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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração São Paulo 2016

Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Iara Vieira Rocha

Carreira na Percepção da Mulher Negra

Mestrado em Administração

São Paulo

2016

Page 2: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Iara Vieira Rocha

Carreira na Percepção da Mulher Negra

Mestrado em Administração

Dissertação apresentada à banca examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção

de título de MESTRE em Administração sob

orientação do Prof. Doutor Leonardo Nelmi

Trevisan.

São Paulo

2016

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Banca Examinadora

Page 4: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

Dedicatória

A Deus, minha essência.

A uma das mais incríveis mulheres

negras que conheço, minha mãe,

Constantina, meu verdadeiro bálsamo.

A meu pai, Ismar, minha saudade.

A minha irmã, Inajara, minha alegria.

A meu esposo Rodrigo, meu amor.

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Apoio

Trabalho realizado com o apoio da

bolsa dissídio da Fundação São Paulo.

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Agradecimentos

Ao Prof. Dr. Trevisan, meu querido orientador,

pela paciência e por acreditar em mim.

À Profa. Dra. Dione Gomes, minha eterna mestre, pela amizade,

motivação e por estender a mão sempre que precisei.

Aos professores que participaram de minha banca de qualificação,

Dra. Izabel Petraglia e Dr. Marcelo Treff, pelas ricas contribuições.

Às mulheres negras que gentilmente se colocaram

à minha disposição para a coleta de dados.

Aos meus queridos amigos que sempre estiveram ao meu lado.

À minha família, pela força e compreensão das minhas ausências.

Ao Prof. Dr. Jarbas Vargas Nascimento, pela compreensão

e por permitir o meu aprimoramento profissional.

À Profa. Dra. Marcia Cabreira, pelo incentivo.

Enfim, à PUC-SP pela bolsa de estudo,

pois sem ela esse trabalho não seria possível.

A todos, muito obrigada!

Page 7: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

Eu quase que nada sei.

Mas desconfio de muita coisa.

(Guimarães Rosa)

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Resumo

Esta pesquisa sobre a carreira na percepção da mulher negra está inserida na linha de

Pesquisa de Organizações e Sociedade, do Programa de Administração, da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, tendo por objetivo analisar a percepção da mulher

negra sobre a própria carreira, buscando identificar a noção de processo de

desenvolvimento profissional, as pretensões de redirecionamento da carreira, os possíveis

obstáculos relacionados aos elementos gênero e raça durante o desenvolvimento

profissional, além de identificar as âncoras de carreira associando-as com as atribuições

atuais e as expectativas de carreira mapeadas. A escolha pelo estudo acerca do tema

ocorreu pelo fato de a pesquisadora se identificar com essas mulheres em vários

contextos, além de perceber que há poucas pesquisas sobre o assunto. Outra iniciativa que

motivou a realização dessa pesquisa ocorreu da percepção das dificuldades enfrentadas

por essas mulheres para planejarem suas carreiras que acabam limitando suas atuações

profissionais e expondo-as às condições desiguais de acesso, restringindo suas

oportunidades. Para o delineamento da fundamentação teórica sobre carreira, utilizou-se

das concepções de autores como Dutra e Veloso (2010), Martins (2011), Ibarra (2009),

Briscoe e Hall (2006), Schein (1996) entre outros. Na abordagem sobre a história da

mulher negra, consideraram-se os estudos de Carneiro (2003), Safiotti (2004), Munanga

(2006), Oracy Nogueira (2006), entre outros renomados autores que discorrem sobre

gênero e raça, além de indicadores sociais que esclarecem sobre o contexto de

desigualdade em que estão inseridas as mulheres negras. O presente trabalho, de natureza

qualitativa, valeu-se da pesquisa de campo com a aplicação de entrevista semiestrutura e

do inventário de âncoras de carreira com dez entrevistadas, sendo os dados coletados e

tratados por meio de estatística descritiva e da análise de conteúdo proposta por Bardin

(2011). Os resultados obtidos não apenas ratificam as desigualdades que afligem essas

mulheres, mas também permitem ampliar o conhecimento sobre as condições de vida,

dinâmica profissional e as dificuldades para adentrar e prosperar no mercado de trabalho,

evidenciando-se sobre a importância de se pensar em medidas de intervenção voltadas

para a redução das desigualdades que atendam aspectos específicos das mulheres negras.

Palavras-chave: mulheres negras; carreira; inclinações profissionais; gênero; raça.

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Abstract

This research on the career in the perception of the black woman is inserted in the

research line of organizations and society of the Pontifical Catholic University of São

Paulo’s Administration Program, having as an objective to analyze the perception of

black woman on her own career, seeking to identify the concept of professional

development, career redirection pretensions, the possible obstacles related to gender and

race elements during the professional development. In addition, identifying the career

anchors associating them with current assignments and mapped career expectations. The

choice for the study on this subject took place based on the fact that the researcher

identify herself with these women in various contexts, also because of realizing that there

is little research on this subject. Another initiative that motivates to carry out this research

took place from the perception of the difficulties faced by these women to plan their

careers that end up limiting their professional performances and exposing them to the

unequal conditions of access, restricting their opportunities. To outline the theoretical

foundation on career, it was used the concepts of authors such as Dutra and Veloso

(2010), Martins (2011), Ibarra (2009), Briscoe and Hall (2006), Schein (1996) among

others. On approach to the story of a black woman, considered themselves the sheep

studies Carneiro (2003), Safiotti (2004), Munanga (2006), Oracy Nogueira (2006), among

other renowned authors who talk about gender and race, as well as social indicators that

clarify the context of inequality in which are included the black women. The present

study of a qualitative nature, made a research field with the application of a semi-

structured interview and with an inventory of career anchors through the interview of ten

women and the data were gathered and processed by means of descriptive statistics and

content analysis proposed by Bardin (2011). The results not only confirm the inequalities

that plague these women, but also allow you to extend the knowledge about the

conditions of life, professional dynamics and difficulties to enter and thrive in the labor

market, highlighting the importance of thinking about intervention measures aimed at the

reduction of the inequalities which can meet specific aspects of black women.

Key-words: black women; career; professional inclinations; gender; race.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – População economicamente ativa por sexo e raça – 2013 (%) .............................. 68

Tabela 2 – Distribuição percentual da população ocupada com 16 anos ou mais de idade,

por sexo, cor/raça, segundo setor de atividade – Brasil, 2013 ............................................... 69

Tabela 3 – Rendimento médio mensal por sexo – Brasil 2013 .............................................. 70

Tabela 4 – Rendimento médio mensal no trabalho principal da população ocupada de

16 anos ou mais de idade, por sexo, segundo cor/raça – Brasil 2013 .................................... 70

Tabela 5 – Taxa de desocupação da população de 16 anos ou mais de idade, por sexo,

segundo Cor/Raça, em 2013 ................................................................................................... 71

Tabela 6 – Taxa de escolarização líquida, por sexo e raça – Brasil, 2013 ............................. 74

Tabela 7 – Média de anos de estudo das pessoas de 18 a 24 anos de idade, por quintos de

rendimento mensal familiar per capita nacional, segundo as grandes regiões – 2013 .......... 74

Tabela 8 – Mapeamento dos Sujeitos da Pesquisa ................................................................. 82

Tabela 9 – Formação e Âncoras de Carreira das Entrevistadas ............................................. 91

Tabela 10 – Âncoras de Carreiras das Entrevistadas ............................................................. 92

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Matriz de Amarração ........................................................................................... 19

Quadro 2 – Evolução dos estudos sobre carreira ................................................................... 25

Quadro 3 – Características das sociedades ............................................................................. 30

Quadro 4 – Características do contrato de carreira proteana .................................................. 34

Quadro 5 – Questões da entrevista e objetivos específicos da pesquisa ................................ 80

Quadro 6 – Fases da Análise de Conteúdo ............................................................................. 83

Quadro 7 – Qualidade do conjunto de categorias ................................................................... 86

Quadro 8 – Matriz de análise de conteúdo ............................................................................. 87

Quadro 9 – Matriz de análise de conteúdo ............................................................................. 88

Quadro 10 – Matriz de análise de conteúdo ........................................................................... 89

Quadro 11 – Matriz de análise de conteúdo ........................................................................... 90

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Duas Dimensões das carreiras sem fronteiras ....................................................... 36

Figura 2 – Níveis interativos de influência externa na decisão de carreira ............................ 53

Figura 3 – Etapas do planejamento de carreira ...................................................................... 54

Figura 4 – Eixos do estudo ..................................................................................................... 81

Figura 5 – Unidade Temática de Registro .............................................................................. 85

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Distribuição percentual da população feminina por cor ou raça –

Grandes Regiões – 2012 ......................................................................................................... 66

Gráfico 2 – Distribuição das mulheres 16 anos ou mais de idade ocupadas no trabalho

doméstico, por cor ou raça – Grandes Regiões – 2012 .......................................................... 72

Gráfico 3 – Distribuição percentual da população ocupada de 16 anos ou mais

de idade no trabalho doméstico, por posse de carteira assinada e sexo – Brasil – 2012 ........ 73

Gráfico 4 – Média de anos de estudo da população, segundo cor/raça – Brasil, 2013 .......... 75

Gráfico 5 – Média de anos da população, por sexo – Brasil, 2013 ........................................ 75

Gráfico 6 – Distribuição percentual por sexo das matrículas em cursos profissionalizantes.

Brasil – 2012 .......................................................................................................................... 76

Gráfico 7 – Taxa de Analfabetismo da população feminina de 15 anos ou mais de idade,

segundo Cor/Raça – Brasil, 2013 ........................................................................................... 76

Gráfico 8 – Âncoras de Carreiras das Entrevistadas .............................................................. 92

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SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................................. 14

1. Perspectivas teóricas acerca da carreira ......................................................... 21

1.1. Carreira .......................................................................................................... 21

1.1.1. Definição de carreira ........................................................................... 21

1.1.2. Evolução histórica da carreira ............................................................. 24

1.2. Carreiras tradicionais ..................................................................................... 26

1.3. Carreiras não tradicionais .............................................................................. 28

1.3.1. Carreiras inteligentes – proteanas e sem fronteiras ............................. 29

1.3.2. Carreira proteana ................................................................................. 32

1.3.3. Carreiras sem fronteiras ...................................................................... 35

1.4. Identidade de carreira .................................................................................... 38

1.4.1. Autoconhecimento .............................................................................. 42

1.5. Âncoras de carreiras ...................................................................................... 44

1.6. Transição de carreira ..................................................................................... 47

1.6.1. Tipos de transição ................................................................................ 50

1.7. Carreira na perspectiva da gestão pessoal – planejamento ............................ 51

2. A história da mulher negra ................................................................................ 57

2.1. Abordagem antropológica – diferenças transformadas em desigualdades ... 57

2.1.1. Gênero – movimentos feministas ....................................................... 57

2.1.2. Desigualdade de gênero ..................................................................... 59

2.1.3. Raça ..................................................................................................... 61

2.1.4. Igualdades de gênero e diferenças de raça ......................................... 62

2.1.5. Tripé da discriminação: classe, raça e gênero ..................................... 64

2.2. Perfil social da mulher negra no Brasil ......................................................... 66

2.2.1. Demografia .......................................................................................... 66

2.2.2. Mercado de trabalho ............................................................................ 67

2.2.3. Participação no mercado de trabalho ................................................... 67

2.2.4. Rendimento ......................................................................................... 69

2.2.5. Desemprego ......................................................................................... 70

2.2.6. Trabalho doméstico ............................................................................. 71

2.2.7. Educação ............................................................................................. 73

3. Aspectos metodológicos da pesquisa ................................................................. 78

3.1. Método da pesquisa ....................................................................................... 78

3.2. Tipologia da pesquisa .................................................................................... 78

3.3. Técnica de coleta de dados ............................................................................ 79

3.4. Mapeamento dos sujeitos e procedimento de coleta de dados ..................... 80

3.5. Procedimento de análise dos dados ............................................................... 82

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3.5.1. Pré-análise ........................................................................................... 84

3.5.2. Codificação .......................................................................................... 84

3.5.3. Categorização ...................................................................................... 86

3.5.4. Inferência ............................................................................................. 90

4. Análise e interpretação dos dados ..................................................................... 91

4.1. Estatísticas descritivas ................................................................................... 91

4.2. Análise e interpretação dos dados das entrevistas ......................................... 93

4.2.1. Percepção sobre trajetória profissional ............................................... 93

4.2.2. Planejamento e transição de carreira ................................................... 95

4.2.3. Desigualdades percebidas nos eventos profissionais .......................... 98

4.2.4. Inclinações profissionais ................................................................... 103

Considerações Finais .............................................................................................. 106

Referências Bibliográficas ..................................................................................... 109

ANEXO A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............................... 119

ANEXO B – Roteiro da Entrevista ....................................................................... 120

ANEXO C – Inventário das Orientações de Carreira ......................................... 121

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INTRODUÇÃO

A gente só muda o nome, mas a história de todas nós é igual.

(Entrevistada A)

Apesar do crescente interesse e surgimento de pesquisas científicas sobre o tema

carreira nos últimos tempos, ainda há poucos estudos que abordam as perspectivas de

carreira da mulher negra inserida no mercado de trabalho.

Partindo do pressuposto de que as decisões e escolhas profissionais do indivíduo

são influenciadas por elementos diversos, tais como a família, condições

socioeconômicas, interesses e experiências que contribuem para a formação do sujeito e

de sua identidade profissional (SULLIVAN e BARUCH, 2009); verifica-se que os

obstáculos de gênero e raça fazem parte da trajetória profissional das mulheres negras e

são impactantes para a construção de suas carreiras que, mesmo em um mundo com

flexibilidade entre as fronteiras, apresentam barreiras quase intransponíveis.

Na análise da carreira da mulher negra, com todas as suas nuances e a

articulação com o meio no qual ela está inserida, notavelmente, o quadro não é

favorável à sua ascensão e muitos são os desafios impostos para a superação das

desigualdades que precariza o trabalho dessas mulheres e as direcionam a margem do

mercado de trabalho, reservando-lhe, na maioria das vezes, o subemprego, como única

opção.

A carreira, apesar de seu com conceito subjetivo e interpretativista, está

entrelaçada com o mercado de trabalho e ocupa lugar central na discussão sobre a

situação da mulher negra na sociedade, tendo em vista as dificuldades que são impostas

à sua autonomia e que vão desde a sua inserção à defasagem de rendimentos como fruto

da embutida desvalorização do trabalho dessa categoria (INSTITUTO ETHOS, 2006).

Para pensar a carreira da mulher negra, há de se considerar o seu contexto

histórico e suas lutas, pois, segundo a literatura, suas experiências e posição na

sociedade são significativamente diferentes das vivenciadas por outros grupos de

mulheres. Sua identidade profissional, de modo geral, tem a marca da discriminação e

foi forjada em um ambiente que, geralmente, subjuga a sua capacidade com base na cor,

desqualificando-as para os postos almejados.

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Tendo em vista esse contexto, essa pesquisa propõe uma análise da carreira

considerando-se a percepção de mulheres negras, dando voz as suas histórias repletas de

ensaios, anseios e interpretações sobre suas trajetórias profissionais e seu papel na

sociedade.

Para tanto, as subdivisões seguintes dessa introdução apresentam o apoio para

definição e delimitação do tema, as justificativas da relevância social e teórica, os

objetivos desse trabalho e o problema de pesquisa. Por fim, destaca-se a Matriz de

Amarração, proposta por Telles (2001), como instrumento que explicita as relações

entre modelo adotado, objetivos a serem alcançados, a técnica de análise e o tratamento

dos dados em termos qualitativos.

Definição e delimitação do tema

Conforme analisa Veloso (2009), as atuais opções de trabalho para a maioria dos

trabalhadores, no Brasil, não correspondem às vislumbradas no planejamento original

da vida profissional. As pessoas são compulsoriamente levadas a se adaptarem às novas

condições de trabalho que, devido à diversidade do mundo globalizado, dá novo sentido

ao trabalho e marca uma relação de individualização, não oferecendo mais às

organizações circunstâncias para gerenciarem a carreira de seus funcionários,

transferindo essa responsabilidade para o maior interessado pelo desenvolvimento da

carreira, o próprio sujeito.

Contudo, as condições de competir pelas oportunidades não são semelhantes a

todos, e a busca pela satisfação profissional torna o processo moroso aos que não

correspondem aos estereótipos previamente definidos como aceitável para ocupar lugar

de destaque no mundo do trabalho.

Nesse contexto, encontram-se as mulheres negras, matéria de pesquisa desse

trabalho, que, diante dos preconceitos infundidos pelo gênero e raça, deparam-se com

bloqueios que dificultam colocação e posição no mercado de trabalho coerentes com

seus objetivos e planejamento de carreira.

Os novos conceitos de carreira inferem que atitudes e comportamentos das

pessoas relacionadas à vida profissional são influenciadores para a progressão da

carreira e, com isso, tem-se a impressão de que todos têm a chance, por meio do esforço

pessoal, de gerir com sucesso suas carreiras.

Page 16: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

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Diante disso, surgiu o interesse por se realizar essa pesquisa que busca resgatar a

história e o reconhecimento das mulheres negras, que compartilham de semelhantes

contextos socioeconômico e cultural, com relação às suas carreiras e seus olhares para o

futuro profissional, bem como do interesse e da interface da própria pesquisadora que

verificou a oportunidade de não somente ser objeto de estudo, mas de figurar como

sujeito de investigação na qualidade de mulher negra.

A delimitação, segundo Lakatos e Marconi (1992), exige a distinção entre

sujeito e realidade a respeito do que se deseja saber sobre alguma coisa; e objeto,

correspondente àquilo que se deseja saber ou realizar a respeito do sujeito, como

conteúdo que concentra a discussão; especificação dos limites de extensão e as

determinações das circunstâncias (tempo e espaço).

Assim, as mulheres negras foram definidas como sujeito desse estudo, fixando

carreira como objeto explorado por meio da aplicação das âncoras de carreira

desenvolvidas por Schein (1996) e de entrevista semiestruturada para cumprir com os

objetivos da pesquisa. Quanto aos limites de extensão, determinou-se o estudo com

mulheres negras funcionárias de uma Instituição Superior de Ensino Confessional de

São Paulo, considerando a facilidade de acesso da pesquisadora que também está

inserida no mesmo ambiente profissional das pesquisadas. No que diz respeito às

circunstâncias, optou-se por mulheres com mínimo de dez anos de trajetória

profissional. Assim que definida essa delimitação, estabeleceu-se o tema desse estudo:

carreira na percepção da mulher negra, tendo como relevância suas contribuições

teóricas e sociais.

Justificativa

A escolha pelo estudo acerca da carreira na percepção da mulher negra ocorreu

pelo fato de a pesquisadora se identificar com essas mulheres em vários contextos, além

de perceber que há poucas pesquisas sobre o tema. Outra iniciativa que motivou a

realização dessa pesquisa ocorreu da percepção das dificuldades enfrentadas por essas

mulheres para planejarem suas carreiras, desviando-as de suas pretensões e inclinações,

limitando suas atuações profissionais que, muitas vezes, acabam expondo-as às

condições desiguais de acesso, restringindo suas oportunidades.

A contribuição dessa pesquisa consiste em compreender o modo como as

mulheres negras percebem suas carreiras, com todos os fatores que cerceiam sua

Page 17: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

17

trajetória profissional e, com base nisso, pensar em medidas que ajudem a reduzir a

desigualdade, permitindo que elas saiam da invisibilidade e ocupem espaços que não os

circunscritos pela sociedade.

Objetivos

Os objetivos de uma pesquisa constituem a base que justifica o desenvolvimento

de um trabalho científico. Em outras palavras, os objetivos são metas que guiam a

elaboração da pesquisa e são classificados em objetivos gerais e específicos.

Oliveira (2010, p. 36-37) define que “o objetivo geral precisa dar conta da

totalidade do problema de pesquisa, devendo ser elaborado com um verbo de precisão,

evitando ao máximo uma possível distorção na interpretação do que se pretende

pesquisar”. Igualmente, a autora define que “os objetivos específicos fazem o

detalhamento do objetivo geral (...)”. Sendo assim, foram delineados o objetivo geral e

objetivos específicos da presente pesquisa, sendo eles:

Objetivo Geral

Analisar a percepção da mulher negra sobre a própria carreira.

Objetivos Específicos

Identificar a noção de processo de desenvolvimento profissional

(planejamento de carreira).

Mapear as pretensões de carreira das pesquisadas, investigando possível

redirecionamento.

Verificar os possíveis obstáculos relacionados aos elementos gênero e raça

durante o desenvolvimento da carreira.

Identificar as âncoras de carreira, associando as inclinações profissionais

com as atribuições atuais e as expectativas de carreira mapeadas.

Problema de Pesquisa

De acordo com Richardson (1999, p. 16), a pesquisa tem por finalidade principal

o desenvolvimento do ser humano por meio da aquisição de conhecimento capaz de

resolver problemas, gerar teorias e avaliar as já existentes.

Page 18: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

18

Seguindo o mesmo pensamento, Selltiz et al. (1975, p. 5) fundamentam que a

pesquisa tem por objetivo a utilização de procedimentos e técnicas científicas para

responder perguntas sobre determinados temas. Para os autores, as questões de ordem

intelectual, quando se tem interesse em conhecer e compreender determinados

fenômenos; e as de ordem prática, motivadas pelo conhecimento que permitirá que algo

seja feito com eficiência, são as principais razões para a preposição de questões de

pesquisa.

Nesse sentido, Lakatos e Marconi (2001, p. 159) também entendem que o

problema de pesquisa corresponde a “uma dificuldade, teórica ou prática, no

conhecimento de alguma coisa de real importância, para qual se deve procurar uma

solução”. Desse modo, para esse estudo, formulou-se a seguinte questão que norteará a

pesquisa: Como são percebidas as expectativas e dificuldades da mulher negra em

relação à sua carreira?

Matriz de Amarração

Para esse trabalho, adotou-se como instrumento da consistência metodológica da

intervenção científica e das relações estabelecidas, a matriz de amarração, proposta por

Telles (2001), para indicar a aderência e compatibilidade entre o modelo assumido de

pesquisa, os objetivos, as questões de pesquisa e as técnicas de análise dos dados,

conforme estrutura do quadro a seguir:

Page 19: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

19

Quadro 1 – Matriz de Amarração

Objetivo geral Objetivos específicos Fundamentação

teórica1

Técnicas e

Instrumentos

de coleta

Técnicas

de

análise

O objetivo deste estudo

é analisar a percepção

da mulher negra sobre

a própria carreira.

1) Identificar a noção de

processo de

desenvolvimento

profissional (planejamento da carreira).

Veloso; Trevisan;

Dutra; Chanlat;

Sullivan; Barusch;

Arthur; Tieppo;

Chiavenato; Martins;

Khapova et al.; Arthur,

Claman e DeFillippi;

Inkson; Briscoe e Hall;

Balassiano et al.; Arthur

e Rousseau; Ciampa;

Hall; Dubar; Pimenta;

Santos; Ferreira; Silva;

Ibarra; Goleman;

Skinner; Bridges;

Quishida; entre outros.

Entrevista

semiestruturada

Análise

de conteúdo

2) Mapear as pretensões de

carreira das pesquisadas,

investigando possíveis

redirecionamentos da carreira.

Entrevista

semiestruturada

Análise

de conteúdo

3) Verificar os possíveis

obstáculos relacionados aos

elementos gênero e raça

durante o desenvolvimento da carreira.

Carneiro; Caldwell;

Safioti; Pinto;

Descarries; Narvaz &

Koller; Bruschini e

Undehaum; Scott;

Costa; Miranda; Alves e

Cavenaghi; Santos;

Munanga; Carvalho;

Hirata; Raimundo et al.;

Silva; Florestan

Fernandes; Motta;

Oracy Nogueira;

Aguiar; Souza; Oliveira;

Toledo; Marques e

Sanches; IBGE;

RASEAM; IPEA; entre

outros.

Entrevista semiestruturada

Análise

de

conteúdo

4) Identificar as âncoras de

carreira, associando as

inclinações profissionais com

as atribuições atuais e as

expectativas de carreira

mapeadas

Schein; Ibarra;

Cantarelli et al.; entre

outros.

Inventário de

Âncoras de

carreira

Análise

estatística

descritiva

Análise

de

conteúdo

Fonte: adaptado de Telles (2001).

1 As datas das obras constantes da coluna de Fundamentação Teórica estão disponíveis nas

Referências Bibliográficas desta pesquisa.

Page 20: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

20

O presente estudo é de natureza qualitativa, para sua realização, utilizou-se o

inventário de âncoras de carreira e a entrevista semiestruturada com 10 (dez)

entrevistadas para a coleta de dados que atenderam ao propósito da pesquisa.

A pesquisa está dividida em quatro capítulos. No capítulo 1 – Perspectivas

Teóricas acerca da carreira – apresenta-se a fundamentação teórica que está

alicerçada na conceituação, modelos e diferentes abordagens relacionadas à carreira,

valendo-se das contribuições das âncoras de carreira e identidade profissional.

No capítulo 2 – A história da mulher negra – aborda-se a mulher negra, por

meio de um resgate antropológico sobre a história dessas mulheres e seu

posicionamento no mercado de trabalho.

No capítulo 3 – Aspectos metodológicos da pesquisa – constam os

procedimentos metodológicos, o contexto da pesquisa, o perfil das entrevistadas que

foram sujeitos dessa pesquisa, além da técnica de coleta dos dados.

No capítulo 4 – Análise e interpretação dos dados – são apresentados e

discutidos os resultados obtidos na análise dos dados.

Por fim, constam as Considerações Finais, em que se procurou alcançar os

objetivos propostos no início da pesquisa e, em seguida, há as Referências

Bibliográficas e os Anexos.

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21

1. PERSPECTIVAS TEÓRICAS ACERCA DA CARREIRA

1.1. Carreira

Apesar de haver muitas publicações a respeito do tema, o conceito não é unívoco

havendo vários e importantes olhares sobre a definição de carreiras que, nos últimos

anos, tem passado por uma verdadeira reconfiguração em consonância com as

constantes transformações econômicas e sociais.

Com a finalidade de apresentar essa complexidade e evolução, esse capítulo e o

subsequente, discorrem sobre a conceituação e teorias relevantes para os estudos sobre

carreiras, dialogando com alguns autores que versam sobre o tema, tais como: Dutra

(1996 e 2010); Schein (1996); Ibarra (2009); Veloso (2009) e outros teóricos de

semelhante importância.

Para a apresentação conceitual, os principais tópicos foram agrupados para

atender aos objetivos propostos e às questões concernentes à pesquisa, inclinando o

desenvolvimento teórico dos dois primeiros capítulos na definição e evolução da

carreira, com as carreiras tradicionais e não tradicionais; identidade de carreira; gestão

pessoal; conceito de âncoras de carreira e de transição de carreira.

