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ANÁLISE COMPARATIVA: CASAS LE E ACPO Nesta análise são comparadas duas casas contemporâneas brasileiras: a Casa LE (2004) do escritório mineiro Arquitetos Associados e a Casa ACPO (2010) do arquiteto paulista Frederico Zanelato. Ambas se localizam no Estado de São Paulo, em condomínios fechados e em terrenos com limites regulares e declividade acentuada, características estas que sugeriram a elaboração desta análise comparada. A primeira, não construída, possui lote de grandes dimensões e se abre para uma lagoa no pé de um morro com vegetação nativa exuberante, no Villa Velha Residencial em Santana de Parnaíba. A segunda, em lote urbano ordinário de meio de quadra, foi construída no Condomínio Aruã Eco Park Lagos em Mogi das Cruzes. Implantação e Partido Formal As características dos terrenos – geometria regular e topografia íngreme - condicionam as similaridades dos arranjos formais das duas casas: a) adoção de partidos decompostos, com volumes escalonados assentados na topografia do terreno; b) implantação em cotas de nível diferentes, abaixo do nível da rua; c) coberturas que configuram ora acessos às residências e ora terraços do outro volume, garantindo a exploração das visuais para o entorno. Apesar das geometrias semelhantes, os terrenos possuem características dimensionais e de acesso distintas – na casa LE, o terreno possui acesso à rua em duas testadas, nas de cota mais alta e mais baixa, e dimensões mais generosas, totalizando uma área de 2750m² (35m x 80m) e com declividade de 22m, permitindo maior liberdade na implantação do projeto. (Figura 1a) A casa ACPO possui acesso por uma única via e área de 300m² (12m x 30m) e declive de 7m, condicionando uma implantação com afastamentos laterais sugeridos pelo plano diretor vigente. (Figura 1b) CASA LE CASA ACPO Local: Santana de Parnaíba-SP Ano: 2004 Local: Mogi das Cruzes- SP Ano: 2010 Arquitetos Associados Escritório Frederico Zanelato Autoras: Daniela Bortolotto, Ana Elísia da Costa e Erinton Aver Moraes a)

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ANÁLISE COMPARATIVA: CASAS LE E ACPO

Nesta análise são comparadas duas casas contemporâneas brasileiras: a Casa LE (2004) do escritório mineiro

Arquitetos Associados e a Casa ACPO (2010) do arquiteto paulista Frederico Zanelato. Ambas se localizam no

Estado de São Paulo, em condomínios fechados e em terrenos com limites regulares e declividade acentuada,

características estas que sugeriram a elaboração desta análise comparada. A primeira, não construída, possui

lote de grandes dimensões e se abre para uma lagoa no pé de um morro com vegetação nativa exuberante, no

Villa Velha Residencial em Santana de Parnaíba. A segunda, em lote urbano ordinário de meio de quadra, foi

construída no Condomínio Aruã Eco Park Lagos em Mogi das Cruzes.

Implantação e Partido Formal

As características dos terrenos – geometria regular e topografia íngreme - condicionam as similaridades dos arranjos

formais das duas casas: a) adoção de partidos decompostos, com volumes escalonados assentados na topografia do

terreno; b) implantação em cotas de nível diferentes, abaixo do nível da rua; c) coberturas que configuram ora acessos

às residências e ora terraços do outro volume, garantindo a exploração das visuais para o entorno.

Apesar das geometrias semelhantes, os terrenos possuem características dimensionais e de acesso distintas –

na casa LE, o terreno possui acesso à rua em duas testadas, nas de cota mais alta e mais baixa, e dimensões

mais generosas, totalizando uma área de 2750m² (35m x 80m) e com declividade de 22m, permitindo maior

liberdade na implantação do projeto. (Figura 1a) A casa ACPO possui acesso por uma única via e área de 300m²

(12m x 30m) e declive de 7m, condicionando uma implantação com afastamentos laterais sugeridos pelo plano

diretor vigente. (Figura 1b)

CASA LE CASA ACPO Local: Santana de Parnaíba-SP

Ano: 2004

Local: Mogi das Cruzes- SP

Ano: 2010

Arquitetos Associados Escritório Frederico Zanelato

Autoras: Daniela Bortolotto, Ana Elísia da Costa e Erinton Aver Moraes

a)

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Figura 1: Implantação e vista isométrica (a) Casa LE (2004), Arquitetos Associados; (b) Casa ACPO (2010), Frederico Zanelato

Fonte: BORTOLOTTO, Daniela, 2016.

