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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO LUÍS ALBERTO GONÇALVES GOMES COELHO A TUTELA DO CONHECIMENTO E DOS SEGREDOS DE EMPRESA E AS CLÁUSULAS DE NÃO-CONCORRÊNCIA NO DIREITO DO TRABALHO CURITIBA 2008

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO

LUÍS ALBERTO GONÇALVES GOMES COELHO

A TUTELA DO CONHECIMENTO E DOS SEGREDOS DE EMPRESA E AS

CLÁUSULAS DE NÃO-CONCORRÊNCIA NO DIREITO DO TRABALH O

CURITIBA

2008

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LUÍS ALBERTO GONÇALVES GOMES COELHO

A TUTELA DO CONHECIMENTO E DOS SEGREDOS DE EMPRESA E AS

CLÁUSULAS DE NÃO-CONCORRÊNCIA NO DIREITO DO TRABALH O

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania, na linha de pesquisa Atividade Empresarial e Constituição: inclusão e sustentabilidade, do Centro Universitár io Curitiba, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Eduardo Milléo Baracat

CURITIBA

2008

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LUÍS ALBERTO GONÇALVES GOMES COELHO

A TUTELA DO CONHECIMENTO E DOS SEGREDOS DE EMPRESA E AS

CLÁUSULAS DE NÃO-CONCORRÊNCIA NO DIREITO DO TRABALH O

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre

em Direito pelo Centro Universitário Curitiba.

Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:

Orientador: _________________________________

Prof. Dr. Eduardo Milléo Baracat

_________________________________

Prof. Dr. Fábio Tokars

_________________________________

Prof. Dr. Roland Hasson

Curitiba, 30 de outubro de 2008.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos aqueles que me ajudaram e me incentivaram a seguir

firme nesta pesquisa.

Ao Professor José Afonso Dallegrave Neto, que me deu as primeiras

orientações sobre o tema e que, mesmo não tendo podido continuar junto na

caminhada, ao longe, ajudou-me com o empréstimo de obras e com valiosas

sugestões.

Ao Professor Eduardo Milléo Baracat, brilhante Juiz e juslaboralista, pela

dedicação e empenho dispensados na sua nobre e ao mesmo tempo difícil

função de orientar e repassar o conhecimento.

Aos colegas e sócios do Escritório Gomes Coelho & Bordin, que sabedores

das dificuldades do que é enfrentar um Curso de Mestrado, sempre me apoiaram

e incentivaram, inclusive nas oportunidades em que estive ausente em razão das

aulas e dos estudos.

Agradeço também aos meus familiares, pais e irmãos, que com seus

exemplos ímpares de conduta pessoal e profissional, fazem-me confirmar o que

sempre foi por mim intuído, de que apenas com trabalho e esforço é que o ser

humano alcança os seus objetivos.

Por fim, não poderia deixar de agradecer à minha amada esposa e

companheira Sarah, que mesmo com as horas de convívio privadas e carregando

em seu ventre a benção da nossa primeira filha, Alice, nunca deixou de me

apoiar e incentivar.

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Nem tudo o que escrevo resulta numa realização, resulta mais numa

tentativa. O que também é um prazer. Pois nem tudo eu quero pegar. Às vezes, quero apenas

tocar. Depois, o que toco às vezes floresce e os outros podem pegar

com as duas mãos.

Clarice Lispector

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SUMÁRIO

RESUMO.............................................................................................................. 7

ABSTRACT .......................................................................................................... 8

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 9

1 DA TUTELA DO CONHECIMENTO E DOS SEGREDOS DA EMPRE SA

NO AMBIENTE DO TRABALHO .................................................................. 13

1.1 O CONHECIMENTO COMO BEM E PROBLEMA JURÍDICO .................. 13

1.2 DA SOCIEDADE INDUSTRIAL À PÓS-INDUSTRIAL............................... 17

1.3 DA SOCIEDADE DE RISCO E A GLOBALIZAÇÃO.................................. 20

1.4 AS NOVAS TECNOLOGIAS ANTE O DIREITO ....................................... 26

1.5 DOS BENS JURÍDICOS TUTELÁVEIS..................................................... 30

1.5.1 Dos Segredos de Empresa e do Know-how ............................................ 31

1.5.2 Dos Direitos de Patente, de Modelos de Utilidade e de Autor ................. 35

2 LIMITES DA CONCORRÊNCIA APÓS A EXTINÇÃO DO CONTRA TO

DE TRABALHO ............................................................................................. 39

2.1 CONCEITO DE CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA ........................ 40

2.2 ADMISSIBILIDADE DA CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA ............ 41

2.3 DO DIREITO COMPARADO..................................................................... 49

2.3.1 Cláusulas de Não-Concorrência Decorrentes de Regulação Legal......... 50

2.3.2 Cláusulas de Não-Concorrência Decorrentes de Norma Coletiva........... 52

2.3.3 Cláusulas de Não-Concorrência Decorrentes de Previsão Legal e

dos Usos e Costumes.............................................................................. 54

2.4 LIMITES AOS INTERESSES TUTELADOS.............................................. 55

2.5 CONDIÇÕES DE VIABILIDADE E EXEQÜIBILIDADE DA CLÁUSULA

DE NÃO-CONCORRÊNCIA ...................................................................... 58

2.6 MODALIDADES: CLÁUSULA DE PERMANÊNCIA,

CONFIDENCIALIDADE, NÃO-SOLICITAÇÃO E CLAWBACK ................. 60

2.6.1 Cláusula de Permanência........................................................................ 61

2.6.2 Cláusula de Confidencialidade ................................................................ 62

2.6.3 Cláusula de Não-Solicitação.................................................................... 63

2.6.4 Clawback ................................................................................................. 63

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2.7 DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ COMO BALIZADOR DA CONCORRÊNCIA

NA RELAÇÃO INDIVIDUAL DE TRABALHO............................................ 64

2.7.1 Cláusula Geral da Boa-Fé ....................................................................... 66

2.7.2 Norma Criadora de Deveres Jurídicos..................................................... 68

2.7.3 Do Dever de Lealdade............................................................................. 70

2.7.4 Dos Deveres de Não-Concorrência e Sigilo ............................................ 71

3 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DOS PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS INCIDENTES NA RELAÇÃO DE PROTEÇÃO

DO CONHECIMENTO E DOS SEGREDOS DE EMPRESA ......................... 73

3.1 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS TUTELÁVEIS: DA APLICAÇÃO

DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS AOS PARTICULARES....................... 73

3.1.1 Da Liberdade de Trabalho e Profissão .................................................... 77

3.1.2 Do Direito de Propriedade ....................................................................... 80

3.1.3 Da Proteção à Propriedade Intelectual .................................................... 84

3.2 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS REGULADORES DA ATIVIDADE

ECONÔMICA ............................................................................................ 87

3.2.1 A Dignidade da Pessoa Humana............................................................. 89

3.2.2 O Valor Social do Trabalho e a Livre Iniciativa ........................................ 92

3.2.3 A Busca do Pleno Emprego..................................................................... 95

3.2.4 Da Propriedade Privada e a sua Função Social ...................................... 96

3.2.5 A Livre Concorrência ............................................................................... 98

3.3 A LIVRE INICIATIVA E LIVRE A CONCORRÊNCIA COMO

BALIZADORES DA LIBERDADE DE TRABALHO.................................... 101

3.3.1 Da Técnica da Ponderação de Valores Constitucionais .......................... 101

3.3.2 Da Livre Iniciativa e Livre Concorrência como Balizadores da

Liberdade de Trabalho............................................................................. 105

CONCLUSÃO ...................................................................................................... 107

REFERÊNCIAS .................................................................................................... 110

ANEXO A - PROJETO DE LEI N. o 16/2007 DE AUTORIA DO SENADOR

MARCELO CRIVELA ....................................................................... 121

ANEXO B - CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA. VALIDADE .................... 123

ANEXO C - CLÁUSULA DE SIGILO E NÃO-CONCORRÊNCIA ........................ 125

ANEXO D - EMENTA EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS

RELAÇÕES PRIVADAS ................................................................... 127

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RESUMO

O conhecimento se caracteriza como um bem imaterial e se apresenta sob diversas formas, tais como base de dados e informações, métodos de produção, sistemas de organização da empresa, segredos e inventos industriais. O retorno obtido pela empresa em pesquisas e desenvolvimento dessas novas formas de conhecimento constitui e constituirá fator determinante de sua competitividade e produtividade, o que aumenta a necessidade de sua proteção em face dos concorrentes. Hoje, os trabalhadores, pelo acesso que têm ao conjunto de bens imateriais da empresa, passaram a ser objeto de desejo e alvo constante dos concorrentes do seu empregador, que muitas vezes buscam na sua contratação, antes mesmo de um profissional já treinado e capacitado, a obtenção de informações e dados confidenciais. Apesar de a legislação brasileira considerar a divulgação de segredo de empresa e a concorrência desleal, ilícitos penais e trabalhistas, o que se percebe, muitas vezes, é que isso, por si só, não inibe a prática ilícita e lesiva à empresa. A aplicação do princípio da boa-fé e os correlatos deveres de lealdade, sigilo e não-concorrência, também não têm se mostrado suficientes para tutelar esses bens. Em razão disso as empresas podem se valer de cláusulas de não-concorrência visando a reforçar contratualmente essa proteção durante a relação de trabalho e, principalmente, após o término dela. Desse modo, a pesquisa buscará demonstrar a viabilidade de proteção das informações e dos segredos de empresa através da estipulação de cláusulas de não-concorrência. Palavras-chave : Conhecimento. Segredos de empresa. Proteção. Cláusula de não-

concorrência.

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ABSTRACT

Knowledge is featured as an immaterial good and presents itself under many different ways, such as data basis and information, methods of production, organization system of the companies, secrets and industrial invents. The return back obtained by the company on researches and developing of new ways of knowledge is and will be a determining factor of its competitiveness and productivity, increasing the protection’s need in face of other competitor companies. Nowadays, considering the access that employees have to the immaterial goods of the companies, they have been object of desire and targets from other competitor companies. Usually, when hiring these employees, competitors do not only look for an experienced professional, but they also look for obtaining information and confidential data from the other companies. Even though Brazilian law consider developing secrets of the companies and unfair business practices, such as criminal and labor illicit, most of time it can be realized that they do not inhibit the company from illicit and harmful practices. Application of the good faith principle and the correlated loyalty, confidential and non competition duties have not been shown as practices that can sufficiently protect these goods. Consequently, companies may establish clauses of non competition in order to reinforce their protection during the labor relation and, mainly, after its rescission. Therefore, this research pretends demonstrating the viability of protecting information and secrets of the companies through stipulation of non competition clauses. Key-words : Knowledge. Company’s secrets. Protection. Non competition clause.

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INTRODUÇÃO

Apesar de existir desde 1886, ano em que foi apresentada pela primeira vez

ao público, na Jacob's Pharmacy, em Atlanta, nos Estados Unidos, até hoje a fórmula

da Coca-Cola não conseguiu ser decodificada ou caiu nas mãos de seus concorrentes.

Isso demonstra que a empresa, apesar de possuir milhares de fábricas ao

redor do mundo e outras centenas de milhares de empregados, guarda este segredo

a sete chaves.

Mais do que a velha questão capital/trabalho, atualmente, empregados e empre-

gadores discutem temas até então não levados à mesa de negociação, como os

reflexos da automação, da globalização, da informatização, assim como o acesso a

conhecimentos e segredos de empresa.

Não é errado dizer que o recurso econômico preponderante não é mais o

capital, nem os recursos naturais e a mão-de-obra, mas sim o conhecimento e suas

aplicações ao trabalho.

Muito embora não se entenda muito bem como o conhecimento se comporta

como recurso econômico, tem-se por certo que não custa pouco, haja vista os

países desenvolvidos gastarem boa parcela de seu PIB na produção e disseminação

de conhecimento por meio de pesquisas e educação.

Com as empresas, em pouco tempo, ainda que já se constate tal situação em

algumas delas, o investimento em pesquisas e na produção do conhecimento também

deverá ocorrer nessa mesma proporção.

O conhecimento se caracteriza como um bem imaterial e se apresenta sob

diversas formas, como base de dados e informações, métodos de produção, sistemas

de organização da empresa, segredos e inventos industriais, dentre outras.

Assim, o retorno obtido pela empresa na aplicação desse conhecimento, constitui

e constituirá fator determinante de sua competitividade e, por assim dizer, a produ-

tividade será decisiva para o seu sucesso econômico e social, bem como para o seu

desenvolvimento como um todo.

Inegavelmente, o que se denota nos dias atuais é que o saber ocupa lugar de

relevo, principalmente o saber criativo oriundo do intelecto humano, capaz de transformar

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matérias existentes em novas, sistemas preexistentes em novos processos e produtos

antigos em outros aperfeiçoados.