1.1.1. Definição de Carreira

Chanlat (1995, p. 68) explica que a noção de carreira é relativamente recente,

aparecendo somente no século XIX, com a definição de um “ofício, de uma profissão”,

que surgiu a partir da sociedade capitalista industrial.

Nessa mesma ordem, Trevisan (2005, p. 9) contribui mencionando que a palavra

carreira deriva do latim e tem como significado o “caminho de carruagens”, “trilha” ou

“rastro” que, nos termos profissionais, é construída gradualmente pelo indivíduo como

uma estrada em constante edificação.

Entretanto, apesar das exemplificações, o conceito de carreira não é de fácil

entendimento e percepção, mas, em resumo, de acordo com Dutra (1996), pode ser

utilizada para referir-se ao caminho percorrido pelo indivíduo, em direção definida ao

alcance dos objetivos relacionados à sua profissão e à sua mobilidade ocupacional.

Dentre essas conceituações, Veloso e Dutra (2010) concluíram que a melhor

definição sobre carreira estaria contemplada na proposta de London e Stumph (1982); e

Arthur et al. (1989), de que a carreira é uma série de estágios e transições que se

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movimenta por pressões originadas no próprio indivíduo e no ambiente que está

inserido.

Diante dos pontos de vistas e das similaridades de diferentes autores no que diz

respeito à definição de carreira, verifica-se que o termo comporta uma multiplicidade de

conceitos que podem ser observados em diferentes perspectivas e abrangências,

podendo ser concebidos, de acordo com Hall (2002), tanto popularmente quanto da

ciência comportamental, conforme apresentam Veloso e Dutra (2010, p. 5), a saber:

1. Carreira como avanço – é a visão popularmente difundida de que a ascensão

na carreira ocorre através da mobilidade vertical na estrutura hierárquica da

organização com sequência de promoções e movimento para cima.

2. Carreira como profissão – neste conceito, também popularmente conhecido,

há uma percepção de que algumas ocupações podem ser consideradas como

carreiras, enquanto outras não. Nessa visão, somente as profissões que

atribuem algum status e movimentos progressivos são tidas como carreira

como, por exemplo, médicos, advogados, contadores etc.

3. Carreira como a sequência de trabalhos durante a vida – nesta definição,

mais perceptivas pelos profissionais da ciência comportamental, não há

julgamento de valor, todo trabalho realizado pelo indivíduo compõe a sua

história de carreira com suas experiências e série de posições ocupadas

independentemente do nível hierárquico ou tipo de trabalho.

4. Carreira como a sequência de experiência relativa às funções ao longo da

vida: nesta definição, também usual para os pesquisadores do campo da

ciência comportamental, a carreira representa a maneira como a pessoa

experimenta e percebe a sequência de trabalhos e atividades que constituem

sua história de trabalho.

Além da atribuição de valores apresentadas por Veloso e Dutra (2010), que

correspondem tanto à carreira objetiva quanto à subjetiva, Chanlat (1995, p. 73-74)

ordena quatro tipos de carreiras com os seguintes aspectos:

1. A carreira do tipo burocrática – baseia-se no tipo de carreira ligada à

estrutura burocrática das organizações. Caracteriza-se por: divisão elaborada

do trabalho, rígida hierarquia de papéis e de estatutos, regulamentação

onipresente, centralização de poder, impessoalização das relações. A

organização burocrática oferece um crescimento na carreira limitada à

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23

pirâmide da organização, em avanços representados por ascensões

hierárquicas que a cada nível alcançado concede-se responsabilidade, salário

e vantagem sociais formalmente definidos, em outras palavras, o recurso

central é a posição ocupada.

2. A carreira de tipo profissional – baseia-se no saber, da especialização e da

profissão e da reputação. Seu avanço se faz à medida que o conhecimento e a

experiência se acumulam, em que o avanço da carreira estará, sobretudo,

ligado à reputação e ao seu saber. Esse tipo de carreira oferece maior

mobilidade, independência e autonomia aos indivíduos, uma vez que o

recurso central é a especialização reconhecida, e os profissionais tendem a

desenvolver uma lealdade maior com a profissão do que com relação à

organização que os emprega. Nesse caso, o desenvolvimento e avanço

profissionais não estão diretamente ligados à hierarquia e aos níveis

hierárquicos da organização, mas a própria natureza do trabalho.

3. A carreira do tipo empreendedor – está ligada às atividades de uma

empresa independente, traçadas por uma pessoa. Esse tipo de carreira é, em

geral, identificado com o empreendedor econômico, sendo atribuída a

ideologia de sucesso individual, em que o elemento central é a criação de

novos valores, de novos produtos e serviços. Questões como o desemprego,

concorrência internacional, entre outras, empurram o governo, as empresas e

as sociedades para a valorização desse tipo de carreira que exige

características como: criatividade, inovação e gosto pelo risco. Mais arriscado

do que outros tipos, a carreira de empreendedor oferece, em caso de sucesso,

recompensas materiais mais elevadas.

4. A carreira do tipo sociopolítico – baseia-se nas habilidades sociais e no

poder de relações que dispõe uma pessoa. O elemento central é o capital de

conhecimentos, de relações e de pertencimento a um nível social bem

estruturado e entendido, como a relação de parentesco, por exemplo. É graças

ao nível de relações que a carreira se constrói e as promoções são obtidas.

A tipificação e a percepção individual em torno da carreira surgiram e se modificaram

ao longo do tempo e diante da inquietude socioeconômica mundial. Para compreender melhor

a evolução da carreira, cabe um breve resgate do progresso histórico do cenário industrial,

uma vez que esse ambiente sempre alojou grande massa dos profissionais.

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24

1.1.2. Evolução Histórica da Carreira

O interesse em estudos acerca de como as pessoas e as organizações lidam com

carreiras intensificou-se após a Segunda Guerra Mundial, com o crescimento da

complexidade organizacional, despertando o interesse tanto das organizações como das

pessoas (VELOSO e DUTRA, 2010).

Após a batalha, a economia era relativamente estável e as relações entre

empregado e empregador eram de longo prazo. Porém, no final do século XX, com o

advento da globalização e com as crises econômicas que reorganizaram a produção, este

modelo declinou cedendo espaço a novas concepções de carreira (TIEPPO, 2011).

Com o propósito de apresentar a trajetória das mudanças que impactaram

diretamente a reconfiguração da carreira, Chiavenato (2004) discorre sobre os principais

períodos que evolucionaram os cenários e os estudos sobre o tema:

Era Industrial Clássica: período compreendido logo após a Revolução

Industrial que se estendeu até meados de 1950. Nessa fase, caracterizada pela

intensificação do fenômeno da industrialização, as empesas adotaram a

estrutura organizacional burocrática, marcada pela departamentalização e

centralização hierárquica e com rigidez para disciplinar e padronizar o

comportamento das pessoas. A Teoria Clássica da Administração e o Modelo

Burocrático foram adotados pelas organizações que, nessa época, mantinham

um ambiente conservador, com poucos desafios e relativo grau de certeza. A

eficiência era focada na especialização da mão-de-obra, e as pessoas eram

consideradas recursos de produção, com cargos pensados de maneira fixa e

definitiva para obter a máxima eficiência do trabalho.

Era da Industrialização Neoclássica: período compreendido entre as

décadas de 1950 e 1990. Nessa época, ocorreram as rápidas e progressivas

mudanças no mundo que impulsionaram as transações comerciais em escala

internacional e acentuaram a competição entre empresas. Predominou nessa

fase a Teoria Neoclássica da Administração, Teoria Estruturalista e a Teoria

Comportamental, em substituição aos modelos anteriores. A visão sistêmica

e multidisciplinar (holística) era preponderante e, neste redesenho, as

empresas buscaram novos modelos estruturais para incentivar a inovação e a

competitividade. Com relação à carreira, havia a expectativa de linearidade

com progressão ascendente na hierarquia da empresa e relativa estabilidade

de emprego, dispensando análises detalhadas sobre as carreiras.

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Era da Informação: período atual, com início na década de 1990 e

caracterizado pelas rápidas mudanças. A tecnologia da informação e todos os

meios de comunicação forneceram os elementos-chave para o surgimento da

globalização, transformando a economia internacional em economia mundial

e global, e da complexa competitividade entre as empresas. O conhecimento,

com sua usabilidade e aplicabilidade, torna-se o recurso mais importante e o

maior desafio passa a ser a produtividade do conhecimento. As mudanças

econômicas e tecnológicas acabaram influenciando o comportamento das

pessoas que, com o fim da estabilidade, consideram a empregabilidade,

passando a gestão da carreira a ser responsabilidade do indivíduo e não mais

da empresa.

De acordo com Veloso e Dutra (2010), as poucas abordagens sobre a carreira na

década de 1970 eram proporcionadas pelos psicólogos vocacionais e sociólogos, sendo

que o interesse em estabelecer um campo de análise sobre o tema surgiu por meio da

iniciativa de estudantes, conforme quadro resumo:

Quadro 2 – Evolução dos estudos sobre carreira

Tipo Década Principais ocorrências

Car

reir

as

Org

aniz

acio

nai

s

1980

Eventos e encontros foram promovidos, consolidando grupos de

interesse que passaram a gerar produção acadêmica, fortalecendo

teorias e a formação de paradigmas voltados predominantemente às

carreiras organizacionais.

O Handbook of career theory (ARTHUR et al., 1989) foi editado,

colaborando para a consolidação do campo de estudo de carreira.

Car

reir

as O

rgan

izac

ionai

s e

Pro

tean

as

1990

A obra The boundaryless career: a new employment principle for a

new organizational era. (ARTHUR e ROUSSEAU, 1996) foi editada,

consolidando a concepção de carreiras sem fronteiras.

A discussão sobre a carreira proteana ganhou mais sentido que quando

foi proposta, na década de 1970.

As questões que dirigiam os estudos sobre carreira passam a ter mais

foco em significado do que em dinheiro; em propósito do que em

poder; em identidade do que em ego; em aprendizado do que em

talento.

Foi lançado no Brasil o primeiro livro sobre Administração de

carreiras (DUTRA, 1996).

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26

Tipo Década Principais ocorrências

Car

reir

as P

rote

anas

e s

em F

ron

teir

as

2000

A atenção das teorias de carreira passou a considerar de forma concreta

a perda de fronteiras.

Foi publicado o livro The opt-out revolt: why people are leaving

companies to create kaleidoscope careers. (MAINIERO e

SULLIVAN, 2006) com atenção direcionada às questões de gênero nas

carreiras e a proposta de uma abordagem de carreira caleidoscópica.

O Handbook of career studies (GUNZ e PEIPERL, 2007) foi

organizado com a proposta de suprir lacunas de integração entre as

várias disciplinas que tratam do assunto e atender à necessidade de

reflexão sobre os múltiplos paradigmas ligados ao tema.

No Brasil, a publicação do livro Gestão de carreiras (BALASSIANO e

COSTA, 2006) critica a réplica de preceitos originados em material

publicado no exterior e sistematiza reflexões e pesquisas que tenham

validade no contexto brasileiro. São também publicados estudos que

mostram a necessidade de que a gestão de carreiras das empresas seja

adaptada à nova realidade em que carreira não é sinônimo de cargo.

Fonte: Adaptado de VELOSO e DUTRA, 2010, p. 12.

Alguns autores como Balassiano et al. (2004); Veloso e Dutra (2010); Arthur et

al. (1999) e Chanlat (1995), ao refletirem sobre a evolução do conceito de carreira,

considerando as afinidades com as práticas habituais de mercado, as novas tendências

emergidas, as transformações socioeconômicas e as discussões sobre a responsabilidade

do contexto profissional, classificaram as carreiras em dois grandes modelos:

tradicionais e não tradicionais.

No presente estudo torna-se importante mostrar os dois modelos para que se

possa entender o momento em que se flexibilizou a inserção da mulher no mercado de

trabalho. Entretanto, cabe ressalvar que, embora tenham ocorrido muitas mudanças nos

espaços de tempo e que levaram à evolução do conceito e da gestão da carreira, ainda

hoje existem alguns paradigmas e modelos mentais da sociedade, prevalecendo

determinado senso comum que enaltece o poder social de uns sobre os outros e que

expõe a mulher, especialmente a mulher negra, a uma doutrina de que na sociedade há

os que sabem, são competentes e superiores, como os brancos e, de modo geral, os

homens; e os que são desprovidos dessa capacidade e, portanto, devem ser comandados,

como os negros, principalmente as mulheres.

1.2. Carreiras Tradicionais

A carreira tradicional corresponde àquela que tem sido o modelo dominante,

mesmo nos dias de hoje, com divisão sexual e social do trabalho, progressão linear e

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vertical na estrutura da organização e estabilidade no emprego (CHANLAT, 1995,

p. 72).

Veloso (2009) comenta que existe uma dependência mútua entre carreira e

organização, além de revelar que as premissas que caracterizam esse modelo de carreira

foram aderidas pelas companhias após a Segunda Guerra Mundial, com o intuito de

conseguir a lealdade do funcionário e, com isso, formar um contingente estável de

trabalho capaz de cumprir com os objetivos da organização.

Em suas análises, Balassiano et al. (2004) estabelece que na perspectiva da

carreira tradicional há o pensamento de que os benefícios são direitos assegurados e que

as empresas devem assumir a responsabilidade do planejamento da carreira de seus

funcionários, tendo em vista que a empresa é detentora de condições que viabilizam os

acessos e o desenvolvimento profissional do indivíduo.

Em uma ilustração da maneira como as carreiras são vistas no modelo

tradicional, Veloso e Dutra (2010, p. 13) abordam as principais práticas aplicadas nessa

classe:

1. Abordagem do aconselhamento vocacional – são usados testes vocacionais

na tentativa de se conseguir a pessoa certa para o trabalho. Uma variação

dessa abordagem são as âncoras de carreira, em que a experiência profissional

anterior permite identificar as âncoras que norteiam a vida profissional.

2. Abordagem da gestão de recursos humanos: mostra o uso de talentos

individuais no desenvolvimento da carreira. Prevê sistemas de carreiras com

vários níveis hierárquicos em empresas paternalistas.

3. Teorias desenvolvimentistas: focam a carreira como entidade orgânica com

ciclo de vida em desenvolvimento formados por interações complexas entre

escolhas pessoais e forças externas da família, classe e circunstâncias

econômicas e organizacionais. Nessas abordagens, o padrão de carreira

profissional, composta por degraus de ascensão, é uma das sucessivas fases

da formação da identidade, do desenvolvimento de competência, da

construção de relacionamento e da liderança.

Segundo Veloso (2009, p. 45-46), na visão de carreira tradicional, há uma

conexão entre carreira e realização pessoal. Contudo, não há um equilíbrio entre as

acepções “subjetivas da vida e do trabalho, sobre o efeito equivalente entre os próprios

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episódios de carreira, bem como entre a carreira e o ambiente das organizações” com

que a pessoa interage.

Considerando essa insuficiência e complexidade das mudanças que modernizou

o mundo, as empresas foram forçadas a ajustarem suas estruturas à competitividade do

mercado, surgindo assim as flexíveis e adaptáveis carreiras não tradicionais condizentes

com o novo modo de gestão da sociedade.

1.3. Carreiras não Tradicionais

As carreiras não tradicionais, também denominadas carreiras modernas,

emergiram em meados da década de 1970, como resultado de mudanças ocorridas na

sociedade, tais como: “a feminização do mercado de trabalho, a elevação dos graus de

instrução, a cosmopolitação do tecido social, a afirmação dos direitos dos indivíduos, da

globalização da economia, da flexibilização do trabalho, entre outros”. Esse modelo,

apesar de democrático, é marcado pela instabilidade, descontinuidade e horizontalidade,

opondo-se ao modelo tradicional (CHANLAT, 1995, p. 72).

Balassiano et al. (2004) colabora com esse entendimento acerca da carreira

moderna enfatizando que, nesse modelo, os atributos como conhecimento, criatividade,

capital de relações, flexibilidade e capacidade de inovar são vistos como fatores chaves

e diferenciais à carreira profissional do indivíduo.

Veloso (2009) complementa citando que as carreiras modernas têm por

característica a valorização da propriedade de auto-organização das carreiras e a

responsabilidade do sujeito com o comprometimento necessário para a realização

pessoal e profissional.

Com base nos estudos de alguns autores, Veloso e Dutra (2010, p. 14) apontam

algumas perspectivas que subsidiaram a formação dessa nova visão sobre as carreiras,

sendo elas:

1. Escola de Chicago – mudou o foco dos estudos das estruturas burocráticas

para situações mais dinâmicas, flexíveis e de simples confinamentos do

emprego (cargo) para grandes espaços de vida individual, social e funções

familiares.

2. Psicologia – as pessoas passam a ser vistas como escultoras da própria

carreira e como criadoras de significado pessoal em suas vidas.

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3. Ciências Sociais: colocou ênfase na interdependência entre elementos do

sistema. Ao invés da relação anterior de causa e efeito, mostrou a

importância da auto-organização das propriedades dos elementos ligados à

carreira em busca de adaptação ao seu ambiente.

Como proposta às carreiras não tradicionais, há as denominadas proteanas e sem

fronteiras, apresentadas e definidas como carreiras inteligentes que priorizam o sucesso

psicológico e a gestão da carreira pelo próprio indivíduo, em contraposição à carreira

tradicional que identifica o sucesso por meio da ascensão vertical na hierarquia da

empresa (VELOSO e DUTRA, 2010).

1.3.1. Carreiras Inteligentes – proteanas e sem fronteiras

As organizações continuam influenciando fortemente na maneira como as

pessoas organizam suas carreiras, contudo, diante das novas abordagens decorrentes da

globalização, complexidade, diversificação e individualismo do mundo, as carreiras

tradicionais, com suas escaladas hierárquicas, deixaram de ser preponderantes, abrindo

espaço para abordagens contemporâneas, como as carreiras proteanas e sem fronteiras

(DUTRA et al., 2009).

Com o objetivo de fornecer elementos estruturais às carreiras não tradicionais,

também denominadas de carreiras inteligentes, Martins (2011), fundamentado nos

estudos de De Masi (2001), trabalhou com a elaboração de um método de análise e

reflexão sobre a carreira, baseado em um modelo de competências adequadas à Era do

Conhecimento.

Martins (2011, p. 7-8), a sociedade do conhecimento é marcada pela

produtividade do trabalhador não manual, exigindo a aplicação do conhecimento ao

conhecimento. Nessa sociedade, várias denominações são abordadas, mas cabe destacar

que na sociedade pós-capitalista o conhecimento deixou de ser um recurso para ser o

recurso, demandando do trabalhador constante atualização para evitar que se torne

obsoleto.

Para elucidar as mudanças, o quadro a seguir sintetiza as principais

características de cada sociedade:

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Quadro 3 – Características das sociedades

Características da sociedade industrial versus sociedade do conhecimento

Sociedade industrial Sociedade do conhecimento

Racionalidade.

Machismo.

Capacidade de execução.

Padronização.

Especialização.

Eficiência.

Produtividade.

Concentração temporal e espacial do

trabalho.

Sincronização.

Hierarquização.

Gigantismos para economia de escala.

Concorrência.

Intelectualização da atividade humana

(inteligência, criatividade e preparação

cultura aplicadas).

Confiança.

Estética.

Subjetividade (em oposição ao

anonimato coletivo e à massificação).

Emoção

Virtualidade (relações com pessoas e

objetos dissociados da presença física)

Globalização (familiaridade com o

mundo, como vizinhanças)

Desestruturação do trabalho e do lazer

(flexibilização dos limites de tempo e

espaço).

Qualidade de vida. Fonte: Adaptado de DE MASI (2001).

O conhecimento preconizado na era da informação, indiscutivelmente,

desempenha um importante papel, mas exige cautela para que esse determinismo

científico não exclua os saberes da tradição que esteve presente em todas as sociedades

como os recursos da época e que também são formas de conhecimento.

Cada sociedade em todo seu curso histórico constrói sua cultura e acumula

conhecimento inclusive por meio do exercício do trabalho. A atividade laboral requer a

utilização de ferramentas que, muitas vezes, são forjadas pelo próprio trabalhador, como

é o caso das atividades artesanais (pesca, agriculta etc.). O próprio repertório acumulado

por meio dos saberes está também presente no que se entende como sociedade do

conhecimento, embora o reconhecimento de seu valor encontra-se preterido diante da

supremacia concedida ao conhecimento científico.

Considerando, entretanto, a evolução pregada de sociedade industrial para a

sociedade do conhecimento, grande parte dos instrumentos passou a ser ofertado pela

organização, estabelecendo, a partir daí, uma interdependência do conhecimento do

trabalhador e as ferramentas de produção, característica da sociedade pós-capitalista.

Nesse cenário, Arthur et al. (1995) apresentam o conceito de carreiras

inteligentes desenvolvido no contexto da emergente economia do conhecimento, que foi

proposta pela primeira vez como resposta ao conceito de empresa inteligente abordado

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por Quinn (1992, apud KHAPOVA et al., 2007), que, em linhas gerais, expressa o

papel do conhecimento como impulsionador das organizações, sendo o conhecimento o

fator chave de desenvolvimento que pode ser adquirido através de competências

relacionadas à sua cultura, know-how e redes de relacionamento.

Dessa forma, a teoria de carreiras inteligentes tem no acúmulo do capital de

conhecimento a chave para o desenvolvimento profissional do indivíduo que, de acordo

com Bacon, citado na obra de Pereira et al. (2014, p. 193): “saber é poder”.

Esse conhecimento, progressivamente alcançado e constantemente reciclado,

pode ser obtido através de três formas correspondentes de competências pessoais,

mencionadas por Arthur et al. (1995), bem como por Khapova et al. (2007):

Sabendo como (Knowing-how) – reflete as habilidades e perícias individuais

que são levadas para o trabalho, além de refletir as habilidades para atender

às demandas de mudanças de papéis.

Sabendo o porquê (knowing-why) – reflete a identidade e a motivação

individual, compreendendo o estímulo para trabalhar com seus valores e sua

capacidade de se identificar com o trabalho.

Sabendo com quem (knowing-whom) – reflete as relações interpessoais e de

redes de relacionamentos individuais para desenvolver e manter relações que

podem impactar a carreira com foco na imagem e reputação.

Os três modos de saber são interativos e envolvem os requisitos objetivos do

trabalho, como as competências necessárias e o subjetivo do indivíduo, como saber

quais as motivações que influenciam as escolhas da pessoa, seu temperamento e seus

valores (KHAPOVA et al., 2007).

Tieppo (2011) defende que o modelo de carreira inteligente está atrelado ao

indivíduo como responsável pela gerência de sua carreira e, baseado nas análises de

estudos de Arthur e Rousseau (1996), infere sobre a indispensável capacidade de

autoconhecimento para buscar o aprendizado necessário e elevar suas competências.

Similarmente, Dutra et al. (2009) também apresentam a responsabilidade do

indivíduo ao citar o sujeito como autor da construção de carreiras inteligentes, por outro

lado, do mesmo modo, destaca o papel da organização em prover condições para o

desenvolvimento da carreira dos funcionários. Os autores ainda ressaltam que, em um

mundo sem fronteiras, o movimento entre as organizações requer habilidade de

competências que são transferíveis entre as empresas e que, muito embora as

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32

competências de saber dos indivíduos sejam insubordinadas às organizações, são

análogas em sua aplicação às organizações.

1.3.2. Carreira proteana

A reconfiguração do mercado de trabalho, provocada pelas mudanças ocorridas

no cenário mundial, impulsionou as empresas a flexibilizar seus processos tornando

suas estruturas mais enxutas. Simultaneamente, as pessoas passaram a perceber a

necessidade de se adaptarem, alterando suas atitudes, comportamentos e ajustando suas

carreiras às mudanças, focando não mais as oportunidades profissionais

organizacionais, mas a satisfação de suas necessidades individuais (BALASSIANO et

al., 2004; SULLIVAN e BARUCH, 2009 e VELOSO e DUTRA, 2010).

Como resposta a essas transformações, surge a carreira proteana – metáfora

referente ao deus grego Proteus que mudava sua forma corporal conforme a

circunstância – proposta por Hall, em 1976, como uma forma de descrever o indivíduo

capaz de adaptar sua experiência e competências para enfrentar as turbulências da nova

economia, gerindo e reinventando sua carreira (INKSON, 2006).

Nesse contexto, as pessoas e não as organizações são gerenciadas, cabendo às

pessoas assumirem um papel ativo no planejamento da carreira, por meio do acúmulo de

conhecimento, aprendizagem contínua e do desenvolvimento de habilidades que

promovam a mobilidade no mercado de trabalho (VELOSO e DUTRA, 2010, p. 15).

Para os autores, na proposta de carreira proteana, o contrato de carreira tradicional,

devido à incapacidade para atender às novas demandas, é substituído por contratos de

curto prazo que são renovados com base nos interesses e em desempenho. Desse modo,

as principais características da carreira proteana são:

mudanças frequentes;

autodireção;

habilidade para aprender;

habilidade para redirecionar a carreira e a vida e

habilidade para construir relações.

Briscoe e Hall (2006, p. 8) apontam para duas dimensões que elucidam o

conceito de carreiras proteanas, sendo elas:

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Autodirigida: acontece quando o profissional assume a gestão da carreira e

cria as próprias oportunidades de desenvolvimento, orientadas mais por

objetivos e crescimento pessoal e menos por segurança no emprego.

Orientada por valores: ocorre quando o profissional é conduzido a priorizar

os valores internos, estabelecendo valores e objetivos com base no sucesso

interno, em vez de opiniões externas.

Analisando essas variáveis, Sullivan e Baruch (2009) concluem que o indivíduo

disposto a gerir a própria carreira tem como norte sua bússola interna. Como

decorrência, o profissional com carreira proteana apresenta, com frequência, atitudes

versáteis, renovação de competências e autonomia nas decisões baseadas nos valores

internos.

Para Balassiano (et al., 2004), a carreira proteana respeita as três dimensões do

indivíduo que não podem ser vistas como excludentes: o pessoal, o familiar e o

profissional. Os autores ressaltam, ainda, que o objetivo da carreira proteana é o

aprendizado, o sucesso psicológico e a expansão da identidade que são alcançados

através da autoavaliação, dos desafios no trabalho, dos relacionamentos e, por fim, do

resgate da visão integral do indivíduo. Para isso, o contrato psicológico é reafirmado

como um compromisso que o indivíduo assume consigo.

A força motora desse tipo de carreira são as necessidades

pessoais e o sucesso psicológico (oposto de sucesso exterior).

(...) É preciso que a pessoa saiba o que e como aprender e

também que aprenda continuamente, inclusive sobre os outros e

sobre ela própria, para que consiga lidar com o novo contrato de

carreira. (VELOSO e DUTRA, 2010, p. 15)

Esse tipo de contrato, embora não seja legitimado por um documento

formalizado, tem por finalidade descrever as relações de trabalho implicitamente

estabelecidas entre as partes e, com base nos estudos de Hall (2002), Veloso e Dutra

(2010, p. 15), é possível identificar as seguintes formas de contrato psicológico:

Relacional: baseada no compromisso mútuo de longo prazo e na relação de

confiança entre indivíduo e organizações.

