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Cartilha Programa agrário do MST

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  • Expediente:A cartilha Programa agrrio do MST - Texto em construo para o VI Congresso Nacional uma publicao do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.Diagramao: Secretaria Nacional do MST PedidosSecretaria Nacional | Alameda Baro de Limeira, 1232 - 01202-002 - So [email protected] 1 edio abril 2013

    2 edio agosto 2013 - Revisada

    3 edio setembro 2013 - Aprovada na CN

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  • 3 Sumrio Apresentao........................................................................5 I. O processo de desenvolvimento do capitalismo no campo......................................................9

    1. Contexto histrico ................................................................9

    2. As mudanas estruturais na produo

    e na propriedade da terra....................................................12

    3. As classes sociais resultantes..............................................16

    4 As contradies do modelo de produo do capital...........18

    II. A natureza da luta pela reforma agrria.........................21

    III. Fundamentos de nosso programa de Reforma Agrria popular...............................................35

    IV. Proposta de um programa Reforma Agrria Popular.........................................................................39

    V. Nosso lema: Lutar, Construir Reforma Agrria Popular!.................49

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  • 5 Apresentao Estimados companheiros e companheiras militantes do MST.

    Em agosto de 2011, a direo nacional do MST deu in-cio a um processo de debates e discusses em preparao ao nosso VI Congresso Nacional. De l para c, fizemos diversos seminrios nacionais, regionais e estaduais. Fizemos debates nos cursos de formao, nas instncias estaduais e nos coleti-vos dos diferentes setores. Acreditamos que a ampla maioria de nossa militncia se envolveu nesse debate. Formulamos dois documentos bsicos. O primeiro o programa agrrio do MST para o perodo de 2014-19. O segun-do contm as principais linhas polticas setoriais do MST, em especial, sobre a Frente de Massas, Produo e os desafios da ttica da nossa luta. Tambm, atualizamos as Normas Gerais, sobre funcionamento das nossas instncias. Aqui, nesta cartilha, apresentamos o que sistematizamos, dos debates e discusses, sobre o Programa Agrrio. Como po-dem ver pelo sumrio, temos uma anlise inicial sobre o diag-nstico da realidade agrria brasileira. Depois, h um captulo sobre a natureza da reforma agrria nos tempos atuais. Segue o captulo dos fundamentos de uma reforma agrria de novo tipo que defendemos para a sociedade brasileira e a proposta de um programa de Reforma Agrria Popular. E, ao final, apresentamos o lema, do prximo Congresso Nacional, deliberado por mais de 300 dirigentes, na reunio da Coordenao Nacional do Movimento: Lutar, Construir Refor-ma Agrria Popular! O lema serve para incentivar e orientar nossas lutas e prticas de trabalho e organizao. Serve, tambm, para dia-logar com a sociedade, manifestando os objetivos centrais da nossa luta para os prximos anos. Aqui est a sntese de dois anos de debates e de uma construo coletiva. Centenas de companheiras e companhei-

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  • 6ros participaram ativamente dessa elaborao coletiva, aqui apresentada. Este documento, no deve ser visto como uma receita ou um produto j acabado. Ao contrrio, so ideias que cons-trumos, com base em conhecimentos cientficos e da nossa prtica concreta da luta de classes do dia-a-dia, em todo o pas. Assim, deve ser visto como uma sntese histrica para esse mo-mento. A implantao do nosso Programa de Reforma Agrria Popular depende, em parte, da nossa capacidade de reivindicar e pressionar os governos. Obter conquistas do Estado burgus um fator importante na luta de classes e na formao de uma conscincia poltica dos nossos militantes. Importante, mas in-suficiente. A sua implantao depende da correlao de foras nos enfrentamentos com o inimigo principal da reforma agrria hoje, o agronegcio. No bastam apenas vontade e disposio de lutar. preciso ter fora organizada, agilidade poltica e cria-tividade nas formas de lutas para derrotar o inimigo. Depende, sobretudo, da nossa capacidade de fortalecer internamente a nossa organizao. Precisamos de um MST for-te, com efetivos mecanismos de democracia interna, que incen-tivem e possibilitem a participao de todos e todas nas discus-ses e tomadas de decises da nossa organizao. Depende da nossa capacidade de ir acumulando foras e irmos construindo em nossos assentamentos, em nossas es-colas, centros de formao, enfim, em todos os nossos espaos conquistados, o nosso modelo de agricultura para o campo bra-sileiro. Depende da nossa capacidade de construirmos alian-as concretas em torno do programa com os demais setores do campesinato e com toda classe trabalhadora urbana. Depende da capacidade de dialogar e conquistar amplos setores da sociedade brasileira, para construir uma hegemonia um consenso que compreenda e defenda o nosso modelo de agricultura. Depende da democratizao do Estado brasileiro, da mudana de seu carter burgus. E de termos um governo hege-monicamente popular.

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  • 7 Por isso, esse programa seguir em construo perma-nente. Seguir sendo atualizado, de acordo com o andar das nossas lutas, conquistas e novos desafios, ao longo da histria! Esperamos que cada companheira e companheiro possa aprofundar estes estudos, compartilhar com outros companhei-ros/as, utiliz-los para debates nas escolas, cursos e centros de formao. Devemos, tambm, utilizar esta cartilha para debater nossas ideias e propostas junto aos demais setores da sociedade.Assim esperamos contribuir para a construo de um futuro melhor para o nosso pas, alicerado nos ideais socialistas, e legarmos, para as geraes futuras, uma sociedade brasileira socialmente justa, igualitria, democrtica e fraterna, como to-dos e todas ns sonhamos.

    Coordenao Nacional do MST

    Braslia, agosto de 2013

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  • 9I. O processo de desenvolvimento do capitalismo no campo

    1- Contexto histrico 1. O capitalismo mundial, a partir da dcada de 1980, ingressou numa nova fase de seu desenvolvimento, sendo agora hegemonizado pelo capital financeiro e pelas empresas privadas transnacionais, oligopolizadas, que controlam o mercado mun-dial das principais mercadorias. Isso significa que o processo de produo de riquezas continua sendo realizada pelo trabalho na esfera da indstria, agricultura e do comrcio. No entanto, as ta-xas de acumulao e de diviso do lucro se concentram na esfera do capital financeiro e das grandes empresas privadas capitalis-tas oligopolizadas que atuam em nvel mundial. (Segundo dados do PNUD - Agncia de Desenvolvimento das Naes Unidas, as 700 maiores empresas controlam 80% do mercado mundial!) 2. Em 1980 o PIB mundial (que teoricamente representa a produo de todas as mercadorias no ano, no mundo) estava em torno de 15 trilhes de dlares e havia em circulao ao redor de 16 trilhes de dlares em equivalente moeda. Agora, em 2010, o PIB mundial passou para 55 trilhes (concentrado cada vez mais em um menor nmero de pases EUA, Europa, China e Japo) e o volume de moeda em circulao ascendia a 150 trilhes de dlares. Isso acrescido do capital fictcio repre-sentado por ttulos e documentos de crdito. 3. Essa forma dominante do capital em todo o mundo trouxe mudanas estruturais tambm na forma de dominar a produo das mercadorias agrcolas. Surgiu uma aliana de classe, entre a burguesia das empresas transnacionais, os ban-queiros (o capital financeiro), a burguesia proprietria das em-presas de comunicao de massa e os grandes proprietrios de terra para controlarem a produo e a circulao das commo-dities (mercadorias agrcolas padronizadas). Como resultado esperado, controlam os preos e o volume das commodities em circulao, portanto, dominam os mercados e ficam com a maior margem da renda agrcola e do lucro produzidos.

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    4. Na organizao da produo das mercadorias impu-seram a racionalidade do capital atravs da produo em es-calas em reas continuas e do monocultivo, com o objetivo de obter produtividade mxima do trabalho e maior rentabilidade econmica. Para isso, substituem a fora de trabalho pela me-canizao intensiva. E se utilizam de volumes cada vez maio-res de fertilizantes qumicos industriais e de agrotxicos. 5. As empresas transnacionais que controlam a produ-o de agrotxicos passaram a controlar a oferta de sementes, tanto as hbridas como as geneticamente modificadas em la-boratrios. Estas sementes conhecidas como transgnicas so portadoras de genes que tornam as plantas mais suscetveis a doenas e pragas exigindo o uso obrigatrio, e mais intensi-vo, de agrotxicos. Essas sementes transgnicas so patentea-das como propriedade privada permitindo legalmente que se cobredireitos de uso pelos agricultores: os royalties. 6. Esse modelo de produo resultou numa matriz tec-nolgica de produo universalizada a partir da dcada de 1990, com aplicao da biotecnologia (em particular da trans-genia), da informtica e das tcnicas de irrigao, tudo contro-lada pelas empresas privadas transnacionais. Poderia ser consi-derada como uma nova fase da modernizao conservadora iniciada na dcada de 1960, mas diferente e mais intensa do que a anterior, a qual foi a chamada de revoluo verde pelo uso intensivo de insumos agroqumicos de origem industrial. 7. Essa forma de produzir tornou-se cada vez mais de-pendente do adiantamento do capital financeiro, na forma do crdito rural, para financiar o acesso aos insumos adquiridos nos mercados como sementes, mudas e smen; fertilizantes e herbicidas qumicos; agrotxicos e hormnios; mquinas, tra-tores, implementos e veculos de transportes. 8. Esse modelo de produo agrcola foi massivamente adotado pelas empresas capitalistas no campo e passou a deno-minar-se como o modelo do agronegcio. Tornar a agricultura como um negcio para acumulao de riqueza e de renda sob o controle do grande capital. 9. Com a crise internacional do capitalismo, a partir de 2008 percebeu-se uma ofensiva de entrada de capital estran-geiro tanto do capital financeiro como do fictcio, que migrou

