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ARP!35 Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XX, nº 80, pág. 35-38, Out.-Dez., 2008 Casos Clínicos / Radiological Case Reports Nefroma Quístico Multilocular Multilocular Cystic Renal Tumor Diana Garrido, Catarina Silva, André Cardoso, Carlos Abel Ribeiro Serviço de Imagiologia, Hospital Pedro Hispano Director: Dr. Abel Salgueiro Serviço de Urologia, Hospital Pedro Hispano Director : Dr. Rui Prisco Resumo O Nefroma Quístico Multilocular é uma entidade clínica benigna, de causa desconhecida, que apresenta frequentemente características clínicas e radiológicas de patologia quística renal maligna, tornando difícil a decisão terapêutica mais adequada. Os autores apresentam um caso clínico com particular atenção para os aspectos imagiológicos, procedendo a uma breve revisão da literatura. Palavras-chave Rim; Quisto Renal; Neoplasia Renal. Abstract Cystic nephroma it´s a relatively rare and benign clinical entity, of unknown cause, with a clinical and radiologic presentation that can resemble a malignant kidney disease, troubling the diagnosis. The authors report a case and a review of the literature on this regard is performed. Key -words Kidney; Kidney Cyst; kidney Neoplasm. Anamnese e Exames Complementares Em Janeiro de 2007, uma doente do sexo feminino de 60 anos de idade, assintomática, efectuou em ambulatório, como exame de rotina, uma ecografia renal que revelou a presença no rim esquerdo de uma formação quística multiseptada,com áreas predominantemente anecoicas, com aproximadamente 70mm de diâmetro máximo. (Fig. 1) A tomografia computorizada (TC) , com administração de contraste endovenoso revelou uma formação quística multiloculada, com duas densidades diferentes suspeitas de traduzir um processo hemorrágico com captação ligeira do contraste endovenoso, por parte dos septos e da cápsula, apenas na fase mais tardia. (Fig. 2) Recebido a 27/06/2007 Aceite a 22/10/2007 Fig. 1- Ecografia do rim esquerdo mostrando imagem quística multiseptada, com finos septos,sem evidência de áreas sólidas.

Casos Clínicos / Radiological Case Reports - sprmn.pt · ARP!37 maioritariamente na população feminina entre a 5ª e 6ª décadas [5] . Embora maioritariamente benignos, existem

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ARP!35

Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XX, nº 80, pág. 35-38, Out.-Dez., 2008

Casos Clínicos / Radiological Case Reports

Nefroma Quístico Multilocular

Multilocular Cystic Renal Tumor

Diana Garrido, Catarina Silva, André Cardoso, Carlos Abel Ribeiro

Serviço de Imagiologia, Hospital Pedro HispanoDirector: Dr. Abel SalgueiroServiço de Urologia, Hospital Pedro HispanoDirector : Dr. Rui Prisco

Resumo

O Nefroma Quístico Multilocular é uma entidade clínica benigna, de causa desconhecida, que apresenta frequentementecaracterísticas clínicas e radiológicas de patologia quística renal maligna, tornando difícil a decisão terapêutica mais adequada.Os autores apresentam um caso clínico com particular atenção para os aspectos imagiológicos, procedendo a uma breve revisãoda literatura.

Palavras-chave

Rim; Quisto Renal; Neoplasia Renal.

Abstract

Cystic nephroma it´s a relatively rare and benign clinical entity, of unknown cause, with a clinical and radiologic presentationthat can resemble a malignant kidney disease, troubling the diagnosis. The authors report a case and a review of the literature onthis regard is performed.

Key -words

Kidney; Kidney Cyst; kidney Neoplasm.

Anamnese e Exames Complementares

Em Janeiro de 2007, uma doente do sexo feminino de 60anos de idade, assintomática, efectuou em ambulatório,como exame de rotina, uma ecografia renal que revelou apresença no rim esquerdo de uma formação quísticamultiseptada,com áreas predominantemente anecoicas,com aproximadamente 70mm de diâmetro máximo.(Fig. 1)

A tomografia computorizada (TC) , com administração decontraste endovenoso revelou uma formação quísticamultiloculada, com duas densidades diferentes suspeitasde traduzir um processo hemorrágico com captação ligeirado contraste endovenoso, por parte dos septos e da cápsula,apenas na fase mais tardia. (Fig. 2)

Recebido a 27/06/2007Aceite a 22/10/2007

Fig. 1- Ecografia do rim esquerdo mostrando imagem quísticamultiseptada, com finos septos,sem evidência de áreas sólidas.

