136
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ANÁPOLIS UNIEVANGÉLICA PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA MESTRADO MULTIDISCIPLINAR EM SOCIEDADE TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE MARISA MOREIRA BARROS Lugar e Percepção Ambiental: Estudo da Vivência da Comunidade das Escolas Municipais Ayrton Senna da Silva e Moacyr Romeu Costa, Anápolis/GO (2013) Anápolis 2013

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ANÁPOLIS UNIEVANGÉLICA … MOREIRA BARROS.pdf · Giovana Galvão Tavares ... Dra. Mirley Luciene dos Santos (UEG) Dra. Maria Gonçalves da Silva Barbalho

Embed Size (px)

Citation preview

  • CENTRO UNIVERSITRIO DE ANPOLIS UNIEVANGLICA

    PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA

    MESTRADO MULTIDISCIPLINAR EM SOCIEDADE TECNOLOGIA E MEIO

    AMBIENTE

    MARISA MOREIRA BARROS

    Lugar e Percepo Ambiental: Estudo da Vivncia da Comunidade das Escolas Municipais

    Ayrton Senna da Silva e Moacyr Romeu Costa, Anpolis/GO (2013)

    Anpolis

    2013

  • 1

    MARISA MOREIRA BARROS

    Lugar e Percepo Ambiental: Estudo da Vivncia da Comunidade das Escolas Municipais

    Ayrton Senna da Silva e Moacyr Romeu Costa, Anpolis/GO (2013)

    Anpolis

    2013

    Dissertao apresentada ao programa de mestrado em Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente, como requisito obteno do ttulo de mestre. rea de concentrao: Sociedade, Polticas Pblicas e Meio Ambiente. Orientadora: Profa. Dra. Giovana Galvo Tavares

  • 2

    MARISA MOREIRA BARROS

    Lugar e Percepo Ambiental: Estudo da Vivncia da Comunidade das Escolas Municipais

    Ayrton Senna da Silva e Moacyr Romeu Costa, Anpolis/GO (2013)

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sociedade, Tecnologia e Meio

    Ambiente da UniEVANGLICA - Centro Universitrio de Anpolis, como requisito parcial

    para obteno do ttulo de Mestre em Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente pela Comisso

    Julgadora composta pelos membros:

    COMISSO JULGADORA

    ____________________________________________________________________

    Dra. Giovana Galvo Tavares (UniEvanglica Orientadora)

    _____________________________________________________________________

    Dra. Josana de Castro Peixoto (UniEvanglica)

    ______________________________________________________________________

    Dra. Mirley Luciene dos Santos (UEG)

    Dra. Maria Gonalves da Silva Barbalho (Suplente)

  • 3

    AGRADECIMENTOS

    A Deus, Pai Supremo, que me deu foras, persistncia condies para alcanar meu objetivo,

    sem Ele no poderia estar fazendo estes agradecimentos,

    minhas filhas, Raquel e Sara e ao meu neto Arthur, pelo tempo roubado,

    minha filha Raquel, pelos auxlios, trocas de ideias e estmulos positivos,

    Aos meus pais, por tudo, desde sempre,

    minha irm Ellen Moreira Gomides e minha aluna Mase Picolotto pela ajuda nas escolas

    com os alunos da pesquisa,

    As professoras Dra. Josana de Castro Peixoto e Dra. Mirley Luciene dos Santos pelas

    valiosas sugestes feitas no Exame de Qualificao,

    Aos funcionrios da ps-graduao pela disponibilidade e ateno,

    Aos meus colegas do mestrado que me apoiaram e me acompanharam nos momentos de

    dificuldade e de aprendizado,

    Ao Programa de Ps-Graduao em Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente e todo o seu

    corpo docente que me deram o embasamento necessrio para que eu desenvolvesse a pesquisa

    e conseguisse a religao de saberes,

    Ao meu chefe e amigo Wagner pelo apoio e compreenso de minhas ausncias,

    Ao meu querido Yi-Fu- Tuan pela companhia nestes dois anos,

    Agradeo s escolas Municipais Ayrton Senna e Moacir Romeu Costa, em nome das

    diretoras, professores, funcionrios, que abriram as portas e me ajudaram no que foi preciso.

    Em especial aos alunos, que enriqueceram o meu trabalho com suas experincias brincantes e

    com seus desenhos,

    E finalmente, quero agradecer imensamente, a minha orientadora Profa. Dra. Giovana Galvo

    Tavares pela humildade, dedicao, amizade e pela sensibilidade com que se envolveu com a

    minha pesquisa, por acreditar no meu potencial, tenho-a no meu corao e sempre a levarei

    comigo como fonte de inspirao e exemplo,

    Obrigada, professora Giovanna, por tudo, voc que tima!!!

    A todos aqueles que direta ou indiretamente contriburam para a concretizao desta

    dissertao,

    Meu Muito Obrigada!

  • 4

    Lugar e Percepo Ambiental: Estudo da Vivncia da Comunidade das Escolas Municipais

    Ayrton Senna da Silva e Moacyr Romeu Costa, Anpolis/GO (2013)

    RESUMO

    A percepo ambiental um processo complexo que inclui a relao do ser humano com

    diversos fatores como lugar habitado, sua histria de vida, os laos topoflicos nela

    construda e aspectos do imaginrio O presente trabalho tem como objetivo analisar as

    influncias do lugar na percepo ambiental dos alunos do 5 ano de duas escolas municipais

    da cidade de Anpolis, do Estado de Gois, e correlacionar com os dois contextos

    comunitrios. As escolas municipais objetos do estudo foram Escola Municipal Ayrton

    Senna da Silva, localizada no bairro Conjunto Habitacional Filostro Machado Carneiro e a

    Escola Municipal Moacir Romeu Costa, do bairro Novo Paraso. O instrumento de anlise

    foram desenhos confeccionados pelos alunos. Os elementos dos desenhos foram tabulados

    em categorias positivas/negativas, humanas/naturais e analisados na forma de pesquisa

    qualitativa, interpretativa, com uma abordagem humanstica da geografia, tendo a

    fenomenologia como filosofia subjacente. Optou-se, tambm pelo mtodo de anlise da

    percepo ambiental baseando-se fundamentalmente na juno de duas abordagens:

    observao e escuta. As falas dos alunos foram em dois momentos: durante a atividade e,

    depois, na roda de conversa. O resultado da comparao dos desenhos das duas escolas,

    apontou que a estrutura fsica e social do lugar influencia na percepo ambiental, quanto

    mais estruturado mais percebido, tanto na forma positiva quanto na negativa. As imagens,

    representaes simblicas, evidenciaram as relaes experienciadas dia a dia por eles. A

    pesquisa sobre percepo ambiental pode funcionar como um diagnstico da relao de uma

    comunidade com o meio, avaliando o nvel de valorao desta para com o lugar em que

    vive, dado ao aspecto fsico e estrutura social. Nesse contexto, o estudo da percepo

    ambiental de fundamental importncia. Por meio dele possvel conhecer cada um dos

    grupos envolvidos, facilitando a realizao de um trabalho com bases locais, partindo da

    realidade do pblico alvo, para conhecer como os indivduos percebem o ambiente em que

    convivem, suas fontes de satisfao e insatisfao.

    Palavras-chave: Percepo Ambiental. Topofilia. Experincia. Lugar.

  • 5

    Place and Environmental Perception: Study of Experience of Community Municipal

    Schools Ayrton Senna of Silva and Moacyr Romeu Costa, Anapolis /GO (2013)

    ABSTRACT

    Environmental perception is a complex process that includes the relationship of humans with

    various factors such as inhabited place, your life story, the topophilicos ties built it and

    imaginary aspects of the present work is to analyze the influences of place in environmental

    perception of 5th grade students from two public schools in the city of Anapolis, State of

    Goias, and correlate with the two community contexts. The objects of study are municipal

    schools Ayrton Senna da Silva, located in the neighborhood Housing Complex Filostro

    Machado Carneiro and Municipal School Moacir Romeu Costa, the New Paradise

    neighborhood located in the city of Anapolis-GO. The analysis instrument drawings were

    made by the students. The elements of the drawings are tabulated as positive/negative, human

    /natural and analyzed as qualitative, interpretive research with a humanistic approach to

    geography, with the underlying philosophy as phenomenology, categories was chosen also by

    the method of analysis of perception environmental relying primarily on the junction of two

    approaches: observation and listening . Speeches of the students were also analyzed in two

    stages: during the activity, and then the conversation wheel. The results of the comparison of

    the drawings of the two schools, pointed out that the physical and social structure of the place

    influences longer perceived, the more structured environment perception, both in positive and

    in negative. The images, symbolic representations, highlight the day to day relationships

    experienced by them. The research on environmental perception can function as a diagnosis

    of a community relationship with the environment, assessing the level of valuation for this

    with the place you live in, given the physical appearance and social structure. In this context,

    the study of environmental perception is of fundamental importance. Through it is possible to

    know each of the groups involved, facilitating the completion of a job with a local basis,

    starting from the reality of the audience, to know how individuals perceive the environment in

    which they live, their sources of satisfaction and dissatisfaction.

    Keywords: Environmental perception. Topophilia. Experience. Place.

