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TUTELA PENAL DOS INTERESSES DIFUSOS E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO TUTELA PENAL DE LOS INTERESES DIFUSOS Y EL ESTADO DEMOCRÁTICO DE DERECHO Leonardo Costa de Paula RESUMO No presente estudo, discute-se a tipificação penal que incide nos bens difusos tutelados e a sua devida criminalização. Com intuito de contextualizar a reflexão, parte-se da análise dos movimentos repressivos penais, para, em seguida, conferir ênfase ao tratamento penal atualmente dispensado aos interesses difusos, identificando a política criminal da panpenalização, no sentido de criminalizar qualquer prática antes de se verificar sua adequação e efetividade. Nesse passo, procurou-se abordar brevemente a distinção entre interesses difusos e coletivos, sem descurar do tratamento constitucional ao assunto. Por fim, discutiu-se a efetiva finalidade do Direito Penal, demonstrando ser ineficaz e exagerado o tratamento dessas espécies de crimes. PALAVRAS-CHAVES: TUTELA PENAL DOS INTERESSES DIFUSOS, RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA PESSOA JURÍDICA, SUBSIDIARIEDADE DO DIREITO PENAL. RESUMEN En el presente estudio se discute la tipificación penal que incide sobre los bienes difusos tutelados y su debida criminalización. Con el objetivo de contextualizar la reflexión, se parte del analisis de los movimientos represivos penales, para, en seguida, conferir énfasis al actual tratamiento penal de los intereses difusos, identificando a la politica criminal de la panpenalizacíon, en el sentido de criminalizar cualquier practica antes de verificar su adecuación y efectividad. En este paso, se buscó abordar brevemente la distinción entre intereses difusos y colectivos, sin descuidar del tratamiento constitucional al asunto. Por fin, se discutió la efectiva finalidad del Derecho Penal, demostrando ser ineficaz y exagerado el tratamiento de esas espécies de crimenes. PALAVRAS-CLAVE: TUTELA PENAL DE LOS INTERESES DIFUSOS, RESPONSABILIZACIÓN PENAL DE LA PERSONA JURÍDICA, SUBSIDIARIEDAD DEL DERECHO PENAL. 1 INTRODUÇÃO 1405

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TUTELA PENAL DOS INTERESSES DIFUSOS E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

TUTELA PENAL DE LOS INTERESES DIFUSOS Y EL ESTADO DEMOCRÁTICO DE DERECHO

Leonardo Costa de Paula

RESUMO

No presente estudo, discute-se a tipificação penal que incide nos bens difusos tutelados e a sua devida criminalização. Com intuito de contextualizar a reflexão, parte-se da análise dos movimentos repressivos penais, para, em seguida, conferir ênfase ao tratamento penal atualmente dispensado aos interesses difusos, identificando a política criminal da panpenalização, no sentido de criminalizar qualquer prática antes de se verificar sua adequação e efetividade. Nesse passo, procurou-se abordar brevemente a distinção entre interesses difusos e coletivos, sem descurar do tratamento constitucional ao assunto. Por fim, discutiu-se a efetiva finalidade do Direito Penal, demonstrando ser ineficaz e exagerado o tratamento dessas espécies de crimes.

PALAVRAS-CHAVES: TUTELA PENAL DOS INTERESSES DIFUSOS, RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA PESSOA JURÍDICA, SUBSIDIARIEDADE DO DIREITO PENAL.

RESUMEN

En el presente estudio se discute la tipificación penal que incide sobre los bienes difusos tutelados y su debida criminalización. Con el objetivo de contextualizar la reflexión, se parte del analisis de los movimientos represivos penales, para, en seguida, conferir énfasis al actual tratamiento penal de los intereses difusos, identificando a la politica criminal de la panpenalizacíon, en el sentido de criminalizar cualquier practica antes de verificar su adecuación y efectividad. En este paso, se buscó abordar brevemente la distinción entre intereses difusos y colectivos, sin descuidar del tratamiento constitucional al asunto. Por fin, se discutió la efectiva finalidad del Derecho Penal, demostrando ser ineficaz y exagerado el tratamiento de esas espécies de crimenes.

PALAVRAS-CLAVE: TUTELA PENAL DE LOS INTERESES DIFUSOS, RESPONSABILIZACIÓN PENAL DE LA PERSONA JURÍDICA, SUBSIDIARIEDAD DEL DERECHO PENAL.

1 INTRODUÇÃO

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Atualmente a Tutela Penal dos Interesses Difusos parece embasada em princípios que dão sustentação a um movimento de penalização não condizente com o Estado Democrático de Direitos. Uma vez que tal tratamento penal tende a generalização do uso da pena como forma de resolução de todos os males da sociedade moderna.

Assim, alguns desses modelos de repressão penal devem ser entendidos, necessariamente, não só com a historicidade do tratamento penal no Brasil, mas junto com o poder midiático que é exercido, somente assim, possibilitando ser verificada a tendência atual da criminalização de qualquer prática que proteger bens jurídicos de grande relevância, como prima ratio.

Dessa forma, voltar-se-á, nos próximos tópicos, o olhar crítico para o foco de tais criminalizações, apresentando a repressão penal existente para esse bem jurídico, o qual se funda no movimento da Lei e Ordem, possibilitando-se que, em seguida, seja analisado o tratamento dispendido a aos bens jurídicos difusos, junto com a análise da reprovabilidade da conduta e incidentalmente a responsabilização penal da pessoa jurídica.