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A ressonância magnética, confirmou lesão quísticamultiloculada, com quistos não comunicantes , parecendoherniar para o sistema calicial embora não comunicandocom o mesmo. A lesão não capta contraste endovenoso àexcepção de uma captação discreta por parte da cápsula e,mais tardiamente, por alguns septos. Estes achados fizeramsuspeitar de um Nefroma Quístico Multiloculado. (Figs. 3e 4)Optou-se por nefrectomia radical esquerda , decorrendoo pós operatório sem intercorrências.O exame anatomo–patológico macroscópico da peçarevelou o rim esquerdo deformado por uma formação

Fig. 2 a), b) e c) – TC de formação quística multiloculada, com duasdensidades diferentes, apresentando discreta captação do contrasteendovenoso pelos septos e cápsula apenas na fase mais tardia.

Fig. 3 a), b) e c) – RM com ponderação em T1 no plano axial sem ecom administração de contraste . Lesão hipointensa com captaçãodiscreta de contraste apenas por parte dos septos e cápsula na fase maistardia.

quística multicavitada, com conteúdo seroso esbranquiçadocoloide e revestimento interno liso, sem invasão do restanterim. (Fig. 5)No exame microscópico confirmou-se o diagnóstico deNefroma Quístico Multilocular.

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maioritariamente na população feminina entre a 5ª e 6ªdécadas [5] .Embora maioritariamente benignos, existem casos emcrianças onde foram encontrados focos de nefroblastomae em doentes mais velhos estroma sarcomatoso.O NQM faz parte das lesões quísticas renais constituindo21% das mesmas e tendo degeneração maligna em cercade 3% [6].Os sinais e sintomas variam com a idade sendoinespecíficos, geralmente com dor abdominal e hematúriamicro ou macroscópica, havendo por vezes infecção dotracto urinário, cuja frequência depende do grau deobstrução da árvore calicial pelo volume quístico[7] Ahematúria , segundo um estudo em 58 doentes com NQMno Armed Forces Institute of Pathology, feito por Madewelle al [8] , pode relacionar-se com infecção mas tambémcom herniação dos quistos na pelve renal.Macroscopicamente indistinguível do NQPD, constituiuma massa circunscrita com cápsula fibrosa espessa,

Fig. 4 a) e b) – RM com ponderação em T2 nos planos axial e sagital.Lesão hiperintensa , multiseptada, com quístos não comunicantes ,herniando para o sistema calicial.

Discussão

O Nefroma Quístico Multilocular (NQM) apresenta-secomo uma lesão renal quística, rara, de natureza benigna.Inicialmente descrita por Edmund em 1892[1] como um“adenoma cístico”, foi alterado o nome em 1956 por Bogse Kimmelstiel e al[2] para nefroma quístico multiloculadobenigno. Em 1986 , Bosniak [3] propôs um modelo paraas lesões quísticas renais que as dividia em quatro grupos: I e II (benigna) ; III (intermédia) ; IV (maligna) com basenas características ecográficas. Em 1989, Joshi e Beckwithe tal, [4] propuseram um modelo de classificação quepermite diferenciar o NQM do Nefroma QuísticoParcialmente Diferenciado (NQPD), ambos fazendo partedos tumores renais quísticos , sendo indistintosanatomicamente e radiologicamente, mas diferentes nahistologia, apresentando o último elementos embrionáriosa nível dos septos.A maior frequência do NQM acontece nos 2 primeirosanos de vida na população pediátrica masculina(aproximadamente 2/3 ) com o restante acontecer

Fig. 5 a) e b) – Peça operatória de lesão quística multicavitada comrevestimento interno liso, sem invasão do restante rim .