  • 6

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1- Mapa da localizao dos bairros Novo Paraso e Conjunto Habitacional Filostro

    Machado Carneiro na cidade de Anpolis-GO.....................................................................19

    Figura 2- Mapa da localizao das Escolas Municipais Moacyr Romeu Costa e Ayrton Senna

    Silva dos bairros Novo Paraso e Conjunto Habitacional Filostro Machado Carneiro na cidade

    de Anpolis-GO....................................................................................................................20

    Figura 3- Registro fotogrfico de locais e acontecimentos na histria de Anpolis-GO......56

    Figura 4- Mapa do Conjunto Filostro Machado Carneiro na Cidade de Anpolis-GO........59

    Figura 5- Registro fotogrfico de estabelecimentos comerciais e de lazer do Conjunto

    Habitacional Filostro Machado............................................................................................61

    Figura 6- Fotos do Centro de Educao Unificada do Conjunto Habitacional Filostro

    Machado Carneiro................................................................................................................63

    Figura 7- Mapa do Bairro Novo Paraso na cidade de Anpolis-GO...................................70

    Figura 8- Registros fotogrficos de locais do Bairro Novo Paraso......................................71

    Figura 9- Fotos da Escola Municipal Moacyr Romeu da Costa...........................................76

    Figura 10- Desenhos dos alunos do 5 ano da Escola Ayrton Senna da Silva que retratam a

    violncia e o uso de drogas..................................................................................................94

    Figura 11- Desenhos com percepo negativa dos alunos do 5 ano da Escola Moacyr Romeu

    Costa............................................................................................................................. ......97

    Figura 12- Imagens que retratam o Centro de Educao Unificada e Escola Ayrton Senna da

    Silva......................................................................................................................................100

    Figura 13- Imagens que retratam a Escola Moacyr Romeu Costa.......................................101

    Figura14 - Imagens do posto de sade do Conjunto Habitacional Filostro Machado

    Carneiro.............................................................................................................................102

    Figura 15- Imagens que representam o supermercado Vila Rica do Conjunto Habitacional

    Filostro Machado Carneiro.................................................................................................104

    Figura 16- Imagens que representam estabelecimentos comerciais do Conjunto Habitacional

    Filostro Machado Carneiro................................................................................................105

    Figura 17- Imagens de estabelecimentos comerciais do Conjunto Habitacional Filostro

    Machado Carneiro...............................................................................................................106

    Figura 18- Imagens que mostram estabelecimentos comerciais do Bairro Novo Paraso...107

  • 7

    Figura 19- Imagens de casas do Conjunto Habitacional Filostro Machado Carneiro............109

    Figura 20- Imagem de casas do bairro Novo Paraso..........................................................111

    Figura 21- Ilustrao de lugares de lazer do Conjunto Habitacional Filostro Machado

    Carneiro...............................................................................................................................113

    Figura 22- Ilustraes da sorveteria (lugar de lazer) do bairro Novo Paraso.....................114

    Figura 23- Ilustraes da quadra de esportes do bairro Novo Paraso...............................116

    Figura 24- Ilustraes e igrejas do Conjunto Habitacional Filostro Machado Carneiro......118

    Figura 25- Desenhos com representao de igreja do bairro Novo Paraso.........................119

    Figura 26 Desenhos com representao positiva e negativa do lugar..............................120

    Figura 27 Desenho de um aluno que no percebe o lugar................................................122

    Figura 28 - Desenho de um aluno que no percebe o lugar.................................................123

  • 8

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Descrio das dependncias fsicas da Escola Municipal Ayrton Senna da Silva,

    Anpolis, 2013.................................................................................................................... 64

    Tabela 2 - Descrio das salas do Ensino Fundamental do 1 ao 5 ano da Escola Municipal

    Ayrton Senna da Silva, Anpolis, 2013...............................................................................67

    Tabela 3 - Descrio das salas do Colgio Moacyr Romeu da Costa, Anpolis, 2013..........78

    Tabela 4 - Nmero de elementos naturais representados nos desenhos por bairro...............83

    Tabela 5 - Tabela de distribuio de elementos do firmamento/naturais por sexo e por bairro

    presentes nos desenhos dos alunos da educao, Anpolis, 2013........................................84

    Tabela 6 - Tabela de animais presentes nos desenhos dos alunos da educao por sexo e por

    bairro, Anpolis, 2013.........................................................................................................85

    Tabela 7 - Tabela de elementos da terra presentes nos desenhos dos alunos da educao por

    sexo e por bairro, Anpolis, 2013........................................................................................86

    Tabela 8 - Nmero de elementos humanizados representados nos desenhos por bairro........87

    Tabela 9 - Tabela de estabelecimentos comerciais e lugares presentes nos desenhos dos alunos

    da educao por sexo e por bairro, Anpolis, 2013............................................................88

    Tabela 10 - Tabela de elementos estruturais presentes nos desenhos dos alunos da educao

    por sexo e por bairro, Anpolis, 2013.................................................................................90

    Tabela 11 - Tabela de meios de transporte presentes nos desenhos dos alunos da educao por

    sexo e por bairro, Anpolis, 2013.......................................................................................91

  • 9

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    CEU Centro de Educao Unificada .................................................................................. 12

    CHFMC Conjunto Habitacional Filostro Machado Carneiro ............................................. 12

    ESF Estratgia de Sade da Famlia .................................................................................. 20

    SIAB Sistema de Informao da Ateno Bsica ............................................................... 20

    CEP Comit de tica em Pesquisa..................................................................................... 20

    TA Termo de Assentimento .............................................................................................. 21

    TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ......................................................... 21

    UGI Unio Geogrfica Internacional ................................................................................. 35

    UNESCO Organizao das Naes Unidas para Educao, a Cincia e a Cultura .............. 35

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica .......................................................... 54

    AEIS reas de Interesse Social ......................................................................................... 60

    ZEIS Zonas de Interesse Social ......................................................................................... 60

    PCN Parmetros Curriculares Nacionais ........................................................................... 64

    APA rea de Preservao Ambiental ................................................................................ 66

    APM rea de Preservao de Manancial ........................................................................... 66

    PPP Projeto Poltico Pedaggico ....................................................................................... 71

    PDE Plano de Desenvolvimento de Educao ................................................................... 71

    CME Conselho Municipal de Educao ............................................................................ 72

  • 10

    SUMRIO

    INTRODUO ................................................................................................................... 12

    Objetivo Geral .................................................................................................................. 16

    Objetivos Especficos ....................................................................................................... 16

    Procedimentos metodolgicos .......................................................................................... 16

    CAPTULO 1: PERCEPO AMBIENTAL E CONCEITOS RELACIONADOS .............. 27

    1. PERCEPO AMBIENTAL ........................................................................................... 27

    1.1 As mudanas na relao ser humano-ambiente............................................................ 27

    1.2 Percepo Ambiental e seus conceitos ........................................................................ 33

    1.3 Geografia Humanstica ............................................................................................... 40

    CAPTULO 2: LUGAR E LAOS TOPOFLICOS: ENTENDENDO OS BAIRROS DA

    PESQUISA .......................................................................................................................... 45

    1. TOPOFILIA E LUGAR ................................................................................................... 45

    2. CIDADES .................................................................................................................... 51

    2.1. Origem da Cidade de Anpolis-GO ........................................................................ 53

    2.2 Origem do Conjunto Habitacional Filostro Machado Carneiro ................................ 58

    2.2.1 Escola Municipal Ayrton Senna ........................................................................... 64

    2.3 Origem do Bairro Novo Paraso .............................................................................. 68

    2.3.1 Escola Moacyr Romeu Costa ............................................................................... 73

    CAPTULO 3: PERCEPO AMBIENTAL:VIVNCIAS E VALORES.............................80

    3. ANLISE DOS DESENHOS .......................................................................................... 80

    3.1. Desenhos com percepo natural/humanizada ............................................................ 83

    3.2 Desenhos dos alunos com percepo negativa do lugar ............................................... 92

    3.3 Desenhos dos alunos com percepo positiva do lugar ................................................ 98

    3.3.1 Educao .............................................................................................................. 98

    3.3.2 Sade ................................................................................................................. 102

    3.3.3 Trabalho/Alimentao ........................................................................................ 103

  • 11

    3.3.4 Moradia.............................................................................................................. 107

    3.3.5 Lazer .................................................................................................................. 111

    3.3.6 Liberdade de Religio ........................................................................................ 117

    3.4 Desenhos com percepo negativa e positiva ......................................................... 119

    3.5 Desenhos de alunos com percepo ambiental idealizada ...................................... 122

    CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................. 125

  • 12

    INTRODUO

    Uma observao mais atenta de minhas experincias pessoais e profissionais fez com

    que eu optasse por falar da percepo ambiental. Por constatar que nesses 17 (dezessete)

    anos, atuando na rea da educao em instituies pblicas do estado de Gois, nunca ter

    ouvido, outrora, falar deste tema. Conhecia apenas a expresso Semana do Meio

    Ambiente, sem nenhuma relao desta percepo com o espao vivido, dentro e fora da

    escola, por professores e membros da comunidade.

    Percepo ambiental, conforme destacado por Del Rio e Oliveira (1999), consiste no

    processo mental de interao do indivduo com o ambiente, em que atuam simultaneamente

    mecanismos perceptivos propriamente ditos (os cinco sentidos) e mecanismos cognitivos

    (compreendidos por valores, conhecimentos prvios, humores, motivaes, etc.). Isso

    implica dizer que o significado e a importncia atribudos s coisas percebidas variam de

    pessoa para pessoa, segundo a sua experincia no espao do cotidiano, ou seja,

    relacionando-se de forma intrnseca vivncia de um dado lugar.

    Foi preciso, sem dvida, pesquisarmos qual a relao entre o lugar com a percepo

    ambiental. Tuan (1983) define lugar como

    uma unidade entre outras unidades ligadas pela rede de circulao; (...) o lugar, no

    entanto, tem mais substncia do que nos sugere a palavra localizao: ele uma

    entidade nica, um conjunto 'especial', que tem histria e significado. O lugar

    encarna as experincias e aspiraes das pessoas. O lugar no s um fato a ser

    explicado na ampla estrutura do espao, ele a realidade a ser esclarecida e

    compreendida sob a perspectiva das pessoas que lhe do significado. (TUAN, 1983,

    p. 387).

    Percebi o quanto somos influenciados pelo lugar em que vivemos, pelas falas que

    ouvimos, pelas leituras que fazemos, pelas mensagens que enviamos ou no, muitas vezes,

    silenciadas pelo conforto do no questionamento de nossas prticas ao longo de nossa vida

    pessoal e profissional. Comecei, portanto, a inquietar-me e questionar-me sobre os vrios

    anos de profisso como professora de Lngua Portuguesa, sem nunca ter trabalhado o tema

    transversal (Meio Ambiente), assim como nenhum de meus pares, seja de forma disciplinar

    ou interdisciplinar.

    Dois fatores essenciais colaboraram para despertar meu interesse em relao ao tema:

  • 13

    O estudo sobre currculo e formao de professores, como aluna especial no curso de

    mestrado na rea da Educao da Pontifcia Universidade Catlica de Goinia, em que

    aprendi, por meio das leituras exigidas pelas disciplinas: Currculo e formao de

    professores e Metodologia do Ensino Superior que o caminho, significado de currculo,

    que os alunos tm que percorrer durante os 11(onze) anos, lentamente, com sacrifcio,

    estresse, indisciplina e desinteresse so totalmente subordinados aos interesses de

    reproduo e legitimao das classes dominantes, sendo assim, totalmente desvinculados dos

    problemas econmicos, sociais, histricos e culturais dos alunos e comunidade aos quais

    esto inseridos.