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    do hemisfrio norte para o hemisfrio sul. Esses capitais foram investidos na agricultura, na apropriao privada da natureza (terras, gua, hidreltricas, fontes de energia, minrios, usinas de etanol) bem como no controle de commodities (soja, milho, laranja, cacau, aves, sunos, carne bovina, etc.). 10. No caso do Brasil, as estatsticas revelam que no perodo de 2008-2012 ingressaram no pas ao redor de 80 bi-lhes de dlares de capital financeiro estrangeiro para aplicar apenas na aquisio de bens da natureza. 11. Alm da ofensiva em investimentos estrangeiros para o controle da produo e dos mercados agrcolas, tem-se constatado uma ofensiva do capital internacional do Hemis-frio Norte, para investirem e controlarem, atravs de grandes empresas privadas transnacionais, as riquezas minerais do Bra-sil como ferro, bauxita, ouro, cobre, nibio, etc. E tambm con-trolar as fontes de energia como petrleo e gs natural, etanol, hidreltricas e parques elicos. 12. O modelo macroeconmico brasileiro praticamente no se alterou com a mudana de governo, mantendo sua lgi-ca centrada nos ganhos especulativos ligados ao capital finan-ceiro. O governo manteve o supervit primrio no oramento da unio, como forma de garantir pagamento de juros da dvida interna, e no teve o controle do cmbio. Isso significa que a taxa de cmbio deixada merc do mercado flutuou de acordo com os interesses de especulao do capital privado in-ternacional sobre a nossa economia. Os Estados Unidos (EUA) emitem a moeda dlar sem controle e jogam no mercado inter-nacional para que paguemos o seu dficit. 13. Este processo ocorrido durante os oito anos de Go-verno Lula, resultou numa transferncia para o capital financei-ro de mais de 700 bilhes de reais, somente para pagamento de juros da dvida interna. O que contribuiu para concentrao e centralizao do capital, pois, segundo estudos de Mrcio Pochmann, os credores e beneficirios desses juros so menos de cinco mil capitalistas, apenas. 14. O agronegcio passou a ter uma expressiva funo econmica no modelo do capital financeiro (gerar saldos co-merciais para ampliar as reservas cambiais, condio essencial para atrair os capitais especulativos para o Brasil). E este avano

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    do agronegcio bloqueia e protege as terras improdutivas para futura expanso dos seus negcios, travando a obteno de ter-ras para a reforma agrria. 15. O Estado brasileiro, mais alm do seu arcabouo jurdico de proteger os interesses da classe dominante, tem cumprido um papel fundamental de garantir a hegemonia do modelo do agronegcio na produo agrcola. Ele atua na ga-rantia de transferncia de recursos pblicos, via investimentos e atravs do financiamento compulsrio destinado a ele, reco-lhendo da poupana nacional depositada nos bancos. 16. Esse modelo afeta, sob as mais distintas dimenses, a articulao poltica-partidria e legislativa, as formas de pres-so sobre os governos e a natureza da disputa do poder poltico no contexto das contradies de classes sociais. A constitui-o de uma bancada ruralista pluripartidria emblemtica, colocando os interesses das empresas capitalistas direta e in-diretamente relacionadas com o capital no campo, acima dos interesses sociais.

    2- As mudanas estruturais na propriedade da terra, produo, emprego e renda

    17. O processo de desenvolvimento do capital resultan-te da implantao de cima para baixo desse modelo econ-mico, estruturalmente cada vez mais dependente do exterior e que organiza a produo unicamente sob a forma de negcio capitalista na forma do agronegcio, provocou mudanas estru-turais na forma de apropriao privada da terra e dos recursos naturais, na produo, nas condies de realizao dos merca-dos, na composio das classes sociais, no perfil da estrutura do emprego, na tecnologia utilizada e na produo cientfica e tec-nolgica no mbito da pesquisa agropecuria em todo Brasil. 18. Os empresrios capitalistas, brasileiros e estrangei-ros, passaram a priorizar os investimentos na produo de soja, milho, de cana-de-acar (com suas usinas para acar e eta-nol), no cultivo extensivo de eucalipto para celulose para a pro-duo de carvo vegetal (para as usinas guseiras siderrgicas de exportao do minrio de ferro) e pecuria bovina extensiva. 19. As 50 maiores empresas agroindustriais de capital

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    estrangeiro e nacional passaram a controlar praticamente todo comrcio das commodities agrcolas no Brasil e, indiretamente, a composio da oferta agropecuria do pas. 20. Houve uma crescente centralizao do capital que atua na agricultura: uma mesma empresa controla sementes, ferti-lizantes, agroqumicos, o comrcio, a industrializao de produ-tos agrcolas e na produo e o comrcio de mquinas agrcolas. 21. Os fazendeiros capitalistas, subordinados a essas em-presas transnacionais, e que controlam um PIB agrcola ao re-dor de 150 bilhes de reais por ano, necessitam de crdito rural adiantado no valor de aproximadamente 120 bilhes de reais por ano. Este adiantamento garantido pelo Governo brasileiro. E depois repartem suas taxas de mais-valia com as empresas for-necedoras dos insumos, com as empresas compradoras das mer-cadorias e com os bancos que adiantaram o capital financeiro. 22. Nos ltimos dez anos, houve um processo acelerado da concentrao da propriedade da terra. O ndice que mede a concentrao da propriedade da terra continua crescendo. O ndice de Gini em 2006 estava em 0,854, que maior inclusive do que o registrado em 1920, quando recm havamos sado da escravido. Nas estatsticas do cadastro de imveis rurais do INCRA v-se que entre 2003 e 2010, as grandes propriedades passaram de 95 mil unidades para 127 mil unidades. E a rea controlada por elas passou de 182 milhes de hectares para 265 milhes de hectares, em apenas oito anos. 23. Analisando-se as grandes propriedades classificadas pelos critrios da lei agrria de 1993, com base nas informa-es declaradas pelo proprietrio de imvel rural ao INCRA, constatou-se que em 2003, havia 47 mil grandes propriedades improdutivas, as quais detinham 109 milhes de ha, e que, em 2010, passaram a ser 66 mil grandes propriedades improduti-vas, controlando 175 milhes de hectares. Embora as estats-ticas do INCRA apresentem falhas, ainda assim elas indicam uma tendncia da concentrao e crescimento do nmero de imveis improdutivos. 24. Analisando os dados por estabelecimentos (critrio adotado pelo IBGE), percebe-se que no ltimo censo de 2006, havia 22 mil grandes propriedades acima de dois mil hectares de terra, que seriam os grandes latifndios. E outros 400 mil

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    estabelecimentos entre 100 e 2 mil hectares, que seriam os es-tabelecimentos rurais modernos que constituem a maior parte do modelo de agronegcio. 25. Os grandes e mdios proprietrios que representam o agronegcio controlam 85% das terras e praticamente toda produo de commodities para exportao... 26. Constatou-se, tambm, uma concentrao da produ-o agrcola por produto e, em 2010, 80% das commodities e das terras por elas utilizadas se destinavam a soja, milho, cana de acar e pecuria extensiva. 27. Houve um aumento acelerado na desnacionali-zao da propriedade da terra, com avano da presena de empresas estrangeiras. Mas impossvel ter aferio estats-tica confivel, pois o capital estrangeiro compra as aes de empresas brasileiras, que possuem as terras sem necessidade de alterar o cadastro no INCRA. No entanto, estima-se que as empresas estrangeiras devem controlar mais de 30 milhes de hectares de terras no Brasil.. 28. O agronegcio possui prioridades regionais de cul-tivos e criaes para a sua expanso. A soja prioridade em todas as regies; a cana-de-acar na regio centro-sudeste; a celulose no sul da Bahia, norte do Esprito Santo e Mato Grosso do Sul. J a madeira para produo de carvo ganha dimenso no Norte do pas e em Minas Gerais, sobretudo onde se insta-laram as indstrias siderrgicas. No semirido nordestino, as frutas irrigadas. E no litoral do nordeste, o camaro cultivado. A pecuria extensiva vai ficando nas regies mais degradas e na fronteira agrcola, desbravando e amansando a terra para o avano paulatino do capital. 29. Quanto pecuria leiteira, essa vem sendo empurra-da para regio sul do Brasil, na medida em que a cana de acar vai ocupando as pastagens do sudeste. Outro produto importan-te o algodo que cresce nas grandes fazendas do centro-oeste. 30. Houve um aumento significativo da produtividade agrcola por hectare e por trabalhador, em todos os ramos de produo. No entanto, essa produtividade esteve combinada com o aumento de escala dos monocultivos e com o uso in-tensivo de agrotxicos e mquinas agrcolas. E o aumento das margens de lucro no resultou em melhorias das condies de

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    vida dos trabalhadores, que produziram essa riqueza. 31. O capital procura se expandir na agricultura, incor-porando novas reas para o agronegcio, na regio centro-oes-te, no bioma do cerrado, no sul da Amaznia e pr-Amaznia, no chamado Mapito (sul do Maranho, sul do Piau, oeste da Bahia e Norte de Tocantins). Nesse sentido, o capital enfrenta alguns empecilhos jurdicos para sua expanso, como o Cdigo Florestal, que impe reserva nativa de 80% da rea do imvel, para o bioma da Amaznia, e 40% para os imveis no Cerrado. E estabelecem restries com relao s reas de quilombolas as quais depois de reconhecidas no podem mais ser vendidas. O mesmo ocorre com as reas indgenas. Alm dessas limita-es jurdicas os povos indgenas enfrentam a sanha do capital pela invaso impune dos seus territrios principalmente na re-gio centro-oeste. 32. No modelo do agronegcio est contemplada uma parceria ideolgica de classe entre os grandes proprietrios da terra e os empresrios dos meios de comunicao da burguesia, em especial televiso, revistas e jornais, que fazem a defesa e a propaganda permanente das empresas capitalistas no campo como nico projeto possvel, moderno e insubstituvel. Alm da presso econmica a reproduo ideolgica dos interesses de classe das classes dominantes agora realizada pelos meios de comunicao de massa. E h uma simbiose entre os grandes proprietrios dos meios de comunicao, as empresas do agro-negcio, as verbas de publicidade e o poder econmico. 33. Percebe-se que no desenvolvimento das foras pro-dutivas no nvel do Brasil o nmero de mquinas agrcolas ven-didas (tratores e colheitadeiras) tem aumentado no tamanho de potncia, mas no no nmero de unidades. Na dcada de 1970, quando os agricultores familiares tinham acesso ao crdito ru-ral subsidiado que estava vinculado agroindstria de maneira mais intensa, o mercado de tratores era de 75 mil unidades/ano. E agora, nos ltimos anos, baixou para 36 mil unidades/ano, embora tenha aumentado a potncia mdia. 34. Mas, no geral, os ndices de mecanizao da agricul-tura brasileira so baixssimos, comparados com os volumes de produo. O nmero total de tratores existentes na agricultura brasileira de apenas 802 mil tratores, segundo o ltimo censo

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    do IBGE (uma mdia de dois tratores para cada propriedade do agronegcio). Comparando-se com o nvel de desenvolvimen-to das foras produtivas da agricultura dos Estados Unidos, em 1920, eles j possuam 900 mil tratores na agricultura! 35. A hegemonia desse modelo econmico se amplia para o controle de todos os bens da natureza, como os minrios, a gua, as florestas e as fontes de energia. Em todos esses seto-res est havendo concentrao e centralizao do capital, assim como a desnacionalizao das empresas que os controlam.