Na casa LE, a implantação é realizada em um nível intermediário, evitando a porção mais íngreme do terreno e

dividindo o programa - em dois pavimentos, com os acessos peatonal e de veículos nas cotas mais elevada e mais

baixa, respectivamente. Na casa ACPO, pequenos cortes no solo acomodam a casa em três platôs a partir do

nível da rua, concentrando o acesso peatonal e de veículos no mesmo nível.

O arranjo formal das duas residências, apesar de escalonar os volumes na topografia, adota estratégias

compositivas bastante distintas. A casa LE é organizada em três volumes visualmente independentes e dispostos

em níveis distintos– dois no nível superior (A e B) e um no inferior (C), buscando expressar os diferentes

componentes programáticos. O volume inferior (C) é formado por um volume longitudinal em “L” que, encaixado

na topografia, assume feição externa prismática e configura um pátio íngreme na sua intersecção com o terreno.

O conjunto serve como um grande terraço sobre o qual são assentados os dois volumes do pavimento superior.

A bi-orientação deste volume explora a ventilação cruzada e aberturas longitudinais na fachada nordeste e na

fachada voltada para o pátio interno. O volume (A), principal, possui planta de proporções quadradas e apoia-se

na cobertura do volume inferior, configurando-se como uma espécie de “mirante”. Sua laje da cobertura,

estendida além dos limites do fechamento vertical, protege os ambientes da incidência solar e faz a conexão entre

interior e exterior, conferindo ao volume um aspecto planar. O volume (B), secundário, também com planta de

proporções quadradas, mantém seu aspecto volumétrico e se encaixa na topografia, fazendo a conexão com a

porção mais íngreme do terreno. A ligação entre os volumes é feita através de uma série de escadas e passarela

que se estabelecem desde o nível mais alto do terreno até o pavimento inferior. (Figura 2a)

A casa ACPO sugere um arranjo aditivo em “U”, com três volumes também dispostos em níveis distintos - dois volumes

interseccionados (A e B) configuram o nível térreo e intermediário e, um terceiro, o inferior (C), conformando um

conjunto com pouca clareza formal dada à tangência longitudinal entre eles. O volume (C), com formato em “L”, é

implantado longitudinalmente no terreno, com o seu lado mais estreito articulando a conexão entre os níveis

intermediário e inferior e cria um pátio residual entre eles. O volume (B) apoia-se na cobertura do volume inferior,

transpassando lateralmente o seu limite e projetando-se em balanço sobre o pátio residual. O volume (A) é

b)

manipulação volumétrica cobertura metálica visuais limites terreno

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interseccionado ao (B) e, a partir de uma extensão vertical, configura-se como o volume de acesso no térreo. Outras

adições ocorrem para solucionar estratégias relacionadas com o programa, como as coberturas metálicas para

proteção dos terraços e o volume da escada que conecta o nível intermediário e o inferior. (Figura 2b)

Figura 2: Arranjo formal – esquema volumétrico (a) Casa LE (2004), Arquitetos Associados; (b) Casa ACPO (2010), Frederico Zanelato.

Fonte: BORTOLOTTO, Daniela, 2016.

Quanto ao tratamento dos volumes, as duas residências também possuem diferenças. Na casa LE o tratamento

das alas é diferenciado e garante legibilidade dos setores: a ala social é mais envidraçada, o que tensiona o limite

entre interior e exterior e, quando opaca, no trecho da fachada voltada para a rua superior, se utiliza de

fechamentos em madeira; a ala de serviço é tratada com opacidade, como uma caixa em concreto; a ala íntima

também mais vedada, mistura concreto, madeira e superfícies transparentes. Na casa ACPO os volumes

possuem tratamento monocromático e diversas aberturas com superfícies envidraçadas, sem promover

diferenciação dos setores. A única exceção está no volume do acesso, onde o tratamento com cor mais escura

lhe confere maior hierarquia sobre os demais e também rompe com a continuidade do plano da fachada sudoeste,

salientando a forma prismática. (Figura 3)