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contendo múltiplos quistos não comunicantes separadospor septos fibrosos.Microscopicamente, a parede quística é constituída porcélulas epiteliais cuboides e o tecido entre os septos nãoapresenta elementos embrionários como no NQPD, sendoesta diferenciação importante, tendo em conta os elementosembrionários serem factor de risco para o desenvolvimentode Tumor de Wilms, havendo mesmo um caso derecorrência local de um NQPD numa situação de resseçãoincompleta. [4]Os exames imagiológicos são vitais na diferenciação doNQM das outras massas renais quísticas como o Tumorde Wilms com transformação quística, Sarcoma de célulasrenais, variantes quísticas do Nefroma Mesoblástico , assimcomo da Doença Policística Renal AD e de Doença RenalQuística localizada.A presença de elementos sólidos exclui o NQM, tornandopossível a presença de uma lesão mais agressiva.O Tumor de Wilms raramente è cístico ( « de 10%)apresentando massas expansivas de tecido nefroblástico.O Sarcoma de Células Renais e as variantes quísticas doNefroma Mesoblástico, são geralmente diagnosticadasantes do nascimento ou no período neonatal o que nãoacontece com o NQM.O Rim Displásico Multicístico tem ausência deparênquima renal funcionante na área displásica podendoesta captar ligeiramente o contraste endovenoso emborade forma diferente do parênquima normal. No NQM oparênquima sem tumor capta normalmente e excreta deforma simétrica o produto de contraste. [7].A ecografia e o TC são os exames frequentemante usadosno diagnóstico , permitindo uma decisão terapêutica maisadequada e o seguimento da lesão.Ecograficamente , a aparência típica é de múltiplos espaçosanecoicos, separados por septos ecogéneos finos , semelementos sólidos associados. A ecografia é superior à TCna avaliação da arquitectura septal, nomeadamente quandoestes não captam o contraste endovenoso. No entanto, apresença de múltiplos quistos pode tornar o examecomplexo devido às várias interfaces acústicas do feixeultrassónico.[9]Na TC, o conteúdo quístico surge com alguma atenuaçãorelativamente à água e a massa pode mesmo ter aparênciasólida quando os quistos são muito pequenos ( «10mm) ,apresentam conteúdo mixomatoso ou existe grandeproximidade entre os septos. Estes captam contrasteendovenoso pela sua vascularização que, no entanto, éinferior à vascularização do Carcinoma de células renais.O contraste não se acumula nos quistos por estes nãocomunicarem com o sistema excretor embora herniem paraa pelve renal, sendo esta ,uma característica deste tipo delesões. [10]A Ressonância Magnética, não sendo um exame essencialao diagnóstico destes tumores, apresenta uma imagemtípica e ajuda a confirmação diagnóstica. A cápsula e osseptos têm baixa intensidade de sinal em T2 devido aoselementos fibróticos que apresenta. Os quistos têm váriosgraus de intensidade de sinal dependendo do conteúdo .O tratamento do NQM consiste na excisão cirúrgica que écurativa, mesmo com cirurgia conservadora, desde que asmargens estejam livres de tumor, sendo importante o

diagnóstico prévio deste tipo de tumor de forma a evitaruma cirurgia radical.

Conclusão

Descreve-se um caso clínico de Nefroma QuísticoMultiloculado, cujo interesse decorre das característicasimagiológicas tipícas que permitem a suspeiçãodiagnóstica, contribuindo para a realização de exameextemporâneo. Confirmado o diagnóstico pode optar-sepor uma atitude cirúrgica mais conservadora ( nefrectomiaparcial).

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2. Boggs, L. K.; Kimmelstiel, P. - Benign Multilocular Cystic Nephroma.Report of Two Cases of So-Called Multilocular Cyst of the Kidney. J.Urol., 1956, 76:530-41.

3. Bosniak, M. A. - The Current Radiological Approach to Renal Cyst.Radiology, 1986, 158:1-10.

4. Joshi, W.; Beckwith, J. B. - Multilocular Cyst of the Kidney(CysticNephroma) and Cystic, Partially Differenciated Nephroblatoma.Terminology and Criteria for Diagnosis. Cancer, 1989, 64:466-79.

5. Banner, M. P.; Pollaek, H. M.; Chatten, Witzleben C. - MultilocularRenal Cysts. Radiologic-Pathologic Correlation. AJR Am. J.Roentgenol., 1981,136:239-47.

6. Levy, P.; Helenon, O.; Merran, S.; Paraf, F.; Mejean, A.; Cornud, F.;Moreau, J. F. - Cystic Tumors of the Kidney in Adults. RadioHistopathologic Correlations; J. Radiol.,1999 Feb, 80(2):121-33.

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10. Kettritz, U.; Semelka, R. C.; Siegelman, E. S.; Shoenut, J. P.;Mitchell, D. G. - Multilocular Cystic Nephroma: MR ImagingAppearance with Current Technics, Including GadoliniumEnhancement. J Magn Reson Imaging, 1996, 6:145-48.

Correspondência

Diana da Silva GarridoRua Nove de Abril, 431 – H704250-348 PortoEmail: [email protected]