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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE HISTÓRIA CARREIRAS NO VALE DO TAQUARI: AS CORRIDAS DE CAVALO EM CANCHA RETA Emanuele Amanda Scherer Lajeado, junho de 2014

CARREIRAS NO VALE DO TAQUARI: AS CORRIDAS DE CAVALO EM ... · O estudo trata das corridas de cavalo em cancha reta na região do Vale do Taquari e tem como objetivo identificar características

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

CURSO DE HISTÓRIA

CARREIRAS NO VALE DO TAQUARI: AS CORRIDAS DE CAVALO

EM CANCHA RETA

Emanuele Amanda Scherer

Lajeado, junho de 2014

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Emanuele Amanda Scherer

CARREIRAS NO VALE DO TAQUARI: AS CORRIDAS DE CAVALO

EM CANCHA RETA

Monografia apresentada na disciplina de

Trabalho de Conclusão de Curso II, do

Curso de História do Centro Universitário

UNIVATES, para obtenção do título de

Licenciado em História.

Orientador: Prof. Dr. Luís Fernando da Silva

Laroque

Lajeado, junho de 2014

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AGRADECIMENTOS

À minha família, por me ensinar o valor da educação e por me educar com

princípios e valores que me guiaram até aqui.

Ao meu namorado, Alexandre, pelo apoio, companheirismo e paciência

durante a realização deste trabalho.

Ao professor Luís Fernando da Silva Laroque, que aceitou ser meu orientador

e dedicou muito do seu tempo a me auxiliar e me aconselhar em aspectos

acadêmicos e também profissionais.

A todos os professores do Curso de História da UNIVATES, pelos

conhecimentos compartilhados ao longo da minha trajetória como graduanda.

Aos entrevistados que abriram suas portas para me receber e compartilharam

comigo suas memórias.

Aos meus amigos e colegas de trabalho, pelo apoio, conselhos e muitas

risadas.

Foram muitos aqueles que contribuíram para realização desse trabalho. A

todos que, de alguma forma, me auxiliaram na minha trajetória pessoal, profissional

e acadêmica estendo esses agradecimentos.

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RESUMO

O estudo trata das corridas de cavalo em cancha reta na região do Vale do Taquari e tem como objetivo identificar características e singularidades na realização de carreiras de cavalos, no que se refere a corridas em cancha reta, e suas contribuições para a formação histórica, social e cultural do Vale do Taquari. A pesquisa utilizou-se do método qualitativo e os procedimentos metodológicos consistiram em levantamento de fontes bibliográficas e documentais, elaboração de diários de campo e entrevistas com base na metodologia da história oral, com participantes das carreiras de cancha reta de alguns dos municípios das porções norte, centro e sul da região do Vale do Taquari. Os dados foram analisados embasados em aportes teóricos que estudam a cultura e a memória, tais como Barth ([1968] 2000), Geertz (1978), Santos (1983), Pollak (1989; 1992) e Nora (1993). As corridas de cavalo em cancha reta constituem uma tradição desde a introdução do cavalo no Rio Grande do Sul. Na região onde se localiza o Vale do Taquari, predominantemente formada por descendentes de imigrantes açorianos, alemães e italianos, as corridas de cavalo em cancha reta foram realizadas nos mesmos moldes das tradicionais carreiras das regiões de campanha, somente atualizando alguns dos seus elementos culturais. Palavras-chave: Carreiras em Cancha Reta. Vale do Taquari. Tradição. Grupos étnicos.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – Colonização do Vale do Taquari ............................................................... 44 Mapa 2 – Localização das Canchas e Hípicas pesquisadas ..................................... 47

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Gráfico das vantagens de vitória no momento da chegada ..................... 37 Figura 2 – Proprietário posando ao lado de seu cavalo ............................................ 51 Figura 3 – Compositor ao lado de um animal que venceu várias corridas em canchas ...................................................................................................................... 55 Figura 4 – Crianças desempenhando a função de jóquei ......................................... 57 Figura 5 – Jóquei “segurando” o cavalo nas balizas de chegada .............................. 58 Figura 6 – Juiz a postos na baliza de chegada ......................................................... 59 Figura 7 – Dois parelheiros montados por seus jóqueis. O terceiro homem à esquerda era Henrique Britzki, que atuava como subdelegado acompanhando as carreiras da região .................................................................................................... 62 Figura 8 – Carreira na cancha do Sr. Eduardo Porto ................................................ 67 Figura 9 – Jogo da pedra ou Arremate em carreira na cancha de Linha Clara ......... 77 Figura 10 – Comprovante de aposta do Jogo da Pedra ou Arremate entregue ao apostador .................................................................................................................. 78 Figura 11 – Explicação sobre Arremate em uma hípica ............................................ 79 Figura 12 – Jogo da Pedra ou Arremate sendo organizado antes da carreira em Linha Clara ................................................................................................................ 80 Figura 13 – Caixas onde ocorre a largada dos animais ............................................ 85

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 7 2 O HOMEM E O CAVALO ....................................................................................... 20 2.1 O homem e o cavalo ao longo da história ....................................................... 20 2.2 O Cavalo no Rio Grande do Sul ....................................................................... 28 2.3 As corridas de cavalo em cancha reta ............................................................ 32 3 A CANCHA RETA NO VALE DO TAQUARI ........................................................ 42 3.1 As canchas do Vale do Taquari ....................................................................... 42 3.2 A cancha reta: ambiente de vivência da tradição ........................................... 49 3.2.1 Grupo dos proprietários de animais ............................................................. 50 3.2.2 Grupo dos Compositores .............................................................................. 53 3.2.3 Grupo dos Jóqueis ......................................................................................... 55 3.2.4 Grupo dos Juízes ........................................................................................... 58 3.2.5 Grupo dos Apostadores ................................................................................ 60 3.3 As relações de gênero ...................................................................................... 64 4 CANCHA RETA: O JOGO E A LEI NO VALE DO TAQUARI ............................... 69 4.1 A carreira e o jogo ............................................................................................. 69 4.2 O sistema de apostas........................................................................................ 75 4.3 A questão da legalidade ................................................................................... 81 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 88 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 93 APÊNDICES ........................................................................................................... 101 APÊNDICE A – Roteiro semi-estruturado de entrevista com participantes de carreiras .................................................................................................................. 102 APÊNDICE B – Roteiro semi-estruturado de entrevista com donos de cancha de carreira .................................................................................................................... 104 APÊNCIDE C – Roteiro semi-estruturado de entrevista com mulheres que frequentavam as carreiras ....................................................................................... 106 APÊNDICE D - Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) ...................... 107

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ANEXOS ................................................................................................................. 108 ANEXO A – Código de Corridas de Cavalos ........................................................... 109 ANEXO B – Lei nº 14.459 ....................................................................................... 110 ANEXO C – Lei nº 14.525 ....................................................................................... 111

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1 INTRODUÇÃO

As carreiras, corridas de cavalo em cancha reta, foram uma prática cultural

amplamente difundida no Rio Grande do Sul desde a introdução do cavalo no século

XVI. Na região do Vale do Taquari os imigrantes e os seus descendentes se

apropriaram dessa atividade já praticada pelos primeiros gaúchos, inserindo-a em

seu cotidiano. Dessa forma, as carreiras constituem uma interessante temática para

a pesquisa envolvendo práticas e tradições culturais da sociedade.

O Vale do Taquari é composto por trinta e seis municípios, sendo que um

considerável número destes possui história relacionada à tradição da cancha reta.

Há canchas que estão em funcionamento ainda na atualidade. Outras, porém, foram

desativadas, mas as histórias vividas naqueles espaços permanecem na memória

dos seus frequentadores. Essa prática, portanto, não se desenvolveu de forma

isolada nem apenas por um determinado grupo de imigrantes, uma vez que as

corridas eram realizadas periodicamente, em vários municípios, sendo muito comum

os participantes circularem por várias canchas diferentes levando seus animais para

competir.

O universo próprio que se forma em torno de uma corrida de cavalos nos

moldes das carreiras é repleto de significados singulares, proporcionando um estudo

das complexas relações que se estabelecem naquele espaço e a partir dele, tais

como relações de gênero e relações de poder. O universo das carreiras teve suas

próprias leis, regras e vocábulos tradicionalmente mantidos durante séculos através,

principalmente, da tradição oral.

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O estudo proposto nesse trabalho dará enfoque ao período compreendido

entre o final do século XIX e a segunda metade do século XX. A década de 1880

será o marco inicial, pelo fato de ser a época de inauguração do Prado Estrelense, o

mais antigo prado de que se tem notícia no Vale do Taquari. Como limite final foi

estabelecida a segunda metade do século XX, em decorrência do número das

canchas de carreira ter considerável diminuição. A delimitação espacial compreende

os municípios de Marques de Souza, Teutônia, Estrela, Paverama, Progresso,

Arvorezinha, Vespasiano Corrêa e Taquari, que fazem parte da região do Vale do

Taquari, Rio Grande do Sul, na forma de sua organização política atual.

As corridas de cavalo em cancha reta eram uma atividade comum na

campanha1 do Rio Grande do Sul desde a chegada dos primeiros cavalos, mas o

Vale do Taquari, embora se constituísse uma região de imigração, também manteve

essa tradição da cultura gaúcha ao longo de sua história. O problema de pesquisa

que levantamos é: sabido que as carreiras em cancha reta são atividades da

campanha, como se explica serem encontradas, constituírem-se prática e adquirirem

representação cultural em uma área de imigração, como é o caso do Vale do

Taquari?

Em relação ao problema levantado, apresentamos a seguinte hipótese: há

fontes que indicam a presença oficial das canchas no Vale do Taquari desde o

século XIX, portanto os colonizadores imigrantes que chegaram na região se

apropriaram dessa prática cultural já existente, mas inseriram nela uma série de

elementos e concepções que traziam consigo, modificando-a em alguns aspectos e

dando continuidade a outros.

O objetivo geral deste trabalho é identificar características e singularidades na

realização de carreiras de cavalos no que se refere a corridas em cancha reta e

suas contribuições para a formação histórica, social e cultural do Vale do Taquari.

Dentre os objetivos específicos pretendemos: a) elaborar o histórico das carreiras no

Rio Grande do Sul a partir de uma revisão bibliográfica; b) caracterizar as carreiras,

corridas de cavalo em cancha reta, difundidas no Vale do Taquari; c) analisar como

a prática de corridas de cavalo em cancha reta repercute em aspectos culturais da

1 Região sudoeste do Rio Grande do Sul, caracterizada pela produção agropecuária.

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sociedade do Vale do Taquari; d) analisar as relações socioculturais que se

estabelecem a partir das carreiras.

Justifica-se a importância do estudo pelo fato das carreiras em cancha reta

serem uma prática na região do Vale do Taquari e alcançarem longo tempo na

história dessa sociedade. Percebe-se que houve uma diminuição do número de

canchas nos municípios que compõem o Vale, assim como a frequência com que

essas corridas ocorrem é menor, mas ainda assim na atualidade as carreiras

representam uma atividade cultural relevante e movimentam grande parte da

sociedade.

Salienta-se também que existe uma quantidade relativa de pesquisas que

tratam do tema em termos de Rio Grande do Sul, mais precisamente sobre a região

da capital, Porto Alegre, porém poucos estudos tratam das carreiras no Vale do

Taquari. Na maioria dos casos são crônicas ou breves capítulos de livros de história

regional. Sabe-se que a história das carreiras no Vale do Taquari difere

substancialmente da de outras regiões, como Porto Alegre, em que ocorreu um

processo de profissionalização e esportivização das corridas de cavalo, o que não

pode ser sentido no Vale do Taquari.

É interessante também destacar a singularidade da formação étnica da região

em questão, constituída em sua maioria por imigrantes de origem portuguesa, alemã

e italiana que integraram às suas tradições uma prática amplamente difundida nas

regiões de campanha, que eram as corridas em cancha reta. Podemos observar

muitas semelhanças entre as corridas nessas duas regiões, principalmente no que

diz respeito aos vocábulos de carreira. As corridas constituem uma atividade cultural

em que é possível observar e perceber diferentes manifestações e aspectos da

sociedade, como as relações de gênero e de poder que estão presentes e muito

latentes nesse meio.

Aprovada em janeiro de 2014 pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio

Grande do Sul, a Lei 14.459 declara as Carreiras de Cavalo em Cancha Reta

integrantes do Patrimônio Histórico e Cultural do Rio Grande do Sul. Segue trecho

da justificativa encaminhada pelo Deputado Edgar Pretto:

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Defendemos aqui um bem cultural imaterial, onde as carreiras de cancha reta se enquadram como uma manifestação cultural, que é confirmada e legitimada pela historia da formação do povo gaúcho, onde antes mesmo da utilização da bombacha já existiam nos finais de semana, preenchendo tardes com muita diversão, como encontros sociais. O famoso jogo de osso, as fartas carpas com uma rica gastronomia, onde ficaram ilustres os pasteis de carreiras, se criando um dito popular quando um produto tem uma alta venda, se diz: “vendeu mais que pastel em carreira”, as apostas nas patas dos parelheiros – cavalos da competição – enfim, momentos que fizeram e fazem parte do nosso cotidiano como em versos de composições tradicionalistas de musica, poemas e trovas (RIO GRANDE DO SUL. Assembleia Legislativa. Projeto de Lei 223 2012, texto virtual).

Dessa forma, reafirma-se a importância de que se façam estudos sobre essa

temática, nas suas mais diversas especificidades.

A pesquisa sobre as corridas de cavalo em cancha reta no Vale do Taquari

possibilitará também compreender como essa sociedade se manifesta em situações

que possuem uma organização característica singular, uma lei própria, nas quais o

que é aceitável na sociedade em geral não é aceitável durante uma carreira, ou vice-

versa, pois as carreiras possuem um complexo ritual de realização e

desenvolvimento, podendo constituir-se como uma possibilidade de análise cultural

interessante.

A concepção de cultura utilizada neste trabalho é a proposta por Geertz

(1978), a qual não está condicionada ao espaço geográfico, ou seja, porção norte,

centro ou sul do Vale do Taquari. Não estamos desconsiderando as peculiaridades

de cada espaço geográfico, mas é importante salientar que não foi o único fator.

Vários outros elementos também influenciaram na formação cultural dos grupos

étnicos da região em estudo.

Analisando a complexidade de realizar um estudo que se proponha a

interpretar uma atividade cultural de um determinado grupo inserido em um contexto

mais amplo, torna-se fundamental deixar bem explícito que, quando nos propomos a

lançar um olhar sobre uma cultura, o fazemos do lugar que ocupamos no mundo.

Neste sentido, somente compreenderemos uma situação que presenciamos se

nossa construção cultural tiver possibilitado o reconhecimento de algum ato presente

naquele contexto.

[...] o que achamos de nossos dados são realmente nossa própria construção das construções de outras pessoas, do que elas e seus compatriotas se propõem [...] a maior parte do que precisamos para compreender um acontecimento particular, um ritual, um costume, uma

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ideia, ou o que quer que seja está insinuado como informação de fundo antes da coisa em si mesma ser examinada diretamente (GEERTZ, 1978, p. 19).

Em vista disto, o único que pode lançar um olhar “de dentro” para a cultura de

um grupo é aquele que está inserido nela como sujeito, aquele que se constitui

como parte dela. Cabe ao historiador lançar um segundo olhar, considerando aquilo

que é visto pelo grupo em questão. Assim sendo, apoiaremo-nos em relatos de

depoentes para adentrar o universo singular das corridas.

Um comportamento isolado não caracteriza uma cultura ou uma atividade

cultural de um grupo. É, assim, interessante perceber aspectos como intensidade,

participação social, valorização da cultura por parte do próprio grupo. Dessa forma

teremos condições mais seguras de compreender a importância de determinada

atividade para aqueles homens que durante tanto tempo a repetiram. Os artefatos

contribuem significativamente na medida em que são representações construídas

pelo próprio grupo cultural e refletem a sua percepção de si mesmo (GEERTZ,

1978).

A História Cultural não se propõe a estabelecer comparativos e traçar roteiros

pelos quais os grupos sociais passaram, nossas interpretações não podem repousar

em argumentos seguros, até mesmo porque a cultura não se mostra como algo

mensurável e muito menos imutável (GEERTZ, 1978). Não é possível criar conceitos

referentes a uma cultura nacional, primeiro porque as fronteiras políticas são

totalmente arbitrárias quando utilizadas para compreender parâmetros culturais, já

que o território é percebido de formas diferentes por grupos distintos. Segundo

porque, dentro do mesmo território, teremos a existência de culturas diferenciadas

associadas a práticas regionais, religiosas, étnicas, geográficas e tantas outras. No

estudo proposto utilizaremos como referência a fronteira política, por ela nos

possibilitar trabalhar com amostras dos principais grupos étnicos que constituíram

essa sociedade.

Entendemos como grupos étnicos aqueles que partilham uma identidade,

supondo que há grupos humanos que partilham essencialmente da mesma cultura e

há diferenças que distinguem essas culturas de todas as outras, reconhecendo que

não há correspondência simples entre as unidades étnicas e as semelhanças e

diferenças culturais (BARTH, [1969] 2000). Nesse sentido, as fronteiras étnicas

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adquirem função de oportunizar situações de contato entre pessoas de diferentes

culturas, persistindo as diferenças culturais dos grupos étnicos apesar da interação

entre eles.

É ainda interessante destacar que, mesmo fazendo uma análise

“microhistórica” de uma cultura, não se pode compreendê-la apartada do seu

contexto maior. Ela é parte de um todo, não ocorre em um segmento isolado, não se

dá de maneira separada dos outros aspectos sociais, mas sim ocorre como parte

deles. As carreiras representam uma característica cultural do Rio Grande do Sul,

em que o contexto é um definidor. Suas particularidades regionais vão se definindo

por meio de características singulares que formam os grupos em cada região. As

peculiaridades de um determinado grupo social só têm essa forma porque este

grupo está inserido socialmente em um meio maior e esse meio interfere nas suas

relações sociais e culturais.

Cada análise cultural séria começa com um desvio inicial e termina onde consegue chegar antes de exaurir seu impulso intelectual. Fatos anteriormente descobertos são mobilizados, conceitos anteriormente desenvolvidos são usados, hipóteses formuladas anteriormente são testadas, entretanto o movimento não parte de teoremas já comprovados para outros recém-provados, ele parte do tateio desajeitado pela compreensão mais elementar para uma alegação comprovada de que alguém a alcançou e a superou (GEERTZ, 1978, p. 35).

Ao falar em cultura estamos também falando dos sujeitos que fazem parte

dela e que a vivem, e esses sujeitos têm memórias. Entendemos memória não como

algo imóvel no tempo, como uma fotografia do passado. As memórias carregam

histórias de vida individual. O que Pollak (1992) chama de memórias “vividas por

tabela” são memórias transmitidas por meio de interlocutores, mas são tão reais

quanto as primeiras, pois dizem respeito tanto a vivências individuais como de

grupos, já que a memória “[...] é, em parte, herdada, não se refere apenas à vida

física da pessoa. A memória também sofre flutuações que são função do momento

em que ela é articulada, em que ela está sendo expressa” (POLLAK, 1992, p. 4). Da

mesma forma, os acontecimentos vivenciados por um grupo são compreendidos de

forma diferenciada por cada indivíduo. Cada um impregna suas lembranças com as

suas vivências, de forma que um relato sobre o mesmo dia pode ser completamente

diferente para duas pessoas que estavam no mesmo local.

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A memória e a identidade são valores que estão constantemente em conflito.

Essas relações são tensas porque a memória também serve como uma forma de

reconhecimento de membros de um mesmo grupo, uma forma de criar uma

identidade coletiva, uma identificação com um espaço, com um acontecimento, com

uma ideologia, até mesmo com um partido político.

Os silêncios que percorrem nossas falas também são portadores de

discursos. Portanto, conforme Thompson (2002), é imprescindível que o

entrevistador tenha a capacidade de ficar calado e escutar, permitindo assim que o

depoente tenha mais autonomia e, por consequência, mais segurança em sua fala.

Sobre isso temos:

O longo silêncio sobre o passado, longe de conduzir ao esquecimento, é a resistência que uma sociedade civil impotente opõe ao excesso de discursos oficiais. Ao mesmo tempo, ela transmite cuidadosamente as lembranças dissidentes nas redes familiares e de amizades, esperando a hora da verdade e da redistribuição das cartas políticas e ideológicas (POLLAK, 1989, p. 3).

Em alguns casos, principalmente de grupos que historicamente são

oprimidos, os silêncios também são formas de manifestação. Nas carreiras, quando

se fala da presença feminina, os silêncios são mais frequentes, possibilitando um

estudo do papel ocupado pelas mulheres nesse cenário, aparentemente mais

relacionado à submissão.

Geertz (1978) realiza um estudo sobre as rinhas de galo em Bali fazendo uma

análise antropológica dos costumes balineses e das representações culturais

presentes nessa atividade. Traçando um paralelo entre o trabalho de Geertz e as

corridas de cavalo, podemos dizer que ambas são representações muito cruas das

organizações sociais:

[...] a briga de galos se expressa com mais força sobre as relações de status, e o que ela expressa a esse respeito é que se trata de assunto de vida ou morte. O fato de que o prestígio é assunto profundamente sério torna-se evidente em qualquer lugar de Bali – na aldeia, na família, na economia, no Estado. Uma fusão particular de títulos polinésios e de castas hindus, a hierarquia do orgulho constituiu a espinha dorsal da sociedade em termos morais. Entretanto, é somente nas brigas de galo que os sentimentos sobre os quais repousa essa hierarquia se revelam em suas cores naturais. Envolvidos, nos outros lugares, numa névoa de etiqueta, uma nuvem espessa de eufemismo e cerimônia, de gestos e alusões, aqui eles se expressam sob o disfarce muito tênue da máscara animal, uma máscara que na verdade os revela muito mais do que os oculta (GEERTZ, 1978, p. 314).

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Ao observar as corridas de cavalo, assim como as rinhas de galo, há uma

identificação do homem com o animal, profunda a ponto de ambos confundirem-se

um com o outro. Dessa forma o homem mostra-se despido de algumas normas

morais e é possível realizar um estudo dos traços culturais marcantes nas corridas

de cavalo em cancha reta.

Para o desenvolvimento dessa pesquisa utilizaremos fontes documentais

como o acervo digitalizado do jornal O Taquaryense, fotografias dos acervos de

depoentes, estatutos de corridas de cavalo, legislações e fontes bibliográficas.

Não são muitas as bibliografias que tratam especificamente do tema da

pesquisa, portanto utilizaremos como referências também obras que tratam das

características dos gaúchos primitivos, assim como de sua formação, relatos de

viajantes que passaram pelo sul do Brasil e obras que tratam do cavalo.

O francês Saint-Hilaire, em viagem à então Província do Rio Grande do Sul,

no ano de 1820, relata que na região de Viamão todos possuíam um grande número

de cavalos, mas que eram muito maltratados. Já sobre Rio Pardo o viajante escreve

que existia uma grande preocupação com os equipamentos dos cavalos a ponto de

seus proprietários gastarem grande parte de sua renda em estribos, freios e

retrancas de prata.