    Outro fator ser mestranda no Mestrado Multidisciplinar Sociedade, Tecnologia e

    Meio Ambiente e participar de debates, seminrios, leituras, assistir a filmes, conhecer que

    Educao Ambiental vai alm de incentivar nossos alunos a demonstrarem nas Feiras de

    Cincias como funcionam os vulces, problemas causados pelo efeito estufa, esgotamento

    da gua, aquecimento global, mas de forma superficial, sem abordar as questes

    relacionadas comunidade, ou seja, os problemas ambientais locais e regionais e formao

    de um sujeito ecolgico com mudanas de atitudes.

    Querendo entender esses processos, optei por investigar a percepo ambiental dos

    alunos do ensino fundamental de duas escolas municipais da cidade de Anpolis. Fazendo

    isso, pude verificar se eles veem o bairro em sua totalidade, meio ambiente com casas,

    rvores, pessoas, animais, revelando por meio da comunicao visual a percepo ambiental

    que possuem.

    Esta pesquisa mostrou-se relevante pelo fato de possibilitar o conhecimento e a

    compreenso da percepo ambiental de alguns sujeitos que estudam na Escola Ayrton Senna

    da Silva, no Centro de Educao Unificada (CEU) localizado no Conjunto Habitacional

    Filostro Machado Carneiro (CHFMC) na cidade de Anpolis-GO e na Escola Moacyr Romeu

    Costa, localizada no Bairro Novo Paraso da mesma cidade.

    A pesquisa possuiu como objetivo geral analisar as influncias do lugar na percepo

    ambiental dos alunos do 5 ano dessas escolas municipais de ensino, fazendo uma correlao

    dessa forma de percepo com o lugar distinto em que vivem, a partir de suas atividades de

    lazer, tranquilidade, acesso cultura, nibus, praas, quadras, comrcios, colgios,

    possibilidades de crescimento econmico.

  • 14

    Perceber o meio ambiente apreender um conjunto de relaes sociais e de processos

    naturais, captando as dinmicas de interao entre as dimenses culturais, sociais e naturais,

    na configurao de uma dada realidade socioambiental. Junto com esse reconhecimento do

    ambiente, muitos contedos curriculares podem ser trabalhados, caracterizando a

    interdisciplinaridade. Conhecimentos de cincias, matemtica, geografia, histria, portugus

    podem ser acionados para a compreenso e a discusso sobre o entorno ambiental

    (CARVALHO, 1998).

    Isso tudo foi visualizado, por meio da anlise de desenhos feitos pelos alunos,

    sabendo que os alunos representaram neles a percepo visual que possuem do bairro onde

    moram. Essa percepo um processo mental, com uma linguagem nica, que guarda

    elementos e caractersticas cognitivas mpares na produo do conhecimento, revelando

    muito, sobre a natureza do pensamento humano e sua capacidade de resolver problemas,

    sendo assim, o resultado de uma experincia vivida (SANTOS, 1999).

    O desenho traz uma comunicao diferente da escrita, por envolverem momentos de

    percepo, que so construdos sucessivamente pela ao, no so fixos e resultam na

    expresso grfica. Dessa forma, esperamos obter aspectos que revelassem a percepo

    ambiental dos alunos, sua compreenso da natureza envolvendo a percepo e a

    representao grfica.

    Portanto, vinculamos o trabalho com a linha de pesquisa sobre Sociedade, Polticas

    Pblicas e Meio Ambiente. Entendendo que a pesquisa buscou mostrar como o lugar pode

    interferir na percepo ambiental de um indivduo. Servindo de aporte terico para formular

    uma educao ambiental que seja crtica e inovadora, voltada para a transformao social

    (JACOBI, 2003).

    Quando pergunto aos meus alunos, sejam eles do curso superior ou do Ensino Mdio,

    o que seja meio ambiente, enfatizam como sendo a natureza, o local onde se vive e de onde

    se extraem os recursos naturais. Retratar o meio ambiente nessa viso antropocntrica, cuja

    origem se deu na tica antropocntrica humanista e no pensamento cartesiano, situa o

    homem fora do ambiente natural.

    Para entender essa percepo e que o lugar influencia na maneira de sentir, ver e ser,

    propusemos pesquisar dois lugares distintos no municpio de Anpolis, duas escolas

    inseridas uma no bairro Novo Paraso e outra no CHFMC. Escolhidos pela distino entre

    eles, sendo o primeiro considerado uma rea subnormal e o segundo considerado, outrora;

  • 15

    como marginalizado, hoje um lugar com recursos de lazer, educao, saneamento e

    segurana para os alunos.

    Esses lugares foram representados pelos alunos por meio de desenhos, que

    historicamente vm sendo utilizados pelo homem para representar determinadas situaes do

    cotidiano. O homem das cavernas j utilizava desenhos como forma de comunicao,

    desenhando animais para representar suas caadas. As crianas tambm utilizam desenhos

    como forma de representao.

    Comparar esses dois lugares por meio dos desenhos dos alunos, possibilitou verificar

    a representao que eles tm do lugar em que moram, e se esse, estando estruturado

    fisicamente, influencia de maneira diferenciada na percepo ambiental.

    Escolhemos trabalhar com desenhos, porque alm de serem uma percepo e

    representao grfica, possuem um encanto prprio e normalmente uma atividade

    prazerosa para os alunos.

    A populao do estudo foi composta pelos discentes do 5 ano das escolas

    selecionadas. Essa escolha permitiu comparar qual a percepo ambiental dos alunos dos

    dois bairros.

    Foram escolhidos os alunos do 5 ano, pois essa uma idade em que as capacidades

    de orientao espacial, lateralidade e de representao do espao j devem estar

    desenvolvidas.

    A pesquisa tornou-se de extrema relevncia, pois, tratava-se de verificar se o lugar

    interferia na percepo ambiental do indivduo, se notam que o meio ambiente influencia em

    sua vida, gerando tristeza e medo ou alegria e felicidade. Enfim, se h ligao existente

    entre essa percepo e o modo de vida de cada um desses alunos, inseridos em realidades

    diferentes.

    Mais do que isso, os desenhos podem ajudar os prprios estudos urbanos, por revelar

    as percepes, representaes e imagens que as crianas possuem de seu lugar, contribuindo

    para o conhecimento e estudo dos bairros pesquisados, embasando pesquisas futuras nesses

    lugares, possibilitando a realizao de um trabalho partindo da realidade do pblico alvo.

    Acreditamos que, ao compreender melhor a dimenso do benefcio em estudo no

    municpio de Anpolis, a pesquisa pode colaborar para a elaborao de polticas pblicas

    municipais, programas e projetos de desenvolvimento direcionados a esses bairros e que os

  • 16

    moradores, conhecedores da importncia do lugar onde esto inseridos, possam ter o prazer

    de viver nele.

    Nesse sentido, os objetivos do estudo desenvolvido so enunciados de maneira mais

    clara da forma que segue:

    Objetivo Geral

    Analisar as influncias do lugar na percepo ambiental dos alunos do 5 ano de duas

    escolas municipais da cidade de Anpolis, do Estado de Gois, e correlacionar com os dois

    contextos comunitrios.

    Objetivos Especficos

    - Investigar a percepo que os alunos tm do lugar onde moram.

    - Verificar se o lugar interfere na percepo dos alunos sobre o meio ambiente.

    - Comparar a percepo dos alunos dos bairros Conjunto Habitacional Filostro

    Machado Carneiro e Novo Paraso.

    - Avaliar atravs do aparecimento das categorias estabelecidas (humanas, naturais,

    positivas, negativas) a percepo ambiental dos alunos.

    Procedimentos metodolgicos

    Essa pesquisa teve a abordagem metodolgica qualitativa de cunho interpretativo. A

    coleta de dados foi realizada por meio do seguinte instrumento: desenho. O tema que norteou

    os desenhos foi: Desenhe o bairro (lugar) em que voc mora.

    Entende-se, portanto, como pesquisa qualitativa, um conjunto de diferentes tcnicas

    interpretativas que visam a descrever e a decodificar os componentes de um sistema

    complexo de significados, traduzindo o sentido dos fenmenos do mundo social, tratando-se

    de reduzir a distncia entre indicador e indicado; entre teoria e dados; entre contexto e ao

    (MAANEN, 1979).

    Nesse contexto, os estudos de Godoy (1995) apontam a existncia de pelo menos trs

    possibilidades para a abordagem qualitativa: a pesquisa documental, o estudo de caso e a

  • 17

    etnografia.

    Dentre estes mtodos, o nosso foi estudo de caso, pois se tratou da anlise de uma

    unidade de estudo, que conforme Godoy (1995) visa ao exame detalhado de um ambiente, de

    um sujeito ou de uma situao em particular.

    Com base nestes princpios, esta pesquisa no envolveu manipulao de variveis,

    embora seja feita a porcentagem do nmero de categorias dos desenhos, para melhor

    correlacionarmos entre os bairros a percepo ambiental dos sujeitos da pesquisa.

    A pesquisa qualitativa tem suas razes tericas na fenomenologia, permitindo ao

    pesquisador descrever a viso de mundo dos sujeitos estudados, possibilitando conhecer a

    sociedade, a partir de contextos menores, do estudo dos significados individuais, possuindo

    um inegvel componente subjetivo (TEIS e TEIS, 2006).

    Finalmente, conforme Godoy (1995) a fenomenologia enfatiza os aspectos subjetivos

    do comportamento humano e preconiza que preciso penetrar no universo conceitual dos

    sujeitos, para poder entender como e que tipo de sentido eles do aos acontecimentos e s

    interaes que ocorrem em sua vida diria. Logo, o componente subjetivo um aspecto

    relevante na pesquisa qualitativa.

    Esta pesquisa possui as quatro caractersticas citadas por Godoy (1995, p.62), sendo

    elas: o ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como instrumento

    fundamental; o significado que as pessoas do s coisas como preocupao do investigador;

    enfoque indutivo; carter descritivo.

    Desse modo, o trabalho de descrio tem carter fundamental em um estudo

    qualitativo, pois por meio dele que os dados so coletados (MANING,1979).

    Nesse estudo, primeiramente foi realizado um levantamento bibliogrfico em

    bibliotecas virtuais, bancos de teses e dissertaes de universidades brasileiras, livros,

    peridicos, entre outras fontes.

    A segunda etapa consistiu na escolha dos bairros e escolas a serem pesquisados. Esses

    foram selecionados aps estudo minucioso dos bairros da cidade de Anpolis- GO, visando

    seleo de dois lugares com condies socioeconmicas semelhantes, porm com estrutura

    fsica distintas, os bairros que preencheram os requisitos foram o CHFMC e o Bairro Novo

    Paraso.