Além disso, a importância que se confere aos bens imateriais de uma empresa

se justifica na medida em que a mesma tecnologia que conseguiu desvendar e

decodificar a seqüência genética, que alcançou a clonagem animal e aprofunda

estudos sobre a utilização das células-tronco embrionárias, não conseguiu, até hoje,

decodificar as fórmulas da Coca-cola.

Desse modo, a proteção das informações e dos segredos de empresa assumiu

papel de destaque no desenvolvimento dos processos econômicos, sobretudo com o

fenômeno da globalização, que fez aumentar a necessidade de se tutelar o conheci-

mento, acentuando o fenômeno da concorrência industrial, pois, com a abertura das

economias nacionais e o aumento da quantidade de empresas transnacionais, novos

mercados consumidores se abriram para a atuação empresarial e a competitividade

entre empresas se acirrou cada vez mais.

Em razão disso, o investimento em conhecimento por parte da empresa,

em qualquer das modalidades em que se apresenta, necessita de proteção jurídica

justamente em face da tentação dos concorrentes.

Hoje, os trabalhadores, pelo acesso que têm ao conjunto de bens imateriais

da empresa, passaram a ser objeto de desejo e alvo constante dos concorrentes do

seu empregador, que muitas vezes buscam na sua contratação, antes mesmo de um

profissional já treinado e capacitado no mercado de trabalho, obter informações e

dados confidenciais que eles adquiriram em razão do emprego mantido.

A legislação brasileira coloca à disposição da empresa as garantias da proprie-

dade intelectual, assim como impõe restrições à concorrência desleal (Leis n.o 8.884/94

e n.o 9.279/96), inclusive tipificando-a como crime.

A CLT, por sua vez, veda ao empregado o cometimento de atos de concorrência

ao empregador durante o contrato de trabalho, sendo possível, dependendo do caso,

até mesmo a aplicação de justa causa, conforme previsão do artigo 482, alíneas "c"

e "g" do Diploma Consolidado.

No entanto, muitas vezes, na prática, pode-se verificar que tais dispositivos

legais, por si só, não inibem a tentação que têm certos trabalhadores de, uma vez

assediados pelos concorrentes, valerem-se dos segredos e das informações adquiridos

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junto ao seu empregador para negociarem a sua transferência a outra empresa e,

principalmente, uma melhor condição profissional.

Essa nova relação pode causar grandes prejuízos ao ex-empregador, quando

o empregado coloca à disposição de seu concorrente, informações e segredos que

amealhou enquanto esteve a serviço daquele.

Assim, a presente pesquisa buscará responder às seguintes indagações:

pode o empresário se socorrer das cláusulas de não-concorrência visando à

restrição da possibilidade de concorrência e da divulgação de informações e

segredos de empresa durante a relação de trabalho e, principalmente, após o

término dela, a partir de quando o trabalhador se torna muito mais assediado pelos

concorrentes de seu antigo empregador?

A inexistência de legislação específica sobre o tema no Brasil, assim como a

possibilidade da ocorrência de um aparente conflito de direitos constitucionais igualmente

merecedores de tutela (a livre iniciativa e a livre concorrência, de um lado, e a liberdade

de trabalho do outro) podem ser considerados fatores impeditivos à estipulação de

cláusulas de não-concorrência que emanem efeitos pós-contratuais?

Desse modo, a pesquisa buscará demonstrar a viabilidade de proteção das

informações e dos segredos da empresa por meio das cláusulas de não-concorrência,

das nocivas práticas de concorrência desleal, materializadas muitas vezes pelos

empregados que saem de uma empresa e vão imediatamente prestar serviços à

outra, transferindo informações e dados confidenciais ao seu novo empregador,

violando não só princípio da boa-fé, mas, e principalmente, podendo lhe causar grandes

prejuízos financeiros.

Por outro lado, importante destacar que a presente dissertação não tratará da

disciplina do direito concorrencial e antitruste, mas apenas se valerá de alguns conceitos

e institutos do Direito Empresarial para uma melhor compreensão do tema sob o

enfoque eminentemente trabalhista, relacionado à relação de emprego.

Além disso, a pesquisa apresenta plena aderência tanto à Linha de Pesquisa

escolhida – Atividade Empresarial e Constituição: inclusão social e sustentabilidade –

como à Área de Concentração do Mestrado – Direito Empresarial e Cidadania.

Isso porque, investigará a possibilidade de atuação conjunta de valores

constitucionais ligados diretamente à sustentabilidade da atividade empresarial (livre

iniciativa e livre concorrência) e à inclusão social (liberdade de trabalho e valor social

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do trabalho), assim como enfrentará os problemas relacionados à possibilidade de

estipulação de cláusula de não-concorrência com efeitos pós-contratuais que venham

a restringir o exercício do direito ao trabalho, um direito fundamental que visa preci-

puamente à inclusão do indivíduo na sociedade.

Para tanto, o trabalho está estruturado em três partes.

A primeira – Da tutela do conhecimento e dos segredos da empresa no ambiente

do trabalho – versa sobre a evolução da sociedade industrial até a sociedade pós-

industrial, passando pelas noções de sociedade de risco e da informação, havendo

também reflexão sobre a influência que as novas tecnologias vêm exercendo sobre

o Direito.

Ainda nesta primeira parte, além de se tratar especificamente dos bens jurídicos

tuteláveis (segredos de empresa e know-how, direitos de patente, modelos de utilidade

e direitos autorais), é feita uma reflexão crítica acerca da importância que o efetivo

resguardo desses bens exerce na competitividade e na produtividade das empresas.

Já na segunda etapa – Limites da concorrência após a extinção do contrato

de trabalho – o trabalho discorre sobre o conceito, a admissibilidade, os requisitos e

as condições de viabilidade e exeqüibilidade da cláusula de não-concorrência no

direito brasileiro, trazendo, inclusive, algumas experiências do direito comparado.

Tratará, também, da incidência do princípio da boa-fé objetiva como balizador da

concorrência na relação individual do trabalho, mencionando os deveres jurídicos que

dele decorrem e que atuam também como justificadores da estipulação da cláusula

de não-concorrência projetada para viger após a extinção do contrato de trabalho.

Por fim, na terceira e última parte – Dos direitos fundamentais e princípios

constitucionais incidentes na relação de proteção do conhecimento e dos segredos

da empresa – o trabalho investiga alguns dos direitos fundamentais e princípios

constitucionais que mais diretamente se relacionam com o tema, cuidando de, ao final,

verificar, em concreto, a ocorrência de uma possível colisão de valores constitucionais

em jogo, sugerindo, com base na técnica da ponderação de valores constitucionais,

uma solução que entende ser a mais adequada para o caso.

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1 DA TUTELA DO CONHECIMENTO E DOS SEGREDOS DA EMPRE SA NO

AMBIENTE DO TRABALHO

1.1 O CONHECIMENTO COMO BEM E PROBLEMA JURÍDICO

As novas tecnologias, os mercados integrados pela globalização, a acirrada

competição entre empresas, enfim, o que se convencionou chamar de "era da

informatização", implicou grandes transformações na organização da empresa e,

dentro dessa estrutura de integração com as novas formas de conhecimento, as

empresas buscaram e vêm buscando continuamente maiores índices de competitividade

e produtividade.

Vivemos num mundo praticamente dominado pelo conhecimento, que nos é

passado pelo acesso às informações decorrentes, em boa dose, dos grandes avanços

tecnológicos das últimas décadas, daí exsurgindo a importância que adquire o saber.

Assim, para uma melhor compreensão do tema, em plena era da informação e

da interatividade evidente, precisamos procurar entender seus componentes históricos

e sociais, para daí, então, podermos analisar seus limites e suas conseqüências.

Da Revolução Industrial à era da informatização, o mundo enfrentou nas

últimas décadas alguns eventos que merecem ser destacados.

Do período áureo do capitalismo organizado do pós-guerra, nos anos 60, passou

por um período de rupturas paradigmáticas com governos totalitários e ditaduras militares

que suprimiram as liberdades individuais e a livre manifestação do pensamento.1

Já em meados da década de 1970, Toffler2 afirmava que o conhecimento

produzido apenas no século XX já era maior que o somatório daquele obtido em

todos os séculos de civilização anteriores.

Além disso, no final da década de 1970 e início dos anos 80, os choques do

petróleo afetando as grandes economias mundiais e o endividamento excessivo a

que se submeteram os países subdesenvolvidos no afã de tentar superar a crise

1 FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada . São Paulo: Malheiros, 2002. p.63. 2 TOFFLER, Alvin. O choque do futuro . São Paulo: Record, 1974.

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petrolífera, causaram uma desorganização dos fluxos de investimentos internacionais e

uma maior necessidade de se buscar novos padrões de produção que aceleraram o

processo de internacionalização dos mercados.3

Nos anos 90 adveio uma nova divisão do trabalho e da economia mundial,

com a organização institucional do capitalismo que, impregnada dos ideários neoliberais

que defendiam a liberdade de mercado e o Estado Mínimo, fez com que a

sociedade, a fim de superar a crise vivida nos anos 70 e 80, investisse maciçamente

no desenvolvimento tecnológico e científico para descobrir novos materiais, conceber

novos processos e, desse modo, reduzir o impacto que o custo do petróleo causava

na composição do preço final dos bens e serviços.4

As descobertas e as mudanças trazidas desde a Revolução Industrial fizeram

aumentar a quantidade de bens passíveis de invenção e apropriação, levando o homem

a repensar o direito de propriedade que passaria a tutelar objetos e coisas intangíveis,

porém, com plena possibilidade de aferição econômica.

Esses avanços tecnológicos, principalmente na sociedade capitalista contempo-

rânea, com o advento de modelos de produção como o taylorismo5, fordismo6 e mais

recentemente o toyotismo7, revolucionaram o processo de divisão e especialização da

produção, com a fabricação de bens em escala industrial, padronizados e elaborados

em velocidade acelerada.

3 FARIA, op. cit., p.66. 4 Ibidem, p.67. 5 Modelo de administração idealizado por Frederick Winslow Taylor que pretendia definir princípios

científicos para a administração das empresas, tendo por objetivo resolver os problemas que resultam das relações entre os operários, modificando as relações humanas dentro da empresa. O bom operário não discute as ordens, nem as instruções, faz o que lhe mandam fazer. A gerência planeja e o operário apenas executa as ordens e tarefas que lhe são determinadas. (RAGO, Luzia Margareth; MOREIRA, Eduardo F. P. O que é Taylorismo? São Paulo: Brasiliense, 1996).

6 Modelo de produção em massa idealizado pelo empresário americano Henry Ford (1863-1947), fundador da Ford Motor Company, que revolucionou a indústria automobilística na primeira metade do século XX, utilizando à risca os princípios de padronização e simplificação de Frederick Taylor e desenvolvendo outras técnicas avançadas para a época, implantando a produção verticalizada. (MAIA, Adinoel Motta. A era Ford : filosofia, ciência, técnica. Salvador: Casa da Qualidade, 2002. p.26).

7 Modelo de produção capitalista que se desenvolveu a partir da globalização do capitalismo na década de 1950 e surgiu na fábrica da Toyota, no Japão, após a Segunda Guerra Mundial. O modelo pode ser caracterizado por quatro aspectos: mecanização flexível, processo de multifuncionalização da mão-de-obra, implantação de sistemas de controle de qualidade total e sistema just in time (minimização dos estoques). (LIKER, Jefrey K. O modelo Toyota : 14 princípios de gestão do maior fabricante do mundo. Porto Alegre: Bookman, 2005).

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Isso propiciou a utilização de mão-de-obra especializada dos técnicos que

acabavam por conceber intelectualmente os objetos e processos a serem utilizados

nas grandes linhas de produção pela mão-de-obra operária (semiqualificada).8

Pode-se afirmar que está em curso a revolução microeletrônica, que envolve

novas formas de automação e robótica e em que a racionalização do processo

produtivo se intensifica e se multiplica. Novas especializações do processo produtivo

são criadas, assim como as relações entre as forças produtivas e entre o trabalho

manual e intelectual sofrem significativas alterações.9

Nesse contexto de desenvolvimento buscado pela sociedade capitalista

contemporânea, a simples negociação e alocação de bens no mercado não se mostraram

suficientes para o desenvolvimento e a expansão das empresas na economia de

mercado, tornando necessária a intervenção do direito a fim de estabelecer normas

que visassem ao resguardo das informações e segredos da empresa.