Guardando atinência ao princípio da coerência, se argui acerca da criminalização conferida a tais interesses difusos, com fundamento na incongruência latente nos tipos que dizem respeito a indivíduos de baixa renda, os excluídos e os possíveis tipos que possam incidir sobre as pessoas jurídicas ou agentes de maior poder aquisitivo.

Nesse diapasão, pergunta-se: qual a real finalidade do Direito Penal quando se relaciona aos bens jurídicos difusos e se a criminalização atual é compatível com os princípios de um Estado Democrático de Direito, no qual se utiliza a seara do Direito Penal como ultima ratio.

Seria o papel do Direito Penal defender o bem jurídico difuso, logo de início ou há a necessidade de se observar as esferas que deveriam incidir antes, quais sejam, o Direito Administrativo e o Direito Civil, para, só em seguida passar a ser da esfera da reprovabilidade penal?

2 MOVIMENTOS REPRESSIVOS PENAIS

Para que se entenda a legislação penal e o seu tratamento dentro dos direitos difusos cumpre analisar os movimentos repressivos penais que incidem, maculando o senso comum e, dessa forma, ocorrer a panpenalização.

O Direito Penal máximo pode ser vislumbrado como elemento que sustenta a ótica da Lei e Ordem, cuja bandeira mais importante tem sido difundida pelos Estados Unidos, ganhando repercussão quando da implantação em Nova York. Essa idéia adquire relevo na medida em que se entende que ordem denota pureza, denota coisa em seu devido lugar.[1] Nessa perspectiva, ordena-se a sociedade de forma a colocar os excluídos

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socialmente em situação vulnerável, pois quando invadirem o espaço alheio. Será aplicada a lei, em todo o rigor estatal.

Nos movimentos repressivos penais, também se encontra a Teoria das Janelas Quebradas, a qual parte do pressuposto de que aquele que quebra uma janela, não sendo punido, voltará para praticar delitos mais graves, devendo, por isso, ser reprimido todo e qualquer crime, evitando-se que esse indivíduo volte a cometer delitos. Ora, verifica-se que, quando o Direito Penal é chamado para resolver todos os problemas da sociedade; ou seja, quando é utilizado para todos e quaisquer bem, é importante que se verifique a finalidade desse tratamento.

Dentro de uma sociedade de classes, é importante analisar a cominação de penas para as práticas em que o agente ativo via de regra seja de baixa renda e aquelas nas quais incidem pessoas já de elevado poder aquisitivo, para que assim se identifique a congruência do sistema penal e a escolha do sujeito o qual será perseguido e a finalidade da tipificação penal adotada por determinado ordenamento jurídico.

O modelo de Estado neoliberal vigente pressupõe a supremacia estatal e legal, em detrimento do indivíduo e de seus direitos fundamentais. A esse respeito, é pertinente refletir sobre o teor da Lei dos Crimes Hediondos (8.072/1990), exemplo cristalino do repressivismo saneador, que defende a repressão total, ideológica e mistificadora.[2] Como a panacéia para todos os males.

Zaffaroni[3] deixa bem claro que a hipocrisia dos políticos não quer modificar a realidade, pois não atuam no sentido de resolver o problema em si e se orientam logo na busca da solução mais barata, a lei penal.

Este é o panorama da panpenalização, a qual afeta a sociedade, mas é ignorada pelo véu que a própria sociedade de classes impõe, o que se verifica claramente através do aparelho midiático; restando ao processo penal, junto com os pensadores que militam na academia enfrentar esse discurso, evitando o abuso da penalização.

Na mesma linha, atua o Direito Penal do Inimigo, basicamente dirigido às pessoas que supostamente perderam sua racionalidade, os terroristas, suicidas que não receiam nada, prontos para explodir qualquer lugar populoso, discurso fortalecido nos Estados Unidos, para proteger a nação de situações como o atentado de 11 de setembro de 2001.

Do ponto de vista acadêmico, o Direito Penal do Inimigo resulta de reflexão de Günther Jakobs[4] na qual entende que o criminoso deve ser visto como inimigo, definido como tal pela sociedade.

Para que esse sistema funcione, e tendo em mente fundamentar o trabalho do legislador, é necessário o conhecimento prévio dos anseios da sociedade. Tal teoria baseia-se justamente na falha da democracia representativa, já que esta não é o espelho da vontade do povo. Nessa linha de pensamento, cumpre indagar: será que é a sociedade quem legisla ou quem o faz é o segmento social que detém a hegemonia econômica, política, cultural e ideológica?

Aplicando-se à prática o exemplo de inimigo, vinculado à idéia de Jakobs, seriam os “terroristas; quando se transfere esse raciocínio à realidade brasileira, poderiam ser

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considerados como inimigos, por exemplo, os traficantes, que praticam o comércio ilícito de drogas (...) e que, basicamente, criam um estado paralelo”? [5]

A eleição do inimigo, portanto, não funciona somente para os terroristas, eis que extrapola sua área de abrangência, dando origem a um recrudescimento penal para aqueles indivíduos aos quais se atribui suposta lesividade exacerbada.

A definição do inimigo, embora nem sempre explicitada com clareza, é evidente quando se constata maior cominação penal ao pobre, ao desprovido de civilidade, enquanto que, aos que detêm maior poder econômico, vislumbra-se tratamento penal reduzido. Essa é uma das leituras válidas do Direito Penal do Inimigo, tal qual o faz o professor Rogério Greco[6].

