nº 83.554/PR, STF. Min. Rel. Gilmar Mendes, DJ 28.10.2005.

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EMENTA: 1. Habeas Corpus. Crimes contra a Ordem Tributária (Lei nº 8.137,

de 1990). Crime societário. 2. Alegação de denúncia genérica e que estaria

respaldada exclusivamente em processo administrativo. Ausência de justa

causa para ação penal. Pedido de trancamento. 3. Dispensabilidade do

inquérito policial para instauração de ação penal (art. 46, § 1º, CPP). 4.

Mudança de orientação jurisprudencial, que, no caso de crimes societários,

que, no caso de crimes societários, entendia ser apta a denúncia que não

individualizasse as condutas de cada indiciado, bastando a indicação de que

os acusados fossem de algum modo responsáveis pela condução da

sociedade comercial sob a qual foram supostamente praticados os delitos.

Precedentes: HC nº 86.294-SP, 2ª Turma, por maioria, de minha relatoria, DJ

de 03.02.2006; HC nº 85.579-MA, 2ª Turma, unânime, de minha relatoria, DJ

de 24.05.2005; HC nº 80.812-PA, 2ª Turma, por maioria, de minha relatoria

para acórdão, DJ de 05.03.2004; HC nº 73.903-CE, 2ª Turma, unânime, Rel.

Min. Francisco Rezek, DJ de 25.04.1997; e HC nº 74.791-RJ, 1ª Turma,

unânime, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 09.05.1997. 5. Necessidade de

individualização das respectivas condutas dos indiciados. 6. Observância dos

princípios do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), da ampla defesa,

contraditório (CF, art. 5º, LV) e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º,

III). Precedentes: HC nº 73.590-SP, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Celso de

Mello, DJ de 13.12.1996; e HC nº 70.763-DF, 1ª Turma, unânime, Rel. Min.

Celso de Mello, DJ de 23.09.1994. 7. No caso concreto, a denúncia é inepta

porque não pormenorizou, de modo adequado e suficiente, a conduta dos

pacientes. 8. Habeas corpus deferido.288

Portanto, percebe-se com o passar dos anos, que a tendência dos nossos

tribunais foi de consolidar um posicionamento franco e inflexivelmente garantista,

sempre em prestígio dos essenciais princípios constitucionais do devido processo

legal, contraditório e da ampla defesa.

288 HC nº 85.327/SP, STF. Min. Rel. Gilmar Mendes, DJ 20.10.2006.

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CONCLUSÃO.

A Constituição Federal de 1988 definiu em seu artigo 1º que o Brasil constitui-

se em um Estado Democrático de Direito, cujos alicerces de sustentação são a

soberania popular, a cidadania e a dignidade da pessoa humana.

A principal função deste regime é impor a todos os seus componentes um

tratamento igualitário, de modo a garantir a justiça social e também não permitir

desigualdades entre os cidadãos.

Assim, para que este fim seja alcançado, o Estado deve investir em educação,

segurança, alimentação, moradia, saúde, transporte e outros meios indispensáveis à

subsistência da população, sendo que os recursos necessários para tal tarefa

inevitavelmente são oriundos do pagamento de impostos.

Desta forma, diante da importância que o bem jurídico tributário representa

para o Brasil, a própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 3º, I a IV, de

maneira implícita, passou a tutelá-lo, sendo que no âmbito do Direito Penal, leis

foram criadas para criminalizar a conduta daqueles que visavam fraudar a

fiscalização tributária no intuito de suprimir ou redução o pagamento de impostos.

Dentre elas, a Lei nº 8.137/90, que está em vigor atualmente, prevê em seus

artigos 1º e 2º os crimes praticados por particulares contra a ordem tributária. Já no

artigo 3º, encontram-se previstos os crimes praticados por funcionários públicos

contra o erário público, numa prova que o direito penal tutela a ordem tributária como

um todo e não somente o interesse do Estado na arrecadação de tributos.

Ainda sobre as condutas típicas previstas nos artigos 1º e 2º, da Lei nº

8.137/90, percebe-se que o intuito do legislador não foi penalizar a falta de

pagamento de tributos, mas sim, o não recolhimento ou o recolhimento a menor

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mediante fraude, que por sua vez, caracteriza-se pela omissão ou pela prestação de

informações falsas.

