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O Atendimento Educacional Especializado (AEE) e o aluno com autismo: a voz dos professores da sala de recursos multifuncionais 1 Marily Oliveira Barbosa 2 Neiza de Lourdes Frederico Fumes 3 RESUMO O atendimento educacional especializado (AEE) veio estabelecer novas formas de agir frente aos alunos com deficiência, auxiliando na permanência com qualidade destes alunos dentro da escola. Em se tratando do aluno com autismo, a sua entrada é relativamente recente e desperta na escola situações desafiadoras. O objetivo deste estudo é desvelar o entendimento do professor do AEE sobre o autismo e identificar as ações realizadas no AEE para os alunos com autismo. Este estudo é de cunho qualitativo, pois visa obter a visão dos pesquisados sobre o assunto em questão. Para isso utilizamos como instrumento a entrevista semi-estruturada e para a análise de dados nos apoiamos na análise de conteúdo. Os resultados demonstraram que todas as professoras diziam-se ser favoráveis à inclusão desses alunos no ensino regular e demonstraram possuir conhecimento sobre o autismo. As ações do AEE ocorriam de formas diferenciadas, sempre de acordo com as necessidades de cada aluno, com atividades complementares, auxiliando no processo de ensino aprendizagem. A totalidade das professoras relataram os desafios e a satisfação em observar os avanços educacionais de seus alunos. Para melhorar o AEE existe a necessidade de uma parceria entre a escola e família. Palavras chaves: Atendimento Educacional Especializado (AEE); autismo; professores. INTRODUÇÃO A entrada de alunos com deficiência no ambiente escolar vem passando por inúmeras transformações, embora ainda muitos sejam os entraves para garantir os direitos a esta população de frequentarem a escola regular. Diversos mecanismos, como decretos, leis e resoluções começaram a 1 Eixo temático: Transtornos globais do desenvolvimento. Indicação da categoria: comunicação 2 Mestranda no programa de pós-graduação em educação brasileira pela Universidade Federal de Alagoas e integrante do Núcleo de Estudos em Educação e Diversidade (NEEDI). Agência de fomento: CAPES. 3 Docente do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas e coordenadora do Núcleo de Estudos em Educação e Diversidade (NEEDI). ISSN 1984-2279 2416

Cbee autismo meu

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O Atendimento Educacional Especializado (AEE) e o aluno com autismo: a voz dos professores da sala de recursos multifuncionais1

Marily Oliveira Barbosa2

Neiza de Lourdes Frederico Fumes3

RESUMO

O atendimento educacional especializado (AEE) veio estabelecer novas formas de agir frente aos alunos com deficiência, auxiliando na permanência com qualidade destes alunos dentro da escola. Em se tratando do aluno com autismo, a sua entrada é relativamente recente e desperta na escola situações desafiadoras. O objetivo deste estudo é desvelar o entendimento do professor do AEE sobre o autismo e identificar as ações realizadas no AEE para os alunos com autismo. Este estudo é de cunho qualitativo, pois visa obter a visão dos pesquisados sobre o assunto em questão. Para isso utilizamos como instrumento a entrevista semi-estruturada e para a análise de dados nos apoiamos na análise de conteúdo. Os resultados demonstraram que todas as professoras diziam-se ser favoráveis à inclusão desses alunos no ensino regular e demonstraram possuir conhecimento sobre o autismo. As ações do AEE ocorriam de formas diferenciadas, sempre de acordo com as necessidades de cada aluno, com atividades complementares, auxiliando no processo de ensino aprendizagem. A totalidade das professoras relataram os desafios e a satisfação em observar os avanços educacionais de seus alunos. Para melhorar o AEE existe a necessidade de uma parceria entre a escola e família. Palavras chaves: Atendimento Educacional Especializado (AEE); autismo; professores.

INTRODUÇÃO

A entrada de alunos com deficiência no ambiente escolar vem passando

por inúmeras transformações, embora ainda muitos sejam os entraves para

garantir os direitos a esta população de frequentarem a escola regular.