    3- As classes sociais 36. Diversos pesquisadores sociais adequaram os da-dos estatsticos da produo agropecuria e florestal para che-gar aos dados aproximados da condio de classes sociais na agricultura brasileira. Assim, pode-se dizer que h um setor capitalista-empresarial, (aqueles que possuem e controlam os meios de produo e a produo), que seria representado por aproximadamente 450 mil estabelecimentos agrcolas, que possuem 300 milhes de hectares e controlam toda produo de commodities para exportao. Essa seria a classe dominante no campo brasileiro. 37. Os assalariados rurais permanentes: aqueles que tra-balham nos estabelecimentos rurais acima de mil hectares. So cerca de 400 mil assalariados. Assalariados rurais temporrios e outros 1,8 milhes de assalariados nas propriedades de 500 a 2 mil hectares, totalizando, assim, 2,2 milhes de trabalhadores assalariados para o agronegcio. 38. Na dcada de 1980, o nmero de trabalhadores assa-lariados na agricultura entre permanentes e temporrios variava entre 6 a 10 milhes de trabalhadores. Portanto, comparando--se com os dados do Censo do IBGE de 2006, houve em 2006 uma reduo significativa do nmero total de trabalhadores na condio de assalariados rurais, o nmero de assalariados rurais temporrios ao longo do ano de 2006 (Censo) de 2,2 milhes, parte dos quais constituda por alguns membros das famlias de camponeses pobres que migram de suas regies para traba-lhos temporrios na colheita da cana, laranja e do caf. E o de assalariados rurais permanentes foi de 2,0 milhes.

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    39. Os camponeses: As estatsticas do IBGE censo2006 identificaram 4,8 milhes de estabelecimentos rurais classifica-dos como agricultores familiares, com reas menores de 100 hectares. Esse seria o nmero aproximado de famlias que vi-vem supostamente na condio social de camponeses. Destes, um milho de famlias, aproximadamente, seriam camponeses com renda agrcola que garanta a reproduo social da famlia e alguma poupana, que vivem de seu trabalho familiar, contra-tam esporadicamente trabalho assalariado e esto integrados no mercado. So os que acessam as linhas de crdito do Pronaf. A maioria deles produz as mercadorias integradas agroindstria, como sunos, aves, fumo, leite, frutas e hortigranjeiros. 40. H outras 3,8 milhes famlias de camponeses po-bres que esto inviabilizados por esse modelo, que produzem basicamente para subsistncia e vendem pequenos volumes de excedentes, sem condies de manter poupana mnima. Entre eles est a base social que lutaria por terra e reforma agrria. Eles esto margem do modelo econmico do agronegcio, excludos de polticas pblicas, a maioria deles sobrevive com bolsa famlia do governo ou so dependentes da aposentaria de um membro da famlia mais idoso. Para os empresrios capita-listas, esses camponeses pobres constituem ou reserva de fora de trabalho ou fornecedores simples de alimentos para as reas urbanas locais. 41. Nos vrios segmentos de famlias camponesas h 14 milhes de trabalhadores adultos que trabalham no campo, sob as mais diferentes situaes de relaes sociais de produo. 42. H uma superexplorao do trabalho agrcola no Bra-sil. Entre os camponeses, pelo aumento da jornada de trabalho, pelo envolvimento de toda famlia, e pela baixa remunerao recebida. Entre os proletrios rurais, empregados no agroneg-cio, h uma superexplorao relativa, em funo da compara-o dos seus salrios, que so maiores do que os camponeses, mas muito menores do que seus equivalentes trabalhadores das mesmas commodities agrcolas em outros pases do mundo. Em mdia, os tratoristas brasileiros recebem apenas 20% do salrio de seu equivalente nos pases do hemisfrio norte, para traba-lhar na mesma produo de soja, milho, etc. 43. H ainda casos de trabalho no pago, anlogo da

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    escravido. Segundo os dados do Ministrio do trabalho e Po-lcia Federal registram-se ao redor de cinco mil casos por ano. Apesar da ignomnia que eles representam e devem ser conde-nados de todas as formas, no a forma principal de acumula-o de capital do agronegcio.

    4- As contradies do modelo de produo do capital versus os interesses da sociedade 44. O modelo de produo da agricultura industrial adotado pelo agronegcio totalmente dependente de agro-qumicos, estes, por sua vez, so dependentes de fontes esgo-tveis de petrleo, nitrognio, fsforo e potssio. E, mais, tm seus preos estabelecidos no nvel mundial, controlados por um pequeno grupo de empresas transnacionais em prticas de oligoplio. No caso brasileiro, agrava-se essa dependncia de-vido s importaes, o que afeta inclusive a soberania nacio-nal da produo agrcola. Na ltima safra foram importados 16 milhes de toneladas de fertilizantes. O Brasil est importando 75% de todos fertilizantes qumicos utilizados. 45. O controle oligopolista das grandes empresas trans- nacionais sobre o comrcio de alimentos leva ao estabeleci- mento de preos de monoplio (ver Guilherme Delgado) e num processo de padronizao dos alimentos, que em mdio prazo vai afetar inclusive a sade pblica. 46. A agricultura do agronegcio totalmente depen-dente do uso de venenos agrcolas, que so usados com inten-sidades e volumes cada vez maiores. O Brasil controla ape-nas 5% da rea cultivada entre os 20 maiores pases agrcolas no mundo. No entanto, consome 20% da produo mundial de venenos. Os venenos destroem a biodiversidade, alteram o equilbrio do meio ambiente, contribuem para as mudanas climticas e, sobretudo, afetam a sade das pessoas, com a pro-liferao de doenas e do cncer. O modelo do agronegcio no consegue produzir alimentos sadios. 47. O controle e a introduo da propriedade privada sobre as sementes por parte das empresas transnacionais colo-ca em risco o modelo de agricultura familiar e afeta a soberania alimentar do pas, em mdio prazo. Quem controlar as semen-

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    tes e mudas controlar a agricultura como um todo. 48. A propriedade privada por empresas estrangeiras dos recursos da natureza, como terra, gua, florestas, e min-rios gera uma contradio entre os interesses do povo brasileiro com os interesses dos empresrios capitalistas. 49. O modelo em curso de dominao mundial do ca-pital que imps uma rediviso do trabalho e da produo no mundo condenou os pases do hemisfrio sul a serem produto-res apenas de matrias primas, agrcolas e minerais. Isso vai au-mentar as desigualdades no mundo e aumentaro os conflitos sociais em mdio prazo. 50. A riqueza produzida na agricultura e os exceden-tes do trabalho agrcola, que antes ficavam na mesma regio (mesmo que fosse para os capitalistas), hoje so apropriados em outras esferas e outros centros urbanos, gerando maiores desigualdades sociais e regionais. 51. A expanso da monocultura elimina a biodiversi-dade e traz maior dependncia econmica, maior fragilidade social e graves consequncias ambientais, que comeam a ser percebidas em todas as regies. 52. O modelo do agronegcio, ao contrrio da etapa do capitalismo industrial, no distribui renda e nem gera empre-go para juventude. O capital aplica um modelo de produo agrcola, sem agricultores e com pouca mo de obra. Isso traz como contradio a falta de futuro da juventude, o aumento da migrao e o despovoamento do interior. 53. Os grandes proprietrios de terra (que antes, en-quanto latifundirios, auferiam todos os lucros e exerciam o poder poltico decorrente desse poder econmico), agora tem que dividir seus ganhos, e perdem poder poltico. E, portan-to, passam a ter contradies, ainda que secundrias, com os outros capitalistas. Certamente, sero perceptveis na prxima gerao dos herdeiros dos latifundirios, que tampouco conse-guem se reproduzir como latifundirios. 54. O modelo do agronegcio expulsa permanente ente mo de obra do campo. Que migram para as cidades. Porm, num segundo momento, quando concentram a produo e fa-zem novos investimentos, no esto conseguindo levar mo de obra para o campo para trabalhar como seus empregados.

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  • Muito menos entre a juventude. Assim, gera-se uma contradi-o, pois o modelo no atrai mo de obra e em mdio prazo ser um grave limitante. 55. A lgica predominante na apropriao dos bens da natureza apenas o lucro. a busca permanente da renda ex-traordinria que a explorao dos bens naturais proporciona. Isso vai gerando uma contradio permanente, por serem bens limitados frente s crescentes necessidades da populao de se alimentar e atender suas necessidades.

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    II. A natureza da luta pela reforma agrria: contexto histrico e desafios atuais 1. O capitalismo, em distintos perodos histricos, deu nfase a diferentes programas de reforma agrria. Aqui faremos um breve resgate histrico do enfoque dado reforma agrria, no cenrio nacional e internacional, durante os processos de de-senvolvimento e consolidao das sociedades capitalistas. Ao final do captulo, relatamos os desafios que o MST e as lutas pela reforma agrria enfrentam no momento atual, em nosso pas. 2. Na transio do feudalismo europeu e at mesmo do modo de produo asitico e das sociedades pr-capitalistas em geral - para o capitalismo comercial, os camponeses luta-ram pela direito ao acesso a terra, contra as oligarquias rurais e senhores feudais. Essas lutas, restritas s demandas dos prprios camponeses, ainda no se caracterizavam como lutas pela re-forma agrria. 3. Somente a partir do desenvolvimento do capitalismo industrial no sculo 18, a expresso reforma agrria comeou a ser utilizada. Neste perodo, a Reforma Agrria passou a ser uma poltica de governo e de Estado para mudar a estrutura de propriedade e de produo agrcola de um pas e, conse-quentemente, atender as demandas das nascentes sociedades urbano-industriais. 4. A mudana na estrutura fundiria atendia os interes-ses imediatos dos camponeses que lutavam pela posse da terra e contra a espoliao dos grandes proprietrios. Mas ia alm, era uma exigncia para impulsionar os processos de industriali-zao e para criar e consolidar o mercado interno das socieda-des capitalistas. 5. No processo de desenvolvimento do capitalismo in-dustrial, o desafio de desenvolver o mercado interno para suas fbricas confrontou-se com a enorme concentrao da proprie-dade da terra e o fato de que a maioria da populao vivia no campo e sem terra e sem renda, estava excluda desse merca-do. Para resolver essa contradio, as burguesias industriais,