Ademais, para a caracterização dos crimes tributários, não basta a prática das

condutas elencadas nos artigos ora citados, mas também que o agente haja com o

dolo específico de burlar a administração tributária e, além disso, que a conduta por

ele praticada seja apta a suprimir ou reduzir tributos. Outrossim, diante desta

premissa, não há que falar em crime contra a ordem tributária na modalidade

culposa.

No que tange ao processo penal tributário, é importante destacar que a

ausência da constituição definitiva do débito tributário ou do lançamento do tributo

pela autoridade administrativa, é condição objetiva de punibilidade, ou seja,

enquanto perdurar o processo administrativo tendente a apurar o valor do tributo

devido, bem como o sujeito passivo da relação tributária, o ministério público não

poderá requisitar a instauração de inquérito policial ou oferecer denúncia criminal em

relação aos crimes contra a ordem tributária.

Este entendimento encontra-se pacificado atualmente no âmbito do Supremo

Tribunal Federal, por meio da Súmula Vinculante nº 24, em que pese a 1ª Turma

desta Corte ter afastado, recentemente, o teor da respectiva súmula em um caso

específico sobre sonegação fiscal.

Ainda a respeito da constituição definitiva do débito tributário, este aspecto

também determina o momento da consumação das figuras típicas no artigo 1º da Lei

nº 8.137/90, que são delitos materiais e, consequentemente, o início do prazo

prescricional relativo a estes crimes, nos termos do artigo 111, §1º do Código Penal.

O presente trabalhou verificou também, que determinados momentos, houve

uma tendência dos nossos tribunais em flexibilizar os requisitos processuais exigidos

para o oferecimento de denúncias pelo Ministério Público, principalmente em relação

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aos crimes tributários, o que gerou a apresentação de peças iniciais genéricas pelo

órgão acusador, ou seja, sem a individualização da conduta de cada agente.

Um dos argumentos deste comportamento processual foi o de garantir a

punição nestes delitos, em face da dificuldade de individualizar a conduta dos

agentes. Porém, esta não observância dos direitos e garantias individuais dentro do

processo penal tributário, também pode ser atribuída ao aumento da criminalidade

global, ou criminalidade moderna, que tem como principal expoente o Direito Penal

Econômico.

É sabido que os delitos econômicos (gênero), assim como os tributários

(espécie), podem afetar a economia nacional e até transnacional. Logo, visando

evitar este fenômeno, o Estado tende a assumir uma postura mais repressora na

esfera penal, sendo que a principal conseqüência desta atitude é a diminuição das

garantias constitucionais e o endurecimento das regras processuais na seara dos

delitos tributários, conforme acima exposto.

Por fim, diante da já debatida importância da arrecadação tributária, que serve

de fundamento para a proteção penal que lhe é destinada pelo legislador, que, por

sua vez, visa punir criminalmente aquele que frauda o erário público, percebe-se

também uma grande preocupação do Estado em garantir o recebimento dos tributos

sonegados.

Esta preocupação, inclusive em países como Portugal e Espanha, é

materializada por meio das inúmeras legislações editadas para este fim, que

garantem ao agente acusado pela prática de crime a contra ordem tributária, a

suspensão da pretensão punitiva ou a extinção da sua punibilidade, mediante o

parcelamento ou pagamento do tributo devido, respectivamente.

Assim, se o Estado, visando alcançar o seu objetivo maior, qual seja, a

materialização do Estado Democrático de Direito, através da construção de uma

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sociedade igualitária e que respeite a dignidade da pessoa humana, abre mão da

punição na esfera penal relativa aos delitos tributários, em troca da garantia do

recebimento do tributo, vislumbra-se que o bem jurídico tributário ou o combate à

sonegação fiscal, podem perfeitamente serem disciplinados por outros ramos do

Direito, como, por exemplo, em situações que envolverem pessoas que infringirem

as normas tributárias de maneira eventual e que não representem um perfil voltado a

prática delituosa.

Já o Direito Penal, no que tange ao assunto em questão, deve ser utilizado

somente em situações extremas, onde os outros ramos do direito não forem capazes

de dirimir o conflito existente em contribuinte e Estado.

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