Figura 3: Materialidade (a) Casa LE (2004), Arquitetos Associados; (b) Casa ACPO (2010), Frederico Zanelato

Fonte: http://www.fredericozanelato.com/; https://www.arquitetosassociados.arq.br/

Estrutura

Ambas as casas possuem a característica de uma construção horizontal, espalhada pelo lote, o que evita a

sobreposição de cargas e simplifica a estrutura e as fundações e, dependendo das técnicas, reduz os custos da

a) b)

a) b)

C

A B B

A

C

subtração

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obra. Contudo, o sistema estrutural das duas residências é bastante distinto, evidenciando uma racionalidade

estrutural na casa LE e uma certa arbitrariedade na casa ACPO, consequência do seu arranjo formal.

A estrutura da casa LE é em concreto armado, recorrendo à pilares modulados e lajes planas, para gerar “plantas

livres”. No volume inferior (C), essa planta livre é viabilizada pelo muro de contenção do terreno e por colunas

equidistantes recuadas do perímetro da laje, dando liberdade à compartimentação interna que não obedece à

modulação estrutural. No volume (A), pilares quadrados, modulados e rotacionados à 45º na planta, viabilizam a

planta livre que, por sua vez, possibilita a composição assimétrica dos planos verticais e o fechamento com planos

envidraçados contínuos. No volume (B), as paredes estruturais fazem a contenção do terreno e passarelas

metálicas o conectam ao volume (A). (Figura 4a)

A estrutura da casa ACPO é concebida por um sistema simples de pilares, vigas e lajes de concreto armado. Os

pilares seguem a grelha compositiva e são posicionados de modo a estruturar as paredes de alvenaria porém,

em determinados pontos, alguns sofrem deslocamentos de um pavimento para outro, recorrendo a vigas de

transição para se ajustar à volumetria e ao espaço interno desejado. As coberturas metálicas são estruturadas

por barras presas aos pilares de concreto armado. (Figura 4b)

Figura 4: Grelhas compositivas e esquema estrutural. (a) Casa LE (2004), Arquitetos Associados: plantas baixas e esquema

estrutural; (b) Casa ACPO (2010), Frederico Zanelato: plantas baixas e esquema estrutural

Fonte: BORTOLOTTO, Daniela, 2016.

a) b)

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Arranjo funcional

O arranjo funcional de ambas as casas, apesar de se organizar em níveis, possui estratégias distintas. Na casa LE, os

diferentes volumes do pavimento superior abrigam o setor de serviços (garagem, lavanderia, depósito e dependências

de funcionário) e o setor social (estares, cozinha e lavabo). O pavimento inferior é ocupado pelo setor íntimo (suítes,

sala íntima e academia), estando este articulado com o pátio interno. O zoneamento é guiado pela seguinte estratégia:

o social e os serviços são dispostos no mesmo pavimento, com o serviço junto ao acesso de veículos, e o social disposto

na área visualmente mais favorecida; o grande terraço juntamente com o platô térreo e a piscina, configura uma grande

área social aberta; o setor íntimo (suítes, estar íntimo e academia) tem privacidade garantida com a ocupação de um

nível diferente em relação à área social e serviços. (Figura 5a). A casa ACPO, com acesso pelo nível da rua, organiza o

setor social nos pavimentos superior (abrigo de veículos e hall de entrada) e intermediário (estares, cozinha e lavabo).