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    que controlavam as estruturas do Estado, impuseram contra os interesses das oligarquias rurais a Reforma Agrria. A democra-tizao da propriedade da terra aos camponeses. 6. Ao democratizar a propriedade da terra, desapro-priando os senhores das terras e superando os resqucios do feudalismo, o Estado burgus visava transformar os campone-ses em produtores de mercadorias para a indstria e de ali-mentos para a populao urbana e, com isso, obter renda para serem compradores/consumidores das mercadorias de origem industrial. 7. Esse tipo de Reforma Agrria, iniciado nos pases da Europa ocidental e nos Estados Unidos, a partir de 1870, esten-deu-se pelos pases de todo hemisfrio norte at a dcada de 1950, com a guerra da Coria. Todas elas, nos diferentes pases e tempos histricos, serviram de apoio aos processos de desen-volvimento industrial implantado pela burguesia. 8. Essas mudanas nas estruturas fundirias, feitas pelo Estado burgus, so as chamadas reformas agrrias clssicas burguesas ou, simplesmente, reformas agrrias burguesas. Em comum, elas tm as seguintes caractersticas bsicas: eram rea-lizadas pelas burguesias industriais; potencializavam o merca-do interno atravs da democratizao da propriedade da terra; e, buscaram transformar os camponeses em produtores e con-sumidores de mercadoria. 9. Dessa matriz de reforma agrria clssica burguesa, surgiram inmeras outras propostas em pases perifricos ade-quadas suas realidades, aos desafios que se propunha supe-rar e, sobretudo, correlao das foras polticas do perodo histrico em que foram implantadas. Aqui na Amrica Latina, o governo John Kennedy chegou a promover uma reunio con-tinental em Punta del Este (1961) para estimular que os gover-nos fizessem reforma agrrias burguesas, como forma de desen-volver o mercado interno e impedir que os camponeses se radicalizassem como havia acontecido na revoluo cubana. E os economistas da CEPAL (organismo das naes unidas para Amrica Latina) difundiram essa tese como forma de enfrentar o subdesenvolvimento durante toda dcada de 60. 10. Houve tambm as reformas agrrias dos chamados governos nacionalistas, como por exemplo, a do General Cr-

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    denas (1939-46) no Mxico. Do general Juan Velasco Alvarado (1968-75), no Peru e a do guatemalteco Jacob rbenz (1951-54). E do Coronel Nasser, no Egito que distribuiu todas as terras frteis ao longo do rio Nilo aos camponeses na dcada de 60. No Brasil, a incluso da Reforma Agrria nas Reformas de Base do governo Joo Goulart, pode ser vista como uma tentativa desse tipo de reforma agrria, dentro de um projeto de desen-volvimento nacional capitalista. 11. H, tambm, as reformas agrrias anticoloniais, que representavam a distribuio de terras aos camponeses criou-los, que as tomavam dos capitalistas colonizadores. E que nem se chamavam de reforma agrria, mas apenas o direito ter-ra de quem nelas trabalhasse e morasse. Assim se consolidou a distribuio de terras a camponeses, na revoluo social do Haiti (1804) por Dessalines, e na dcada de 1810, no Uruguai (Governo Artigas) e Paraguai (Governo Frana) e de certa forma a distribuio de terras feita durante a revoluo mexicana de 1910-20). 12. Por outro lado, houve o impulso das lutas de libe-rao nacional, aps a Segunda Guerra Mundial (1939-45), no continente asitico e africano. As foras que promoveram as lutas pela Independncia dos seus pases expropriaram as terras dos colonos europeus e as entregaram aos camponeses. Foram reformas agrrias que buscaram, sobretudo, consolidar a sobe-rania poltica do pas. Pases como Moambique, Angola, Gui-n Bissau, Tanznia, Zimbawe, Arglia. Lbia... se enquadram nesse exemplo de reforma agrria. 13. H tambm as Reformas Agrrias de governos po-pulares que, em distintos processos histricos, se propunham a fazer uma transio do capitalismo para uma sociedade so-cialista. As Reformas Agrrias ocorridas em Cuba, com a Re-voluo de 1959, Vietnam, a partir da vitria sobre os Estados Unidos em 1973, e a da Nicargua Sandinista, em 1979, so alguns desses exemplos. 14. Por ltimo, h as reformas agrrias propostas pelas revolues populares que ousaram superar as formas de orga-nizao capitalista. So as Reformas Agrrias socialistas. Estas nacionalizaram a propriedade da terra, como um bem de toda nao, socializaram a propriedade dos meios de produo e

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    coletivizaram, de diferentes formas, o trabalho agrcola. Foram reformas agrrias realizadas dentro de um conjunto de polticas adotadas por governos resultantes de revolues sociais e que se propunham construir o socialismo. Portanto, estavam subor-dinadas s mudanas radicais no modo de produo geral da sociedade. Podemos citar como exemplos desse tipo de Refor-ma Agrria as que ocorreram resultantes das revolues russa (1917),) iugoslava (1945) chinesa (1949) e da Coria do Norte (1956). 15. No Brasil, ao longo da nossa histria, tivemos diver-sas propostas e tentativas de realizar uma reforma agrria den-tro dos marcos do desenvolvimento do capitalismo nacional. Alguns abolicionistas, como Joaquim Nabuco (1849-1910), defenderam com nfase que a liberdade do povo negro deve-ria ser acompanhada de um processo de distribuio de terras. Foram derrotados pela oligarquia rural, escravocrata e contro-ladora do poder poltico, os chamados coronis das terras. 16. Ainda na transio da plantation (grandes fazen-das de monocultivo que utilizavam trabalho escravo e se de-dicavam a exportao) do capitalismo comercial escravocrata para o capitalismo industrial, surgiram os primeiros movimen-tos camponeses e houve muita luta e disputa pela terra, em todo territrio. As comunidades camponesas lideradas por lde-res religiosos como a de Canudos/BA (1894-96), Contestado/SC (1912-16) e Caldeiro/CE (1926-37) exemplificam esse tipo de luta pela terra. Buscavam garantir a sobrevivncia, o trabalho e a reproduo camponesa, em condies naturais e polticas extremamente desfavorveis. Nem sequer foram cha-madas de reforma agrria por esses lutadores camponeses. 17. Somente aps a Segunda Guerra Mundial, surge a expresso e a luta pela Reforma Agrria no Brasil. Com o reascenso das mobilizaes populares, cresceu a luta pela Re-forma Agrria, protagonizada por movimentos camponeses - Ligas Camponesas, Ultabs (Unio de lavradores e trabalha-dores agrcolas do Brasil) e o Master (Movimento dos agricul-tores sem terra) que, pela primeira vez logram se constituir como organizaes nacionais e empunharam a partir de 1961 o lema: Reforma Agrria na Lei ou na Marra!. Os programas de Reforma Agrria defendidos pelos movimentos camponeses

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    da poca, e pelo ento governo popular de Joo Goulart, j mencionado anteriormente, estavam inseridos no objetivo de desenvolver o mercado interno para a indstria nacional, aos moldes de uma reforma agrria clssica burguesa. 18. Durante toda a dcada de 1950, at o Golpe Militar de 1964, prevaleceu o debate se o desenvolvimento da agricul-tura brasileira atrasadssima nas relaes sociais no campo e pouco produtiva por causa dos quatros sculos do modelo agroexportador deveria ser feito atravs de uma reforma agr-ria burguesa ou atravs de um pacto entre burguesia industrial e oligarquia rural para assegurar inalterada a estrutura fundiria. 19. O governo ditatorial dos militares imps a moder-nizao sem reformas e reprimiu duramente o movimento campons. Assim, aqui a burguesia industrial, ao contrrio da burguesia europeia do sculo 18, se aliou oligarquia rural para desenvolver o capitalismo nacional, dependente dos pa-ses centrais. 20. H muitas teses e interpretaes de porque a bur-guesia industrial brasileira no defendeu a necessidade de uma reforma agrria para industrializar o pas. Entre as principais pode-se citar: a burguesia industrial brasileira nunca se consti-tuiu como uma burguesia nacionalista, que queria desenvolver a nao; a indstria brasileira j nasceu dependente (do capi-tal estrangeiro e de um mercado no de massas; a burguesia precisava ter ganhos com a superexplorao da mo de obra fabril, e para isso era preciso ter um enorme exercito industrial de reserva, formado pelos camponeses que migravam todos os anos para as cidades e pressionam os salrios para baixo. At hoje, a mdia salarial da indstria brasileira um dos mais baixos do mundo. 21. No perodo de 1964-84, com a imposio da dita-dura militar, o projeto desenvolvido pela burguesia na agricul-tura, foi de uma modernizao conservadora e dolorosa para os camponeses. Do ponto de vista poltico eles massacraram fisicamente todas as formas de organizao camponesa. E com a sociedade calada e reprimida, impuseram sua hegemonia em toda sociedade e na agricultura. Foi o perodo de consolidao da agricultura capitalista voltada para o mercado externo, ba-seada em grandes extenses de terra, na mecanizao agrco-

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    la, adoo dos agrotxicos, e na expulso dos camponeses. A nica sada para os camponeses era migrar para cidade ou para a fronteira agrcola, ir amansar as terras na regio amaznica. O resultado foi a adoo da revoluo verde como pacote tecnolgico para aumentar a explorao e a produtividade do trabalho, a maior migrao de camponeses de toda histria, e elevada concentrao da propriedade da terra. 22. Na dcada de 1980, com a redemocratizao polti-ca, a crise cclica do capitalismo e o ressurgimento da luta pela terra com novos movimentos camponeses levantou-se nova-mente a bandeira da reforma agrria. As Lutas e reivindicaes se inseriam, no entanto, nos objetivos de uma reforma agrria clssica burguesa: democratizar a propriedade da terra, como uma forma de reproduo dos camponeses, de integr-los ao mercado interno e de aumentar sua renda, para poder melhorar as condies de vida de suas famlias. Nesse cenrio poltico- histrico, nasceu o MST. 23. O programa do MST, por sua elaborao terica e pelas condies histricas daquele perodo, se inseria nos pres-supostos de uma reforma agrria burguesa. bem verdade que o protagonismo dos camponeses, a radicalidade das lutas, a reao contrria dos latifundirios e do Estado burgus e a ex-plicitao de bandeiras de lutas progressistas e revolucionrias que mesclavam a Luta pela Terra com o direito pelo trabalho, a Luta pela Reforma Agrria com a democratizao ampliada da propriedade fundiria e a Luta por uma sociedade mais justa e igualitria com os ideais do socialismo ajudaram o MST a ocupar um espao destacado nas lutas populares do nosso pas e a politizar a luta pela reforma agrria. 24. Assim, nos primeiros anos, de 1979 a 1984, a atua-o dos camponeses que depois resultaria em MST restringiu-se promoo da luta pela terra. Depois, de 1984 a 1992, com a expanso do MST no territrio nacional, o Movimento soube impor a luta pela Reforma Agrria e aproveitar as contradies internas dentro do bloco dominante: os conflitos existentes en-tre os interesses especficos da burguesia industrial e os das oli-garquias rurais. Interessava burguesia industrial incorporar a massa de camponeses sem terras s terras ociosas, mantidas sob o domnio do latifndio.