Diversos mecanismos, como decretos, leis e resoluções começaram a

1 Eixo temático: Transtornos globais do desenvolvimento. Indicação da categoria: comunicação 2 Mestranda no programa de pós-graduação em educação brasileira pela Universidade Federal de Alagoas e integrante do Núcleo de Estudos em Educação e Diversidade (NEEDI). Agência de fomento: CAPES. 3 Docente do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas e coordenadora do Núcleo de Estudos em Educação e Diversidade (NEEDI).

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aparecer através das reivindicações da sociedade, com o intuito de assegurar

este direito. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 mobilizou o país em

relação aos direitos individuais e sociais, estabelecendo que todos são iguais

perante a lei, portanto todos tem direitos, inclusive à mesma educação. Sendo

assim, o direito do aluno com deficiência adentrar na escola regular foi

mencionado no artigo 208 ao indicar que o atendimento educacional

especializado para o aluno com deficiência deve ocorrer preferencialmente na

rede regular de ensino (BRASIL 1988).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9394, de

1996, dedicou um capítulo para a educação especial e definiu-a como uma

modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular

de ensino (BRASIL, 1996).

Esta definição da Educação Especial como modalidade de ensino

manteve-se na Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da

Educação Inclusiva (2008). Vejamos: Uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os serviços e recursos próprios desse atendimento e orienta os alunos e seus professores quanto a sua utilização nas turmas comuns do ensino regular (BRASIL, 2008).

Veltrone e Mendes (2011) mencionam que atualmente a política de

educação especial está vinculada ao atendimento educacional especializado,

que tem por objetivo incluir a todos na rede regular de ensino, respeitando a

diversidade e buscando os apoios necessários para a entrada e permanência

dos alunos com deficiência. O atendimento educacional especializado tem a

função: identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela (BRASIL, 2008).

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Diante do exposto, consideramos que o atendimento educacional

especializado veio estabelecer novas formas de agir frente aos alunos com

deficiência, auxiliando assim na permanência com qualidade destes alunos

dentro da escola. O AEE deve ser realizado na sala de recursos multifuncionais

(SRM), que “são ambientes dotados de equipamentos, mobiliários e materiais

didáticos e pedagógicos para a oferta do AEE”, para a realização, além dos

equipamentos, a escola deve possuir um professor especializado que atue no

atendimento aos alunos com deficiência, inclusive aos alunos com autismo

(BRASIL, 2011).

A Resolução CNE/CEB 4/2009 define que fica sob responsabilidade do

professor do AEE organizar os serviços e recursos pedagógicos para cada

aluno, bem como acompanhar a aplicabilidade deles na sala do ensino regular

e ainda orientar professores e familiares sobre estes recursos. Sendo assim

observamos que muitas responsabilidades foram delegadas a este professor e

que cabe a ele conhecer os diferentes aspectos dos alunos atendidos pela

educação especial, para assim auxiliar no desenvolvimento destes dentro da

sala de aula regular.

O público alvo a ser atendido pela educação especial é extenso,

principalmente ao pensarmos que o AEE deve auxiliar a todos os alunos, com

suas diferentes peculiaridades. Em se tratando do aluno com Transtorno Global

do desenvolvimento, mais especificamente o autismo, foco da nossa pesquisa

Belisário Filho (2010, p. 15), apoiado nos estudos de Kanner e Asperger, indica

que: O autismo se caracteriza pela presença de um desenvolvimento acentuadamente prejudicado na interação social e comunicação, além de um repertório marcantemente restrito de atividades e interesses. As manifestações desse transtorno variam imensamente a depender do nível de desenvolvimento e idade.

Os alunos com autismo apresentam diversas formas de ser e agir, com

respostas diferentes entre si. Bridi, Fortes e Bridi Filho (2006) afirmam que

muitos profissionais da área da educação enfrentam certo temores em relação

aos procedimentos com o aluno com autismo, pois alegam não se sentirem

preparados para lidar com eles, por desconhecerem as peculiaridades destes

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alunos, temendo assim uma possível intervenção pedagógica junto à eles. Por

outro lado, concordamos com Cunha e Mata (2006) que consideram que o

contato com os alunos autistas auxilia na mudança de paradigma destes

professores gerando assim mudanças atitudinais e redimensionando o fazer

pedagógico.