O “Preparo do Cavallo de Carreira ou Guia do Compositor” (1989), da autoria

de Joaquim Alencastre, Capitão da Cavalaria Ligeira da Província do Rio Grande do

Sul, escrito em 1882, destina-se a fazer uma narrativa minuciosa dos cuidados que

devem haver com os cavalos destinados às carreiras desde sua descendência até

sua alimentação, treinamento e exercícios.

A preocupação com o uso do cavalo crioulo em carreiras foi manifestada por

D. M. Riet no ano de 1918 na sua publicação “O Cavallo crioulo – problema de

defesa nacional” (1918). De acordo com o autor, é raro que um cavalo de corrida

chegue aos seis anos de idade sem que apresente algum defeito. Assim, resta

comprometido o cruzamento desses cavalos, acarretando-lhes uma falta de

rusticidade. O autor argumenta que o uso do cavalo crioulo para as corridas o

desvirtua da sua real origem.

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“O cavalo na formação do Brasil” (1964), de José Alípio Goulart, merece

destaque entre as obras que tratam do cavalo no Brasil. Sua singularidade está nos

estudos que o autor faz sobre a introdução do cavalo social e econômico no país. O

autor dedica um subcapítulo de sua obra às carreiras.

Aparício Silva Rillo, na obra “‘Já se viram!’ – História, Tradição, Folclore e

atualidade da Cancha Reta no Rio Grande do Sul” (1975), apresenta um panorama

das corridas em cancha reta principalmente nas regiões fronteiriças, com

importantes fontes documentais.

Guilhermino César, no estudo “História do Rio Grande do Sul: Período

Colonial” (1979), destaca a corrida em cancha reta como um dos principais

divertimentos dos gaúchos no século XVIII, na chamada Era do Couro, juntamente

com o jogo do osso.

As publicações referentes ao cavalo gaúcho e às corridas em cancha reta se

multiplicam na década de 1980 como, por exemplo, Carlos Castillo, que publica “O

Cavalo Gaúcho” (1983) em que retrata a figura do cavalo do Rio Grande do Sul.

Lothar Francisco Hessel escreve o livro “O município de Estrela: história e

crônica” (1983), onde menciona artigo do jornal O Taquaryense de 5 de janeiro de

1888 que trata da existência de um prado na cidade de Estrela, no Vale do Taquari,

inaugurado com apresentação de um estatuto que regulamentava as corridas de

cavalo e velocípedes.

Dante de Laytano dedica um capítulo de “Folclore do Rio Grande do Sul”

(1984) ao gaúcho e ao cavalo, no qual referencia o terceiro e último número da

revista Querência (Porto Alegre) ao falar dos Termos e Expressões de Carreira.

Descreve uma extensa lista de termos específicos utilizados nas corridas de cancha

reta e também das raças de cavalos que participavam dessa prática cultural.

As carreiras, enquanto prática cultural e social do povo gaúcho, são

destacadas na obra de Raul Anes Gonçalves intitulada “Mala de Garupa (Costumes

Campeiros)” (1984) em que é descrita a atuação dos diferentes segmentos da

sociedade rio-grandense e seu envolvimento nas corridas: as mulheres que

preparavam os alimentos, os guris que carregavam balaios, fazendeiros que traziam

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seus parelheiros, gaúchos montados em lindos cavalos, um subdelegado que fazia o

policiamento e as comadres que cochichavam.

No estudo “O Gaúcho a pé – um processo de desmitificação” (1985), da

autoria de Elizabeth Rizzato Lara, as corridas de cavalo são citadas como uma das

diversões dos gaúchos primitivos.

Edilberto Teixeira publica o estudo “Dicionário gaúcho do cavalo” (1987) em

que apresenta uma série de termos e conceitos típicos das carreiras de cavalos.

Com as mesmas características se destaca a obra “Dicionário de regionalismos do

Rio Grande do Sul” (1996) de Zeno Cardoso Nunes e Rui Cardoso Nunes.

Tau Golin, no estudo “O povo do pampa: uma história de 12 mil anos do Rio

Grande do Sul para adolescentes e outras idades” (1999), descreve em um breve

capítulo de quatro páginas o cenário das corridas, assim como seus principais

personagens.

Rodolfo Roberto Schroeder publica o estudo “Pelas trilhas do passado” (1999)

onde relata alguns casos envolvendo as corridas em cancha reta no Vale do

Taquari. No ano seguinte Gino Ferri publica “A história de Encantado em fotografias”

(2000). Nesta obra, do acervo de Hugo Peretti o autor traz a fotografia da chegada

de dois parelheiros em cancha de Encantado. Já a obra “Estrela: Ontem e Hoje”

(2002), de José Alfredo Schierholt, dedica um parágrafo ao Turfe. O autor engloba

também as carreiras sob essa nomenclatura.

“Desvendando o Enigma do Centauro: como a união homem-cavalo acelerou

a história e transformou o mundo” (2008), da autoria de Bjarke Rink, trata da

importância do encontro entre humanos e equinos para o mundo na forma em que o

conhecemos hoje. O autor faz um estudo que se inicia com a domesticação do

cavalo até sua importância na atualidade.

As questões de gênero no turfe são analisadas por Adelman e Moraes no

artigo “Tomando as rédeas: um estudo etnográfico da participação feminina e das

relações de gênero no turfe brasileiro” (2008). O trabalho se baseia em uma

pesquisa etnográfica realizada no Jockey Club do Paraná em que as autoras

acompanham o árduo esforço da mulher para conquistar o seu espaço nesse meio.

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“Em busca da identidade luso-brasileira no associativismo esportivo em Porto

Alegre no princípio do século XX” (2009), da autoria de Janice Zarpellon Mazo e

Tiago Oviedo Frosi, publicado na Revista Brasileira de Ciência do Esporte, trata dos

primeiros prados da capital gaúcha. Os autores buscam compreender como ocorreu

o confronto de identidades culturais entre as associações esportivas luso-brasileiras

e teuto-brasileiras em Porto Alegre nas primeiras décadas do século XX.

O artigo “Corridas de Cavalo em Cancha Reta em Porto Alegre (1855/1877):

uma prática cultural-esportiva sul-rio-grandense” (2010), da autoria de Ester Liberato

Pereira, Janice Zarpellon Mazo e Vanessa Bellani Lyra, publicado na Revista de

Educação Física da Universidade Estadual de Maringá, aborda como se

desenvolveu a prática de corridas de cavalo em Porto Alegre em um cenário de

pleno desenvolvimento no qual elas eram incentivadas. Inicialmente elas ocorriam

na periferia, depois surgiram os primeiros prados e assim as corridas em cancha reta

vão perdendo o seu espaço. O trabalho se utiliza de fontes impressas como o

catálogo da Revista do Globo, acervo e obra comemorativa do Jockey Club do Rio

Grande do Sul.

“Salto alto e botas: representações das mulheres nas práticas equestres em

Porto Alegre/RS reproduzidas pela Revista do Globo (1929-1967)” (2010) é outra

produção de Ester Liberato Pereira e Janice Zarpellon Mazo, publicada na Revista

Fazendo Gênero. O estudo abarca os anos de 1929 a 1967 e a fonte de pesquisa foi

a Revista do Globo. As autoras concluem que entre as décadas de trinta e setenta

Porto Alegre sofria fortes influências europeias e norte-americanas. As mulheres no

contexto do turfe são mostradas com muita elegância e sempre acompanhadas de

uma figura masculina, não sendo atuantes nessa modalidade esportiva.

Do mesmo ano data a publicação “Um olhar histórico sobre a emergência dos

primeiros clubes esportivos na cidade de Teutônia, no Rio Grande do Sul” (2010) da

autoria de Cecília Elisa Kilpp, Janice Zarpellon Mazo e Vanessa Bellani Lyra. O

artigo publicado na Revista Pensar a Prática estuda o surgimento dos clubes

esportivos na cidade de Teutônia, destacando-se, para fins desse estudo, o trecho

em que fala dos prados para corridas em cancha reta. No ano seguinte Janice

Zarpellon Mazo, Ester Liberato Pereira e Carolina Fernandes da Silva publicam na

revista Motriz o artigo “Revista do Globo: as mulheres porto-alegrenses nas práticas

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equestres” (2011) no qual fazem uma análise da participação feminina nos esportes

envolvendo o cavalo a partir da pesquisa no acervo da Revista do Globo.

Dentre as publicações mais recentes destacamos a dissertação do Programa

de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da UFRGS de Ester

Liberato Pereira, “As práticas equestres em Porto Alegre: percorrendo o processo de

esportivação” (2012). O trabalho acompanha as corridas de cavalo desde seu início

até a esportivização ocorrida no século XX na capital.

A pesquisa proposta é qualitativo-exploratória (GIL, 2002) e se configura

como uma análise do tipo característico utilizado pela história cultural. No trabalho

também foi utilizada a pesquisa de campo através da metodologia da História Oral.

O trabalho com História Oral prevê uma série de cuidados metodológicos devido à

singularidade inerente a essa prática. O método possibilita que o pesquisador tenha

acesso à memórias e informações ausentes em outras fontes de pesquisa, lidando

com aspectos como subjetividade, emoções e cotidiano (FERREIRA; AMADO,

2002). Foram realizadas nove entrevistas identificadas como EA, EB, EC, ED, EE,

EF, EG, EH, EI e EJ, com três descendentes de açorianos, quatro descendentes de

alemães e três descendentes de italianos, os quais tiveram sua identidade

resguardada. As entrevistas foram feitas conforme roteiros semiestruturados

(APÊNDICES A, B e C), gravadas em áudio e posteriormente transcritas. O roteiro

semiestruturado permite que o entrevistador tenha segurança quanto aos aspectos

fundamentais da entrevista, mas não limita a entrevista a estas questões,

possibilitando que o diálogo transcorra por novos dados que vão sendo

apresentados. É imprescindível que o entrevistador tenha a capacidade de ficar

calado e escutar, permitindo assim que o depoente tenha mais autonomia e por

consequência mais segurança em sua fala (THOMPSON, 2002).

Como metodologia de trabalho consolidada a História Oral requer o uso de

procedimentos que qualifiquem as entrevistas como fontes orais. Por isso os

entrevistados dessa pesquisa foram selecionados segundo critérios que atestem a

importância das suas contribuições para a mesma, levando em consideração

região/municípios de circulação, grau de envolvimento com as práticas de corrida

em cancha reta, questões de gênero e grupos sociais envolvidos. Na perspectiva de

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considerar toda a subjetividade presente nos discursos dos depoentes, nos atemos

para o seguinte:

A consideração do âmbito subjetivo da experiência humana é a parte central do trabalho desse método de pesquisa histórica, cujo propósito inclui a ampliação, no nível social, da categoria de produção dos conhecimentos históricos, pelo que também se identifica e solidariza com muitos dos princípios da tão discutida “história popular” (LOZANO, 2002, p. 16).

Os entrevistados assinaram um Termo de Consentimento Livre Esclarecido

(APÊNDICE D) onde consta sua concordância em participar da pesquisa. A

pesquisa também contou com fontes como diários de campo (Diário de Campo 1,

Diário de Campo 2, Diário de Campo 3, Diário de Campo 4, Diário de Campo 5,

Diário de Campo 6, Diário de Campo 7 e Diário de Campo 8) com anotações feitas

pela pesquisadora em visita às canchas de carreira pesquisadas e às casas dos

depoentes.

A estrutura do texto está dividida da seguinte forma: introdução, que

apresenta a temática da pesquisa, a metodologia e o referencial bibliográfico

utilizado na mesma; segundo capítulo, “O homem e o cavalo”, que trata das relações

sociais, políticas, econômicas e culturais da humanidade com o cavalo nas

diferentes épocas da história, sua introdução no Brasil e Rio Grande do Sul e o

desenvolvimento das carreiras, as corridas de cavalo em cancha reta; terceiro

capítulo, “A Cancha Reta no Vale do Taquari” em que se estudam as canchas da

região do Vale do Taquari, os personagens das carreiras e as relações de poder e

gênero estabelecidas nesse espaço; quarto capítulo, “Cancha reta: o jogo e a lei no

Vale do Taquari”, que trata da relação entre as carreiras e os jogos de azar, o

sistema de apostas e as legislações que falam das corridas de cavalo;

considerações finais, em que se apresentam as constatações feitas sobre as

relações entre os grupos étnicos e as carreiras no Vale do Taquari, assim como sua

realização e continuidade na atualidade.

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2 O HOMEM E O CAVALO

A complexa relação entre humanos e cavalos moldou aspectos fundamentais

da sociedade que conhecemos na atualidade. Seja na locomoção, na guerra, na

economia, na política ou na cultura, a presença do cavalo modificou a estrutura da

forma de vida humana.

Neste capítulo estudaremos a história das relações entre homens e cavalos

em diferentes épocas, assim como sua introdução no Brasil e no Rio Grande do Sul

e a formação da tradição das corridas de cavalo em cancha reta.

2.1 O homem e o cavalo ao longo da história

Os primeiros cavalos já percorriam as planícies europeias e asiáticas anos

antes do surgimento do homem, mas essas planícies não foram seu habitat natural.

Segundo Lima, Shirota e Barros (2006), os ancestrais do cavalo moderno surgiram

no continente americano durante a Era Cenozóica. Após milhões de anos de

evolução surgiu o gênero Equus, que migrou para a Europa e para a Ásia através de

ligações terrestres que existiam naquele período. Há 8.000 anos os cavalos

americanos foram extintos, e as causas dessa extinção ainda são desconhecidas

(LIMA; SHIROTA; BARROS, 2006).

Conforme Lerner (1998) os cavalos atuais do gênero Equus apareceram há

aproximadamente um milhão de anos. Esses animais deram origem a três tipos de

cavalos: 1) O cavalo da floresta: ancestral dos cavalos usados em tarefas pesadas,

tinha um andar lento e cascos grandes e fortes adaptados aos pântanos europeus;

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2) O cavalo asiático: conhecido também como przewalski, em homenagem ao

polonês que o descobriu, existe até a atualidade; 3) O cavalo tarpã: animal que deu

origem às raças mais velozes que conhecemos nos dias atuais (LERNER, 1998).

As espécies de equinos, durante seu processo evolucionista, passaram por

modificações e adaptaram-se ao ambiente. Sem possuir grandes presas, garras ou

um aparelho inocular, os equinos desenvolveram a capacidade de atingir em poucos

segundos uma velocidade que lhes permitia fugir de seus predadores. O aparelho

anatômico dos equinos colabora para que o animal possa percorrer longas

distâncias em alta velocidade, assim:

[...] toda a fisiologia do cavalo gira em torno da sua velocidade. Em outras palavras, o cavalo evoluiu em função de agilidade, velocidade e resistência. A sua sobrevivência bem sucedida por 58 milhões de anos pode ser atribuída ao aperfeiçoamento constante do seu aparelho locomotor, em consequência do qual todo o resto - sistema de alimentação e comportamento social - se adaptou (RINK, 2008, p. 26).

A união entre homem e cavalo modificou a forma com que o ser humano se

relacionava com o ambiente. Na literatura há a figura mitológica do centauro, criatura

que possui a cabeça humana e o corpo de equino, cuja união provocou a junção de

duas características fundamentais para compreendermos a dominação humana. No

imaginário mitológico o centauro representa uma criatura com inteligência humana e

velocidade animal, combinação que deu ao homem um poder sem igual. A palavra

Centauro significa guardião do gado, e possui um sentido ambíguo:

[...] a mitologia grega é ambígua em relação ao Centauro – às vezes apresentando-o como um inimigo traiçoeiro e, em outros momentos, como inteligente, conhecedor da equitação, caça, música e medicina. A razão para essa dualidade de atitude é que o Centauro – o guerreiro das estepes – era, quando amigo, o mais precioso e, quando inimigo, o mais perigoso (RINK, 2008, p. 54).

A fascinação do homem pelo cavalo pode ser percebida em diferentes épocas

e na utilização em diversas funções. Ele é mencionado na mitologia, na história, na

literatura, no esporte, na guerra, no trabalho e, de certa forma, podemos dizer que o

cavalo acompanhou de muito perto a trajetória humana no planeta. As culturas são

produto da interação do homem com o meio, portanto a interação do homem com o

cavalo é um fator formador de cultura. Recorrendo a Santos (1983, p. 15) temos que

a “[...] diversidade das culturas existentes acompanha a variedade da história

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humana, expressa possibilidades de vida social organizada e registra graus e formas

diferentes de domínio humano sobre a natureza”.

Os primeiros povos que utilizaram o cavalo para a montaria foram os povos

nômades das estepes eurasianas (cimmerios, citas, hunos, turcos magiares e

mongóis). Inicialmente foi utilizado para a locomoção, o que lhes garantiu a

possibilidade de percorrer maiores extensões territoriais, invadindo e dominando

áreas dominadas por outros povos. O cavalo montado por um homem também era

utilizado para o controle de outros bandos de cavalos.

Os povos sedentários precisaram buscar novas estratégias militares para se

defenderem dos ataques velozes das cavalarias nômades que, contando com a

agilidade oferecida pelo cavalo, reuniam condições para combates mortais. O

período que se seguiu ficou conhecido como “Ciclo dos Centauros” e teve início por

volta de 1.500 a. C. (RINK, 2008).

O cavalo não foi apenas uma arma de guerra ou um veículo de transporte, por

isso provavelmente se distingue de tantas outras descobertas humanas que se

tornaram obsoletas. O cavalo passou a integrar as distintas sociedades humanas,

bem como a fazer parte de suas tradições e de sua cultura, representando para

cada grupo símbolos próprios e distintos. Dessa forma, a simbologia do cavalo está

presente em diversas manifestações culturais mundo afora. Tratando-se de

fenômeno que passa a ter significados conforme os elementos da tradição das

sociedades, temos:

Lendas ou crenças, festas ou jogos, costumes ou tradições – esses fenômenos não dizem nada por si mesmos, eles apenas o dizem como de uma cultura, a qual não pode ser entendida sem referência à realidade social de que faz parte, à história de sua sociedade (SANTOS, 1983, p. 47).

Durante a Idade Média surge na Europa a emblemática figura do cavaleiro

medieval, homem que tinha como função proteger reis e reinos em troca de terras e

riquezas. Segundo Duby, era o cavaleiro da Idade Média que gozava da maior

liberdade naquela sociedade.

O cavaleiro goza os prazeres do corpo. A função que desempenha autoriza-o a passar o tempo entre prazeres que são também uma forma de fortalecimento do treino. A caça - por isso, as florestas, as áreas reservadas a esse jogo de aristocratas, se fecham aos arroteadores, o banquete: empanturrar-se de caça enquanto o homem comum morre de fome, beber,

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e do melhor vinho, cantar, folgar, entre camaradas, para que se estreite, à volta de cada senhor, o grupo dos seus vassalos, bando truculento que é preciso constantemente manter alegre. Esporear um bom cavalo na companhia dos irmãos, dos primos, dos amigos. Berrar horas a fio entre a poeira e o suor, desfraldar todas as virtudes de seus braços. Identificar-se com os heróis das epopeias, com os antepassados cujas proezas é preciso igualar. Subjugar o adversário, capturá-lo, para o espoliar. No arrebatamento, chegar por vezes a matá-lo. Embriaguez da chacina. O gosto do sangue. Destruir e, chegada a noite, o campo juncado de mortos: eis a modernidade do século XI (DUBY, 1989, p. 17-18).

O cavaleiro medieval desfrutava de um poder e de um status que lhe permitia

desenvolver dominação frente aos camponeses, já que a posição social que ele

ocupava era temida e admirada. Neste contexto, ora tido como assassino, ora como

herói, o cavaleiro é a personificação do poder da união entre homem e animal.

Sobre a sociedade medieval Le Goff transcreve um manuscrito florentino do

século XIII, conforme segue:

O Diabo tem IX filhas, que casou

a simonia com os clérigos seculares

a hipocrisia com os monges

a rapina com os cavaleiros [...] (LE GOFF, 1995, p. 18).

Este trecho ilustra a associação dos cavaleiros com as pilhagens e furtos, o

que contrasta com uma visão tradicional honrosa dos cavaleiros. Assim, o cavalo é

uma ferramenta utilizada como forma de manter a dominação diante dos mais

fracos, e o cavaleiro é um personagem ganancioso que toma aquilo que lhe

interessa.

O fato de vencer uma guerra ou uma batalha dava ao cavaleiro um prestígio

social que lhe garantia uma série de privilégios, como bebidas, festas e mulheres.

Porém, estar no campo de batalha lhe trazia riscos mortais ou a possibilidade de

ficar gravemente ferido. As demonstrações de coragem em corridas e competições

equestres foram uma boa alternativa para os homens garantirem um status

privilegiado na sociedade sem correrem tantos riscos.

Há uma gama extensa de variações esportivas envolvendo o cavalo: a corrida

de cavalos, a corrida de biga, o polo, a caça a cavalo, a justa2, a caça à raposa, as

2 Competição marcial com dois cavaleiros montados (RINK, 2008).

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corridas com obstáculos, os enduros equestres, a arquearia montada, entre outros

(RINK, 2008). Todas essas variações têm em comum a busca pela excelência, a

prova de que o homem aliado ao cavalo possui a capacidade de vencer barreiras

intransponíveis sem essa união. A relação estabelecida historicamente entre homem

e cavalo é uma relação de poder.

A necessidade humana de arriscar-se para afirmar a sua virilidade é uma das

bases da relação entre esses dois seres fisicamente distintos. Inicialmente

precisamos entender o conceito de dominação. Atrelada à doma do animal, é uma

forma de afirmação da submissão da natureza perante o ser humano. O animal que

era selvagem passa a ser controlado, e antes do enfrentamento entre os homens há

o enfrentamento entre homem e animal.

Durante uma corrida de cavalos o homem está constantemente reafirmando

seus próprios limites e seu lugar na sociedade. No momento da corrida quem está

no controle da situação é o jóquei: o cavalo responde aos estímulos externos que

sofre. Simbolicamente, além da dominação da natureza pelo homem, há também o

embate entre o homem que deverá manter o controle sobre o cavalo e a disputa

contra os adversários da corrida com o objetivo de cruzar primeiro a linha de

chegada. O significado destas reações pode ser ampliado para além das corridas de

cavalo para compreendermos muitas relações existentes na sociedade atual, onde o

homem busca constantemente estar no controle, não se submetendo às condições

naturais e se reafirmando enquanto dominador de uns em relação aos outros.

A necessidade humana de autoafirmação na prática de jogos é analisada por

Jacques Le Goff como uma atividade usual na Idade Média:

Uma vez satisfeitas as necessidades essenciais de subsistência e, quanto aos ricos, as exigências – não menos essenciais – do prestígio, pouco ficava aos homens da Idade Média. Sem se preocuparem com o bem-estar, sacrificavam tudo às aparências quando isso estava nas suas possibilidades. As suas únicas alegrias profundas e desinteressadas eram as festas e os jogos, mas, nos grandes, a festa era também ostentação e autopropaganda (LE GOFF, 1995, p. 126).