Hoje, em plena era da informação, a incorporação da tecnologia às atividades

econômicas produz impacto na sociedade devido aos avanços tecnológicos das

últimas décadas que superaram praticamente quase tudo o que o homem havia

acumulado ao longo dos tempos em termos de conhecimentos, com conseqüências

diretas no cotidiano e no comportamento das pessoas.10

Nesse quadro, pode-se verificar que a complexidade do sistema industrial

moderno, a velocidade dos avanços tecnológicos e a vontade de se disponibilizar às

diversas camadas sociais os benefícios das conquistas tecnológicas, impõem uma

perfeita compreensão dos mecanismos disciplinadores da propriedade intelectual e

industrial, que são o resultado da atividade privada.11

O desenvolvimento de novas tecnologias, traduzidas em valores de comércio

e de mercado cada vez mais expressivos, passou a demandar novas formas de

proteção a esses produtos.

8 DEL NERO, Patrícia Aurélia. Propriedade intelectual : a tutela jurídica da biotecnologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.40 e 41.

9 IANNI, Octavio. A era do globalismo . 4.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. p.128. 10 PIMENTEL, Luiz Otávio. Direito industrial : as funções do direito de patentes. Porto Alegre:

Síntese, 1999. p.26. 11 FURTADO, Lucas Rocha. Sistema de propriedade industrial no direito brasil eiro . Brasília:

Brasília Jurídica, 1996. p.25.

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Com isso, os avanços científicos e as descobertas tecnológicas das últimas

décadas têm tornado o conhecimento fator determinante da competitividade e da

produtividade das empresas.

Para Edgar Morin, o conhecimento pode ser visto sob três sentidos:

O primeiro significado da palavra conhecimento é informação; é obvio que quem tiver informação tem vantagens. O segundo significado é conhecimento que classifica informações. Porém, um conhecimento supersegmentado, como o de especialistas, incapazes de contextualizá-lo, não é capaz de atingir o dito de Pascal: "É necessário conhecer as partes para entender o todo, mas é necessário conhecer o todo para entender as partes." Estamos vivendo num período em que o conhecimento só se torna significativo quando está situado no seu contexto. O terceiro significado tem a ver com inteligência, consciência ou sabedoria. A inteligência é a arte de vincular conhecimento de maneira útil e pertinente; consciência e sabedoria envolvem reflexão.12

Para a empresa, o conhecimento se caracteriza como um bem imaterial e

se apresenta sob diversas formas, como base de dados e informações, métodos de

produção, sistemas de organização da empresa, segredos e inventos industriais,

dentre outras.

Da mesma forma, Peter Drucker afirma que "o recurso econômico básico não

é mais o capital, nem os recursos naturais, nem a mão-de-obra, mas sim o

conhecimento e suas aplicações ao trabalho".13

Muito embora não se entenda bem como o conhecimento se comporta como

recurso econômico, tem-se por certo que não custa pouco, haja vista que os países

desenvolvidos gastam em torno de 20% de seu PIB na produção e disseminação

de conhecimento14.

Com as empresas – ainda que já se constate tal situação em algumas delas – o

investimento em pesquisas e na disseminação do conhecimento, mediante o lançamento

de novos produtos e tecnologias, também ocorrerá nessa mesma proporção.

Dessa forma, o retorno obtido pela empresa na aplicação desse conhecimento,

constitui e constituirá fator determinante de sua competitividade e, por assim dizer, a

12 MORIM, Edgar. Toffler e Morin debatem sociedade pós-industrial. Folha de S. Paulo , São Paulo, 12 dez. 1993, Caderno Especial B-4, p.12.

13 DRUCKER, Peter. Sociedade pós-capitalista . 6.ed. São Paulo: Pioneira, 1997. p.16 e 143. 14 Neste aspecto, importante ressaltar que tal percentual engloba tanto os investimentos em pesquisas,

como também em educação nos três níveis. (Ibidem, p.14).

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17

produtividade será decisiva para o seu sucesso econômico e social e também para o

seu desenvolvimento na totalidade.

Seja como for, o que se denota nos dias atuais é que o saber ocupa lugar de

relevo, principalmente o saber criativo oriundo do intelecto humano, capaz de transformar

matérias existentes em novas, sistemas preexistentes em novos processos e

produtos antigos em outros aperfeiçoados.

Desse modo, a proteção das atividades criativas na área empresarial assumiu

papel de destaque no desenvolvimento dos processos econômicos, sobretudo com o

fenômeno da globalização, que veio a dar um novo impulso à concorrência industrial,

pois, com a abertura das economias nacionais e o aumento da quantidade de empresas

transnacionais, novos mercados consumidores se abrem para a atuação empresarial

e a competitividade entre empresas se acirra cada vez mais.

Daí porque o investimento em conhecimento por parte da empresa, em qualquer

das modalidades em que se apresenta, necessita de proteção jurídica justamente

em face da tentação dos concorrentes.

1.2 DA SOCIEDADE INDUSTRIAL À PÓS-INDUSTRIAL

Com o advento da Revolução Industrial no início do século XVIII, na Grã-

Bretanha, um conjunto de mudanças tecnológicas que causaram grandes impactos

no sistema produtivo vigente provocou o rompimento de um período da história.15

A sociedade, até então majoritariamente rural, começou a migrar para as cidades

e a formar os grandes centros urbanos. Por sua vez, as transformações socioeconômicas

decorrentes do liberalismo econômico, da acumulação do capital e o advento de uma

série de invenções, principalmente a do motor a vapor, fizeram com que o capitalismo

ascendesse como sistema econômico preponderante.16

Novas relações sociais se instauraram com as criações das grandes unidades

fabris e com o nascimento da sociedade industrial, marcando a passagem de um

15 DE MASI, Domenico (Org.). A sociedade pós-industrial . 3.ed. São Paulo: Ed. SENAC, 2000. p.14. 16 Idem.

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momento histórico de progresso e avanços tecnológicos que vinham sendo gestados

na Europa, desde a Baixa Idade Média.

As indústrias se expandiram, verificaram-se as transformações econômicas e

sociais delas derivadas – como a superação do trabalho estritamente manual para

uma produção mais mecanizada e de maiores proporções – assim como surgiram os

primeiros problemas relacionados à industrialização (marginalização da classe

operária e deterioração das condições de trabalho).17

No entanto, apesar de todos esses avanços, ainda não se falava expressamente

de "sociedade industrial". Somente por volta de 1830, com Thomas Carlyle18, é que

surgiu a expressão "sociedade industrial" no sentido mais próximo ao que conhecemos

atualmente.

Esse processo de transição paradigmática foi lento e teve como conseqüência

um aumento de renda, do poder de compra, do bem-estar material, o que acabou

por compensar o desconforto causado pela modernização.

Sobre essa questão, é pertinente a observação feita por Peter Drucker:

[...] A velocidade inédita com a qual a sociedade se transformou criou as tensões e conflitos sociais da nova ordem. Sabemos hoje que era falsa a crença, quase universal, de que os operários das fábricas no início do século dezenove eram tratados pior do que teriam sido como trabalhadores sem terras nas zonas rurais antes da industrialização. Não há dúvidas de que eles estavam mal e eram tratados com severidade. Mas eles afluíam para as fábricas precisamente porque nelas estavam melhor do que no fundo de uma sociedade rural estática, tirânica e que subjugava pela fome. Nas fábricas a "qualidade de vida" era muito melhor.19

Domenico De Masi20 cita as seguintes características da sociedade industrial:

a) concentração de massas de trabalhadores assalariados nas empresas financiadas e

organizadas pelos capitalistas; b) aplicação das descobertas científicas ao processo

produtivo na indústria; c) reforma dos espaços em função da produção e do consumo

dos produtos industriais; d) aumento da produção em massa e do consumismo;

e) aparecimento nas fábricas, de partes distintas e contrapostas, os empregadores e os

17 DE MASI, op. cit., p.15. 18 CARLYLE, Thomas. On Heroes, Hero-Worship and the Heroic in History . Lincoln, Nebraska:

University of Nebraska Press, 1966. p.28. 19 DRUCKER, op. cit., p.114/15. 20 DE MASI, op. cit., p.25.

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empregados; f) predomínio dos critérios de produtividade e de eficiência entendidos

como único procedimento para a otimização dos recursos e dos fatores de produção.

Com a derrocada do Estado Liberal até então vigente na Europa, surgiu o

Estado interventor ou Estado do Bem-Estar Social, caracterizado pela assunção de

responsabilidades sociais crescentes (p. ex: previdência, habitação, assistência social)

e papel de empreendedor em atividades econômicas (p. ex.: energia, petróleo, aço) e

nas prestações de serviços essenciais (educação, saúde, saneamento), que poten-

cializou o surgimento da sociedade produtora de riscos e acabou por atingir o ser

humano e a vida em sociedade.21

A transição da sociedade industrial para a pós-industrial pode ser caracterizada

por dois fenômenos que não podem deixar de ser ressaltados: o crescimento das

classes médias no âmbito da sociedade e da estrutura empresarial e a difusão do

consumo de massa e da sociedade de massa.

Com isso, houve a passagem da produção de bens para a economia de serviços;

os trabalhadores especializados e técnicos passaram a ser mais valorizados; o conheci-

mento, gerador da inovação e dos inventos passou a ter papel proeminente; e houve

uma maior necessidade de se controlar as novas tecnologias e suas conseqüências.

A produção dos bens deslocou-se para um segundo plano e aqueles que

administravam o conhecimento e que podiam planejar a inovação e a utilização das

novas tecnologias passaram a ter um papel de destaque.

Desse modo, se a revolução industrial do século XVIII marcou a passagem da

ferramenta à máquina-ferramenta, a automação designaria a passagem da máquina-

ferramenta ao sistema de máquinas auto-reguladas, o que representou a possibilidade

das instalações e máquinas automatizadas substituírem não apenas o trabalho

braçal, mas também as atividades intelectuais.22

Dito de outro modo, a máquina se vigiaria e se regularia por si mesma, havendo

quem chegasse a falar do mito da 'fábrica sem homens'. Entretanto, a intervenção

humana está longe de desaparecer e nunca foi tão importante como agora.

21 DRUCKER, op. cit., p.32. 22 LOJKINE, Jean. A classe operária em mutações . Trad. de José Paulo Neto. Belo Horizonte:

Oficina de Livros, 1990. p.18.

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20

O ser humano, a partir de agora, acaba exercendo muito mais atividades

abstratas e que exigem muito mais do seu intelecto, não lhe competindo, como

anteriormente, alimentar a máquina ou vigiá-la passivamente, mas sim lhe compete

controlá-la, prevenir defeitos e, sobretudo, otimizar seu funcionamento.23

Isso significa dizer que a distância entre o engenheiro e o operário que manipula

as máquinas automatizadas tende a desaparecer ou, pelo menos, deverá diminuir.

Diante de todas essas mudanças ocorridas na sociedade e à supervalorização

do conhecimento, surge a necessidade de se saber em que medida os impactos

causados pelas decisões e os avanços tecnológicos da sociedade repercute na vida

das pessoas.

1.3 DA SOCIEDADE DE RISCO E A GLOBALIZAÇÃO

Inicialmente, importante rememorarmos a periodização da modernidade feita

por Ulrich Beck, que incorpora três estágios de desenvolvimento: a pré-moderni-

dade, a modernidade clássica e a modernidade reflexiva, que vem a ser a sociedade

pós-industrial.24

A modernidade se caracteriza sempre pela ruptura com a "tradição" consagrada

na pré-modernidade. Para Beck, a sociedade industrial ou modernidade clássica

acabou por dissolver a estrutura feudal.

Hoje, vivemos a "modernidade reflexiva" ou a "sociedade de risco", na termi-

nologia que Beck e Giddens vêm utilizando e que começa a desagregar as estruturas

da sociedade industrial. Para esses dois teóricos, o conceito de risco passa a ocupar

papel de destaque para bem compreender a sociedade contemporânea e, assim, as

23 LOJKINE, op. cit., p.18. 24 BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização reflexiva : política, tradição e

estética na ordem social moderna. São Paulo: Ed. Universidade Estadual Paulista, 1997. p.7.

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conseqüências dos riscos ambientais e tecnológicos tornam-se essenciais para

entendermos os processos sociais em curso na sociedade contemporânea.25

Tal como na modernidade clássica, em que os privilégios de hierarquia, baseados

em herança ou em afiliações religiosas, típicas da pré-modernidade, passaram a ser,

pouco a pouco, desmistificados, nos dias atuais, o mesmo acontece, tanto em relação à

compreensão da ciência e da tecnologia como em relação aos modos de ser no

trabalho, no lazer, na família e na sociedade.

Em razão do seu dinamismo, a sociedade moderna está acabando com as

suas formações de classe, camadas sociais, ocupação, papéis dos sexos, família

nuclear, setores empresariais, bem assim com as formas contínuas do progresso

técnico-econômico.