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    25. Novamente, o objetivo da burguesia industrial era o de promover o desenvolvimento das foras produtivas no campo e de sua integrao ao mercado capitalista. Do outro lado, as oligarquias reagiam frente possibilidade de perder o domnio sobre as terras e, sobretudo, perder sua influncia poltica sobre as populaes rurais. Esse conflito era remetido para dentro do Estado aonde os latifundirios, mesmo sendo a frao social subalterna dentro do bloco dominante, man-tm indiscutvel poder e influncia. Poder esse, suficiente para impedir, sistematicamente, a implantao da Reforma Agrria. Mesmo que esta fosse uma possibilidade e uma necessidade provocada pelo desenvolvimento do capitalismo industrial. 26. O poder do latifndio atrasado se manifestava ainda com maior contundncia no enfrentamento com os campone-ses e suas lutas. A represso sobre o MST, e sobre a luta pela terra em geral, era organizada pelas oligarquias rurais nas suas formas mais arcaicas de pistolagem, controle sobre as polcias e sobre o poder judicirio local. Alm de contar com a conivn-cia dos governos estaduais, majoritariamente conservadores e, no raras vezes, com origens no prprio latifndio. Essa violn-cia, produzida pelo setor mais retrgrado e pouco produtivo da economia brasileira, recebeu destaque no cenrio nacional e internacional e acabou sendo mais um elemento que provocou uma onda de simpatia e apoio luta pela Reforma Agrria. 27. Na segunda metade da dcada de 1980, essas foras conservadoras do latifndio se reorganizaram em 1986 cria-ram a Unio Democrtica Ruralista (UDR) aglutinaram foras na Assembleia Constituinte formaram o centro e desenca-dearam uma onda de violncia seletiva contra os camponeses e suas organizaes. Os assassinatos do Pe. Josimo, no Maranho, em 1986; do Chico Mendes, no Acre, em 1988, atestam essa prtica criminosa dos latifundirios. A Constituio Federal de 1988, mesmo sendo considerada progressista, teve na questo da reforma agrria seu aspecto mais conservador. 28. A burguesia brasileira, enquanto classe hegemni-ca, se durante a dcada de 80 enfrentou as mobilizaes popu-lares pela democratizao do pas e o reascenso das lutas sindi-cais, populares e estudantis, obteve uma importante vitria em 1989, na primeira eleio presidencial pelo voto direto, ps-

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    -ditadura militar (1964-85). Aquela vitria eleitoral serviu para a burguesia, primeiro com o governo de Fernando Collor de Melo (1990-91) e depois com o de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), para aglutinar e dar unidade poltico-ideolgica aos setores mais conservadores do pas. Essas foras, poltico--econmicas, auxiliadas pelo aparato de informao e ideol-gico da mdia burguesa, implementaram um novo modelo de desenvolvimento econmico: o neoliberalismo. 29. Fortalecidos pelas vitrias eleitorais, o neoliberalis-mo imps suas polticas de: a) abertura do mercado, asseguran-do mobilidade irrestrita ao capital e mercadorias estrangeiras; b) corte nos gastos sociais; c) privatizao e desnacionalizao de setores estratgicos para o desenvolvimento econmico do pas; d) facilidades para o capital internacional se apoderar das riquezas naturais minrios, energia, biodiversidade e agricul-tura; e) ofensivas sobre a legislao social e trabalhista, provo-cando derrotas e retrocessos classe trabalhadora. 30. A essas polticas neoliberais somaram-se as trans-formaes no modo do capitalismo estruturar a produo e o trabalho inovaes tecnolgicas, descentralizao e terceiri-zao e a ofensiva do capital internacional, denominada de globalizao. A classe trabalhadora, assim, sofreu duras der-rotas pelo neoliberalismo e, desde ento, entrou num perodo de refluxo do movimento de massas, de organizao e de ela-borao e disputas de proposta poltica. Em outras palavras, a dcada neoliberal de 1990 logrou consolidar um cenrio de consenso e coero da burguesia sobre a classe trabalhadora. 31. Essa ofensiva neoliberal sobre as riquezas nacio-nais demorou um tempo maior para chegar at a agricultu-ra brasileira. Primeiro, o capitalismo internacional priorizou os setores mais dinmicos da economia urbana. Depois, no segundo mandato do governo de FHC, o capital internacio-nal, associado com as empresas transnacionais que atuam na agricultura e os grandes proprietrios rurais, direcionaram seus interesses para agricultura brasileira. Com isso, durante toda a dcada de 1990 o MST pode promover uma ofensiva na luta pela terra, impondo a agenda da Reforma Agrria ao go-verno FHC. E, assim, a luta pela Reforma Agrria aglutinou a simpatia da sociedade e o apoio dos segmentos sociais que se

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    opunham s polticas neoliberais. o perodo em que o MST assume um papel importante nas lutas populares do pas e de protagonista na luta pela Reforma Agrria. 32. A ofensiva neoliberal sobre a agricultura brasileira, iniciada no governo FHC, se consolidou na dcada de 2000, implantando um novo modelo de agricultura, no mais para atender prioritariamente as demandas do modelo de desenvol-vimento de uma indstria nacional (1930-80) e da necessidade do mercado interno. um novo modelo de dominao do ca-pital no campo, para atender as demandas do mercado exter-no. Agora, um modelo dos fazendeiros capitalistas em aliana com o capital internacional e financeiro, que passa a acumular a riqueza do campo. (Conforme descrevemos no capitulo I: O desenvolvimento do capitalismo no campo pgs.2-8). 33. Esse novo modelo de agricultura capitalista foi de-finido por uma diviso mundial da produo e do trabalho, estabelecida ainda nos anos 90. Ali, os pases centrais do ca-pitalismo reservaram aos pases do hemisfrio sul o papel de serem os fornecedores de matrias primas agrcolas, celulose, fontes de energia e minrios para o mercado externo. O mo-delo do agro- negcio resultante da hegemonia do capital internacional e financeiro sobre o mundo e a produo. 34. Com esse modelo, a burguesia, o Estado e os go-vernos assumem plenamente a posio poltica de que no mais necessria uma reforma agrria burguesa para o desen-volvimento das foras produtivas na agricultura brasileira. As terras improdutivas dos latifndios, antes destinadas Reforma Agrria aps a presso dos camponeses, agora tambm so pre-tendidas, e disputadas, pelo agronegcio. H claramente uma disputa de modelos de agricultura, o dos camponeses versus o do agronegcio, incompatveis entre si. Restabeleceu-se um conflito j existente no perodo hegemonizado pelas oligarquias rurais (1889-1930): as terras agrcolas devem ser destinadas produo de alimentos pelos camponeses ou produo des-tinada para agroexportao, como defende o agronegcio? Este passa, ento, a combater a reforma agrria, mesmo a de verso clssica burguesa e os movimentos populares do cam-po que lutam por terra. Ou seja, do ponto de vista do capital, considera-se que a questo agrria no Brasil est resolvida.

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    35. Esse modelo agrcola do agronegcio subordinado ao capital internacional foi ainda mais potencializado a partir da crise mundial de 2008, pois um enorme volume de capi-tal fictcio, especulativo veio ao Brasil se proteger e aplicaram em terras e recursos naturais. Por outro lado, aplicaram nas bolsas de mercadorias agrcolas e especularam com estoques. Isso tudo elevou os preos mdios das mercadorias agrcolas, aumentou a renda da terra e o preo da terra, e se constituiu numa barreira a mais, para o processo de democratizao da propriedade da terra. Ao contrrio da viso de que a questo agrria est resolvida, estamos assistindo na ltima dcada, a uma concentrao ainda maior da propriedade e um processo clere de desnacionalizao da propriedade da terra. 36. Esse novo modelo de agricultura altera a correla-o de foras no campo. Os grandes proprietrios rurais ca-pitalizados e modernizados -, aliados/subordinados ao capital financeiro e as empresas transnacionais, hegemonizam o atual modelo de agricultura, concentrando terras, polticas pblicas e o apoio da sociedade. O grande proprietrio de terras im-produtivas, violento e atrasado, visto pelo agronegcio como uma frao de sua classe social que dever se modernizar e capitalizar. Caso contrrio, perder suas terras, no por uma reforma agrria burguesa e sim por acabar sendo absorvido pela economia agroexportadora. 37. H, no entanto, em diferentes regies do territrio nacional, muitas reas geogrficas em que os latifundirios mantm o controle da terra e exercem um poder poltico lo-cal. Dados do governo e de pesquisas acadmicas atestam a existncia de, aproximadamente, 30 mil grandes proprietrios rurais, latifundirios atrasados, do ponto de vista do capital. Mas, no caso dos camponeses ocuparem um desses latifn-dios, tero como principal adversrio o agronegcio, por trs razes bsicas:a) a terra ocupada tambm pretendida pelo agronegcio;b) h uma identidade de classe entre os grandes proprietrios rurais capitalizados e os latifundirios atrasados;

    c) o agronegcio tem claro que h uma disputa de diferentes e incompatveis modelos agrcolas. E, mesmo no havendo a ocupao do latifndio pelos camponeses, o agronegcio visa,

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    atravs da compra ou do arrendamento, se apossar dessas ter-ras e, com os mesmos objetivos, avanar sobre as terras pbli-cas. Promove uma permanente ofensiva de conquistas e dom-nio de territrios. Essa ofensiva do agronegcio conta sempre com o apoio e conivncia dos governos estaduais e federal.