As corridas de cavalo são a personificação da junção de duas grandes

paixões históricas do homem, o cavalo e o jogo. Assim como no Medievo o jogo

desempenha uma função primordial na vida social, é uma forma de conquistar e

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manter status diante do grupo. A vitória traz ao apostador honra e credibilidade que

ele partilha com o seu círculo de apoiadores.

A importância do cavalo ficou impregnada na cultura dos povos ibéricos.

Exemplo disso é o culto ao cavalo na Espanha e em Portugal. A situação da

Península Ibérica frente à frequente possibilidade de invasões inimigas fez surgir

uma nobreza guerreira. Os reis, assim, se preocupavam em manter gente de cavalo

para lutar em suas guerras, davam em troca da honra da cavalaria terras e quantias

em dinheiro.

[...] era a posse do cavalo que sustentava o título de cavaleiro concedido pelos capitães d’África, ou pelo vice-rei da Índia, tanto assim que, para confirmá-lo, El-Rei exigia a prova de que o titulado servira, com cavalo e armas, o mínimo de seis meses (GOULART, 1964, p. 17).

Levando em consideração a rigidez da estrutura social europeia nesse

período, é surpreendente observar que a posse de um animal pudesse favorecer

um crescimento na condição social. Os plebeus tinham na posição de cavaleiro a

única possibilidade de ascensão. “A Cavalaria e o cavalo se constituíam nas maiores

aspirações do homem; e a inclinação literária era toda no sentido das narrativas de

feitos heroicos de invencíveis ginetes medievos” (GOULART, 1964, p. 26).

No Velho Mundo o cavalo já tinha conquistado um espaço primordial na

manutenção das relações econômicas, sociais, políticas e culturais daquela

sociedade. Sua reintrodução na América se deu de forma conflituosa, através da

invasão dos conquistadores europeus. Durante o processo de conquista da América,

o uso bélico do cavalo mostrou-se uma das principais armas utilizadas pelos

conquistadores espanhóis. O espanto dos povos nativos diante do animal é descrito

em vários relatos de missionários e cronistas. Sobre o papel do cavalo na conquista

temos:

O cavalo fora instrumento indissociável da conquista, ele era o símbolo de enobrecimento dos plebeus e contribuía para remanejar hierarquias sociais. Embora se saiba da utilização de outros animais, nas crônicas de conquista são mais recorrentes as referências aos cavalos, ficando assim mais evidente a sua importância e participação nos acontecimentos (ARAÚJO, 2011, p. 6).

Visando impor a dominação física e psicológica, o cavalo foi usado por Cortés

durante o seu avanço sob o Império Mexicano. Utilizando os próprios signos

mexicanos que viam os cavalos como seres sobrenaturais que guerreavam com

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vontade própria, Cortés usou o imaginário do povo mexicano para impor sua

dominação.

Sabe-se que os naturais do México, apesar da civilização que ali florescia e de outras possessões espanholas na América do Sul, estranharam o cavalo, acreditando inclusive que os invasores eram deuses e que o homem e animal constituíam um só corpo (GOULART, 1964, p. 36).

Para compreender o impacto da introdução do cavalo na América é preciso

considerar as estruturas simbólicas presentes na cultura dos povos pré-

colombianos. As análises das formas simbólicas não podem estar dissociadas dos

acontecimentos sociais e das ocasiões concretas, senão ficarão apenas no campo

da subjetividade (GEERTZ, 1978).

No Brasil, a inserção do cavalo se dá a partir da necessidade de animais para

a lida, na criação de gado e como força motriz para os engenhos de açúcar,

principais atividades econômicas desenvolvidas no período colonial. Há inúmeras

controvérsias sobre a chegada dos primeiros cavalos ao Brasil e sobre qual região

teriam eles galopado primeiro devido à imprecisão dos registros de carga que

acompanhavam as frotas de navios saídas da Europa. Sobre a chegada dos

primeiros animais temos:

Provavelmente, os primeiros cavalos voltados para utilização em solo brasileiro chegaram em 1534, quando D. Ana Pimentel, esposa e procuradora de Martin Afonso de Souza (donatário da Capitania de São Vicente), trouxe diversos animais domésticos das ilhas da Madeira e das Canárias. No ano seguinte, em 1535, Duarte Coelho (donatário da Capitania de Pernambuco) iniciou a criação de animais domésticos no nordeste brasileiro incluindo, provavelmente, alguns cavalos. Oficialmente, a chegada de cavalos no Brasil só foi registrada em 1549. Naquele ano, Tomé de Souza (primeiro governador-geral) mandou vir alguns animais, de Cabo Verde para a Bahia, na caravela Galga (LIMA; SHIROTA; BARROS, 2006, p. 21).

Nos primeiros séculos de colonização portuguesa, além da necessidade

interna da nova colônia, houve interesse em produzir uma frota cavalar no Brasil que

suprisse as carências da cavalaria portuguesa. Portugal ressentia-se da falta de

cavalos para suas forças sediadas em Angola, “não só pelo que o cavalo

representava como arma de guerra como pelo pavor que lhe tinham os negros”

(GOULART, 1964, p. 49). Dessa forma, durante os séculos XVII e XVIII o Brasil foi o

principal fornecedor de montarias para as tropas portuguesas na África.

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No Brasil Colonial e Imperial o cavalo passou a designar status social. Uma

família abastada tinha em suas posses considerável número de animais, dentre eles,

o cavalo. Segundo Goulart o protagonismo do cavalo é visível na economia por meio

do animal de sela, de carga e de tração, cada um desempenhando uma função

específica na construção da economia brasileira do período. Paralelamente às

funções econômicas estão as funções sociais do cavalo, sobre as quais destaca-se:

O cavalo social de sela era o cavalo de stada, de montaria pessoal e exclusiva de seu dono, aristocrata rural, enriquecido pelo açúcar, pelo gado, pelo ouro, pelo café. No Brasil agropecuário, pode-se dizer que até fins do século XIX o cavalo ocupou posição sui generis no panorama aristocratizado que então se divisava. Tal era o excesso de cuidados e desvelos com que o cumulavam que, em alguns casos, até superavam as atenções dispensadas aos membros da família (GOULART, 1964, p. 111, grifo do autor).

Possuir um belo cavalo de sela para a montaria ilustrava a posição social do

indivíduo, indiferente de sua situação econômico-financeira, pois era comum o

endividamento para manter certos luxos como arreios de prata e capas bordadas de

veludo. A posse de um belo cavalo de sela resguardava ao proprietário um lugar na

sociedade aristocrática do Brasil Colonial.

Observa-se que a postura daquele que está montado é um tanto mais segura

e firme do que aquele que vem a pé, ou seja, produz naqueles que o cercam uma

submissão acentuada. Os Senhores de Engenhos do nordeste usavam o cavalo

para acompanhar o trabalho dos escravos nos canaviais, e “o simples patear do

cavalo senhorial bastava para incutir respeito à escravaria, à molecada do eito”

(GOULART, 1964, p. 113).

Na história brasileira da equitação, o início do século XIX merece nossa maior

atenção. Nesse período todas as províncias já estavam ligadas por estradas que

permitiam o acesso das cavalarias, colocando em operação toda a dinâmica

equestre no Brasil. Sobre o desenvolvimento da cavalaria brasileira temos:

Com a vinda do príncipe regente D. João e sua ampla ‘entourage” em 1808, o país se tornou o único das Américas a sediar uma corte europeia completa com cavalaria, desfiles militares e jogos equestres. Na administração de D. João VI são fundadas três coudelarias reais para promover a melhoria das raças cavalares brasileiras. [...] A fundação desses complexos equestres por D. João, talvez as primeiras na história da América do Sul, tem para o Brasil o mesmo significado da inauguração da primeira fábrica de automóveis, 1959, por Juscelino Kubitschek (RINK, 2008, p. 392).

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Nas diferentes regiões brasileiras os equinos figuraram com importância, mas

no sul do país essa situação será ainda mais nítida devido à formação econômica,

política e cultural que deu protagonismo aos cavalos.

2.2 O Cavalo no Rio Grande do Sul

Segundo Castillo (1983), há informações de que a chegada dos primeiros

cavalos à região que atualmente denominamos Rio Grande do Sul ocorreu após a

fundação de Buenos Aires por Dom Pedro de Mendonza, no ano de 1535. Durante

os confrontos pela conquista da Argentina, cerca de setenta e seis cavalos teriam

fugido, se espalhado pelo território e retornado ao modo de vida selvagem. Sua

reprodução espontânea deu origem a extensas manadas que se espalharam pela

Província oriental e chegaram até a campanha do Rio Grande do Sul (CASTILLO,

1983).

Tanto o cavalo quanto o gado espalhado pelo pampa foram objeto de

interesse econômico dos homens que ocupavam essa região, criando um

personagem especializado nessa atividade rural, o gaúcho. Esse típico homem do

pampa, por exemplo, tanto utilizava esses animais para o trabalho como para seu

divertimento, em corridas e rodeios.

O Rio Grande do Sul, desde sua formação como província do Brasil, foi um

território de muitas disputas, tanto por se constituir como território fronteiriço na

região do Prata como também pelas disputas internas que envolviam embates entre

os grupos indígenas que já ocupavam esses territórios e colonizadores que vinham

adentrando cada vez mais pelos interiores. Nesse cenário de província pampeana, a

lida com o gado e a importância do cavalo vão se tornando primordiais.

[...] Essa condição fronteiriça era objeto de grande preocupação para o governo brasileiro e o gaúcho, pois a guerra parecia ser sempre iminente. [...] A política das autoridades nesse sentido consistia em criar núcleos estratégicos de povoamento ao longo da fronteira e assim garantir-se de uma eventual disputa por parte da Argentina, do Uruguai ou do Paraguai (ZARTH, 1997 p. 26-27).

A organização militar da província foi influenciada pelo uso constante da

montaria. Ao promover o alistamento para o serviço militar a pé, o governador da

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então Capitania do Rio Grande no período de 1809 a 1814, D. Diego de Souza,

deparou-se com uma recusa do gaúcho, acostumado desde criança a andar

montado. Com o intuito de solucionar esse problema que atingia a segurança do

estado, conforme Reverbel (1986), D. Diego criou a artilharia montada, que obteve

êxito quanto ao voluntariado, sendo raras as deserções.

As revoluções rio-grandenses foram revoluções a cavalo, principal elemento dessas “patriadas”, como as denominam os uruguaios. As potreadas sempre tiveram dois objetivos: a remonta dos efetivos das forças que a praticaram e a privação de cavalos das forças inimigas, segundo o princípio caudilhesco de que tropa a pé é tropa fora de combate (REVERBEL, 1986, p. 32).

A figura do gaúcho enquanto nomenclatura, conforme Gutfreind (2006, p.

241), surgiu para designar o habitante da zona da campanha que se dedica à

criação de gado, “homens que ‘vagueavam’ pela campanha, tanto trabalhadores

sem emprego como ladrões de gado poderiam receber o mesmo tratamento,

atendendo pelo chamado de ‘gaúcho’”. Segundo um relatório do governador Paulo

Gama, do ano de 1803, estima-se que houvesse em torno de quatro mil “homens

soltos” em meio a uma população de trinta mil habitantes, referindo-se a esses

homens que circulavam pela região de fronteira sem paradeiro certo. Utilizavam

como vestimenta botas de couro de potro, com meio pé, chiripá de algodão, poncho

e na cabeça um chapéu (COSTA; FONSECA; SCHMITT, 2004).

Na lida diária destes homens o cavalo representa algo muito além de um

instrumento de trabalho. Desde os primórdios o gaúcho manifesta o seu grande

apego ao referido animal. A relação entre homens e cavalos é comum nas

referências da historiografia tradicional, que relacionam umbilicalmente a figura do

gaúcho ao cavalo, seu companheiro de todas as horas, seja no trabalho, seja no

lazer (LARA, 1985). A imagem do gaúcho foi sendo construída e moldada a ponto de

ganhar um sentido folclórico, ingressando na literatura e na ficção como “meio

homem, meio herói, sempre acompanhado do seu cavalo, ao ponto de se confundir

com ele, guerreiro impetuoso e machista solitário, um filho do deserto, um centauro

dos pampas, tal como o delineou a traços grossos a mão de Alencar” (GOLIN, 1983,

p. 23).

Na literatura, nos relatos de viajantes e cronistas, o uso do cavalo para a

realização das mais variadas tarefas é mencionado como uma característica do

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modo de vida dos habitantes do Rio Grande do Sul em suas atividades cotidianas,

por mais simples que possam ser, como ilustra Goulart:

Nos enterros, os esquifes eram levados ao cemitério amarrados transversalmente à garupa da montaria. Nenhum peão cumpriria uma ordem que exigisse sua locomoção a cem metros de distância, que logo não chamasse o seu cavalo. As madeiras que necessitavam ser transportadas, colocavam-nas sobre um couro e arrastavam êste pela fôrça do animal. Até a fabricação de manteiga dependia do cavalo: quando o leite estava suficientemente azêdo, punham-no em um saco de couro (bruaca) marrado ao cavalo por uma comprida soga; e o cavaleiro, andando com o animal a passo acelerado, pelo campo, por algum tempo, fazia com que o leite se transformasse em manteiga devido ao sacolo de encontro ao solo. Na debulha do milho e na mistura do barro para fazer tijolos, o cavalo estava presente e atuante (GOULART, 1964, p. 129).

A utilização do cavalo para a realização das tarefas cotidianas na fazenda e

nas atividades de lazer constrói um personagem que atua nos diferentes segmentos

da vida no campo. Ele é o companheiro nas horas de trabalho e acompanha seu

dono nas horas de lazer, de forma que as duas ações se tornaram tão indissociáveis

e paralelas que algumas atividades como a doma passaram a ser consideradas

tanto profissão como lazer. Diferente do que é percebido nas outras regiões do

Brasil, no Rio Grande do Sul as mulheres aprendem desde jovens a montar a cavalo

e demonstram prática na montaria, conforme temos em relatos de Viajante:

Um cavaleiro apeou diante de uma casa e entrou. Mas deu as costas, veio correndo uma menina de uns dez anos e, depois de examinar astutamente se não era observada, saltou, como uma gata sôbre a sela e disparou a galope! Regressou com a mesma rapidez, apeou de um salto e desapareceu, para não ser descoberta a sua travessura (AVÉ-LALLEMANT, 1980, p. 111).

O cavalo para os gaúchos é indissociável da vida cotidiana. No Rio Grande do

Sul não há a ocorrência do cavalo econômico e do cavalo social desempenhando

funções diferenciadas como ocorre nas outras regiões brasileiras. O mesmo animal

desempenha ambas as funções, ou seja, o animal destinado para a lida campeira é

o mesmo usado para o lazer.

Cabe fazer uma ressalva à forma romântica como é vista a relação do gaúcho

com seu cavalo. Segundo Reverbel (1986), sempre foram comuns na campanha rio-

grandense o rigor e a crueldade no trato dos animais de montaria, sendo um

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exemplo disso a antiga doma de potros à moda gaúcha3, uma das mais cruéis

existentes.

O Rio Grande do Sul, devido à sua formação como base pecuária para as

outras regiões do Brasil, aparece nesse cenário como personagem central

produzindo e vendendo cavalos, éguas, mulas e potros que desempenharam

importante função econômica e social em outras regiões brasileiras, como nas

regiões das minas, por exemplo.

Para ilustrar a figuração dos equinos nos inventários de bens dos membros

da alta sociedade rio-grandense, tomamos como referência dois personagens

conhecidos da história gaúcha, Bento Gonçalves da Silva e José Joaquim de

Andrade Neves, o Barão de Triunfo. No inventário post mortem de Bento Gonçalves

os bens animais figuram como terceiro maior percentual, com 22,39%, depois

escravos, 48,56%, e bens de raiz (propriedades), 28,06%. Desses animais, 739 são

bovinos e 330 são equinos. Esses dados apontam uma grande quantidade de

equinos se comparada com a dos bovinos. No inventário do Barão de Triunfo a

proporção é menor, para 136 bovinos há 23 equinos (VOGT; RADÜNZ, 2013). Ou

seja, os cavalos constituem uma importante parcela dos bens dos grandes

proprietários gaúchos durante o período Imperial.

Em muitos casos não temos a informação do número de cavalos que existiam

nas propriedades do sul do Brasil. Pressupõe-se, entretanto, que toda fazenda de

bovinos possui considerável número de equinos, pois os mesmos são fundamentais

nas atividades de pastoreio e por isso figuram em número considerável, assim como

as atividades que desempenham são de fundamental importância para o

desenvolvimento econômico da região.

Na cultura brasileira e gaúcha o cavalo foi introduzido ocupando espaços nas

tradições, festejos e lendas de cada região, integrando a vida e o jeito de ser do

povo brasileiro. O cavalo é elemento presente no folclore de todas as regiões

brasileiras, mas em cada uma delas possui uma representação diferenciada.

As Amazonas, Negrinho do Pastoreio e O Cavalo Encantado são algumas

das lendas que apresentam o cavalo como personagem central. Nos folguedos

3 Onde os potros sofrem a castração (REVERBEL, 1986).

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populares destacam-se as Cavalhadas, o Jogo da Argolinha, a Tourada, a

Vaquejada e a Carreira. Nas crendices temos o Cavalo-Marinho, o Cavalo-sem-

cabeça, o Cavalo do rio, o Cavalo de três pés, o Cavalo fantasma e o Cavalo de São

Jorge (GOULART, 1964).

Ocupando uma posição importante na trajetória do homem, o cavalo

possibilitou o desenvolvimento econômico, social, cultural, bélico e político de

sociedades que marcaram a história da humanidade que, no Rio Grande do Sul,

teve um caráter preponderante. Esse encontro provocou um rompimento nas

barreiras do tempo e do espaço. A sociedade que conhecemos atualmente só existe

devido a esse fabuloso encontro.

2.3 As corridas de cavalo em cancha reta

As carreiras constituem uma prática cultural muito comum em todo o território

do Rio Grande do Sul. Desde a chegada dos primeiros equinos ao território gaúcho,

a prática de corridas de cavalo em cancha reta se configurou como um lazer que

atraía pessoas de todos os grupos da sociedade, sem distinção de classe social e

até mesmo de sexo. As corridas eram uma atividade cultural muito presente:

“constituía uma prática comum entre os cavaleiros, soldados, regulares ou de

piquetes, peões ou mesmo índios missioneiros, a disputa para ver quem era o mais

veloz sobre o cavalo” (PEREIRA; MAZO; LYRA, 2010a, p. 659).

Saint-Hilaire (1987) menciona a existência de cavalos selvagens na região de

Santa Maria e a prática de corridas de cavalo, destacando que esse costume é

comum entre os portugueses e espanhóis, sendo que os primeiros chamam seus

cavalos de corrida de parelheiros. O referido viajante descreve brevemente seu

treinamento, que consiste em serem “[...] preparados para isso durante algum

tempo, presos em estrebaria e treinados diariamente. É o que chamam portugueses

e espanhóis, compor um cavalo” (SAINT-HILAIRE, 1987, p. 340).

Introduzidas no território gaúcho por portugueses e espanhóis, as corridas de

cavalos em cancha reta passaram a constituir um dos lazeres dos habitantes do sul,

como ilustra o trecho destacado:

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Livre de compromissos fixos, por serem intermitentes seus períodos de trabalho, o gaúcho tem grandes períodos de lazer. Mesmo seu trabalho assume um cunho de diversão, um sentido de torneio. Mas, além do trabalho que o gaúcho encara como uma atividade divertida e violenta, nas horas de descanso, ele reúne-se no galpão, ao pé do fogo, para conversar, ou nos bolichos para beber, jogar, apostar carreiras e danças ao som da viola (LARA, 1985, p. 19).

As carreiras em cancha reta e o jogo do osso4 são apresentados como

principais formas de diversão do gaúcho no século XVIII, assim como o rodeio, a

doma e a tropeada (CÉSAR, 1979).

Esses divertimentos são mais frequentemente apontados como atividades

desenvolvidas nas áreas rurais, em regiões onde a lida com os animais é um

trabalho e um passatempo.

O jogo das carreiras é o que mais tem empolgado o campesino gaúcho de todos os tempos e muito mais intensamente na época dos nossos avós, quando o cavalo tinha maior expressão em sua vida. Afeiçoado ao seu pingo, identificado com ele nos trabalhos campeiros, nas viagens e na guerra, o interesse pela vitória do cavalo de sua simpatia chegava a extremos incalculáveis (FREITAS apud LAYTANO, 1984, p. 67-68).

No Rio Grande do Sul do século XIX as atividades de lazer eram ditadas

pelos Estados Nacionais europeus, principalmente França e Inglaterra, onde a ida às

corridas de cavalo no Jóquei Clube se tratava de uma prática frequente. Já no Rio

Grande do Sul as corridas eram mais simples, realizadas em canchas retas com o

controle feito pelos próprios apostadores (RAMOS, 2006).

Segundo Golin (1999), as canchas são áreas capinadas com extensão

variável entre 260 a 400 metros. Ficavam localizadas habitualmente em meio a

terrenos utilizados para a criação de animais, próximas a um rio ou arroio para

possibilitar o refrescamento dos animais e com uma sombra para o seu descanso

(FREITAS apud LAYTANO, 1984). As raias ou trilhos possuem marcações com

estacas e cordas5 para delimitação das áreas específicas onde passarão os cavalos

4 Esse jogo é antigo e simples, ainda praticado no sul. Usa-se um osso do garrão de boi como se

fosse um dado, ele possui dois lados achatados, o mais curto é o azar e o mais comprido é a sorte. Os jogadores ficam em lados opostos e jogam o osso em direção ao centro. Se o lado maior ficar para cima o jogador ganhou, se o menor ficar para cima perdeu, se o osso ficar “deitado” continua-se jogando. A cada jogada é apostada uma quantia de dinheiro, depositada na mão de uma espécie de juiz (GOLIN, 1999, p. 87). 5 Em algumas regiões são passadas mangueiras sob as cordas, sendo chamadas as divisões dos

trilhos de mangas. As canchas podem apresentar somente dois trilhos para carreiras, ou mais para as pencas, corridas com mais de dois animais.

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em disputa. No início e no final da cancha haviam marcas chamadas de balizas6. O

proprietário, que ficava com uma parcela dos lucros obtidos nas apostas das

corridas, podia ser um indivíduo ou uma entidade.

As carreiras aconteciam ao final de um dia comum de trabalho ou poderiam

ser atadas, ou seja, agendadas com antecedência, sendo esta a forma mais

frequente. As carreiras, conforme Gonçalves (1984), podiam se estender por até três

dias. Os cancelamentos ocorriam somente em caso de chuva muito forte.