Silva (2010) salienta que a proposta de inclusão, quando se trata da

inclusão de alunos com autismo, demanda grandes desafios à escola como um

todo e principalmente ao professor que irá lidar diretamente com o aluno.

Considerando estes aspectos, o objetivo deste estudo é desvelar o

entendimento do professor do AEE sobre o autismo e identificar as ações

realizadas no AEE para os alunos com autismo.

METODOLOGIA

Esta pesquisa é de natureza qualitativa. Costa (2001) menciona que

este tipo de pesquisa se origina com uma realidade que não pode ser

quantificada, trabalhando com a subjetividade dos participantes, em particular

com as suas atitudes, valores, crenças, e buscando compreender suas

respostas de forma a tornar o problema mais explícito.

Flick (2009) relata que os métodos qualitativos consideram a

comunicação do pesquisador com o campo e seus membros como parte

explícita da produção do conhecimento e se caracteriza pela interação direta

entre o pesquisador e o objeto de estudo.

Para obtermos os dados da pesquisa utilizamos a entrevista

semiestruturada. O objetivo deste tipo de entrevista “é revelar o conhecimento

existente de tal modo que se possa expressá-lo na forma de respostas,

tornando-se assim, acessível à interpretação” (FLICK, 2009, p.153). A

entrevista semiestruturada é definida como um processo de entrevista que

consiste em perguntas escolhidas de antemão com o objetivo de extrair

informações dos entrevistados, podendo quando necessário acrescentar novas

perguntas, visando resultados importantes para a pesquisa em questão

(ANGROSINO, 2009).

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Antes da realização da entrevista foi realizado um levantamento a

respeito dos alunos com autismo na cidade de Maceió, através do Censo

Escolar municipal (2011), em que foram identificadas 20 alunos com autismo

matriculados na rede. De posse desta informação, encaminhamo-nos às

escolas para negociar o acesso à instituição, porém em alguns casos, as

informações não se confirmaram – em algumas escolas não havia alunos com

autismo matriculados.

Foram confirmados nove alunos com autismo regularmente

matriculados em cinco escolas municipais. A partir da identificação deste

universo, convidamos as professoras das salas de recurso multifuncional que

atuavam diretamente com estes alunos para participar da pesquisa. Após estes

professores terem aceitado tomar parte do estudo, realizamos as entrevistas

em seu ambiente de trabalho. Estas foram gravadas em mp4 e a seguir

transcritas.

Posteriormente às entrevistas e transcrições, foi realizada uma leitura

juntamente com uma análise minuciosa e exaustiva de todos os dados, e, a

partir destes, foram levantadas as categorias. Neste processo fez-se uso da

análise de conteúdo. Minayo (2004, p. 209) menciona que este tipo de análise

“[...] consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma

comunicação cuja presença ou frequência signifiquem alguma coisa para o

objeto analítico visado”, a análise desdobra-se em três etapas: pré-análise;

exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e interpretação.

Através da direção da análise de conteúdo, foram criadas as

categorias, denominadas como: Entendimento dos professores sobre o autismo

e o Atendimento Educacional Especializado voltado ao aluno com autismo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS DADOS

Começamos a apresentação dos resultados com a descrição de

algumas características dos participantes da pesquisa, que pode ser vista no

quadro 1. Vale salientar que os nomes são fictícios para preservar a identidade

dos sujeitos envolvidos nela.

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Quadro1. Características dos participantes da pesquisa

Professor

da SRM

Formação

inicial

Pós-graduação Tempo

de

atuação

Alunos com

autismo

Série Escola

Eliana Letras Psicopedagogia e Educação

Especial.

3 anos

Márcio Ens. infantil II A

Fernando

Ens. fundamental I

A

Sônia

Psicologia

Psicologia Jurídica e Educação Especial.