A ‘sociedade’ escolhe aquele que vai ser o inimigo, dessa forma o etiqueta, torna-o excluído, depois que entrou no sistema penal, será estigmatizado quando solto, não encontrando oportunidades efetivas de ressocialização.[7] Com isso, forma-se o ciclo vicioso, já que, ao ingressar no sistema penal, o indivíduo ficará fadado à exclusão, conseguindo ofertas de emprego pior, sem considerar que a ressocialização que promete o sistema penal é apenas uma quimera.

De acordo com Binder[8], o sistema penal atua como forma de asseverar a desigualdade social, em função do fenômeno seletivo do sistema penal através do processo de rotulação do comportamento de classes sociais menos favorecidas com sua estigmatização, o que reforça a exclusão social.

O sistema penal que existente na realidade da América Latina se funda na exclusão, ou seja, nega o outro. Impõe-se um modo de ser, agir e conformar, de acordo com bases de imobilidade social, que se confunde com a própria negação do Direito e a constituição dirigente.[9]

E assim caminha a humanidade, ou a falta dela... Por isso, deve-se argüir e re-analisar o efetivo papel do Direito Penal em um Estado Democrático de Direito, particularmente, ao constatar que, através da manipulação discursiva existente na sociologia do risco, reafirma-se a suposta crença de que cabe ao Direito Penal o estabelecimento da segurança.[10]

Nesse sentido, é importante vislumbrar o tratamento conferido pelo do interesse difuso na esfera penal, atual, no intuito de compreender o papel dessa tutela, esclarecendo se deve receber tratamento amparado pelo Direito Penal do Inimigo ou carregar o seu devido caráter, de ultima ratio.

3 O ATUAL TRATAMENTO DOS INTERESSES DIFUSOS DENTRO DO ESCOPO DO MODELO REPRESSIVO PENAL NEOLIBERAL

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No tópico anterior, pudemos vislumbrar o tratamento ainda presente quando se trata de Direito Penal. Um dos indicadores desse tratamento é claro nos meios de comunicação de massa, quando apresentadores ou jornalistas sensacionalistas, diuturnamente repercutem o apelo para a edição de mais leis, e criminalização de mais condutas, já que o Direito Penal, sob o enfoque de inimigo é a panacéia de todos os males.

Neste capítulo, a ênfase recai no tratamento atual dos interesses difusos, avaliando sua adequação constitucional, para adentrar na criminalização das condutas que atentam contra esse bem jurídico para, em seguida apresentar a dissonância de tratamento de alguns crimes pontuais e, poder adentrar no capítulo subseqüente que esboçará o tratamento que se pretende para a tutela desses bens.

3.1 BREVE DISTINÇÃO ENTRE INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS

Interesses coletivos são os interesses metaindividuais, ou superindividuais, comuns a uma coletividade de pessoas, determinada de acordo com o vínculo jurídico básico existente entre elas. [11]

Já os interesses difusos são igualmente metaindividuais, carregam a indivisibilidade na própria essência e se vinculam por uma questão de fato; ou seja, não há relação jurídica, mas questão de fato a dar origem ao direito. Nesse caso, a satisfação de um importa na satisfação de todos os bens e a lesão do interesse importa a lesão de todos os interessados indistintamente.[12]

A indivisibilidade dos interesses difusos decorre, na verdade, da sua natureza, não sendo possível a satisfação de apenas alguns desses interessados, eis que a violação do direito afetou, a todos, indistintamente.

Assim, quando se trata da tutela penal de tais interesses, deverá ser entendido o interesse difuso, haja vista que quando afeta a um, afeta toda a coletividade indiscriminadamente, de maneira igual, sendo certo que a satisfação de um é a satisfação de todos os interessados.

3.2 INTERESSES DIFUSOS NA CONSTITUIÇÃO

Feitas as distinções pertinentes, passamos a analisar o foco do presente trabalho que são os direitos difusos podendo vislumbrar a escolha do legislador originário quando da definição desses interesses.

Por força do artigo 129, III da Constituição da República Federativa do Brasil, é função institucional do Ministério Público promover e proteger os interesses difusos e

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coletivos: o patrimônio público e social e o meio ambiente são alguns dos que compõem os interesses difusos. Note-se que, a Carta Magna, em seu artigo 225, estabelece que:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Como se pode depreender do mandamento constitucional, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos e a defesa desse direito cabe, tanto ao poder público, quanto à coletividade. A proteção ao consumidor é outro direito difuso que, apesar de proteger bens individuais, também alcança direitos coletivos lato sensu. Trata-se de direito fundamental do indivíduo, protegido em diversos dispositivos da Carta Magna, além de ser princípio da ordem econômica do Estado, enquadrado como direito difuso. Nesse sentido, merecem relevo os artigos 5º, XXXII; art. 150; 170, V CRFB.

Sob o ângulo infraconstitucional, a proteção foi efetivada através do Código de Defesa do Consumidor, que cuida de determinar a condição de consumidor à coletividade de pessoas indetermináveis que tenham intervindo nas relações de consumo (art. 2º parágrafo único, CDC). Dessa forma, fica claro o interesse difuso, já que podem ser indetermináveis, os consumidores a serem indenizados posteriormente pela lesão de seu direito. Como define o artigo 17 do CDC No caso do Direito Penal, pode-se citar como exemplo o caso do avião da TAM que caiu no aeroporto de Congonhas em 2007.

Nessa linha de pensamento, é inegável que o sistema financeiro nacional envolve interesses que afetam uma infinidade de pessoas, indeterminadas, sendo, portanto, também um exemplo de interesse difuso.

Sua adequação constitucional vem insculpida no arts. 170 e 192, CRFB, entre outros, ao deixar mais que claro que a ordem econômica se destina à existência digna, complementado pelo artigo 3º que estabelece ser interesse da República erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades sociais e, ainda, promover o bem de todos.