Dentre os personagens que compunham o cenário das carreiras de cancha

reta convém destacar dois protagonistas, o “compositor” e o “jóquei”. O compositor,

conforme Golin (1999), seria o indivíduo responsável pelo tratamento e preparo do

animal para a competição, sendo algumas de suas tarefas definir a alimentação do

cavalo e os exercícios que o mesmo teria que realizar e treinar arrancadas e

corridas para fortalecer o animal.

Eram os compositores que tratavam os mimados pingos a milho e alfafa fenada, com pasto verde limitado para não ficarem muito aguachados, e submetiam os animais a banhos e a exercícios especiais para adelgaçarem e enrijecerem os músculos. Os exercícios constavam de passeios matinais a cabresto ou montados e durante o dia os parelheiros eram obrigados a trotar em volta de uma estaca, amarrados por uma soga, que em geral, era um leve maneador [...] O treinamento principal constava de exercícios de prática das partidas na cancha, terminando com uma corrida em toda a cancha (FREITAS apud LAYTANO, 1984, p. 68).

O jóquei, também segundo Golin (1999), era quem montava o cavalo na

ocasião da corrida. Essa delimitação das funções do jóquei e do compositor nos

mostra que com o passar dos anos as carreiras foram se tornando mais

competitivas, exigindo de seus participantes um preparo cada vez maior e criando

assim novas profissões no cenário rio-grandense, já que a atividade exigia

especialização. Era de fundamental importância conhecer a origem dos cavalos

destinados às corridas em cancha reta, visando atender o que se esperava desses

animais. No trabalho “Preparo do Cavalo de Carreira ou Guia do Compositor” (1889)

temos o seguinte:

Aquelle que não provem de boa origem, permanece sob a influencia de uma degeneração moral que só lhe pode conceder inefficaz energia, alem de

6 As balizas consistiam em três estacas (ou mais, dependendo do número de trilhos) alinhadas no

início e no final da cancha. Essas estacas serviam de referência para os juízes definirem o vencedor da corrida.

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que, vem acompanhada quasi sempre da mediocridade das qualidades phisicas; elle deve ser rejeitado porque jamais se poderá libertar de tão grandes inconvenientes (ALENCASTRE, 1889, p. 1).

Os cavalos utilizados nas corridas primeiramente eram crioulos, animais

utilizados para o trabalho, com predominância de sangue árabe. Com o passar dos

séculos a raça específica do Cone Sul foi definida e passou a ser muito valorizada

nas atividades de pastoreio (GOLIN, 1999). Sabe-se que inicialmente os animais

que participavam das disputas também eram utilizados no trabalho campeiro, e

somente com o desenvolvimento das corridas como atividade desportiva (e

principalmente como forma de obtenção de lucro) é que esses animais passaram a

ser reservados para a única finalidade de corredores. Sobre a escolha dos cavalos

para corridas em cancha reta:

Já faz muito mais de meio século que foi introduzido neste Estado o cavalo inglês de corridas, em cujo sangue também predomina o árabe. Este tipo de cavalo, porém, foi selecionado para corridas em longo tiro, em hipódromos, enquanto o nosso crioulo foi talhado naturalmente para movimentos rápidos e em cancha curta. O Campeiro o escolhia pelo lance “bem rasgado de baixo”, que permitisse ao animal mais longas braçadas: pelas ventas bem abertas, para maior capacidade de respiração, mais fôlego e pelos aprumos dos membros (FREITAS apud MEYER, 1975, p. 62).

Havia também o que se pode chamar de tratamento estético dos animais que

participavam das disputas, seja para seu embelezamento, seja para confundir o

adversário quanto ao seu real valor. A aparência do animal era considerada

importante no momento de atar as carreiras - quando não se sabia o tempo do

animal era preciso observar atentamente todas as suas características físicas.

Nos dias de “carreira atada”, os crioulos chegavam cabresteados, cobertos de lindas capas, no geral coloridas. Todavia, fazia parte da picardia dos jogadores “enfeitarem” os cavalos, sujando-os, desfigurando-lhes os rabos, dando-lhes certo visual de pangarés, para que os adversários não percebessem seus reais valores (GOLIN, 1999, p. 86).

Em dias de carreira, havia movimentação em torno das canchas. Grande

parte da população local era mobilizada. Nesses momentos amigos se encontravam

e famílias se reuniam, configurando assim um ambiente onde as relações sociais

aparecem com predominância, era um local para ver e ser visto (PEREIRA, 2012).

As corridas se revelam uma possibilidade de analisar hábitos e costumes da

sociedade da época, já que é nas manifestações culturais e tradições que a

sociedade ilustra seus valores fundamentais (GEERTZ, 1978). Da mesma forma que

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nos centros urbanos as atividades de lazer pautam a vida social da população, no

meio rural essas atividades são caracterizadas por traços marcantes da cultura

regional. Sobre isto temos:

O jogo das carreiras é o que mais tem empolgado o campesino gaúcho de todos os tempos e, muito mais intensamente, na época dos nossos avós, quando o cavalo tinha maior expressão em sua vida. [...] É um jogo que interessava e ainda interessa a todos, de todas as idades, de todas as classes sociais, moços e velhos, ricos e pobres, patrões e empregados, que se nivelam nas suas expansões de alegria em pleno campo ao longo da cancha, na expectativa, cada parceiro, pela vitória do parelheiro do seu agrado (FREITAS apud LAYTANO, 1984, p. 67).

As carreiras de cancha reta movimentavam também grandes montantes de

dinheiro envolvidos nas apostas. Frente a isto se torna necessária a presença de

agentes policiais, chamados de subdelegados, para garantir a segurança do evento,

caso ocorra insatisfação de um apostador descontente.

O policiamento era feito por um subdelegado civil e vários soldados. Estes eram um misto de gaúcho e milico. Usavam chapéus de abas largas e bombachas, porém vestiam túnica e talabarte onde viam-se penduradas as armas: um revolver e uma enorme espada metida em uma larga bainha de metal branco, que arrastava ao solo quando desmontados (GONÇALVES, 1984, p. 94).

As apostas também podiam envolver propriedades, como fazendas e animais,

e até mesmo as mulheres eram objeto de apostas. Havia um contrato que

estabelecia as condições da realização da carreira. As apostas eram

convencionadas no contrato, mas além dessas haviam as apostas feitas no dia da

corrida, conforme demonstra o trecho a seguir:

[...] os parceiros de um ou de outro, todos os simpatizantes, ao longo da cancha e principalmente nas raias da partida e da chegada, em altas vozes, cheios de entusiasmo, propunham suas apostas, que eram tomadas pelos opositores, depositando as paradas nas mãos de pessoas respeitáveis, que as entregavam ao vencedor (FREITAS apud LAYTANO, 1984, p. 69).

Os acordos podiam ser selados entre os apostadores oralmente, sem

nenhuma espécie de registro escrito ou garantia de que a palavra fosse cumprida.

Assim, a palavra de um homem, nesse contexto, adquire um valor imensurável.

Relatos dão conta de que, quando o perdedor não dispunha da quantia apostada,

entregava, como forma de garantia do pagamento, um fio de cabelo do seu bigode.

Pelo que pesquisamos a respeito do regulamento dessas corridas, há poucos

registros escritos. O conjunto de regras é restrito aos frequentadores e participantes,

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contexto que será tratado em outro capítulo deste trabalho. Golin (1999) informa que

os juízes da partida davam a largada utilizando um laço ou uma bandeira, e no final

da cancha havia outro grupo de juízes responsáveis por definir o vencedor.

Normalmente este último era composto por três juízes: dois deles escolhidos por

cada proprietário de cavalo e um terceiro nomeado pelo juiz da carreira. Ou seja,

aquele juiz que dava a largada era quem determinava quem havia vencido a disputa

(PEREIRA; MAZO; LYRA, 2010a). Para determinar com clareza qual havia sido a

vantagem do cavalo vencedor sobre os outros competidores era utilizado um

sistema baseado na parte do corpo do ganhador ao passar pela baliza de chegada

antes do cavalo perdedor (FIGURA 1).

Figura 1 – Gráfico das vantagens de vitória no momento da chegada

Fonte: Rillo (1975, p. 96).

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Os termos empregados na vitória dos animais estão relacionados à parte do

corpo que o animal sobrepôs ao outro no momento da chegada:

[...] “ganhar de fiador” significava vencer pela diferença da cabeça, pois o “fiador” é a parte do bucal que passa atrás das orelhas e na conjunção com o pescoço. As outras medidas consagradas até hoje são: “de paleta”, “de meio corpo”, “de virilha”. Ganhar “de luz” significava passar à frente do perdedor sem que esse cobrisse qualquer parte do vencedor. Esses parâmetros ainda hoje são adotados em regiões da campanha (GOLIN, 1999, p. 88).

Os proprietários dos animais da carreira assinavam um contrato que continha

especificações como data da corrida, nome dos animais, peso do jóquei, vantagens,

o valor da parada7 e o depósito “que era uma espécie de multa para o que, no dia da

corrida, não pudesse cumpri-lo” (FREITAS apud MEYER, 1975, p. 69).

Demonstrando possuir um linguajar próprio, as carreiras vão se definindo com

o passar dos anos como uma prática cada vez mais especializada. Assim também a

linguagem para designar os cavalos que iriam participar da disputa. Os animais

preparados para a disputa entre dois cavalos eram chamados de parelheiros, isto é,

disputavam em parelhas (NUNES; NUNES, 1996). Havia também a possibilidade de

disputa entre mais de dois animais, nesses casos normalmente trios, que era

chamada de penca.

As trapaças eram um recurso muito comum, sendo de uma grande variedade

de ordem, como o suborno, roubo do animal para cansá-lo antes da corrida,

viciamento do animal no trilho contrário, trancamento da perna do corredor sobre o

cavalo contrário, desfiguração dos animais (FREITAS apud LAYTANO, 1984). Ou

seja, haviam diversos subterfúgios a que se recorria para causar uma turbulência no

momento da corrida. Essas características demonstram a configuração complexa

que as práticas de carreiras foram adquirindo com o passar do tempo, e a sua

importância, já que havia uma preocupação com a disputa que não se limitava ao

dia da corrida em si, mas que consumia muito tempo dos participantes. As corridas

adquirem configuração de atividade cultural embutida de significado e simbologias.

A cultura não é simplesmente um conjunto de significados e símbolos que

podem ser lidos com um método científico. O trabalho do antropólogo e do

7 Aposta principal envolvendo os proprietários e suas parcerias, simpatizantes que se cotizavam a

contribuir na parada (FREITAS apud MEYER, 1975).

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historiador que se propõem a examinar a fundo as características de uma cultura

sustenta-se a partir de uma pesquisa densa e sensível ao lançar esse olhar sobre o

outro, como ele vive, como age e pensa. Neste sentido, Geertz (1978) chama

atenção para o olhar sensível que devemos ter sobre os comportamentos.

Deve atentar-se para o comportamento, e com exatidão, pois é através do fluxo do comportamento – ou mais precisamente, da ação social – que as formas culturais encontram articulação. Elas encontram-se também, certamente, em várias espécies de artefatos e vários estados de consciência (GEERTZ, 1978, p. 27).

A presença das mulheres nas carreiras é relatada como secundária, não são

elas que atuam diretamente nas atividades ligadas às corridas em cancha reta. A

princípio seu envolvimento na atividade se dá como observadoras e também no

preparo da alimentação consumida nesses eventos. Como já mencionado, por se

tratarem de um evento social muitas famílias frequentam os ambientes das carreiras

para assistirem às corridas e, sendo assim, constituía-se um ambiente propício para

as moças solteiras da região desfilarem, observarem e possivelmente serem

observadas por futuros pretendentes.

A refeição habitualmente era realizada na forma de piquenique. Montavam-se

barracas e traziam-se carroças carregadas com caixas de bebida e gelo, carne de

gado, linguiça e leitão assado. Também eram preparadas rosquinhas e sonhos,

arroz-doce, até fatias de melancia eram ofertadas ao público do evento (PEREIRA;

MAZO; LYRA, 2010a). Além disso, havia uma variante nos alimentos e na forma do

preparo de acordo com as regiões analisadas, ainda mais com a chegada dos

imigrantes, alemães e seus descendentes, por exemplo, que incluíram algumas

iguarias típicas no cardápio.

A participação das mulheres como protagonistas de esportes envolvendo os

cavalos ocorre somente no início do século XX, acompanhando o processo de

modernização da capital, Porto Alegre. É nesse contexto que elas passam a realizar

a prática do hipismo. Mas, tanto nas carreiras em cancha reta quanto no turfe, a

participação feminina permanece restrita às arquibancadas. Esse diferencial pode

ser compreendido se analisarmos as origens aristocráticas europeizadas do hipismo,

tornando-o assim mais atraente aos olhos femininos (PEREIRA; MAZO, 2010b).

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Cabe fazer uma distinção entre as carreiras e o turfe: a principal diferença

entre as duas práticas está relacionada ao formato da pista - enquanto as carreiras

são disputadas em uma cancha reta, o turfe é disputado em uma cancha de forma

circular ou elíptica. Ambas as modalidades são provas de velocidade, vencendo

aquele que cruzar primeiro a linha de chegada.

Segundo Meyer (1975), o introdutor das corridas em círculo, no formato

europeu, no Rio Grande do Sul foi L. Jacome. Ele teria sido o responsável pela

organização do primeiro Prado de Porto Alegre, inaugurado em 9 de junho de 1872,

próximo ao Menino Deus, e também autor de um estudo intitulado “O cavalo na

Província do Rio Grande do Sul” (1873).

A criação dos primeiros prados na capital, salientando que prado encontra-se

como termo sinônimo de hipódromo, configurou um cenário onde o crescimento do

turfe, na segunda metade do século XIX, ocasionou o desaparecimento das canchas

retas, principalmente na cidade de Porto Alegre. Pereira (2012) afirma que em 1872

foram registradas as primeiras corridas no formato circular, havendo posteriormente

um considerável aumento no número de prados. Em 1877 é criado o Prado Porto

Alegrense, posteriormente denominado como Boa Vista. No mesmo ano iniciou a

construção do Prado Rio Grandense no bairro Menino Deus, e em 1891 iniciaram as

atividades do Prado Navegantes. Já em 1894 foi inaugurado o Prado Independência,

situado no bairro Moinhos de Vento. Esses ambientes propiciaram o

desenvolvimento do turfe, porém no interior do estado a cancha reta continuou a

delimitar a forma das corridas de cavalo.

Frente a isto, torna-se necessária uma análise mais aprofundada para dar

conta das razões que fizeram com que o interior do estado não profissionalizasse e

nem seguisse o caminho da esportivização das corridas de cavalo, conforme

aconteceu em Porto Alegre.

A introdução do cavalo no Brasil e no Rio Grande do Sul, segundo as fontes

consultadas, deu-se quase concomitantemente, com um ano apenas de diferença. A

sociedade sulriograndense, na mesma velocidade, apoiou sua construção no lombo

do animal, passando a introduzi-lo nos aspectos bélicos, econômicos, sociais e

culturais. A presença do cavalo marcou profundamente a vida e a cultura da

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sociedade que se formou no sul do Brasil. As carreiras são um exemplo de prática

cultural que moldou essa sociedade e se espalhou para além das regiões de

fronteira, onde já era uma tradição.

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3 A CANCHA RETA NO VALE DO TAQUARI

O costume de “atar carreiras” teve na Região do Vale do Taquari uma história

de tradição e continuidade. Tanto que ainda na atualidade correm carreiras no

interior dos municípios da região. Essa tradição mantém viva a lembrança dos jogos

e tradições primitivas do Rio Grande do Sul que se alastraram e também

influenciaram aqueles que na região se estabeleceram, como é o caso dos

imigrantes do Vale do Taquari e seus descendentes.

Neste capítulo abordaremos como essa tradição se firmou na região em

questão, como apoiou-se em uma estrutura familiar, quais são os personagens que

atuaram no cenário das corridas de cancha reta e como se dão as relações de

gênero a partir das vivências dessa prática cultural.

3.1 As canchas do Vale do Taquari

A Região do Vale do Taquari localiza-se na porção central do estado do Rio

Grande do Sul. Seu crescimento populacional está associado à colonização que se

deu em grande parte por meio de imigrantes açorianos, em fins do século XVIII, e

alemães e italianos vindos da Europa e de colônias antigas do Rio Grande do Sul,

no século XIX. Os imigrantes que se estabeleceram no Vale do Taquari trouxeram

consigo sua bagagem cultural. A mesma é composta por um conjunto de elementos

que os definem enquanto grupo étnico singular e, nos dizeres de Geertz (1978)

podemos constatar que possuem um sistema próprio de formas de agir aceito pelos

seus membros. Compreendemos que a cultura dos grupos étnicos estudados é

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resultante de um processo de construção e, portanto, está sujeita a transformações.

Corrobora com esta premissa a afirmação de Barth:

O conteúdo cultural das dicotomias étnicas parece ser, em termos analíticos, de duas ordens diferentes: (i) sinais e signos manifestos, que constituem as características diacríticas que as pessoas buscam e exibem para mostrar a sua identidade: trata-se frequentemente de características tais como vestimenta, língua, forma das casas ou estilo geral de vida; e (ii) orientações valorativas básicas, ou seja, os padrões de moralidade e excelência pelos quais as performances são julgadas (BARTH, [1969] 2000, p. 32).

Durante o estudo foram consideradas as variações culturais e significações

dos grupos étnicos açorianos, alemães, italianos e seus descendentes,

principalmente no que se refere às corridas de cavalo em cancha reta. Utilizaremos

como referência espacial as porções territoriais de ocupação no Vale do Taquari de

predominância dos grupos étnicos em questão (MAPA 1).

Nesta região, conforme Kilpp, Mazo e Lyra (2010), os primeiros registros de

corridas de cavalo em cancha reta são datados do final do século XIX no Prado

Estrelense. As corridas eram acompanhadas de outras formas de lazer como Tiro ao

Alvo e Grupos de Bolão. Segundo Kilpp, Mazo e Lyra (2010) o surgimento dessas

primeiras associações tinha intuito militar para em seguida se tornarem sociedades

recreativas, preservando a germanidade, isto é, mantendo os costumes alemães

imigrados. Dessa forma as demais práticas esportivas que se desenvolveram foram

as mais tradicionais dos alemães e europeus.

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Mapa 1 – Colonização do Vale do Taquari

Fonte: Adaptado pela autora com base em CODEVAT e Museu de Ciências Naturais Univates – MCN

(2009).

De acordo com Hessel (1983), a correspondência de 05 de janeiro de 1888

que se encontra publicada no jornal O Taquaryense informa que o prado de Estrela

teria sido inaugurado no dia 24 de dezembro, às quatro horas da tarde, em

solenidade na chácara do senhor F. F. Mena Barreto, onde estiveram presentes dez

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acionistas (HESSEL, 1983). Na referida data, conforme informa Hessel (1983), foi

apresentado o projeto dos estatutos para as corridas de cavalo pelo proprietário da

chácara. Na mesma oportunidade foi eleita a diretoria provisória do prado e a

solenidade foi finalizada com um churrasco e animação da orquestra dirigida pelo

senhor Cristiano Dexheimer. Segundo ainda a correspondência em questão, já havia

no ano de 1888 um estatuto regularizando as corridas de cavalo no Prado de

Estrela, portanto pode-se concluir que a prática já ocorria muitos anos antes do

mesmo.

Considerando as práticas tradicionais dos primeiros gaúchos envolvendo o

cavalo é possível perceber trocas de elementos culturais com imigrantes alemães e

seus descendentes que se estabeleciam em áreas coloniais, os quais também

traziam práticas sobre a utilização do cavalo pela tradição germânica. Dessa forma

conclui-se que as primeiras corridas de cavalo de que se têm registro no Vale do

Taquari ocorreram nas áreas de colonização alemã.

Ilustram a situação, por exemplo, as corridas noticiadas nos jornais e revistas

da época, como a carreira entre os cavalos Montenegro e Tostado disputada na

Cancha “Chacrinha”, próxima à vila de Estrela, em que a vitória do cavalo

Montenegro ocorreu por um corpo de diferença. A referida notícia foi publicada no

ano de 1936 na revista A Semana, que informou ter sido alto o montante das

apostas feitas na ocasião da corrida (SCHIEROLT, 2002).

O jornal O Taquaryense publica matéria em 1903 informando sobre a grande

animação que havia na comunidade por conta da revitalização que sofria o Prado

Taquaryense por meio de seu arrendatário, Sr. Henrique Peter. A região onde se

localizava o Prado Taquaryense é de colonização predominante açoriana, ilustrando

que as corridas de cavalo atingiam não apenas as regiões de colonização alemã, o

que nos remete à ideia de que a presença do cavalo nas diferentes regiões

oportunizou a apropriação de uma manifestação cultural que já existia no Rio

Grande do Sul há muito tempo, as corridas (O TAQUARYENSE, [s. d.] 1903, p. 4).

O Prado Estrelense (Estrela) e o Prado Taquaryense (Taquari), onde se

praticava o turfe, não funcionam atualmente. As sociedades foram fechadas nas

primeiras décadas do século XX e as causas estão provavelmente associadas a

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dificuldades financeiras, como demonstram os avisos publicados no jornal O

Taquaryense (1915) a respeito das convocações para assembleias onde o futuro do

Prado seria decidido. Em publicação de 11 de janeiro de 1915 a sociedade Prado

Taquaryense fica oficialmente liquidada, seguindo um aviso para que os sócios

compareçam à sede da sociedade para receber as cotas a que tinham direito sobre

a venda dos materiais existentes (O TAQUARYENSE, 11 jan. 1915, p. 3).

Portanto, assim como nas regiões de fronteira, nas regiões de colonização

europeia as corridas de cavalo foram difundidas amplamente, comprovando que

esta atividade não limitou ou reforçou as fronteiras étnicas e promoveu uma

interação cultural entre os diferentes grupos que passaram a ocupar a região do

Vale do Taquari. Pode se inferir a respeito desse quadro que houve uma

preocupação por parte dos grupos de imigrantes em integrar-se às atividades

desportivas, reafirmando suas identidades étnicas, apropriando-se de uma prática já

tradicional no Rio Grande do Sul e inserindo nela características de suas culturas.

Há um número considerável de municípios no Vale do Taquari que possui

uma trajetória de corridas em cancha reta. Muitas dessas canchas se encontram

desativadas no momento, outras foram recentemente recolocadas em

funcionamento depois de um longo período abandonadas e, em menor número,

existem canchas que estão há várias décadas promovendo carreiras. De acordo

com as pesquisas feitas e com os relatos dos depoentes, existiram canchas retas

em Arroio do Meio, Arvorezinha, Encantado, Estrela, Fazenda Vilanova, Marques de

Souza, Paverama, Progresso, Relvado, Tabaí, Taquari, Teutônia e Vespasino

Corrêa. Para efeito dessa pesquisa foram levantadas amostras das três áreas de

colonização (MAPA 2).