  • 18

    O primeiro possui ruas planas, largas, com rea de lazer, estabelecimentos comerciais,

    pontos de nibus, entre outros benefcios; o segundo considerado rea subnormal, com ruas

    estreitas, ngremes, sem calada, com menos estrutura fsica.

    Conforme a figura 1, esto localizados geograficamente em limites opostos da cidade

    de Anpolis-GO.

  • 19

    Figura 1: Mapa da localizao dos bairros Novo Paraso e Conjunto Habitacional Filostro Machado Carneiro na cidade de Anpolis-GO

    Em cada um destes bairros, foi selecionada uma escola municipal a ser pesquisada,

    tendo como critrio de seleo a estrutura fsica das escolas. No CHFMC, a escola escolhida

  • 20

    foi a Escola Municipal Ayrton Senna da Silva por possuir uma boa estrutura, j no Bairro

    Novo Paraso, a nica escola existente era a Escola Municipal Moacir Romeu Costa, com

    estrutura fsica de qualidade inferior.

    A localizao das escolas esto retratadas na Figura 2

    Figura 2: Mapa da localizao das Escolas Municipais Moacyr Romeu Costa e Ayrton Senna Silva dos bairros

    Novo Paraso e Conjunto Habitacional Filostro Machado Carneiro na cidade de Anpolis-GO

    Aps selecionados os bairros e escolas, foi realizada uma pesquisa de campo que

    permitiu caracteriz-los.

  • 21

    O bairro Novo Paraso est localizado na regio oeste do municpio de Anpolis, entre

    os bairros Paraso, So Joaquim e Jd. Calixto, com 162107.29S e 485842.75O. A regio

    de cobertura da Estratgia de Sade da Famlia (ESF), onde o bairro est inserido e conta com

    uma populao de 4.509 pessoas, segundo dados do Sistema de Informao de Ateno

    Bsica (SIAB) da Secretaria Municipal de Sade (ANPOLIS, 2009).

    A Escola Municipal Moacyr Romeu Costa, situada neste bairro, funciona nos trs

    turnos, no matutino com turmas do 5 ao 9 ano; no perodo vespertino com turmas de 1 ao 4

    ano e no noturno com 8 e 9 ano, sendo duas turmas para cada srie em todos os turnos.

    Existem, ao todo, duas turmas de 5 ano, uma com 32 alunos e outra com 29, um total de 61

    crianas regularmente matriculadas.

    O Conjunto Habitcional Filostro Machado Carneiro est localizado na regio leste da

    cidade de Anpolis, entre os bairros Jardim Itlia, Residencial Santo Antnio, Loteamento

    Residencial Morada Nova, Gran Ville e Residencial Vila Feliz. A Escola Ayrton Senna da

    Silva, no CHFMC, recebe quase 800 alunos do 1 ao 5 ano do Ensino Fundamental, sendo

    trs turmas de 5 ano, totalizando 98 alunos. A unidade escolar conta com 18 salas de aulas

    com carteiras escolares, laboratrio com 35 computadores, auditrio, refeitrio, piscinas,

    quadra poliesportiva com arquibancada, campo de futebol e teatro de arena.

    A populao do estudo foi composta pelos alunos do 5 ano da Escola Ayrton Senna

    da Silva, do CEU, localizada no CHFMC, na cidade de Anpolis-GO e da Escola Moacyr

    Romeu Costa, localizada no Bairro Novo Paraso da mesma cidade, compondo um total de

    159 alunos. A mdia de idade dos alunos de 10 e 11 anos.

    A escolha dessa faixa etria e turma justificou-se pelo fato de, nesta etapa, os

    estudantes estarem encerrando um ciclo e iniciando outro no ensino fundamental, por j

    terem um repertrio sobre percepo do ambiente em que vivem, realizando o trajeto de casa

    escola, brincando na rua com colegas, empinando pipas, jogando bola e tambm por

    compreenderem com mais propriedade o instrumento da pesquisa.

    Por se tratar de um estudo envolvendo seres humanos, essa pesquisa foi aprovada

    pelo Comit de tica em Pesquisa (CEP) da UniEVANGLICA Centro Universitrio de

    Anpolis, sob o parecer n 357.3649/2013.

    Para a seleo dos sujeitos seguimos os seguintes critrios de incluso:

    - Alunos do 5 ano das escolas selecionadas;

    - Alunos regularmente matriculados nas escolas em turma de 5 ano;

  • 22

    - Alunos que aceitarem participar da pesquisa, atravs do Termo de Assentimento

    (TA);

    - Alunos que apresentarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

    devidamente assinado pelos pais ou responsveis.

    Como critrios de excluso, consideramos os seguintes fatores:

    - Ausncia de autorizao (TCLE);

    - Recusa da prpria criana;

    - Alunos que esto matriculados nas escolas pesquisadas, porm no moram nos

    bairros destas.

    A terceira etapa constou do primeiro contato com os alunos, no qual foi esclarecido o

    objetivo da pesquisa e qual seria a forma de participao deles nela, isso tudo atravs do TA,

    que foi lido em sala de aula, para que o assinassem de acordo com o interesse de

    participao. Foi entregue tambm o TCLE para que os alunos levassem para os pais ou

    responsveis lerem e assinarem se permitissem a participao dos filhos no estudo.

    Para que fosse possvel recolher os TCLE assinados pelos pais, foi necessria a visita

    s escolas por mais de trs vezes, pois os alunos se esqueciam de entregar aos pais, ou

    deixavam o TCLE assinado em casa, ou no estavam presentes na aula no dia da entrega.

    Para, a partir da, iniciar-se a confeco dos desenhos, com os alunos que aceitaram

    participar da pesquisa e que apresentaram o TCLE assinado pelos pais ou responsveis.

    Como toda pesquisa oferece risco para os participantes, e mais do que nunca a

    esttica supervalorizada e isso poderia refletir nas crianas, na hora de desenhar. E que,

    essas poderiam j ter internalizado alguns conceitos em relao ao que belo ou no, foi

    necessrio quebrar alguns pr-conceitos que causassem angstia ou ansiedade nos alunos,

    por no saberem desenhar. Assim sendo, esclarecemos que somente teriam acesso aos

    desenhos a pesquisadora e sua orientadora, e que no era exigido perfeio artstica desses,

    motivando os alunos a desenharem sem preocupao com julgamento da pesquisadora,

    colegas, professores ou outros.

    Para que no houvesse a ansiedade por falta de tempo, essa atividade foi feita em trs

    aulas de 45 minutos, sendo tempo suficiente para concluso dos desenhos.

    Mesmo com todos os cuidados, se permanecessem aps os desenhos a ansiedade,

    insegurana e angstia, a pesquisadora se comprometeu a minimizar o risco. Tomando

    medidas de auxlio como orientar os responsveis a encaminharem a criana rede pblica de

  • 23

    sade para tratamento especializado ao problema desencadeado, tal medida no foi necessria,

    por no ter ocorrido nenhum fato neste sentido.

    A quarta etapa da pesquisa consistiu na confeco dos desenhos. Esses foram

    confeccionados sob a superviso da pesquisadora, duas acadmicas do curso de Pedagogia

    da UniEVANGLICA e a professora da turma. Foram coletados no ms de outubro e

    novembro de 2013.

    Os desenhos foram realizados na prpria sala de aula dos alunos, sem adultos para

    auxili-los ou prejudic-los na sua perspectiva de lugar. Inicialmente, se pensou em retirar

    da sala de aula os alunos que no participariam da pesquisa, porm isso se mostrou invivel,

    pois no havia sala alternativa para que esses fossem removidos, portanto todos os alunos

    desenharam, porm s foram recolhidos os desenhos dos alunos que se adequaram nos

    critrios de incluso da pesquisa.

    Para a confeco dos desenhos foram disponibilizados, pela pesquisadora, folhas de

    papel A4 e um kit individual com lpis de cor (caixa com 12 cores), giz de cera, lpis preto e

    borracha.

    Foi pedido ao aluno que desenhasse em uma folha de papel a representao do lugar

    em que mora, era importante que o aluno no consultasse mapas. Foi um exerccio feito

    mentalmente, com base na memria, na subjetividade. Pretendeu-se que ele relembrasse o

    observado nos lugares onde passava.

    Durante a atividade, a pesquisadora registrou as falas e aes dos alunos em um

    dirio de campo. E depois de confeccionados os desenhos, foram feitas rodas de conversa,

    momento em que os desenhos foram discutidos. A observao indireta e a escuta posicionam

    o pesquisador em uma escala importante, na medida em que ele, atravs destas abordagens,

    pode inferir variveis referentes identidade, s caractersticas individuais e do grupo, ou s

    experincias (WHYTE, 1977).

    necessrio estudar a elaborao do desenho, e no s o produto final, para melhor

    compreenso do processo, portanto, foi incorporado aos desenhos os enunciados verbais

    relacionados a eles, condio fundamental para interpretao das figuras, possibilitando a

    identificao da percepo do lugar de cada aluno.

    Ao trmino de cada atividade desenvolvida com o desenho pelas turmas, o relato de

    cada criana sobre sua produo foi ouvido, registrado e, posteriormente, os aspectos

  • 24

    narrativos e visuais, presentes nos desenhos, foram comparados. A anlise dos desenhos foi

    realizada entre as cinco turmas de alunos no ms de outubro e novembro de 2013.

    Os elementos dos desenhos livres foram tabulados em categorias, de modo a permitir

    uma melhor visualizao dos aspectos que compem o imaginrio das crianas. Por meio

    dessa tcnica, se organizaram as percepes em categorias de anlise, as quais permitiram

    estabelecer uma associao sistemtica destas com as relaes entre os agentes e dos agentes

    com o meio ambiente local.

    As categorias de anlise foram: humanas e naturais, positivas e negativas, selecionadas

    seguindo a metodologia de anlise de contedo de Bardin (2002, p. 38), que segundo a autora

    [...] um conjunto de tcnicas de anlise das comunicaes que utiliza procedimentos

    sistemticos e objetivos de descrio do contedo das mensagens.

    J o antagonismo entre as categorias foram baseadas em Tuan (1980), pois de acordo

    com o autor, a mente humana est adaptada para organizar os fenmenos no s em

    segmentos, mas em pares opostos, como vida-morte, macho-fmea, terra-gua, alto-baixo,

    essas antinomias da experincia biolgica e social so transpostas para a envolvente realidade

    fsica.