Apesar de parecer quimera, é nesse sentido que se apóia a proteção contra os excessos da ordem econômica, a merecer tratamento dentro da seara criminal.

3.3 O TIPO PENAL

Segundo a Teoria Finalista, que prevalece hoje no ordenamento jurídico brasileiro, crime é uma conduta típica, antijurídica e culpável. Como a culpa e o dolo são deslocados para a idéia central do injusto penal, tal teoria idealiza a finalidade da

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conduta; ou seja, dentro da culpabilidade se encontram as questões de reprovabilidade da conduta.

Conforme o finalismo, a culpabilidade seria a reprovação da vontade, sendo que, nas ações dolosas, há a reprovabilidade da decisão de cometer o delito e, quando da ação culposa, a reprovação recai na ausência de cuidado, por não evitar o resultado.[13]

O princípio nullum crimen, nulla poena sine culpa passa a culpabilidade, como juízo de censurabilidade, a um elemento integrante e indispensável para o adotado conceito analítico de crime. A culpabilidade é avaliada no momento da aplicação de pena, no sentido de concretizar o juízo de censura, não se admitindo a imputação de fatos que não podem ser atribuídos ao agente a título de dolo ou culpa.[14]

Com base nesses fundamentos, passa-se a analisar a responsabilização penal da pessoa jurídica, inovação trazida pela Carta Constitucional de 1988 e que merece atenção mais cuidadosa.

3.3.1 Responsabilização penal da pessoa jurídica

A determinação de um tipo penal serve para demonstrar que a conduta é reprovável; traz, portanto, a idéia de desvalor do resultado fim da conduta, como o demonstra o sistema de imputação adotado pela legislação pátria, ou seja, para a realização de uma conduta típica, temos a vontade inerente àquela ação.

Temos, então, um quadro de irresponsabilidade criminal da pessoa jurídica. Uma vez que uma entidade não detém vontade, não realiza ações, apenas seus prepostos. Apesar de alguns sustentarem a responsabilização criminal da pessoa jurídica embasados no fato de que a ‘vontade’ da pessoa jurídica é distinta das dos seus sócios, pois esta “não tem capacidade de ação (no sentido finalista), de culpabilidade e de pena”[15], por sua vez.

Acrescente-se a isso que toda conduta típica é embasada em um núcleo de verbo, que se relaciona com o elemento subjetivo do crime, que é o dolo, que traduza vontade livre e consciente de praticar uma conduta típica.

Com tal alicerce, não se pode deixar de identificar uma atecnia do constituinte, quando adotou em seu artigo 225, § 3º a responsabilização criminal da pessoa jurídica. Apesar disso, editou-se a lei de proteção de crimes ambientais (Lei 9.605/1998), que previu a possibilidade de a pessoa jurídica ser responsável criminalmente, reforçando a atecnia.

Entre as penas restritivas de direito, presentes no diploma legal mencionado, temos a suspensão de atividades, interdição temporária do estabelecimento, proibição de contratar com o poder público. Por outro lado, as prestações de serviços à comunidade alcançam o custeio de programas ambientais, execução de obras de recuperação de áreas degradadas, manutenção de espaços públicos e contribuições a entidades ambientais ou públicas. Todos esses se identificam com uma penalidade administrativa.

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Acerca da responsabilização penal da pessoa jurídica, é importante dizer que, em muitas das vezes, permanece a dupla imputação, vez que, para haver responsabilidade penal da pessoa jurídica, é necessária a responsabilização de um agente, causador dessa conduta.[16]

Por força da falta de técnica do legislador constituinte subsistem absurdos jurídicos que não podem passar despercebidos, mesmo em análise superficial sobre responsabilidade penal da pessoa jurídica, pois resta a possibilidade de exercício do direito de ação, em sede de habeas corpus para pessoa jurídica.[17]

3.4 INCONGRUÊNCIAS NA CRIMINALIZAÇÃO DOS INTERESSES DIFUSOS

Para uma abordagem acerca da atual criminalização das condutas que atentam contra os interesses difusos, tentando seguir a orientação constitucional acerca dessa proteção é necessário a análise de algumas leis para este estudo.

Na análise empreendida, destacam-se alguns artigos da Lei de Crimes Ambientais, Código de Defesa do Consumidor e Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária que guardam semelhança com o enfoque da Panpenalização, da eleição legislativa de inimigo e, portanto de inconteste incongruência com a teoria finalística e a principiologia constitucional.

3.4.1 Lei de crimes ambientais

Nesse diploma legal, identificam-se alguns artigos de maior relevância para o bem jurídico difuso, apesar de que, via de regra, os danos ao meio ambiente afetam toda a coletividade. Para fins de estudo, analisam-se os que carregam o caráter de incongruência com a legislação penal.

Escolhemos como paradigma os seguintes artigos da Lei n. 9.605/1998.

Art. 39. Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente:

Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

(...)

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Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa. [grifo nosso]

O artigo 54, principalmente no seu parágrafo primeiro, apresenta clara dissonância com o tratamento dispendido aos demais crimes, uma vez que se houver o corte de árvores de uma determinada floresta a cominação de pena se dará de um a três anos, artigo 39, se a prática for culposa e causar a mortandade de animais ou destruição significativa da flora, ou seja, muito mais que apenas uma árvore a cominação penal fica em mero 06 meses a um ano.