Transacional: baseada em trocas utilitárias, de curto prazo, de benefícios e

contribuições entre indivíduos e organização.

Page 34: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

34

Dessa maneira, o quadro a seguir sintetiza as principais características do novo

contrato proteano de carreira:

Quadro 4 – Características do contrato de carreira proteana

Características da carreira proteana

1. A carreira é gerenciada pela pessoa e não pela organização.

2. A carreira é uma série de experiência ao longo da vida: qualificações, aprendizados,

transições e mudanças de identidade (a idade da carreira conta e não a idade cronológica).

3. O desenvolvimento é:

Obtido através do aprendizado contínuo.

Autodirecionado.

Relacional.

Encontrado em desafios de trabalho.

4. O desenvolvimento não é (necessariamente):

Treinamento formal.

Retreinamento.

Mobilidade para cima.

5. Os ingredientes para o sucesso vêm mudando:

De know-how para learning-how.

De segurança no emprego para empregabilidade.

De carreiras organizacionais para carreiras proteanas.

De ser humano do trabalho para ser humano integral.

6. A organização provê:

Tarefas desafiadoras.

Desenvolvimento de relações.

Informações e outros recursos de desenvolvimento.

7. O objetivo da carreira é o sucesso psicológico. Fonte: Hall (2002).

Apoiados nas definições de Hall (2002), Veloso e Dutra (2010, p. 17)

reconhecem quatro dimensões relevantes das carreiras proteanas:

1. Performance de trabalho: tem por base o critério pessoal (e não

organizacional) do que é uma boa performance em termos de salário, posição

profissional etc.

2. Atitudes: a atitude pessoal exerce uma importante função nas escolhas de

carreira.

3. Identidade: baseada em autorrespeito e sinais pessoais sobre o que a pessoa

quer fazer.

4. Adaptabilidade: flexibilidade no trabalho, desenvolvimento e competências

pessoais que têm validade no mercado.

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35

1.3.3. Carreiras sem fronteiras

O conceito de carreira sem fronteira criado por Jack Welsh, Chief Executive

Officer (CEO), da General Electric, nasceu da tentativa de transformar a empresa em

uma organização sem fronteiras, com flexibilidade para enfrentar a alta competitividade,

em contraposição à organização tradicional, e despertando a atenção de estudiosos que

analisaram que uma organização sem fronteiras direcionaria as carreiras para uma nova

configuração. Assim, em 1993, a Academia of Management promoveu conferência com

o tema “Organizações sem Fronteira” e “Carreira sem Fronteira”, resultando na

produção de artigos e na publicação do livro Boundaryleess Career, editado, em 1996,

por Arthur e Rousseau (INKSON, 2006).

Em análise às metáforas utilizadas pelos estudiosos de carreiras, Inkson (2006)

acrescenta que o termo “fronteira” tem significação de limite ou de demarcação dos

limites de uma área ou território, com implicação na restrição de acesso a esse lugar e

compara, similarmente, a carreira sem fronteira com uma carreira sem limites de espaço

ou barreira de marcação.

Arthur e Rousseau (1996, p. 6-7) apresentam vários significados específicos

consistentes com as pesquisas, como os estudos do Instituto de Pesquisa de

Massachusetts, sobre a abordagem da carreira sem fronteiras. No entanto, seis acepções

ganham destaque devido sua relevância:

1. A mais proeminente aparece como no caso do estereótipo das carreiras do

Vale do Silício – aqui as carreiras movem-se através das fronteiras de

diferentes empregadores.

2. Um segundo significado ocorre quando a carreira, por exemplo, de um

acadêmico ou carpinteiro tem sua validação fora da organização em que

trabalha, ou seja, a carreira tem valor comercial.

3. Uma terceira ênfase envolve uma carreira sustentada por redes, como

networks, ou informações externas. Exemplo: corretor de imóvel.

4. Um quarto significado ocorre quando as tradicionais fronteiras organizacionais de

carreira, com foco em princípios de ascensão hierárquica, estão quebradas.

5. Um quinto significado ocorre quando uma pessoa rejeita oportunidades de

carreira existentes por razões pessoais ou familiares.

6. Um sexto sentido depende da interpretação do ator de carreira, que pode perceber

o futuro sem fronteiras independentemente de limitações estruturais.

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36

Um fator comum na ocorrência de todas essas acepções é a característica de

independência das carreiras sem fronteiras com relação à modalidade tradicional de

carreira organizacional. Desse modo, esse tipo de carreira é caracterizado pela ausência

de vínculo com a organização e as pessoas transitam de uma para outra à medida de

suas necessidades e das necessidades das organizações que, por conseguinte, reforça a

interdependência nessa relação (ARTHUR e ROUSSEAU, 1996).

Para Inkson (2006), os significados das carreiras sem fronteiras demonstram

tantos os aspectos objetivos quanto os subjetivos, mas observa que em algumas

situações a literatura destaca a mobilidade como principal característica, deixando para

segundo plano as atitudes de proatividade, autoavaliação e criação de redes de

orientação como recursos pertinentes para ultrapassar as diferentes fronteiras.

À luz do debate, Arthur e Rousseau (1996) realçam a crescente permeabilidade

das fronteiras: tanto dentro, entre e fora das organizações. Contudo, Inkson (2006) alerta

para o fato de esse modelo de carreira não remover literalmente as fronteiras e, por essa

razão, propõe um olhar que considere a “passagem de fronteiras”.

Sullivan e Arthur (2006) colaboram com este pensamento, observando que, na

carreira sem fronteiras, dois tipos de mobilidade são reconhecidos e operacionalizados:

a psicológica e a física. Para os autores, ambas as mobilidades devem ser vistas como

elementos interligados para não correr o risco de negligenciar um em detrimento do

outro. Logo, duas pessoas podem estar na mesma linha de trabalho e na mesma

organização, mas apresentar níveis diferentes de mobilidade física e psicológica devido

às suas diferentes competências, sendo que mesmo sem mudar de empregador o

indivíduo pode sustentar versatilidade por meio de atitudes de mobilidade psicológica.

Figura 1 – Duas Dimensões das carreiras sem fronteiras

Fonte: SULLIVAN e ARTHUR (2006, p. 22).

Quadrante 3

Quadrante 4

Quadrante 1

Quadrante 2

Mobilidade Psicológica

Alto

Baixo Alto

Mobilidade

Física

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37

Ainda segundo os autores, os quadrantes podem ser definidos da seguinte

maneira:

Quadrante 1 – a carreira neste quadrante apresenta baixa mobilidade física e

psicológica que, dependendo da situação, o contrato tradicional de trabalho

acaba sendo bem aceito, pois pode ser que o indivíduo apresente um

conhecimento altamente especializado, mas com baixa transmissibilidade no

mercado em razão de suas habilidades serem demandadas por poucos

empregadores, como é o caso de um engenheiro da NASA; ou no caso do

sujeito estar desempregado ou não dispor de habilidades básicas.

Quadrante 2 – a carreira neste quadrante tem alto nível de mobilidade física e

baixo nível de mobilidade psicológica. O fator comum das carreiras neste

quadrante está no fato de atravessarem as fronteiras, todavia os limites

psicológicos permanecem inalterados. Assim, as mudanças físicas são

motivadas pela disponibilidade e pelas questões pessoais.

Quadrante 3 – aqui as carreiras têm baixos níveis de mobilidade física e altos

níveis de mobilidade psicológica. O indivíduo neste quadrante reconhece e

age sobre o potencial de mobilidade de carreira psicológica movido pela alta

expectativa de sua empregabilidade que é sustentada pela busca de

crescimento fora do trabalho ou através de novas ideias para o trabalho.

Quadrante 4 – as carreiras expostas neste quadrante apresentam alta

mobilidade física e psicológica que podem ser observadas no indivíduo com

condições para deslocamento físico, como mudar de emprego, ao mesmo

tempo em que muda sua orientação psicológica com relação à carreira,

buscando novas oportunidades de aprendizado e desafios, bem como em

atender as necessidades pessoais ou familiares.

Na perspectiva dos modelos contemporâneos de carreira, a pessoa é a

responsável pela sua carreira e a passagem para o sucesso decorre da busca de novas

habilidades de relacionamento; acesso ao conhecimento e capacidade crítica e reflexiva

no contínuo aprendizado como requisitos à empregabilidade que, de acordo com

Minarelli (2010), é a garantia da pessoa para manter-se competitiva e em condições de

conseguir trabalho ou permanecer em atividade que assegure a remuneração.

Para Veloso (2009), empregabilidade vai além de se ter um emprego, sendo a

capacidade de movimento dinâmico no mercado de trabalho que, através das

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competências essenciais, assevera agilidade de inserção e reinserção gerando um senso

de segurança à pessoa proprietária da carreira.

Assim, se antes as pessoas eram estimuladas a pensar suas carreiras vinculadas à

organização, agora elas são incitadas a pensar em si mesmas como ponto de partida

cultivando atributos de mobilidade. Porém, essas atividades são entrelaçadas às

atividades corporativas firmando uma relação intra-organizacional que incumbe às

empresas a responsabilidade de incentivar as pessoas a refletirem sobre suas vidas

profissionais, favorecendo o desenvolvimento mútuo, empresa e indivíduo (DUTRA et

al., 2009).

Não obstante, ainda segundo os autores, raramente as organizações reconhecem

a relevância da estratégia de gestão de pessoas e, com relação a isso, reforça, mais uma

vez, a ideia do indivíduo não condicionar seu desenvolvimento às necessidades e

oportunidades da empresa, já que essa pode adotar uma postura que limita o arsenal de

alternativas de ação.

Ajustado a essa contextura, à medida que o indivíduo se conscientiza sobre sua

responsabilidade e se movimenta para transpor as diferentes barreiras da carreira, sua

identidade profissional acaba sendo conduzida a um processo de reconfiguração que resulta

da assimilação de sentimentos e da absorção das várias informações do mundo do trabalho.

1.4. Identidade de carreira

O campo da identidade é amplo e sua análise tem demandado esforço da

Psicologia, Sociologia, Filosofia e Antropologia, em razão da maneira como o sujeito se

compreende e se posiciona profissionalmente (CIAMPA, 1994).

Na literatura, encontram-se várias terminologias para conceituar identidade, mas

em resumo pode ser definida como a noção que o indivíduo elabora de si mesmo e que

pode ser expressa:

(...) pelos traços, atributos, imagens e sentimentos que cada um

interioriza e reconhece como fazendo parte de si mesmo e que

usa como referência para se mostrar aos outros. Na prática, essa

síntese é apreendida, identificada e representada pelos nossos

dados pessoais, nossa biografia e os demais atributos que os

outros nos conferem e que se tornam nosso. (FERREIRA, 2011,

p. 60)

O estudo sobre a concepção de identidade remete à metamorfose como processo

permanente de formação e transformação do indivíduo exposto às condições históricas,

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sociais e materiais que levam à emancipação humana ainda que, conforme Morin (2012,

p. 73), a autonomia individual permaneça inseparável do destino social e histórico. Para

o autor, a identidade carrega uma relação dicotômica que, ora atende ao individual e ora

ao social, e que se complementam em um movimento dialógico de vivência para si e

para o outro.

Do mesmo modo, Carvalho (2011, p. 24) entende que a identidade também é

expressão em razão de revelar o movimento dialético das relações contraditórias do

mundo genérico e do particular, formando diferentes identidades.

Seguindo a mesma lógica, Hall (2015, p. 13) ressalta que o indivíduo não está

ancorado em uma identidade fixa e quanto ao movimento de transformação afirma:

O sujeito assume identidades diferentes em diferentes

momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um

“eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias,

empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas

identificações estão sendo continuamente deslocadas. (...) A

identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é

uma fantasia. Ao invés disso, à medida que os sistemas de

significação e representação cultural se multiplicam, somos

confrontados por uma multiplicidade desconcertante e

cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais

poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente.

Hall (2015) contribui significativamente quando enfatiza sobre as possíveis

identidades, o que permite inferir que esta multiplicidade contempla uma identidade

profissional. Dubar (1998) consolida essa dedução ao declarar que a identidade é

construída em várias dimensões durante a vida do indivíduo, sendo uma delas a

profissional, como produto de sucessivas socializações.

Identidades profissionais são maneiras socialmente

reconhecidas de os indivíduos se identificarem uns aos outros

no campo do trabalho e do emprego. (DUBAR, 2009,

p. 117-118)

Considerando as histórias de vida apresentadas em sua obra, Freitas (1997)

entende que o profissional é antes de tudo um sujeito histórico, com anseios,

necessidades, preocupações e interesses diversos que molda a sua identidade e se define

enquanto pessoa através da ação, interação e comportamento. A autora defende que

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durante a construção da identidade, o sujeito sofre a influência do entorno, mas que

também, por meio do trabalho, modifica o seu meio e a si próprio.

Nessa mesma perspectiva, Pimenta (1996) entende que durante a edificação da

identidade profissional os papéis sociais assumidos são tecidos pelo contexto social,

sendo a identidade lapidada não somente na esfera individual, mas também na esfera

coletiva em um processamento dinâmico e multideterminado.

Dessa maneira, a identidade se processa ao mesmo tempo como uma

característica única, mas também múltipla, pois implica uma dualidade que envolve a

identidade pessoal e a identidade para o outro, articulando dialeticamente a

subjetividade e a objetividade, em que a identidade pessoal precisa ser reconhecida e

comprovada pelos os outros (SANTOS, 2005).

Estamos vivenciando, cotidianamente, mudanças constante,

rápidas e contínuas, provocando rupturas e descontinuidades,

permeadas por diferentes contradições e antagonismos sociais

que implicam identidades múltiplas para os indivíduos que se

articulam sempre de forma parcial, criando sempre possibilidades de

novas articulações. (FERREIRA, 2011, p. 57)

Na superação da dicotomia entre a identidade pessoal e a identidade social,

Ciampa (1994) explica que os indivíduos são autores e protagonistas de suas próprias

histórias que se desenrolam à medida que interagem com outras personagens de seu

contexto social.

Adotando as concepções de Ciampa (1994), Silva (2007, p. 34) esclarece que a

análise da ação recíproca entre as personagens “remete a uma expectativa de autoria

coletiva da história de cada um, o que significa que a identidade se constitui de uma

multiplicidade de papéis” que são encarnados pelo indivíduo na forma de personagens

para atender às expectativas da sociedade.

Dentre as características da identidade, a mutabilidade desempenha papel

importante, pois a condição do indivíduo é flexibilizada permitindo mudanças de acordo

com as transformações sociais dos grupos de referências, bem como garantindo a

liberdade ao indivíduo de negar uma identificação específica, redefinindo-a de acordo

com seus valores (SANTOS, 2005).

Seguindo as reflexões de Silva (2007, p. 32), a construção identitária

profissional revela um processo dinâmico e multifacetado de construção e reconstrução

em permanente transformação que segundo a autora:

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41

(...) a identidade é entendia como um processo de formação do

“eu”, que é multideterminado, dinâmico e que ocorre durante

toda a vida do indivíduo por meio da composição da igualdade

e diferença, em relação a si próprio, e aos outros. É, ainda, o

meio pelo qual o indivíduo se expressa e interage no mundo.

Freitas (1997) discorre que durante a trajetória de carreira, o indivíduo se depara

com insatisfações ou interrupções involuntárias que o leva a um processo de ruptura

com o ambiente que, até então, ratificava a identidade já construída e identificada pela

sociedade pertencente. Porém, diante da descontinuidade, o indivíduo redefine uma

nova identidade que é alicerçada pela interação com os novos valores, pelo novo

cotidiano e até pelo sofrimento causado pelos obstáculos e resistência da própria pessoa

em aceitar as mudanças, assim como pela dificuldade enfrentada para recolocar-se e ser

aceito em um novo ambiente. Dessa maneira, o sofrimento é percebido pelo

descompasso entre a identidade presente e a identidade em formação e compatível com

o que se pretende ser.

Veloso e Dutra (2010, p. 105), por meio de seus estudos sobre transição

profissional, corroboram esse pensamento mencionando que, ao mudar de carreira, o

sujeito altera sua identidade profissional, pois esse processo requer uma adaptação e

tempo para amadurecer as novas competências, “construir uma nova rede de

relacionamentos e construir um novo conjunto de referências”.

Entretanto, há a possibilidade de a pessoa assumir uma nova funcionalidade, mas

em caráter transitório, sem alterar necessariamente sua identidade, preservando

indiretamente uma ligação com o ambiente de sua identificação. Nessa situação, o

sujeito pode desenvolver novas competências como, por exemplo, o caso do professor

que assume atividades gerenciais por determinado período e, na sequência, retoma sua

atuação como docente (VELOSO e DUTRA, 2010).

Finalmente, Ibarra (2009) sintetiza que a identidade é o resultado de muitas

possibilidades e que, uma vez cristalizada, não pode ser trocada, mas redefinida e

validada profundamente de acordo com os estímulos próprios, atitudes e

comportamentos que levam a pessoa a testar possíveis “eus”. Ao defender a ação na

formação e redefinição da identidade, a autora não descarta o autoconhecimento como

etapa importante para responder “Quem eu sou?”, e que, com esse conhecimento

alcançado pela interação, a carreira possa ser reinventada, testando as possíveis

identidades em campo.

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42

1.4.1. Autoconhecimento

Vários estudiosos que trabalham com a linha de carreira são enfáticos em

afirmar a relevância do autoconhecimento como primeiro passo para organizar o

caminho profissional com foco no sucesso psicológico. Martins (2011, p. 56) reforça

essa ideia ao pressupor que o sucesso, como elemento da subjetividade, depende da

capacidade de o sujeito conhecer suas próprias referências para não se perder na

impessoalidade que pode limitar sua possibilidade de autorrealização.

Schein (1996) argumenta que a percepção de sucesso profissional está

relacionada às pretensões do indivíduo e à sua capacidade de conseguir alcançar ou

ultrapassar essas aspirações através de seus esforços e escolhas maduras e realistas.

Na mesma perspectiva, Dutra (2010) considera que o autoconhecimento é a

parte mais importante e difícil do planejamento da carreira, pois, ao conhecer-se, a

pessoa identifica suas qualidades, suas características e demais pontos fortes, bem como

reconhece as oportunidades de desenvolvimento. Dessa forma, o autoconhecimento é o

ponto inicial para o autodesenvolvimento e o alicerce da autopercepção que precisa ser

praticada e desenvolvida como mais uma das habilidades requeridas no processo de

condução da carreira.

Briscoe e Hall (2006), ao recomendarem a carreira proteana, preconizam a

relevância de o indivíduo se conhecer para poder se autodirigir profissionalmente,

inferindo que o sucesso sobre a carreira está condicionado à clareza do que se quer e

onde se espera chegar. Certamente, essa condição enquanto componente da

subjetividade exige amadurecimento suficiente sobre os fatos profissionais e da vida de

uma maneira geral. Entretanto, as primeiras escolhas profissionais costumam acontecer

ainda na adolescência como, por exemplo, a opção do curso de graduação, e o olhar

para si pode, caso não se tenha clareza do que se quer, ao menos identificar possíveis

vocações que orientarão as decisões, reduzindo desgastes profissionais.

Dessa maneira, a consciência de si próprio conduz para decisões assertivas que

ajuda reduzir a chance de a pessoa se perder na impessoalidade dos fatores externos,

mencionados por Martins (2011).

Para Goleman (2002), o autoconhecimento, chamado por ele de autoconsciência,

é competência inerente da inteligência emocional que permite ao indivíduo identificar

suas próprias emoções e suas consequências na interação social, permitindo também o

uso da “intuição” para guiar as decisões, respeitando seus limites e utilizando de bom

senso no que tange os seus valores e capacidade, clarificando as oportunidades.

Page 43: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

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Por exemplo, conseguem recusar com firmeza uma oferta de

emprego que seja tentadora em termos financeiros, mas não

esteja de acordo com seus princípios e metas em longo prazo.

Do mesmo modo, aqueles desprovidos de autoconsciência têm

grande probabilidade de tomar decisões que causarão

perturbações internas por ignorarem valores ocultos. “O

pagamento parecia bom, então eu assinei”, poderia dizer alguém

depois de dois anos em um emprego, “mas o trabalho é tão

irrelevante para mim que sinto entediado o tempo inteiro”.

(GOLEMAN, 2002, p. 40)

As premissas de Goleman (2002) apontam para a priorização da satisfação

psicológica, pois o indivíduo consciente de si norteia suas decisões condizentemente

com seus valores, evitando situações que o desmotive. Desse modo, as pessoas

desenvolvem um espírito realista agindo com honestidade e autenticidade consigo

mesmas, uma vez que, por melhor que sejam os incentivos tradicionais, “não há

motivador externo capaz de fazê-las dar o máximo absoluto de si” (GOLEMAN, 2002,

p. 42), se não houver uma identificação própria que as estimule.

Martins (2011, p. 56-58) complementa esse raciocínio ao citar os parâmetros

próprios, que funcionam como uma “bússola pessoal”, responsáveis pelo sucesso e

bem-estar psíquico. De acordo com o autor, o indivíduo guiado por parâmetros

impessoais tende à ineficácia por não experimentar a autorrealização encontrada na

harmonia entre sentimento e comportamento que norteiam “as ações de carreira e vida”.

Alguns estudiosos acreditam que o autoconhecimento é alcançado unicamente

pela reflexão e introspecção. Entretanto, para Skinner (2002), o autoconhecimento

também se processa por meio da interação, sendo a pessoa, no desempenho de

diferentes papéis, observada e avaliada pelo outro, quebrando o paradigma de que o

conhecimento verdadeiro é tido de dentro para fora, mas também do aprendizado obtido

por meio das relações interpessoais.

Ao citar Sócrates na celebre frase “Conhece-te a ti mesmo”, Goleman (2001)

constata que o autoconhecimento é virtude fundamental por conscientizar a pessoa de

seu sentimento no momento em que este ocorre. Assim, reforça o pensamento de que

para identificar o sentimento é preciso experienciá-lo.

Ibarra (2009) confere que a busca pelo autoconhecimento é proveniente das

ações da pessoa e que a autorreflexão é consequência da experiência direta, uma vez

que essa não substitui a prática. Concomitantemente, Martins (2011, p. 59) avalia que

neste processo o sujeito somente atinge a maturidade do autoconceito profissional

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quando a experiência prática é suficiente para revelar “(...) suas aptidões, objetivos e

seus valores de trabalho”.

Diante da importância de o indivíduo “tomar a si próprio como referência”,

Dutra (2010) sugere alguns instrumentos técnicos como subsídio para as decisões

profissionais, tais como: autoavaliação, aconselhamento profissional e testes que

determinem as preferências profissionais e padrões individuais de comportamento.

1.5. Âncoras de carreiras

Muitos são os testes praticados no mercado para captar as preferências

profissionais individuais. Contudo, nesse trabalho, o conceito de âncoras de carreira

defendida por Schein será empregado como conjunto de atitudes autopercebidas que

direcionam a vida pessoal e profissional do indivíduo, como reflexo da personalidade

formada desde a infância e que se estende até a aposentadoria.

As âncoras de carreira foram desenvolvidas pelo acadêmico Edgar H. Schein, no

MIT (Massachussetts Institute of Technology), na década de 1960, com alunos do Sloan

School of Management, e reaplicada anos depois com os mesmos alunos, com o

objetivo de esclarecer as razões de suas escolhas profissionais durante as trajetórias de

carreira. O resultado da pesquisa inicial observou que os alunos estavam direcionados

para desafios, responsabilidade e boa remuneração, mas que, com o passar do tempo,

com a evolução da carreira, a pesquisa demonstrou novos pilares.

As inclinações profissionais têm sua importância sustentada na carreira interna

alinhada à identidade da pessoa, porquanto, a âncora predominante revela valores

profissionais dos quais o sujeito não abre mão, mesmo diante de uma crise, constituindo

sua autoimagem (SCHEIN, 1996, p. 9).

De maneira sintetizada, as âncoras de carreira podem ser consideradas pilares

que balizam e guiam as pessoas, por meio de registro histórico profissional,

assistenciando-as em situações e decisões futuras.

As âncoras profissionais são uma combinação de competências,

interesses, aspirações e valores que representam a essência do

trabalhador. A âncora de carreira na vida profissional de uma

pessoa pode ser utilizada como forma de organizar expe-

riências, identificar áreas de contribuição ao longo de sua

trajetória, gerar critérios para tipos de trabalho e identificar

padrões de ambição e sucesso que a pessoa pode determinar

para si mesma. Ela serve, portanto, para guiar, balizar,

estabilizar e integrar a carreira de uma pessoa. (KILIMNIK

et al., 2008, p. 48)

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Baseado em pesquisas, Schein (1996, p. 37-60) identificou oito categorias de

inclinações profissionais correspondentes com as seguintes características principais:

Aptidão técnico-funcional: nessa âncora estão as pessoas que adquirem um

senso de identidade em torno do conteúdo de seu trabalho, não abrindo mão

de suas habilidades técnicas. A realização pessoal está nos desafios inerentes

às áreas técnicas que provocam sua capacidade e aptidões, exercitando seu

talento. A pessoa inclinada a essa competência costuma declinar de cargos de

gerenciamento por acreditar que isso a afastaria da especialidade com que se

identifica. Além disso, nessa categoria, a pessoa busca remuneração

compatível com suas aptidões que são definidas de acordo com sua

qualificação educacional e experiência profissional.

Aptidão administrativa geral: a pessoa ancorada nessa competência tem

seus valores e objetivos primordialmente direcionados para os níveis mais

altos de responsabilidade na escala hierárquica, com interesse que

identificam o trabalho com o sucesso da organização e como recompensa

receber altos rendimentos. A pessoa nessa âncora possui aptidões analíticas,

interpessoais e emocionais, com suas habilidades a serviço da solução de

problemas que são possíveis com a integração das múltiplas áreas e funções.

Autonomia/independência: nessa competência estão as pessoas que não

suportam regras, métodos, expedientes de trabalho e normas comuns às

organizações. Gostam de seguir seus próprios ritmos de acordo com seus

padrões e acreditam que a vida organizacional sem flexibilidade pode

interferir em suas vidas pessoais. Pessoas nessa âncora chegam a recusar

promoções que possa comprometer sua autonomia e preferem trabalhos

delineados com prazos e metas definidos em sua área de especialização, mas

que os meios de realização sejam ditados pelo indivíduo.

Segurança/estabilidade: o indivíduo nessa âncora preza pela tranquilidade

da segurança e benefícios de longo prazo oferecidos pelas empresas e,

geralmente, deixa sua carreira sob a condução da organização que possa

oferecer garantia de emprego. O indivíduo nessa inclinação prefere trabalho

estável e previsível com aumentos salariais progressivos baseados em tempo

de serviço, condições de trabalho e benefícios que enfatizem planos de

seguro e aposentadoria.