    Na pesquisa, consideramos como categorias positivas: lugares de lazer, escola,

    parque, igreja, estabelecimentos comerciais, crianas brincando, aquilo que no demostra

    degradao social. Como categorias negativas: ruas com buracos, usurios de drogas,

    natureza depredada, pichadores, fumantes, cenas relacionadas ao medo e que demonstram

    degradao social. As categorias consideradas naturais foram quelas relacionadas

    natureza, como terra, cu, animais, pssaros, rio. Humanas, as que so resultantes da ao do

    homem, como casa, rua, escolas, estabelecimentos comerciais.

    O agrupamento de algumas categorias positivas , consideradas pela pesquisadora

    como destaque, teve como fundamento os direitos sociais da Constituio da Repblica

    Federativa do Brasil, de outubro de 1988, que traz em seu Art. 6 que So direitos sociais a

    educao, a sade, a alimentao, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurana, a previdncia

    social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados, na forma desta

    Constituio (Redao dada pela Emenda Constitucional n 64, de 2010), e no artigo 5

    inciso VI diz que inviolvel a liberdade de conscincia e de crena, sendo assegurado o

    livre exerccio dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteo aos locais de

    culto e a suas liturgias. Agrupamos em pranchas os desenhos que continham escolas

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc64.htm#art1
  • 25

    (educao), postos de sade (sade), estabelecimentos comerciais (alimentao/trabalho),

    casas (moradia), parques, quadras/campo de futebol, lan house, academia, sorveteria, praas

    (lazer) e igrejas (livre exerccio dos cultos religiosos) a fim de analis-los e correlacion-los.

    Entendemos assim, que as categorias ao serem analisadas, possibilitaram ressaltar

    aspectos relevantes da configurao urbana distinta entre os bairros, assim como, se eles

    perceberam o lugar em sua totalidade. Posteriormente, os temas foram comparados entre os

    lugares.

    Outra fundamentao terica, que orientou a anlise dos desenhos, foi a autora

    Derdick (2010) sobre a atividade grfica infantil.

    Os dados foram utilizados na Dissertao de Mestrado em Sociedade, Tecnologia e

    Meio Ambiente pela UniEVANGLICA e sero encaminhados aps a concluso da

    pesquisa, com dados generalizados, para cada unidade escolar envolvida e para a Secretaria

    Municipal de Educao de Anpolis, para que se cumpra sua funo social de colaborar com

    a elaborao de polticas pblicas municipais, programas e projetos de desenvolvimento

    direcionados a esses bairros, sabedores da caracterizao e percepo do bairro pelos

    prprios moradores (alunos). A pesquisa poder ser publicada. Com isso espera-se reverter

    os resultados da pesquisa para o benefcio dos autores envolvidos.

    A dissertao est dividida em trs captulos: Percepo Ambiental e Conceitos

    Relacionados; Lugar e Laos Topoflicos: entendendo os bairros da pesquisa; Percepo

    Ambiental: Vivncias e Valores.

    O primeiro captulo: Percepo Ambiental e Conceitos Relacionados , est centrado na

    Percepo Ambiental como um processo que inclui a relao humana com o lugar habitado,

    como se deu as mudanas nesta relao ser humano-ambiente, partindo da Geografia

    Humanstica, tendo o gegrafo Yi-Fu Tuan como referencial terico.

    O segundo captulo: Lugar e Laos Topoflicos: Entendendo os Bairros da Pesquisa,

    conceitua Topofilia e Lugar e d um panorama da regio de Anpolis-GO, suas origens e

    caractersticas, abordando tambm, as reas de estudo: Conjunto Habitacional Filostro

    Machado Carneiro e Novo Paraso, Escolas Ayrton Senna da Silva e Moacir Romeu Costa a

    partir da histria local, aspectos geogrficos e estrutura fsica.

    O terceiro captulo: Percepo Ambiental: Vivncias e Valores trata da anlise e

    correlao dos desenhos na percepo ambiental dos dois contextos comunitrios da

  • 26

    pesquisa, classificao dos desenhos em categorias positiva/negativa, humana/natural.

    Constata-se que o lugar influencia, com suas estruturas fsicas e sociais, na percepo

    ambiental e vivncia das pessoas.

  • 27

    CAPTULO 1

    PERCEPO AMBIENTAL E CONCEITOS RELACIONADOS

    1. PERCEPO AMBIENTAL

    Inicialmente, para o embasamento terico que edificou a pesquisa, buscamos elucidar

    o que percepo ambiental, sabendo que essa se d aps o contato inicial dos indivduos

    com o mundo, Meio Ambiente, por meio dos mecanismos perceptivos captados pelos rgos

    dos sentidos, que de acordo com as emoes, intuies e vivncias, assim como as dimenses

    sociais, culturais, histricas e paradigmticas, atribui-lhe significado (TUAN, 1980;

    RIBEIRO, LOBATO, LIBERATO, 2009).

    Sendo assim, a percepo discutida como um processo complexo que inclui a relao

    do ser humano com diversos fatores, como o lugar habitado, sua histria de vida, os laos

    topoflicos nela construda e aspectos do imaginrio (CORRA, 2008). Para se estudar

    percepo ambiental, preciso rever alguns fatos que aconteceram desde o incio da presena

    do homem no Planeta.

    Para isso esse captulo ter a estrutura composta pelos itens:

    I. As mudanas na relao ser humano-ambiente influenciadas pela histria da

    humanidade, sabendo que h conexo entre os aspectos histricos com o desenvolvimento do

    pensamento ambientalista e que molda as relaes do ser humano com o lugar habitado;

    II. Percepo ambiental, para que possamos apresentar sua evoluo histrica e seus

    conceitos de acordo com os tericos escolhidos;

    III. Geografia Humanstica, haja vista que essa estuda as percepes, representaes,

    atitudes e valores dos homens de uma maneira geral.

    1.1 As mudanas na relao ser humano-ambiente

    H uma grande quantidade de estudos sobre o relacionamento entre o homem e o meio

    ambiente e as perspectivas em relao ao futuro da vida na Terra. Ao olhar essa relao dos

  • 28

    seres humanos com a natureza possvel ver que houve muitas mudanas com o passar do

    tempo.

    Para Capra (1982) todas essas mudanas esto associadas crise de percepo,

    Estou convicto de que, hoje, nossa sociedade como um todo encontra-se numa crise

    anloga. Podemos ler acerca de suas numerosas manifestaes todos os dias nos

    jornais. Temos taxas elevadas de inflao e desemprego, temos uma crise energtica,

    uma crise na assistncia sade, poluio e outros desastres ambientais, uma onda

    crescente de violncia e crimes, e assim por diante, tudo isso so facetas diferentes

    de uma s crise, que , essencialmente, uma crise de percepo (CAPRA, 1982,

    p.13).

    Portanto, em sntese, o que a crise da percepo? o fato de o homem no perceber

    que sua relao com a natureza, transformada ao longo do tempo, por inmeros fatores tais

    como necessidades, mitos, religiosidade, desbravamento, expanso territorial, colonizao,

    antropocentrismo, individualismo, reducionismo, tecnicismo, saber fragmentado entre outros,

    trouxeram a extino das espcies, escassez dos recursos naturais, degradao do meio

    ambiente, violncia tnica, danos biosfera e a vida humana.

    Poderamos dizer que aquela poro da mudana ambiental que acontece na histria

    humana, bem como a habilidade humana de acelerar ou alterar profundamente os processos

    biofsicos, qumicos ou genticos que ocorrem no restante mundo natural (BARCA, 2012).

    Para entendermos como a relao ser humano-ambiente chegou ao que hoje, essa crise

    da percepo, veremos historicamente, de uma maneira geral, as suas modificaes. Sabendo

    que, inicialmente, as relaes do homem com a natureza eram permeadas de mitos, rituais e

    magia, pois se tratava de relaes divinas, pois para cada fenmeno natural havia um deus,

    uma entidade responsvel e organizadora da vida no planeta: o deus do sol, do mar, da Terra,

    dos ventos, das chuvas, dos rios, das pedras, das plantaes, dos raios e troves

    (GONALVES, 2008).

    Na Idade Antiga o que moderava as intervenes humanas era o medo da vingana dos

    deuses, fator esse que impedia uma interveno desastrosa, sem uma justificativa plausvel

    para a destruio natural. Permanecem, ainda hoje, muitos mitos, entre eles podemos citar os

    mitos indgenas: plantas vermelhas que curam doenas relacionadas ao fgado, dente de ona,

    de jacar e unhas de tamandu so considerados amuletos com poderes sobrenaturais

    (GONALVES, 2008).

  • 29

    No noroeste do Novo Mxico, cinco grupos indgenas foram estudados por Evon

    Vogt, Ethel Albert e seus colegas, em meados do sculo XIX. Esses ndios tm vivido na rea

    h um longo tempo, portanto adquiriram conhecimento da terra e seus recursos, porm no

    consideram a natureza como algo a ser dominado por simples razes econmicas, nem como

    oportunidade para se testar a virilidade, eles coletam e caam, mas, essas atividades no esto

    somente ligadas vida econmica, contudo tm muita importncia no cerimonial de sua vida

    (TUAN, 1980).

    Por exemplo, o sol, o cu, a terra e o milho desempenham proeminentes papis na

    mitologia dos ndios Pueblo. O sol considerado muito poderoso e comumente chamado

    como pai ou velho. E invocado para obter longevidade (TUAN, 1980).

    Na Idade Antiga, o homem usava para sobreviver o que colhia da natureza como

    frutas, legumes, razes, alm da caa e da pesca, ento, pouco interferia no meio ambiente,

    mas ainda assim o modificava, a fim de adequ-lo s suas necessidades. Essa atuao no

    acarretava danos maiores aos recursos naturais, pois as atividades eram apenas para

    manuteno da vida, e a natureza renovava com seu ciclo natural de produo os recursos

    extrados pelo homem. As leis da natureza funcionavam em plena harmonia com o ritmo de

    vida (MELO, COSTA, 2008).

    Durante o Paleoltico, (palavra que significa pedra polida, os grupos humanos

    usaram osso, madeira e pedra para fazer suas ferramentas: lanas (para a caa) arpes

    (instrumentos usados para usos diversos), pedras cortantes, que serviam como machados e

    facas com os quais abatiam animais, coletavam frutos e faziam suas vestes. Por viverem da

    caa, da pesca e da coleta, eram chamados caadores e coletores. Ocorre ainda neste perodo a

    descoberta do arco e flecha e do fogo. Essa fase comea h mais ou menos 2,7 milhes de

    anos a.C. e termina por volta de 1000 a.C. (VICENTINO, 1997).