Todavia, considera-se interessante analisar sob o critério do possível agente delitivo de tais crimes. No artigo 54, parágrafo primeiro, vê-se que a conduta delituosa só partiria de quem detém um poder econômico exacerbado, nos demais ao que tudo indica, trata-se de crimes usualmente cometidos por pessoas de baixa renda, os quais recebem cominação de pena de no mínimo um ano. O patamar legal do artigo 54 §1º é muito aquém dos demais, já que somente se encontrando na categoria de crime de menor potencial ofensivo.

No caso em exame, o rigor legislativo só serviu para possibilitar que se diminuíssem as penas de condutas nos quais os agentes ativos sejam possíveis donos de empresas, e que na verdade, tais condutas podem abalar em muito maior escala o interesse difuso a um meio ambiente sadio, que, diga-se de passagem, minora a proteção ao interesse difuso tutelado.

3.4.2 Defesa do consumidor

O Código de Defesa do Consumidor tem a intenção de proteger o consumidor, prevenindo alguns tipos de propagandas enganosas e algumas práticas que possam colocar a vida do consumidor em um risco sem a devida informação, entre outros aspectos inerentes à prestação de bens e serviços nas relações cotidianas.

Muitas vezes, pode ser um crime comissivo por omissão, ou situações em que, intencionalmente pretendeu colocar o consumidor em situação de maior vulnerabilidade, induzindo-o a erro, por exemplo.

De antemão, chama-se atenção para os artigos 66 (fazer afirmação falsa ou enganosa), 67 (propaganda enganosa ou abusiva), 68 (publicidade que faça o consumidor se

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comportar de forma prejudicial à saúde), 70 (peça de reposição usada sem conhecimento do consumidor), da lei 8.078/1990, todos tipos penais cuja pena ultrapassa a da competência do juizado especial criminal e nas práticas em que se pretende deixar o consumidor em desvantagem, induzi-lo a erro ou enganá-lo. Em outras palavras, trata-se de uma espécie de fraude contra o consumidor.

Conforme o Código Penal, a fraude se identifica com estelionato, diferenciando-se, nesse caso, por ser o crime contra o consumidor de perigo e a prática não necessariamente precisa surtir dano direto, o que seria assemelhado a uma tentativa de estelionato.

Assim, se faz necessária a equiparação com o artigo 171 do Código Penal, em sua modalidade tentada, in verbis “Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa”.

Note-se que, quando um particular quer obter vantagem ilícita se sujeita à pena de 1 a 5 anos e multa, sendo que essa prática atenta contra interesse de uma pessoa ou poucas. Mas, quando os crimes de perigo previstos no Código de Defesa do Consumidor são efetuados, o agente delitivo poderia utilizar-se do procedimento mais favorável, o do rito do juizado especial criminal.

A incongruência de tratamento é completamente clara e aviltante, mas, podemos vislumbrar novamente tratamento abrandado para aqueles que detêm um capital maior, não sendo considerado criminoso efetivamente e tão somente alguém que errou.

3.4.3 Crimes Contra a Ordem Tributária

Apesar de a lei 8.137/1990 trazer penalização condizente com a inflação legislativa que caracteriza a atualidade, nesta parte do estudo, tratar-se-á da extinção de punibilidade presente na lei 10.684/2003 que colacionamos:

LEI No 10.684, DE 30 DE MAIO DE 2003. (...)

Art. 9o É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

§ 1o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

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§ 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

A visão da panpenalização identifica os inimigos do Estado e os persegue. Adotando a perspectiva do broken windows, deveria perseguir a todos, indistintamente. Nessa linha, de inflação legislativa, a lei em comento feriria o tratamento dispensado àquele que quebra vidraças; entretanto, o Estado não quer tratar efetivamente os criminosos indistintamente. Assim, quem se beneficia com o Programa de Recuperação Fiscal (REFIS), não é a pessoa sem escolaridade, mas o contribuinte que detêm elevado potencial aquisitivo e utiliza-se de meios para se desonerar do pagamento de impostos.

Quando o estelionatário induz um particular a erro, responde a até cinco anos de pena, enquanto que o agente delitivo que resolve induzir o Estado a erro para se desonerar do pagamento de impostos, poderá ter sua pena extinta, se efetuar o pagamento integral dos débitos.

Diante dessas evidências, pergunta-se: se há aceitação de tal prática para os agentes dos crimes contra a ordem tributária, para quem pratica um furto, deve-se admitir a possibilidade de reparação do dano e a extinção de punibilidade, efetuando-se a analogia in bonan partem.

Esses paradoxos já foram explicitados por Lênio Streck. A sonegação de impostos tem pena maior do que adulteração de chassis, furto de botijão de gás por duas pessoas[18], o que deixa claro o papel da Panpenalização na produção legislativa, mas diferente do que sonha Jakobs, na verdade, temos o legislador definindo as políticas públicas de acordo com a vontade que lhe é peculiar para defender os interesses ideológicos da classe social hegemônica.

Caso contrário, o Estado fará apenas o papel da Panpenalização, como já explicado. A esse respeito, são esclarecedoras as palavras de Rui Portanova[19], no sentido de desmistificar a identidade do inimigo eleito pela sociedade já que:

O legislador pertence ao aparelho do Estado e é oriundo de grupos mais fortes, que por isto mesmo empalmam o Estado. Assim nunca legislará contra sua ideologia, que será, por extensão, a ideologia do próprio Estado. Ninguém legisla contra si próprio: ‘nenhum legislador é suicida’ (Aguiar, 1984, p. 8).