No pavimento inferior, concentram-se os setores de serviço (lavanderia e banheiro de serviço) e íntimo (suíte,

dormitório, escritório e banheiro social). A estratégia de zoneamento, desta forma, difere da outra casa já que isola o

setor social das demais alas e estende seus limites para a área aberta e coberta do deck de lazer e que os setores

íntimo e de serviço são unidos em um mesmo nível, compartilhando a mesma circulação, o que confere menor

privacidade ao primeiro. (Figura 5b)

Figura 5: Zoneamento dos setores por pavimento. (a) Casa LE (2004), Arquitetos Associados: plantas baixas e corte transversal; (b)

Casa ACPO (2010), Frederico Zanelato: plantas baixas e corte longitudinal

Fonte: BORTOLOTTO, Daniela, 2016.

a)

b)

Setor íntimo Setor de serviço Setor social

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A inserção das cozinhas acontece de forma diferente nas duas casas. Na LE ela é posicionada na periferia do

volume – próxima ao setor de serviço - configurando uma faixa de uso com o lavabo e podendo se integrar ou

isolar dos estares através de painéis móveis, na ACPO, por sua vez, esta é completamente integrada ao estar e

jantar. Em ambas as casas, os demais elementos de composição irregulares são concentrados estrategicamente,

de forma a favorecer a configuração de plantas livres ou flexíveis. Nos setores sociais, observa-se a configuração

por faixas de uso – cozinha/lavabo (LE) e escada/lavabo/armário cozinha (ACPO), liberando a planta dos

estares. O mesmo ocorre nos setores de serviço das duas residências, onde os elementos irregulares – banheiro,

lavanderia, depósitos – são transladados para a periferia das alas. Os setores íntimos apresentam uma diferença:

casa LE, se observa os núcleos de banheiro no intermeio dos quartos e voltados para a fachada externa,

intercalando com as aberturas dos dormitórios, o que evidencia a estratégia de abertura simultâneas dos quartos

para a paisagem e para o pátio. Na ala íntima da ACPO, os banheiros são posicionados nas duas laterais do

pavimento, liberando a planta para os elementos regulares (dormitório e escritório), que compartilham a fachada

nordeste. O banheiro social promove uma relação distinta com a circulação íntima, ao voltar a pia para o hall

desta ala e tratar as portas dos recintos do vaso sanitário e chuveiro com vidro translúcido, ressaltando o

caráter de uso comum deste ambiente pelos seus usuários. (Figura 6)

Figura 6: Elementos irregulares. (a) Casa LE (2004), Arquitetos Associados; (b) Casa ACPO (2010), Frederico Zanelato

Fonte: BORTOLOTTO, Daniela, 2016

O sistema de circulação das duas residências apresenta diferenças importantes, sendo mais seletivo e racional na casa

LE. Nela, o acesso externo ocorre através de uma complexa rede que estabelece distintos percursos destacando-se

dois deles: a) a partir da rua de cota inferior, através da rampa de veículos que conduz à “explanada” que se desenvolve

sobre a plataforma do volume inferior (C) e entre os volumes (A) e (B), conduzido à piscina e à escada que leva ao pátio

íntimo; b) a partir da rua de cota superior, transpõem-se escada e rampa para atingir os terraços dos volumes (A) e

a)

b)

Elementos irregulares

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(B), conectados por passarela. Este percurso, por sua vez, deriva em duas circulações verticais – escada linear que

leva ao setor de serviço e escada helicoidal que leva ao terraço do setor social, Internamente, a escada tangencia o

corredor linear e periférico da ala íntima que dá acesso às suítes, estar íntimo e ao pátio. No setor social, o eixo de

circulação que conecta o acesso à escada se dá perpendicularmente ao corredor íntimo, exigindo a passagem pelo

estar, sendo este eixo sugerido pelo layout do mobiliário. (Figura 7a). Na casa ACPO, o acesso externo se dá através

da transposição da garagem que leva ao setor hall e ao setor social ou através da circulação linear que tangencia a

fachada noroeste, conduzindo ao setor de serviço. Internamente, são dispostos dois núcleos de circulação vertical

interdependentes - um de caráter mais público e monumental que conecta o hall de entrada e a área social; e outro

mais privado – periférico e longitudinal - que interliga o social ao setor íntimo e de serviços. Estas duas circulações

verticais não estão no mesmo eixo longitudinal, configurando uma linha circulatória em “U”, que faz com que o estar se

configure como uma zona de passagem, sem o isolamento que lhe seria conveniente. (Figura 7b)

Figura 7: Circulações. (a) Casa LE (2004), Arquitetos Associados; (b) Casa ACPO (2010), Frederico Zanelato

Fonte: BORTOLOTTO, Daniela, 2016.