    De 4000 a.C. at 1000 a.C. acontece a revoluo neoltica, quando se inicia o perodo

    Neoltico, h evidncias de cultivo de cereais no Oriente Mdio. A prtica da agricultura teve

    um impacto na vida social, entre as mudanas que essa prtica favoreceu, cabe citar: a

    sedentarizao, a produo de novos instrumentos de trabalho, a inveno da cermica e o

    crescimento da populao. Surgiram as primeiras aldeias e desenvolveu-se a vida comunitria

    (MELLO, COSTA, 2008).

    Assim, algumas aldeias se transformaram em cidades, com organizao de estruturas

    sociais e polticas. A necessidade de gua para a agricultura e de vias de transporte de pessoas

  • 30

    e produtos ajudam a explicar o fato destas primeiras cidades terem surgido por volta de 6.500

    a.C. prximo aos grandes rios, como o Tigre e o Eufrades, na Mesopotmia; o Nilo, no Egito,

    o Indo, na ndia; e o Azul e o Amarelo, na China (VICENTINO, 1997).

    De acordo com Clive Ponting (1995):

    A adoo da agricultura foi a mudana mais fundamental da histria humana. No

    s produziu pela primeira vez as sociedades estabelecidas, como tambm mudou radicalmente a prpria sociedade. Os grupos de caa e de colheita eram

    essencialmente igualitrios, mas as comunidades sedentrias, quase que desde o

    incio, resultaram em uma especializao crescente dentro da sociedade e o

    surgimento de elites religiosas, polticas e militares e um estado com o poder de

    dirigir o resto da sociedade. [...] No seu sentido mais amplo, a histria humana nos

    8.000 anos ou mais, a partir do surgimento das sociedades agrcolas estabelecidas,

    tem sido a da aquisio e distribuio do excedente da produo de alimentos e do

    seu uso (PONTING, 1995, p. 100-103).

    A partir da, comea a haver uma srie de modificaes nos costumes e na organizao

    social dos grupos. Sendo, o incio da agricultura considerado a Primeira Grande Transio da

    Humanidade.

    Depois, por volta de 1.100 a. C., na Civilizao Clssica, as concepes greco-

    romanas e tambm da tradio judaico-crist, que iriam influenciar posteriormente as

    concepes europeias, tinham uma viso antropocntrica do homem como senhor de toda a

    natureza, que a tudo deve dominar (BOFF, 1992; REALE, 1993).

    O que pode ser observado em trechos retirados do Livro Gnesis, da Bblia:

    Faamos o homem nossa imagem e semelhana, e presida aos peixes do mar, e s

    aves do cu, e aos animais selvticos, e a tda a terra, e a todos os rpteis, que se

    move sbre a terra. E criou Deus o homem sua imagem; criou-o imagem de

    Deus, e criou-os varo e fmea. E Deus os abenoou e disse:

    Crescei e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a, e dominai sbre todos os

    animais que se movem sbre a terra. E Deus disse: Eis que vos dei todas as ervas,

    que do semente sbre a terra, e tdas as rvores, que encerram em si mesmas a

    semente do seu gnero, para que vos sirvam de alimento, e a todos os animais da terra, e a todas as aves do cu, e a tudo que se move sbre a terra, e em que h alma

    vivente, para que tenham que comer. E assim se fz. E Deus viu tdas as coisas que

    tinha feito, e eram muito boas (Gn 1, 16-30).

    Conforme se observa, as bases teolgicas e culturais europeias eram diferentes de

    algumas sociedades amerndias, africanas e orientais (PONTING, 1995).

    Ento, conforme a populao crescia, surgiam novas habilidades, intervenes e

    necessidades, tornando o homem um produtor, mas incapaz de garantir recursos suficientes s

    necessidades alimentares, novas alternativas e novos processos produtivos surgem, assim

  • 31

    como, uma nova organizao da sociedade. Foi assim que se iniciaram as grandes agresses

    contra a natureza, na Idade Mdia e Moderna.

    Nessa linha do tempo, a partir do sculo XVIII, iniciou-se na Europa e espalhou-se por

    toda a Amrica do Norte o que veio a se tornar a Segunda Grande Transio da Histria da

    humanidade. Este fenmeno, tambm conhecido por Revoluo Industrial1, consiste

    prioritariamente na explorao de combustveis fsseis. Foi assim considerada por somente

    ser comparado, em nvel de relevncia, adoo da agricultura pelos humanos (PONTING,

    1995).

    Com o passar dos anos, no decorrer dos quatro ltimos sculos, o ser humano

    conseguiu alcanar um desenvolvimento tecnolgico tamanho, que no podia ser previsto

    anteriormente, e esse nos inquieta quanto ao porvir, pois passamos a viver em um mundo

    cheio de contradies e distines socioambientais.

    Nesse contexto, aconteceram nos sculos XVII e XVIII ideias revolucionrias, como o

    Liberalismo e o Mercantilismo.

    Foi aps a revoluo burguesa, que aconteceu na Inglaterra entre 1640 e 1960, que as

    instituies adaptaram-se nova forma de se organizar, baseada na propriedade e ideologia

    que justificava uma nova ordem, ressaltando sua diferena da servido anterior, denominada

    Liberalismo. Dos pilares que constituem a ordem capitalista, propriedade e liberdade, foi esse

    ltimo que deu nome a esse iderio. E o liberalismo tornou-se a ideologia da sociedade

    capitalista ou burguesa (LOCKE, 1690; SMITH, 1983).

    J o Mercantilismo a poltica econmica do Estado Moderno baseada no acmulo de

    capitais. A acumulao de capitais d-se pela atividade comercial, da o mercantilismo

    apresentar uma srie de prticas para o desenvolvimento das prticas comerciais. Essa

    ideologia tem por objetivo a interveno do estado nos assuntos econmicos,visava ao

    fortalecimento do Estado e o enriquecimento da burguesia (VICENTINO, 1997).

    Neste contexto, desenvolve-se a cincia moderna, baseada nas ideias de Ren

    Descartes. Este prope a distino entre o mundo das coisas materiais, sendo assim a alma

    1 Revoluo Industrial foi a transio para novos processos de manufatura, que se iniciou em 1760, quando se

    disseminou o uso da lanadeira volante inventada por John Kay, e foi at 1820 e 1840, com os movimentos

    operrios, greves e manifestos, como a Carta do Povo. Esta transformao incluiu a transio de mtodos de

    produo artesanais (manufatura) para a produo por mquinas (maquinofatura), a fabricao de novos

    produtos qumicos e de processos de produo de ferro, maior eficincia da energia da gua, o uso crescente

    da energia a vapor, que levou a inventos revolucionrios como o barco a vapor (Robert Fulton, 1807) e a locomotiva (George Stephenson, 1814) e o desenvolvimento das mquinas-ferramentas, alm da substituio da

    madeira e de outros biocombustveis pelo carvo. A revoluo teve incio na Gr-Bretanha (Inglaterra, Pas de

    Gales e Esccia) e em poucas dcadas se espalhou para a Europa Ocidental e os Estados Unidos.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Manufaturahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Artesanatohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ferrohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Roda_de_%C3%A1guahttp://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1quina_a_vaporhttp://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1quina_ferramentahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Biocombust%C3%ADvelhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Carv%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Europa_Ocidentalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Estados_Unidos
  • 32

    considerada distinta do corpo, e esse caracteriza-se como objeto de apreenso mediante atos

    do pensamento. A doutrina tematizada por Descartes constitui-se na verdadeira ortodoxia do

    sculo XVII. Esse pensamento, no incio da cincia moderna, considerado o pice do

    movimento reflexivo do sujeito que cada vez mais se distancia da natureza. Com a

    apropriao destas ideias, consagra-se o dualismo que conduziu a uma oposio entre o

    homem e a natureza, entre o sujeito e o objeto, uma viso de mundo que favoreceu a trajetria

    triunfal da cincia moderna, a partir da segunda metade do sculo XVIII (DESCARTES,

    2006).

    Posteriormente, aconteceu uma srie de acontecimentos importantes no decorrer do

    sculo XIX e XX, sendo esses: a descoberta da energia eltrica, a utilizao em larga escala

    de minrios, o processamento dos derivados de petrleo, a inveno do automvel, da

    tecnologia digital, o desenvolvimento amplo dos transportes e dos meios de comunicao,

    dentre tantos outros, que influenciaram profundamente a civilizao ocidental (MENDES,

    2010).

    Para Boaventura de Sousa Santos (1999)

    Por um lado, as potencialidades da traduo tecnolgica dos conhecimentos

    acumulados fazem-nos crer no limiar de uma sociedade de comunicao e interativa

    libertada das carncias e inseguranas que ainda hoje compem os dias de muitos de

    ns: o sculo XXI a comear antes de comear. Por outro lado, uma reflexo cada

    vez mais aprofundada sobre os limites do rigor cientfico combinada com os perigos

    cada vez mais verossmeis da catstrofe ecolgica ou da guerra nuclear fazem-nos

    temer que o sculo XXI termine antes de comear (SANTOS, 1999, p. 6).

    Hoje, a postura absolutamente distinta: o homem acha-se no domnio, controlador,

    superior aos demais seres da natureza, capaz de transformar os recursos naturais,

    direcionando-os de acordo com a sua vontade. Fazem isso confiante no progresso tecnolgico

    e nos avanos sobre o entendimento de alguns mecanismos de funcionamento do mundo

    natural, esquecendo-se de que a natureza ainda age por si, no seguindo as previses do

    homem, no se deixando dominar e demonstrando que tambm pode destruir a humanidade

    (vide os tsunamis, os furaces, os terremotos, enchentes, aquecimento global) (MENDES,

    2010).

    Nos ltimos anos, nos defrontamos com situaes de conflito envolvendo homem-meio

    ambiente, relacionados ao esgotamento e destrutividade, que se manifestam em relao ao

  • 33

    crescimento econmico, expanso urbana e demogrfica; tendncia ao esgotamento de

    recursos naturais e energticos no renovveis; ao crescimento da desigualdade

    socioeconmica local e global, dentre outros (MENDES, 2010).

    Logo, comea-se a considerar a questo ambiental para alm do meio-ambiente: trata-se,

    eminentemente, de uma questo scio-poltico-educacional, na medida em que pe em jogo as

    vidas humanas, comprometendo a qualidade de vida ou constituindo-se como fonte de

    pobreza. Esses fatos nos levam a refletir sobre o modelo de produo das sociedades

    capitalistas: vorazes pela produo de riquezas desconsideram-se os efeitos sobre o meio

    ambiente, gerando mais problemas que solues (MENDES, 2010).