Para Beck, este novo estágio "em que o progresso pode se transformar em

autodestruição, em que um tipo de modernização destrói outro e o modifica"26 é que

se chama de "modernização reflexiva".

Por isso é que se supõe que a "modernização reflexiva" signifique uma mudança

da sociedade industrial – ocorrida sub-repticiamente e sem planejamento no início de

uma modernização normal, autônoma e com uma ordem política e econômica inalterada

e intacta – implica a radicalização da modernidade, que vai invadir as premissas e os

contornos da sociedade industrial e abrir caminhos para outra modernidade.27

25 Para Daniel Sarmento, discute-se hoje a crise da Modernidade e há quem fale no advento de uma era Pós-moderna. Afirma-se que a Modernidade falhou nos seus objetivos, pois não conseguiu resolver ou minimizar os problemas da Humanidade, em dar respostas às questões que são verdadeiramente importantes para as pessoas. O ideário da Modernidade teria se exaurido no século XX, com a constatação da impotência do seu discurso e das suas propostas grandiloqüentes para enfrentar os problemas emergentes em uma sociedade complexa, globalizada, fragmentada e descentrada. Na sociedade pós-industrial, característica da era Pós-moderna, o poder e a riqueza passam a residir não mais na propriedade dos meios de produção, mas na posse de conhecimento e de informações, que diante dos avanços tecnológicos, circulam com velocidade impressionante. No entanto, o volume das informações disponível é tão grande que, como num paradoxo, acabam todos condenados à superficialidade. A estética substitui a ética e a aparência torna-se mais importante que o conteúdo. São tantos os caminhos possíveis, tão múltiplas as variáveis, tão complexos os problemas, que não é factível programar uma direção, um sentido unívoco para o comportamento individual e coletivo. O pensamento moderno, com sua obsessão pela generalização e racionalização, ter-se-ia tornado imprestável para compreender o caos das sociedades contemporâneas. (SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas . 2.ed. Rio de Janeiro: Livraria Lúmen Juris, 2006. p.37-38).

26 BECK; GIDDENS; LASH, op. cit., p.12. 27 Ibidem, p.13.

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Anthony Giddens lembra que a sociedade de risco não está limitada somente

aos riscos à saúde e ao meio ambiente, mas representa uma série de mudanças dentro

da vida social contemporânea, que acaba por influenciar nos modelos de emprego,

aumentar a insegurança no trabalho, causar um enfraquecimento da tradição e dos

costumes, desgastar os modelos familiares tradicionais e a democratizar os relacio-

namentos pessoais. 28

Ainda para Beck, para que se conceba a modernização como um processo de

inovação autônoma, devemos contar com a obsolescência da sociedade industrial,

que faz emergir a sociedade de risco e designa uma fase de desenvolvimento na

sociedade moderna em que os riscos sociais, políticos, econômicos e individuais

tendem, cada vez mais, a escapar das instituições para o controle e a proteção da

sociedade pós-industrial.29

Dentro dessa concepção de sociedade de risco, duas fases podem ser apresen-

tadas: a primeira, em que os efeitos e as auto-ameaças são sistematicamente

produzidos, mas que não se tornam questões públicas ou centros de conflitos e de

decisões políticas, isto é, ainda predomina o conceito da sociedade industrial; e a

segunda, quando os perigos30 e os riscos da sociedade industrial começam a dominar

os debates e conflitos públicos e privados.

Para Beck, nessa segunda fase, as instituições da sociedade industrial tornam-se

as produtoras e legitimadoras das ameaças que não conseguem controlar, fazendo

com que alguns aspectos tornem-se social e politicamente problemáticos.

Isso porque, de um lado, a sociedade ainda toma decisões e realiza ações

segundo o padrão da velha sociedade industrial, mas, por outro, as organizações de

interesse, o sistema judicial e a política são obscurecidos por debates e conflitos que

se originam do dinamismo da sociedade de risco.31

Com o surgimento da sociedade de risco, os conflitos em relação aos bens, como

renda, emprego e seguro social, e que constituíram o grande debate da sociedade

28 GIDDENS, Anthony. Sociologia . 4.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. p.68 e 69. 29 BECK; GIDDENS; LASH, op. cit., p.15. 30 Fala-se de perigo quando os possíveis danos não guardam relação com uma decisão, ao passo

que se trata de risco quando o dano pode ser reputado como conseqüência de uma decisão. 31 BECK; GIDDENS; LASH, op. cit., p.17.

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industrial clássica, são substituídos pelos conflitos de distribuição dos malefícios

oriundos das pesquisas tecnológicas e da aplicação do conhecimento.

Dito de outro modo: enquanto na sociedade industrial estava-se sujeito à

exigência de se fazer com que as situações do dia-a-dia fossem controláveis por

processos de racionalidade instrumental, manufaturável, disponível e contabilizável,

na sociedade de risco a imprevisibilidade dos acontecimentos e dos seus resultados,

máxime em decorrência dos avanços tecnológicos, torna-se uma constante, aceitando,

a sociedade, o alto preço que isso pode lhe custar.

Não por outra razão é que Maria Alice Hofmeister afirma que "a nossa

sociedade é uma sociedade de risco, em razão da velocidade do desenvolvimento

tecnológico em esferas que são cientificamente de competência da física, da química

e da biologia".32

Em razão disso é que se faz possível afirmar que o conceito de sociedade de

risco está diretamente relacionado com o de globalização: os riscos afetam nações e

classes sociais sem respeitar limites territoriais, daí surgindo a necessidade de uma

sociedade mais ativa e reflexiva.

Os países vêm enfrentando um processo de reestruturação que corresponde

às novas formas de organização econômica e social, desprovidas de base territorial,

o que pode ser constatado pela existência das grandes corporações multinacionais,

pelos movimentos sociais com atuação mundial e pelas organizações internacionais.

Tanto assim que para Octávio Ianni "a globalização do mundo expressa um novo

ciclo de expansão do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório

de alcance mundial".33 Ou seja, é um processo de grandes proporções que alcança

diferentes nações, regimes políticos, economias e sociedades.

Assim, na mesma medida em que se movimentam e se dispersam as empresas,

as corporações e os grandes conglomerados, promovendo uma espécie de "desterrito-

rialização" das forças produtivas, verifica-se uma simultânea "reterritorialização"

em outros espaços, com uma polarização de atividades produtivas, industriais,

manufatureiras, gerenciais, decisórias.34

32 HOFMEISTER, Maria Alice Costa. O dano pessoal na sociedade de risco . Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.40 e 41.

33 IANNI, op. cit., p.11. 34 Ibidem, p.14.

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24

A globalização, muito destacada pelo seu viés econômico - que modifica os

processos de produção e de divisão do trabalho - também deve ser compreendida

pela convergência de fatores políticos, sociais, culturais e tecnológicos, que superam

barreiras científicas e tornam possíveis formas inéditas de dominação política ou

produção econômica.35

Nessa linha de raciocínio, Giddens assevera que a globalização "não é de

forma alguma totalmente econômica em sua natureza, causas ou conseqüências",36

sendo absolutamente errôneo limitar o seu conceito ao mercado global, pois também

é social, política e cultural.

Para esse autor, a globalização "é um conjunto desigual de processos, avançando

de forma fragmentária e oposicionista" tanto assim que os desenvolvimentos em

ciência e tecnologia "afetam a vida de pessoas em países pobres e ricos, e de uma

forma mais imediata do que antes".37

A respeito do impacto que o conhecimento e as inovações tecnológicas vêm

causando na sociedade contemporânea em razão do fenômeno da globalização,

James Rosenau afirma que a tecnologia "eliminou distâncias geográficas e sociais

com o auxílio de aviões supersônicos, computadores, satélites e todas as outras

invenções que permitem hoje, mais do que nunca, que pessoas, idéias e produtos

atravessem tempo e espaço de forma mais segura e mais rápida". 38

É dizer: a tecnologia reforçou a interdependência entre as comunidades locais,

nacionais e internacionais, de uma forma jamais experimentada em qualquer outro

período da história.

É possível afirmar que a globalização foi bastante influenciada pela revolução

da tecnologia da informação, ao passo que a economia do conhecimento também

está sendo globalizada.

Anthony Giddens afirma que "a rápida difusão da informação desintegra a tradição

e os costumes, obrigando-nos a uma abordagem mais ativa e aberta à vida", o que

contribui para a criação de novos riscos.39

35 RICUPERO, Rubens. A crise dos 500 anos . São Paulo: CIEE, 1999. p.17. 36 GIDDENS, op. cit., p.73. 37 Ibidem, p.30. 38 ROSENAU, James. Turbulence in World Politics . Brighton: Harvester Wheatsheaf, 1990. p.17. 39 GIDDENS, op. cit., p.72.

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Com isso, a sociedade industrial – caracterizada pela produção e distribuição

de bens – foi substituída pela sociedade de risco, na qual a distribuição dos riscos

não corresponde mais às diferenças sociais, econômicas e geográficas típicas da

sociedade industrial, mas, ao contrário, desperta nas pessoas um comportamento mais

participativo – de forma individual ou coletiva –, passando-se a falar em comunicação

ou coletivização do risco.40

Beck coloca os riscos ecológicos, químicos, nucleares e genéticos como "produ-

zidos industrialmente, externalizados economicamente, individualizados juridicamente,

legitimados cientificamente e minimizados politicamente". 41

Mais recentemente, houve a incorporação dos riscos econômicos, como as

quedas nos mercados financeiros internacionais, o que geraria "uma nova forma de

capitalismo, uma nova forma de economia, uma nova forma de ordem global, uma

nova forma de sociedade e uma nova forma de vida pessoal".42

Desse modo, a idéia de sociedade de risco está intimamente ligada com a de

globalização, pois a sua dinâmica social traz embutido um conjunto significativo de

contradições econômicas e sociais que podem ser traduzidas em futuros riscos, tais

como: crescimento da riqueza econômica ao mesmo tempo em que há o aumento

da pobreza em massa; crescimento dos nacionalismos e dos fundamentalismos

religiosos capazes de levar aos conflitos mundiais; catástrofes ecológicas e tecnológicas,

como resultantes de um sistema econômico que visa ao lucro imediato e desconsidera

os riscos ambientais; e, por fim, a exacerbada valorização do conhecimento e dos

processos produtivos, que tem resultado no aumento significativo do desemprego

estrutural em todo o mundo.43

40 DE GIORGI, Raffaele. Direito, democracia e risco : vínculos com o futuro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998. p.231.

41 GUIVANT, Julia. A teoria da sociedade de risco de Ulrich Beck: entre o diagnóstico e a profecia. Estudos Sociedade e Agricultura , n.16, p.102, 2001.

42 BECK, Ulrich. World risk society . Cambridge: Polity Press, 1999. p.2. 43 LEOPOLDO DE CAMPOS, Ginez Rodrigo. Globalização e trabalho na sociedade de risco:

ameaças contemporâneas, resistências local-globais e ação política de enfrentamento. Teoria e Evidência Econômica , Passo Fundo, v.14, n.26, p.142, maio 2006.

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26

1.4 AS NOVAS TECNOLOGIAS ANTE O DIREITO

Falar de tecnologia não pode ser considerado um exercício de futurologia.

No entanto, pode-se afirmar que as inquietações sobre o que nos espera

ocupam lugar de destaque no cenário tecnológico em geral e, por conseqüência, na

literatura jurídica.

A tecnologia surge como o conjunto de conhecimentos que o homem utiliza

para atingir suas metas de natureza econômica, ou seja, aparecem como forma de

lhe propiciar uma rápida satisfação de suas necessidades.44 Por conseqüência, não é

errado afirmar que as inovações tecnológicas possuem o condão de, quase sempre,

determinarem a elevação dos índices de produção industrial, além de um aumento

da produtividade e da competitividade na atividade empresarial.

Na era pós-industrial, o desenvolvimento tecnológico se apresenta como um

fenômeno bastante dinâmico e, de certo modo, imprevisível, o que chama os operadores

do direito a enfrentar e tentar solucionar seus problemas.

Não por outra razão é que Danilo Doneda45 afirma que o verdadeiro problema

[...] não é saber sobre o que o direito deve atuar, mas sim de como interpretar a tecnologia e suas possibilidades em relação aos valores presentes no ordenamento jurídico, mesmo que isto represente uma mudança nos paradigmas do instrumental jurídico utilizado.46

Nessa mesma linha de idéias, Stefano Rodotá, ao discorrer sobre as relações

existentes entre o direito e a tecnologia, admite que "o direito privado foi salvo pela

tecnologia".47

44 BOTELHO, Marcos César. Da propriedade industrial e intelectual. Jus Navigandi , Teresina, ano 6, n.58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3151>. Acesso em: 24 jan. 2008.