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46

Criatividade empreendedora: nessa âncora encontram-se pessoas

propensas à criação de seu próprio empreendimento, motivadas pelo desafio

e pela capacidade de gerir o próprio negócio. São pessoas que querem poder

e liberdade, e que estão sempre à procura de oportunidades que as insiram no

mundo empresarial e que tenham o lucro como parâmetro de sucesso.

Vontade de servir, dedicação a uma causa: são pessoas que escolhem

profissões de assistência ao próximo e que têm em suas decisões o desejo de

melhorar as condições sociais e ambientais do mundo. São pessoas norteadas

mais pelos valores de dedicação a uma causa do que pelas próprias aptidões

e áreas de competência, renunciando de carreiras que as desviem desse tipo

de trabalho. A remuneração não tem tanta relevância quanto a satisfação

obtida pelo reconhecimento e apoio do alto escalão da empresa em

compartilhar desses valores.

Puro desafio: transpor obstáculos considerados impossíveis e vencer

adversários muitos fortes são características dessa âncora. A carreira dessas

pessoas só tem sentido se suas competências competitivas forem postas à

prova. Trabalhos de consultoria estratégica e competições interpessoais são

bem aceitos por pessoas dessa âncora.

Estilo de vida: pessoas que buscam equilibrar a vida pessoal com a

profissional integrando as necessidades do indivíduo, família e carreira,

priorizando a flexibilidade e a atitude de empresas que respeitem os

interesses pessoais e familiares.

Gomes (2016) argumenta que a não evidência da âncora aumenta a chance de a

pessoa se envolver com atividades profissionais que não proporcionam satisfação

porque não correspondem às suas inclinações pessoais. Logo, reforça a valiosa

contribuição da clareza quanto à orientação pessoal da pessoa para o trabalho, seus

motivos, seus talentos, áreas de competências e seus principais valores que pesam nas

decisões sobre a carreira.

Para que se tenha essa clareza, o autoconhecimento é central para elucidar os

atributos positivos, bem como para evitar aquilo que a pessoa não desempenha bem,

permitindo-lhe formar um conceito de si (autoconceito) sobre o seu trabalho e

desenvolvimento ao longo da vida profissional. “O autoconceito começa a funcionar

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cada vez mais como um sistema de orientação e um ponto de referência que limita as

escolhas profissionais” (SCHEIN, 1996, p. 33).

Essas colocações permitem dizer que a “âncora é a expressão da própria

identidade profissional da pessoa” (GOMES et al., 2013, p. 54) e, ainda que Schein não

tenha reconhecido em seus estudos a possibilidade de mudança de âncora, a pessoa ao

mudar de carreira (transição de carreira) também altera sua identidade profissional,

conforme afirma Veloso e Dutra (2010), levando a crer que as “âncoras também podem

sofrer mudanças” (GOMES et al., 2013, p. 55).

1.6. Transição de carreira

Em razão das mudanças sociais e da contínua circulação das informações que

agitaram o mundo nas últimas décadas, o estudo sobre transição de carreira tem

ganhado espaço e importância para as pessoas e organizações.

Através de pesquisas, Dutra (2010, p. 65) constatou que, por exigência do

mercado, as pessoas se especializam em determinadas áreas, aprofundando seus

conhecimentos e redes de relacionamento em uma mesma direção de atuação, mas que

também desenvolvem uma visão generalista sobre diversas áreas. Para o autor, a

vantagem de um aprendizado focado em áreas afins, seria motivada pelo favorecimento

do crescimento profissional da pessoa, por oferecer a sensação de segurança consigo

mesma, uma vez que seus pontos fortes são otimizados.

Dessa forma, preocupadas com o desenvolvimento profissional, as pessoas

tendem a permanecer em atividades profissionais de mesma natureza, preservando suas

trajetórias de carreiras que são caracterizadas por atribuições e responsabilidades de

mesma natureza, para as quais se habilitaram. Entretanto, algumas situações exigem a

mobilização dos esforços para a aquisição de novos conhecimentos e habilidades que

permitam assumir atribuições e responsabilidades de diferentes naturezas. Esse

processo, denominado transição de carreira, tem ocorrido não somente como resposta às

rápidas mudanças sociais, mas também por uma decisão pessoal dos indivíduos que

buscam novos desafios e oportunidades que sejam condizentes com seus atuais valores

(DUTRA, 2010).

Em contrapartida, Hall (2002) e Veloso (2012) estimam que as pessoas dedicam

parte de sua vida adulta à transição de carreira que, motivadas pela permeabilidade das

fronteiras organizacionais, transformam a prática da transição em uma ação comum,

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legitimando a iniciativa da pessoa de buscar novos desafios e oportunidades que

consolidem o amadurecimento do novo ciclo profissional.

Nessa perspectiva, Veloso (2012) considera a transição de carreira como um

fenômeno natural que pode ocorrer de maneira voluntária, por iniciativa da pessoa; ou

involuntária, como desemprego, por exemplo, mas que em ambas as situações exigem a

redefinição dos conceitos, reavaliação do projeto e da empregabilidade, além da

readaptação à nova realidade.

Apesar de destacar a dificuldade de consenso na conceituação do tema, Quishida

(2007) pondera sobre a distinção entre mudança de carreira e transição de carreira,

complementando que, de acordo com Louis (1980), a transição de carreira implica

mudanças nos papéis profissionais que alteram a função objetiva, aquelas notadas

socialmente, e, a função subjetiva, aquelas que somente o indivíduo percebe sobre antes

e depois da transição de carreira. Com base nesse estudo, define a transição de carreira

como um processo que:

(...) se concretiza na passagem pelos estágios de carreira:

entrada, avanço, reavaliação, reforço e nova entrada precedida

de ruptura; em que ocorre a passagem do indivíduo pelas fases:

pré-transição, descontentamento crescente, crise,

redirecionamento e reestabilização; em que ocorre a percepção

de mudanças comportamentais, na natureza dos

relacionamentos no trabalho e no autoconceito profissional.

(QUISHIDA, 2007. p. 21)

Para Bridges (2009, p. 4-5), a transição de carreira contempla três fases críticas

que merecem atenção:

1. Término: fase em que encerra uma etapa, abandonando ou finalizando

velhas formas e identidade da atividade profissional e imprime sensação de

perda.

2. Neutralidade: fase intermediária em que a pessoa não mais se identifica

com o estado anterior, mas também não assumiu integralmente a nova fase

da carreira. Essa fase tem grande relevância, pois nela acontece o

realinhamento psicológico para o rearranjo estrutural da carreira.

3. Novo Começo: período de amadurecimento que a pessoal sai da transição

para um novo começo, incorporando a identidade desenvolvida durante todo

o processo de transição e que acompanha novo sendo de propósito e sentido

do trabalho.

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A transição é um processo dolorido e moroso que difere da mudança de função

por provocar profunda transformação no significado da carreira para o indivíduo e, para

explicar sobre esta diferença, utilizam da seguinte analogia:

(...) poderíamos dizer que mudar de função é mudar de roupa e

a transição de carreira é arrancar a pele e viver em carne viva

até uma nova pele recobrir nossas feridas. (VELOSO e

DUTRA, 2010, p. 103)

Ibarra (2009) defende que a transição de carreira corresponde a ciclos na vida

profissional que não apenas apresentam complexidade, mas também resultam na

reconfiguração da identidade profissional como produto final desse processo. Para a

autora, no decurso da transição, as dúvidas e inseguranças impedem a pessoa de

desprender da atividade profissional atual e abraçar uma oportunidade de que não se

tem a certeza de que será a melhor opção. Somente após experimentar situações e

possíveis “identidades” a pessoa estará apta a assumir, por completo, a nova ocupação,

desligando-se do velho.

Veloso e Dutra (2010) observam que às vezes as pessoas não têm consciência de

que uma nova identidade se forma à medida que a transição acontece e a ausência desse

conhecimento dificulta e limita a atuação profissional. Exemplificando, os autores

mencionam o caso de pessoas da área técnica que assumiram cargos gerenciais, mas que

demoraram, ou não conseguiram, incorporar a identidade necessária por não

conseguirem se distanciar da identidade técnica. Ainda de acordo com Dutra (2010),

dois momentos importantes podem concatenar com a transição de carreira: crise da meia

carreira (ou meia idade, como defendem alguns autores) e aposentadoria.

Quishida (2007, p. 23), com base nos estudos de Casado (1993), cita a crise da

meia idade como o período pelo qual a pessoa reflete sobre a carreira e a vida pessoal,

redirecionando seus valores. O que antes era importante perde o significado e um novo

sentido é atribuído às questões latentes. De acordo com a autora, nessa etapa que

geralmente acontece por volta dos 40 anos, a preocupação com a autorrealização

direciona a pessoa para um novo caminho.

De acordo com Morison, Erickon e Dychtwald (2006, apud VELOSO, 2012, p.

73), as principais fontes contemporâneas de frustração que desencadeiam a crise da

meia idade são:

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Gargalo profissional: competição do mercado que preocupa os

trabalhadores com idade entre 40 e 50 anos.

Tensão entre trabalho e vida pessoal: necessidade de harmonizar o

trabalho com a família.

Horizonte ampliado: pessoas que não se planejaram financeiramente e, por

isso, necessitam trabalhar ainda por um longo tempo.

Capacitação obsoleta: pessoas que não se reciclaram e esperam que o

tempo de trabalho seja o principal aliado na progressão da carreira.

Desilusão com a empresa: clima e atitudes da empresa que geram

desconfiança, como cortes de pessoal, ou ressentimentos, como diferenças

salariais entre cargos.

Esgotamento: desmotivação causada por trabalho desinteressante e

repetitivo, exaustão, estresse.

Decepção com a carreira: quando a função desempenhada não corresponde

com a expectativa e ambição alimentadas durante a escolha da carreira,

geralmente, na juventude.

Com relação à aposentadoria, no caso do Brasil, Dutra (2010) comenta sobre a

geração nascida nas décadas de 1970 e 1980 e que pressiona a geração anterior, ainda

em condição ativa, para fora do mercado. Essa precocidade da aposentadoria imposta

pelo mercado impõe ao sujeito a necessidade de passar por uma transição de carreira

como condição de permanência no mercado de trabalho.

1.6.1. Tipos de transição

Relevantes teóricos têm discutido sobre o fenômeno da transição de carreira,

mas, quanto aos tipos de transição, esse trabalho utilizará das contribuições de Louis

(1980, p. 338) que identificou e classificou as transições em duas categorias que juntas

reúnem nove tipos de transição, mas que, para Veloso e Dutra (2010), somente a

categoria entre funções reflete a transição de carreira por alterar a natureza das

atribuições e responsabilidade das atividades.

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1) Transições entre funções:

Transição de entrada e reentrada – nesse tipo de transição estão pessoas

que entram ou retornam à carreira. Exemplo: estudantes que entram no

mercado de trabalho ou donas de casa que voltam ao mercado de trabalho.

Transição intercompanhia – movimento voluntário entre companhias em

funções similares.

Transição intracompanhia – movimento entre departamentos da mesma

empresa e que exigem uma nova adaptação. Exemplo: mudanças de colegas,

de tarefas, tecnologia etc.

Transição interprofissão – mudanças de profissão. Exemplo: empregado

que se torna empregador, advogado que se torna acadêmico.

Transição de saída – saída da profissão por tempo determinado ou

indeterminado. Exemplo: uma mãe que se afasta do trabalho para cuidar dos

filhos, desemprego, aposentadoria.

2) Transições entre funções

Ajuste intrafunção – ajuste que ocorre para alinhar a orientação com a

escolha profissional. Exemplo: alunos do curso de administração que ajustam

suas orientações e escolhas na universidade.

Ajuste extrafunção – ajuste por acúmulo de função que pode ter caráter

profissional e pessoal. Casal que ajusta suas funções como pais às funções do

trabalho, ou professor que assume a edição da revista da universidade.

Transição de função/estágio da carreira – movimento progressivo na

carreira resultado do esforço do profissional. Exemplo: movimento típico

entre a entrada e o meio da carreira.

Transição no cenário pessoal – transição motivada pelo amadurecimento

psicológico. Exemplo: pessoas que, por meio das experiências e

envelhecimento natural, passa a ajudar outros profissionais em seu

desenvolvimento de carreira.

1.7. Carreira na perspectiva da gestão pessoal – planejamento

Com as profundas transformações econômicas e sociais, novos argumentos

foram incorporados aos conceitos de carreiras, deslocando a responsabilidade sobre a

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carreira, que até então eram das empresas, para as pessoas que, cada vez mais, percebem

a importância de planejarem suas vidas profissionais com base em seus interesses,

desenvolvendo comportamentos e atitudes em um processo permanente que visa a

solucionar os embates relativos à carreira (DUTRA, 2010; MARTINS, 2011;

SULLIVAN e BARUCH, 2009).

Apesar disso, as pessoas são resistentes ao planejamento de suas carreiras, por

considerarem o caminho profissional como algo dado e, de modo geral, cometem

equívocos ao pensar a carreira de fora para dentro, focando somente na identificação de

oportunidades e fixando suas expectativas nas estruturas existentes nas organizações,

sem considerar seus valores próprios e sua atuação sobre os cenários futuros (DUTRA,

1996 e 2010).

No âmbito da gestão pessoal da carreira, a ênfase está no sucesso psicológico

que concilia os interesses pessoais, familiares e profissionais e que pode ser alcançado

através de um planejamento estruturado e favorecido com as experiências de vida e de

trabalho da pessoa (MARTINS, 2011).

Rousseau e Arthur (1996) corroboram essa visão afirmando que na sociedade

contemporânea a segurança do profissional está relacionada à sua empregabilidade e

não à garantia de emprego, além de citarem as competências como forças motrizes da

mobilidade e permanência no mercado de trabalho.

Entretanto, nas decisões sobre carreira, o indivíduo recebe influência de fatores

que pesam significativamente em suas escolhas profissionais, tais como as

externalidades mencionadas por Martins (2011, p. 66-67), que são estratificadas em três

diferentes níveis:

Família: possui grande peso na escolha inicial e na redefinição da carreira

em decorrência do conjunto de estímulos diretos e indiretos que podem

motivar ou impedir a decisão de determinada profissão ou ocupação.

Sociedade: esse nível condiciona fortemente as escolhas do indivíduo, que

sofre influência da conjuntura socioeconômica, como demanda atual do

mercado por determinada carreira e da percepção de prestígio social que

algumas profissões conferem.

Cultura: as influências desse nível são consideradas como parte das relações

sociais, mas possui um caráter invisível que atribui juízo de valor às opções

de carreira.

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Figura 2 – Níveis interativos de influência externa na decisão de carreira

Fonte: Adaptado de Martins (2011).

Na gestão da carreira, é preciso valorizar o desenvolvimento do espírito crítico

com relação ao comportamento do indivíduo diante da carreira e reforçar a importância

do referencial próprio para não se perder na impessoalidade que pode resultar em

limitadas oportunidades, riscos e armadilhas profissionais (DUTRA, 2010 e MARTINS,

2011).

Na construção de um projeto profissional, London e Stumph (1982) concentram

o planejamento em algumas etapas que também são mencionadas por DUTRA (2010, p.

61), sendo de responsabilidade unicamente do indivíduo:

1. Autoavaliação: tarefa que avalia as qualidades, interesses e potencial das

pessoas sobre diferentes espaços organizacionais.

2. Estabelecimento de objetivos de carreira: identifica os objetivos de carreira

e verifica a realidade do plano de carreira baseado na autoavaliação e na

avaliação das oportunidades oferecidas no mercado.

3. Implementação do plano de carreira: verifica a obtenção da capacitação e

acesso às experiências profissionais necessárias para competir pelas

oportunidades e atingir as metas da carreira.

Família Sociedade

Cultura

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Figura 3 – Etapas do planejamento de carreira

Fonte: London e Stumph (1982, p. 32).

Dutra (2010, p. 62-63) destaca a importância do autoconhecimento e

complementa as fases do processo de construção do projeto de carreira sugerindo

algumas etapas, a saber:

1. Autoconhecimento: parte mais importante e difícil do projeto, pois envolve

conhecer, observar e entender a si mesmo, por meio de análises de

personalidade, análise de valores pessoais e de realizações. Com base nesse

levantamento, é possível verificar a evolução e priorizar os pontos fortes no

plano em construção que foco em escolhas que tenham sentido pessoal.

2. Conhecimento do mercado: análise de mercado dentro e fora da empresa,

observando as opções, tendências, limitações e alternativas para o

desenvolvimento profissional.

3. Objetivos de carreira: nesse tópico, procura-se estabelecer objetivos

centrados no aspecto pessoal, que podem incluir ou não uma trajetória

organizacional, utilizando perguntas que exijam da pessoa clareza sobre si

mesma, ou seja, conhecer-se bem para conseguir responder questões do

tipo: “como posso estar mais feliz profissionalmente daqui a cinco anos?”.

Apesar de não haver certezas quanto ao futuro, dever englobar objetivos de

longo prazo com a intenção de dar sentido de continuidade à carreira.

4. Estratégias de carreiras: uma vez definido o objetivo, a pergunta seguinte

será: Qual é a estratégia para alcançá-la? Para isso, são pensadas as ações

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concretas que levam aos objetivos definidos, como buscar crescimento

profissional dentro ou fora da empresa; diversificar as atividades, por meio

de novas responsabilidades e ocupações dentro e fora da empresa;

desacelerar algumas atuações com o objetivo de fortalecer novas áreas;

buscar aprendizado contínuo que possa enriquecer o processo de

crescimento, como estudar e agregar novos conhecimentos que possam

valorizar a pessoa como profissional; e a combinação dessas estratégias.

5. Plano de ação: deverá conter as metas de curto prazo, os indicadores de

sucesso, os fatores críticos para o sucesso e uma avaliação dos recursos

disponíveis, como dinheiro, tempo, qualificação.

6. Acompanhamento do plano de carreira – a avaliação do plano deve ser

contínua, podendo ser mensurada por meio dos objetivos e metas fixados.

Também é necessário avaliar a consistência dos objetivos, ação e metas,

quanto aos valores e interesses, demanda da empresa e da ocupação,

demanda do mercado, compatibilidade com a vida pessoal e familiar.

Após a construção do projeto de carreira, Dutra (2010, p. 64) compreende que o

passo seguinte é a negociação com a empresa, afinal, empresa e funcionário têm

objetivos, mas com interesses diferentes. Nesse caso, para ajustar os interesses o autor

considera os seguintes aspectos:

Definição do posicionamento da empresa no seu projeto de carreira:

visualizar se há oportunidades dentro da empresa compatíveis com o projeto

construído. Caso não haja, é importante avaliar as alternativas fora da

companhia, além de identificar e avaliar o espírito empreendedor para o

caso de montar um negócio próprio.

Avaliação de oportunidade: constante avaliação do ambiente e manutenção

de rede de relacionamentos interna que possa fornecer informações a

respeito das possíveis oportunidades não divulgadas ou não claramente

identificadas pela empresa, bem como de contato com pessoas externas que

podem promover estas oportunidades.

Avaliação dos requisitos: ter consciência dos requisitos exigidos pela

empresa para as posições de interesse, bem como uma autoavaliação que

identifique se há como atender, ou não, aos critérios preestabelecidos pela

empresa.

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Negociação com a empresa: para negociar os interesses profissionais com a

empresa é preciso convicção em relação à carreira. A segurança nas

escolhas reflete o que se pretende e evita desvios que possam enfraquecer

ou prejudicar o projeto de carreira.

A seguir, no capítulo 2 – A história da mulher negra – consta uma abordagem

sobre a mulher negra, por meio de um resgate antropológico sobre a história dessas

mulheres e seu posicionamento no mercado de trabalho.

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2. A HISTÓRIA DA MULHER NEGRA

Não se nasce mulher, se torna mulher.

Simone de Beauvoir

As experiências das mulheres negras são marcadas pela vertente da desigualdade

e discriminação relacionadas às questões de gênero, raça e, na maioria das vezes, à

social. Muito embora essas questões não sejam unívocas na gênese, quando

entrelaçadas, impactam a trajetória de carreira dessas mulheres e, portanto, não podem

ser desconsideradas ou analisadas separadamente.

Por essa razão, neste capítulo, será apresentado um resgate antropológico sobre

os desafios e barreiras que cerceiam a história dessas mulheres, bem como seu

posicionamento no mercado de trabalho.

2.1. Abordagem antropológica – diferenças transformadas em desigualdades

2.1.1. Gênero – movimentos feministas

O conceito de gênero foi abordado no movimento feminista tradicional que

lutava no chamado primeira onda do feminismo, no final do século XIX, contra a

dominação masculina em relação ao direito a voto. Na segunda metade do século XX, a

partir da década de 1960, o movimento ressurgiu com relevância e ficou conhecido

como segunda onda do feminismo (PINTO, 2010, p. 15).

O movimento feminista era constituído, majoritariamente, de mulheres de classe

média, intelectualizadas e inseridas principalmente nas áreas das Humanidades, da

Crítica Literária e da Psicanálise, que questionavam a relação de poder entre homens e

mulheres, focando em um movimento que as libertassem nas esferas pública e privada

da dominação masculina. Nessa fase, a luta do feminismo buscava uma nova forma de

relacionamento entre os sexos, que valorizasse as diferenças e equivalência com as

características próprias de cada um e possibilitasse à mulher autonomia e direito de

decidir sobre sua vida e seu corpo (PINTO, 2010, p. 16).

De acordo com Descarries (2002), o feminismo propõe um projeto de sociedade

alternativa com o objetivo de libertação, ou ao menos de transformação profunda, da

dominação patriarcal, em nome da igualdade, de equidade e de justiça social.

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A terceira fase do feminismo despontou nas décadas de 1980 e 1990,

apresentando o feminismo contemporâneo, enfatizando a “análise da diferença, da

alteridade, da diversidade e da produção discursiva da subjetividade, deslocando o

campo de estudos sobre as mulheres e sobre os sexos para o estudo das relações de

gênero” (NARVAZ e KOLLER, 2006, p. 649).

Nesse movimento, as mulheres reclamavam sobre a transformação de seus

papéis na sociedade que, ao longo da história, privilegiara somente o homem, mas

também refletiam e discutiam sobre si mesmas, gerando problematizações e teorias que

influenciaram o conceito sobre gênero.

Bruschini e Undehaum (2002, p. 21) sustentam que, no Brasil, o estudo de

gênero despertou o interesse de pesquisadoras e professoras universitárias centradas no

tema da mulher na força de trabalho, culminando paralelamente com a formação de

grupos focados na reflexão feminista e na reivindicação política.

Quando utilizado nas primeiras fases do feminismo, o gênero era definido

tomando-se por base a luta entre o sexo e os papéis de cada um na sociedade, em

concordância com as distinções biológicas, o que acabava, de certa maneira,

naturalizando as relações de dominação do homem sobre a mulher. Contudo, o sentido

de gênero vai além do empregado e categorizado como relação social, não sendo mais

fundamentado nas diferenças biológicas, mas nas percepções sobre o sexo, desde as

distinções que são produtos da construção social e o significado das relações de poder

(SCOTT, 1995).

O gênero perpassa por várias conceituações e desperta o interesse de estudos em

uma interdisciplinaridade que busca entendimento quanto à subjetividade da identidade

dos sujeitos, à sexualidade, à violência contra a mulher, à relação de poder e à

complexidade social das relações de gênero que, como categoria histórica analítica,

oferecem análises sobre as práticas culturais e sociais que influenciam as construções

das identidades dos sujeitos em que ser homem ou ser mulher não é determinado pelo

sexo biológico, mas através das relações construídas socialmente e culturalmente em

relação à feminilidade e à masculinidade com suas formas de ser e agir no mundo

(COSTA et al., 2012).

Macedo (2004, p. 43) defende que, em nome da feminilidade e da

masculinidade, estruturaram-se os estereótipos de comportamentos socialmente aceitos

conforme o sexo, orientando a educação de meninos e meninas, de “acordo com as

características valorizadas em cada cultura” e intensificando a “crença nas diferenças

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entendidas como desigualdades”, como algo que é inseparável aos sexos, “herdado, de

nascença, de natureza, e não enquanto algo que é resultado do processo de evolução e

construção social através dos tempos”.

No processo de desenvolvimento, a criança vai sendo

socializada na família, de acordo com as características que a

cultura patriarcal atribui a ser homem e ser mulher. O

masculino tem como atributos: a autonomia, a competitividade,

iniciativa, racionalidade. O feminino, em contraposição, é

caracterizado por afetividade, passividade, intimidade,

dependência, interesse e cuidado pelo outro. (MACEDO,

2004, p. 44)

Contrapondo-se às análises anteriores, Safiotti (2004, p. 44-45) argumenta que,

apesar dos esforços, a categoria de gênero não elucida a desigualdade entre os sexos que

resulta em dominação e ficou conhecida como patriarcado. Além disso, a autora defende

que o conceito de “gênero é aberto” e não “explicita, necessariamente, desigualdades

entre homens e mulheres”, enquanto “o patriarcado é o regime da dominação-

exploração das mulheres pelos homens” que, ainda hoje, dificulta a ascensão das

mulheres aos diversos espaços.

2.1.2. Desigualdade de Gênero

Na descrição de Weber, a dominação exercida por esse regime ressalta a

desigualdade entre os sexos, referindo-se à “situação na qual, dentro de uma associação,

na maioria das vezes fundamentalmente econômica e familiar, a dominação é exercida

(normalmente) por uma só pessoa, de acordo com determinadas regras hereditárias

fixas” (WEBER, 1964, p. 184 apud MIRANDA, 2009, p. 6).

Para Safiotti (2004), a definição empreendida por Weber não corresponde à

forma literal do patriarcado, bem como não problematiza a complexidade das relações

de gênero. Assim, o patriarcado vai além de uma ideologia, firmando-se como uma

estrutura que está presente em toda a sociedade e que também é alimentada pela

solidariedade entre os homens que, por consequência, categoriza a mulher a uma classe,

inferiorizando-a. A relação hierárquica entre os homens capacita a categoria formada

por eles a manter o domínio sobre a mulher que, na ordem de gênero, mesmo na

ausência do patriarca, as determinações são estabelecidas e cumpridas, muitas das

vezes, pela própria mulher.

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Cabe ainda destacar que, para Safiotti (2004), as desigualdades não são sobras

insignificantes do regime, mas resultado de um sistema ainda pujante. Deixar a

dominação masculina na sombra implica tornar “natural” a dominação-exploração.