Por isso, não mais se admite a ingênua crença no sistema harmônico e identificar e denunciar onde falha o legislador que deveria ser democrático e, por isso, atender por excelência os anseios daqueles que os legisladores efetivamente têm interesse em defender.

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4 A NATUREZA SUBSIDIÁRIA DO DIREITO PENAL

Também entendido como intervenção mínima do Direito Penal, sua finalidade é proteger os bens jurídicos mais importantes e necessários ao convívio social, apesar de sabermos que o grau de importância desses bens jurídicos oscila de uma cultura para outra.[20]

Não se defende aqui que os interesses difusos sejam bens juridicamente menos importantes para o Direito Penal; ao contrário, eles detêm elevadíssimo interesse, atingindo a toda uma coletividade. Na verdade, a intervenção mínima se apega a outro critério, o da natureza subsidiária do Direito Penal, ou seja, a ultima ratio de intervenção estatal.

Com isso pretende-se que, antes da utilização do Direito Penal, se verifique se não há outros meios mais eficazes para proteger aquele bem jurídico, por exemplo, se a via de intervenção administrativa, civil, entre outras, poderá garantir a proteção necessária ao bem jurídico em tela.[21]

Defende-se, pois que a análise dos interesses difusos ocorra à luz da concepção do Direito Penal dentro de um Estado Democrático de Direito, sempre no intuito de proteger esses direitos, por sua natureza coletiva.

Aí cabe a segunda análise apresentada, o Direito Penal é mesmo o caminho necessário para que se alcance a proteção da tutela desses interesses ou as vias administrativa e civil fazem melhor esse papel?

Caímos em outra pergunta indispensável a essa análise, para que se efetive a garantia desses bens jurídicos: há um problema de fiscalização pelo poder público ou, foi satisfatoriamente perseguido pela via administrativa e só então se percebeu um escasso respeito a elas?

Identifica-se aqui uma inefetividade do poder público por força da falta de estrutura estatal dos órgãos responsáveis para a fiscalização. Por exemplo, temos conhecimento de desmatamento doloso que ocorre diariamente na Floresta Amazônica, antes e depois da edição da Lei de Crimes Ambientais, mas isso foi suficiente para diminuir essas lesões?

Para a tutela do Consumidor, pode-se vislumbrar outro exemplo de que a via administrativa poderia ser de maior interesse à proteção do consumidor, haja vista que as penas administrativas podem, por si só, coibir tais práticas. Mas, ressalte-se que há o problema específico da fiscalização.

Por outro lado, identificou-se a suposta opção do legislador pela penalização menos rigorosa das condutas de pessoas com maior poder econômico e com isso, resta a pergunta, é satisfatório o tratamento penal para tais delitos?

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É patente que não; a preservação e reparação do bem jurídico, para esses casos não se vinculam somente à pena aplicada, já que essas, como se demonstrou, são inferiores que para crimes correlatos. Quando há o dano ao meio ambiente, é mais importante que a empresa que concorreu para esse dano tenha suas funções suspensas por certo período de tempo, lesionando diversos outros bens jurídicos, ou, a aplicação de multa e obrigatoriedade de reparação efetiva do meio ambiente seria o que se pretende?

Nos bens atinentes ao interesse do consumidor, não seria mais interessante a aplicação de vultosa multa quando da prática de propaganda enganosa pela empresa e, ainda, reparação civil dos consumidores lesados, de maneira alargada, para inibir tal prática? Ou o interesse preservado é a destinação dos responsáveis pela empresa como condenados criminais, já que muito dificilmente alcançarão penas restritivas de liberdade?

Para ambos os casos, percebe-se claramente que a intenção de reparação do bem através de outras esferas se faria muito mais eficaz e interessante para toda a coletividade, e nesse sentido para os Crimes Contra a Ordem Tributária, já que a falha é na fiscalização da prática de tais condutas. Em outras palavras: a fiscalização efetiva e uma multa de valor condizente com a repressão da repetição do ilícito poderá inibir a conduta, independente de pena.

Entretanto, voltamos ao que foi explanado: o legislador não é suicida[22]; ele se identifica muito mais com aquele que se utiliza meios fraudulentos para deixar de recolher impostos ou com o estelionatário que vai ludibriar o cidadão? Assim, nem penaliza a conduta, nem possibilita a fiscalização e aplicação de multas vultosas.

Quem dera o agente delitivo contumaz, que furta diariamente, pudesse realizar a devolução desses valores, com acréscimo de multas, e se inibir da aplicação da lei penal, já que é um crime que não envolve violência. Entretanto, quem furta do Estado, impedindo que o mesmo recolha o imposto devido pode pagar o valor devido e se eximir de pena...

É essa seleção da protetividade que necessitamos? É assim que o Direito Penal é a panacéia de todos os males?

Ao que parece, o senso comum, ou, o olhar desavisado da análise histórica do Direito Penal parece contaminar o pensamento jurídico:

Logo após, essa apresentação crítica do funcionalismo e da política criminal, podemos introduzir as normas penais em branco. Estas foram criadas por Binding e constituem elemento atualizador e complementador dos tipos penais, sem o qual este perderia razão de existir e fundamento. O processo legislativo estabelecido na Constituição é lento e dá azo a constantes desatualizações da lei penal ao contrapô-las com o cominado na realidade. Daí, um remédio de sempre manutenção dos tipos penais e tutela dos bens jurídico-penais é o estabelecimento desse tipo de comando normativo que sempre se revitaliza em outros corpos legais, fazendo que insurja uma ordem legal atualizada.[23]

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No contexto da sociedade de risco, os tipos de perigo ganham força, a tal ponto que a violação de cuidado; constitui um dos novos pilares da efetivação do controle social, tratando assim, dos bens jurídicos difusos.[24]

No caso do comportamento típico, havia o princípio da lesividade individual; porém, atualmente, se verifica mudança paradigmática, o que interfere até mesmo no conceito de lesividade.