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Mapa 2 – Localização das Canchas e Hípicas pesquisadas

Fonte: Adaptado pela autora com base em Banco de Dados Regional da Univates (2012).

No Vale do Taquari, o aspecto geográfico foi um dos fatores para a escolha

da localização das canchas. Elas precisavam de uma área plana e da proximidade à

água corrente. Com o crescimento das cidades observamos que as canchas não

ficaram restritas à zona rural, pois foram cercadas pelos bairros que se formaram no

seu entorno, como no caso de Linha Germana (Teutônia). A maioria das canchas

manteve formato semelhante ao que tinha desde as primeiras décadas do século

XX, localizadas em áreas de zona rural, retiradas dos centros urbanos, como nos

casos de Marques de Souza, Paverama, Progresso, Arvorezinha e Vespasiano

Corrêa (DIÁRIO DE CAMPO 8, 2014).

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Cabe ainda fazer uma distinção ao que se considera como canchas de

carreira e hípicas. As canchas se referem à estrutura da cancha reta para corrida

propriamente, já as hípicas possuem uma cancha e, além disso, um espaço para

criação e treinamento de animais, sendo comum proprietários alugarem cocheiras

para seus animais em hípicas, incluindo alimentação e preparação para corrida

(DIÁRIO DE CAMPO 5, 2014).

Outro fator que merece destaque para a continuidade das corridas e

manutenção das canchas é a hereditariedade. As canchas são, na maioria dos

casos, uma herança de família, e a relação dos proprietários com as mesmas se

iniciou ainda na infância através do incentivo recebido dos seus antepassados. O

público participante das carreiras é composto por famílias que possuem na sua

tradição o vínculo com as corridas de cavalo, e que de alguma forma permanecem

perpetuando essa tradição, seja como proprietários de canchas, compositores,

jóqueis, proprietários de animais, apostadores ou apenas observadores. Ilustra o

fato das carreiras serem uma herança familiar o seguinte relato:

Olha, o que eu vou te dizer é que eu acho que isso aí vem de berço, de família. Gostar daquilo, aí a gente conserva aquela tradição [...] Um deixou de herança pro outro, sempre, que nem o pai, nós somos do Faxinal dos Pacheco, tudo era carreirista, os meus primos tudo era jóquei (ED, 18/02/2014, p. 3).

Apesar da criação de personagens com atividades específicas nas corridas

de cavalo ao longo dos anos, as carreiras não constituíram nenhuma profissão na

região do Vale do Taquari. Os personagens desse contexto desempenhavam

profissionalmente outras atividades e tinham na corrida de cavalos lazer e esporte.

As carreiras são uma atividade paralela desenvolvida junto ao trabalho, que pode

não ter relação alguma com o cavalo, diferente do que acontecia nos primeiros

séculos da chegada dos europeus no Rio Grande do Sul, quando as carreiras eram

um dos lazeres para o peão e seu companheiro de trabalho, o cavalo.

As corridas adquirem o formato de uma manifestação da tradição que,

mantidas durante gerações nos mesmos moldes, constituem uma herança cultural.

Sua manutenção torna-se uma forma de manter viva a memória dos antepassados.

Segundo Santos (1983), a tradição por si só não diz nada, só é relevante quando faz

parte de uma cultura, parte de uma realidade social. Tratando-se da memória temos

o seguinte:

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Porque a coerção da memória pesa definitivamente sobre o indivíduo e somente sobre o indivíduo, como sua revitalização possível repousa sobre a relação pessoal com seu próprio passado. A atomização de uma memória geral em uma memória privada dá à lei da lembrança um intenso poder de coersão interior. Ela obriga qualquer um a se relembrar e a encontrar o pertencimento, princípio e segredo da identidade (NORA, 1993, p. 18).

No Vale do Taquari os prados não se mantiveram por mais de três décadas,

enquanto que a cancha reta persiste até os dias atuais, caminhando em sentido

inverso ao da esportivização e profissionalização. A manutenção das pequenas

canchas ilustra uma série de sociabilidades que se estabeleceram nessa prática

cultural e que precisam ser analisadas por um olhar atento.

3.2 A cancha reta: ambiente de vivência da tradição

A corrida em cancha reta faz parte de um ambiente onde se estabelece uma

complexidade de relações sociais. Além de reafirmar as relações de poder

existentes em uma sociedade estratificada, elas estabelecem novas relações

fundamentais para a compreensão dos papéis desempenhados pelos indivíduos

nesse espaço. Neste sentido, temos:

As atividades lúdicas e esportivas, em suas diversidades, cristalizam os valores essenciais e contraditórios que modelam as civilizações; elas aparecem como espécies de teatralizações, de “mentiras que diriam a verdade” das sociedades que as produziram (BROMBERGER, 2008, p. 246).

Na análise das relações sociais e dos valores que se fazem presentes na

prática das corridas em cancha reta, percebemos o reflexo de uma série de valores

culturais dos grupos étnicos envolvidos nessa prática. Considerando o estudo de

Geertz (1978) sobre as rinhas de galo em Bali, é possível perceber uma rede de

questões relacionadas às práticas da sociedade balinesa.

Encenada e reencenada, até agora sem um final, a briga de galos permite ao balinês, como a nós mesmos, ler e reler Macbeth, verificar a dimensão de sua própria subjetividade. Na medida em que assiste a uma luta após a outra, com a assistência ativa de um proprietário e de um apostador, ele se familiariza com ela e com o que ela tem para transmitir-lhe, da mesma forma que o ouvinte atento de um quarteto de cordas ou o apreciador absorto de uma natureza morta torna-se aos poucos familiarizado com eles de maneira tal que eles também abrem sua subjetividade para ele mesmo (GEERTZ, 1978, p. 318-319).

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Poderíamos relacionar o estudo de Geertz sobre as rinhas de galo em Bali

com as corridas de cavalo no Vale do Taquari. Ambos os frequentadores formam um

grupo que se familiariza com essa prática cultural e projeta neste evento uma gama

de subjetividade que acaba por incidir nas relações sociais da comunidade regional.

Porém, é importante destacar que cada “[...] realidade cultural tem sua lógica

interna, a qual devemos procurar conhecer para que façam sentido as suas práticas,

costumes, concepções e as transformações pelas quais estas passam” (SANTOS,

1983, p. 8).

Os participantes das carreiras podem ser descritos a partir de cinco grupos:

os proprietários de animais, compositores, jóqueis, juízes e apostadores. Todavia,

não temos a intenção de adentrar nas especificidades de classificar a função de

cada um dos atores do processo. É importante salientar que essas relações são

complexas e dinâmicas, podem se transformar de acordo com os interesses de cada

grupo, considerando que os espaços pelos quais circulam os participantes e

frequentadores das corridas de cavalo em cancha reta não são sempre os mesmos,

assim como as funções que desempenham.

3.2.1 Grupo dos proprietários de animais

Nas primeiras décadas de colonização do Vale do Taquari não havia estradas

e a locomoção era basicamente a pé, por meio de picadas. Sendo assim, possuir um

cavalo para atravessar estas picadas levando mercadoria em seu lombo ou mesmo

utilizando-o para tropeadas transformava o animal em um importante bem

econômico (BARROSO, 2006). Possuir cavalos conferia para o grupo social respeito

e status.

Em vista disto era frequente que pessoas desse grupo social se deixassem

fotografar ao lado de seus cavalos, conforme podemos observar na imagem

(FIGURA 2). Verifica-se haver preocupação com a aparência, pois utilizavam os

melhores trajes e preparavam o animal para o registro com freios, arreios e estribos

trabalhados.

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Figura 2 – Proprietário posando ao lado de seu cavalo

Fonte: Acervo da família de Erny Wommer [s.d.].

Com o objetivo de exibir seus cavalos, os donos provocavam-se mutuamente

para corridas. Vencer, além de status social, garantia um prêmio financeiro

decorrente das apostas que eram feitas antemão. As notícias dos cavalos

vencedores corriam rapidamente pela região, sendo algumas imortalizadas em

crônicas, conforme segue:

Em nosso município [Arroio do Meio], na localidade de São Caetano, o Sr. Albino Fischer possuía uma égua muito corredeira de nome “Baiana”. Na redondeza não havia animal que competisse com a mesma. Surgiu um cavalo muito corredor, de um senhor de nome “Francula”, que residia na encosta da serra de Taquari. Estes dois animais correram diversas carreiras, sendo que às vezes ganhava um, outra vez era vencedor o outro.

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Como aqui por perto não existia uma cancha, as corridas eram realizadas na localidade de Beija-Flor, no município de Estrela, na propriedade de um senhor Prediger. Como a fama da égua “Baiana” transpassava as divisas do município, quando os dois animais corriam, era grande a afluência de público. A última carreira, me recordo do ganhador: foi o cavalo do Francula, sendo que quem apostou na égua Baiana perdeu muito dinheiro (SCHROEDER FILHO, 1999, p. 14-15).

No formato mais primitivo das carreiras eram os próprios proprietários que

preparavam seus animais para as corridas. Depois essa tarefa se tornou a

especialidade de um outro personagem, o compositor.

Nas carreiras, é o grupo dos proprietários de animais que ocupa o mais alto

nível socioeconômico. Constatou-se que habitualmente os proprietários possuem

mais de um animal destinado para a corrida, e estes recebem tratamento especial

desde os primeiros anos de vida (EA, 2013). Durante a entrevista o EA descreveu

um episódio do qual afirma ter vaga lembrança. Lembra-se que, ainda na infância,

houve um dia em que sua família escondeu os cavalos na mata porque os militares

estariam passando pela região e requerendo os animais de montaria para suprir as

necessidades da tropa. Esse episódio dataria do ano de 1932 quando, durante a

Revolução Constitucionalista, ocorreu o Combate do Fão na região de Soledade,

confronto entre revoltosos e forças estaduais (TROMBINI, 2010). Não há referência

ao confisco de animais de montaria por parte das tropas, porém a ilustração

demonstra o valor que tinham os cavalos para seus proprietários, a ponto de

refugiarem os animais na mata como no episódio descrito.

O relato anteriormente descrito evidencia o caráter projetivo da memória, ao

qual se refere Pollak (1992) quando faz um estudo sobre a guerra na Normandia em

1940. Os entrevistados descrevem os capacetes pontudos dos soldados alemães

usados na Primeira Guerra, até 1917. Essa memória se trata de uma transferência a

partir da memória dos pais (POLLAK, 1992). O EA elaborou uma associação entre

um episódio da sua infância onde recorda do momento em que esconderam os

animais na mata e a Revolução Constitucionalista, sem ter a consciência na

memória que ambos estavam relacionados.

A invocação da memória compreende uma ação premeditada, pois segundo

Nora (1993, p. 13) os “[...] lugares de memória nascem e vivem do sentimento que

não há memória espontânea”. Sendo assim, a memória precisa ser resguardada em

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espaços que lhe permitam a sobrevivência. Nas palavras e lembranças dos

proprietários de animais entrevistados, as vitórias obtidas nas corridas adquirem

sentido nostálgico e são descritas com muitos detalhes. Por outro lado, as derrotas

praticamente não são mencionadas. Essa constatação nos permite inferir que a

memória refugia-se no êxito das vitórias e silencia as derrotas.

3.2.2 Grupo dos Compositores

A pessoa que desempenha a função de compositor é o responsável pelo

treinamento e alimentação do animal. Essa tarefa possui como característica

fundamental a hereditariedade, já que os compositores não costumam compartilhar

seus segredos de treinamentos com possíveis adversários. Para ser iniciado nessa

profissão é importante possuir alguém na família que se disponha a compartilhar

esses ensinamentos (DIÁRIO DE CAMPO 1, 2014).

O treino dos cavalos para a corrida é muito específico, mas cada profissional

possui suas artimanhas, seus segredos. Segundo o depoente EB (2014),

primeiramente é preciso retirar o animal do pasto, diminuindo o verde da sua

alimentação. Aos poucos ele se acostumará com a cocheira8 e com o treinamento

diário, que deve ser feito logo pela manhã. Inicialmente o treino é feito por uma hora

e segue aumentando conforme a resposta do cavalo. Quando essa mudança do

pasto para a cocheira é repentina, em linguagem de carreirista, se diz que “virou o

cavalo” ou “enxugou muito o cavalo”, o que faz com que o animal não corra. Quando

o compositor observar que o animal já está adaptado à nova alimentação ele inicia o

treino de arrancadas ou largadas, que consiste na capacidade de explosão de

velocidade do animal. No momento em que o compositor perceber que o animal

atingiu seu auge ele “tira o tempo” do mesmo. Esse relato corresponde ao mesmo

sistema descrito por Freitas em um trabalho intitulado Antigos Jogos Desportivos da

Campanha.

Já quase na véspera da corrida fazia-se um floreio, uma corrida de experiência, em que se “tirava” o tempo do cavalo, quase sempre a relógio. Em cancha reta, de duas quadras, era considerado cavalo de lei o que fizesse o percurso em 15 segundos (FREITAS apud MEYER, 1975, p. 62).

8 Cocheira se refere ao abrigo do cavalo. No caso do preparo para carreira, o animal passa o dia na

cocheira com alimentação à base de forragem (EB, 2014).

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Salienta-se que uma quadra equivalia a 128 metros, podendo as canchas

terem de duas a quatro quadras. Mesmo após a modificação do sistema métrico

imposta pela Lei nº 1157, em 1862, por muito tempo as canchas ainda se utilizavam

do sistema de quadras (BENTO apud PEREIRA, MAZO; LYRA 2010a).

Com o desenvolvimento tecnológico passou-se a utilizar o cronômetro para

“tirar o tempo” dos animais. O novo processo consistia no fato de uma pessoa se

colocar junto à marca dos 300 metros e apertar o cronômetro assim que o animal

cruzasse pelas balizas (EG, 2014). Tendo conhecimento do tempo que os animais

demoravam para fazer aquele trajeto é possível fazer as devidas comparações e

saber se há a possibilidade de atar uma boa carreira.

Os animais mais utilizados nas corridas em cancha reta são o “Cavalo Quarto

de Milha” e o “Cavalo Inglês”. Segundo o depoente EE (24/02/2014, p. 7) “o cavalo

Quarto de Milha é pra 400 metros e o Inglês, puro sangue Inglês, esse é pra 500 ou

mais”. Tirando o tempo dos animais nos 300 metros, deduz-se que a velocidade do

Quarto de Milha manter-se-á praticamente a mesma ou reduzirá, pois se trata de um

animal com explosão na partida, enquanto que o Cavalo Inglês possui mais

resistência, podendo aumentar a velocidade nos metros finais da cancha. Cada

animal é escolhido de acordo com as suas características para a cancha que lhe é

mais favorável.

Nas hípicas, o compositor trata do preparo de vários animais, recebendo um

pagamento pelos seus serviços. É tradição dar uma porcentagem do valor obtido em

corridas vencidas para o compositor e para o jóquei.

Os compositores são atores fundamentais na realização das carreiras em

cancha reta. Sua especialização vem ocorrendo ao longo dos anos, mas os métodos

tradicionais de treinamento de animais ainda são mantidos por muitos deles (EB,

2014). Na Figura 3 temos um compositor da terceira geração da família posando ao

lado do cavalo que lhe proporcionou muitas vitórias em cancha na década de 1970

no Rio Grande do Sul.

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Figura 3 – Compositor ao lado de um animal que venceu várias corridas em canchas

Fonte: Acervo da família de Lino Schneider [s.d.].

A hereditariedade da função desempenhada pelos compositores nas corridas

em cancha reta garantiu a manutenção da tradição ao longo do tempo. Porém a

continuidade da sua existência se mostra ameaçada na atualidade, à medida que o

exercício da atividade não desperta interesse nos grupos mais jovens. Uma das

consequências da diminuição no número de compositores especializados é o

surgimento de hípicas onde um único compositor cuida do preparo de vários animais

(DIÁRIO DE CAMPO 2, 2014).

3.2.3 Grupo dos Jóqueis

O grupo dos jóqueis é pouco mencionado na bibliografia sobre a temática

levantada, pois sua atuação é reduzida praticamente apenas ao dia da corrida. O

jóquei é o responsável por montar o cavalo na ocasião da corrida, mas é de

fundamental importância que ele conheça o animal e tenha treinado com o cavalo.

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Devido a isso, cada proprietário ou grupo de proprietários tem seu jóquei de

confiança (DIÁRIO DE CAMPO 4, 2014).

Para a função de jóquei o peso é uma característica fundamental. Nos

contratos de carreira que pesquisamos constam poucas especificações sobre esta

função, mas a respeito do peso do jóquei os registros e narrativas informam, por

exemplo, “300 metros, dois 50 kg”, quer dizer que os dois animais farão o percurso

com 50 kg, se o jóquei pesar menos de 50 kg completará o peso com cartuchos de

chumbo colocados na guaiaca. Um outro exemplo aponta que “50 kg por nada”,

significa que há uma vantagem, um cavalo correrá com 50 kg enquanto o outro está

livre para colocar o peso que quiser (EB, 2014). Segundo o depoente EB, o peso

colocado sobre os animais rendeu muitas histórias engraçadas.

50% das carreiras se corre entre 30 e 40 quilos, o que aconteceu já, eles dizem se o cavalo é corredor, aí eles dizem tu pode cuspir em cima do teu cavalo, bota o que tu quiser, eu boto 50 e tu bota o que tu quiser, aí eles fazem a carreira, aí aconteceu já que o cara amarrou um galo em cima. E porque um galo é melhor que nada? Porque um galo quando o cavalo começa a correr, ele vai bater [as asas] e aí o cavalo se assusta e fica com medo e aí o cavalo ó [corre mais], e o cavalo com nada em cima aos poucos ele começa a parar de correr, porque ele vê que ninguém bate, isso acontece muito (EB, 11/02/2014, p.13).

Em função da questão relativa ao peso do jóquei, algumas crianças são

incentivadas para essa atividade. Como exemplo temos as entrevistas com dois ex-

jóqueis que relataram terem iniciado nas corridas de cavalo ainda crianças.

Eu comecei a correr com 10 anos [...] claro no começo tu começa aprendendo devagarinho e tal, aí com 12 anos eu comecei já a montar e correr carreira, isso foi influenciado pelos meus tios, meu vô sempre teve cavalo, gostava de carreira e coisa, fui incentivado por eles (EF, 15/03/2014, p. 4).

Na cancha da família Porto, no município de Taquari, vemos duas crianças

montadas, em imagem da década de 1960 (FIGURA 4). Utilizavam capacete de

jóquei e nenhuma vestimenta especial, aparentam estarem até com os pés

descalços.

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Figura 4 – Crianças desempenhando a função de jóquei

Fonte: Acervo da família Porto [s.d.].

O jóquei, assim como o compositor, possuía uma especialização para

desempenhar suas funções. Como treinamento específico para os jóqueis há uma

série de cuidados para vencer a corrida e estratégias para conseguir novas

carreiras, uma delas é segurar o cavalo, estratégia usada para não mostrar toda a

carreira do cavalo, ou seja, não ganhar com tanta vantagem, como ilustra a Figura 5

(EB, 2014).

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Figura 5 – Jóquei “segurando” o cavalo nas balizas de chegada

Fonte: Acervo da família Lino Schneider [s.d.].

Além de ter os conhecimentos técnicos, o jóquei precisava ser destemido,

pois a possibilidade de um acidente era uma realidade. São comuns nos relatos

histórias de jóqueis que sofreram graves acidentes durante corridas, até casos de

morte. Um dos depoentes informa em sua narrativa que o seu sogro faleceu em uma

corrida, conforme segue:

[...] isso parece até uma má palavra isso aí acontecer [...] eles disseram assim, “ganhei a carreira”, mas ele tinha perdido, [mas ele dizia] “ganhei a carreira, ganhei a carreira”, [disseram] tem que tocar de novo, [ele disse] “então se eu perdi essa carreira eu não quero ver as minhas três filhas”, e tocaram, e o cavalo abriu (ED, 18/02/2014, p. 6).

Na linguagem de carreira, “tocar de novo”, significa correr novamente, pois os

juízes não chegaram a um consenso, e “o cavalo abriu” quer dizer que o animal saiu

dos trilhos.

3.2.4 Grupo dos Juízes

Os juízes ou julgadores de carreira são aqueles responsáveis por validar e

dar os vencedores da corrida. Segundo o depoente EG (2014), há um juiz de

largada, também chamado de starter. Esse juiz é responsável por conferir se os

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cavalos estão colocados nas caixas e também por “dar as tampas”9. E é ele quem

poderá invalidar a carreira se constatar alguma irregularidade na largada (CÓDIGO

DE CORRIDAS DE CARREIRA, 1984).

Os juízes de chegada são sempre três. O primeiro e o segundo juízes darão

seu parecer sobre o vencedor da corrida e sobre qual foi a vantagem (Figura 6). O

terceiro juiz somente se manifestará se não houver consenso entre os dois

primeiros. Caso os juízes não acordarem em um veredicto, recorre-se à fotografia,

porém esta é utilizada apenas como último recurso (EG, 2014). Pode-se inferir que a

tecnologia adentrou o universo das carreiras, mas a continuidade da escolha dos

integrantes pelo uso da palavra e da honra ainda tem um significativo peso nesse

universo.

Figura 6 – Juiz a postos na baliza de chegada

Fonte: Acervo da família Porto [s.d.].

Para a escolha dos juízes cada proprietário de animal nomeia uma pessoa de

sua confiança, e o terceiro juiz é escolhido pelo proprietário da cancha (EA, 2013).

Para exercer essa função, tradicionalmente são escolhidas as pessoas mais idosas

9 Dar as tampas é uma linguagem específica das carreiras que significa dar a largada.

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do grupo que atestem a sabedoria e a experiência necessárias para desempenhá-la

(DIÁRIO DE CAMPO 8, 2014).

O parecer da vitória dado pelos juízes dificilmente é questionado. Os

frequentadores entendem que questionar uma vitória é questionar a própria lógica

da corrida (DIÁRIO DE CAMPO 8, 2014). Mesmo assim os enfrentamentos são

frequentes entre os proprietários de animais. Por meio de provocações, os ânimos

se exaltam de forma incondicional e algumas vezes chegam à agressão física.

Assim como na briga de galos em Bali, na carreira o risco é excitante, a derrota é

deprimente e o trunfo é gratificante, emoções que exemplificam a construção da

sociedade (GEERTZ, 1978).

3.2.5 Grupo dos Apostadores

Os apostadores, em grande parte, participam dos grupos descritos

anteriormente. Poucos são apenas espectadores das corridas. Os proprietários dos

animais fazem a aposta principal, enquanto que os demais podem participar das

apostas paralelas (DIÁRIO DE CAMPO 5, 2014). Não adentraremos nos detalhes a

respeito do sistema de apostas, pois o mesmo será tema do próximo capítulo.