Logo, abandonar o conceito de patriarcado:

(...) representaria, na minha maneira de atender, a perda, pela

teoria política feminista, do único conceito que se refere

especificamente à sujeição da mulher, e que singulariza a

forma de direito político que todos os homens exercem pelo

fato de serem homens. Se o problema não for nomeado, o

patriarcado poderá muito bem ser habilmente jogado na

obscuridade, por debaixo das categorias convencionais da

análise política. (...) Grande parte da confusão surge porque

“patriarcado” ainda está por ser desvencilhado das

interpretações patriarcais de seu significado. Até as discussões

feministas tendem a permanecer dentro das fronteiras dos

debates patriarcais sobre o patriarcado. É urgente que se faça

uma história feminista do conceito de patriarcado. Abandonar

o conceito significaria a perda de uma história política que

ainda está para ser mapeada. (PATEMAN, 1993, p. 39-40

apud SAFIOTTI, 2004, p. 55)

Assim, o patriarcado tem referência direta com a submissão feminina, por meio

de uma lógica sustentada na hierarquia do poder. A dominação-exploração utiliza das

diferenças de gênero, como pretexto, para transformá-las em desigualdades marcadas

pela posição de poder, através do controle e medo. Esse regime oculto em todas as

instâncias, ainda que haja avanços femininos, acaba demarcando os espaços, inclusive o

profissional, dificultando ou até mesmo negando às mulheres um posto com maior

visibilidade, prestígio e melhor remuneração. Nesse último, os indicadores sociais, no

caso brasileiro, denunciam a dominação-exploração que, dentre outras desigualdades,

registram maiores salários aos homens em detrimento das mulheres (SAFIOTTI, 2004).

Como analisa Alves e Cavenaghi (2013), durante o século XX, o Brasil

conviveu com bases discriminatórias e patriarcais amparadas pelo Código Civil de 1916

e somente com a Constituição Federal de 1988 estabeleceu-se juridicamente a igualdade

de homens e mulheres. Entretanto, apesar dos avanços garantidos por lei e das

transformações econômicas, sociais e culturais, ainda há muito que fazer para a efetiva

redução da desigualdade das relações de gênero percebidas em todas as esferas.

Nos estudos sobre a desigualdade baseada nos indicadores sociais, Alves e

Cavenaghi (2013, p. 85) apresentam as “desigualdades reversas” como aquelas que

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desfavorecem o sexo masculino e, embora as mulheres tenham superado os homens em

áreas como educação e saúde, os índices das desigualdades no mercado de trabalho são

alarmantes, ainda que os hiatos de atividades e rendimentos tenham reduzido.

Conforme dados do IBGE1 2014, as mulheres representam mais da metade da

população brasileira. Mesmo assim, as mulheres encontram dificuldades para a inserção

de qualidade no mercado de trabalho, com rendimento médio de 74,5% do rendimento

dos homens. Do mesmo modo, no quesito desocupação, as mulheres correspondem a

uma taxa de 56,7% do contingente de pessoas desocupadas.

Dados do RASEAM2 (2014) destacam a importância da autonomia econômica

diante dos arranjos familiares que, em 2012, quase 38% dos domicílios tinham a mulher

como referência de responsabilidade e, desse percentual, 42,7% era composto por

mulheres sem cônjuge e com filhos. Contudo, no que se refere à raça, esse índice tem

significativa elevação com as mulheres negras à frente da família em 52,6% como

pessoa de referência.

Duflo (2011) reforça a importância da autonomia feminina e menciona que o

empoderamento das mulheres e o desenvolvimento econômico estão articulados,

desempenhando ambos os papéis relevantes para a redução da desigualdade entre

homens e mulheres. No entanto, apesar de unidas pelo gênero e em busca da igualdade

pelos direitos, essas mulheres estão separadas pela raça e, consequentemente, pelas

experiências, gerando sentido de vida distinto que se manifestam na forma de diferenças

e desigualdades.

2.1.3. Raça

O termo raça foi cunhado por François Bernier em Nouvelle division de la terre

par les différents espèces ou races qui habitent, em 1684, como forma de se referir à

diversidade humana em grupos com características físicas diferentes. (SANTOS et al.,

2010).

Tempo depois, Charles Darwin em “A Origem das Espécies” recuperou esse

conceito em seus estudos com plantas e animais, desenvolvendo a teoria da seleção

natural de que somente sobrevivem as espécies fortes. Anos depois, alguns teóricos,

1 Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

2 Relatório Anual Socioeconômico da Mulher 2014 – Secretaria de Políticas para as Mulheres da

Presidência da República (SPM/PR).

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62

como Galton3 utilizaram dessa mesma teoria para explicar a sociedade humana e

justificar a dominação e exploração por grupos humanos considerados mais fortes em

detrimento de grupos concebidos como inferiores (CARVALHO, 2014).

Em estudos sobre raça e etnia, Santos et al. (2010) esclarece que o termo, do

ponto de vista genético e da biologia molecular, somente teria significado se houvesse a

homogeneização pura, mas que essa condição não é possível em seres humanos, já que

o genoma humano apresenta 25 mil genes e, citando os estudos da American

Anthropological Association, explica que as diferenças biológicas entre um negro

africano e um branco nórdico são de 0,005% do genoma humano.

Em consonância com essa proposição, Munanga (2006, p. 53) afirma que raça

consiste em um produto do conteúdo social e político com dimensão temporal e

espacial. No entanto, pondera que a problemática não encontra abrigo na raça, como

classificação pseudocientífica rejeitada pelos cientistas, mas no nó que transformou a

cor da pele em classificação hierárquica, o racismo.

Assim, os termos raça e racismo são empregados nesse trabalho no sentido

ideológico e de distinção social, além de utilizar o vocábulo raça como sistema de

classificação, conforme a categorização operacionalizada pelos indicadores sociais.

2.1.4. Igualdades de Gênero e Diferenças de Raça

No Brasil, as relações de poder e gênero fundem-se com a raça, gerando

conflitos que resultam em maiores desigualdades. A decantada “democracia racial”

difundida por Gilberto Freire, na obra Casa Grande & Senzala, não corresponde, ou no

mínimo contradiz, à realidade que marginaliza o negro nas esferas econômica, política e

social.

A questão racial somada à de gênero, ao longo da história, perpetrou diversas

formas de violência contra a mulher negra, inclusive da cumplicidade e violência

praticada pela própria mulher dentro do regime de dominação-exploração. Casos em

que senhoras brancas subjugavam as mulheres negras com todo seu poder e

autoritarismo (CARNEIRO, 2003).

Esse legado trouxe conflitos aos movimentos feministas, uma vez que as

mulheres negras não se sentiam representadas pelo movimento tradicional encabeçado

3 Considerado o pai da eugenia – termo que representa o aprimoramento da espécie através da

hereditariedade de qualidades intelectuais (CARVALHO, 2014).

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63

pelas mulheres brancas, classe média e com interesses que omitiam a dimensão racial na

questão de gênero.

Segundo Caldwell (2000), o movimento feminista trazia a expectativa de uma

união entre as mulheres brancas e negras na luta contra a opressão comum. Entretanto,

as diferenças percebidas em questão de experiências e posição social tornaram-se

conflitantes e um divisor do movimento feminista.

As mulheres negras notaram que as reclamações do movimento tradicional não

eram condizentes com as suas preocupações. A luta pela inserção da mulher no mercado

de trabalho não era condizente com a luta das mulheres negras, tendo em vista que elas

sempre trabalharam, independentemente de ser no sistema escravagista ou remunerado,

inclusive realizando os serviços domésticos nas casas das mulheres brancas, que foram

favorecidas na conquista de seu espaço no mercado de trabalho, quando comparadas às

mulheres negras (RAIMUNDO et al., 2005).

As feministas negras identificaram que o silêncio do movimento tradicional em

relação ao discurso sobre raça e racismo ocultava a cumplicidade de mulheres brancas

na conexão com a dominação racial. Essa falta de debate acabou revelando a forma

como inicialmente os estudos sobre mulheres foram conduzidos, uma vez que as

primeiras produções acadêmicas na área foram realizadas por mulheres brancas que

tinham acesso ao ensino superior e, como consequência, de maneira generalizada, as

mulheres negras passaram a ser retratadas em termos monolíticos e homogêneos em

relação à identidade (CALDWELL, 2000).

As mulheres negras perceberam que a questão racial marcava um distanciamento

que impedia a união das mulheres numa luta por uma causa comum, bem como

consideraram que o feminismo tradicional, por suprimir o debate sobre raça e focar

somente na questão de gênero, discutia inadequadamente as diferenças da categoria

“mulher” e as formas pelas quais o “ser mulher” se define em relação às mulheres de

outras raças, etnias, classes e culturas (CALDWELL, 2000).

Esse entendimento revelou a complexidade da condição da mulher negra, com

suas especificidades, suas experiências de trabalho duro e seu esforço pela igualdade na

família e na sociedade, encorajando-as a desenvolver uma personalidade peculiar com

base em uma nova natureza feminina que luta para reduzir a desigualdade dentro da

própria categoria de gênero. Desse modo, de acordo com Oliveira (2008), é importante a

caracterização da categoria mulher negra, tendo em vista que a categoria mulher, por si

só, não incorpora as experiências das mulheres negras.

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64

2.1.5. Tripé da discriminação: classe, raça e gênero

Hirata (2014) aponta a interseccionalidade nas relações de gênero, raça e classe,

como elementos indissociáveis para a análise da situação da mulher negra, o que

desmistifica a acreditação de que a sociedade brasileira estaria sedimentada nas relações

de classe e não de raça.

A desmistificação tem sua relevância na interpretação de que a ascensão social

estaria ao alcance de todos e que essa mobilidade dependeria exclusivamente da

capacidade individual do sujeito, imputando, ao negro, a culpa por sua posição

inferiorizada na sociedade. Esse posicionamento encontra abrigo na tão aclamada

democracia social que mascara o racismo e coloca a discriminação a patamares

individuais e não no nível da problemática nacional brasileira (SILVA, 2000).

Florestan Fernandes (2008) verificou que, mesmo após o período escravocrata,

os negros continuaram marginalizados e sem condições de ascender na sociedade de

classe que até então se formava. Nessa perspectiva, interpretou que a ideologia da

democracia racial omitia o racismo e a dominação de classe praticada pelos mais

afortunados. No Brasil, a convivência relativamente pacífica entre as raças alimentou

essa crença que ocultou as inferiores condições econômicas e sociais dos negros em

comparação às dos brancos, além de esconder a discriminação racial praticada no

mercado de trabalho e nos demais espaços de prestígio social.

Motta (2013) estudou as particularidades da classe sob a ótica de Florestan

Fernandes e evidenciou, por meio de estudos, a correlação entre classe e raça que

impede a competição em condições de igualdades, limitando o desenvolvimento e

integração do negro em uma segregação racial, herança social da escravidão, que

incorporada ao regime de classes inferioriza ainda mais a raça negra, ou seja, a raça tem

papel de ajustamento social que, ao não oportunizar a mão-de-obra do negro, dá-se

origem a um setor excluído e marginalizado.

A distância entre negros e brancos no país é conhecida e demonstrada pelos

indicadores sociais, mas, conforme aponta Carneiro (2003), a articulação entre gênero e

raça impacta em posição ocupacional com prejuízo ao negro que, para ascender,

precisaria aderir a um pensamento dominante.

Contudo, apenas o branco é sinônimo de valores positivos,

desde os valores mais elementares do cotidiano, como aqueles

relacionados ao status social. Se o negro quiser fazer parte do

estrato superior deverá abdicar da sua raiz “inferior” e tornar-se

“branco”. O processo de branqueamento inclui negação das

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características não-nobres e adesão a valores dominantes. Essa

ideologia previu o desaparecimento do negro enquanto raça,

mas há um aumento do número de mestiços no Brasil, assim

como um decréscimo no número de brancos e pretos. (SILVA,

2000, p. 104)

O possível embranquecimento da população brasileira tem sua justificativa em

Oracy Nogueira (2006) que distingue dois tipos de preconceitos: o de marca e o de

origem. O preconceito de marca, preconizado no Brasil, tem sua implicância nas

características fenotípicas do indivíduo, marcado por sua aparência, sua fisionomia e

seus costumes; ao passo que o de origem basta ao indivíduo pertencer a uma suposta

descendência de determinado grupo étnico, para que se instale o preconceito.

Para Aguiar (2007), o mundo social é conectado a um universo simbólico de

sentidos e significados. Nesse aspecto, ser branco ou negro implica tratamentos

diferenciados que preenchem as posições estruturais das classes e também criam

desvantagens no acesso das oportunidades e melhorias nas condições sociais de vida. O

autor afirma que a pobreza no Brasil tem cor, e o afrodescendente encontra-se nas

camadas mais pobres em razão do preconceito e da discriminação racial que somado ao

gênero edificam a hierarquia social e geram opressão.

Entretanto, Souza (2005) não nega a discriminação racial, mas pondera que o

elemento raça não pode ser considerado um fator absoluto na hierarquia das

desigualdades sociais, pois não explica sua atuação na produção da desigualdade, bem

como não apresenta aporte interpretativo que particularize uma ordem das causas da

desigualdade.

Contudo, Motta (2013) explica que toda sociedade estratificada em classes

sociais tem, como característica comum, a desigualdade que, quando reciclada pelo

elemento racial, usa a discriminação e os preconceitos como manutenção do status

social das classes dominantes e alimentam assim o capitalismo dependente.

O Brasil não preparou o negro para enfrentar e competir de maneira justa, ao

contrário, investiu e privilegiou o imigrante europeu que se instalou no país por meio do

incentivo do Estado, pois o negro não simbolizava o progresso que a sociedade

brasileira almejava alcançar (SILVA, 2000).

Oliveira (2004) observa que a ascensão social está relacionada à mudança de

status social do sujeito e que há uma discreta mobilidade intergeracional entre os negros

com instrução educacional, indicando uma posição diferente da ocupada por seus pais. à

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essa observação, a autora credita a mobilidade à intelectualização do negro, por meio da

educação, como caminho para melhores condições no posicionamento socioeconômico

e, consequentemente, na hierarquia social. Todavia, denuncia que a mulher negra ainda

representa contingente expressivo da população analfabeta.

Aguiar (2007) entende que o cruzamento de gênero, raça e classe não apenas

cria os fatores comuns, mas também diferencia as experiências e distancia as mulheres

que sofrem discriminação, por estarem sujeitas a trabalhos subalternos e pela falta de

acesso aos recursos econômicos das demais mulheres.

Para uma compreensão um pouco mais detalhada, constam a seguir alguns

indicadores que ilustram esses déficits sociais.

2.2. Perfil social da mulher negra no Brasil

2.2.1. Demografia

De acordo com o artigo 1º do Estatuto da Igualdade Racial, são consideradas

mulheres negras todas aquelas que se autodeclaram como pretas e pardas, conforme o

quesito cor ou raça que é utilizado pelo IBGE.

Dados do RASEAM (2014) sobre a realidade das mulheres brasileiras apontam

para uma dinâmica demográfica representada por uma população de 51% de mulheres e,

desse percentual, 52% da população feminina se declararam negras, conforme o gráfico

a seguir:

Gráfico 1 – Distribuição percentual da população feminina

por cor ou raça – Grandes Regiões – 2012

Fonte: Adaptado IPEA – Retrato da desigualdade de gênero e raça.

0

20

40

60

80

100

Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul CentroOeste

47,5 23,3 28,8

55,1 78

42,1

51,6 75,2 70,7

43,9 21,3

57

0,9 1,5 0,5 1 0,8 0,8

Outra

Negra

Branca

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67

O Dossiê das Mulheres Negras4 traz uma interessante série histórica da

demográfica feminina desde 1995, com a informação de que as mulheres negras

passaram a ser mais numerosas do que as brancas somente em 2008, com 70 mil negras

a mais e, em 2009, esta diferença saltou para 600 mil. Essa elevação não está sustentada

nas taxas de fecundidade ou natalidade, mas sim da maior identificação, valorização e

reconhecimento da população negra.

2.2.2. Mercado de trabalho

De acordo com a OIT (2011)5, o trabalho é instrumento por excelência para

superação da pobreza e alcance de condições dignas de vida. Sua abordagem sempre

esteve voltada à promoção da igualdade entre homens e mulheres, com a preocupação

centrada na proteção às mulheres trabalhadoras e na noção de igualdade de

oportunidades e tratamento, com acesso ao emprego, formação profissional e progressão

funcional. (MARQUES e SANCHES, 2010).

Seguindo o mesmo raciocínio, Toledo (2010) sustenta que o trabalho tem

importância fundamental na emancipação da mulher e na elaboração de políticas de

gênero, com o objetivo de garantir sua independência e liberdade, livrando as da

opressão, da violência e da miséria.

Entretanto, ter acesso ao trabalho não significa, necessariamente, dispor de

melhores condições de vida, embora tenha havido alguns progressos em relação às

mulheres negras, esse grupo ainda é vulnerável no mercado de trabalho, com

desvantajosa inserção, situação precária de trabalho, baixo rendimento, além das mais

altas taxas de desempregos.

Para a apresentação dos dados a seguir, esse trabalho valeu-se primordialmente

dos índices, relatórios e sínteses publicados por órgãos competentes como Ministério do

Trabalho, Secretaria de Política para Mulheres, IBGE, IPEA, entre outros.

2.2.3. Participação no mercado de trabalho

Chanlat (1995) enfatiza que o modelo tradicional de carreira é ressonante com

uma sociedade direcionada para o homem e com uma divisão sexual que inibiu a

carreira feminina. Porém, as mudanças sociais, econômicas e políticas no cenário

4 Relatório elaborado e publicado, em 2013, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada –

IPEA. 5 Organização Internacional do Trabalho.

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brasileiro permitiram o aumento da participação feminina no mercado de trabalho,

rompendo barreiras seculares.

Segundo dados do RASEAM (2014), em 2012, a taxa de atividade (relação entre

o número de pessoas economicamente ativa e o número de pessoas em idade ativa) das

mulheres de 16 a 59 anos era de 64,2%, enquanto a dos homens era de 86,2%. Com

relação às mulheres negras, o índice verificado era de 62,2% e, entre os homens

brancos, a taxa foi de 86,5%.

Dados do IPEA revelaram que, em 2013, a PEA6 do país, na faixa de 16 a 59

anos, era aproximadamente de 91,6%. Entretanto, na classificação de cor/raça,

computando homens e mulheres, 46,93% eram brancos e 53,06% eram negros e, na

categoria gênero feminino, as mulheres negras representavam 50,87% ao passo que

49,13% eram de mulheres brancas.

Tabela 1 – População economicamente ativa por sexo e raça – 2013 (%)

Faixa etária 16 a 59 anos

Total Homens Mulheres

PEA 91,6% Total 56% Total 44,25%

Brancos 46,93% Brancos 45,19% Brancas 49,13%

Negros 53,06% Negros 54,81% Negras 50,87% Fonte: Adaptado IPEA – Retrato da desigualdade de gênero e raça.

Como ilustrado, as mulheres têm menor participação no mercado de trabalho em

comparação aos homens, mas esse quadro tem se alterado ao longo dos anos com a

inserção da mulher na força de trabalho do país. Dessa forma, houve, nas últimas

décadas, um crescimento expressivo da População Economicamente Ativa, com notável

aumento da taxa de atividade feminina que, de 1950 a 2009, subiu de 13,6% para

52,7%, enquanto a taxa da população masculina para o mesmo período apresentou

decréscimo de 80,8% para 72,3% (ALVES e CAVENAGHI, 2013).

Da população ocupada, a tabela a seguir sintetiza em percentual a distribuição da

população em 2012, segundo o setor de atividade:

6 População Economicamente Ativa – ocupadas e desocupadas (desde que procurando emprego)

na semana de referência.

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69

Tabela 2 – Distribuição percentual da população ocupada com 16 anos ou mais de

idade, por sexo, cor/raça, segundo setor de atividade – Brasil, 2013

Região Setor de Atividade Total Mulheres Homens

Branca Negra Branco Negro

Bra

sil

Administração pública 5,6 5,6 4,8 6,3 5,5

Agrícola 14,1 7,2 12,6 13,1 20,5

Comércio 17,7 18,3 16,6 19,3 16,8

Indústria 13,5 12,6 10,1 17,0 13,5

Construção civil 9,3 0,8 0,6 12,3 18,5

Serviços auxiliares 10,2 7,5 8,2 12,5 11,6

Serviços sociais 17,1 31,4 34,9 5,9 4,4

Outras atividades 12,5 16,6 12,1 13,7 9,1

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: Adaptado IPEA – Retrato da desigualdade de gênero e raça.

Embora tenha havido mudanças significativas, muitos são os obstáculos para o

alcance pleno da autonomia econômica das mulheres que estão concentradas,

principalmente, nas atividades de serviços sociais, consonante com a atividade doméstica e,

especialmente, para as mulheres negras, em virtude de as mudanças no cenário econômico

não terem eliminado a segregação ocupacional e discriminação salarial.

2.2.4. Rendimento

Nessa categoria, o mercado reforça a desigualdade ao aplicar, para a mesma

atividade de trabalho, remuneração desproporcional diante do gênero que o exerce, com

desigualdade ainda maior quando somado ao quesito cor/raça do trabalhador.

A situação da mulher na sociedade brasileira melhorou nos últimos anos,

diminuindo o hiato entre gêneros que, por lei, constante no artigo 7º da Constituição

brasileira, proíbe diferenças salariais e discriminação nas contratações, mas ainda assim

o trabalho feminino é percebido em desvantagem de aproximadamente 30%.

Em levantamento da Síntese de Indicadores Sociais – SIS (2014), o rendimento

médio das mulheres em 2013 em trabalhos formais foi equivalente a 75% da

remuneração média dos homens e, no trabalho informal, esse percentual foi

correspondente a 65%, ou seja, os dados apurados inferiram não somente sobre a

discriminação de gênero, mas também sobre o prejuízo que a não formalização implica

como a distância de acesso às melhores condições remuneratória, direitos trabalhistas e

proteção social.

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70

Tabela 3 – Rendimento médio mensal por sexo – Brasil 2013

Trabalho formal

Total Homem Mulher

1.921,0 2.146,0 1.614,0

Trabalho informal

Total Homem Mulher

1.093,0 1.272,0 833,0 Fonte: Adaptado IBGE, Síntese da pesquisa nacional por amostra de domicílios, 2014.

A ausência de equidade no rendimento médio das mulheres tem prevalência

sobre as mulheres negras que, em média, ganham 58% do rendimento das mulheres

brancas e 39% do valor recebido pelos homens brancos.

Tabela 4 – Rendimento médio mensal no trabalho principal da população ocupada

de 16 anos ou mais de idade, por sexo, segundo cor/raça – Brasil 2013

População Ocupada

Total Homem Mulher

1.492,6 1.715,0 1.195,9

População Branca Ocupada

Total Homem Mulher

1.927,0 2.262,3 1.517,7

População Negra Ocupada

Total Homem Mulher

1.101,5 1.256,9 876,4

Fonte: Adaptado IPEA – Retrato da desigualdade de gênero e raça.

2.2.5. Desemprego

Há um claro desequilíbrio no mercado de trabalho que, por oferecer maiores e

melhores opções aos homens, eleva o grau de informalidade e desemprego das

mulheres. Nesse quesito, as desigualdades são agravadas pela cor/raça, dificultando o

acesso aos postos de trabalho e intensificando o desemprego às mulheres negras.

Em 2013, de acordo com a SIS (2014), 6,5 milhões de pessoas estavam

desempregadas e desse contingente, 3,7 milhões representavam a população feminina

total referindo-se ao gênero como um preditor significativo.

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71

Tabela 5 – Taxa de desocupação da população de 16 anos ou mais de idade, por

sexo, segundo Cor/Raça, em 2013

Faixa etária a partir de 16 anos

Brasil

Total Homens Mulheres

6,4 4,9 8,4

Branca 5,3 4,1 6,6

Negra 7,7 5,5 10,0

Fonte: Adaptado IPEA – Retrato da desigualdade de gênero e raça.

Verifica-se que o peso do desemprego recai, principalmente, sobre a mulher

negra. Quanto ao índice de informalidade relacionada à fração de pessoas sem carteira

assinada ou que não contribuem com a previdência, os dados também reafirmam a

desigualdade e remontam à definição de precariedade do trabalho, conforme conceito da

OIT, por não combater a pobreza e não reduzir as desigualdades. Assim a informalidade

é consonante com o trabalho vulnerável, desprovido de condições básicas de segurança

e proteção social (LEONE, 2010).

De acordo com o IBGE, em 2013, 42% da população acima de 16 anos

ocupavam trabalhos informais. Desse contingente, as mulheres representavam um

percentual na ordem de 42,7%, e quase metade da população nessa condição, 48,7%,

eram negros em comparação à taxa de informalidade da população branca, 34,7%.

2.2.6. Trabalho Doméstico

Nessa categoria, há um visível recorte de gênero e de raça acentuando a

desigualdade que afeta as mulheres negras predominantes nessa ocupação. Cabe

destacar que o trabalho doméstico tem passado por mudanças significativas do ponto de

vista legal e jurídico, mediante a aprovação da Emenda Constitucional nº 72/2013, bem

como da Instrução Normativa nº 110 do Ministério do Trabalho e Emprego, com o

objetivo de corrigir as inconstâncias estruturais desse segmento.

As mulheres correspondem a aproximadamente 92% da força de trabalho dessa

categoria que, em 2012, de acordo com os dados do RASEAM (2014), 63,4% delas

eram mulheres negras e, do percentual total, 20,1% tinha menos de quatro anos de

estudo.

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72

Gráfico 2 – Distribuição das mulheres 16 anos ou mais de idade ocupadas no

trabalho doméstico, por cor ou raça – Grandes Regiões – 2012

Fonte: IBGE, Pesquisa nacional por amostra de domicílios, 2012 apud RASEAM, 2014.

Mesmo no trabalho doméstico, tipicamente relacionado ao mundo privado como

espaço reservado às mulheres pelo patriarcalismo, há desigualdades de gênero em

grande proporção. Apesar de os homens representarem uma minoria nessa ocupação, os

que exercem a profissão estão em melhor situação do que as mulheres que, em sua

maioria, estão em situação precária e em alto grau de informalidade, mas essa

desigualdade também está relacionada ao tipo de atividade relacionada.

Para isso, cabe salientar que, conforme disposto na Cartilha do Trabalhador

Doméstico do Ministério do Trabalho, são considerados trabalhadores domésticos

aqueles maiores de 18 anos e que prestam serviços de forma contínua, subordinada,

onerosa, pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, em seu âmbito

residencial, por mais de dois dias por semana. Integram esta categoria: empregado,

cozinheiro, governanta, babá, lavadeira, vigia, motorista particular, jardineiro,

acompanhante de idosos, faxineiro e caseiro.

Em 2012, de acordo com o RASEAM (2014), 28,4% das mulheres empregadas

domésticas tinham carteira assinada em contraposição aos 50,2% dos homens na mesma

ocupação. No que diz respeito aos rendimentos, as empregadas negras recebiam 86% do

rendimento médio das empregadas domésticas brancas, ou seja, a negra recebia R$

546,15 ao passo que a branca, R$ 637,307. Os homens tinham rendimentos superiores

aos das mulheres: R$ 848,45, em contraposição aos 68%, aproximadamente, do

rendimento médio percebido pelas mulheres, R$ 579, 81.