45 DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais . Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.54.

46 Ainda nessa linha de idéias, Danilo Doneda afirma que "a tecnologia, potente e onipresente, propõe questões e exige respostas do jurista. Os reflexos desta dinâmica são imediatos no direito, pois ele deve mostrar-se capaz de responder à novidade proposta pela tecnologia com a reafirmação de seu valor fundamental – a pessoa humana – ao mesmo tempo em que fornece a segurança necessária para que haja previsibilidade e segurança devidas para a viabilidade das estruturas econômicas dentro da tábua axiológica constitucional." (Ibidem, p.55).

47 RODOTÀ, Stefano. Lo Spechio do Sthendal. Riflessioni sulle reiflessioni dei privatisti. Revista Critca Del Dirrito Privato , p.5, 1997.

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Isso porque, justamente quando os velhos esquemas do direito pareciam

ameaçados ou influenciados pela força da inovação científica e tecnológica, ressurgiu

uma intensa reflexão sob a pessoa e seus direitos, que se projetaram sobre novos

campos, com a criação de novas categorias.

Para Rodotá, "é exatamente no duro jogo entre regulação e espontaneidade que

renasce a antiga virtude do direito privado, aquela de oferecer, no interior de um campo

jurídico bem definido, amplos espaços para escolhas e para a autonomia individual."48

Inegavelmente, vivemos numa sociedade complexa e em constante mudança,

para a qual os modelos jurídicos tradicionais vêm se mostrando insuficientes, o que

impõe ao direito e aos seus operadores a necessidade de construir novas e adequadas

fórmulas que assegurem a realização da justiça e a segurança da vida em sociedade.

Os problemas que envolvem as novas tecnologias se apresentam ao direito

de modo nada unívoco e dão mostras de que o papel dos operadores do direito não

será nada fácil na busca por soluções.

Exemplificativamente, podemos citar que desde a utilização de técnicas de

manipulação genética para os mais variados fins às implicações do processamento de

informações e dados eletrônicos, espaços até então confinados, tornaram-se públicos,

o que exigiu do direito uma nova postura diante dos problemas relacionados à privaci-

dade e à imagem das pessoas.

De igual modo, no ambiente empresarial, em decorrência do desenvolvimento

tecnológico e científico dos últimos anos, as pesquisas e os investimentos em

conhecimento se avolumaram e, nessa mesma proporção, o número de inventos e

descobertas, o que demanda do Direito não só a sua tutela, como também dele se

exige uma nova forma de regulamentação, de modo a efetivamente proteger os

investimentos despendidos em pesquisa e evitar práticas de concorrência desleal.

No âmbito das relações trabalhistas, mais que a velha questão capital/trabalho,

nos dias correntes, empregados e empregadores discutem temas até então não

levados à mesa de negociação, como os reflexos da automação, da globalização e

da informatização.

48 RODOTÀ, op. cit., p.5.

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28

Hoje, os trabalhadores, pelo acesso que têm ao conjunto de bens imateriais

da empresa, passam a ser objeto de desejo e alvo constante dos concorrentes do seu

empregador, que buscam na sua contratação, além de um trabalho já especializado,

obter informações e dados confidenciais adquiridos em razão do emprego mantido.

Os modelos jurídicos tradicionais se mostraram insuficientes, o que vem exigindo

do jurista uma aplicação do direito em conformidade com os valores axiológicos

previstos na Constituição, assim como impõe aos legisladores, uma mudança da técnica

legislativa, de molde a dotar a legislação infraconstitucional das cláusulas gerais e

conceitos jurídicos indeterminados, ou seja, fórmulas cuja exata definição do sentido

exige a consideração das circunstâncias concretas e da interpretação valorativa do

julgador para serem implementadas.

Conforme ensina Pietro Perlingieri,49 ao lado da técnica de legislar com normas

regulamentares, ou seja, mediante previsões específicas e circunstanciadas, coloca-se

a técnica das cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, por meio da qual

se editam leis que possam assumir características de concreção e individualidade,

que até então eram peculiares aos negócios privados, significando deixar ao juiz

uma maior possibilidade de adaptar a norma às situações de fato.

Essa nova sistemática possibilita a tutela de questões advindas das novas

tecnologias que, na maioria das vezes, são difíceis de serem convertidas em leis ou

integralmente disciplinadas, seja pelas suas constantes e rápidas mudanças, seja

em razão da morosidade do processo legislativo, sempre mais lento e atrasado que

os fatos sociais. 50

49 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil : introdução ao direto civil constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.27.

50 "As cláusulas gerais, mais do que um "caso" da teoria do direito – pois revolucionam a tradicional teoria das fontes – constituem as janelas, pontes e avenidas dos modernos códigos civis. Isto porque conformam o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico codificado, de princípios valorativos, ainda inexpressos legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, de deveres de conduta não previstos legislativamente (e, por vezes, nos casos concretos, também não advindos da autonomia privada), de direitos e deveres configurados segundo os usos do tráfego jurídico, de diretivas econômicas, sociais e políticas, de normas, enfim, constantes de universos meta-jurídicos, viabilizando a sua sistematização e permanente ressistematização no ordenamento positivo". (COSTA, Judith Hofmeister Martins. O direito privado como um "sistema em construção": as cláusulas gerais no projeto do código civil brasileiro. Jus Navigandi , Teresina, ano 4, n.41, maio 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=513>. Acesso em: 15 fev. 2008).

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Para Gustavo Tepedino, as cláusulas gerais são normas que não prescrevem

uma certa conduta, mas, simplesmente, definem valores e parâmetros hermenêuticos e

servem "como ponto de referência interpretativo e oferecem ao intérprete os critérios

axiológicos e os limites para a aplicação de demais disposições normativas".51

Judith Martins Costa, ao discorrer sobre os conceitos jurídicos indeterminados,

assevera que "estes novos tipos de normas buscam a formulação da hipótese legal

mediante o emprego de conceitos cujos termos têm significados intencionalmente

vagos e abertos" o que permite "a incorporação de princípios, diretrizes e máximas

de conduta originalmente estrangeira ao corpus codificado, do que resulta, mediante

a atividade de concreção destes princípios, diretrizes e máximas de conduta, a

constante formulação de novas normas". 52

Em razão disso é que Danilo Doneda afirma caber aos operadores do direito

"a tarefa de atualizar seus paradigmas interpretativos de acordo com uma reflexão

sobre a relação entre o desenvolvimento tecnológico e a pessoa humana, buscando

a harmonização dos poderes privados como elemento fundador desta estrutura".53

Também nesse sentido Francisco Amaral afirma que "vivemos numa sociedade

complexa, pluralista e fragmentada, para a qual os tradicionais modelos jurídicos já

se mostraram insuficientes, impondo-se à ciência do direito a construção de novas e

adequadas 'estruturas jurídicas de resposta'", que permitam a realização da justiça e

da segurança jurídica em uma sociedade em rápido processo de mudança. 54

Com efeito, a verdadeira dificuldade não é saber sobre o que o direito deve

atuar, mas sim como interpretar a tecnologia e as suas inovações em relação aos

valores existentes no ordenamento jurídico, ainda que isso possa representar uma

mudança de paradigmas dentro do sistema jurídico.

51 TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do código civil de 2002. In: _____. A parte geral do novo código civil : estudos na perspectiva civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.19.

52 MARTINS-COSTA, Judith. Boa-fé no direito privado . 2.a tiragem. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2000. p.325.

53 DONEDA, op. cit., p.61. 54 AMARAL, Francisco. O direito civil na pós-modernidade. Revista de Direito Comparado , n.21,

p.5, 2002.

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30

E quando se fala em risco, tal dificuldade se apresenta como um desafio

ainda maior, na medida em que a sociedade contemporânea, embora ciente de que

algumas de suas decisões implicam um risco, muitas vezes prefere assumir os ônus

dessas decisões, ainda que tal possa custar, individual e coletivamente, um preço

alto para a natureza e para a vida em sociedade.

1.5 DOS BENS JURÍDICOS TUTELÁVEIS

Vivemos atualmente num mundo praticamente dominado pelo conhecimento.

A facilidade do acesso às informações decorrentes dos grandes avanços tecnoló-

gicos das últimas décadas e a existência de um mercado cada vez mais globalizado

e dependente fazem com que as empresas reservem uma fatia considerável de seus

orçamentos em pesquisas e na produção do conhecimento por meio do lançamento

de novos produtos, processos e tecnologias que as diferenciem dos concorrentes.

Inegavelmente, o conhecimento e o saber, cada vez mais, vêm se firmando

como um importante diferencial de competitividade e produtividade nas empresas.

As empresas possuem importantes conhecimentos e informações de natureza

comercial e industrial e se esforçam para mantê-los fora do alcance de terceiros, a

fim de se diferenciar de seus concorrentes e melhorar ou consolidar sua posição

no mercado.

Sempre que se reconhece aos seus titulares o direito de exclusividade,

essas informações e conhecimentos gozam de proteções legais. Essa proteção

pode ser direta, expressamente prevista em dispositivos legais, ou ainda decorrer de

cláusulas contratuais.

Quando desconhecido de terceiros, esse conhecimento reservado assume o

nome de segredo, que no campo empresarial é encontrado em áreas e sob denomi-

nações distintas, dentre as quais segredo industrial, segredo de empresa e segredo

de negócio.

Essas modalidades de conhecimento estão diretamente relacionadas com as

dificuldades que as empresas enfrentam no relacionamento que mantêm com seus

colaboradores e empregados durante e, principalmente, após a o término da relação

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contratual, quando é necessário manter e preservar a exclusividade desse conhecimento

de seus concorrentes.

Outra forma de tutela do conhecimento que tem trazido bastante discussão no

âmbito do Direito do Trabalho, diz respeito à tutela dos direitos de patente, dos modelos

de utilidade e dos direitos autorais na relação que as empresas mantêm com

seus empregados.

Isso porque, mesmo decorrendo o direito autoral da atividade inventiva de

pessoas físicas, podem as empresas deter a titularidade de obras e inventos.

1.5.1 Dos Segredos de Empresa e do Know-how

As empresas detêm importantes conhecimentos e informações de natureza

comercial e industrial que as ajudam a se diferenciar umas das outras, seja para

entrar no mercado, seja para disputá-lo ou ainda consolidar sua posição.

Essas informações podem ser compreendidas como: a) os segredos pertencentes

ao setor técnico industrial, como procedimento de fabricação ou práticas manuais, ou

seja, os segredos industriais; b) os segredos relativos ao setor comercial da empresa,

constantes da carteira de clientes, provedores, fornecedores, mais conhecidos como

segredos de negócio; e c) segredos correspondentes a outros aspectos de organização

interna da empresa, como relação entre empresa e empregados, situação financeira,

projetos e políticas adotadas sobre celebração de contratos.55

A primeira questão que se coloca ao se fazer a análise dos segredos relativos

à atividade empresarial vem a ser a sua denominação. A principal dúvida consiste

em saber se é possível falar numa categoria genérica de segredos de empresa.

A esse respeito, Gomes Segade56 assevera ser possível falar numa categoria

única e genérica de segredos de empresa, porque todos os segredos relacionados à

55 DOMINGUES, Douglas Gabriel. Segredo industrial, segredo de empresa: trade secret e know-how e os problemas de segurança nas empresas contemporâneas. Revista Forense , v.85, n.308, p.31, out./dez. 1989.

56 GOMES SEGADE, Antonio. El Secreto Industrial (Know-how) . Madrid: Editora Tecnos, 1974. p.45.

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empresa possuem características em comum, quais sejam, de se manter desconhecidos

de terceiros e dar ao seu possuidor uma diferenciada condição no mercado.

É dizer: independentemente da área da empresa a que se refiram, todas

essas formas de segredo compreendem o segredo de empresa, que consiste "numa

informação comercial ou industrial valiosa que se pretende manter oculta dos

concorrentes ou do conhecimento público diante da sua importância no âmbito

da competitividade".57

Para Regiane T. de Mello João, o segredo de empresa tem sentido amplo

estendendo-se a tudo que se relacione ao modo de produção, organização, dados, informações ou características internas da empresa que a diferencie das demais, tornando seu negócio viável e lucrativo e que, levado ao conhecimento de terceiros, poderia trazer prejuízo ao empregador.58

O principal exemplo de um segredo de empresa é a fórmula do refrigerante

Coca-Cola, tão cobiçado pelas concorrentes da The Coca-Cola Company, mas que

jamais chegou ao conhecimento de outras empresas concorrentes.