Espacialidade

Os percursos principais de acesso às duas residências se dão na porção mais elevada dos terrenos, convidando o

observador a contemplar o entorno, antes de adentrar nas mesmas. Na casa LE, o percurso sob as coberturas dos

a)

b)

Circulação espacializada Circulação sugerida

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volumes impõem ao observador o desfrute das visuais amplas do entorno e, transposta a escada helicoidal, a se manter

em estado contemplativo no terraço, que se define como um continuun espacial do setor social. Este terraço é um

espaço de transição entre o interior e o exterior que se dilata espacialmente para o interior, através dos grandes

planos envidraçados. Ao entrar no social, tem-se distintos pontos focais de interesse, configurando,

consequentemente, uma tensão visual multidirecional. (Figura 8a). Na casa ACPO, o acesso peatonal é protegido

pela cobertura metálica da garagem e, juntamente com o volume do pavimento superior, delimita e emoldura as visuais

do entorno. A porta de entrada, paralela ao eixo de acesso, confere maior privacidade ao acesso. Após passar pelo hall,

o observador é levado diretamente à escada, onde a trajetória descendente e oblíqua transmite uma sensação de

dilatação espacial, devido ao pé-direito duplo, e de descoberta, já que as visuais da área social vão se revelando no

decorrer do percurso de descida. As diversas aberturas nos planos verticais levam o observador a contemplar vários

enquadramentos da área externa, gerando uma tensão multidirecional. (Figura 8b)

Figura 8: Espacialidade dos acessos e halls de entrada (a) Casa LE (2004), Arquitetos Associados; (b) Casa ACPO (2010), Frederico

Zanelato

Fonte: BORTOLOTTO, Daniela, 2016.

a)

b)

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A área social das duas residências possui grande dinâmica espacial, configurada pela integração dos três ambientes,

estar, jantar e cozinha e, pela conexão entre interior e exterior, gerando forte tensão multidirecional. Na casa LE, a

grande horizontalidade do ambiente proporciona uma dilatação das visuais para a área externa, decorrentes da

estrutura em planta livre, dos generosos planos de vidro e da extensão da cobertura para além do fechamento vertical,

demostrando o caráter extrovertido da área social. (Figura 9a). Na casa ACPO, o olhar ganha impulsos verticais, em

direção ao hall de entrada, e horizontais, promovidos por aberturas diversas, que criam enquadramentos com a área

externa. A continuidade espacial com exterior ocorre através do deck sobre os terraços, protegido por cobertura

metálica. (Figura 9b)

Figura 9: Espacialidade da área social. (a) Casa LE (2004), Arquitetos Associados; (b) Casa ACPO (2010), Frederico Zanelato

Fonte: BORTOLOTTO, Daniela, 2016.

Transposto o estar e a circulação vertical, alcança-se o corredor íntimo, que também promove percepções espaciais

bastante distintas entre as casas. Na LE, as dimensões estreitas do corredor íntimo são virtualmente dilatadas por uma

grande abertura na interface com o pátio inferior. Assim, a tensão unidirecional que a geometria desses espaços sugere

é amenizada pela tensão visual promovida pela interação com o pátio, configurando múltiplos pontos focais. (Figura

10a). Na ACPO, a circulação íntima é realizada por uma escada estreita periférica que promove compressão espacial e

tensão unidirecional, preparando o usuário para o ingresso no universo privado da casa. Em seguida, o pequeno

corredor se dilata em um hall centralizado que se abre para o banheiro social e encaminha a circulação aos dormitórios

e escritório. (Figura 10b)

a)

b)

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Figura 10: Espacialidade da circulação íntima (a) Casa LE (2004), Arquitetos Associados; (b) Casa ACPO (2010), Frederico Zanelato

Fonte: BORTOLOTTO, Daniela, 2016.