Os apostadores são em grande maioria homens que têm como hábito

frequentar corridas em cancha reta. Os observadores não usuais não costumam

participar das apostas, mas não há nenhuma regra que impeça qualquer indivíduo

de fazê-las, porém essa intromissão não é bem vista pelos membros do grupo

(DIÁRIO DE CAMPO 5, 2014).

As relações entre os grupos que atuam no cenário das corridas em cancha

reta são ditadas por um sistema de parcerias. Os participantes de carreiras

constituem um grupo de pessoas que possuem relações de âmbito regional e até

mesmo inter-regional (EF, 2014). Nessa rede de relações entre proprietários,

compositores e jóqueis há o compartilhamento de informações tais como sobre a

origem dos cavalos, seus tempos, quantas carreiras ganharam ou perderam, enfim,

uma rede que favorece o funcionamento e a manutenção da tradição.

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Surpreendentemente essas informações circulam rapidamente, coisa que não

acontecia no século XIX e XX. Segundo o depoente EH (2014), com o advento de

tecnologias como o aparelho celular muitas pessoas cronometram as corridas e

transmitem essas informações para proprietários de outras parcerias, fazendo com

que o tempo dos animais não se torne mais segredo. Alguns fatores de extrema

importância para as carreiras, que eram o desafio e a incerteza, tiveram aspectos

modificados com o advento de novas tecnologias.

As parcerias funcionam como redes de apoio. Os animais das hípicas

frequentam as corridas nas canchas de fora e, em seguida, o penqueiro10 convida os

animais das hípicas de fora para a carreira na cancha da casa. Dessa forma ocorre

uma troca entre as hípicas e canchas da região.

As carreiras são atadas dentro desse sistema de parcerias, não é frequente

atar carreiras com supostos desafetos, mesmo que para provar superioridade ou

fazer alguma provocação. Como a corrida representa uma série de valores

fundamentais para essa sociedade, parte-se do pressuposto de que não se faz um

contrato com pessoas nas quais não se confia. Esse mesmo sistema se sustenta no

que diz respeito às apostas, tema que será tratado no capítulo seguinte.

Além das provocações feitas na ocasião da corrida, os registros de brigas

também eram frequentes. Os frequentadores não se sentem muito confortáveis ao

falar dessas situações, mas se sabe que muito sangue já correu na areia das

canchas de carreiras. Canton (2003, p. 40), ao tratar das hípicas existentes na

região do município de Arvorezinha, relata que muitas “[...] peleias e mortes

aconteceram próximo à cancha, e peleadores morreram por simples razões e brigas

banais”.

Tradicional na vestimenta do gaúcho, a faca na guaiaca pode ter sido um

agravante para a ocorrência de brigas que levaram à morte, pois com os ânimos

exaltados muitos não tinham receio em puxá-la, como se dizia. Para manter a

segurança durante esses eventos fazia-se necessário um tipo de policiamento.

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Penqueiro é o organizador da carreira, ele é o responsável por convidar os proprietários de animais para a corrida.

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O avô do depoente EA (2014) atuava como subdelegado na região onde se

localiza o atual município de Marques de Souza e, segundo a narrativa do depoente

em questão, fazia o policiamento em eventos como as carreiras da região. Essa

atividade é mostrada na imagem das primeiras décadas do século XX (FIGURA 7).

As carreiras movimentavam parte da comunidade, conforme relato do mesmo

depoente, e havia sempre um grande número de observadores vindos de vários

municípios da região do Vale do Taquari. Eram realizadas em média três grandes

carreiras por ano.

Figura 7 – Dois parelheiros montados por seus jóqueis. O terceiro homem à

esquerda era Henrique Britzki, que atuava como subdelegado acompanhando as

carreiras da região

Fonte: Acervo da família Erny Wommer [s.d.].

Na Figura 7 pode ser comprovada a presença nas carreiras de outro grupo

étnico, além dos imigrantes. Aparecem à esquerda da fotografia dois homens

negros, aparentemente fardados, que provavelmente compunham o destacamento

incumbido de promover a segurança do evento. A circulação dos diferentes grupos

étnicos pelas carreiras ilustra como as corridas tornaram-se um espaço de interação

social, sem que houvesse perda da identidade. “Se um grupo mantém sua

identidade quando seus membros interagem com outros, disso decorre a existência

de critérios para determinação do pertencimento [...]” (BARTH, [1969] 2000 p. 34).

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Segundo relato do EA, as brigas durante as carreiras eram frequentes,

acabando até em morte, conforme demonstra seu depoimento:

Todas as carreiras tinham briga, toda vez bagunça, eles queriam matar ele antes já [...] e ele se salvou embaixo do pessoal. De pura fumaça, eles não viram ele mais [...] o outro cavalo ganhou por dois luz e ele ficava duvidando, duvidando e foram lá pra dizer que eles perderam e ele já jogou a faca contra o meu avô, o vô se abaixou e atirou dentro do ombro dele, ele queria bem matar ele, e o vô pegou a faca e acertou ele bem no coração (EA, 25/10/2013, p. 7).

Assim como nas regiões de campanha, pudemos observar que também na

região do Vale do Taquari as carreiras em cancha reta foram e ainda são uma

prática cultural histórica que configura algumas características dessas sociedades.

Ou seja, as corridas não movimentavam apenas os indivíduos que participavam

diretamente da sua realização, tais como os proprietários de animais, compositores,

jóqueis, juízes e apostadores já elencamos, mas todo o contexto social que as

cerca, introduzindo e espelhando através dessa prática cultural uma série de

relações sociais e valores. Estes podem ser percebidos na sociabilidade entre os

indivíduos, virilidade, importância da palavra de um homem, honra, status social,

papéis a serem desempenhados por gênero, entre outros.

Podemos estabelecer algumas relações a respeito das práticas das quais os

imigrantes do vale se apropriaram a partir da necessidade que os acontecimentos

políticos do século XX lhes impuseram. O panorama formado pós-Segunda Guerra

Mundial tornou o germanismo uma ameaça, dando início ao chamado

abrasileiramento das organizações esportivas e associações. Algumas práticas de

origem germânica como o tiro ao alvo, o bolão e a ginástica foram alvo da política

nacionalizadora, conforme temos:

O Decreto-Lei nº 383, de 18 de abril de 1938, além de estabelecer uma imigração dirigida, proibiu estrangeiros residentes no Brasil de exercerem atividades políticas. As autoridades julgavam que as associações também eram locais onde os teuto-brasileiros discutiam política (KILPP; ASSMANN; MAZO, 2012, p. 81).

Os descendentes de imigrantes da região do Vale do Taquari, principalmente

os teuto-brasileiros, apoiaram-se em práticas tradicionais dos gaúchos primitivos

para reafirmar a sua brasilidade. Com isso podemos compreender a pouca inserção

dos elementos das culturas dos estados nacionais na prática das corridas em

cancha reta. O vocabulário é um aspecto exemplar dessa análise, porque mesmo

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que os grupos de imigrantes tenham mantido seus dialetos de origem, não inseriram

nenhum novo vocábulo para as carreiras, tanto que até os dias atuais os termos

próprios usados pelos carreiristas são os mesmos, independentemente em que

região do Rio Grande do Sul elas ocorram.

A fronteira étnica, especificamente para as corridas em cancha reta, pelo que

pudemos constatar, não se mostrou uma fronteira para difusão desta prática e

costume no Rio Grande do Sul. Neste sentido, recorremos ao estudo de Barth

([1969] 2000), que ressalta que a apropriação de práticas culturais de um grupo

étnico por outro não significa uma negação da identidade étnica do primeiro em

relação ao segundo, ou vice-versa, conforme segue:

O mais importante é reconhecer que uma drástica redução das diferenças culturais entre os grupos étnicos não se correlaciona de maneira simples com uma redução na relevância das identidades étnicas em termos organizacionais ou com uma ruptura dos processos de manutenção de fronteiras (BARTH, [1969] 2000, p. 59).

O cenário da nova terra, apresentado aos imigrantes europeus em sua

chegada no Rio Grande do Sul, reforçou traços da sua identidade étnica mesmo que

distantes geograficamente de sua terra natal, o que fez com que formassem

associações esportivas, mantivessem tradições, dialetos linguísticos, cultura e

gastronomia ao mesmo tempo em que se inseriam em um panorama cultural já

estabelecido em que as corridas de cavalos em cancha reta já faziam parte.

3.3 As relações de gênero

Nesse cenário emergem com força as contradições nas relações de gênero.

Os papéis desempenhados por homens e mulheres são delimitados por meio de

padrões de uma sociedade regida por regras e normas patriarcais e hierarquizadas.

Segundo Adelman (2006), estamos passando por uma “cultura da transição”

na qual estabelecer relações dicotômicas entre homens e mulheres é uma tarefa

conflituosa, porém ainda ocorre, ditando quais esportes e práticas são masculinos

ou femininos. O avanço das mulheres no campo dos esportes é um fenômeno

amplamente reconhecido. A referida autora em seu estudo sobre as mulheres

amazonas destaca:

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O outro grupo, a das amazonas do hipismo clássico, trata-se evidentemente de um grupo de atletas que praticam um esporte de elite e que sustentam vínculos mais tênues com o grande complexo esporte. [...] Desde uma perspectiva de gênero, é um campo esportivo que permite testar algumas ideias sobre práticas esportivas e corporais como espaços de transgressão (ADELMAN, 2006, p. 15).

A carreira sempre foi uma prática predominantemente masculina, onde as

funções de compositor e jóquei eram desempenhadas por homens. No turfe e em

outros esportes característicos de hipódromos, as mulheres passaram a ganhar um

espaço crescente, em função da luta feminina pelos direitos iguais, pela quebra de

preconceitos e por meio de transformações graduais que estavam ocorrendo em

países desenvolvidos. Muitos hábitos e costumes foram modificados e o sexo

feminino passou a ocupar novas posições na sociedade. Na década de 1930 “a

prática da equitação, portanto, a exemplo do que já acontecia em São Paulo, admitia

a participação das mulheres em Porto Alegre” (SCHPUN apud MAZO; PEREIRA;

SILVA, 2011, p. 295).

Possivelmente as capitais, por se tratarem de cidades maiores e com

influência dos acontecimentos que estavam acontecendo nos grandes centros

mundiais, foram atingidas mais diretamente por essas mudanças na participação

feminina em esportes envolvendo o cavalo. Outro fator decisivo para a penetração

feminina no cenário do turfe era o glamour que os hipódromos representavam, pois

eram espaços frequentados por elites, enquanto a cancha reta era considerada uma

prática mais interiorana e com frequentadores de diversas classes sociais.

Essas mudanças pouco atingiram o interior do estado, onde as canchas retas

definiam as práticas de corrida equestre. A exemplo disso, no Vale do Taquari as

mulheres não desempenharam as funções de jóquei e compositor, ficando esses

papéis restritos aos descendentes do sexo masculino (DIÁRIO DE CAMPO 8, 2014).

Pode-se inferir que, mesmo não desempenhando diretamente as funções

específicas de preparo dos animais de corrida e da condução dos mesmos, as

mulheres que cresceram em um ambiente onde essa prática era comum possuíam

tanto conhecimento sobre o assunto quanto os homens da família. Era comum,

desde muito jovens, algumas mulheres acompanharem os pais ou irmãos na

realização dessas atividades e assim frequentarem as corridas na mesma

proporção.

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Nas apostas de carreira as mulheres participavam diretamente, como ilustra o

relato do EH ao falar de uma lembrança da época de infância quando foi a uma

carreira na localidade vizinha.

Tem mulher que joga, quase a mesma coisa, que nem os homem, criança também. [...] Aquela vez tinha um cavalo, fomos em três em cima do cavalo, fomo lá, aquela vez foi um azar, perdemo nada, a minha professora perdeu anel, e o relógio e não sei mais o que, jogavam tudo, se invocavam lá e jogavam (EH, 30/03/2014, p. 4).

No interior a sociedade manteve por mais tempo vestígios do modelo

patriarcal no qual cabiam às mulheres as funções relacionadas ao trabalho

doméstico. Nesse modelo de divisão de tarefas, a participação feminina nas canchas

do Vale do Taquari ficará restrita a atividades como o preparo da alimentação. Será

função das mulheres preparar e servir o almoço e em seguida cuidar da limpeza. A

presença feminina mostrou-se ausente nessas tarefas em apenas uma das canchas

pesquisadas, a saber, na Hípica do Pacheco, em Teutônia.

As canchas retas são estruturas familiares, portanto acabam estendendo as

divisões de tarefas existentes nos próprios lares, ou seja, estabelecem uma espécie

de organização onde algumas tarefas eram tradicionalmente feitas por homens e

outras tarefas eram desempenhadas pelas mulheres.

Sobre a importância da figura feminina na estrutura social formada a partir da

chegada dos imigrantes alemães, Stormowski (2007, p. 47) salienta que a “[...]

manutenção dos hábitos e dos costumes alemães dependia das mulheres, as quais

através do serviço doméstico ofereciam um conforto difícil de ser mantido sem a

presença feminina”. Segundo a autora, a necessidade fez com que as mulheres

imigrantes alemãs e italianas assumissem funções que não eram tradicionalmente

desempenhadas por elas nas suas nações de origem e, com isso, era comum ver

mulheres trabalhando na roça ao lado de seus maridos (STORMOWSKI, 2007).

Na região de colonização predominante açoriana, observa-se que a atuação

feminina, no contexto envolvendo as corridas de cancha reta, é mais reduzida se

comparada às áreas de colonização alemã e italiana. Nessa região, mesmo no

preparo da alimentação, a presença feminina é rara. Sendo o almoço churrasco feito

em galpão ou ao ar livre, sem acompanhamentos, a atividade de assar a carne é

tradicionalmente desempenhada pelos homens. Segundo narrativa do EJ (2014, p.

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3), ao tratar da presença feminina na cancha de seu pai no município de Taquari,

informa que “eram bem poucas, não passava de 5%”. A Figura 8 retrata um dia de

corrida na cancha da família Porto na década de 1960, e nela não são identificadas

representantes do sexo feminino.

Figura 8 – Carreira na cancha do Sr. Eduardo Porto

Fonte: Acervo da família Porto [s.d.].

A influência do pensamento positivista, que teve grande alcance no Rio

Grande do Sul, também reforçou a submissão feminina: “segundo o ideário

positivista, ao homem cabia o trabalho e o sustento financeiro da casa; à mulher,

respeitar ao pai e ao marido, cuidar da educação dos filhos e do lar” (PEDRO, 2002,

p. 304).

A atuação feminina nos trilhos da corrida de cancha reta apresentou-se quase

nula, porém no entorno dos mesmos as mulheres desempenharam papéis

fundamentais para a manutenção dessa prática cultural. Nos retratos das corridas

elas figuram no pano de fundo, reflexo de uma sociedade que se formou a partir de

valores em que o protagonismo foi predominantemente masculino.

Dessa forma, as carreiras construíram um cenário singular e ao mesmo

tempo ilustrativo das relações sociais, de gênero e de poder existentes na região,

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bem como da relação entre homens e cavalos, personagens tão apreciados pela

cultura e historiografia gaúcha.

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4 CANCHA RETA: O JOGO E A LEI NO VALE DO TAQUARI

Os jogos que envolvem apostas e a lei costumam entrar em conflito. As

carreiras em cancha reta tinham como característica principal seu sistema de jogos e

apostas que, sendo uma parte fundamental do carreiramento, foram alvo de uma

série de legislações criadas ao longo do século XX que tinham por objetivo limitar

cada vez mais essa prática.

As corridas em cancha reta eram mobilizadas em grande medida pelo

envolvimento de seus frequentadores no sistema de apostas, direto ou indireto. O

jogo está fortemente ligado a essa atividade cultural amplamente difundida no Rio

Grande do Sul.

Neste capítulo, tomando o Rio Grande do Sul como contexto, abordaremos os

jogos que foram desenvolvidos no entorno das canchas do Vale do Taquari, o

sistema de apostas nas corridas e a legislação que trata sobre o tema.

4.1 A carreira e o jogo

A vitória no jogo constitui uma motivação humana. Os jogos de apostas, no

cenário pesquisado, configuram-se como uma forma de obter status social, lucro

financeiro e privilégios. Historicamente as carreiras constituíram um espaço onde as

apostas ocupavam protagonismo importante dos atores envolvidos em cada grupo

social.

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Utilizaremos como categoria de análise para os cenários das corridas em

cancha reta o conceito de “jogo profundo” de Bentham. Clifford Geertz (1978, p. 299)

foi quem se apropriou do conceito do referido autor para seu estudo sobre as rinhas

de galo balinesas em que o jogo se mostrava absorvente e envolvia profundos

significados de valores simbólicos, conforme segue:

Num jogo profundo genuíno, isso acontece com ambas as partes. Eles estão ambos mergulhados até a cabeça. Chegando juntos em busca de prazer, eles entram numa relação que trarão aos participantes, considerados coletivamente, mais dor do que prazer (GEERTZ, 1978, p. 300).

Esse envolvimento no jogo contraria as lógicas ocidentais, pois a importância

da aposta não está apenas na quantia envolvida, mas também nas questões da

natureza humana, como afirma Geertz (1978, p. 300), para quem nos “[...] jogos

profundos, onde as somas de dinheiro são elevadas, está em jogo muito mais do

que o simples lucro material: o saber, a estima, a honra, a dignidade, o respeito”. O

envolvimento dos apostadores se dá como em um jogo de atuação em que a

provocação ganha ares de intimidação, brinca-se com os mais conflituosos

sentimentos humanos, como honra e coragem, situações que também identificamos

entre os grupos sociais envolvidos nas carreiras em cancha reta.

De acordo com as narrativas de Nicolau Dreys, viajante que viveu no Brasil

entre 1817 e 1843 e percorreu a Província do Rio Grande do Sul, “joga o gaúcho

tudo o que possui - dinheiro, cavalo, armas [...] e sai às vezes inteiramente ou quase

nu” (DREYS, 1980, p. 122). O relato do viajante traça um perfil do habitante do sul

em que se destaca o gosto pelo jogo.

Corroborando essas afirmações, paralelamente às apostas em carreiras

podemos apontar o desenvolvimento de uma série de modalidades de jogos de

azar11. No Vale do Taquari desenvolveram-se diversos desses jogos, alguns trazidos

de outras regiões, que ganharam, de imediato, muitos adeptos entre os habitantes

do vale. Sobre isto temos:

[o jogo constitui] uma deriva da rotina doméstica, da disciplina do trabalho, das normas do cotidiano, da miséria das emoções no modo dominante de produção da subjetividade. Na longa história do tédio, fluxos descontínuos de acaso operam como linhas de fuga na busca da excitação e da

11

Entendemos como jogos de azar aqueles que estão submetidos à sorte, em que a perícia não agrega nenhuma vantagem (BENATTE, 2002).

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experiência da intensidade. O jogo da desterritorialização possibilita um lugar-outro (heterotopia) e um tempo-outro (heterocronia), afirmativos do acaso no mundo da vida. A invenção de um espaço-tempo outro na intensidade do jogo implica uma relação de si com o de fora; uma relação de si com a exterioridade de uma potência cega: o acaso (BENATTE, 2002, p. 4).

As sensações trazidas pelo jogo compensariam de alguma forma a ausência

de excitação na vida fora dele. É uma das vias utilizadas pela sociedade para

enfrentar com êxito o processo de civilização. No início do século XX crescem as

críticas aos aficionados pelos jogos de azar e, na visão da sociedade moralista, o

jogo passa a ser uma atividade improdutiva e irracional, contrária à ideia de

progresso e desenvolvimento que se queria propagar, portanto era necessária a

elaboração de leis para coibir esta prática (BENATTE, 2002).

No Vale do Taquari, jogos deste tipo, apesar de seu rótulo de ilegalidade,

eram realizados no entorno das canchas retas, principalmente antes das carreiras

principais. Ilustra a situação o Jogo do Dadinho, realizado antigamente na Hípica

Reckziegel, no município de Paverama:

Antigamente nós aqui tinha o jogo do dadinho, é um copo com umas pedras de dado, o dadinho mesmo, com três pedra dentro do copo de couro, pano em cima e todo mundo aposta ali, e o número que sai paga né. [...] a mesa do dadinho que eu falo, existia o dadinho e os Sete baiano também, era o mesmo jogo, só que era um pano numerado com o 7 no meio, quem jogava no 7, era com duas pedra, se uma pedra desse 6 e a outra desse 1 dava 7, quem jogava no 7 ganhava três vezes o valor, eles chamavam de Sete baiano aquilo ali. Então aquilo era muita vantagem numa cancha de carreira, eles botavam três, quatro mesa, tu alugava espaço, então tu faturava naquilo ali, dinheiro limpo que dava, então hoje tu não pode botar mais porque é proibido, muito fiscalizado, então não se usa mais (EE, 24/02/2014, p. 7).

Nesses jogos a mesa fica com uma porcentagem das apostas, o que fornecia

um lucro considerável para o dono da banca, ou seja, para aquele que organizava o

jogo. Constata-se que não apenas as apostas nas corridas envolviam dinheiro, mas

também uma série de jogos paralelos que eram realizados no entorno das canchas.

Outra modalidade de jogo de azar feito em carreiras era o Jogo do Dedal, “[...] do

dedal, aquele dedal que as mulheres usam pra costurar, põe na mão e põe uma

bolinha de isopor, depois tem que saber onde é que tá a bolinha em três dedais”

(EE, 24/02/2014, p. 7).

Um dos jogos paralelos às carreiras mais conhecido e estudado pelos

folcloristas do Rio Grande do Sul é o Jogo do Osso. No Vale do Taquari há registros

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desse jogo nas áreas de colonização açoriana e de seus descendentes, sendo que

nas regiões de colonização alemã e italiana e seus descendentes o jogo não ganhou

muitos adeptos.

O Jogo do Osso, assim como os demais jogos ditos de azar, não depende de

perícia ou conhecimento do jogador, apenas da sorte ou acaso. Se o osso do garrão

do boi, conforme já nos referimos, ficar com o lado maior para cima, ganha-se; se for

o lado menor, perde-se; se ele ficar deitado, o jogo prossegue (GOLIN, 1999). A

cada jogada deposita-se uma nova quantia na mão do juiz, em algumas

modalidades os montantes de dinheiro são jogados no chão, e o vencedor recolhe

seu prêmio. Por tratar-se de um jogo simples, que pode ser realizado em

praticamente qualquer lugar, era muito frequente também na região de colonização

açoriana do Vale do Taquari.

Na região de colonização predominantemente italiana e de seus

descendentes prevaleciam os jogos de cartas nos galpões ou à sombra das árvores

ao longo das canchas (EH, 2014). Isso ilustra como a apropriação de uma prática

cultural antiga da província, como a carreira, agregou uma tradição trazida pelos

italianos de suas terras de origem, os jogos de carta. Da mesma forma, podemos

destacar a associação das canchas de carreiras às canchas de bocha - muitas

canchas de carreira têm em sua proximidade canchas de bocha, tradição difundida

pelos imigrantes italianos que ganhou adeptos nos descendentes de outras etnias,

principalmente entre os alemães (DIÁRIO DE CAMPO 8, 2014).