Por sua vez, o know-how59 pode ser conceituado como "os conhecimentos

e experiências de natureza técnica, comercial, administrativa, financeira ou outros,

aplicáveis na prática para a exploração de uma empresa ou exercício de uma

profissão"60 e se apresenta como uma situação de fato relacionada à posição de

uma empresa que tem conhecimentos técnicos e de outra natureza que lhe confere

57 PALITOT, Romulo. Revelação de segredos de empresa por quem tem obrigação legal ou contratual de guardar reservas: aplicação na Espanha. Jus Navigandi , Teresina, ano 7, n.79, 20 set. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4312>. Acesso em: 24 jan. 2008.

58 JOÃO, Regiane Teresinha de Mello. Cláusula de não concorrência no contrato de trabalh o. São Paulo: Saraiva, 2003. p.31.

59 Expressão estrangeira, o know how ingressou no Direito Brasileiro por força da Lei n.o 8.955, de 15 de dezembro de 1994, que dispõe: Art. 3.o.XIV - situação do franqueado, após a expiração do contrato de franquia, em relação a: a) know how ou segredo de indústria a que venha ter acesso em função da franquia [...].

60 LABRUNIE, Jacques. A proteção do segredo de negócio. In: SIMÃO FILHO, Adalberto; DE LUCCA, Newton (Coord.). Direito empresarial contemporâneo . 2.ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p.92.

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vantagem na concorrência, seja para entrar no mercado, seja para disputá-lo em

condições favoráveis.61

Freqüentemente utilizado como sinônimo de segredo de empresa, Jaques

Labrunie62 diz que o know-how é gênero do qual segredo é espécie e que nem todo

know-how é secreto, mas todo segredo de empresa constitui um know-how, podendo

outros concorrentes da empresa ter o mesmo segredo e dele fazerem uso, mas não

necessariamente acesso ao know-how.

Além disso, os segredos de empresa podem ser tutelados tanto pela via

contratual como pela via extracontratual.

Para a empresa desenvolver suas atividades, quer do ponto de vista técnico,

quer empresarial ou administrativo, precisa revelar e compartilhar com seus empregados,

senão todos, pelo menos boa parte dos seus segredos e do know-how.

Assim, dependendo da função ou cargo exercidos pelo empregado, o grau de

revelação – disclosure – do segredo ou dos segredos será maior ou menor.

Ilustrativamente, a um mensageiro ou motorista a empresa revelará uma quanti-

dade de dados confidenciais bem menores do que a disponibilizada a um gerente de

produção ou qualidade, por exemplo.

Por sua vez, todo contrato de trabalho presume uma relação de confiança,

cabendo ao empregador, dentre outras obrigações, a do pagamento ao empregado

do salário e contribuições ajustados, bem assim fornecer condições básicas de

trabalho, respeitando as normas de medicina, segurança e saúde previstas na legis-

lação trabalhista.

Já em relação ao empregado, além do dever de comparecimento diário e pontual

para a prestação dos serviços e o cumprimento das determinações do empregador,

cabe-lhe a observância aos deveres de lealdade e não-concorrência ao empregador.

61 Nem sempre a manutenção de uma tecnologia em segredo importa em uso anti-social da propriedade; podem ocorrer razões justificáveis para o segredo. Freqüentemente, o detentor de tais conhecimentos não solicita a exclusividade jurídica de sua utilização porque os conhecimentos de que dispõe não são mais totalmente secretos, ou absolutamente originais; as informações, embora ainda sendo escassas, já está à disposição de outras empresas. Outras vezes, pelo fato de ser legalmente impossível conseguir a patente; outras ainda, por não haver competidores tecnológicos ou econômicos, que o possam ameaçar em sua exclusividade de fato. (Vide WISE, Aaron. Trade Secret & Know how Throughout the World . New York: Clark Boardman Co. Ltd. v.2. p.31).

62 LABRUNIE, op. cit., p.92.

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A par disso, podem as partes, empregado e empregador, estipular no próprio

contrato de trabalho ou em outro instrumento contratual um reforço a este dever de

lealdade e não-concorrência, assim como deixar claro que o empregado está tendo

acesso aos segredos empresariais e, por conta disso, manter a salvo de terceiros

tais informações, inclusive podendo as partes pactuar formas e condições em que

isso se dará.

Da mesma forma, extracontratualmente, está o empregado obrigado a observar

o disposto na legislação, tal como o artigo 482, da CLT,63 que inclui no rol das

hipóteses que constituem justa causa à rescisão do contrato de trabalho por culpa

do empregado "a negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do

empregador e quando constituir ato de concorrência à empresa para qual trabalha o

empregado,ou for prejudicial ao serviço" (alínea "c")64 e a hipótese de "violação de

segredo da empresa" (alínea "g").65

Além disso, o artigo 195, XI, da Lei n.o 9.279/96, tipifica como crime de

concorrência desleal o ato do empregado que "divulga, explora ou utiliza-se, sem

63 Art. 482. Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: [...] omissis c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando

construir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;

g) violação de segredo da empresa; 64 SÃO PAULO, Tribunal Regional do Trabalho da 2.a Região, 11.a Turma, processo n.o 01230200608402002,

Relatora Desembragadora Dora Vaz Treviño. Publicado no DOESP do dia 03.06.2008, ementa: "JUSTA CAUSA – CONCORRÊNCIA DESLEAL – CLT, ARTIGO 482, "C" – "Independentemente

das demais provas existentes nos autos, a confissão do autor manifestada em Juízo, é suficiente para o recolhimento da justa causa aplicada, posto que, no exercício da função de desenvolvimento e implantação de sistemas, detinha, de forma privilegiada, informações que, por força de termo de responsabilidade e confidencialidade firmado, não podia utilizar-se. Muito menos com o objetivo de constituir empresa com igual ramo de atividade da ré. Não importa a prova de efetivoprejuízo, bastando ficar demonstrado dano potencial, decorrente da possibilidade de desviar clientes da empregadora para a empresa da qual é titular. Recurso ordinário do obreiro a que se nega provimento."

65 SÃO PAULO, Tribunal Regional do Trabalho da 15.a Região, 1.a Turma, processo n.o 29388/98, Relator Juiz Eduardo Benedito de Oliveira Zanella. Publicado no DOESP do dia 18.01.2000, ementa:

"JUSTA CAUSA - VIOLAÇÃO DE SEGREDO DA EMPRESA - CONCORRÊNCIA DESLEAL - Caracteriza justa causa por violação de segredo da empresa e concorrência desleal à prática de atos consistentes em apropriação e comercialização irregular de programas de informática desenvolvidos pela empresa."

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autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, [...] a que teve

acesso mediante acesso contratual ou relação empregatícia, mesmo após o término

do contrato".66

No entanto, apesar da tutela contratual e extracontratual desses segredos nas

esferas penal e trabalhista, o que se tem observado é que as empresas têm tido

dificuldade de resguardá-los, principalmente quando o empregado, após a rescisão

contratual, passa a prestar serviços na mesma área, para um concorrente do seu ex-

empregador ou se vale do acesso a essas informações para negociar uma melhor

condição em outras empresas.

1.5.2 Dos Direitos de Patente, de Modelos de Utilidade e de Autor

A tutela dos direitos de patente, dos modelos de utilidade e dos direitos

autorais na relação de emprego é outro assunto que tem exigido bastante reflexão

por parte dos operadores do direito.

Embora decorram precipuamente da atividade inventiva de pessoas físicas, as

empresas podem deter a titularidade de inventos, modelos de utilidade e obras, como

no caso da contratação de empregados com essa finalidade (v.g. um profissional de

TI contratado para desenvolver um software), nas hipóteses de obras coletivas ou

encomendadas, ou ainda, mediante o direito de exploração econômica desses bens

imateriais, por meio das formas autorizadas em lei.

O direito de patente consiste na concessão de um privilégio temporário a um

titular, de excluir os outros da invenção nova e útil, suscetível de trazer benefícios

à sociedade.67

66 Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: [...] omissis XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados

confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. 67 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial . 9.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p.136.

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Já o modelo de utilidade é todo o objeto de uso prático, suscetível de aplicação

industrial, que apresente nova forma ou disposição resultante de ato inventivo, que

resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação.68

Os direitos de patente e de modelo de utilidade estão regrados na Lei

n.o 9.279/96, que, em seu capítulo XIV, regula os direitos que decorrem da prestação

de serviços.

O artigo 88 da Lei n.o 9.279/96 estabelece como regra geral que:

a invenção e o modelo de utilidade pertencem exclusivamente ao empregador quando decorrerem de contrato de trabalho cuja execução ocorrer no Brasil e que tenha por objeto a pesquisa ou atividade inventiva, ou resulte esta da natureza dos serviços para os quais foi o empregado contratado.

Esse dispositivo legal, em seu parágrafo 2.o, criou, inclusive, uma presunção de

que a invenção ou modelo de utilidade cuja patente for requerida até um ano após a

extinção do vínculo empregatício pertence ao empregador.69

De igual modo, o direito autoral – privilégio temporário conferido a um autor

ou artista com o objetivo de evitar que outras pessoas comercializem cópias de sua

expressão criativa70 – apesar de ser próprio por natureza de pessoas físicas, pode

ocorrer no âmbito de pessoas jurídicas.

As empresas podem deter a titularidade de obras, o que se dá, na maioria das

vezes, por meio da obra coletiva – que é criada por ordem e direção de uma pessoa

física ou jurídica e na qual a participação dos colaboradores não pode ser individua-

lizada – ou pela obra encomendada – que é criada por solicitação de uma pessoa física

ou jurídica, que fornece e orienta o tema e cujo pagamento prevê a transferência dos

direitos patrimoniais para quem a encomendou.

68 COELHO, op. cit., p.137. 69 Art. 88. A invenção e o modelo de utilidade pertencem exclusivamente ao empregador quando

decorrerem de contrato de trabalho cuja execução ocorra no Brasil e que tenha por objeto a pesquisa ou a atividade inventiva, ou resulte esta da natureza dos serviços para os quais foi o empregado contratado.

§ 1.o Salvo expressa disposição contratual em contrário, a retribuição pelo trabalho a que se refere este artigo limita-se ao salário ajustado.

§ 2.o Salvo prova em contrário, consideram-se desenvolvidos na vigência do contrato a invenção ou o modelo de utilidade, cuja patente seja requerida pelo empregado até 1 (um) ano após a extinção do vínculo empregatício.

70 BITTAR, Carlos Alberto. Contornos do direito de autor . Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1992. p.31.

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A esse respeito, o magistério de Carlos Alberto Bittar:

De fato, há muito prospera a teoria realista na concepção da pessoa jurídica que a entende, pois, como ator no cenário jurídico, e suscetível, em conse-qüência, de ser titular de direitos e obrigações na vida privada. Ora, desses direitos são reconhecidos à pessoa jurídica – como, ademais, à pessoa natural, os de natureza incorpórea, como direitos ao nome, à honra, à imagem, daí por que nenhum óbice se lhe pode antepor à sua titularidade no plano autoral, desde que concorram os pressupostos de direito. Óbvio que o fenômeno físico da criação se plasmará sob a ação de executores (pessoas físicas), como, de resto, qualquer outra ação no mundo material [...]71

Na legislação brasileira, os direitos autorais estão regulamentados por dois

diplomas legais. A Lei n.o 9.609/98 trata especificamente dos programas de computador

e a Lei n.o 9.610/98 estabelece regras gerais sobre os direitos de autor.

A Lei n.o 9.609/98, dentre outros aspectos, disciplina a criação do direito autoral

sobre o programa de computador criado pelo empregado durante a vigência do contrato

de trabalho.

No caput do artigo 4.o, quando a criação do programa de computador resultar

de acerto contratual ou decorrência das atividades inerentes à própria natureza dos

encargos do empregado, o programa pertencerá ao empregador. 72

Será, contudo, de propriedade do empregado, a teor do § 2.o, do mesmo

artigo 4.o, se a criação não resulta do contrato de emprego e não é fruto da utilização

dos recursos, informações tecnológicas, segredos da empresa, materiais, equipamentos

do empregador. 73

71 BITTAR, op. cit., p.61. 72 Art. 4.o, da Lei n.o 9.609/1998: "Salvo estipulação em contrário, pertencerão exclusivamente ao

empregador, contratante de serviços ou órgão público, os direitos relativos ao programa de computador, desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato ou de vínculo estatutário, expressamente destinado à pesquisa e desenvolvimento, ou em que a atividade do empregado, contratado de serviço ou servidor seja prevista, ou ainda, que decorra da própria natureza dos encargos concernentes a esses vínculos.

§ 1.o Ressalvado ajuste em contrário, a compensação do trabalho ou serviço prestado limitar-se-á à remuneração ou ao salário convencionado."