    Nas ltimas dcadas o planeta tm sofrido vrias transformaes pelo homem,

    colocando em risco a vida de ambos, como afirma Gadotti (2005):

    Pela primeira vez na histria da humanidade, no por efeito de armas nucleares, mas

    pelo descontrole da produo, podemos destruir toda a vida do planeta. a

    possibilidade que podemos chamar de era do exterminismo. Passamos do modo de

    produo para o modo de destruio; teremos que viver daqui para frente

    confrontados com o desafio permanente de reconstruir o planeta (GADOTTI, 2005,

    p. 15).

    Conforme Capra (1982), as ltimas duas dcadas de nosso sculo vm registrando um

    estado de profunda crise mundial. uma crise complexa, multidimensional, cujas facetas

    afetam todos os aspectos de nossa vida a sade e o modo de vida, a qualidade do meio

    ambiente e das relaes sociais da economia, tecnologia e poltica. uma crise de dimenses

    intelectuais, morais e espirituais; uma crise de escala e premncia sem precedentes em toda a

    histria da humanidade. Pela primeira vez, temos que nos defrontar com a real ameaa de

    extino da raa humana e de toda a vida no planeta.

    1.2 Percepo Ambiental e seus conceitos

    Percepo, derivado do latim perception, tem muitos significados, sua definio na

    maioria dos dicionrios da lngua portuguesa : ato ou efeito de perceber; combinao dos

    sentidos no reconhecimento de um objeto; recepo de um estmulo; faculdade de conhecer

    independentemente dos sentidos; sensao; intuio; ideia; imagem; representao intelectual.

    fcil perceber a quantidade de possveis significados a partir dessas definies, que vo

  • 34

    desde a recepo de estmulos at a intuio, a ideia e a imagem, que so categorias distintas

    no discurso filosfico (MARIN, 2008).

    De acordo com o psiclogo Hochberg (1973, p. 11), "a percepo um dos mais

    antigos temas de especulao e pesquisa no estudo do homem [...] Estudamos a percepo

    numa tentativa de explicar nossas observaes do mundo que nos rodeia".

    Para esse estudo, focamos na percepo ambiental, que entendida como um

    fenmeno complexo, que envolve vrios aspectos da relao do ser humano com o mundo: as

    vivncias cotidianas; as construes conceituais e imaginrias; a topofilia ou ligao afetiva

    estabelecida com o lugar habitado; os componentes da memria que fundamentam a

    identificao com o meio. Para tratar dessa tal complexidade, adotamos os princpios da

    fenomenologia, pelos quais se toma como eixo central de reflexo o retorno do ser humano ao

    mundo vivido e experincia esttica, superando o distanciamento da concretude,

    caracterstico dos modos de viver da modernidade (CORRA, 2008).

    Historicamente, a percepo ambiental estabeleceu-se no campo da psicologia

    ambiental, consolidando o interesse dos estudos em percepo, a partir da dcada de sessenta,

    sendo o perodo anterior caracterizado por investigaes dispersas sobre as relaes do ser

    humano com seu ambiente. Com a configurao do campo, houve uma tendncia de

    superao das abordagens tradicionais (LEE, 1977).

    Porm, no simbolizou uma mudana repentina nos estudos sobre percepo

    ambiental, uma vez que eram variadas as abordagens possveis, incluindo-se alguns estudos

    da psicanlise, que, apesar de um uso restrito, segundo Lee (1977), se destacaram na

    estruturao do campo. Para Heimstra e MacFarling (1978), na obra Psicologia Ambiental, o

    comportamento em ambientes construdos (salas, moradias, edifcios, cidades) e naturais

    (recreao, parques e percepo de perigos naturais) distinto.

    Estudiosos alemes, em 1870, pesquisaram a percepo humana, por meio,

    principalmente da viso, foram eles Kurt Koffka, Wolfgang Khler e Max Werteimer. Para

    atingir este fim, eles se valiam especialmente de obras de arte, ao tentar compreender como se

    atingia certos efeitos pictricos. Estas pesquisas deram origem Psicologia da

    Gestalt ou Psicologia da Boa Forma (MARIN, 2008).

    Durante o sculo XIX e at o incio do sculo XX, os estudos sobre a percepo

    humana da forma tinham em comum a anlise atomista, ou seja, procurava o conjunto a partir

    de seus elementos, segundo a qual a percepo de um objeto era dada pelas suas partes

  • 35

    componentes, organizadas posteriormente por associao. A Teoria da Gestalt, surgida no

    incio do sculo XX, se volta contra isso e afirma que no se pode ter conhecimento do todo

    atravs das partes, e sim das partes atravs do todo e que s atravs da percepo da totalidade

    que a razo pode decodificar e assimilar uma imagem ou um conceito (MARIN, 2008).

    Em 1879, Wilhelm Wundt, citado como o pai da psicologia cientfica, fundou, em

    Leipzig, na Alemanha, o primeiro laboratrio de psicologia experimental, no qual estudou

    principalmente a percepo humana.

    Neste perodo de consolidao terica, que os estudos de percepo ambiental se

    difundem por outras reas de conhecimento, os trabalhos iniciais nessas reas mantiveram um

    forte enfoque psicologista, buscando somente mais recentemente as bases tericas na

    filosofia, atravs do vis fenomenolgico. Del Rio e Oliveira (1999, p.X) afirmam que

    "disciplinas como a arquitetura, o urbanismo e a geografia souberam compreender

    rapidamente a importncia da psicologia aplicada ao espao" e destacam que nossas

    preocupaes poderiam ser situadas no escopo da cognio. A prpria fenomenologia tem

    sido, no entanto, base terica presente nos estudos dessas diferentes reas.

    Sendo assim, a percepo ambiental uma forma de conhecimento, processo ativo de

    representao que vai muito alm do que se v ou penetra pelos sentidos, mas prtica

    representativa de claras consequncias sociais e culturais. A percepo entendida nessa

    dimenso no apenas inferncia de estmulos que do exterior atuam sobre a sensibilidade do

    individuo, mas ao contrrio, supe uma elaborao de informaes que ocorrem no seu

    interior (FERRARA, 1993).

    O gegrafo Tuan (1980) diz que percepo ambiental se expressa em dois aspectos: o

    cognitivo e o afetivo. O cognitivo aquele que abrange o intelectual, incluindo as motivaes,

    humores, valores, julgamentos, expectativas como tambm os conhecimentos prvios. O

    intelecto organiza e representa a realidade percebida por meio de esquemas perceptivos e

    imagens mentais. Enquanto o afetivo est relacionado aos sentimentos e vnculos que o

    indivduo desenvolve em relao ao meio em que est inserido. Porm o aspecto mais

    importante o cognitivo, enquanto que o afetivo considerado como a energia que envolve o

    sistema.

    Deste modo, a afetividade impulsiona a percepo, ou seja, a comoo une as pessoas

    ao seu espao. O meio e a herana cultural oferecem informaes que so processadas

  • 36

    mentalmente pelo indivduo e a conduta construda mediante o equilbrio entre os fatores

    internos e externos.

    Ento, sendo a superfcie da terra extremamente variada, as pessoas percebem e

    avaliam de maneira individualizada e distinta essa superfcie. Duas pessoas no veem a

    mesma realidade. Nem dois grupos sociais fazem exatamente a mesma avaliao do meio

    ambiente. A prpria viso cientfica est ligada cultura (TUAN, 1980).

    Ainda de acordo com as concepes de Tuan (1980) necessitamos de sentir prazer,

    existente em deleitveis sensaes proporcionadas pelo envolvimento com o mundo fsico, da

    simplicidade de sua natureza, por meio de uma forma despreocupada, semelhante quela que

    uma criana conhece: o sentir o mundo imediato, conhecido ou no, sem regras de esttica

    definidas, um mundo de sensualidades que expressam a intimidade com a terra amiga e

    inimiga, materna ou no, porm envolvente.

    Portanto, experimentar a paisagem revela-se uma sensao nica, a mesma transmite-

    nos suas mensagens, inspirando sonhos e desejos associados as nossas ideias de lugar ideal,

    ou rejeio, fugindo de ambientes considerados terrveis, ameaadores, por diversas

    circunstncias (LIMA, 1999).

    Muitos pensadores como Aristteles, Descartes, Rousseau, Freud, Bacon, Heidegger,

    Espinosa, Kant, Karl Marx, Winnicott, Vygotsky, Hanna Arendt e Paulo Freire hoje so

    relidos para reflexo sobre conceitos da Natureza .

    Por exemplo, Aristteles considerou a natureza como munida de uma finalidade,

    considerando o ser humano como parte da natureza. Essa finalidade consiste em cada coisa

    que pertence natureza deve realizar o seu potencial, por exemplo, uma semente se

    transforma em rvore, um ser humano busca realizar-se plenamente em sua vida e suas

    atividades (MARCONDES, 2006).

    Outro foi o filsofo francs do sc. XVII, Ren Descartes, sendo o primeiro filsofo a

    propor uma fsica matemtica, com ele a fsica deixa de ser especulativa e passa, de fato, a

    intervir na natureza, os desdobramentos foram enormes na relao homem-natureza, pois a

    objetividade cartesiana modificou nosso pensamento de pensar historicamente e colocou o

    homem na posio de Dono e Senhor da natureza, influenciando decisoriamente a nossa

    relao com a natureza (GRN, 2006).

    J Rousseau, na Carta a Malesherbes, de 26 de janeiro de 1762, escreve sobre o

    sentimento de unidade do homem com a natureza, em que o filsofo descreve o sentimento

  • 37

    inebriante e paz que a natureza lhe proporciona, a ponto de me fundir, por assim dizer, no

    conjunto dos seres, de me identificar com a natureza inteira!

    Para Freud, no incio de sua obra, o pano de fundo da elaborao do pensamento

    psicanaltico foi a concepo que o paradigma moderno construra sobre a Natureza, pensada

    conforme a metfora da mquina, divorciada do homem, em suma, objeto de dominao. Na

    perspectiva assim construda, o homem deixa de ser visto como integrante natureza,

    passando a s-lo como separado dela e com ela mantendo relaes de oposio e dominao,

    tanto com relao sua prpria natureza (PLASTINO, 2006).

    Poderamos tambm citar o pensador alemo Martins Heidegger (1889-1976)

    considerado um dos maiores filsofos do sculo XX, que embora nunca tenha falado em meio

    ambiente ou ecologia, seus escritos constituem referncia para os que pensam a questo

    ambiental, pois nos diz que todo morar autntico est ligado a um preservar. Preservar no

    apenas no causar danos a alguma coisa. O preservar genuno tem uma dimenso positiva,

    ativa e acontece quando deixamos algo na paz de sua prpria natureza, de sua fora originria

    (HEIDEGGER, 2009).