Nesse passo antecipa-se a tutela penal, abarcando a idéia de um sistema penal gerencial; ou seja, como que pode ser realizada a produção fabril ou não. O Direito Penal parece adaptar-se à sua função dentro do projeto burguês.[25]

Por sua vez, o direito administrativo, por força da burocracia exacerbada, perde terreno, vez que a opinião pública (poder midiático) coloca força na idéia de que o direito penal seria a única forma de criação de expectativa de atuação.[26]

Pela abrangência que desses tipos penais, passa-se a aceitar a realidade imposta de criminalização, optando por proteger bens difusos, colocando no menor patamar a proteção ao cidadão, vide opinião esposada por Flávio Siqueira[27] ou de Rosana Ribeiro da Silva[28], que defendem que o Direito Penal deve adaptar-se a essa realidade. A regulação penal, a criação de novos tipos serve como resposta legislativa para resolver todos os problemas, econômicos, previdenciários, ambientais, de defesa do consumidor e por aí em diante, o que efetivamente não faz.[29]

Em contrapartida, inseridos em um Estado Democrático de Direito, cumpre vislumbrar essas antinomias e incongruências, para descobrir o véu que nos cega e nos torna acríticos diante de teses que defendem mais direito penal e direito penal mais rigoroso... Conforme tal perspectiva de análise, é mais importante ao Direito que se amparem os bens jurídicos difusos, a fim de reparem esse bens e, se insuficiente for, aí sim, poderemos utilizar o direito como ultima ratio, a fragmentariedade do Direito Penal e execrar o a visão de Inimigo junto com o seu olhar acrítico à idéia de democracia representativa.

Ferrajoli[30] já faz ressalva importante:

En cuanto a la reducción de las garantias que provendría de la transformación de muchos delitos em ilícitos administrativos, no debemos dejarnos encantar por lãs palabras. La previsión de una ofensa como delito no es ciertamente suficiente para asegurar lãs garantías de su correcta comprobación si la intervención sancionadora se produce luego em lãs formas burocráticas del decreto penal o a través de otras formas alternativas al proceso.

Não há dúvidas de que a eleição do processo é a última opção quando da atuação estatal para determinados tipos penais. Quando se tem a possibilidade de reparação do bem jurídico em sua integralidade ou de maneira mais razoável e racional, é importante que seja optada essa via para a satisfação do direito.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos limitados marcos do presente estudo, percebe-se que, apesar de a Constituição instaurar o Estado Social Democrático de Direito, os legisladores ainda não se adequaram a esse paradigma, fazendo predominar a Panpenalização.

Assim, o próprio legislador originário incluiu na Carta Magna a responsabilização penal da pessoa jurídica, apesar da incompatibilidade com o que se entende por reprovabilidade de conduta, característica indispensável à realização de crime; ou seja, o dolo, que não pode ser realizado isoladamente pela pessoa jurídica.

Não obstante essa limitação, há que se atentar para essa hipótese, concluindo que o tratamento criminal dos bens jurídicos difusos pelo Estado denota a intenção de resguardá-los, reconhecendo sua importância para a sociedade.

Outro ponto a destacar refere-se às incongruências entre as penalizações previstas aos crimes em que o agente ativo é a pessoa excluída socialmente e àqueles em que o agente delitivo envolve pessoas de alto poder aquisitivo, donos de empresa, que teoricamente, podem causar danos muito maiores aos bens jurídicos em tela.

Nesse sentido, apesar da opção pela Panpenalização, pelos bens jurídicos difusos no espectro de proteção do sistema penal, este ainda assim se encontra pouco protegido, já que a cominação de pena aos demais crimes ou crimes cometidos pelos excluídos socialmente recebem tratamento agravado.

Com isso, pode-se retirar o véu daquilo que encobre essa realidade, o legislador não é suicida e carrega dentro da sua ‘representatividade’ o privilégio aos interesses de quem está no poder, fazendo a eleição do inimigo a seu bel prazer, sem que represente os interesses da coletividade. Assim concebido e aplicado, o Direito Penal está. muito aquém do que é desejado em um Estado Democrático de direito. Como ressaltado, o Direito Penal deve, realmente, tutelar os bens jurídicos; entretanto, apenas quando falharem outras vias mais hábeis para proteger esses bens, quais sejam, o Direito Administrativo, o Direito Civil, bem como o Direito Previdenciário e tributário.

Aceitar a persecução penal, tão-somente quando ocorre a lesão a esses direitos vai permitir que o direito penal seja utilizado em qualquer caso na sociedade, ignorando-se alternativas mais eficazes quando da prevenção, fiscalização e autuação dessas lesões.

Para um bem jurídico do meio ambiente, por exemplo, é mais interessante que haja a aplicação de multa para o infrator, juntamente com a obrigatoriedade de reparar o bem lesado do que a mera remessa deste no sistema penal.

No caso do bem jurídico tutelado pelo Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, para o próprio consumidor é mais interessante a reparação dos danos sofridos e a aplicação de multa à empresa que falhar na prestação do serviço ou entrega do bem do que realizar uma persecução penal nesse sentido.

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Da mesma forma, no caso da sonegação de impostos, a prioridade é efetivar o recolhimento através de procedimentos administrativos fiscais antes de se utilizar a ultima ratio, que é a persecução penal.