9 anos

Márcia Ens. fundamental I

B

Anildo Ens. fundamental I

C

Elton Ens. fundamental I

D

Samanta Pedagogia Psicopedagogia 4 meses

Ernesto Ens. infantil II E Carlos Ens. infantil I E Kaldy Ens. infantil I E Dircel Ens. infantil I E

Girlene Pedagogia Psicopedagogia 9 anos Antônio Ens. fundamental I

F

Nivaldo Ens. fundamental I

F

Em relação às escolas pesquisadas, pudemos ressaltar que todas elas

eram de âmbito público e de nível municipal. Todas possuíam diversos alunos

com deficiência regularmente matriculados, entre eles os alunos com autismo.

As escolas A e B possuíam uma sala de recursos multifuncionais, do tipo 1, e

possuíam professores especializados que atuavam nessas salas no período

matutino e vespertino. Por outro lado, as escolas C e D não possuíam SRM e,

por isso o atendimento dos alunos com deficiência era realizado na escola B,

pela professora Sônia.

Todas as professoras possuíam formação em nível superior e

especialização na área, conforme a exigência da Política Nacional de

Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008).

Especificamente, todas tinham formação em nível de pós-graduação lato senso

em Psicopedagogia e Educação Especial. Dito isso, todas tiveram disciplinas

em sua formação que tratavam sobre a Educação Especial e nestas disciplinas

houve alguma menção sobre o autismo. Além disto, todas as professoras já

haviam participado de cursos de pequena duração relacionados à temática do

autismo.

O tempo de atuação das professoras participantes nas SRMs era entre

quatro meses e nove anos. Cabe ressaltar que a professora que estava há 4

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meses na SRMs atuava na rede pública de ensino havia cinco anos e possuía

em sua sala um aluno com autismo.

Conforme a fala das professoras, todos os alunos com autismo

atendidos por elas possuíam diagnóstico, participavam dos atendimentos da

SRMs duas vezes por semana e complementavam esse atendimento com

sessões com fonoaudiologia e terapia ocupacional. O aluno Ernesto, além

destas intervenções, participava de sessões de equoterapia e Educação Física.

Todos os alunos possuíam plano de atendimento individual e participavam de

avaliações contínuas realizadas pelas professoras da SRM. Cabe aqui

ressaltar que os alunos Márcio, Antônio e Nivaldo possuíam auxiliar de sala

exclusiva, disponibilizado pela secretaria municipal de ensino. Vejamos mais

detalhadamente os pontos de vista dos professores através das categorias a

seguir.

Entendimento dos professores sobre o autismo

Ao buscar junto às professoras entrevistadas o entendimento que cada

uma delas possuía sobre o autismo as respostas foram diversas, embora

apresentassem concepções similares entre si. Vejamos a seguir a opinião das

professoras: O autismo ainda é uma incógnita, porque cada criança autista tem muito mais individualidade do que uma criança que não tem autismo. Cada uma tem uma condição diferenciada, cada uma é uma caixinha de surpresa (Professora Eliana). Assim... o autismo é como se fosse uma caixinha de surpresa. Cada criança age de um jeito. O autista é uma pessoa normal, igual a todo mundo e ele tem os mesmos direitos, ele tem que ir para a sala de aula e só assim ele vai desenvolver a sua vida social, junto com outras crianças. E tem de ser tratada igual às outras crianças (Professora Samanta).

No recorte da professora Samanta fica evidenciado que, independente

da criança possuir o autismo, ela tem os mesmos direitos que todos os

cidadãos, inclusive de frequentarem a mesma escola, fato citado por diversos

documentos legais (BRASIL, 1988; 1996; 2008).

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Corroborando com os dispositivos legais, Cintra, Jesuino e Proença

(2010) mencionam que a oportunidade de interação do aluno com autismo no

ambiente escolar é a base para o seu desenvolvimento, como para o de

qualquer outra criança.