    38. Da mesma forma, o agronegcio considera um atra-so a manuteno das reas pertencentes s comunidades tradi-cionais, povos indgenas e quilombolas. Assim como as regras restritivas do cdigo florestal para expanso de suas lavouras. E por isso a classe dominante colou na pauta de suas prio-ridades o enfrentamento e a precarizao dos direitos dessas populaes e as mudanas nas regras do cdigo florestal. 39. Na atualidade, a luta pela terra e pela Reforma Agr-ria mudou de natureza, frente ao modelo de desenvolvimen-to econmico vigente no pas. No h mais espao para uma reforma agrria clssica burguesa, apoiada pela burguesia in-dustrial ou por foras nacionalistas. Mas do ponto de vista dos camponeses e de um projeto popular de desenvolvimento do pas, a Reforma agrria cada vez mais urgente e necessria. 40. Agora, a luta pela reforma Agrria se transformou numa luta de classes, contra o modelo do capital para a agri-cultura para brasileira. Isso significa que a luta dos camponeses pelas terras agrcolas e por um novo modelo de agricultura, ir enfrentar uma outra correlao de foras com poderes de co-ero e de consenso mais fortes do que os dos latifundirios tradicionais e com novos atores em cena: os grandes proprie-trios rurais, o capital financeiro e as empresas transnacionais. 41. Por outro lado, o aparato administrativo do Estado brasileiro que havia sido montando para atender uma agri-cultura camponesa, como o INCRA, Embrapa, sistema Emater e Funai esto marginalizados e sucateadas porque foram cria-das e instrumentalizadas para atender as demandas dentro do modelos de uma reforma agrria burguesa. No percebem que os assentamentos da reforma agrria de hoje so gestores de um novo modelo de agricultura. Assim, tornam-se incapazes de formular polticas pblicas que atendam as demandas dos camponeses, tornando obsoletos, dispensveis ou, pior ainda, cooptados pelos agronegcio. 42. E essa mudana da natureza, exige novas posturas

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    dos movimentos sociais e do MST como um todo:a) Precisamos defender agora um novo projeto de reforma agr-ria, que seja popular. No basta ser uma reforma agrria cls-sica, que apenas divida a propriedade da terra e integre os camponeses como fornecedores de matrias-primas e alimen-tos para sociedade urbano-industrial.

    b) Frente ao poderio do agronegcio, necessrio construir alianas entre todos os movimentos camponeses, com a clas-se trabalhadora urbana e com outros setores sociais interessa-dos em mudanas estruturais, de carter popular.

    c) A luta pela reforma agrria se insere agora na luta contra o modelo do capital. um estgio da nossa luta, com desafios mais elevados e complexos, diferente do perodo do desen-volvimento industrial (1930-80), quando os assentamentos da reforma agrria em reas improdutivas, para a produo de alimentos, somavam-se com a agricultura patronal voltada, prioritariamente, para a agroexportao.

    d) Os enfrentamentos com o capital, e seu modelo de agricul-tura, partem das disputas das terras e do territrio. Mas, se ampliam para as disputas sobre o controle das sementes, da agroindstria, da tecnologia, dos bens da natureza, da biodi-versidade, das guas e das florestas.

    43. O programa de Reforma Agrria Popular no um programa socialista embora os objetivos estratgicos da nossa luta sejam os de construir uma sociedade com formas superio-res de socializao da produo, dos bens da natureza e um estgio das relaes sociais na sociedade brasileira. Uma Refor-ma Agrria socialista, que tem como alicerce a socializao das terras, exige a execuo de polticas de um Estado socialista e ser resultante de um longo processo de politizao, organiza-o e transformaes culturais junto aos camponeses, ou seja de uma revoluo social. Condies objetivas e subjetivas que no esto na ordem do dia desse perodo histrico. 44. Assim, a nossa luta e o nosso programa de Reforma Agrria Popular visa contribuir ativamente com as mudanas estruturais necessrias e, ao mesmo tempo, dialeticamente dependente dessas transformaes. Um novo projeto de pas que precisa ser construdo com todas as foras populares, volta- do para atender os interesses e necessidades do povo brasilei-

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    ro. E, buscamos assim, com a luta pela reforma agrria po-pular, acumular foras, obter conquistas para os camponeses e derrotas para as oligarquias rurais, organizar e politizar nossa base social, ampliar e consolidar o apoio da sociedade nossa luta. dessa forma que iremos construir nossa participao nas lutas de toda a classe trabalhadora para construir um proces-so revolucionrio, que organize a sociedade e um novo modo de produo, sob os ideais do socialismo. 45. Nosso projeto se insere na luta da classe traba-lhadora pela construo de relaes sociais de produo que eliminem a explorao, a concentrao da propriedade priva-da, a injustia e as desigualdades. O nosso horizonte , pois, o da superao do modo de produo capitalista. Os objetivos de criao do MST continuam valendo e so alicerces da Re-forma Agrria Popular. O conceito popular busca identificar a ruptura com a ideia de uma reforma agrria clssica feita nos limites do desenvolvimento capitalista e indica o desafio de um novo patamar de foras produtivas e de relaes sociais de produo, necessrias para outro padro de uso e de posse da terra. Trata-se de uma luta e de uma construo que esto sendo feitas desde j, como resistncia ao avano do modelo de agricultura capitalista e como forma de reinserir a Reforma Agrria na agenda de luta dos trabalhadores. 46. A reforma agrria integra relaes amplas entre o ser humano e a natureza, que envolve diferentes processos que representam a reapropriao social da natureza, como negao da apropriao privada da natureza realizada pelos capitalistas. Implica em um novo modelo de produo e desenvolvimento tecnolgico que se fundamente numa relao de co-produo homem e natureza, na diversificao produtiva capaz de revigo-rar e promover a biodiversidade e em uma nova compreenso poltica do convvio e do aproveitamento social da natureza. 47. Os camponeses, trabalhadores/as do campo e po-vos tradicionais (indgenas, extrativistas, quilombolas) tm sido protagonistas de prticas de um modo de fazer agricultura que representa um contraponto agricultura capitalista e se cons-tituem na resistncia e nas lutas de enfrentamento direto ao capital. Portanto pode protagonizar um novo modelo de produ-o agrcola sob controle dos trabalhadores e voltado a suprir

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    necessidades e direitos de todo o povo. 48. A construo da Reforma Agrria Popular s pode ser conquistada por um amplo leque de foras populares re-presentadas pelo conjunto dos trabalhadores do campo e da cidade. E assume tambm uma perspectiva necessariamente in-ternacionalista porque a luta dos trabalhadores contra a ordem do capital internacional no atual estgio de hegemonia do capital financeiro e das empresas transnacionais que atuam em todo mundo. O modelo de agricultura popular e camponesa tem sido tambm a construo a partir das experincias dos trabalhadores de muitos pases, culturas, organizaes e lutas. 49. Essa nova natureza da luta pela reforma agrria, co-loca novos desafios, como:a) A reforma agrria popular deve resolver os problemas con-cretos de toda populao que vive no campo;

    b) A reforma agrria tem como base a democratizao da terra, mas busca produzir alimentos saudveis para toda populao; objetivo que o modelo do capital no consegue alcanar;

    c) O acmulo de foras para esse tipo de reforma agrria de-pende agora de uma aliana consolidada dos camponeses com todos os trabalhadores urbanos. Sozinhos os sem terra no conseguiro a reforma agrria popular.

    d) Ela representa um acmulo de foras para os camponeses e toda classe trabalhadora na construo de uma nova sociedade.

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    III. Fundamentos de nosso programa de Reforma Agrria popular Nosso programa agrrio busca mudanas estruturais na forma de usar os bens da natureza, que pertencem a toda so-ciedade, na organizao da produo e nas relaes sociais no campo. Queremos contribuir de forma permanente na constru-o de uma sociedade justa, igualitria e fraterna. Para tanto, propomos os seguintes objetivos:

    1. Terra A terra e todos os bens da natureza, em nosso territrio nacional, devem estar sob controle social e destinados ao be-nefcio de todo povo brasileiro e das geraes futuras. Para isso devemos lutar para:a) Democratizar o acesso terra, s guas, biodiversidade (flo-restas, fauna e flora), minrios e fontes de energia.

    b) Impedir a concentrao da propriedade privada;c) Estabelecer o tamanho mximo de propriedade da terra;d) Eliminar o latifndio;e) Garantir a funo social do uso, posse e propriedade da terra; f) Assegurar a devoluo para o povo de todas as terras, territ-rios, minrios e biodiversidade hoje apropriados por empresas estrangeiras.g) Demarcar e respeitar todas as reas dos povos indgenas e das comunidades quilombolas, ribeirinhas, extrativistas, de pesca-dores artesanais e tradicionais.

    2. Bens da natureza A gua e as florestas nativas so bens da natureza e eles devem ser tratados como um direito de todos os trabalhadores. Eles no podem ser tratados como mercadorias e nem ser objeto de apropriao privada.a) Assegurar e preservar as guas e florestas como um bem pbli-co, acessvel a todos/as;

    b) Combater o desmatamento e o comrcio clandestino e ilegal das madeireiras;

    c) Reflorestar as reas degradadas com ampla biodiversidade de

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    rvores nativas e frutferas, assegurando a preservao ambiental.

    3. Sementes As sementes so um patrimnio dos povos a servio da humanidade e no pode haver sobre elas propriedade privada ou qualquer tipo de controle econmico:a) Preservar, multiplicar e socializar as sementes crioulas, sejam tradicionais ou melhoradas, de acordo com a biodiversidade dos nossos biomas regionais, para que todo campesinato possa us-las

    b) Defender a soberania nacional sobre produo e multiplica-o de todas sementes e mudas;

    4. Produo Toda produo ser desenvolvida com o controle dos tra-balhadores sobre o resultado de seu trabalho. As relaes sociais de produo devem abolir a explorao, a opresso e a alienao. a) Assegurar que a prioridade seja a produo de alimentos sau-dveis, em condies ambientalmente sustentveis, para todo povo brasileiro e para as necessidades de outros povos.b) Considerar que os alimentos so um direito humano, de todos os cidados e no podem estar submetidos a lgica do lucro.

    c) Utilizar tcnicas agroecolgicas, abolindo o uso de agrotxi-cos e sementes transgnicas.

    d) Usar mquinas agrcolas apropriadas e adaptadas a cada con-texto socioambiental, visando o aumento da produtividade das reas agrcolas, do trabalho e da renda, em equilbrio com a natureza.

    e) Promover as diversas formas de cooperao agrcola, para de-senvolver as foras produtivas e as relaes sociais.

    f) Instalar agroindstrias no campo sob controle dos campone-ses e demais trabalhadores, gerando alternativas de trabalho e renda, em especial para a juventude e as mulheres.

    5. Energiaa) Devemos construir formas para que se desenvolva a soberania popular sobre a energia em cada comunidade e em todos os municpios brasileiros.

    b) Desenvolver de forma cooperativada a produo de energia a

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    nvel local, com as mais deferentes fontes de recursos renov-veis para atender as necessidades de todo povo brasileiro.