73 "§ 2.o Pertencerão, com exclusividade, ao empregado, contratado de serviço ou servidor os direitos concernentes a programa de computador gerado sem relação com o contrato de trabalho, prestação de serviços ou vínculo estatutário, e sem a utilização de recursos, informações tecnológicas, segredos industriais e de negócios, materiais, instalações ou equipamentos do empregador, da empresa ou entidade com a qual o empregador mantenha contrato de prestação de serviços ou assemelhados, do contratante de serviços ou órgão público."

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Mesmo não dando o legislador igual tratamento aos demais direitos autorais

que podem resultar de atividade intelectual do empregado, não se observa maiores

dificuldades de sua tutela, até mesmo em face da possibilidade de aplicação analógica

do disposto nos artigos 88, da Lei n.o 9.279/96, e 4.o, da Lei n.o 9.609/98.

No entanto, muitas vezes, na prática, pode-se verificar que tais dispositivos

legais, por si só, não inibem o integral resguardo desses bens imateriais, tampouco a

tentação que têm certos empregados de, uma vez assediados pelos concorrentes,

valerem-se dos segredos de empresa e do acesso aos bens imateriais que tiveram

em razão do contrato mantido com o seu empregador, para negociarem a sua

transferência a outra empresa e, principalmente, numa melhor condição profissional.

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2 LIMITES DA CONCORRÊNCIA APÓS A EXTINÇÃO DO CONTRA TO DE

TRABALHO

O grande desenvolvimento tecnológico e as novas técnicas de produção, aliados

ao sistema de alta competitividade entre as empresas e os próprios empregados,

sujeitos às conseqüências do fenômeno da globalização, implicaram grandes transfor-

mações na organização da empresa.

E dentro dessa estrutura de integração com as novas formas de conhecimento,

muitos empregados têm hoje amplo e fácil acesso às informações e aos segredos de

empresa, até então restritos a um número muito pequeno de pessoas.

O empregado, ao trabalhar numa empresa, normalmente quando exerce função

técnica altamente especializada, pode tomar conhecimento de segredos de indústria

e de comércio da empresa e até mesmo da própria clientela do seu empregador.

O problema da não-concorrência do empregado ao seu empregador durante a

constância do contrato de trabalho, a princípio, não encontra maiores dificuldades,

na medida em que a legislação pátria põe à disposição dos empregadores meios de

impedir tal concorrência, como nos casos disciplinados na legislação trabalhista de

dispensa por justa causa por concorrência desleal e violação de segredo de empresa.

Além dessas possibilidades, consoante preconiza o parágrafo primeiro, do

artigo 462 da CLT,74 a empresa pode exigir do empregado a reparação do prejuízo

causado ao empregador,75 sem contar serem deveres ínsitos ao contrato de trabalho

a lealdade, o sigilo e a não-concorrência.

O problema surge, no entanto, quando a obrigação de não-concorrência se projeta

para após o término do contrato de trabalho, havendo dúvidas doutrinárias e jurispru-

denciais a respeito da validade de tais convenções estipuladas pelas partes contratantes.

74 Art. 462/CLT. "Ao empregador é vetado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de Lei ou de contrato coletivo.

§ 1.o Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado".

75 PARÁ, Tribunal Regional do Trabalho da 8.a Região, processo RO 4140/2002, Relator Juiz Convocado Luis José de Jesus Ribeiro, publicado no DJ de 19.11.2002, ementa:

"DESCONTOS – DANOS CAUSADOS PELO EMPREGADO – Em caso de dano causado pelo empregado, previsto no contrato individual e na convenção coletiva de trabalho, fica a empresa autorizada a efetivar o desconto da importância correspondente ao prejuízo. Inteligência do § 1.o do artigo 462 da Consolidação das Leis do Trabalho."

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40

Uma das principais formas utilizadas pelo empregador para tentar resguardar seu

patrimônio material e imaterial vem a ser a estipulação de cláusulas de não-concor-

rência ou de sigilo, com efeitos durante e, principalmente, após a extinção contratual.

2.1 CONCEITO DE CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA

Muito freqüente no campo do direito empresarial, mais especificamente nos

contratos de sociedade e de compra e venda, a cláusula de não-concorrência é algo

recente no Direito do Trabalho, sendo também denominada "cláusula de proibição

negocial de não-concorrência", "cláusula de sigilo ou confidencialidade" ou ainda

"cláusula de não restabelecimento".76

Nas palavras de Regiane T. de Mello João "a cláusula de não-concorrência

consiste na pactuação da abstenção do empregado de ativar-se por conta própria ou

para outro empregador, em atividade igual ou semelhante, após o contrato de trabalho".77

Para Ari Beltran,

pode-se conceituar como de não- concorrência a obrigação em virtude da qual o empregado se compromete, mediante remuneração, a não praticar, por conta própria ou alheia, após a vigência do contrato de trabalho, ação que implique desvio de clientela de seu antigo empregador.78

Oris de Oliveira, por sua vez, apresenta conceituação de grande conteúdo

técnico-doutrinário, dizendo de não-concorrência

a obrigação em virtude da qual o empregado se compromete, mediante remuneração, a não praticar, por conta própria ou alheia, após a vigência do contrato de trabalho, dentro de limites de objeto, tempo e espaço, ação que implique desvio de clientela de seu empregador, sob pena de responder por perdas e danos.79

76 JOÃO, op. cit., p.33. 77 Ibidem, p.33. 78 BELTRAN, Ari Possidonio. Dilemas do trabalho e emprego na atualidade . São Paulo, Ltr, 2001.

p.140-141. 79 OLIVEIRA, Oris de. A exclusão da concorrência no contrato de trabalho . 1982. Tese

(Doutoramento) – na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1982. p.237.

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41

Em outros termos, seria a obrigação assumida pelo empregado para ser

cumprida durante e principalmente após a extinção do contrato de trabalho, por meio da

qual se compromete, mediante remuneração e desde que observadas certas condições

de objeto, tempo e espaço, a não praticar atos que impliquem concorrência, desvio

de clientela ou ainda prejuízos diretos ou indiretos a seu antigo empregador, por

informações obtidas em razão do contrato de trabalho.

Para o jurista português Pedro Romano Martinez,80 essa restrição à liberdade

de trabalho se justificaria de modo especial em algumas atividades e profissões,

principalmente naquelas relacionadas a segmentos empresariais com acentuada

concorrência e grande necessidade de preparação técnica dos trabalhadores.

Assim, pode se depreender claramente que a cláusula de não-concorrência tem

por objeto uma obrigação negativa consistente em um não-fazer por parte do empregado,

com tolhimento transitório da liberdade de trabalho, em determinada região geográfica,

por certo período de tempo, em funções idênticas ou semelhantes àquelas exercidas

durante a vigência do contrato de trabalho mantido com o antigo empregador.

2.2 ADMISSIBILIDADE DA CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA

Os ideais de liberdade propugnados pela Revolução Francesa e a exploração

da classe trabalhadora a partir da Revolução Industrial, somados à incapacidade de

trabalhadores e empregadores de alcançarem uma solução negociada duradoura

para os conflitos sociais, levaram o Estado a interferir nas relações trabalhistas

mediante a promulgação de Constituições e Leis que assegurassem limites mínimos

de tutela do trabalho.81

80 MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do trabalho : contrato de trabalho. 3.ed. Lisboa: Pedro Ferreira, 1999. v.2. p.7.

81 No início do século XX, houve a constitucionalização inédita de direitos sociais e trabalhistas (a Carta do México em 1917 limitou a jornada de trabalho, protegeu a maternidade, vedou o trabalho noturno aos menores, entre outros direitos), assim como a intervenção na atividade econômica (Constituição de Weimar, em 1919).

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Essa interferência do Poder Estatal nas relações de trabalho em alguns países

e, em especial no Brasil, teve por reflexo a consolidação do Direito do Trabalho a partir

de normas de origem estatal, decorrentes de uma constante atividade legislativa ao

longo dos anos, o que deixou pouca margem para a atuação direta entre as partes

ou via negociação coletiva.82

A velocidade das transformações sociais e nas relações de trabalho, sem o

correspondente acompanhamento do processo legislativo, pode criar situações em

que a ausência de autorização legal acaba por acentuar um conflito, simplesmente

em razão da resistência dos atores sociais em preencher os vácuos legais por outras

formas que não de nova norma legal, o que se mostra bastante presente no Direito

do Trabalho brasileiro.83

Exemplo típico da influência que o positivismo jurídico exerce no âmbito das

relações de trabalho aparece quando se discute a admissibilidade da pactuação das

cláusulas de não-concorrência.

Num primeiro momento, a ausência de norma específica que regulamente as

cláusulas de não-concorrência no Direito do Trabalho pode remeter à idéia inicial de

impossibilidade de sua estipulação, rejeição essa, fundada na maioria das vezes, na

presunção da necessidade de proteção ao empregado que, por ser considerado

hipossuficiente na relação jurídico-trabalhista, poderia ser considerado incapaz de

pactuar direta e livremente com seu empregador certas condições e cláusulas.84

Não obstante inexista expressa previsão legal que autorize a pactuação da

cláusula de não-concorrência no direito brasileiro, o ordenamento jurídico pátrio dispõe

de normas legais que, se analisadas em conjunto, dão lugar ao entendimento de que a

cláusula de não-concorrência pode, sim, ser estipulada entre empregado e empregador.

82 JOÃO, op. cit., p.34. 83 Idem. 84 Para Regiane Teresinha de Mello João, "a necessidade de benção legal leva muitos à inversão da

lógica jurídica de que tudo o que não proibido é permitido para a interpretação de que tudo o que não é expressamente permitido é proibido". (Idem).

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O ponto de partida para que se entenda pela licitude de cláusula desta

natureza decorre da regra geral que constava do artigo 115 do Código Civil de 1916,

atualmente tratada no artigo 122 do Código Civil de 2002 e que dispõe que

"são lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou

aos bons costumes..."

Portanto, não havendo vedação expressa a respeito, a princípio a cláusula

seria lícita.

Mais, a possibilidade de empregado e empregador pactuarem a inclusão de

cláusula de não-concorrência no contrato de trabalho é corroborada pelo artigo 444,

da CLT, que prevê que:

as relações contratuais podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhe sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Assim, levando-se em conta que as normas coletivas geralmente não tratam

do assunto, não versando a cláusula de não-concorrência sobre normas de proteção

e segurança do trabalho e, ainda, não se tratando também de disposição que

dependa de decisão de autoridade competente, a teor do artigo 444, da CLT, tem-se

por perfeitamente pactuável referida cláusula.

No entanto, ao se apreciar a validade da cláusula de não-concorrência à luz

do disposto no artigo 444 da CLT, é bastante comum a confusão com a limitação

constante do princípio constitucional da liberdade de trabalho85 e a restrição sobre

normas de proteção ao trabalho.86

Num dos únicos casos em que o Supremo Tribunal Federal teve oportunidade

de se manifestar, julgando questão semelhante sob a égide da Constituição de 1967

85 Art. 5o,, inciso XIII, da CF/88: "É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer."

86 "Constitui-se em interpretação razoável do disposto no art. 444 da CLT, o entendimento segundo o qual não passa pelo crivo da liberdade de trabalho cláusula que encerre proibição de o empregado, uma vez desligado da empresa, formalizar ajuste com outra empresa que se dedique ao mesmo ramo de comércio." Tribunal Superior do Trabalho, Pleno, proc. Ag - E – RR 7233/84. DJ 175/86, Relator Ministro Marco Aurélio Mello. (In Repertório de jurisprudência trabalhista, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1989, v. 6, ementa 1692. p.391)

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e apreciando o parágrafo 23, do artigo 15387 – bastante semelhante ao artigo 5.o,

XIII, da atual Carta Magna – proferiu decisão que manteve a invalidade da cláusula

por entender ter havido violação à liberdade de trabalho.88

No entanto, a liberdade de trabalho não é absoluta e, como qualquer outro

princípio, deve ser entendida em harmonia com os demais preceitos constitucionais.

Arnold Wald e Alberto Xavier afirmam que o princípio da liberdade de trabalho

seria ofendido somente "se estipulassem que alguém não poderia trabalhar em

qualquer setor de atividade, em qualquer lugar e para o sempre. Mas obviamente,

essa liberdade não é atingida se a restrição é temporária, livremente consentida e

justamente retribuída".89

Também nesse sentido Carlos Henrique Bezerra Leite menciona que as cláusulas

de não-concorrência não violam o princípio que assegura a liberdade do exercício de

qualquer trabalho (CF, art. 5.o, XIII), "na medida em que o próprio dispositivo, em sua

parte final, fixa limitações ao princípio, ao mencionar 'atendidas as qualificações

profissionais que a lei estabelecer'". 90

Por outro lado, não se pode olvidar de que o trabalhador não estará impedido

de exercer seu ofício, trabalho ou profissão em outras atividades que não impliquem

concorrência em relação ao ex-empregador.