Ao buscar junto às professoras entrevistas a definição do autismo, elas

recorreram as suas concepções pessoais, inclusive relataram sobre a não

existência de uma “cura” para o autismo. Vejamos o que elas nos dizem: Eu definiria como uma doença da alma, um transtorno da alma porque existe algum motivo daquela criança estar vivendo em outro mundo, né? Pode não ser o motivo aparente, pode ser uma família totalmente estruturada, mas existe algum motivo. Tanto é que a medicina tenta encontrar alguma coisa genética, de disfunção biológica, química e não consegue encontrar (Professora Eliana). O autismo é a criança estar no mundinho dela e aos poucos com a ajuda de todos, ele vai acordando e enxergando o mundo da gente, vai deixando o mundinho dele de lado e vindo para o da gente. O autismo pra mim é isso, porque é uma síndrome que até hoje não tem cura, mas que com um bom tratamento com pessoas especializadas o autista consegue desenvolver assim uma vida social, tendo o apoio tanto da família como de profissionais multifuncionais (Professora Samanta).

De fato, o atendimento junto às crianças com autismo deve ter um

caráter multidisciplinar, isto é, ser realizado por vários profissionais

especializados, com cada caso sendo avaliado de forma particularizada,

tentando identificar suas necessidades e potencialidades, estimulando as

habilidades presentes em cada criança, objetivando combater os

comportamentos indesejáveis e mal adaptados que interferem no

desenvolvimento da criança com autismo (BANDIM, 2010).

Em relação à questão da caracterização da criança com autismo, as

professoras apontaram para um ou mais dos aspectos que compõe a tríade

que caracteriza o individuo com autismo, conforme Kanner e Asperger, citados

por Belisário Filho (2010), citaram em seus estudos. Tais menções podem ser

observadas abaixo: O autismo é um transtorno global do desenvolvimento. É uma criança com muita dificuldade de interação, de comunicação e eu acho que isso é o que mais dificulta. Geralmente ele vem

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associado há outras coisas, hiperatividade (Professora Girlene). O autismo segundo a parte teórica é aquela criança que tem dificuldade na comunicação, no contato com a realidade, mas ou menos isso. É um aluno igual a qualquer outro (Professora Sônia). Tem as características dos autistas, que é o olhar que eles não conseguem olhar. Não tem aquela interação com a família, principalmente com a mãe e aos poucos é o isolamento, querer ficar sempre sozinho, se apegar a um brinquedo só. Não usar aquele brinquedo como deveria ser usado, também gestos sempre repetitivos, é isso (Professora Samanta).

Os indivíduos com autismo apresentam limitações significativas na

tríade: área social, de comunicação, presença de comportamento incomum e

repetitivo (LAMPREIA, 2008). Geralmente, eles apresentam dificuldade com o

contato visual, uso de gestos e expressões faciais na comunicação, brincar

com outros e fazer amizades, dificuldades de linguagem e comunicação e o

desenvolvimento precário da imaginação também são características

essenciais. Apresenta ainda atraso no desenvolvimento da linguagem, sendo

que as crianças que desenvolveram a linguagem apresentam problemas para

iniciar e manter o diálogo e a tendência de entender tudo literalmente, bem

como se utilizam da linguagem incomum, estranha ou a usa repetitivamente

(WILLIAMS, 2008).

Ainda sobre as características do autismo, Bandim (2010) relata que o

comprometimento na interação social na criança com autismo é amplo e

persistente, sendo um dos aspectos chave na caracterização do autismo, em

relação aos movimentos incomum e repetitivo, seriam as repetições

automáticas e uniformes de determinado ato motor complexo, pode atingir,

áreas como a mímica, gestos e linguagem.

O Atendimento Educacional Especializado voltado ao aluno com autismo

O atendimento educacional especializado para os alunos com autismo

deve funcionar de forma complementar, garantindo apoio a estes alunos,

principalmente com atividades desenvolvidas dentro da SRM (BRASIL, 2008).

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A intervenção das professoras parecia se orientar nesta mesma perspectiva,

conforme podemos ver: O AEE para mim é o complemento e suplemento para que aquele menino [que tem autismo] não fique em desvantagem. Porque [aluno] tem o déficit, mas aí eu vou trabalhar com ele, para que ele assim não fique em defasagem com o outro aluno (Professora Sônia).