Nesse contexto teremos diferentes grupos étnicos se relacionando em um

mesmo espaço geográfico, no caso do Vale do Taquari. Esse contato entre grupos

étnicos diferentes não comprometeu as fronteiras culturais existentes, pois os

grupos já possuíam uma identidade étnica bem construída. Conclui-se que, mesmo

realizando atividades e jogos típicos de outros grupos étnicos, não houve conflito

com a identidade étnica existente, ou seja, os elementos novos foram agregados e

ressignificados pelos parâmetros culturais de cada etnia. Descendentes de

açorianos, alemães e italianos, independentemente da prática que passaram a

exercer nestes jogos, continuaram se reconhecendo como tais.

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É importante destacar que houve dois projetos de manutenção e construção

de identidade que se confrontaram no início do século XX. O primeiro previa uma

ligação com os estados nacionais de origem dos imigrantes e a manutenção de sua

cultura, principalmente entre os imigrantes alemães. As associações constituíram

uma forma de manutenção do germanismo (KILPP; ASSMANN; MAZO, 2012). Este

projeto representava os interesses dos grupos de imigrantes e de seus países de

origem, mantendo presente o vínculo com a pátria por meio da preservação da

língua, das tradições, das atividades culturais. O segundo projeto pregava um

abrasileiramento dos grupos de imigrantes e descendentes e a formação de uma

cultura nacional. Este projeto representava os interesses do governo brasileiro. Essa

situação provocou algumas atualizações culturais e apropriações de práticas de

outros grupos, tornando mais evidentes singularidades regionais. Tratando de

contatos interétnicos entre grupos asiáticos e sobre a manutenção ou mudanças de

identidade étnica temos o seguinte:

Haverá variações entre membros, alguns mostrando muitas das características próprias ao grupo e outros, poucas. Especialmente nos casos em que há mudanças nas identidades das pessoas, isso cria ambiguidades, pois nesses casos o pertencimento étnico é tanto uma questão de origem quanto de identidade atual (BARTH, [1969] 2000, p. 54).

Caberia ainda um estudo aprofundado sobre como cada grupo étnico dá

significado ao jogo de acordo com a sua cultura. De forma geral, os seres humanos

projetam no jogo elementos de sua identidade, uma teatralização da organização

social, e assim há possibilidade de adquirir determinado status almejado na

sociedade. Ou seja, no jogo, assim como na arte, identificamos elementos da vida

social.

Entretanto, através de outro desses paradoxos que perseguem a estética, ao lado dos sentimentos pintados e dos atos inconsequentes, e porque essa subjetividade não existe propriamente até que seja organizada dessa forma, as formas de arte originam e regeneram a própria subjetividade que elas se propõem a existir. [...] É dessa forma, colorindo a experiência com a luz que elas projetam, em vez de qualquer efeito material que possam ter, que as artes desempenham seu papel, como artes, na vida social (GEERTZ, 1978 p. 319).

As corridas em cancha reta e as outras modalidades de jogos realizadas

podem ter contribuído para que essas práticas culturais de cunho esportivo tenham

sido vistas pejorativamente por muito tempo. Tal percepção, em nosso ponto de

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vista, justifica o receio que alguns depoentes, num primeiro momento, demonstraram

em suas entrevistas ao falar dos jogos e das apostas.

A mentalidade contábil do mercado capitalista, associada ao energetismo voltado para a produção e reprodução do valor, (in)formou historicamente toda uma moral economicista: que as receitas superem as despesas. Que os benefícios superem os custos; que a produção supere a destruição. Essa moral, evidentemente, não deixa espaço para o excesso, a dissipação, a pura perda representada pelo gasto improdutivo. Daí a sui generis condenação do jogo, entre outras práticas culturais arquetípicas. O jogo é antieconômico porque canaliza a energia para descargas fora do domínio da (re)produção. Esse dispêndio gratuito aparece como um atentado contra os imperativos do capital (BENATTE, 2002, p. 12, grifo do autor).

O interesse pelos jogos e pelas apostas foi um dos fatores decisivos para o

envolvimento dos diferentes grupos socioeconômicos nas carreiras. Observa-se que

pessoas de diferentes níveis econômicos frequentavam esses espaços.

Contrariando certa racionalidade, aqueles de menor poder aquisitivo eram os que

faziam as apostas mais altas (DIÁRIO DE CAMPO 8, 2014). Analisando esse fato

sob a perspectiva do “jogo profundo”, apresentada anteriormente, podemos

constatar que, na tentativa de buscar um status social mais privilegiado, alguns

homens abriam mão do pouco que tinham, não se preocupando com as

consequências de perder no jogo, pois esta se mostrava uma das únicas formas de

obter determinado status no grupo social.

O cenário do jogo e das apostas está repleto de simbolismos que retratam a

organização das sociedades. Nesses espaços os seres humanos externam suas

representações e vivenciam práticas da sociedade na qual se inserem com o

objetivo de obter dos seus pares respeito e admiração.

O terreno comum dos historiadores culturais pode ser descrito como a preocupação com o simbólico e suas interpretações. Símbolos, conscientes ou não, podem ser encontrados em todos os lugares, da arte à vida cotidiana, mas a abordagem do passado em termos de simbolismo é apenas uma entre outras (BURKE, 2008, p. 10).

Compreender os símbolos que permeiam os jogos e as corridas de cavalo na

região do Vale do Taquari exige perceber que esses espaços são representações da

vida humana. Portanto, o que se almeja na vitória na cancha é o mesmo que se

projeta, grosso modo, para a vida. Assim sendo, vitória em uma corrida de cavalo,

em uma aposta ou em um jogo adquire um caráter simbólico de significativa

relevância aos frequentadores.

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4.2 O sistema de apostas

As apostas de carreiras são divididas em duas categorias, as convencionadas

pelo contrato e as apostas por fora. Na primeira categoria os proprietários dos

animais apostam entre si, e essas apostas costumam envolver grandes quantias de

dinheiro, acima do valor de mercado dos próprios cavalos. Em vista disto era feito

um contrato em que constava a data da corrida, o valor do depósito12, as condições

(metragem da cancha, peso dos jóqueis) e o valor da aposta (EG, 2014). Esses

contratos eram escritos à mão pelos proprietários de animais. Infelizmente durante a

pesquisa não consegui localizar nenhum contrato antigo pois, segundo os

depoentes, logo após as corridas os mesmos eram descartados, eram muito simples

feitos em uma folha de caderno e manuscritos (EI, 2014).

Na segunda categoria, as apostas podem ser feitas por qualquer pessoa que

desejar. Tradicionalmente as apostas são depositadas em dinheiro na mão de uma

pessoa íntegra e de confiança, escolhida pelos envolvidos na aposta. Dizia-se

“parada morta” quando a aposta não podia mais ser desfeita (FREITAS apud

MEYER, 1975). Em nossa pesquisa não identificamos na região do Vale do Taquari

a prática de apostas em “campo aberto” a qual, segundo Golin (1999), caracterizava-

se pelo fato dos apostadores colocarem o dinheiro no chão e o vencedor juntava.

As apostas nas corridas eram feitas em dinheiro, raros os casos em que

apostavam animais, como um leitão, por exemplo. De acordo com a historiografia

que trata do tema, nas carreiras primitivas as apostam envolviam todo o tipo de bem

material como rebanhos e estâncias (PEREIRA; MAZO; LYRA, 2010a). A respeito

do grande envolvimento nas apostas, Freitas (apud MEYER, 1975, p. 64) salienta

que algumas pessoas, “[...] não tendo mais dinheiro, apostavam, numa espécie de

alucinação, gado, o cavalo da montaria, objetos de uso, tudo do que poderiam

dispor, mostrando ao opositor a sua fé inabalável no pingo de sua simpatia”.

Nesse período as provocações também no Vale do Taquari eram levadas até

as últimas consequências, sendo comum homens andarem armados com facas e

facões. Em alguns casos, a honra foi lavada com sangue. As brigas também eram

motivadas por desentendimentos sobre apostas e trapaças. No galpão da Hípica

12

Multa para o que, que no dia da corrida, não cumpri-lo (FREITAS apud MEYER, 1975).

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Reckziegel, em Paverama, fundada em 1910, encontram-se pintados na parede os

ditos: “Proibido permanecer armado”. A Hípica Reckziegel é a mais antiga ainda em

funcionamento no Vale do Taquari e o referido dito é resquício de quando as brigas

eram frequentes (DIÁRIO DE CAMPO 3, 2014).

Principalmente nos torneios, onde correm pencas13, há um sistema

diferenciado de apostas, chamado de Arremate ou Jogo da Pedra. Não há referência

na bibliografia sobre regulamento do Arremate - é um sistema de apostas primitivo,

feito desde o século XIX e que se mantém em muitas canchas na atualidade

(DIÁRIO DE CAMPO 7, 2014).

O Arremate é coordenado por uma pessoa que recebe o título de

arrematador. Os donos de canchas costumavam trazer arrematadores de outros

municípios que possuíam experiência na realização do Jogo da Pedra. Os valores

apostados no Jogo da Pedra variavam muito, de acordo com a carreira. Se era uma

carreira boa, com grandes chances, as apostas eram maiores. Ressalta-se,

entretanto, que de região para região também há variações:

Pra lá de Soledade é 500, 500, 500, 500 [reais], fecha a pedra, seis animal, três mil reais, 20% pra hípica. Aqui não, nós é 100, 200. [...] Os donos dos animais entre eles, na hora que amarram a carreira, tem a obrigação de jogar no primeiro arremate, aí faz duzentos reais no primeiro arremate e aí depois deixa o público jogar (EG, 30/03/2014, p. 6).

O dono do animal que está com a carreira atada tem a obrigação de participar

do Arremate e o público em geral pode fazer as suas apostas na sequência (EG,

2014). Geralmente o Arremate é feito em um local mais elevado, de onde o

arrematador fica fazendo as provocações para novas apostas, como acontece em

um leilão, o que pode ser observado na fotografia da década de 1980 (FIGURA 9). A

carreira deve acontecer no horário marcado, o arremate inicia mais cedo para que

os interessados façam suas apostas, habitualmente após o infrene, que é uma

espécie de desfile dos animais da corrida (EC, 2014).

13

Quando os parelheiros eram mais de dois, a corrida chamava-se penca (FREITAS apud MEYER, 1975).

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Figura 9 – Jogo da pedra ou Arremate em carreira na cancha de Linha Clara

Fonte: Acervo de Lino Schneider [s.d.].

As apostas no Jogo da Pedra não são do mesmo valor, cada apostador pode

fazer um lance no valor que preferir para o animal de sua escolha, ou no caso de

penca, para a combinação da sua escolha. Compra o arremate aquele que fizer o

lance mais alto. Enquanto houver manifestações de interesse nas apostas são feitos

novos arremates, ou seja, uma única corrida pode render vários jogos. A cada jogo

feito a hípica fica com uma porcentagem do valor apostado (DIÁRIO DE CAMPO 5,

2014).

As apostas são registradas em um quadro negro que ilustra todas as

combinações possíveis de vencedores das corridas. Por exemplo, se houverem

quatro animais para a corrida, serão corridas duas carreiras (as canchas possuem

apenas dois ou três trilhos, portanto não há corridas de mais de três animais).

Chamaremos os primeiros corredores de A e B, e os segundos de 1 e 2. O quadro

de apostas apresentará as seguintes possibilidades: A1, A2, B1 e B2. Os

apostadores escolhem a dupla que lhes parece promissora e fazem suas apostas.

Recebem um comprovante de suas apostas - um pedaço de papel com o nome do

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cavalo e o valor. Atualmente o sistema é o mesmo, mas os apostadores recebem um

comprovante como mostra a imagem (FIGURA 10). Observa-se que a tecnologia

provocou algumas mudanças na forma de realização das apostas, pois atualmente

utilizam comprovantes personalizados impressos em gráficas. Essas mudanças,

porém, não alteraram a estrutura fundamental do sistema.

Figura 10 – Comprovante de aposta do Jogo da Pedra ou Arremate entregue ao

apostador

Fonte: Acervo da família Canton [s.d.].

Aqueles que apostam nos azarões fazem apostas de menor valor. O cavalo

azarão é aquele que não é o favorito, ou seja, demonstra poucas chances de

vencer. As apostas em azarões são importantes, pois o arremate só pode ser

fechado depois de todas as combinações terem um apostador. Como nas carreiras

são muito comuns vários truques, muitas vezes os azarões acabam vencendo a

disputa e rendendo aos apostadores uma quantia muito superior ao valor

empregado na aposta.

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Figura 11 – Explicação sobre Arremate em uma hípica

Fonte: Da autora (2014).

O Jogo da Pedra ou Arremate também é feito em uma modalidade mais

simples, onde não se aposta em uma combinação de vencedores, mas apenas em

um único animal. Sobre esta questão um depoente descreve o seguinte:

[...] primeira oferta quem faz? Aí o cara lá levanta a mão. - Quanto? - 50 reais. - Qual é o animal? - Animal número 3. Aí joga lá 3, e bota lá 3 - 50 pila. - Quero mais jogo, mais jogo, falta mais jogo, quem quer jogar? Aí o cara levanta a mão lá mais 40. - Qual é o animal? - Número 2. Até que fecha essa rodada, essa rodada quer dizer aqueles seis [cavalos que participam da corrida] e todos tem um jogador, aí soma em baixo isso dá 400 pila e soma, e escreve lá, [...] aí depois se esse número se o número três ganha, aí eles vão vê lá, número três quem jogou, aí ele ganha 400 pila, isso dá um dividendo bom, como se diz é melhor que jogar eu e tu vamos fazer um jogo, nós tamo do lado da cancha eu pego o número três e tu pega o número quatro aí nós fizemos uma aposta, 50 pila, eu ganho só R$ 50 teu, mas lá com R$ 50 eu posso ganhar 400 pila (EB, 11/02/2014, p. 13).

Um arremate de penca pode chegar a 15 mil reais nas carreiras da região do

Vale do Taquari, na Hípica do Mangueirão, no município de Venâncio Aires. Esta

hípica é uma das maiores do estado e as apostas são altas. Muitos proprietários de

cavalos de carreira, do Vale do Taquari e região, competem em hípicas de fora,

como Venâncio Aires, Carazinho, Cachoeira do Sul, entre outras (EF, 2014).

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Por envolver somas muito altas de dinheiro, as carreiras passaram a ser uma

atividade elitista do ponto de vista econômico. A especialização dos personagens e

a qualificação cada vez maior dos animais de corrida criou um circuito de alto nível

de competição (DIÁRIO DE CAMPO 6, 2014). O desenvolvimento da atividade

turfística fez com que surgissem hípicas onde o investimento financeiro é muito alto,

porém nas áreas rurais as canchas retas continuam com um caráter altamente

popular, recebendo apostas em valores mais baixos, oportunizando a participação

de pessoas de diferentes níveis socioeconômicos (EF, 2014).

A respeito, ainda, do perfil dos apostadores, podemos inferir que a maioria

deles são homens, como ilustram as imagens (FIGURA 12). A idade de grande parte

dos apostadores é intermediária, não há grande participação de jovens e nem de

idosos (DIÁRIO DE CAMPO 1; DIÁRIO DE CAMPO 4; DIÁRIO DE CAMPO 5, 2014).

As apostas constituem uma autoafirmação de maturidade social, ou seja, o

indivíduo, ao apostar, comprova que está apto a participar dessa representação,

para ocupar um lugar de prestígio na sociedade, e também que possui renda

financeira própria.

Figura 12 – Jogo da Pedra ou Arremate sendo organizado antes da carreira em

Linha Clara

Fonte: Acervo de Lino Schneider [s.d.].

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O aspecto financeiro não desempenhará papel primordial para os

apostadores. Mesmo com as perdas financeiras nas apostas, os frequentadores das

carreiras não conseguiam se distanciar dessa atividade, envolvendo-se cada vez

mais nesse meio:

Para Huizinga, o elemento de tensão desempenha no jogo um papel especialmente importante: “Tensão significa incerteza, acaso”. [...] O jogo é ‘tenso’, como se costuma dizer. [...] Esta tensão chega ao extremo nos jogos de azar e nas competições esportivas. Para os inveterados, o ganho da emoção – forma de reciprocidade do acaso – suplanta inclusive as perdas materiais (BENATTE, 2002, p. 7).

O sistema de apostas sofreu poucas mudanças de uma região para outra no

Vale do Taquari, principalmente por constituir o mesmo grupo de frequentadores

entre as hípicas e canchas da região. Dessa forma observamos as mesmas regras

gerais e os mesmos vocabulários típicos de carreira, independentemente da região

ter predominância de descendentes de açorianos, de alemães ou de italianos.

Mesmo não havendo um regulamento escrito sobre as condições das apostas,

essas regras são partilhadas pelos membros do grupo, e é nesse cenário que seus

membros buscam encontrar sua identidade. É o que Geertz (1978) chama de

acontecimento humano pragmático.

As carreiras constituem um conjunto de símbolos e significados

compartilhados por um grupo de pessoas ou seja, há a construção dos significados

simbólicos que parte do conhecimento compartilhado.

[...] uma vez que o significado dos símbolos repousa no fato de que eles são compartilhados e por isso comunicáveis entre os membros de um grupo pequeno ou grande: no primeiro momento, o pensamento é organizado de acordo com as estruturas simbólicas públicas à mão e somente depois disso, ele se torna privado (LEVI, 1992 p. 147).

Nas corridas em cancha reta os símbolos são compartilhados por meio de

uma rede de significados da qual cada indivíduo faz parte e na qual desempenha um

papel específico.

4.3 A questão da legalidade

A lei mais antiga do Rio Grande do Sul a tratar das corridas de cavalo é do

município de Uruguaiana, do final do século XIX, precisamente do ano de 1897. A

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“Lei de Carreiras” foi criada sob a justificativa de evitar desordens e obrigar as partes

contratantes a regras fixas e determinadas (RILLO, 1975). A referida lei não previa

com muitos detalhes os moldes nos quais deveriam ser realizadas as competições,

proporcionando grande liberdade aos diferentes esportes equestres.

Ao analisar os artigos da “Lei de Carreiras”, datada de 1897 do município de

Uruguaiana e da “Lei de Santiago”, adotada na região das Missões e parte da

Fronteira, datada de 1914, percebemos que há poucas diferenças entre o que

propõem as referidas leis e as regras das carreiras da região do Vale do Taquari, o

que indica que a região do Vale apoiou-se no sistema de corridas já utilizado tanto

na regiões das Missões como da Fronteira do Rio Grande do Sul14. A respeito da

legalidade das corridas, a “Lei de Carreiras” de Uruguaiana destaca apenas o

pagamento de um imposto para licença dos cavalos, conforme artigo 22: “Art. 22 -

Dentro do município só poderão correr cavalos com prévia licença da Intendência,

sendo esta, nos distritos de campanha, concedida pelos respectivos subintendentes,

mediante o pagamento de imposto correspondente” (RILLO, 1975, p. 100).

Acredita-se que na região do Vale do Taquari as licenças eram concedidas da

mesma forma, mediante o pagamento de um imposto. De acordo com o relato do ED

(2014), seu pai, na década de 1950, era proprietário de uma cancha reta em

Cabriúva, interior de Paverama, e pagava um imposto para o funcionamento da

mesma. Esse sistema deve ter vigorado até a Lei nº 4.096, de 1962, que dispunha

sobre a taxa a que ficam sujeitas as entidades que exploram apostas sobre corridas

de cavalos, da qual falaremos mais adiante.

Nas primeiras décadas do século XX houve uma preocupação com a

manutenção das raças cavalares segundo critérios de pureza das raças de origem.

Em 1918 foi publicada a obra “O cavalo crioulo: problema de defesa nacional” onde

Riet alertava para os futuros problemas da cruza do cavalo crioulo com outras raças

que pudessem corromper as características tão apreciadas do referido animal. Com

o objetivo de incentivar a manutenção da raça crioula foram criados prêmios para as

sociedades hípicas que promovessem competições envolvendo esses animais.

14

As regiões denominadas como região das Missões e Região de Fronteira localizam-se respectivamente nas regiões noroeste e sudoeste do estado do Rio Grande do Sul.

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Só poderão distribuir os premios instituídos na capital da Republica as sociedades que organizarem provas classicas ou grandes premios destinados a animaes nacionaes com a dotação total minima de 60 contos aos vencedores em primeiro lugar, mantendo os programmas de todas as suas reuniões ordinarias ou extraordinarias, pelo menos dois pareos destinados a animaes nacionaes [...] (RIET, 1918, p. 197).

Houve, portanto, uma política nacional de incentivo à prática das corridas de

cavalo, tanto em hipódromos como também em sociedades de carreira, englobando

dessa forma as pequenas canchas retas existentes no interior do estado do Rio

Grande do Sul (RIET, 1918). A legalidade das corridas de cavalo manteve-se

durante as décadas seguintes, fato que podemos constatar a partir da Lei 2.820 que

regulamentava as apostas em corridas de cavalo em 1956, conforme segue:

Parágrafo único. As subvenções previstas neste artigo destinam-se ao estímulo da criação e emprêgo do cavalo nacional nas lides militares, nos serviços de campo e nos desportos hípicos e ao custeio de obras e serviços de assistência social, como complemento às atividades que, no mesmo sentido, desenvolvem os Jóqueis Clubes e Sociedades de Carreiras (BRASIL. Lei nº 2.820, de 10/07/1956, texto digital).

A mesma lei previa que fosse pago um imposto no valor de 10% sobre os

prêmios distribuídos aos proprietários de animais. Observa-se que havia uma

preocupação com o desenvolvimento do cavalo nacional, que no Rio Grande do Sul

era representado pelo cavalo crioulo.

A Lei de 1962 mantém em seus artigos a preocupação com a preservação do

puro sangue de carreira nacional, porém limita as atividades de apostas aos

hipódromos que apresentarem planta baixa, prova da propriedade dos terrenos e

cópia dos estatutos devidamente registrados. A Lei nº 4.096 ainda estabelece os

termos nos quais deverão funcionar os sistemas de apostas:

3º a destinar aos criadores dos animais nacionais vencedores, a importância correspondente a 10% (dez por cento), no mínimo, dos prêmios do primeiro e segundo lugares, em todos os páreos, inclusive o clássicos e os grandes prêmios, além de 3% (três por cento), também no mínimo, ao criador do animal vencedor calculados sôbre o montante das apostas feitas ao mesmo animal, para o primeiro lugar, igualmente em todos os páreos (BRASIL. Lei nº 4.096, de 18/07/1962, texto digital).

Dessa forma as canchas retas, por não se adequarem a essa

regulamentação, passaram a funcionar na ilegalidade e os jogos e as apostas

efetuados nesses espaços considerados pela lei ilícitos. Por estarem rotuladas pela

ilegalidade, há poucos registros escritos e documentos oficiais sobre essas canchas

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e seus regulamentos. Por este motivo foi fundamental para a metodologia desta

pesquisa utilizar história oral.