    De acordo com o mesmo pensador, a racionalidade tecnolgica usada para oprimir a

    natureza e outros homens (UNGER, 2006).

    Porm, a percepo ambiental consolidou-se efetivamente nos estudos do meio

    ambiente humano, durante a dcada de 1970, a partir da criao do Grupo de Trabalho sobre a

    Percepo do Meio Ambiente, pela Unio Geogrfica Internacional (UGI), e do Projeto 13:

    Percepo da Qualidade Ambiental, no Programa Internacional Homem e Biosfera (em ingls,

    Man and the Biosphere), lanado pela Organizao das Naes Unidas pra Educao, a

    Cincia e a Cultura (UNESCO) em 1971, este programa tinha como objetivo desenvolver

    uma base nacional para a utilizao e conservao dos recursos da biosfera e para a melhoria

    das relaes entre o homem e seu ambiente, enquanto o grupo da UGI previa uma srie de

    estudos internacionais comparativos sobre os riscos do meio ambiente e os lugares e

    paisagens valorizados, o projeto da UNESCO preconizava o estudo da percepo do meio

    ambiente como contribuio fundamental, para uma gesto mais harmoniosa dos recursos

    naturais e dos lugares e paisagens de importncia para a humanidade (CASTELLO, 1999).

    com base nestes estudos que novos conceitos e categorias so desenvolvidas e

    fundamentadas para a melhor compreenso da relao Homem/Mundo. Entre esses conceitos,

  • 38

    merecem um lugar especial, por seu potencial de aplicao os de topofilia, topofobia e

    topocdio. Nessa pesquisa destacam-se os de topofilia, que ser discutido posteriormente.

    O incio da dcada de setenta, pode ser considerado o momento da disseminao das

    pesquisas sobre a temtica, especialmente derivado da constituio do grupo citado acima,

    cujo foco das questes era a Percepo do Meio Ambiente. De acordo com Melo (2005), o

    projeto da UNESCO enfatizava o estudo da percepo do meio ambiente como fundamental

    para a gesto de lugares e paisagens que tinham importncia para a humanidade, e o objetivo

    do MAB era estudar as relaes entre as populaes e o meio ambiente em diversas cidades

    em torno do mundo, distribudas em um conjunto de 40 pases, entre elas a cidade de Porto

    Alegre.

    Merece destaque como um dos precursores dos estudos de percepo ambiental Kevin

    Lynch2 (1997), ao voltar para as imagens das cidades a paisagem urbana tambm algo a ser

    visto e lembrado, um conjunto de elementos do qual esperamos que nos d prazer.

    Podemos dizer que o cidado tem associaes com alguma parte de sua cidade, e essa

    imagem vem envolta de lembranas e significados. Sabendo que nada vivenciado em si

    mesmo, mas sempre em relao aos seus arredores, s sequncias de elementos que a ele

    conduz, lembrana de experincias passadas (LYNCH, 1997).

    As obras de Kevin Lynch (1997) e Gordon Cullen (1972) foram pioneiras em

    encorajar o desenvolvimento de metodologias projetuais com base em estudos de percepo

    ambiental. Ambos admitiam que os tributos do meio ambiente natural e construdo

    influenciam o processo perceptivo da populao, particularmente o visual, o que possibilita o

    reconhecimento de qualidades ambientais e a formao de imagens compartilhadas pela

    populao (DEL RIO, OLIVEIRA, 1999).

    De acordo com TUAN (1983) os significados de espao e lugar so fundidos com

    frequncia. O que se inicia como espao indiferenciado transformado em lugar medida que

    o conhecemos melhor e o dotamos de valor. A experincia variada, pode ser direta e ntima,

    ou indireta e conceitual, mediada por smbolos.

    Posteriormente, TUAN (1983) define experincia como um termo que aborda as

    diferentes formas pelas quais uma pessoa conhece e constri a realidade. Estas so alternadas

    2 Kevin Lynch foi professor de city-planning do MIT (Massachusetts Institute of Technology). Estudou

    arquitetura com F.L. Wright, fez estudos de psicologia e de antropologia, que o levaram a uma abordagem nova do problema do urbano. Voltou particularmente a ateno para o ponto de vista da conscincia perceptiva.

    Limitando-se voluntariamente ao campo visual, estudou as bases da percepo especfica da cidade e procurou

    isolar suas constantes, que deveriam integrar qualquer proposta de planejamento (CHOAY, 2003, p.306).

  • 39

    conforme os sentidos diretos e passivos como o olfato, paladar e tato, at a percepo visual

    ativa e a maneira indireta de simbolizao.

    Essa percepo visual discutida considerando como a esttica para emocionar as

    pessoas, na qual o homem colocado diante do ambiente, podendo ach-lo bizarro, chocante,

    calmo ou simplesmente feio, de acordo com a sua personalidade. Sendo o primeiro contato

    que indivduos e grupos tm com o mundo, se d atravs da sensao captada pelos rgos

    dos sentidos, porm a inteligncia que atribui significado ao que foi percebido (CULLEN,

    1972; DEL RIO, OLIVEIRA, 1999).

    Segundo Tuan (1980) percepo tida tanto como uma reao dos sentidos aos

    estmulos externos, quanto como atividade intencional, na qual alguns fenmenos so

    registrados com clareza, e outros so retidos. Muito do que percebemos valorizado, para a

    nossa sobrevivncia biolgica e para propiciar algumas satisfaes que esto relacionadas

    cultura.

    Ainda para Tuan (1980) o estudo da percepo, das atitudes e dos valores do meio

    ambiente extraordinariamente complexo, pois uma pessoa um organismo biolgico, um

    ser social e um indivduo nico; percepo, atitude e valor refletem os trs nveis do ser. Os

    seres humanos esto biologicamente bem equipados para registrar uma grande variedade de

    estmulos ambientais. A maioria das pessoas durante suas vidas fazem pouco uso de seus

    poderes perceptivos. A cultura e o meio ambiente determinam em grande parte quais os

    sentidos so privilegiados.

    O estudioso destaca que na experincia, com frequncia o significado de espao se

    confunde com o de lugar, sabendo que espao mais abstrato do que o lugar. Porm as ideias

    de espao e lugar no podem ser definidas uma sem a outra. O mesmo destaca a importncia

    de compreender o que as pessoas sentem sobre espao, lugar e paisagem, considerando as

    diferentes maneiras de experienciar (sensrio-motora, ttil, visual, conceitual) e interpretando

    os espaos e lugares como imagens de sentimentos complexos (TUAN, 1983).

    Assim sendo, Tuan (1980) salienta a importncia das experincias e subjetividades na

    constituio dos lugares, analisando as diferentes maneiras como as pessoas sentem e

    conhecem o espao,

    Os problemas humanos quer sejam econmicos, polticos ou sociais, dependem do

    centro psicolgico da motivao, dos valores e atitudes que dirigem as energias para os objetivos. As atitudes e crenas no podem ser excludas nem mesmo da

    abordagem prtica, pois prtico reconhecer as paixes humanas em qualquer

  • 40

    clculo ambiental. (...) e de algum modo todos eles se referem maneira pela qual os

    seres humanos respondem ao seu ambiente fsico a percepo que dele tm e o

    valor que nele colocam. (TUAN, 1980, p. 1- 2).

    vista disso, esclarecer como a utilizao do conceito de percepo ambiental tem se

    inserido nas discusses uma tarefa importante e complicada para a democratizao da

    cincia e dos saberes, visando garantir maior qualidade ambiental para todos.

    Em um trabalho de Del Rio e Oliveira (1999), no qual os autores consolidam um

    apanhado geral das pesquisas em percepo ambiental no Brasil, esses distinguem duas

    vertentes principais de orientao epistemolgica: estruturalismo e fenomenologia. Sendo o

    primeiro entendido como um conjunto de sistemas, cujas estruturas so reconhecveis, na qual

    qualquer alterao sofrida por uma parte tender a se refletir no todo, admitindo-se relaes

    causa-efeito. J a vertente fenomenolgica teria em Tuan e a geografia humanstica a sua

    inspirao mais forte.

    importante enfatizar duas colocaes relacionadas s categorias espao, lugar e

    paisagem, que, no decorrer da dcada de setenta, passam a ter uma abordagem focada na

    dimenso humana: o conceito de paisagem no se limitava ao mbito da natureza, mas

    envolveria o ser humano com conscincia, afetividade e conhecimento crtico; espao seria

    definido como espao vivido e lugares; como dimenso existencial e perceptiva. Essas

    categorias redefinidas seriam o cerne de uma geografia no positivista, que havia ento se

    denominado Geografia Humanstica (OLIVEIRA, 2001).

    1.3 Geografia Humanstica

    Foi na dcada de 1960 e 1970 que se buscou uma nova alternativa epistemolgica nos

    estudos da percepo ambiental, pois as correntes neopositivista e neomarxista conduziam a

    um excesso de teoria, objetividade e materialismo. Assim, surge um movimento que recebeu

    o nome de Geografia Humanstica que tinha como objetivo estudar as percepes,

    representaes, atitudes e valores dos homens de uma maneira geral, ou seja, os estudos de

  • 41

    percepo ambiental, tendo como um de seus contribuidores o gegrafo Yi-Fu Tuan

    (1980;1982;1983;2006)3.

    Conforme a perspectiva humanista, a Geografia prope uma nova maneira de olhar

    para os fenmenos geogrficos, na qual so salientadas e valorizadas as experincias, os

    sentimentos, a intuio, a subjetividade e a compreenso das pessoas sobre o meio ambiente

    que habitam, buscando compreender e valorizar estes aspectos.

    Segundo Tuan (1983), a Geografia Humanstica procura o entendimento do contexto

    pelo qual as pessoas valorizam e organizam seu espao e nele se relacionam, expressando

    valores e atitudes para com o meio ambiente, busca tambm a compreenso do mundo

    humano por meio do estudo das relaes das pessoas com a natureza, do seu comportamento

    geogrfico, assim como dos seus sentimentos e ideias a respeito do espao e do lugar.

    Para Oliveira (2001), os desafios que se pem, por meio da Geografia Humanista, so

    os de buscar respostas para a construo de valores e atitudes, dentro da nova tica das

    relaes humanas e ambientais.

    O universo da geografia constitui-se no somente de pases, cidades, propriedades

    agrcolas, mares, relevo, clima, mas tambm de ideias, sentimentos, imagens e representaes.