Além disso, o AEE é percebido como um grande desafio pelas

professoras que enfatizam a particularidade do aluno com autismo: Eu acho que o autismo no AEE é o maior desafio, porque não tem receita nenhuma para a criança com autismo. Então para mim está em construção, porque não tem receita, diferente do de baixa visão, porque aí você tem receita, eu vou trabalhar com lente, com isso... No autismo não tem. Então, com o que eu vou trabalhar? Que instrumento eu tenho? Eu acho que a gente tá formando o laboratório, criando um instrumento para trabalhar com eles (Professora Eliana).

Estes questionamentos da professora Eliana podem ser compreendidos

pelo recente ingresso do aluno com autismo no ambiente da escola regular e

mesmo pelas muitas interrogações ainda existentes em relação ao próprio

autismo. Silva (2010) salienta que muitos professores ainda enfrentam diversas

dificuldades em lidar com os alunos com autismo, devido à necessidade de

modificar determinados atos educativos, uma vez que o aluno com autismo

requer da escola e dos professores a adoção de novas práticas pedagógicas.

O AEE, segundo Cintra, Jesuino e Proença (2010), se constitui em um

conjunto de procedimentos específicos, que auxiliam no processo de ensino e

aprendizagem do aluno, principalmente o aluno com autismo que necessita de

diversos procedimentos para que assim ele alcance a aprendizagem eficaz.

Durante a entrevista buscamos desvelar como acontece o AEE nas

escolas em que trabalhavam as professoras entrevistadas. Todas as

professoras indicaram que o atendimento destes alunos era realizado duas

vezes por semana. A professora Sônia e Eliana realizavam estes atendimentos

em duplas, no contraturno, junto com alunos com deficiência intelectual,

enquanto que as professoras Samanta e Girlene atendiam a seus alunos

sempre de forma individual e no contraturno. Vejamos como ocorrem estes

atendimentos no fragmento abaixo:

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A gente [professoras do AEE] faz assim: a anamnese primeiro, que é a história de vida com a mãe ou algum responsável, depois faz uma avaliação, depois dessa avaliação a gente procura saber com a mãe se ele já faz alguma atividade em alguma instituição e faz o plano de atendimento. Eu, no caso, faço um relatório escrito e entrego aos professores [...] e peço um relatório para eles me contarem como é essa criança na sala dele. Daí eu recolho e olho para descobrir alguma habilidade para que eu possa explorar aqui na minha sala. Também procuro a família para conhecer. Eu sempre fico buscando algo que a criança tem de potencial (Professora Sônia).

Além da professora Sônia, as outras professoras realizavam também a

anamnese, avaliação e a busca por parceria com os familiares do aluno com

autismo, buscando, desta forma, melhorar a interação e auxiliar no processo de

aprendizagem deste aluno. Silva (2010) considera que é através da parceria,

entre a família e a escola que o processo de aprendizagem se consolida,

auxiliando assim a eliminação de barreiras para efetivo desenvolvimento deste

aluno.

As professoras Eliana e Samanta explicitaram sobre o AEE em seus

ambientes profissionais: O atendimento para o Fernando é todo de estimulo de aprendizagem. O Fernando está completamente inserido na escola, então ele participa das aulas, das apresentações da escola [...] apesar dele não ter oralidade. Ele faz tudo muito direitinho e você nota a felicidade dele (Professora Eliana). Cada aluno tem um plano diferente, pois cada um tem necessidades diferentes, aí eu vou ver as necessidades de cada um e as potencialidades. O André mal sabia escrever, conhecia todas as letras, mas não escrevia, então eu fui trabalhando com isso, estimulando com jogos e ele está escrevendo e lendo. Já o outro não escreve aí eu fiz trabalho com coordenação, principalmente a questão do limite e agora ele já está tirando [copiando] do quadro (Professora Girlene). O atendimento eu estou trabalhando mais a parte psicomotora deles, com jogos, com vídeos e computador, trabalhando também no pátio, porque o autista tem de ter interação com outros alunos, aí vou para o pátio e faço atividades físicas com eles (Professora Samanta).