Entretanto, por força do poder econômico, político e ideológico, nota-se a omissão do legislador e também do executivo no que tange ao papel do Estado na proteção desses direitos e adoção de medidas adequadas de prevenção, controle e fiscalização.

Se houvesse fiscalização efetiva na proteção ao meio ambiente, pelos órgãos competentes, IBAMA e FEEMA, na proteção do Consumidor, PROCON, e no pagamento de impostos, Receita Federal, o Direito Penal poderia agir quando efetivamente fosse necessário.

Em caso contrário, reforça-se o direito do Inimigo, retorna-se ao Estado Penal, Ditatorial, que vê no Direito Penal a solução para todos os males da sociedade, esquecendo as exigências e requisitos de um Estado Social, Democrático de Direito.

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[1] LOPES JR. Aury. Introdução crítica ao processo penal (fundamentos da instrumentalidade garantista). 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 11.

[2] idem, p. 15.

[3] ZAFFARONI, Eugenio Raul. Desafios do Direito Penal na era da globalização, in: Revista Consulex. Ano V, nº 106, 15 de junho/2001, p. 27.

[4] JAKOBS, Günther. Direito penal do inimigo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

[5] GRECO, Rogério. Direito penal do equilíbrio – uma visão minimalista do direito penal. 2ª ed. Niterói: Impetus, 2006, 25.

[6] Idem, ibidem.

[7] LOPES JR. Aury. Introdução crítica ao processo penal (fundamentos da instrumentalidade garantista). 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 18.

[8] BINDER, Alberto M. O descumprimento das formas processuais – Elementos para uma crítica da teoria unitária das nulidades no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 71-72.

[9] PRADO, Geraldo Luis Mascarenhas. Intervenção in COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Canotilho e a constituição dirigente. 2ª ed. Rio de Janeiro: RENOVAR, 2005, p. 67.

[10] LOPES JR. Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional – vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 22.

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[11] SMANIO, Gianpaolo Poggio. Tutela penal dos interesses difusos. São Paulo: Atlas, 2000, p. 25.

[12] idem, ibidem.

[13] BITENCOURT, Cezar Roberto. Algumas controvérsias da culpabilidade na atualidade. Disponível em: <http://www.ceccrim.hpg.com.br/Artigos3.htm>, acesso em: 23 de novembro de 2008.

[14] GRECO, Rogério. Direito penal do equilíbrio – uma visão minimalista do direito penal. 2ª ed. Niterói: Impetus, 2006, p. 138.

[15] MORAES, Rodrigo Iennaco de . Considerações sobre a responsabilidade criminal das pessoas jurídicas Disponível na internet: <www.ibccrim.org.br> acesso em 23 de novembro de 2008.

[16] GOMES, Luiz Flávio. Crime ambiental e responsabilidade penal de pessoa jurídica de direito público. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11149>, acesso em 12 de novembro de 2008.

[17] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: Crime ambiental. Responsabilização da pessoa jurídica. Possibilidade. Trancamento da ação penal. Inépcia da denúncia. Ocorrência. “Admitida a RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA PESSOA JURÍDICA, por força de sua previsão constitucional, requisita a actio poenalis, para a sua possibilidade, a imputação simultânea da pessoa moral e da pessoa física que, mediata ou imediatamente, no exercício de sua qualidade ou atribuição conferida pela estatuto social, pratique o fato-crime, atendendo-se, assim, ao princípio do nullum crimen sine actio humana. Excluída a imputação aos dirigentes responsáveis pelas condutas incriminadas, o trancamento da ação penal, relativamente à pessoa jurídica, é de rigor. Recurso provido. Ordem de habeas corpus concedida de ofício.” (RMS nº 166.96/PR, 6ª Turma, rel. min. Hamilton Carvalhido, j. 09.02.06, v.u., DJU 13.03.06, p. 373).

[18] STRECK, Lênio Luiz. Crise de paradigmas. Disponível em: <http://leniostreck.com.br/index.php ?option=com_docman&task=doc_download&gid=54&Itemid=40>, acesso em 28 de novembro de 2008, p. 3.

[19] PORTANOVA, Rui. Motivações ideológicas da sentença. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 66.

[20] GRECO, Rogério. Direito penal do equilíbrio – uma visão minimalista do direito penal. 2ª ed. Niterói: Impetus, 2006, 71.

[21] idem, 84.

[22] PORTANOVA, Rui. Motivações ideológicas da sentença. 4ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 66.

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[23] SIQUEIRA, Flávio Augusto Maretti Sigrilli. Tutela penal dos interesses difusos na sociedade de risco. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4034>, acesso em 23 de novembro de 2008.

[24] SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Tipicidade penal e sociedade de risco. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 101

[25] idem, p. 103.

[26] idem, p. 105.

[27] SIQUEIRA, Flávio Augusto Maretti Sigrilli. Tutela penal dos interesses difusos na sociedade de risco. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4034>, acesso em 23 de novembro de 2008.

[28] SILVA, Rosana Ribeiro da. Tutela penal dos interesses difusos. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5980>, acesso em 23 de novembro de 2008.

[29] CALLEGARI, André Luís. Direito penal econômico e lavagem de dinheiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 17-18.

[30] FERRAJOLI, Luigi. Legalidad civil y legalidad penal: sobre la reserva de código em matéria penal. Trad. GUZMÁNN, Nicolas M. in Cuadernos de doctrina y jurisprudencia penal, vol. 9 fascículo 15. Buneos Aires: Ad Hoc, 2003, pg. 27-28.

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