7 Em 2012, o salário mínimo era de R$ 622,00.

28,2

65,1

39,7

20,4

17,2

36,1

71

34,3

60

79,2

81,7

63,4

0,8

0,6

0,3

0,4

1,1

0,5

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Centro-Oeste

Sul

Sudeste

Nordeste

Norte

Brasil

Branca Negra Outra

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73

Gráfico 3 – Distribuição percentual da população ocupada de 16 anos ou mais de

idade no trabalho doméstico, por posse de carteira assinada e sexo – Brasil – 2012

Fonte: IBGE, Pesquisa nacional por amostra de domicílios, 2012 (apud RASEAM, 2014)

2.2.7. Educação

O mercado de trabalho está fortemente relacionado à dimensão educacional que

pode ser entendida como um instrumento capaz de viabilizar a inserção e influenciar a

trajetória profissional do sujeito. Além disso, a educação tem importante papel para a

produtividade, adaptando as pessoas às mudanças técnicas e minimizando os efeitos do

desemprego (SEGNINI, 2000).

Reconhecendo a relevância da educação para a promoção social, nos últimos

anos, o Brasil esforçou-se para democratizar o acesso à educação com a ampliação da

oferta e com reformas e mudanças centradas na permanência dos alunos nas escolas,

qualificação dos profissionais, programas, diretrizes e políticas para melhoria da

qualidade do ensino (SANTOS, 2013).

Além disso, o país destinou atenção, por meio de políticas de inclusão, em

prestar assistência a estudantes de baixa renda a lograr os estudos e competir em

condições mínimas de igualdade pelas oportunidades. Porém, pesquisa contínua do

IBGE denunciou que, no 3º trimestre de 2015, 38,7% das pessoas em idade de trabalhar

não tinham concluído o ensino fundamental e, dos estudantes brancos de 18 a 24 anos,

69,4% frequentavam o ensino superior, ao passo que apenas 40,7% dos jovens

estudantes pretos ou pardos cursavam o mesmo nível.

28,4

50,2

71,6

49,8

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Mulheres

Homens

Com carteira Sem carteira

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74

Tabela 6 – Taxa de escolarização líquida, por sexo e raça – Brasil, 2013

Bra

sil

Nível de Ensino Total População Negra População Branca

Homens Mulheres Homens Mulheres

Ensino Fundamental 96,3 96,4 96,1 96,5 96,4

Ensino Médio 55,2 43,8 55,3 60,3 66,9

Ensino Superior² 16,5 8,9 12,8 20,7 26,5

Fonte: Adaptado IPEA – Retrato da desigualdade de gênero e raça.

A elevação do nível de instrução tem intrínseca relação com a perspectiva de

melhores gratificações e remunerações, o que resulta em melhores condições de vida,

conforme defendem alguns autores, bem como o relatório síntese do IBGE (2014), que

sugere que há uma estreita associação entre educação e rendimento, elevando a

diferença de estratos de renda à medida que aumenta o nível educacional.

Tabela 7 – Média de anos de estudo das pessoas de 18 a 24 anos de idade, por

quintos de rendimento mensal familiar per capita nacional, segundo as grandes

regiões – 2013

Grandes

Regiões

Total

Quinto de rendimento mensal familiar per capita nacional

1º quinto 2º quinto 3º quinto 4º quinto 5º quinto

Brasil 9,8 8,1 8,9 9,7 10,4 11,7

Norte 9,2 7,8 8,8 9,5 10,4 11,5

Nordeste 9,1 7,9 8,7 9,7 10,5 11,8

Sudeste 10,2 8,6 9,2 9,9 10,6 11,8

Sul 10,1 8,0 8,6 9,5 10,2 11,6

Centro-Oeste 10,1 8,6 9,0 9,6 10,4 11,7 Fonte: Síntese dos indicadores sociais (2014).

Todavia, apesar dos avanços dos últimos anos, a população negra tem nível

educacional menor em permanência e anos de estudos em contrapartida à população

branca, implicando divergências de oportunidades e, consequentemente, qualidade de

vida.

Page 75: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

75

Gráfico 4 – Média de anos de estudo da população, segundo cor/raça – Brasil, 2013

Fonte: Adaptado IPEA – Retrato da desigualdade de gênero e raça.

Embora o quadro revele irregularidades, quando relacionado à raça, de modo

geral, no que diz respeito à educação, as mulheres reverteram a desvantagem e

suprimiram a desigualdade.

Gráfico 5 – Média de anos da população, por sexo – Brasil, 2013

Fonte: Adaptado IPEA – Retrato da desigualdade de gênero e raça.

Cabe destacar que, em cursos de graduação e profissionalizantes, as mulheres

tendem a se concentrar em áreas tipicamente femininas, de acordo com a divisão sexual

do trabalho, associadas às atividades de cuidado e reprodução, como saúde e educação,

conforme indica o gráfico abaixo referente os cursos profissionalizantes com maior

número de matrículas no país em 2012:

7,5 7

Média de Anos de Estudo

Mulheres Homens

Page 76: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

76

Gráfico 6 – Distribuição percentual por sexo das matrículas em cursos

profissionalizantes. Brasil – 2012

Fonte: RASEAM (2014).

Entretanto, apesar da predominância feminina no sistema de ensino, as

disparidades permanecem. Entre as mulheres, a taxa de analfabetismo entre negras é

superior em comparação às brancas, mesmo com as políticas governamentais de

incentivo e de acesso à educação.

Gráfico 7 – Taxa de Analfabetismo da população feminina de 15 anos ou mais de

idade, segundo Cor/Raça – Brasil, 2013

Fonte: IPEA – Retrato da desigualdade de gênero e raça.

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Desenvolvimento educacional e social

Ambiente e saúde

Turismo, hospitalidade e lazer

Produção cultural e design

Produção alimentícia

Infraestrutura

Recursos naturais

Informação e comunicação

Controle e processos industriais

Militar

16,6

18

27

32,7

33,2

59,7

60,7

62,3

80,6

91,2

83,4

82

73

67,3

66,8

40,3

39,3

37,7

19,4

8,8

Homens Mulheres

0 2 4 6 8 10 12

Branca

Negra

5,3

11

Taxa de Analfabetismo – 2013

Branca Negra

Page 77: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

77

De acordo com o IBGE, o índice de analfabetismo reduziu significativamente

nos últimos anos e a desproporção entre mulheres negras e brancas concentra

principalmente na Região Nordeste e entre a faixa etária acima de 60 anos. Para

Oliveira (2004), essa taxa de analfabetismo ainda é reflexo da educação formal

estereotipada e parcialmente remetida à escravidão.

No capítulo 3 – Aspectos metodológicos da pesquisa – constam os

procedimentos metodológicos, o contexto da pesquisa, o perfil das entrevistadas que

foram sujeitos dessa pesquisa, além da técnica de coleta dos dados.

Page 78: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

78

3. ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Este capítulo apresenta a metodologia adotada para o delineamento da pesquisa,

expondo as técnicas para a consecução das etapas de identificação do público, coleta de

dados, procedimento de análise e interpretação dos dados.

3.1. Método da Pesquisa

Em relação à natureza da pesquisa, do ponto de vista da abordagem, optou-se

pelo método qualitativo, por se considerar o mais apropriado para um trabalho que versa

sobre situações particulares de experiências vividas pelas entrevistadas. Assim como

afirma Zanelli (2002, p. 83), o principal objetivo da pesquisa qualitativa “é buscar

entender o que as pessoas aprendem ao perceberem o que acontece em seus mundos”,

possibilitando o entendimento sobre o comportamento das mulheres pesquisadas quanto

às suas trajetórias de carreira. Além disso, Richardson (1999, p. 90) define que:

A pesquisa qualitativa pode ser caracterizada como a tentativa

de uma compreensão detalhada dos significados e

características situacionais apresentadas pelos entrevistados, em

lugar da produção de medidas quantitativas de características ou

comportamentos.

Por se tratar de um estudo dessa natureza, bem como do delineamento da

estratégia de pesquisa, optou-se pela adoção de entrevista semiestruturada como um dos

instrumentos de coleta de dados mais adequado à pesquisa por favorecer a análise das

informações captadas (YIN, 2010 e BARDIN, 2011).

3.2. Tipologia da Pesquisa

Apesar de detalhar as experiências estabelecidas pela relação entre os elementos

raça e gênero, do ponto de vista dos objetivos, esse trabalho classifica-se como uma

pesquisa exploratória em razão de sua abordagem qualitativa e, principalmente, por

considerar que, apesar de haver um vasto material sobre carreira e sobre a mulher negra,

pouco ou quase nada se tem discutido sobre a carreira desse público (VERGARA,

2005)

Como delineamento, decidiu-se pela pesquisa de campo, com elementos de

estudo de caso, notadamente pelo fato de as entrevistadas concentrarem-se em uma

Page 79: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

79

mesma organização. Vale ressaltar, entretanto, que não se constitui como objeto de

pesquisa as questões referentes à estrutura organizacional em que elas estão inseridas

(YIN, 2010 e GIL, 2009).

Dessa maneira, para estimular a compreensão, conforme proposto por Selltiz et

al. (1967), iniciou-se com o delineamento básico e pertinente da revisão bibliográfica

que subsidiou a problematização, objetivo de estudo e unidade de análise precedida de

coleta e tratamento dos dados.

3.3. Técnica de Coleta de Dados

Para o presente estudo, dois instrumentos são os mais recomendáveis para o

levantamento dos dados, sendo o roteiro de entrevista semiestruturada (Anexo B) e o

inventário de âncora de carreiras (Anexo C). O inventário de âncora de carreiras é um

instrumento referendado por Schein (1996) para identificar as inclinações profissionais

e para avaliar de que forma os valores da pessoa estão relacionados com suas opções

profissionais, concedendo à pessoa conhecer o que realmente valoriza e a maneira real

como se vê.

Por fim, a técnica de entrevista também foi adotada por considerá-la apropriada

para a obtenção de informações e observações que envolvem a subjetividade das

pessoas como as “percepções, crenças, sentimentos, motivações, intuições ou planos

futuros” (SELLTIZ, 1965, p. 275).

Ademais, a entrevista é tida como um instrumento flexível por adaptar-se às

pessoas e às circunstâncias, com penetração para compreensão de questões complexas,

além de estabelecer uma relação de interação entre o pesquisador e o pesquisado.

Dentre as modalidades de entrevistas, optou-se pela semiestruturada como a

mais adequada, por oferecer ao pesquisador liberdade para definir a sequência das

questões, adaptando a entrevista às entrevistadas. As questões dispostas no roteiro

foram elaboradas, tendo em vista os objetivos específicos da pesquisa, conforme quadro

a seguir:

Page 80: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

80

Quadro 5 – Questões da entrevista e objetivos específicos da pesquisa

Questão Objetivos Específicos

Descreva sua trajetória profissional. 1) Identificar a noção de processo de

desenvolvimento profissional.

2) Mapear as pretensões de carreira das

pesquisadas que evidenciem em um

planejamento da carreira.

Você planejou sua carreira ou tem a noção de

que os eventos profissionais aconteceram

naturalmente?

Como você avalia sua trajetória profissional? 2) Mapear as pretensões de carreira das

pesquisadas, investigando possíveis

redirecionamentos. Profissionalmente, como e onde você se

imagina daqui dez anos?

Durante sua trajetória profissional, você

percebeu desigualdades de oportunidades

relacionadas ao gênero e a raça? (Em caso

afirmativo, descreva). 3) Verificar os possíveis obstáculos

relacionados aos elementos gênero e raça

durante o desenvolvimento da carreira.

Se houve enfrentamento de obstáculos

relacionados à discriminação, poderia

explicar como isso influenciou em suas

decisões profissionais?

Como você avalia o papel da mulher negra

no mercado de trabalho?

Nesse momento você está satisfeita com a

sua carreira? Por quê?

2) Mapear as pretensões de carreira das

pesquisadas, investigando possíveis

redirecionamentos.

4) Identificar as âncoras de carreira,

associando as inclinações profissionais com

as atribuições atuais e as expectativas de

carreira.

Você desenvolve algum trabalho paralelo? Se

sim, o que te levou a isso?

Fonte: Elaborado pela autora.

Com a finalidade de aprimoramento prévio do roteiro de entrevistas, foi aplicado

um pré-teste com três pessoas, que não fazem parte dos sujeitos da pesquisa, para

verificar a clareza e objetividade das questões, por meio do qual foi possível verificar

que não houve necessidade de ajustes, uma vez que as questões formuladas foram de

plena compreensão dessas pessoas.

3.4. Mapeamento dos sujeitos e procedimento de coleta de dados

De acordo com Gil (2009), as entrevistas não visam aos dados quantificáveis, ou

seja, não precisam ser necessariamente numerosas. Logo, a definição da quantidade de

entrevistas teve sua determinação na natureza e nos objetivos da pesquisa, não sendo a

preocupação primordial com a representatividade de frequências.

Como critério de escolha, considerou-se a acessibilidade da pesquisadora que

também está inserida no mesmo ambiente profissional das pesquisadas. Diante disso,

foram selecionadas mulheres negras do quadro docente e técnico-administrativo de uma

Page 81: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

81

Instituição de Ensino Superior Confessional de São Paulo, totalizando um grupo de dez

participantes.

Anteriormente à aplicação dos instrumentos de coleta de dados, esclareceu-se

sobre o caráter estritamente acadêmico da pesquisa, bem como sobre a

confidencialidade da identidade das entrevistadas, conforme disposto no Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo A). Sendo assim, durante a análise dos dados,

substituíram-se os nomes das pesquisadas por denominações sequenciais compostas por

letra.

Após explanação da finalidade e objetivos do estudo, os instrumentos de coleta

de dados foram aplicados priorizando os seguintes eixos:

Figura 4 – Eixos do estudo

Fonte: Elaboração da autora.

A consecução dos dados respeitou as seguintes etapas:

A) No mês de novembro de 2015, estabeleceu-se contato com a Instituição de Ensino

Superior com a finalidade de obter o número total de mulheres negras do corpo

funcional, bem como da tentativa de contar com o intermédio da Instituição na

abordagem às mulheres com perfil congruente ao sujeito da pesquisa.

B) Como não houve acesso às informações institucionais segmentadas por gênero e

raça, em meados de janeiro de 2016, procedeu-se com a identificação dessas

mulheres nos segmentos da Instituição: docente e técnico-administrativo.

C) Após a identificação, na primeira quinzena de março de 2016, foi realizado contato

direto com 17 possíveis entrevistadas. Contudo, embora houvesse a clareza de que

a identidade das entrevistadas seria mantida em sigilo, conforme disposto no

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo A), com receio de exposição,

somente 10 concordaram em conceder entrevista e preencher o inventário de

âncoras de carreira.

Carreira da

Mulher Negra

Obstáculos/Dificuldades

Pretensões de Carreira

Planejamento de Carreira

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82

D) Na segunda quinzena de abril de 2016, um novo contato, agora telefônico, foi

realizado para confirmar o interesse das convidadas, bem como viabilizar a

marcação das entrevistas e aplicação do inventário de âncoras de carreira,

conciliando as agendas e locais convenientes às entrevistadas.

E) Durante o mês de junho, com a agenda previamente estabelecida e acordada,

procedeu-se com o roteiro de entrevista semiestruturada (Anexo B), que foram

gravadas e transcritas posteriormente, bem como aplicação do inventário de

âncoras de carreira (Anexo C).

A tabela a seguir sintetiza o mapeamento dos sujeitos da pesquisa e sua área de

atuação.

Tabela 8 – Mapeamento dos Sujeitos da Pesquisa

Instituição (IES): Instituição de Ensino Superior Confessional de São Paulo

Total de mulheres negras convidadas a participarem da pesquisa: 17

Total de mulheres negras que aceitaram o convite para participar da pesquisa: 10

Perfil profissional das entrevistadas:

A – Auxiliar administrativa e estudante de Direito.

B – Secretária com formação em Pedagogia.

C – Supervisora administrativa com formação em Pedagogia.

D – Docente com formação em Psicologia.

E – Médica.

F – Assistente Administrativa com formação em Pedagoga.

G – Assistente Administrativa com formação em Geografia.

H – Docente com formação em Administração.

I – Supervisora de Tecnologia com formação em Ciências Contábeis.

J – Secretária com formação em Secretariado.

Fonte: Elaboração da autora.

3.5. Procedimento de análise dos dados

Os dados obtidos com as entrevistas foram tratados por meio da análise de

conteúdo, “conjunto de técnicas de análise das comunicações”, baseado na descrição e

interpretação das mensagens (BARDIN, p. 15, 2011).

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83

A análise de conteúdo, procedimento cada vez mais valorizado pela análise

qualitativa, tem em sua intenção a “inferência de conhecimentos relativos às condições

de produção (...)”, e a adoção dessa metodologia se justifica, em razão de sua

comunicação dual, no caso do diálogo por meio da entrevista; e de seu código linguístico, que

classifica as entrevistas em comunicação oral (BARDIN, p. 40-44, 2011).

Dentre as técnicas de análise de conteúdo, optou-se pela análise categorial, mais

antiga e mais utilizada, que, para Bardin (2011, p. 201), funciona por operações de

desmembramento do texto em unidades, em categorias segundo reagrupamentos

analógicos. O quadro a seguir sintetiza as etapas das fases da análise de conteúdo,

organizados em torno de alguns polos cronológicos.

Quadro 6 – Fases da Análise de Conteúdo

FASE DESCRIÇÃO

Pré-análise

Fase de organização que tem por objetivo tornar operacional e sistematizar

as ideias iniciais que permitam a introdução de novos procedimentos,

período de intuições. Etapas principais: leitura flutuante, escolha dos

documentos, preparação do material.

Codificação

Corresponde a uma transformação – efetuada segundo regras precisas – dos

dados brutos do texto, transformação esta que, por recorte, agregação e

enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo ou de sua

expressão, esclarecendo acerca das características do texto que pode servir

de índices.

Categorização

Operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por

diferenciação, reagrupamento (analogia) com os critérios previamente

definidos. As categorias são rubricas ou classes que reúnem um grupo de

elementos com características comuns (unidades de registro) sob um título

genérico. O critério de caracterização pode ser semântico (categoria

temática), sintático (verbos/adjetivos), léxico (sentido) e expressivo

(perturbações de linguagem).

Inferência A análise de conteúdo tem em sua intenção a inferência (deduções lógicas)

de conhecimentos relativos às condições de produção (ou recepção) que

recorra a indicadores (quantitativos ou não). Fonte: Adaptado de Bardin (2011, p. 125-171).

Na análise de conteúdo, as abordagens quantitativas e não quantitativas são

possíveis de serem empregadas. A abordagem quantitativa preza pela frequência de

aparição de determinados elementos da mensagem, “(...) por meio de um método

estatístico; enquanto a abordagem não quantitativa recorre a indicadores não frequentes,

suscetíveis de inferências; por exemplo, a presença (ou ausência) pode constituir um

índice tanto (ou mais) frutífero que a frequência de aparição” (BARDIN, 2011,

p. 144-145).

Page 84: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

84

Em razão da natureza exploratória dessa pesquisa, apesar da aparição de

algumas frequências, adotou-se a abordagem não quantitativa por considerá-la

equivalente a “um procedimento mais intuitivo, além de ser mais maleável e mais

adaptável”. Ademais, “a análise qualitativa não rejeita toda e qualquer forma de

quantificação”, sendo essa abordagem caracterizada pelo “fato de a inferência estar

fundada na presença do índice (tema, palavra, personagem etc.), e não sobre a

frequência da sua aparição” (BARDIN, 2011, p.145-146).

Na sequência, serão detalhadas as fases da técnica de análise categorial

escolhida para o presente estudo.

3.5.1. Pré-análise

Os dados colhidos nas entrevistas semiestruturadas foram as informações

escolhidas para a aplicação da análise de conteúdo. Para isso, preparou-se o material

através da transcrição do áudio das entrevistas, que foram gravadas, o que permitiu a

realização de uma leitura flutuante desse material, estabelecendo contato com os

documentos e possibilitando uma imersão em impressões e orientações (BARDIN,

2011). Em seguida, o material foi organizado e preservado para consulta posterior,

durante as fases subsequentes da análise do conteúdo.

3.5.2. Codificação

Após a preparação do material, a primeira etapa de tratamento foi codificação.

Nesse estudo, conforme propõe Bardin (2011), a unidade de registro e contexto de

significação dá ênfase à análise de temática. Para isso, utilizou-se dos objetivos

específicos como base de apoio para a definição dos temas de análise, destacando os

seguintes recortes: planejamento da carreira, transição de carreira,

desigualdades/oportunidade e inclinações profissionais.

A seguir consta a relação entre os objetivos específicos e as unidades temáticas,

enquanto “núcleos de sentidos” do conteúdo coletado (BARDIN, 2011):

Page 85: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

85

Figura 5 – Unidade Temática de Registro

Fonte: Elaboração da autora

Objetivo específico – 2

Mapear as pretensões

de carreira das

pesquisadas,

investigando possível

redirecionamento da

carreira.

Tema de análise

Planejamento e

Transição de

carreira

Objetivo específico – 1

Identificar a noção de

desenvolvimento

profissional.

Tema de análise

Percepção sobre a

trajetória

profissional

Tema de análise

Desigualdades

percebidas nos

eventos

profissionais

Objetivo específico – 3

Verificar os possíveis

obstáculos relacionados

aos elementos gênero e

raça durante o

desenvolvimento da

carreira.

Objetivo específico – 4

Identificar as âncoras

de carreira, associando

as inclinações

profissionais com as

atribuições atuais e as

expectativas de

carreiras mapeadas.

Tema de análise

Inclinações

profissionais

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86

3.5.3. Categorização

Embora não seja uma etapa obrigatória a toda análise de conteúdo, de acordo

com Bardin (2011), a maioria dos procedimentos de análise organiza-se por meio desse

processo, pois se considera que “a categorização – passagem dos dados brutos a dados

organizados” – revela os “índices invisíveis ao nível dos dados brutos” (BARDIN,

2011, p. 149).

Nesse sentido, esse estudo respeitou o critério de categorização semântica como

processo classificatório dos elementos agrupados pela relação comum existente entre

eles, conforme explicitado na estrutura do roteiro de entrevista que foi elaborado por

meio da relação com os objetivos da pesquisa; fornecendo, por condensação, uma

representação dos dados brutos.

Nessa fase, algumas cautelas foram tomadas com o objetivo de assegurar a

qualidade do conjunto de categorias, conforme descrição a seguir:

Quadro 7 – Qualidade do conjunto de categorias

Qualidade das categorias Descrição

Exclusão mútua Esta condição estipula que cada elemento não pode

existir em mais de uma divisão, ou seja, um elemento

não pode ter dois ou vários aspectos suscetíveis à

classificação em mais de uma categoria.

Homogeneidade Um único princípio de classificação deve governar a

organização. Num mesmo conjunto categorial só se

pode funcionar com um registro e com uma dimensão

da análise, logo, as análises devem ser separadas e

respeitar uma sucessão lógica.

Pertinência A categoria é considerada pertinente quando está

adaptada ao material de análise escolhido, e quando

pertence ao quadro teórico definido, refletindo as

intenções da investigação.

Objetividade e fidelidade Definição clara das variáveis da análise, assim como dos

índices que determinam a entrada de um elemento numa

categorial.

Produtividade Qualidade pragmática: resultados férteis em índices de

inferências, em hipóteses novas e em dados exatos. Fonte: Adaptado de Bardin (2011, p. 149-150).

Page 87: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

87

Para a organização dessa fase, aplicou-se a esse trabalho o sistema de “caixas”

(ver a seguir), que foram compostas pelas unidades de análise e, à medida que esses

elementos foram encontrados, foram separados de acordo com a classificação temática.

Contudo, para não incorrer em equívoco quanto à análise horizontal (arquitetura

cognitiva e afetiva das entrevistadas), esse trabalho também se valeu do enriquecimento

prévio da decifração estrutural das entrevistas, tratando os dados com flexibilidade e

abstração para uma contemplação da significação total do conteúdo (Bardin, 2011).

Quadro 8 – Matriz de análise de conteúdo

Tema Categoria Subcategoria Indicadores/

Unidades de registro

Unidades de contexto –

Exemplos

Per

cep

ção

so

bre

a t

raje

tóri

a p

rofi

ssio

na

l

Associação de

autopercepção

com os eventos

sucessivos de

desenvolvimento

de carreira

Histórico

Origens

Estrutura familiar

Experiências

profissionais

Exemplo: “sou retirante

nordestina”. “Eu vim de

uma realidade de extrema

pobreza e muita miséria”.

“Minha mãe é analfabeta”.

“Eu sou de família

humilde”. “Minha família

é pobre”. “Eu segurei a

barra da família inteira”.

“Família sem recursos”.

“Quebrei pedra”. “Fui

doméstica”. “Trabalhei em

banco”. “Minha trajetória é

longa”. “Comecei

(trabalhar) muito cedo”.

“Minha trajetória é de idas

e vindas”. “Eu não fiz uma

trajetória profissional (...)

eu não acho que tenho uma

carreira”.

Fonte: Elaborado pela autora.

Page 88: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

88

Quadro 9 – Matriz de análise de conteúdo

Tema Categoria Subcategoria Indicadores/

Unidades de registro

Unidades de contexto –

Exemplos P

lan

eja

men

to e

tra

nsi

ção

de

carr

eira

Expectativa

Visão de futuro

Escolha

profissional/Qua

lificação

Experimentação

“eu pretendo” “eu

quero” “eu almejo"

“escolhas”

“influências”

“oportunidade”

“Descoberta”

“experiência”

“Quero, pretendo inverter

o polo de energia das aulas

para o mundo clínico”.

“Eu quero ser autônoma”.

“Eu quero ser juíza”. “Eu

almejo muito”. “Sei lá, no

cargo máximo do setor?”.

“Queria Direito (curso)”.

“Meus trabalhos

influenciaram as minhas

escolhas profissionais”.

“Ciências contábeis foi

por influência do banco

que me pediu para fazer”.

“Acabei vindo para o

Brasil para fazer

medicina”.

“Eu fiz Pedagogia, mas

nunca tive experiência,

mas agora eu estou

pensando (pensa em

exercer a profissão)”. “Eu

não tinha experiência com

o processo (...), fui

aprendendo e ajudando”.

“Me descobrir na

profissão”.

Fonte: Elaborado pela autora.

Page 89: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

89

Quadro 10 – Matriz de análise de conteúdo

Tema Categoria Subcategoria Unidades de registro Unidades de contexto D

esig

ua

lda

des

per

ceb

ida

s n

os

even

tos

pro

fiss

ion

ais

Relação com o

preconceito

Gênero (ser

mulher)

Raça (ser negra)

Desconforto

Humilhação

Ausência de respeito

“Meu defeito era a cor”.

“Ele tentou abusar de mim

sexualmente”. “Eu sofri

muito, você percebe

quando não é bem-vinda

ao ambiente”. “(...) ora era

o meu cabelo, já me

propuseram alisamento”.