[...] à multiplicação dos objetos que podem interessar à história, produzida pela história oral, implica indiretamente aquilo que eu chamaria de uma sensibilidade epistemológica específica, aguçada. [...] E na medida em que, através da história oral, a crítica das fontes torna-se imperiosa e aumenta a exigência técnica e metodológica, acredito que somos levados a perder, além da ingenuidade positivista, a ambição e as condições de possibilidade de uma história vista como ciência de síntese para todas as outras ciências humanas e sociais (POLLAK, 1992, p. 8).

Ao tratar as informações obtidas por meio das entrevistas, é fundamental ter

ciência de que o tema está arraigado a uma visão marginalizada. Por meio das

legislações que tornaram as carreiras ilegais, seus frequentadores passaram a ser

considerados pessoas à margem da lei. Dessa forma, em suas falas, os

entrevistados deram grande ênfase à carreira como uma atividade cultural que não

prejudica a vida social, que não leva ao vício, que não destrói famílias. Essa

negação vem ao encontro do estereótipo criado na sociedade a respeito das

carreiras de cavalo. A partir do esquecimento que a história oficial delegou às

carreiras a memória mostra-se como construção espontânea, a “[...] passagem da

memória para a história obrigou cada grupo a redefinir sua identidade para

revitalização de sua própria história. O dever de memória faz de cada um o

historiador de si mesmo” (NORA, 1993, p. 17).

Durante a pesquisa localizamos um estatuto das corridas em cancha reta. Ele

foi redigido no ano de 1984 e trata das condições de carreiras na Hípica Beira Rio,

no município de Arvorezinha, que ainda se encontra em funcionamento. Registrado

sob o título de “Código de corridas de cavalo” (ANEXO A), o estatuto apresenta

muitas semelhanças com um dos documentos mais antigos que tratam das

condições das corridas em cancha reta, a “Lei de Santiago”, “conhecida e adotada

na região das Missões e parte da Fronteira, com suas regras fundamentais

transmitidas oralmente de geração a geração” (RILLO, 1975, p. 97).

Nesta análise constatamos que, apesar das singularidades geográficas,

étnicas e culturais das diferentes regiões do Rio Grande do Sul, a prática das

corridas em cancha reta manteve, nas diferentes regiões, a mesma configuração

básica de realização, assim como o mesmo vocabulário específico.

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As referidas leis tratam, por exemplo, do sistema de largada dos animais, que

pode ocorrer de duas formas: Largada de Jardeio, ou Partida, e Largada de Tampa,

ou Caixa. Na primeira forma os cavalos eram alinhados na cancha e ao sinal do juiz

de largada iniciavam o percurso, e o juiz de largada validava ou não a corrida. A

segunda forma é a mais utilizada, os animais são colocados dentro das caixas

(FIGURA 13) e as tampas ou portas são fechadas. Ao sinal do juiz de largada as

tampas abrem e os animais partem para a corrida. Quando os animais ficam

inquietos nas caixas são realizadas as Largadas de Jardeio.

Figura 13 – Caixas onde ocorre a largada dos animais

Fonte: Da autora (2014).

Os sistemas de largada dos animais modificaram-se com o passar do tempo.

Segundo a narrativa de um dos depoentes, ainda antes das portas, existia a largada

de pano:

[...] uma cortina, e o pano é fechado e os cavalo ficam lá atrás, isso, o pai quando eu era pequeninho, tinha 7 anos, 8, o pai mandou alguma carreira dessa, puxa uma molinha aí elas abrem, aí o pano ia pra cima, aí como as vezes ficava cavalo meio enrolado lá nos pano lá, aí inventaram a fita, era uma fitinha só na frente do cavalo, depois da fita veio as porta. Hoje é melhor, entra na caixa os cavalo fica quietinho lá, puxa a tampa (ED, 18/02/2014, p. 5).

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A última lei que legaliza os hipódromos e entidades turfísticas é recente, do

ano de 2002, e visa classificar as entidades turfísticas em hipódromos de volta

fechada e cancha reta. De acordo com a referida lei as entidades turfísticas

precisam atender às seguintes condições:

Art. 11. Não serão classificadas Entidades Turfísticas os Hipódromos os quais não apresentarem as seguintes condições mínimas: I - terreno próprio; II - pistas com as respectivas cercas e pisos; III - casas de apostas para as diversas modalidades; IV – “paddock” com 6 (seis) boxes no mínimo; V - sala de pesagem dos profissionais; VI - sanitários para o público e para os profissionais; VII - assistência veterinária durante as corridas; VIII - assistência médica durante as corridas; IX - sistema de apregoação de rateios; X - partidor automático; XI - serviço de alto-falantes; XII - arquibancada coberta; XIII - serviço de antidoping próprio ou em convênio. (BRASIL. Instrução Normativa nº 13/2002, de 27/12/2002, texto digital).

As canchas pesquisadas no Vale do Taquari não atendem às especificações

e aos moldes descritos pela lei, e acreditamos que algumas das exigências legais

desvirtuam as características básicas da carreira, fazendo com que essa prática

cultural perca sua singularidade e a tradição que a mantém no Rio Grande do Sul há

mais de um século.

No corrente ano de 2014 foi aprovada e sancionada a Lei nº 14.459 que

declara como bem integrante do patrimônio histórico e cultural do Estado do Rio

Grande do Sul as carreiras de cavalos em cancha reta (ANEXO B). Configurando

um Patrimônio Histórico do Rio Grande do Sul na ilegalidade pela legislação vigente,

as carreiras em cancha reta estão percorrendo um caminho ainda longo de

reconhecimento como atividade cultural símbolo do estado. Em 15 de abril de 2014

foi sancionada mais uma lei com o objetivo de preservar as corridas em cancha reta

- a Lei nº 14.525 instituiu as carreiras de cavalos em cancha reta como modalidade

de esporte equestre símbolo do Estado do Rio Grande do Sul (ANEXO C).

Constata-se que a legislação patrimonial vem lançando seu olhar sobre as

carreiras em cancha reta, mas isso não ocorre de forma coordenada com a

legislação que trata das entidades turfísticas, portanto temos um patrimônio histórico

que ainda carrega o rótulo da ilegalidade.

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A dicotomia entre a legislação oficial e a cultura da cancha reta elucida como

os atores da sociedade se percebem distantes da história, como se a sua tradição

não fosse digna de ser escrita. Nora (1993) diz que a memória se mostra sempre

suspeita para a história, pois ela é “afetiva e mágica, a memória não se acomoda em

detalhes que a confrontam, ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas,

globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas” (NORA, 1993, p. 9).

As carreiras não podem ser desassociadas do jogo, pois sua organização

básica gira em torno do sistema de apostas. Esses sistemas não são unânimes nas

canchas pesquisadas. Na porção norte do Vale do Taquari, onde há predominância

de descendentes de imigrantes italianos, é realizado o Jogo do Arremate, com a

ausência dos outros jogos de azar anteriormente descritos. Já na porção sul, onde

há predominância de descendentes de imigrantes açorianos, as apostas ocorrem

com base no sistema do arremate e há ocorrência de outros jogos (jogo do osso e

jogo do dadinho). Na porção centro, onde há predominância de descendentes de

imigrantes alemães, o sistema é o mesmo da porção norte, com exceção da cancha

de Marques de Souza, onde não é realizado o Jogo do Arremate. As apostas são

depositadas na mão de uma terceira pessoa que entrega a quantia ao vencedor da

aposta (DIÁRIO DE CAMPO 8, 2014).

De acordo com a abordagem étnica que nos propomos na pesquisa,

lançamos um olhar sobre a prática das corridas de cavalo a partir da descendência

dos grupos pesquisados e suas áreas de ocupação. Cabe salientar que, mais de um

século após a chegada dos grupos de imigrantes, as descendências dos indivíduos

entrevistados não traduzem a presença de uma única etnia, até porque também há

descendentes das relações interétnicas entre indígenas, afrodescendentes,

portugueses, espanhóis, açorianos, alemães e italianos. Da mesma forma,

utilizamos as porções territoriais como referência, mas não nos engessamos em

suas fronteiras geográficas. Um exemplo disso é a presença de uma cancha de

descendentes de açorianos na região de colonização predominantemente alemã,

que foi pesquisada de acordo com as suas especificidades.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O uso do cavalo para as mais diversas finalidades na história humana é um

campo de pesquisa que ainda oferece muitas possibilidades àqueles que por essa

temática se interessarem. Em termos de Brasil há pouca historiografia tratando da

importância social, econômica, política e cultural do cavalo, conforme segue:

Na busca por uma identidade moderna, o inconsciente coletivo brasileiro “esquece”, com frequência, o seu arrojado passado equestre. É natural, faz parte do processo de crescer. Mas a saga da formação equestre do Brasil é tão, ou mais, aventurosa quanto as histórias romanceadas da conquista do oeste Americano. O que falta na história do Brasil não são cavalos – é memória (RINK, 2008, p. 395).

A historiografia gaúcha tratou do cavalo com mais protagonismo,

referenciando frequentemente sua importância para o desenvolvimento da economia

pastoril, seu uso bélico nas regiões fronteiriças e, principalmente, seu protagonismo

para o desenvolvimento de uma cultura rio-grandense. O cavalo esteve diretamente

ligado a grande parte das atividades cotidianas no Rio Grande do Sul e, em

decorrência, as “[...] distâncias eram medidas pela velocidade de carreira dos

animais” (GOULART, 1964, p. 129).

A relação entre o gaúcho e seu pingo foi muito romanceada pela literatura

com a construção da imagem do amigo inseparável. Mas a lida diária no trabalho do

campo aproximou esses dois personagens, fazendo com que surgisse uma

pluralidade de tradições apoiadas no uso do cavalo.

As carreiras em cancha reta, diversão típica dos gaúchos das regiões de

fronteira (GOLIN, 1999), encontraram nos imigrantes recém-estabelecidos no Vale

do Taquari mais adeptos. Essa prática cultural que possui uma organização própria

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desenvolveu-se entre os imigrantes conservando o formato típico que tinha nas

outras partes do estado, mantendo inclusive, os vocábulos e termos específicos de

carreira.

A apropriação de práticas culturais, como a carreira, por parte dos imigrantes

europeus e seus descendentes, foi motivada por dois fatores primordiais, a

existência de esportes equestres em seus estados nacionais de origem e a

influência de uma política de abrasileiramento. Entre os imigrantes de origem alemã

e seus descendentes essa campanha nacionalista (1937-1945) foi sentida com mais

força, devido à ideia que se tinha do “perigo alemão” (SEYFERTH, 1997). Sob a

influência do abrasileiramento forçado, muitos imigrantes passaram a participar com

mais frequência de atividades consideradas típicas e tradicionais, adotando também

os trajes típicos de gaúcho, como bota e bombacha.

Os diferentes grupos étnicos que se estabeleceram na região que compõe o

Vale do Taquari, açorianos, alemães e italianos e seus descendentes, reproduziram

em proporções semelhantes a tradição das canchas retas nos diferentes municípios

da região, aspecto comprovado a partir do levantamento da localização das

canchas, formulando um mapa que não fica restrito a um único espaço geográfico

do Vale do Taquari. Esse dado nos leva à conclusão de que não coube somente a

uma etnia a identificação com as corridas em cancha reta, sendo que diferentes

grupos étnicos passaram a realizar as carreiras.

Cada grupo agregou às carreiras características culturais, como a prática de

outros jogos paralelamente às corridas de cavalo, como o jogo da bocha, jogo de

cartas e os jogos de azar. A interação entre os frequentadores das canchas pode

justificar a mínima diferença no cardápio, que na maioria dos casos consiste em

churrasco ao ar livre, no estilo piquenique.

A tradição de atar carreiras se manteve desde o século XIX até a atualidade.

O mesmo não ocorreu com o turfe. Os dois prados (Prado Estrelense e Prado

Taquaryense), onde se praticava esse esporte, foram desativados nas primeiras

décadas do século XX e não foram encontrados registros de pistas elípticas ou

circulares na região do Vale do Taquari. Em Porto Alegre, onde o turfe se manteve

como forma principal de corrida, observa-se o movimento inverso - o fechamento

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das pequenas canchas de carreira e a construção dos hipódromos (PEREIRA,

2012). Na região do Vale do Taquari, as carreiras não constituíram associações

esportivas nem entidades, o que contribui para sua manutenção no formato privado.

A cancha reta correspondia à estrutura rural das cidades do Vale do Taquari,

tornando-se a atividade equestre de maior influência entre seus habitantes.

Constatou-se que esta tradição adquiriu características de hereditariedade,

sendo os seus participantes descendentes de pessoas que participavam dessa

atividade há várias gerações. Observou-se nos relatos a ênfase que se dava à

história familiar nas corridas de cancha reta, ressaltando a importância do pai, do

avô e até dos antepassados mais distantes sempre terem gostado de carreira. A

Hípica Reckziegel, a mais antiga em funcionamento da região do Vale do Taquari,

desde 1910, muito bem ilustra essa situação.

A quantidade pouco expressiva de fontes documentais que encontramos

durante a pesquisa nos possibilita inferir que isso se dá principalmente em função da

ilegalidade a que as canchas foram submetidas por meio da legislação federal.

Conseguimos localizar um estatuto de corridas em cancha reta que confirma as

condições e regras descritas pelos entrevistados em seus depoimentos. O que nos

leva a concluir que o sistema de regras foi o mesmo nas várias canchas e hípicas do

Vale do Taquari. Essa semelhança provavelmente se dá em função da circulação

que havia dos carreiristas nas canchas, aplicando assim as mesmas regras em

todas elas.

Os depoimentos foram fontes primordiais e a história oral a metodologia mais

adequada para o desenvolvimento da pesquisa. Houve a necessidade de conseguir

uma aproximação e conquistar a confiança dos depoentes para que adquirissem

segurança para compartilhar as suas vivências pessoais. A história oral é uma

metodologia já consolidada e se baseia em critérios específicos.

O primeiro critério, ao meu ver, é reconhecer que contar a própria vida nada tem de natural. Se você não estiver numa situação social de justificação ou de construção de você próprio, como é o caso de um artista ou de um político, é estranho. Uma pessoa a quem nunca ninguém perguntou quem ela é, de repente ser solicitada a relatar como foi a sua vida, tem muita dificuldade para entender esse súbito interesse (POLLAK, 1992, p. 13).

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Nos relatos dos depoentes ficou clara a ênfase dada às vitórias nas corridas,

houve poucas menções a carreiras perdidas e, nesses casos, apenas para dizer que

haviam sido sabotados. Observa-se o que Pollak chama de característica seletiva da

memória quando diz “A memória é seletiva. Nem tudo fica gravado. Nem tudo fica

registrado” (POLLAK, 1992, p. 4). As narrativas também ilustraram memórias vividas

por tabela (POLLAK, 1992) quando os depoentes relatavam histórias nas quais não

tiveram participação direta, mas as relatavam como se lá estivessem.

As carreiras mostraram-se um espaço propício para a observação dos valores

sociais, relações de poder e de gênero. Circulam por esse espaço indivíduos dos

mais variados níveis socioeconômicos, profissões e origem étnica, tornando-se um

espaço de sociabilidade da tradição campeira de provar quem tem o cavalo mais

veloz.

A pluralidade cultural da região tomada como referência nesse estudo baseia-

se na diversidade étnica dos grupos que nela se estabeleceram. Para Barth ([1969]

2000, p. 25), “uma vez que cultura nada mais é do que uma maneira de descrever o

comportamento humano, segue-se disso que há grupos delimitados de pessoas, ou

seja, unidades étnicas que correspondem a cada cultura”. Sendo assim, cada grupo

étnico trouxe consigo uma considerável bagagem cultural, bagagem essa que não

impediu que os mesmos passassem a praticar essa atividade já tradicional no Rio

Grande do Sul desde o século XIX (SAINT-HILAIRE, 1987).

A atuação feminina se mostrou fundamental para a manutenção da tradição à

medida que as esposas e filhas ocuparam papéis importantes na organização, nos

preparativos, na alimentação e na recepção do público que vinha prestigiar o evento.

A lei que integrou ao Patrimônio Histórico do Rio Grande do Sul a corrida em

cancha reta não atingiu os participantes desta pesquisa, que afirmaram não ter

conhecimento nenhum sobre a referida legislação. A questão da legalidade é uma

das maiores barreiras para a continuidade das canchas retas, que encontram na lei

muitos empecilhos para sua manutenção. As canchas visitadas no decorrer desta

pesquisa não possuem nenhuma forma de registro oficial. Para os dias de corrida os

proprietários retiram uma licença para evento com a Brigada Militar, que fica

responsável também pelo policiamento (DIÁRIO DE CAMPO 6, 2014).

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A possibilidade de estudos que abordem as carreiras é uma necessidade,

visto que esse patrimônio do folclore gaúcho recebeu poucos olhares acadêmicos

até a atualidade. Mostra-se interessante a possibilidade de traçar um comparativo

entre as corridas em cancha reta nas regiões de imigração com as regiões de

fronteira, analisando o sistema de apostas e jogos, regras, vocabulário, estrutura das

canchas e preparo dos animais.

As diferenças entre os grupos étnicos pesquisados, açorianos, alemães e

italianos, reafirmam a existência das fronteiras entre os grupos étnicos, porém as

semelhanças na realização das corridas em cancha reta apontam para o que Barth

([1969] 2000) chama de contato social entre pessoas de diferentes culturas. Conclui-

se que as carreiras de cancha reta na região do Vale do Taquari constituíram-se um

ambiente de contato social entre os distintos grupos, de propagação e de

reatualização das suas culturas.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – Roteiro semi-estruturado de entrevista com participantes de

carreiras

Tema: Carreiras: Corridas de cavalo em cancha reta no Vale do Taquari

1) Identificação do entrevistado (nome, idade, profissão, onde nasceu...).

2) Qual seu envolvimento nas corridas (desde quando frequenta, lembrança das

primeiras corridas que presenciou...)?

3) Quem eram os personagens das corridas em cancha reta?

4) Quem eram os grupos sociais que atuaram no cenário das corridas (relações de

gênero e de poder)?

5) O senhor percebe mudanças na forma de realização das carreiras comparando

como é feita hoje e como era antigamente?

6) Qual era a localização das canchas? Quais municípios que possuíam canchas no

Vale do Taquari?

7) Haviam regulamentos das corridas (escrito, oral, existência de contratos e

multas)?

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8) Quais as repercussões/desdobramentos que as canchas/corridas representavam?

9) Como era a alimentação, segurança, estrutura das corridas?

10) Que tipo de relações socioculturais se estabeleciam nesse espaço?

11) Quais as motivações para a realização das carreiras?

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APÊNDICE B – Roteiro semi-estruturado de entrevista com donos de cancha de

carreira

1) Identificação do entrevistado (nome, idade, profissão, onde nasceu...).

2) Qual o envolvimento da sua família com as carreiras?

3) Desde que período são proprietários de cancha de carreira?

4) Quais as razões para manter essa tradição?

5) Quem eram os personagens das corridas em cancha reta?

6) Quem eram os grupos sociais que atuaram no cenário das corridas (relações de

gênero e de poder)?

7) O senhor percebe mudanças na forma de realização das carreiras comparando

como é feita hoje e como era antigamente?

8) Qual era a localização das canchas? Quais municípios que possuíam canchas no

Vale do Taquari?

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9) Haviam regulamentos das corridas (escrito, oral, existência de contratos e

multas)?

10) Quais as repercussões/desdobramentos que as canchas/corridas

representavam?

11) Como era a alimentação, segurança, estrutura das corridas?

12) Que tipo de relações socioculturais se estabeleciam nesse espaço?

12) Quais as motivações para a realização das carreiras?

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APÊNCIDE C – Roteiro semi-estruturado de entrevista com mulheres que

frequentavam as carreiras

1) Identificação da entrevistada (nome, idade, profissão, onde nasceu...).

2) Qual seu envolvimento nas corridas (desde quando frequenta, lembrança das

primeiras corridas que presenciou...)?

3) Como a senhora percebe a participação das mulheres nas carreiras?

4) Havia uma delimitação de quais eram as atividades que poderiam ser

desempenhadas por um homem e quais poderiam ser desempenhadas pelas

mulheres?

5) Quais as repercussões/desdobramentos que as canchas/corridas representavam?

6) Como era a alimentação, segurança, estrutura das corridas?

7) Que tipo de relações socioculturais se estabeleciam nesse espaço?

8) Quais as motivações para ir assistir a uma carreira?

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APÊNDICE D – Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE)

A pesquisa com a temática “CARREIRAS: corridas de cavalo em cancha reta no Vale

do Taquari” está sendo realizada como atividade integrante para o Trabalho de Conclusão

de Curso (TCC), do Curso de História do Centro Universitário Univates, e tem como objetivo

analisar historicamente como as carreiras passaram a fazer parte da tradição cultural do

Vale do Taquari. A coleta de dados será feita mediante a realização de entrevistas, de

acordo com o objetivo especificado acima.

Pelo presente Termo de Consentimento Livre Esclarecido declaro como

entrevistado(a) a concordância em participar desta pesquisa e uma possível continuidade da

mesma, após ser informado de forma clara e detalhada da justificativa e dos propósitos do

projeto, bem como dos procedimentos relacionados ao levantamento dos dados. A

participação dar-se-á através de informações que serão fornecidas no momento das visitas,

previamente agendadas, por meio de entrevistas semiestruturadas que serão gravadas,

registros fotográficos e diários de campo.

Estou ciente de que o único possível desconforto será o tempo que disponibilizarei

para a realização do levantamento dos dados e que poderei solicitar esclarecimentos antes

e durante o curso da pesquisa, tendo a liberdade de recusar-me a participar ou de retirar o

meu consentimento a qualquer momento.

Minha participação é feita por ato voluntário, o que me deixa ciente de que a

pesquisa não me trará qualquer apoio financeiro, dano ou despesa e que as informações

contidas nas entrevistas e os resultados do estudo poderão ser utilizados para fins de

publicação e divulgação em eventos e revistas científicas, tendo a garantia de sigilo que

assegure a privacidade.

Este termo será assinado em duas vias, sendo que uma ficará com o(a)

entrevistado(a) e a outra com o pesquisador.

O responsável pela pesquisa é a aluna do Curso de História Emanuele Amanda

Scherer, acadêmica do Curso de História da Univates (fone 51 80493491), orientado pelo

professor Dr. Luís Fernando da Silva Laroque – professor do Curso de História da Univates -

(fone 51 3714 7000 Ramal 5348).

Local

Data: ___/____/____

............................................... ..................................................

Nome Nome

Assinatura do Entrevistador Assinatura do(a) Entrevistado(a)

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ANEXOS

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ANEXO A – Código de Corridas de Cavalos

Fonte: Acervo da Família Canton, 1984.

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ANEXO B – Lei nº 14.459

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ANEXO C – Lei nº 14.525