    6. Educao e Cultura O conhecimento deve ser um processo de conscientiza-o, libertao e de permanente elevao cultural de todos e todas que vivem no campo.a) Garantir populao que vive no campo, o acesso aos bens culturais e o direito educao pblica, gratuita e de qualida-de, em todos os nveis;

    b) Incentivar, promover e difundir a identidade cultural e social da populao camponesa;

    c) Assegurar o acesso, a produo e controle dos mais diferentes meios de comunicao social no campo;

    d) Desenvolver a formao tcnico-cientfica e poltica, de for- ma permanente, para todos que vivem no campo;

    e) Combater, permanentemente, todas as formas de preconceito social, para que no ocorra a discriminao de gnero, idade, etnia, religio, orientao sexual, etc.

    7. Direitos sociaisa) Os trabalhadores/as rurais sob regime de assalariamento de-vem ter todos os direitos sociais, previdencirios e trabalhistas garantidos e equivalentes aos trabalhadores urbanos e as rela-es de trabalho devem ser construdas sobre a base da coope-rao, gesto social e de combate a alienao.

    b) Assegurar que remunerao seja compatvel com a renda e a riqueza gerada.

    c) Garantir condies dignas e jornadas adequadas de trabalho.d) Combater de forma permanente e intransigente o trabalho anlogo escravido, expropriando de todas as fazendas e em-presas que fazem uso dessa prtica.

    e) Combater todas as formas violncia contra as mulheres e crianas, penalizando exemplarmente a seus praticantes.

    8. Condies de vida para todos e todas O campo deve se constituir num local bom de viver. Onde as pessoas tenham direitos, oportunidades e condies de vida dignas.

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    IV. Proposta de um programa de Reforma Agrria popular Nossa proposta de programa de Reforma Agrria Popu-lar rene medidas amplas, abrangentes, que representam e sin-tetizam as principais ideias sobre o modelo de agricultura que defendemos para o pas e pelo qual lutamos. Esse programa sintetiza uma estratgia de resistncia ao modelo de agricultura capitalista do agronegcio e propem um processo de acmulo de foras, tendo como objetivo a construo de um novo modelo de agricultura, voltado para as necessidades de todo povo brasileiro. Para isso precisare-mos lutar e fortalecer nossa organizao e a qualificao das nossas lutas para promovermos, junto com toda a classe tra-balhadora, as mudanas estruturais da sociedade capitalista.Este programa deve tambm orientar o nosso Movimento, nas pautas de reivindicaes, negociaes, nas lutas, na qualifi-cao interna da nossa organizao e nas aes prticas nos prximos anos. O programa de Reforma Agrria, discutido amplamen-te com nossa militncia e nossa base social, representa os de-safios e as perspectivas dos camponeses no atual estgio da luta de classes em que se realiza o VI Congresso Nacional do MST. O programa um importante instrumento na definio das alianas polticas e nas mobilizaes unitrias junto s or-ganizaes populares e sindicais da classe trabalhadora, do campo e da cidade. Ele serve como canal de comunicao com toda socie-dade e com os setores da classe trabalhadora, para explicitar nossos objetivos e bandeiras de luta, a necessidade de demo-cratizar as terras, garantir sua funo social e priorizar a pro-duo de alimentos saudveis. A partir do programa e de acordo com a correlao de foras na luta de classes concreta e dos espaos que se abrem na conjuntura poltica, o Movimento definir suas pautas rei-vindicaes e de lutas, detalhadas e especficas, corresponden-tes s necessidades da nossa base social e da classe trabalhado-ra, em geral.

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    Portanto, as propostas detalhadas do que queremos para a agricultura, caractersticas de pautas e agendas de negocia-o sero definidas conjunturalmente, nos espaos da luta de classes e na aplicao das nossas tticas de luta. Assim, atravs do nosso programa de Reforma AgrriaPopular, defendemos:

    1. A democratizao da terra1.1. Democratizar o acesso terra, aos bens da natureza e aos meios de produo na agricultura, a todos os camponeses.

    1.2. Assegurar que a democratizao do uso, posse e proprie-dade da terra e dos bens da natureza, esteja vinculada aos interesses e necessidades sociais, econmicas, culturais e po-lticas da populao camponesa, especificamente, e, de modo geral, de toda a populao brasileira.

    1.3. Garantir a todos os trabalhadores e trabalhadoras brasilei-ros o direito de ter acesso a terra para morar e/ou trabalhar.

    1.4. Garantir o direito a posse e uso da terra a todos os povos indgenas e quilombolas, ribeirinhas, pescadores e comunida-des tradicionais.

    1.5. Priorizar o processo de desapropriao das terras das maio-res fazendas, das propriedades de empresas estrangeiras e das empresas do setor secundrio (indstrias) e tercirio (servios, bancos e comrcio).

    1.6. Desapropriar, imediatamente, para fins de Reforma Agr-ria, todas as terras que no cumprem a sua funo social, re-lativa ao uso produtivo, s condies sociais e trabalhistas dos trabalhadores e trabalhadoras e a preservao do meio am-biente, como estabelece a Constituio Federal de 1988.

    1.7. Estabelecer um limite mximo ao tamanho da propriedade das terras agrcolas.

    1.8. Combater e eliminar todas as formas de cobrana de renda da terra e/ou arrendamento de reas rurais.

    1.9. Lutar para que os governos desburocratizem, e criem as condies favorveis ao acesso terra pelas famlias sem-terra acampadas e/ou j inscritas como beneficirios do programa de reforma agrria.

    1.10. Expropriar imediatamente todas as fazendas que se utili-zam de trabalho escravo, narcotrfico e contrabando de mer-

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    cadorias. E, destin-las ao programa de reforma agrria.1.11. Exigir a devoluo de todas as terras pblicas que foram griladas por fazendeiros e empresas, e destin-las a reforma agrria.

    1.12. Exigir que os governos consultem a todas as famlias atin-gidas por obras pblicas, para que os projetos tenham o menor impacto social e ambiental possvel. E se houver necessidade da obra, lhes seja assegurado o direito de terra por terra, nas mesmas condies em que viviam e indenizao por perdas e danos, de forma justa, pelo seu trabalho e benfeitorias cons-trudas

    1.13. Impedir que as reas nas zonas de fronteira do pas, se-jam entregues para grandes empresas, sobretudo de capital estrangeiro. Utiliz-las para assentamento de famlias campo-nesas e para a regularizao dos camponeses posseiros j re-sidentes nessas reas.

    1.14. Todas as famlias beneficiadas da reforma agrria recebe-ro apenas ttulos de concesso de uso, com direito a herana familiar, com dupla titularidade incluindo a mulher, estando proibida a venda das parcelas de terra de reforma agrria.

    1.15. No ser permitido desenvolver projetos de extrao mi-neral por parte de empresas nas reas de assentamento. Os minrios devem ser utilizados de forma sustentvel, em bene-fcio da comunidade e de todo o povo.

    2. gua: um bem da natureza em benefcio da humanidade2.1 A gua um bem da natureza e deve ser utilizada em benefcio de toda humanidade. Exigir que a posse e o uso da gua estejam subordinados aos interesses e s necessidades de toda populao.

    2.2. Lutar para que a gua no seja uma mercadoria, portanto, no pode ter propriedade privada. Deve-se garantir seu aces-so a todas as pessoas da sociedade. Todos os reservatrios de gua, barragens, audes e inclusive subterrneos devem ser de domnio pblico.

    2.3. Exigir do Estado uma poltica especfica de proteo dos aqufero, em especial o do Guarani, e das nascentes de todas as bacias hidrogrficas, especialmente as do cerrado (das 12

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    importantes bacias hidrogrficas do Brasil, oito tm as nascen-tes no cerrado).

    2.4. Garantir o abastecimento de gua potvel, promovido pelo Estado e suas empresas pblicas, em todas as comunida-des rurais e nas cidades.

    2.5. Exigir que o Estado adote polticas que garantam aos camponeses as condies para o acesso e uso adequado das guas, sobretudo dos reservatrios pblicos como barragens, represas, lagos, projetos de irrigao, etc para consumo e irri-gao produtiva. Que se adotem polticas de proteo e ma-nejo das fontes e mananciais, promovendo o reflorestamento de rvores nativas nas margens de crregos, lagoas e rios.

    2.6. Implementar um amplo programa de manejo sustentado da gua, que viabilize a sua conservao natural e a infraes-trutura de captao e uso sustentvel.

    2.7. Lutar pela promoo de um desenvolvimento sustentvel adaptado as especificidades de cada um dos seis biomas do territrio brasileiro, a saber: Amaznia, caatinga, mata atlnti-ca, cerrado, pantanal e pampas.

    2.8. Implementar e garantir, junto ao Estado, polticas de sus-tentabilidade e de convivncia dos camponeses no semirido, nos perodos de seca.

    2.9. Implementar programas de aproveitamento da gua da chuva, para abastecimento das moradias, agricultura, comu-nidades e agroindstria.

    3. A organizao da produo agrcola3.1. Priorizar a produo de alimentos saudveis para todo o povo brasileiro, garantindo o princpio da soberania alimen-tar, livres de agrotxicos e de sementes transgnicos.

    3.2. Organizar a produo e comercializao com base em to-das as formas de cooperao agrcola, como mutires, formas tradicionais de organizao comunitria, associaes, coope-rativas, empresas pblicas e empresas sociais.

    3.3. Organizar agroindstrias prximas ao local de campone-ses e dos trabalhadores das agroindstrias.

    3.4. Desenvolver programas de soberania energtica em todas as comunidades rurais do pas, com base em fontes alternati-vas renovveis, como vegetais no alimentcios, energia solar,

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    hdrica e elica.3.5. Exigir do Estado polticas prprias que assegurem a produ-o, distribuio e uso de energia para a populao do meio rural.

    3.6. Implementar programas de irrigao acessvel a todos camponeses, para produo de alimentos.

    3.7. O Estado deve garantir atravs da empresa pblica de abastecimento (Conab) a compra de todos os produtos ali-mentcios da agricultura camponesa.

    4. Uma nova matriz tecnolgica que mude o modo de produzir e distribuir a riqueza na agricultura4.1. Exigir do Estado polticas de crditos, financiamentos sub-sidiados, pesquisas e aprendizados tecnolgicos voltados para a produo agrcola de matriz agroecolgica e com o incen-tivo adoo de tcnicas que aumentem a produtividade do trabalho e das reas, em equilbrio com a natureza.

    4.2. Exigir do Estado polticas de incentivos e produo de mquinas, equipamentos e ferramentas agrcolas adequadas s necessidades e ao bem-estar dos camponeses e dos tra-balhadores rurais, de acordo com as realidades regionais e preservao ambiental.

    4.3. Desenvolver, atravs do Estado, programas de produ-o, multiplicao, armazenagem e distribuio de sementes crioulas e agroecolgicas, dos alimentos da cultura brasileira, para atender as necessidades de produo dos camponeses, inseridos no princpio da soberania alimentar do pas.