“A minha chefe diz que

não suporta trabalhar com

mulher”. “Fui

discriminada por alguns

professores”. “ (...) quando

chega aqui ele vê você que

é uma mulher negra, eu

percebo na expressão da

pessoa”. “A mulher negra

é a última na cadeia

alimentar”. “A menina

negra cresce entendendo

que ela é feia (...)”. “Ela

não me reconheceu como

médica”. “Muitas vezes, o

pessoal da limpeza

perguntou se eu estava

esperando alguém”. “Você

tem talento, mas podia dar

uma diminuída no cabelo”.

“Na faculdade eu era a

única negra na minha sala

de aula”.

Fonte: Elaborado pela autora.

Page 90: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

90

Quadro 11 – Matriz de análise de conteúdo

Tema Categoria Subcategoria Unidades de registro Unidades de contexto –

Exemplos In

clin

açõ

es p

rofi

ssio

na

is

Associação dos

valores pessoais

Âncora de

carreira (TF,

AG, AI, SE, CE,

VS, PD e EV)

Autoimagem

Atuação

profissional

atual

Característica

detectável da âncora:

TF – técnico

funcional;

AG – aptidão para

gestão;

AI – autonomia;

SE – segurança e

estabilidade;

CE – criatividade e

empreendedorismo;

VS – vontade de

servir, dedicação a

uma causa;

PD – puro desafio;

EV – estilo de vida.

“eu sou” “eu gosto”

“eu tenho”

Satisfação profissional

“(...) porque com os

históricos que eu já tinha

(...) embora fosse um

contrato, eu tinha as

minhas garantias (CE)”,

“Eu sempre gostei de

ensinar (...) quando

aquelas crianças

aprendiam eu ficava

deslumbrada (VS)”;

“Sucesso profissional é a

satisfação pessoal (EV)”,

“Sucesso pra mim é ter

autonomia para mostrar do

que eu sou capaz (AI)”,

“Eu sentia falta de criar

(CE)”.

“Eu tenho feeling (...)”.

“Eu sou respeitada”, “Eu

sou responsável”, “Eu sou

criativa”, “Eu gosto de

lidar com gente”.

“Estou satisfeita”. “Me

sinto exitosa”. “Não estou

satisfeita completamente,

busco a satisfação”. “Ficou

um sentimento de

insatisfação durante muitos

anos”.

Fonte: Elaborado pela autora.

3.5.4. Inferência

Como já mencionado, a inferência está na base da intenção da análise de

conteúdo que pode ser considerada um intermediador entre a descrição das

características do texto e a interpretação dessas mesmas características (BARDIN,

2011).

Para esse trabalho, a inferência respaldou-se no referencial teórico para deduzir

logicamente conhecimentos explícitos ou não sobre as situações concretas das

entrevistadas, compreendendo a significação das características do conteúdo e

permitindo chegar a uma conclusão.

No próximo capítulo, será apresentada a Análise e interpretação dos dados,

bem como serão discutidos os resultados obtidos nessa pesquisa.

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91

4. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

A seguir são apresentadas as análises e interpretação dos dados coletados,

através dos instrumentos de entrevista semiestruturada (Anexo B) e inventário de âncora

de carreira (Anexo C), que foram organizados de acordo com as propostas apresentadas

nas Matrizes de Análise de Conteúdo, disponíveis no Capítulo 3.

4.1. Estatísticas descritivas

Nesta seção, são exibidos os dados da aplicação do Inventário de Âncoras de

Carreira com o propósito de apresentar um panorama do perfil das mulheres

entrevistadas e subsidiar as análises subsequentes.

Antes da apresentação dos dados, cabe retomar as informações apresentadas no

Quadro 11 – Matriz de análise de conteúdo – apresentado no Capítulo 3, referente aos

aspectos metodológicas dessa pesquisa, no qual constam as seguintes âncoras de

carreira traçadas por Schein (1996): TF – técnico funcional; AG – aptidão para gestão;

AI – autonomia; SE – segurança e estabilidade; CE – criatividade e empreendedorismo;

VS – vontade de servir, dedicação a uma causa; PD – puro desafio; EV – estilo de vida.

Na tabela e no gráfico a seguir, são demonstradas as formações acadêmicas das

entrevistadas, bem como as âncoras traçadas por Schein (1996) com qual cada uma

delas se identificam.

Tabela 9 – Formação e Âncoras de Carreira das Entrevistadas

Entrevistada Formação Acadêmica ou

em Andamento Âncora Mapeada

A Estudante de Direito SE

B Pedagogia VS

C Pedagogia EV

D Psicologia VS

E Medicina VS

F Pedagogia VS

G Geografia CE/VS

H Administração VS

I Ciências Contábeis EV

J Secretariado AI

Fonte: Elaborado pela autora.

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92

Gráfico 8 – Âncoras de Carreiras das Entrevistadas

Fonte: Elaborado pela autora.

Tabela 10 – Âncoras de Carreiras das Entrevistadas

TF –

AG –

AI 1

SE 1

CE –

CE/VS 1

VS 5

PD –

EV 2

Fonte: Elaborado pela autora.

Na tabela 10, foram identificadas cinco das oito âncoras traçadas por Schein

(1996), sendo elas: AI, SE, CE, VS e EV com predominância da âncora VS

(Vontade/Servir). Vale destacar que a frequência da âncora VS se evidencia

possivelmente por se tratar de um grupo em que a maioria das mulheres tem formação

voltada para a área educacional, reforçando que o perfil de assistência ao próximo é

característica desse tipo de inclinação profissional. Além disso, todas as entrevistadas

apresentaram característica das âncoras mapeadas correspondentemente à formação

acadêmica ou com as aspirações profissionais e, no caso de uma das entrevistadas,

Page 93: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

93

houve empate na definição das âncoras CE/VS, possibilitando reconhecer, em seu

discurso, ao menos um elemento de afinidade de cada uma delas.

4.2. Análise e Interpretação dos dados das entrevistas

Nessa seção, são apresentadas as análises baseadas na sequência da Matriz de

Análise de Conteúdo, com as considerações sobre os temas mapeados: percepção sobre

a trajetória profissional, planejamento e transição de carreira, desigualdade de

oportunidades e inclinações profissionais; com base nos quais se procedeu à

categorização dos elementos constitutivos do conteúdo das entrevistas e cujos trechos

das entrevistas analisadas e transcritas ilustram e subsidiam as ponderações.

4.2.1. Percepção sobre trajetória profissional

Quanto à percepção sobre a trajetória profissional, a análise focou na associação

da autopercepção com os eventos sucessivos de desenvolvimento da carreira que foram

manifestados por meio da descrição das entrevistadas, permitindo a classificação da

subcategoria que revelou as origens, estrutura familiar e as experiências profissionais

marcadas por um processo dinâmico entre a pessoa e os eventos, reafirmando a

importância do meio como um influenciador que pode limitar, mas também permitir

mudanças de contexto.

Notavelmente, as declarações biográficas remetem às condições que direcionam

as mulheres para o subemprego como forma de sobrevivência, reafirmando os dados

estatísticos apresentados no presente estudo. Nesse sentido, Schein (1996) comenta

sobre os motivos que impelem as pessoas ao mercado de trabalho e, claramente, no caso

de algumas entrevistadas, as opções profissionais decorreram das necessidades que as

impediram de assumir o protagonismo de suas carreiras, o que, de certa forma, justifica

o fato de elas terem começado suas trajetórias em funções que não atendiam às suas

expectativas profissionais, conforme exemplificados nos trechos dos depoimentos a

seguir:

Minha história é longa (...), meu pai era guarda de banco e

sofreu um acidente de trabalho, minha mãe é analfabeta e, com

o meu pai afastado, minha mãe precisou trabalhar em casa de

família (doméstica), porque o que o meu pai ganhava com o

INPS não era suficiente para cuidar da casa e pagar o aluguel

(...) com seis anos eu reciclava material para vender e ajudar

nas despesas de casa (...) tudo que aparecia para fazer, fazia:

cortar cana (...), quebrar pedra, pode ver que meus dedos são

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94

deformados de quebrar pedra (...) colher algodão (...) eu não

queria aquilo pra mim (...). Eu sou de outro Estado e lá eu não

ia muito longe. (Entrevistada A)

São mais de quarenta anos de trabalho. Eu sonhava muito em

crescer e trabalhar em uma grande empresa (...). Com

dezesseis anos, eu fui trabalhar (...) queria estudar (...) no

momento que eu queria eu não podia, porque assim: família

pobre, quatro irmãos, eu era a mais velha, meu pai teve

tuberculose em 1975, meu pai ficou internado em Campos de

Jordão e eu segurei a barra da família inteira. (Entrevistada B)

Minha família, pai, mãe e cinco filhos, meu pai ficou doente e

minha mãe teve que trabalhar pra ser arrimo de família. Na

nossa adolescência, ela forçou muito a gente a sair para

trabalhar (...) você aprende a lidar com o ofício, mas não

constrói muita coisa, comigo foi assim, eu fui me encaixando

(...) eu não fiz uma trajetória profissional (...). (Entrevistada C)

Minha trajetória é de idas e vinda (...) sou uma retirante

nordestina e é assim que eu me vejo. Durante muito tempo, eu

circulei em espaços de guetos, de pobreza de miséria (...) eu

vim de uma realidade de extrema pobreza e muita miséria. Eu

iniciei meu trabalho aqui (menciona o nome da Instituição)

(...), mas minha trajetória começou um pouco antes (...) antes

eu fui faxineira, costureira, trabalhei em sorveteria; trabalhos

de subemprego que eu trabalhava e juntava dinheiro para

pagar a faculdade. (Entrevistada D)

Essas narrativas condizem com as análises de Dutra (2010) de que a vida

profissional envolve força maior e circunstâncias impostas que nem sempre são

passíveis de controle. As experiências advindas dos trabalhos realizados são

constitutivas da carreira e variam de acordo com pressões suscitadas na pessoa e no

ambiente que são entendidas por meio da perspectiva individual.

Ainda segundo o autor, como dito anteriormente, os apelos externos a exemplo

das pressões oriundas do ambiente, nesse caso da fragilidade econômica familiar e da

falta de horizonte, são riscos que levam ao descontentamento e sofrimento profissional

por desconsiderar as motivações e as habilidades pessoais.

Embora essas considerações sejam válidas, a fala de uma das entrevistadas

mostra que a ausência de foco também é fruto da carência de autoconhecimento,

enquanto papel norteador das decisões, que pode provocar descompasso entre a

identidade presente e a o novo processo de formação do “eu”, compatível com as novas

referências do que se pretende ser, consoante com as reflexões de alguns autores

(DUTRA, 2010; VELOSO, 2012; SILVA, 2007 e GOLEMAN, 2002).

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95

Nesse momento da minha vida, acho que a conjuntura do país e

da instituição está me fazendo pensar, refletir que eu preciso

me preencher com alguma coisa (...), mas eu não sei o quê. Eu

estou em um momento que eu ainda preciso buscar, porque o

meu trabalho motivou a minha formação e não os meus

interesses pessoais. (Entrevistada C)

4.2.2. Planejamento e transição de carreira

As subcategorias do tema de planejamento e transição de carreira estão apoiadas

na “expectativa” como aspecto preponderante, alicerçada na visão de futuro, escolha

profissional e experimentação. Para isso, as entrevistadas relataram suas trajetórias,

respondendo questionamentos sobre planejamento e objetivos futuros, evidenciando as

possíveis pretensões profissionais.

As entrevistadas, que no início da carreira não puderam centralizar o foco em si

mesmas e priorizar atitudes e comportamentos transformadores nas primeiras fases da

vida profissional, ponderaram que o planejar está vinculado aos sonhos e à certeza do

que se almeja, não havendo espaço quando a situação impõe as condições.

No começo, não planejei (...) chegou uma ocasião que na minha

casa começou a faltar comida (...) aí eu fui trabalhar no que

apareceu (...) meu sonho era Direito (curso). (Entrevistada A)

Não planejei. Embora eu tivesse um sonho, eu abri mão desse

sonho pela família e fui levando. Quando eu entrei no banco,

não era o emprego dos sonhos, mas naquele momento eu não

podia escolher. (Entrevistada B)

Eu nunca sonhei com uma trajetória profissional, eu não

galguei, ela foi acontecendo. (Entrevistada C)

Não planejei. Eu queria trabalhar com artes plásticas (...) aí

vem aquela questão: eu estava em um emprego e em uma

empresa razoavelmente boa diante do cenário do Brasil e eu

tive que fazer escolhas. Você faz o que gosta, mas não tem

condições de pagar, hoje ainda tem esquemas de bolsas, mas

antes não tinha nada disso. (Entrevistada I)

Ainda assim, foi possível identificar o planejamento da carreira como uma

inquietação atual. Essa percepção foi manifestada, tendo em vista a preocupação com o

futuro, em uma reflexão sobre como será daqui a dez anos, coincidindo, em alguns

casos, com a intenção de redirecionamento da carreira, reforçando, mais uma vez, os

argumentos de Ibarra (2009) de que cada vez aumenta o número de pessoas em

transição de carreira:

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96

Hoje eu planejo. Eu escolhi Direito e daqui a dez anos eu

pretendo ajuizar no fórum criminal. Eu quero ser juíza e eu vou

ser juíza. Se eu não tivesse começado uma graduação eu não

teria oportunidade. (Entrevistada A)

Lecionando, não pretendo mais trabalhar na área

administrativa. (Entrevistada F)

Eu não planejei, acho que foi rolando. Eu queria fazer

arquitetura (...) daqui a dez anos eu pretendo estar trabalhando

com design, eu gosto muito e estou me preparando.

(Entrevistada G)

No mais alto cargo do setor (...), mas eu tenho vontade de fazer

mestrado e doutorado para lecionar. (Entrevistada I)

A subcategoria de escolha profissional emergiu do questionamento sobre

planejamento, evidenciando as razões (pessoais, influência e oportunidade) pelas quais

as entrevistadas optaram por determinadas formações, alinhadas ou não às suas

expectativas.

Eu já queria fazer Direito (...), na minha cidade tinha um

delegado muito famoso e eu me inspirava nele. Meu curso é

minha maior realização pessoal, estou fazendo o que gosto. Eu

quero mudar a partícula em que vivo. Eu vou defender bandido,

porque bandido é consequência do Estado. Meu irmão (...)

vinha da feira, com um dia de serviço dele e o policial parava

ele na rua e tomava o dinheirinho dele. Então, é isso que eu

quero mudar, nem que pra isso eu tenha que arriscar a minha

vida. (Entrevistada A)

Quando eu trabalhava no escritório de contabilidade fui fazer

contabilidade, quando eu vim para a Instituição, pensei em

fazer alguma coisa correlacionada à minha área de trabalho,

então fui pedagogia, mas sempre focada na área da

administração, tanto que fiz habilitação na administração

escolar. Na pedagogia, eu nunca foquei no ensino (...) meus

trabalhos influenciaram as minhas escolhas profissionais.

(Entrevistada C)

Eu consegui uma bolsa de estudo e acabei vindo para o Brasil

para fazer medicina. (Entrevistada E)

Ciências Contábeis foi por influência do banco que me pediu

para fazer. (Entrevistada I)

No tocante à transição, Veloso (2012) reconhece que essa não dispõe de padrões

únicos e, nesse sentido, sua dinâmica pode revelar muitas faces emergidas de algumas

tendências. Dessa maneira, no discurso de duas das entrevistadas, a aposentadoria foi

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97

citada como a possibilidade de pensarem em seus futuros como uma realização ou

satisfação:

Eu quero ser autônoma (...) estou preocupada se a minha

aposentadoria vai me manter enquanto eu procuro essa

autonomia (...) até agora eu só trabalhei e eu busco a

satisfação. (Entrevistada C)

Então, eu vou me aposentar, vou cumprir um ciclo, mas não

parar. Se eu tiver uma aposentadoria legalzinha, eu penso em

alfabetizar pessoas mais velhas, me dá muito prazer.

(Entrevistada B)

Quanto às entrevistadas que planejaram suas carreiras, houve uma assertividade

na voz de que sabiam exatamente o que queriam e, por isso, conduziram sua formação

profissional para o alcance dos objetivos. Cabe ressaltar que a abordagem da

autorrealização encontrada na harmonia entre sentimento e atitudes de comportamento

com a carreira e a vida pessoal tem na introspecção, mas também na interação,

conforme defendem Martins (2011) e Skinner (1991) acerca da chave para o

autoconhecimento necessário, enquanto etapa inicial, para o difícil processo de

planejamento da carreira.

Meu sonho era dar aula, sempre foi, eu nunca tive dúvida em

relação à minha carreira. Desde os meus 10 ou 12 anos, eu já

sabia disso. Eu planejei a minha carreira. (Entrevistada D)

Eu decidi que era isso que eu queria fazer desde pequena (...) o

meu objetivo era medicina (...). (Entrevistada E)

A partir da graduação, eu planejei. Eu entendi na graduação o

que queria e aí deu para planejar. Eu gosto do que construí na

minha carreira (...) eu construí de uma maneira adequada (...)

as coisas têm acontecido próximas do que eu planejei.

(Entrevistada H)

Eu planejei. Eu nunca parei no tempo e eu já tinha a certeza do

que queria: atuar como secretária de uma diretoria de uma

grande empresa. Eu tracei metas e fiz secretariado executivo

bilíngue. (Entrevistada J)

Das entrevistadas que planejaram a carreira, somente uma verbalizou a intenção

de redirecionar sua trajetória, porém dentro da formação escolhida:

Daqui a dez anos (...) dando aula, mas eu não quero chegar aos

sessenta dando aula, isso é claro para mim. Eu vou enveredar

especificamente o mundo clínico. (Entrevistada D)

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98

Com certeza estarei trabalhando na minha área (...) se possível

com perícia médica. (Entrevistada E)

Lecionando, só que em programa de strito sensu (...) esse é o

caminho natural. (Entrevistada H)

Trabalhando como secretária de uma presidência.

(Entrevistada J)

Foi possível observar a consistência nos raciocínios de alguns autores

explorados na fundamentação teórica sobre transição de carreira (VELOSO, 2012;

IBARRA, 2009), que apontam a experimentação como um campo relevante para a

definição, reconfiguração e reinserção.

Eu fui demitida (...) estava sem estudar e me inscrevi, foram

cinco meses de curso para trabalhar com sistema integrado.

Durante esses cinco meses, ninguém me chamou para

entrevista, para nada, e faltando dez dias para acabar o curso

veio o comunicado interno me convidando para ser trainee e

explicando que o objetivo do curso era exatamente o de treinar

pessoas com o meu perfil, que conhecesse não só o sistema,

mas também de regras de negócio. (Entrevistada I)

(...) comecei fazendo contábeis, depois fiz um ano de

administração. Lecionei para o ensino religioso e mudei para a

pedagogia e vi que essa era a minha paixão, a minha vida (...)

me descobri na profissão. (Entrevistada F)

(...) em época de Natal, então eu fui trabalhar com crediário e

ali em descobri que eu não tenho vocação nenhuma para

trabalhar com comércio. Sem condições, não gosto.

(Entrevistada H)

4.2.3. Desigualdades percebidas nos eventos profissionais

As desigualdades foram centralizadas na relação de preconceito e discriminação

de gênero e raça que eventualmente tenham ocorrido durante a trajetória profissional. A

análise desse tema não poderia ser omitida, tendo em vista que o objeto dessa pesquisa

engloba os dois elementos da subcategoria: são mulheres e negras.

Para tanto, foram examinadas as percepções das entrevistadas que conotassem

desconforto, humilhação, ausência de respeito e outros sentimentos despontados no

decorrer da carreira e que é resultado dessa relação.

Os depoimentos das entrevistadas reiteram os dados apresentados nessa pesquisa

de que há dificuldades para a inserção da mulher negra no trabalho de qualidade, ou

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seja, ter trabalho não significa, necessariamente, melhores condições de vida. Além

disso, reforça os indicadores sociais de concentração de mulheres no serviço doméstico.

A seguir, constam trechos dos discursos, alguns já apresentados anteriormente,

apontando a inserção em ocupações de desvantagem:

(...) tudo que aparecia para fazer, fazia: cortar cana (...),

quebrar pedra, pode ver que meus dedos são deformados de

quebrar pedra (...) colher algodão (...) eu não queria aquilo pra

mim, aí fui trabalhar em casa de família com 12, 13 anos, fazia

tudo dentro dessa casa e tomava conta de uma criança de cinco

anos. (Entrevistada A)

Minha primeira experiência foi em casa de família, depois eu

fui trabalhar de balconista, em uma farmácia, depois

balconista em uma loja grande e depois eu fui estudar e fui

trabalhar em um escritório de contabilidade. (Entrevistada C)

(...) fui faxineira, costureira, trabalhei em sorveteria; trabalhos

de subemprego que eu trabalhava e juntava dinheiro para

pagar a faculdade. (Entrevistada D)

(...) antes, também, eu trabalhei como babá, cuidando de

criança da minha vizinha, limpei casa de uma outra vizinha.

(Entrevistada G)

Munanga (2006) pondera que o racismo é um nó que transformou a cor da pele

em classificação hierárquica e que tem a função de manter o status das classes dominantes,

predeterminando os espaços do negro e deixando marcas na identidade da pessoa:

Eu tive que vencer o preconceito. Quando eu passei (seleção

para uma vaga), a filha de uma das enfermeiras concorreu

comigo, a filha tinha acabado de chegar da Alemanha, estava

fazendo intercâmbio e eu concorri e passe. Daí ela comentou

com uma colega: “eu tô com tanto ódio daquela menina, eu

não acredito que permitiram que uma negra, aquela neguinha,

no balcão, ela é horrível, você já viu como ela se veste? Eu

tenho vergonha dela no atendimento”. O meu defeito era a cor.

(Entrevistada A)

Na prática do dia a dia de as pessoas não aceitarem o negro

como médico, constantemente. No hospital, antes e depois de

formada, vinha um atendente atrás de você. Você está no grupo

de alunos escutando um professor assistente e vem uma auxiliar

te cutucar pra te chamar pra tirar a comadre do paciente do

leito, porque ela está ocupada, achando que você é atendente.

Aqui mesmo, eu atendi uma pessoa que tinha ingerido um

pouco mais de bebida alcoólica, examinei e dei um

procedimento e mesmo assim ela não me enxergou como

médica, ficou surpresa quando soube que eu era médica.

(Entrevistada E)

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100

Muitas vezes o pessoal de limpeza já me perguntou se eu estava

esperando algum professor, por eu estar na sala dos

professores e eu ter que explicar que eu sou professora e, por

isso, estou aqui e posso estar aqui. (Entrevistada H)

Todavia, diante da questão legal que caracteriza como crime o preconceito

racial, as entrevistadas comentaram sobre o cuidado que as empresas e as pessoas têm

direcionado à questão, mas denunciaram alguns casos, bem como manifestaram a

percepção do racismo oculto no ambiente de trabalho:

Antes de entrar no banco, eu prestei seleção em outro banco

com uma menina loira, linda que foi aprovada. Ela não foi

melhor do que eu, pode ter sido igual, melhor não. Eu tenho

certeza absoluta que o desempate foi esse. Porque ela era loira

e linda. (Entrevistada B)

Dizer que eu nunca lidei com o preconceito, até aqui, não é

verdade (...), quando falo com alguém por telefone e a gente

marca uma reunião e quando chega aqui ele vê que você é uma

mulher negra, eu percebo na expressão da pessoa. Às vezes

acho que choca, mas isso me provoca uma satisfação muito

grande. Que ele veja é leve isso pra frente. (Entrevistada C)

Eu tenho um exemplo de um colega de trabalho da instituição

que, durante uma reunião de conselho de faculdade, em que

qual eu tinha que assumir um cargo de gestão, ele sem nenhum

constrangimento, falou: “eu não acredito que você tenha

competência para assumir esse cargo”. Eu sabia porque ele

estava falando isso (...), a gente tem sempre que provar, mas

isso é uma energia desperdiçada, ficar o tempo inteiro se

justificando. Ele disse isso pela questão da raça

especificamente, porque não se tinha nenhuma mulher negra

trabalhando no setor, então ele não me reconhecia como igual,

já que até pouco tempo atrás eu servia café pra ele.

(Entrevistada D)

Eu percebo (no local de trabalho), mas isso não me atinge.

(Entrevistada G)

São coisas que não são explícitas, então é muito difícil de você

dar exemplo. Mas é evidente que existe uma desigualdade que

existe uma diferença no trato, na receptividade de algumas

coisas, na maneira como lida. (...) Passei por manifestações de

dizerem: “pô você tem talento, mas podia dar uma diminuída

no cabelo”. (Entrevistada H)

Em alguns momentos durante a minha trajetória eu fui tratada

com diferença não pelo fator competência, mas pelo fator

aparência, pela cor. Na empresa anterior, o fato de eu ser

negra e entrar em uma sala de reunião de uma presidente,

dependendo das pessoas que eram recebidas naquele local, eu

era vista com outros olhos, diferentemente de uma pessoa que

entrava que era da cor branca. (Entrevistada J)

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101

Outro ponto importante identificado no discurso de uma das entrevistadas é a

presença do sistema de patriarcado que, segundo Safiotti (2004), tem como

característica a dominação-exploração masculina sustentada pela hierarquia de poder e

que transforma as diferenças de gênero em desigualdades, garantindo superioridade

masculina.

Duflo (2011) ressalta o papel da autonomia financeira feminina no

empoderamento das mulheres, no entanto a valorização da mão-de-obra masculina

dificulta a ascensão das mulheres e, consequentemente, reduz as chances de buscar um

equilíbrio nas oportunidades entre homens e mulheres.

Entrei no banco e lá eu fiquei por sete anos, só saí porque eu

trabalhava na diretoria de contabilidade e finanças e lá havia

uma política muito clara de valorização dos homens. Todas as

vezes que eu participei de processos seletivos internos e iam

para a final eu e um ou dois homens, a vaga acabava sendo

preenchida por um homem e isso me desmotivou. Não tive

nenhuma promoção nesse período e ficou muito claro que era

uma questão com as mulheres porque houve uma situação em

uma diretoria que todos os homens quando terminavam a

graduação conseguiam bolsa para um aprimoramento, uma

pós, e quando uma mulher da equipe dessa diretoria solicitou

esse benefício foi negado. (Entrevistada I)

O pujante regime de patriarcado não se revela somente no mercado de trabalho,

mas em todas as esferas de circulação da mulher, privando-a de escolhas, inclusive da

decisão sobre o próprio corpo.

Aí trabalhei nessa casa até os 15 anos, até que um empregado

do armazém do esposo dela tentou abusar de mim sexualmente

(...), aí eu saí correndo na hora, fui lá e falei para o patrão

dele. Não aconteceu nada, ele levou só uma chamada, mas eu

falei com meu pai e aí aconteceu, porque meu pai é super bravo

e tomou partido da situação e me tirou desse trabalho e eu

fiquei desempregada. (Entrevistada A)

Para Aguiar (2007), existe um simbolismo no mundo social e, nesse aspecto, a

cor da pele implica tratamento diferenciado e até mesmo estereótipos que preenchem as

posições estruturais.