Nos dormitórios das duas residências, a geometria estática contrasta com as grandes aberturas que, na maioria dos

casos, são posicionadas entre os planos horizontais, ocupando a largura total dos ambientes. Estas grandes aberturas

se estabelecem como os únicos pontos focais, revelando uma tensão visual unidirecional. Nas suítes do casal, o closet

antecipa o quarto, proporcionando uma visual na diagonal da planta que cria expectativa e induz a circulação para a

apreensão do ambiente. Destaca-se apenas que na LE, a varanda linear cria um espaço de transição entre a área

externa e a interna dos dormitórios, proporcionando uma maior privacidade, necessária nestes ambientes. (Figura 11)

Figura 11: Espacialidade dos dormitórios (a) Casa LE (2004), Arquitetos Associados; (b) Casa ACPO (2010), Frederico Zanelato

Fonte: BORTOLOTTO, Daniela, 2016.

a)

b)

a)

b)

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Considerações Finais

As duas residências analisadas adotam soluções tipológicas semelhantes entre si, apresentando diversas estratégias

convergentes. Contudo, o arranjo de ambas permite também indicar variações importantes nas estratégicas formais,

funcionais e espaciais.

Podem ser apontadas como pontos de confluência da implantação e partido formal as seguintes características: 1) a

partidos decompostos, com volumes escalonados assentados na topografia do terreno; 2) implantação em cotas de

nível diferentes abaixo do nível da rua; 3) coberturas exploradas como terraços, garantindo as amplas das visuais para

o entorno; 4) estreita relação visual com o ambiente externo, principalmente nas áreas sociais, promovida pelo uso da

planta livre e planos envidraçados ou grandes aberturas nos planos. Quanto à espacialidade, destaca-se: 5)

espacialidades que buscam promover contração e dilatação espacial no deslocamento que vai do acesso aos

dormitórios; 6) ambientes das áreas sociais integrados, proporcionando tensões visuais multidirecionais; 7)

dormitórios, com tensão visual unidirecional, tendo como ponto focal as aberturas para o exterior.

Como pontos divergentes da implantação e partido formal é possível citar: 1) dimensões dos lotes distintas; 2)

acessos estabelecidos em níveis diferentes - na casa LE, em um nível intermediário, evitando o desnível mais acentuado

do terreno; na casa ACPO, diretamente no nível da rua; 3) arranjo volumétrico com diferentes estratégias de adição –

proximidade e tangência horizontal da alas na casa LE, expressando claramente seus diferentes componentes

programáticos; volumes interseccionados e tangentes na vertical na ACPO, sem explicitar clareza formal de suas

“partes”; 4) lógicas estruturais distintas – racionalizada e modulada na casa LE; ocasional na ACPO, decorrente do

arranjo formal pré-estabelecido; 5) arranjo de aberturas diferentes - grandes planos envidraçados no setor social,

favorecidos pela planta livre da casa LE, o que favorece a relação interior/exterior e as visuais para o entorno;

aberturas nos planos e enquadramentos das visuais ao exterior na ACPO. Do ponto de vista funcional, destaca-se: 6)

estratégias de zoneamento diferenciadas – na LE, social e serviços no mesmo pavimento e o setor íntimo em um nível

diferente, promovendo maior privacidade em relação aos demais; na ACPO, isolamento da área social e integração do

setor de serviços e íntimo no pavimento inferior; 7) redes circulatórias com diferenças explícitas – na LE, articulação

dos eixos de circulação de modo a preservar o isolamento do estar; na ACPO, circulações verticais interdependentes

dispostas em eixos longitudinais diferentes, configurando o estar como zona de passagem. Do ponto de vista

espacialidade, merecem menção: 8) sutis diferenças no percurso traçado entre o hall e os quartos: na LE, efeitos

espaciais de dilatação espacial e multidirecionalidade mais uniformes1; na casa ACPO, efeitos mais rítmicos e

alternados2;

1 Destaca-se: acesso – dilatação e tensão multidirecional; social – dilatação horizontal e tensão multidirecional; circulação íntima – dilatação e tensão multidirecional; dormitórios dilatação e tensão unidirecional 2 Destaca-se: acesso – contração vertical e tensão multidirecional; social – dilatação vertical e tensão multidirecional; circulação íntima – contração e tensão unidirecional; dormitórios – dilatação e tensão unidirecional

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Assim, pode-se concluir que o arranjo tipológico semelhante das duas residências pode gerar variações formais e

funcionais e também, espacialidades análogas ou distintas, apresentando-se como um esquema tipológico flexível para

atender as demandas de diferentes projetos.