Conforme observamos, o AEE ocorre de formas diferenciadas, sempre

de acordo com as necessidades de cada aluno, com atividades

complementares, auxiliando assim no processo de ensino aprendizagem.

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Stainback et al (1999) expõem que a aprendizagem necessita ser

individualizada de acordo com as necessidades, interesses, habilidades e

competências singulares de cada aluno, inclusive para aqueles que possuem

alguma deficiência, proporcionando assim meios para a sua permanência com

qualidade no sistema educacional. Cintra, Jesuino e Proença (2010)

mencionam que para atuar neste campo o professor tem a responsabilidade de

elaborar estratégias pedagógicas e disponibilizar recursos que favoreçam o

acesso ao currículo comum, bem como auxiliar na interação destes alunos

junto à comunidade escolar, visando o desenvolvimento da autonomia destes

alunos.

Quanto às ações realizadas pelas professoras no AEE, procuramos

conhecer como elas percebiam a ação pedagógica com alunos com autismo. A

totalidade delas relatou os desafios de se trabalhar com esses alunos, quer

seja em relação à dificuldade em lidar com eles por contas de suas

particularidades, como também em relação às professoras da sala de aula.

Outro ponto levantado por todas as professoras foi a questão do absentismo

do aluno, tanto na escola, como também no AEE. Vejamos nos recortes a

seguir: Eu acho assim belo, mas eu acho que poderia ser melhor se tivesse assim uma assiduidade dos alunos, das atividades, se eles frequentassem mais a escola, eu não sei como ele se comporta na outra escola, como ele interage (Professora Sônia).

A presença dos alunos com autismo no ambiente escolar tornou

necessárias diversas modificações, como, por exemplo, a relação dos

professores da sala de aula comum e a do AEE, entre outras. Veltrone e

Mendes (2011) afirmam que a permanência destes alunos na escola regular

exige a união entre escola, família e o AEE, pois é através dessas parcerias

que se faz possível um atendimento de qualidade voltado para esses alunos. O

autismo é um desafio, compreendê-lo exige observação constante,

aprendizagens contínuas e, parcerias comprometidas com o desenvolvimento

educacional eficaz desses alunos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer dessa pesquisa foi possível observar que as professoras

entrevistadas possuíam conhecimentos atuais sobre o autismo. Todas as

professoras demonstraram que a escola regular é a base para o

desenvolvimento dessas crianças.

Em se tratando do AEE e do aluno com autismo, as professoras

mencionaram ser um desafio atuar junto a esses alunos. Havia barreiras no

contexto educativo, contudo estes estavam sendo rompidos e os alunos com

autismo cotidianamente estavam conseguindo realizar progressos e estes

instigavam a realização de um trabalho cada vez melhor. O AEE junto a esses

alunos ocorria de forma diferenciada para cada aluno, visando ampliar as

potencialidades individuais, auxiliando no processo de ensino aprendizagem.

Para melhorar o AEE, as professoras mencionaram a necessidade de

uma equipe multidisciplinar, bem como a existência de uma parceria entre o

AEE, escola e família, pois é através dessa união que os alunos com autismo

poderão construir aprendizados reais voltados para a sua independência na

vida. O atendimento educacional especializado se constitui como mais uma

ferramenta para auxiliar no desenvolvimento acadêmico dos alunos com

autismo, uma vez que esses têm direito a receber uma educação de qualidade

em ambientes acolhedores que promovam não apenas o aprendizado para a

vida estudantil, mas para toda a vida.

REFERÊNCIAS ANGROSINO, M. Etnografia e observação participante. Porto Alegre: ARTMED, 2009. BANDIM, J. M. Autismo: uma abordagem prática. Recife: Bragaço, 2010. BELISÁRIO FILHO, J. F. A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar: transtornos globais do desenvolvimento. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2010. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Imprensa Oficial, 1988.

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