    4.5. Desenvolver um programa nacional de reflorestamento, com rvores nativas e frutferas e de manejo florestal nas re-as de assentamentos, da agricultura camponesa, reas degra-dadas pelo agronegcio e nas reas controladas pelos povos indgenas e comunidades tradicionais.

    4.6. Combater a propriedade privada intelectual e de patentes de sementes, animais, recursos naturais, biodiversidade ou sis-temas de produo.

    4.7. Exigir do Estado a organizao, fomento e a instalao de empresas pblicas e cooperativas de camponeses para pro-duo de insumos agroecolgicos, armazenar e distribuir para todos os camponeses. Instalar unidades de transformao de

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    resduos orgnicos das cidades em adubao orgnica e distri-bu-los gratuitamente a todos camponeses.

    4.8. Exigir do Estado o combate produo e comercializao de agrotxicos e de sementes transgnicas.

    5. A industrializao5.1. O programa de Reforma Agrria popular dever ser um instrumento para levar a industrializao ao interior do pas para:

    a) promover um desenvolvimento equilibrado entre as regies;b) incentivar a qualificao tcnica e oportunidades de traba-lho no campo;

    c) gerar maior renda para a populao camponesa;d) eliminar as desigualdades socioeconmicas existentes entre a vida no campo e na cidade.

    e) fortalecer e incentivar a organizao e a cooperao agrco-la entre os camponeses.

    5.2. Desenvolver um programa de agroindstrias, cooperati-vadas e sob o controle dos camponeses, nos assentamentos rurais da Reforma Agrria.

    5.3. Instalao de empresas pblicas de servios, com a partici-pao dos camponeses, para garantir preos, armazenamento e a distribuio da produo de alimentos dos camponeses.

    5.4. Criar linhas de crdito e financiamento, desburocratizada, dirigida exclusivamente para a industrializao da produo camponesa.

    5.5. Desenvolver Centros de pesquisas, qualificao tcnica e intercmbio de conhecimentos, voltados para as atividades das agroindstrias e a preservao ambiental.

    6. Poltica agrcola6.1. Exigir do Estado o uso de todos os instrumentos de pol-tica agrcola garantia de preos rentveis para o agricultor, compra antecipada de toda produo de alimentos dos cam-poneses, crdito rural adequado, seguro rural, assistncia tec-nolgica, armazenagem para incentivar e qualificar a agri-cultura camponesa e agroecolgica na produo de alimentos saudveis.

    6.2. Garantir, atravs de polticas pblicas, que todos os cam-

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    poneses tenham acesso aos meios de produo mquinas, equipamentos, insumos necessrios para as atividades agr-colas e preservao ambiental.

    6.3. Exigir do Estado a reorganizao e a reestruturao da pes-quisa agropecuria, dirigida prioritariamente para a agroeco-logia, na produo de alimentos, substituio dos agrotxicos e as melhorias genticas em equilbrio com a natureza e em consonncia com as necessidades da agricultura camponesa.

    6.4. Assegurar que a assistncia tcnica, a transferncia de tecnologias, o fomento e extenso rural tenham como orien-tao poltica os princpios da democratizao dos conheci-mentos, o favorecimento de intercmbios e o estmulo cria-tividade dos camponeses.

    6.5. Exigir do Estado a organizao de instituies para facilitar a certificao dos produtos orgnicos da agricultura campo-nesa.

    6.6. Reivindicar do Estado atuao para ampliar o maior n-mero possvel de cursos tcnicos e superiores de agroecologia em todas as regies do pas.

    6.7. Exigir que os camponeses/as e trabalhadores/as assalaria-dos/as tenham participao ativa na formulao de todas as polticas pblicas para a agricultura.

    7. A educao do campo A educao um direito fundamental de todas as pesso-as e deve ser atendido no prprio lugar onde elas vivem e res-peitando o conjunto de suas necessidades humanas e sociais. E o acesso educao pelos trabalhadores uma das condies bsicas da construo do projeto de Reforma Agrria Popular. Priorizamos a luta pelo acesso educao escolar por-que esse acesso ainda no garantido para todo o povo em nosso pas, especialmente s pessoas que trabalham no campo. Mas, para ns a educao no acontece apenas no espa-o e tempo que o educando e educanda frequentam a escola. O direito educao se relaciona, tambm, ao acesso a diferentes tipos de conhecimento e de bens culturais; formao para o trabalho e para a participao poltica; ao jeito de produzir e de se organizar; aprender a se alimentar de modo saudvel; e pratica dos valores humanistas e socialistas que defendemos.

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  • Lutamos por escolas pblicas e gratuitas para que o Esta-do cumpra seu papel de garantir a todos os trabalhadores e tra-balhadoras, do campo e da cidade, uma escola com as condi-es materiais necessrias realizao de sua tarefa educativa. Ao mesmo tempo lutamos contra a tutela poltica e pedaggica do Estado burgus, sejam quais forem os governos em exerc-cio. Cabe ao povo ser sujeito de sua educao. essa autonomia que nos pode permitir:a) fortalecer o vnculo entre escolas, assentamentos e acampa-mentos e entre escolas e o MST;

    b) discutir e atender s novas demandas formativas postas pelos desafios da construo do projeto de Reforma Agrria Popular.

    No plano das polticas pblicas de educao do campo so nossas prioridades de luta:7.1. Implementar um programa massivo de alfabetizao de todos os jovens e adultos do campo.

    7.2. Universalizar o acesso educao bsica (educao in-fantil, ensino fundamental, ensino mdio) pblica, gratuita e de qualidade social pela garantia de:

    a) construo e manuteno de escolas em todas as reas de Reforma Agrria;

    b) transporte intracampo que garanta o fluxo de estudantes en-tre escolas das prprias comunidades do campo;

    c) estrutura fsica adequada nas escolas incluindo bibliotecas, laboratrios, quadras esportivas, acesso internet, equipa-mentos para experimentos agrcolas, materiais para trabalho com as diferentes linguagens artsticas.

    d) atendimento especializado aos portadores de necessidades educativas especiais no prprio campo;

    e) concursos especficos para atuao dos professores em es-colas do campo, garantindo permanncia de 40h do professor em uma mesma escola e condies de transporte e moradia;

    f) processos de formao continuada para os educadores.7.3. Ampliar o acesso de jovens e adultos educao profis-sional de nvel mdio e superior, com prioridade a cursos rela-cionados s demandas do projeto de Reforma Agrria Popular e de desenvolvimento do conjunto das comunidades campo-nesas.

    7.4. Ampliar o acesso de jovens e adultos camponeses/as 46

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  • educao superior em diferentes reas, incluindo cursos de graduao e ps-graduao, garantindo, quando necessrio, o regime de alternncia, com hospedagem e alimentao via-bilizada por recursos pblicos. E com a expanso da rede uni-versitria e dos institutos federais dentro das reas e regies da reforma agrria.

    7.5. Implementar programas de formao e projetos de experi-mentao/pesquisa em agroecologia, vinculados a escolas de educao bsica, a cursos de educao profissional e superior e a centros de formao existentes nos assentamentos.

    7.6. Promover programas de bolsas de estudo para jovens camponeses realizarem intercmbio internacional em outros pases com experincia de produo camponesa e agroeco-lgica.

    7.7. Apoiar as redes de pesquisadores que priorizem investiga-es e projetos de extenso universitria voltados a melhorias dos processos educativos desenvolvidos em reas de Reforma Agrria.

    8. O desenvolvimento da infra-estrutura social nas comunidades rurais e camponesas8.1. Desenvolver um amplo programa de construo e melho-ria das moradias no campo, respeitando as especificidades da cultura camponesa em cada regio, conjugado com aces-so energia eltrica de fontes alternativas, gua potvel, sa-neamento bsico, transporte e acesso s estradas trafegveis.

    8.2. Estimular formas de sociabilidades, com moradias dignas,organizadas em povoados, comunidades, ncleos de moradias ou agrovilas, de acordo as culturas regionais.

    8.3. Implantar a organizao de bibliotecas, servios de in-formtica, espaos culturais e de lazer em todas as reas de assentamentos, voltados para o acesso, difuso, produo e intercmbios esportivos, artsticos e culturais.

    8.4. Assegurar o transporte pblico e estradas vicinais em con-dies descentes e seguro, para a populao das reas rurais.

    8.5. Garantir o acesso aos servios de sade pblica, de quali-dade e gratuita, para toda a populao do campo. E, assegurar a construo de centros de sade nos assentamentos e a cria-o e cultivo de ervas e plantas medicinais.

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    8.6. Assegurar que toda a populao camponesa tenha acesso aos benefcios da previdncia social.

    8.7. Promover a democratizao dos meios de comunicao de massas, dando condies para que as comunidades rurais tenham rdios comunitrias e acesso produo das TVs co-munitrias e de todas as outras formas de comunicao digital e impressa.

    9. Mudanas na natureza do Estado e em sua estru-tura administrativa9.1. A realizao do programa de Reforma Agrria Popular exi-ge mudanas democrticas na forma de organizao e funcio-namento atual do Estado burgus. Levando em considerao a natureza antidemocrtica do Estado burgus e sua burocracia que impedem polticas pblicas favorveis classe trabalha-dora em geral, o avano das nossas conquistas para beneficiar os camponeses/as e a imensa maioria da populao do campo, somente se dar se enfrentarmos a natureza do Estado burgus.

    9.2. E, ao mesmo tempo, realizarmos lutas e presses sociais pela democratizao dos servios, rgos de fiscalizao e do funcionamento de todas as esferas dos governos federal, estadual e municipal. Assim como as esferas dos poderes ju-dicirio, legislativo e executivo.

    9.3. A realizao deste programa de transio de modelo na organizao dos bens da natureza e da agricultura brasileira,

    somente ser possvel num contexto histrico de existncia e de aliana entre um governo realmente popular, que controle o Estado a servio das maiorias, com um vigoroso movimento de massas, que coloque os trabalhadores como sujeitos polti-cos permanentes dessas mudanas.

    9.4. Somente assim, poder haver uma centralidade das po-lticas pblicas do Estado e governos a favor de uma reforma agrria de cunho popular, expressa nesse programa.

    organizadas em povoados, comunidades, ncleos de moradias ou agrovilas, de acordo as culturas regionais.

    Cartilha Programa agrrio do MST 171outt13.indd 48 17/10/2013 22:44:01

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    V. Nosso lema:Lutar, Construir Reforma Agrria Popular!

    O processo de escolha do lema percorreu a mesma me-todologia da construo