Teve m cliente uma vez que os caras ficavam fazendo piadinhas

o tempo todo porque eu era a única menina da equipe e

falavam: “a essa mulata vai pular carnaval” e quando eu disse

que nunca participei de baile de carnaval eu vi a surpresa de

“como não?”. (Entrevistada I)

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102

Quando questionadas sobre o papel da mulher negra no mercado de trabalho, o

entendimento expresso das entrevistadas indiciou uma sensação de desconforto, mas

também de uma importante conscientização coletiva que, a priori, é o abrigo para

qualquer medida efetiva para a redução das desigualdades sociais dessa categoria.

A gente só muda o nome, mas a história de todas nós é igual.

Todas as histórias se repetem. Parece que vivemos num sistema

afunilado como se tivéssemos que passar por isso. A mulher

branca sofre preconceito por ser mulher, mas nós negras (...), é

muito difícil porque vincula a nossa cor a beleza e o negro não

é bonito para ficar à frente tem que ficar só nos bastidores.

(Entrevistada A)

Eu vejo que falta muito e, a mesma satisfação que eu tenho

quando entra alguém aqui e vê uma negra a frente é a mesma

satisfação que eu tenho quando vejo que a mulher negra está

tendo espaço no mercado, mas é muito pouco. (Entrevistada C)

A última na cadeia alimentar. Quando todo resto já se

alimentou dos trabalhos importantes e densos o que sobrar é

pra ela. Primeiro o homem branco, a mulher branca, o homem

negro e por último a mulher negra. Então, ela é a última e

realmente ela está desfavorável, ganha menos e não tem

legitimidade, ela tem que provar o seu valor. Agora, a questão

é que a gente precisa, no Brasil, tirar um pouco desse discurso

de vitimização e estudar. Não adianta você ficar lá no seu lugar

e achar que aquele é a parte que te cabe naquele latifúndio e

ficar lá. Você tem que se movimentar se não o bicho pega.

(Entrevistada D)

Aqui no Brasil é complicado. É terrível, temos que galgar mais

e mais rápido, depressa. Você percebe que tem ambientes que o

negro não entra e isso me deixa muito chateada. (Entrevistada

E)

Eu não gosto de focar que o negro é coitadinho e que então ele

não tem espaço. Eu sei da dificuldade que é para o negro a

inserção no mercado de trabalho, mas eu acho que a mulher

tem conquistado seu espaço, não por conta da cor da pele, mas

porque ela é competente e ela sabe o que ela tem que fazer. É

complicado, você sempre é visto diferente! É desigual! É difícil.

Primeiro a mulher já tem uma distinção que é difícil de crescer.

A mulher negra, você vê que as coisas começam acontecer, mas

o crescimento e o envolvimento ainda são muito pequenos.

Precisa discutir mais, se colocar mais. Não é um papel

expressivo. Falta uma junção de entendimento dos espaços e

planejamento. O negro muitas vezes se vitimiza. As pessoas de

modo geral falam que a culpa é do outro e não minha e quando

você fala de negros e das mulheres você também tem que

assumir a responsabilidade do empoderamento e do ato

político. Algumas coisas são atos políticos e você não pode

deixar de entender que são atos políticos e quando você se

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103

expõe, você age, você se empodera, você aparece e faz questão

de estar ali. Então, se expor faz parte do processo de

empoderamento e crescimento porque as pessoas precisam se

ver. Esse é o papel da mulher negra, de se empoderar.

(Entrevistada H)

Inferior. Ainda é muito inferior. Eu vejo pessoas muito bem

qualificadas e eu acho que essas pessoas conseguem em um

determinado momento mostrar sua qualidade e ganhar espaço,

mas o que eu percebia há algum tempo atrás era um

comodismo pelo menos das pessoas ao meu redor.

(Entrevistada I)

4.2.4. Inclinações Profissionais

As inclinações profissionais foram apoiadas na associação de valores pessoais

destacando as âncoras de carreira, a autoimagem e autoavaliação da carreira e da

profissão atual, extraindo a natureza das entrevistadas, qualidades e satisfação

profissional.

No que diz respeito às âncoras de carreira, no discurso de todas as entrevistadas,

foi possível encontrar características da âncora mapeada. Inclusive, para a entrevistada

que apresentou empate na definição da primeira âncora, foi possível reconhecer ao

menos um elemento de afinidade de cada uma, conforme citações a seguir:

Eu sempre gostei de ensinar, eu fiquei dois anos ensinando em

escola pública paralela ao meu emprego atual, em periferia,

quando aquelas crianças aprendiam eu ficava deslumbrada

com aquilo. (Entrevistada B, âncora VS)

(...) porque até agora eu só trabalhei e sucesso profissional

para mim é a satisfação pessoal. (Entrevistada C, âncora EV)

Sempre me preocupou o escutar, o ouvir o paciente, o examinar

e encaminhar para a especialidade certa (Entrevistada E,

âncora VS)

Eu sentia falta de criar, eu queria criar. Hoje trabalho como

design, sou decorada, coisas que vou desenvolvendo nos

horários livres. Eu gosto de criar. (...). (...) eu também sou

estilista de calçados. É um ramo que também eu estou

investindo e agora estou tentando fazer a confecção de

calçados. Algumas coisas eu faço pra mim e outras para pessoa

que me pedem. Não é o que você gosta, mas o que o outro

deseja, tem que escutar a história da pessoa, cada um tem uma

história de vida e, a partir do momento que ela me conta a

história de vida, eu transformo naquilo que ela gostaria de ter.

No trabalho administrativo você tem um protocolo para cumpri

que não te dá à possibilidade de criar. (Entrevistada G, âncora

CE/VS)

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Para mim, sucesso é ter autonomia para mostrar do que eu sou

capaz. O cargo é bom, mas se eu tivesse um pouco mais

autonomia eu ficaria mais feliz, isso pra mim é sucesso

profissional. (Entrevistada J, Âncora AI).

Contrapondo-se ao perfil da Geração Y, que de modo comum tem como

tendência afinidades do perfil de Estilo de vida, integrando as necessidades pessoais,

família e carreira; conforme pesquisas já realizadas como, por exemplo, a de TIEPPO

(2011), foi identificada em uma das entrevistadas, de 33 anos, a âncora de

Segurança/Estabilidade (SE), em simetria com sua história de vida e com sua

preferência por trabalho estável.

(...) porque com os históricos que eu já tinha isso pra mim foi

nada, porque pra mim pelo menos eu estava lá e embora fosse

um contrato, eu tinha as minhas garantias. (...) vai ser difícil

para enfrentar uma carreira pública, só que hoje eu estou forte

para atravessar essas dificuldades. (Entrevistada A, âncora SE)

Segundo Schein (1996), as inclinações profissionais têm sua importância

sustentada na carreira interna alinhada à identidade da pessoa, uma vez que a âncora

predominante revela valores dos quais constituem a autoimagem profissional da pessoa,

deixando clara a importância desses elementos para a definição das inclinações

profissionais.

Eu tenho um perfil de honestidade comigo mesma, e eu comecei

a ver coisas erradas e absurdas que me fez pedir demissão. Eu

sempre tive o feeling para detectar erros, foi exatamente isso

que me fez ganhar bem em tão pouco tempo (...). Para mim,

sucesso profissional é eu me sentir bem. (Entrevistada I, Âncora

EV)

Eu sou responsável, eu sou respeitada, as pessoas confiam em

mim. (Entrevistada B, Âncora VS)

Eu sou muito criativa e gosto de criar, isso me move.

(Entrevistada G, Âncoras CE/VS)

Eu gosto de lidar com gente (Entrevistada D, Âncora VS)

Utilizando-se das respostas das entrevistadas sobre autoavaliação da carreira, foi

possível elaborar a subcategoria “atuação profissional atual”, última da categoria

“associações dos valores pessoais”, indicando a percepção com a satisfação com a

presente carreira. Nesse sentido, mais uma vez, o autoconhecimento tem papel

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relevante, pois a pessoa consciente de si norteia suas decisões em conformidade com

seus valores e, segundo Goleman (2002) e Martins (2011), essa bússola pessoal pode

evitar situações desgastantes que as distanciam do sucesso e bem-estar psicológico.

Alguns pontos eu adquiri experiência, tudo foi difícil até aqui e

vai ser difícil passar na OAB. Meu curso é minha maior

realização pessoal, estou fazendo o que gosto. (Entrevistada A)

Satisfeita. Em tudo que eu trabalhei eu dei o melhor de mim.

(Entrevistada B)

Não. Porque eu não considero que eu construir uma carreira.

Sinto como se faltasse algo. Até agora eu só trabalhei e eu

busco a satisfação. (Entrevistada C)

Muito esforço, muita queda, muito chão, muito trabalho, mas

hoje eu me sinto exitosa, porém não totalmente plena, porque

eu acho que a plenitude é a morte. Sempre vou buscar mais.

(...) sinto satisfeita, mas ainda posso buscar mais, quero buscar

mais. Tem demandas que ainda precisam ser satisfeitas.

(Entrevistada D)

Eu gostaria de ter me aprofundado um pouco mais, ter feito

outras especializações (...). Me sinto satisfeita. Acho que eu

acho que tenho um pouco de missionária, gosto de ajudar e a

minha profissão só me proporcionou isso. (Entrevistada E)

Estou satisfeita porque as coisas funcionaram como eu achei

que tinha que funcionar (...) eu gosto do que eu construir na

minha carreira, eu me encontrei no que eu sou, principalmente,

porque eu acho que é difícil as pessoas acharem o que elas

gostam. (Entrevistada H)

Para mim diante de todo o cenário que eu nasci e cresci eu vejo

como positivo. Ficou um sentimento de insatisfação durante

muitos anos, mas o trabalho atual, por ser dinâmico, mudou um

pouco isso. Meu sonho pessoal eu crio outras formas de

realizar: canto na igreja, comecei a aprender violão e estudar

piano. São formas paralelas que viraram hobby e que hoje é a

forma como eu vejo essa parte artística. (Entrevistada I)

Eu avalio que estou indo bem, mas ainda falta muito, eu quero

mais, eu almejo mais, mas estou feliz com o que consegui até

agora, eu evoluí muito. Não estou satisfeita completamente

porque com o meu esforço até o momento eu acho que poderia

ter tido um pouco mais de reconhecimento. Para mim, sucesso é

ter autonomia para mostrar do que eu sou capaz (...) isso pra

mim é sucesso profissional. (Entrevistada J)

Na sequência, constam as considerações finais desta pesquisa.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa pautou-se no objetivo de analisar a percepção da mulher negra

sobre a própria carreira, apoiando-se nos seguintes objetivos específicos que

desempenharam importante papel para o desenvolvimento desse trabalho:

Identificar a noção de processo de desenvolvimento profissional

(planejamento de carreira).

Mapear as pretensões de carreira das pesquisadas, investigando possível

redirecionamento da carreira.

Verificar os possíveis obstáculos relacionados aos elementos gênero e raça

durante o desenvolvimento da carreira.

Identificar as âncoras de carreira, associando as inclinações profissionais

com as atribuições atuais e as expectativas de carreira mapeadas.

Para alcançar os objetivos propostos, dois instrumentos de coleta de dados foram

utilizados nessa pesquisa o Roteiro de entrevista semiestruturada (Anexo B) e o

Inventário de âncoras de carreiras (Anexo C) que captaram as mais sutis manifestações,

produto da percepção dessas mulheres sobre suas vidas pessoais e profissionais. Dessa

forma, os discursos coletados das entrevistadas foram processados e estruturados na

Matriz de Análise de Conteúdo (disponível no capítulo 3 – Procedimentos

Metodológicos desta Pesquisa) e, por meio dessa organização, foram analisadas as

inferências produzidas nesse processo que codificou e categorizou o conteúdo mapeado.

A aplicação do Inventário de Âncora de Carreira permitiu o mapeamento das

inclinações profissionais das entrevistadas, e o resultado da tabulação foi apresentado

através de estatística descritiva que apresentou um panorama geral das âncoras

identificadas e subsidiou outras análises.

A delineação da pesquisa contou com a apresentação inicial do trabalho em

aderência com os objetivos, justificativa e matriz de amarração da pesquisa, adotada

como um instrumento de consistência metodológica; precedido dos capítulos

subsequentes reservados à literatura de apoio, com abordagens extensivas acerca da

carreira e do posicionamento da mulher negra no mercado de trabalho, sendo, na

sequência, apresentados os procedimentos metodológicos da pesquisa para a coleta de

dados, critérios de análise e interpretação dos dados coletados.

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Por meio da interpretação das informações sobre as mulheres negras

entrevistadas foi possível obter maior conhecimento sobre suas condições de vida,

dinâmica profissional, bem como suas dificuldades para adentrar e prosperar no

mercado de trabalho. Ademais, essa pesquisa evidenciou sobre a importância de se

pensar em medidas de intervenção voltada para a redução das desigualdades que

atendam aspectos específicos das mulheres negras, discutindo com elas e sobre elas.

Outra questão não menos importante consiste nos comentários tecidos por essas

mulheres sobre como as questões da entrevista as fizeram refletir sobre suas vidas,

pessoal e profissional, ou de como é relevante discutir sobre a mulher negra. A fala de

uma das entrevistadas registrou essa evidência:

Nunca tinha parado para pensar na minha vida profissional e

pessoal dessa maneira. Essa conversa me fez pensar em muitas

coisas. Não sei por onde começar, mas essa conversa me fez

pensar no que eu não quero. Não sei o que quero, mas sei o que

não quero. (Entrevistada C)

De modo geral, considerando a literatura e a análise dos dados, conclui-se que

não há novidade sobre as desigualdades que afligem a mulher negra, pois essas

continuam ingressando no mercado de trabalho precocemente e em ocupações precárias,

como é o caso da maioria das entrevistadas que iniciaram suas trajetórias profissionais

no trabalho doméstico desviando, ainda que temporariamente, de suas inclinações e

expectativas.

Ainda assim, cabe destaque à conscientização percebida no discurso das

entrevistadas com relação ao papel da mulher negra na sociedade, reclamando e

despontando novos conceitos e deixando de ser percebida como secundária, sendo isso

fruto da maneira encontrada por elas para superar as intermitências e vencer os resíduos

da discriminação.

Dessa maneira, embora as entrevistadas não tivessem, no início de suas

trajetórias, circunstâncias propícias ao desenvolvimento da carreira, reflexos de uma

sociedade flexível às diversas mudanças, mas resistente à diversidade, elas viram nos

estudos o instrumento responsável pela transformação do meio ao qual pertenciam,

preparando-as para experimentar ambientes mais complexos e desafiadores em suas

trajetórias profissionais.

Apesar da ausência de oportunidades e da obrigatoriedade de se encaixarem no

mercado de trabalho, inibindo-as de planejarem suas carreiras, as respostas obtidas

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foram coerentes com as âncoras de carreira identificadas e, ainda que tenham

apresentado dificuldades para o desenvolvimento de trajetórias correspondentes às suas

âncoras, a maioria das entrevistadas tem formação acadêmica aderente às inclinações e

com a intenção de redirecionar suas atividades profissionais em busca da satisfação.

Aliás, a satisfação profissional, ou a busca dela, esteve presente nas falas de

todas as entrevistadas como uma preocupação velada, ampliando seus horizontes e não

mais aceitando condições que as levem à simples sobrevivência e aos lugares

predeterminados pela sociedade.

Por fim, cabe destacar sobre a importância do planejamento como medida

canalizadora dos esforços, uma vez que, de maneira geral, todas as entrevistadas que

tiveram essa possibilidade seguiram trajetórias de acordo com suas expectativas,

buscando o crescimento dentro da profissão atual.

Outro ponto relevante, em conformidade com a literatura, está no fato de que

quase todas as entrevistadas escolheram, como formação, profissões em áreas com

predominância feminina como: desenvolvimento educacional e social.

A timidez em revelar as histórias repletas de sentimentos foi entendida como

uma das limitações do estudo que somente avançou à medida que se estabelecia uma

relação de confiança entre a pesquisada e a pesquisadora. Além disso, a abordagem de

grupo focal sugerida como uma das possibilidades para a coleta dos dados não pode ser

utilizada por entender que esse método geraria mais restrição, pois as entrevistadas não

se sentiriam à vontade para expor suas vidas diante de colegas de trabalho.

Como estímulo a pesquisas futuras, sugere-se a ampliação do contingente de

entrevistadas, estendendo-se o estudo às mulheres brancas e negras, possibilitando um

comparativo que analise como as dificuldades e desigualdades de carreira se comportam

diante da diversidade.

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Page 119: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

119

ANEXO A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidada a participar da pesquisa intitulada Carreira na percepção da mulher

negra. Sua participação é muito importante, porém, não é obrigatória. Durante a pesquisa, você

poderá desistir de participar e a retirada de seu consentimento não acarretará prejuízos.

Cabe ressalvar que a pesquisa não implica riscos, remuneração ou gastos às participantes; e sua

colaboração consistirá na concessão de entrevista e preenchimento de inventário sobre

inclinações profissionais, contribuindo empiricamente para melhorar o conhecimento sobre a

carreira deste público.

Os dados obtidos serão utilizados para fins acadêmicos, com publicação nos meios acadêmicos

e científicos, e as informações que possam identificá-la serão mantidas sob sigilo.

Diante do exposto, se houver concordância, preencha o campo a seguir e assine ao final deste

documento.

Eu, _____________________________________, RG __________________, CPF

_________________________ dou meu consentimento livre e esclarecido para participar como

voluntário de pesquisa, sob responsabilidade de IARA VIEIRA ROCHA, mestranda, sob

orientação do Prof. Dr. Leonardo Nelmi Trevisan, membro do Programa de Estudos Pós-

Graduados da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Aceito esse Termo de

Consentimento e estou ciente de que o objetivo da pesquisa é: analisar a carreira de mulheres

negras identificando o processo de planejamento e as pretensões profissionais; e os obstáculos

relacionados ao gênero e raça durante o desenvolvimento da carreira, além das inclinações

profissionais das pesquisadas.

_______________________________________ __________________________

Participante – assinatura Local e data

__________________________________________________

Iara Vieira Rocha – Pesquisadora responsável

_______________________________________ __________________________

Testemunha 1 - nome e assinatura Testemunha 1 – RG e CPF

_______________________________________ __________________________

Testemunha 2 - nome e assinatura Testemunha 2 – RG e CPF

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120

ANEXO B – Roteiro da entrevista

Nome:

Profissão/Cargo atual:

Tempo de trajetória profissional:

1. Descreva sua trajetória profissional.

2. Você planejou sua carreira ou tem a noção de que os eventos profissionais aconteceram

naturalmente?

3. Como você avalia sua trajetória profissional?

4. Profissionalmente, como e onde você se imagina daqui a dez anos?

5. Durante sua trajetória profissional, você percebeu desigualdades de oportunidades

relacionadas ao gênero e a raça? (Em caso afirmativo, descreva).

6. Se houve enfrentamento de obstáculos relacionados à discriminação, poderia explicar

como influenciaram suas decisões profissionais?

7. Como você avalia o papel da mulher negra no mercado de trabalho?

8. Nesse momento, você está satisfeita com a sua carreira? Por quê?

9. Você desenvolve algum trabalho paralelo? Se sim, o que a levou a isso?

Page 121: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

121

ANEXO C – Inventário das orientações de carreira

ÂNCORA DE CARREIRA

O inventário a seguir é um instrumento para a identificação de suas âncoras de carreiras.

Ao respondê-lo, você contribuirá com a pesquisa que tem por finalidade identificar as

inclinações profissionais, associando-as com suas atribuições atuais e as expectativas de

carreira. Por gentileza, seja a mais honesta possível e evite pontuações extremas quando não

tiver absoluta certeza de ter sentimentos definidos em outra direção.

Como classificar os itens

Para cada um dos próximos 40 itens a seguir, avalie o quanto cada um se aplica a você,

atribuindo-lhe um número de 1 a 6, conforme a escala de classificação abaixo. Quanto maior o

número, mais esse item reflete o que você verdadeiramente pensa a seu respeito.

Se a afirmação

jamais se aplica a

você

Se a afirmação

ocasionalmente

se aplica a você

Se a afirmação

frequentemente

se aplica a você

Se a afirmação

sempre

se aplica a você

1 2 ou 3

3

4 ou 5

5

6

____ 1.

Sonho em ser tão boa no que faço que minha opinião de especialista será sempre

solicitada.

____ 2. Sinto-me mais realizada em meu trabalho quando consigo integrar e dirigir o

trabalho de outras pessoas.

____ 3. Sonho em ter uma carreira que me dê a liberdade de executar o meu trabalho a meu

modo e dentro do meu horário.

____ 4. Segurança e estabilidade são mais importantes para mim do que liberdade e

autonomia.

____ 5. Estou sempre procurando ideias que me permitam iniciar meu próprio negócio.

____ 6. Sinto-me bem em minha carreira apenas quando tenho a sensação de ter feito uma

contribuição real para o bem da sociedade.

____ 7. Sonho com uma carreira na qual eu possa solucionar problemas ou vencer com

situações extremamente desafiadoras.

____ 8. Prefiro sair da empresa onde estou a ocupar um cargo que prejudique a

possibilidade de satisfazer meus interesses pessoais e familiares.

Page 122: Carreira na Percepção da Mulher Negra Vieira Roch… · Iara Vieira Rocha Carreira na Percepção da Mulher Negra Mestrado em Administração Dissertação apresentada à banca

122

____ 9. Só vou achar que minha carreira é um sucesso se puder aperfeiçoar minha

capacidade técnica ou funcional até o mais alto nível de competência.

____ 10. Sonho em dirigir uma organização complexa e tomar decisões que afetem muitas

pessoas.

____ 11. Sinto-me mais realizada em meu trabalho quanto tenho total liberdade de definir

minhas próprias tarefas, horários e métodos.

____ 12. Prefiro sair da empresa onde estou a aceitar um cargo que coloque em risco minha

segurança.

____ 13. Acho mais importante tocar minha própria empresa do que ocupar um alto cargo

administrativo em uma empresa alheia.

____ 14. Sinto-me mais realizada em minha carreira quando posso utilizar meus talentos a

serviço dos outros.

____ 15. Sinto-me realizada em minha carreira apenas quando enfrento e supero desafios

extremamente difíceis.

____ 16. Sonho com uma carreira que me permita conciliar minhas necessidades pessoais,

familiares e profissionais.

____ 17. Tornar-me diretora técnica em minha área de especialização é mais atraente para

mim do que tornar-me uma diretora geral.

____ 18. Somente vou achar que minha carreira é um sucesso se me tornar diretora de

alguma organização.

____ 19. Somente vou achar que minha carreira é um sucesso se conseguir total autonomia e

liberdade.

____ 20. Procuro empregos em organizações que me proporcionem uma sensação de

segurança e estabilidade.

____ 21. Sinto-me realizada em minha carreira quando tenho a oportunidade de construir

alguma coisa que seja resultado unicamente de minhas ideias e esforços.

____ 22.

Acho mais importante utilizar minhas aptidões para fazer deste mundo um lugar

melhor para se viver e trabalhar do que para alcançar uma posição gerencial de alto

nível.

____ 23. Sinto-me mais realizada em minha carreira quando soluciono problemas

aparentemente insolúveis ou venço em situações muito adversas.

____ 24. Somente acho que minha vida está sendo bem-sucedida quando consigo equilibrar

minhas necessidades pessoais, familiares e de carreira.

____ 25. Prefiro sair da empresa onde estou a aceitar um cargo em esquema rotativo que me

afaste da minha área de especialidade.

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____ 26. Tornar-me diretora geral é mais atraente para mim do que ocupar o cargo de

diretora técnica do primeiro escalão na minha área de especialização.

____ 27. Mais do que segurança, considero importante a oportunidade de realizar o trabalho

a meu modo, livre de regras e limitações.

____ 28. Sinto-me mais realizada em meu trabalho quando percebo que tenho total segurança

financeira e estabilidade no emprego.

____ 29. Somente vou achar que minha carreira é um sucesso se conseguir criar ou construir

algo que seja uma produção ou ideia de minha inteira autoria.

____ 30. Sonho em ter uma carreira que faça uma real contribuição à humanidade e à

sociedade.

____ 31. Procuro oportunidades profissionais que desafie minha capacidade de solucionar

problemas e/ou minha competitividade.

____ 32. Equilibrar as exigências da minha vida pessoal e profissional é mais importante do

que alcançar alta posição gerencial.

____ 33. Sinto-me mais realizada em meu trabalho quando sou capaz de empregar minhas

aptidões e talentos.

____ 34. Prefiro sair da empresa onde estou a aceitar um cargo que me afasta da carreira

administrativa.

____ 35. Prefiro sair da empresa onde estou a aceitar um cargo que reduza minha autonomia

e liberdade.

____ 36. Sonho em ter uma carreira que me permita sentir de segurança e assegure

estabilidade.

____ 37. Sonho em iniciar e montar meu próprio negócio.

____ 38. Prefiro sair da empresa onde estou a aceitar um cargo que prejudique minha

capacidade de ser útil aos outros.

____ 39. Acho mais importante solucionar problemas quase insolúveis do que alcançar uma

alta posição administrativa.

____ 40. Sempre procurei oportunidades profissionais que interferissem o mínimo possível

em meus interesses pessoais e familiares.

Nesse ponto, reveja suas respostas e localize todos os itens aos quais você atribuiu as

mais altas pontuações. Selecione os TRÊS itens que mais se aplicam a você e acrescente a

cada um desses itens mais QUATRO pontos. Agora você pode classificar seu questionário.

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Quadro de Pontos

Copie no espaço abaixo os números que você atribuiu a cada um dos itens. Não se

esqueça de acrescentar os quatro pontos para os três itens que mais se aplicam a você. Some os

números de cada coluna e divida esse total pelo número de itens na coluna (cinco). A média

resultante é sua autoavaliação de quão verdadeiros os itens nesta escala são para você.

TF AG AI SE CE VS PD EV

1. ___ 2. ___ 3. ___ 4. ___ 5. ___ 6. ___ 7. ___ 8. ___

9. ___ 10. ___ 11. ___ 12. ___ 13. ___ 14. ___ 15. ___ 16. ___

17. ___ 18. ___ 19. ___ 20. ___ 21. ___ 22. ___ 23. ___ 24. ___

25. ___ 26. ___ 27. ___ 28. ___ 29. ___ 30. ___ 31. ___ 32. ___

33. ___ 34. ___ 35. ___ 36. ___ 37. ___ 38. ___ 39. ___ 40. ___

Total

___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___

÷5 ÷5 ÷5 ÷5 ÷5 ÷5 ÷5 ÷5

Média

___ ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___