Dentre as inúmeras tentativas de criação de um Código do Trabalho no Brasil,

em ao menos três oportunidades a questão da cláusula de não-concorrência foi

acrescida às normas relativas ao contrato individual de trabalho.91

O artigo 381 do anteprojeto de Código do Trabalho de Evaristo de Moraes Filho,

de 1963, e o anteprojeto do Código do Trabalho de 1965, cuja comissão era formada

87 Artigo 153, par. 23, da Constituição de 1967: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer"

88 Brasil. Supremo Tribunal Federal, RE 67.653, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, DJ 3.11.70, p.5.294. Ementa: "Liberdade de trabalho. Cláusula pela qual o empregado, que fez cursos técnicos às

expensas do empregador, obrigou-se a não servir a qualquer empresa concorrente nos 5 anos seguintes, ao fim do contrato. Não viola o artigo 153, § 23 da Constituição o acórdão que declarou inválida tal avença."

89 WALD, Arnoldo; XAVIER, Alberto. Pacto de não concorrência: validade e seus efeitos no direito brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 70, v. 552, p.32, 1981.

90 BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Contrato de trabalho e cláusula de não concorrência . Procuradoria Regional do Trabalho da 17.a Região – Artigos. Disponível em: <http://www.prt17.mpt.gov.br/n_nconcor.html#N_11_ >. Acesso em: 29 set. 2008.

91 JOÃO, op. cit., p.37.

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por Mozart Victor Russomano, Evaristo de Moraes Filho e José Martins Catharino,

tratavam do "pacto de exclusão de concorrência".

O artigo 381 exigia que o tal "pacto de exclusão de concorrência" deveria ser

celebrado por escrito, dele constando uma indenização ou compensação mensal

durante o prazo de vigência a favor do empregado e conforme certos limites de objeto,

tempo e lugar.92

De igual modo, o Anteprojeto de Consolidação das Leis do Trabalho de 1979,

no artigo 26 praticamente repetia o conteúdo do artigo 381 do anteprojeto de Código

do Trabalho de Evaristo de Moraes Filho.93

Em todos os anteprojetos de 1963, 1965 e 1979, as justificativas remetiam à

garantia constitucional de liberdade de trabalho, porém em harmonia com os princípios

da concorrência livre e leal, fundamentando, ainda, a previsão da cláusula de não-

concorrência pela adoção em outros países, desde que atendidos certos requisitos

de prazo, objeto e região e o estabelecimento de indenização pecuniária em prol

do trabalhador.94

Atualmente, tramita no Senado Federal, o Projeto de lei n.o 16/2007,95 de

autoria do Senador Marcelo Crivela, que cria o "Acordo de Proteção de Informações

Sigilosas, adjeto ao contrato de trabalho, para a proteção de segredo comercial e de

informações confidenciais e regulamenta sua aplicação" (ver Anexo A).

92 Art. 381. O pacto de exclusão de concorrência celebrado entre empregado e empregador é nulo de pleno direito se não for celebrado por escrito, dele constando uma indenização ou compensação mensal durante o prazo de vigência a favor do empregado e conforme certos limites de objeto, tempo e lugar.

§ 1.o A duração do compromisso não poderá ser superior a 4 (quatro) anos para dirigentes e 2 (dois) anos nos demais casos.

§ 2.o O objeto do compromisso deve cingir-se ao desempenho de funções iguais ou análogas às exercidas anteriormente, dentro de uma área geográfica, tudo de maneira a não anular a liberdade de trabalho, assegurada no art. 2o deste Código.

93 Art. 26. É válido o pacto de exclusão de concorrência, desde que celebrado por escrito, por período não superior a dois anos, e dele conste uma compensação mensal em favor do empregado durante a sua vigência.

Parágrafo único. O pacto deverá cingir-se ao desempenho das mesmas funções exercidas anteriormente e limitar-se a determinada área geográfica.

94 JOÃO, op. cit., p.37. 95 Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=79863>.

Acesso em: 02 maio 2008.

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Dentre os seus dispositivos, merecem destaque os seguintes artigos:

- artigo 1.o, que autoriza a estipulação do "pacto" a qualquer momento; - artigo 3.o que prevê a necessidade de se delimitar de forma precisa, quais

segredos e informações serão objeto de proteção; - artigo 4.o que dispõe acerca da necessidade da cláusula ser estipulada

individualmente, vedada sua adoção por Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho;

- o artigo 7.o que autoriza o empregador pleitear judicialmente a dissolução do contrato de trabalho formado contrariamente aos termos do Acordo de Proteção de Informações Sigilosas, sem prejuízo da responsabilidade civil do novo empregador pelos danos ocorridos;

- artigo 8.o, que nas ações referentes ao cumprimento ou à dissolução do Acordo de Proteção de Informações Sigilosas dispõe que o Juiz deverá levar em conta: I - a existência de dano econômico e moral ao empregador; II - a liberdade de exercício do trabalho; III - o interesse econômico e social da coletividade.

Além disso, havendo omissão sobre o assunto na nossa legislação, o artigo 8.o

da Consolidação das Leis do Trabalho96 autoriza a aplicação do direito comparado,

desde que o interesse particular não prevaleça sobre o interesse público.

Apesar de o direito comparado ser objeto de reflexão com maior vagar em tópico

próprio, por ora, vale destacar o exemplo de Portugal.

Em Portugal, a Lei n.o 99/2003, de 27 de agosto, que instituiu o Código do

Trabalho Português, prevê em seu artigo 146, a possibilidade de estipulação do

chamado "pacto de não concorrência", que deverá ser necessariamente escrito, com

duração máxima de dois anos, salvo para aqueles trabalhadores com cargo de

confiança ou que tenham tido acesso às informações confidenciais, quando então o

prazo de duração poderá ser aumentado para três anos. 97

96 Art. 8.o - "As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público."

97 Artigo 146. Pacto de não concorrência "1 - São nulas as cláusulas dos contratos de trabalho e de instrumento de regulamentação colectiva

de trabalho que, por qualquer forma, possam prejudicar o exercício da liberdade de trabalho, após a cessação do contrato.

2 - É lícita, porém, a cláusula pela qual se limite a actividade do trabalhador no período máximo de dois anos subsequentes à cessação do contrato de trabalho, se ocorrerem cumulativamente as seguintes condições:

a) Constar tal cláusula, por forma escrita, do contrato de trabalho ou do acordo de cessação deste; b) Tratar-se de actividade cujo exercício possa efectivamente causar prejuízo ao empregador;

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Outras particularidades expressamente previstas e relacionadas à licitude

desse "pacto de não concorrência" dizem respeito à obrigatoriedade de se instituir

uma compensação financeira durante o período da limitação e a necessidade de que

seja estipulado em atividades que possam representar risco efetivo ao empregador.

A proteção à liberdade de trabalho presente na legislação portuguesa é muito

mais explícita e efetiva que aquela que alguns juristas pretendem emprestar ao

artigo 5.o, XIII, da Lei Maior brasileira.98

Ainda assim, Portugal se apresenta como modelo de ordenamento jurídico que,

apesar de considerar expressamente nula qualquer cláusula de não-concorrência

celebrada mediante acordo individual ou coletivo de trabalho que possam prejudicar o

exercício da liberdade de trabalho, reconhece a validade da celebração de instrumento

contratual nesse sentido.99

No entanto, nem seria o caso de se socorrer do direito comparado para se

reconhecer, no Brasil, a viabilidade de estipulação de cláusula de não-concorrência,

cujos efeitos se projetam para após a extinção do contrato de trabalho.

Para Regiane T. de Mello João, as cláusulas de exclusão de concorrência

estipuladas para viger após o contrato de trabalho "se caracterizam como convenção

entre empregado e empregador para expandir os efeitos do art. 482, c e g, bem

como se encontram em harmonia com o disposto no art. 195, IX, X e XI, da Lei

n.o 9.279/96".100

c) Atribuir-se ao trabalhador uma compensação durante o período de limitação da sua actividade,

que pode sofrer redução equitativa quando o empregador houver despendido somas avultadas com a sua formação profissional.

3 - Em caso de despedimento declarado ilícito ou de resolução com justa causa pelo trabalhador com fundamento em acto ilícito do empregador o montante referido na alínea c) do número anterior é elevado até ao equivalente à retribuição base devida no momento da cessação do contrato, sob pena de não poder ser invocada a cláusula de não concorrência.

4 - São deduzidas no montante da compensação referida no número anterior as importâncias percebidas pelo trabalhador no exercício de qualquer actividade profissional iniciada após a cessação do contrato de trabalho até ao montante fixado nos termos da alínea c) do n.o 2.

5 - Tratando-se de trabalhador afecto ao exercício de actividades cuja natureza suponha especial relação de confiança ou com acesso a informação particularmente sensível no plano da concorrência, a limitação a que se refere o n.o 2 pode ser prolongada até três anos." (CÓDIGO do trabalho. Coimbra: Almedina, 2006. p.58).

98 RODRIGUES REVEZ, José Cândido. Noções fundamentais de direito do trabalho . Portugal: Beja, 2000. p.322.

99 JOÃO, op. cit., p.36/37. 100 Ibidem, 37.

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Além disso, de acordo com Egon Gottschalk, a repressão à concorrência

desleal se impõe também por força da Convenção da União de Paris, ratificada pelo

Brasil em 1975.101

No Brasil, apesar de poucos casos já terem chegado à apreciação do Poder

Judiciário, alguns, inclusive, inadmitindo as cláusulas de não-concorrência cujos efeitos

se projetam para depois de extinto o contrato,102 a tendência é que apontem pela

validade da cláusula, desde que cumpridas as condições de tempo, espaço e objeto,

com o ajuste de compensação financeira.103

Portanto, mesmo sendo a legislação trabalhista omissa a respeito, a jurispru-

dência e a doutrina brasileira vêm entendendo pela validade da pactuação da cláusula

de não-concorrência, desde que observadas às seguintes condições: a) a cláusula

contenha limitações temporal,104 espacial e no tocante à atividade que será proibida

ou limitada; b) deve haver um interesse legítimo da empregadora, atendendo-se

aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, não podendo ser estipulada para

as funções que não demandem restrição, tais como funções administrativas; e

101 GOTTSCHALK, Egon Felix. A cláusula de não-concorrência nos contratos individuais do trabalho. Ltr , São Paulo, ano 34, p.782, nov. 1970.

102 SÃO PAULO, Tribunal Regional do Trabalho da 2.a Região, 8.a Turma. Processo RO 2001048710, Relator Juiz José Carlos da Silva Arouca, publicado no DOESP do dia 05.03.2002, ementa:

"CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA – CUMPRIMENTO APÓS A RESCISÃO CONTRATUAL – ILEGALIDADE – A ordem econômica é fundada, também, na valorização do trabalho, tendo por fim assegurar a todos existência digna, observando dentre outros princípios a busca do pleno emprego. Pelo menos, assim está escrito no art. 170, inciso VIII, da Constituição. O art. 6.o do diploma deu ao trabalho grandeza fundamental. A força de trabalho é o bem retribuído com o salário e assim meio indispensável ao sustento próprio e familiar, tanto que a ordem social tem nele o primado para alcançar o bem-estar e a justiça sociais. Finalmente, o contrato de trabalho contempla direitos e obrigações que se encerram com sua extinção. Por tudo, cláusula de não concorrência que se projeta para após a rescisão contratual é nula de pleno direito, a teor do que estabelece o art. 9.o da Consolidação das Leis do Trabalho."

"CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA. NULIDADE. Nula cláusula de não-concorrência que impede o exercício de profissão, tendo em vista a vastidão das atividades do ex-empregador, sem a devida indenização expressiva pelo período de vigência da referida cláusula." (TRT - 2.a Região, proc. 2570/2003/045/002/005, 5.a Turma, Rel. Juiz Fernando Antonio Sampaio da Silva, DJSP 16/03/2007) Revista de Direito do Trabalho, Editora Revista dos Tribunais, ano 33, v.127, p.302.

103 "CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA. VALIDADE. A cláusula de não-concorrência foi estabelecida por tempo razoável e houve pagamento de indenização. Logo, está dentro dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. É, portanto, considerada válida. Não há dano moral a ser reparado." RO 2003.03.10762, TRT 2.a Região, Rel. Juiz Sergio Pinto Martins (Revista LTr, São Paulo: LTr, v.68, p.854, julho de 2004).

104 Há quem defenda que diante da ausência de previsão legal expressa dispondo acerca da duração da quarentena, aplicar-se-ia o prazo de dois anos previsto para os contratos por prazo determinado, previsto na CLT. (ARAUJO, Francisco Rossal de. A boa-fé no contrato de emprego . São Paulo: LTr, 1996. p.263)

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c) o empregado deve ter uma compensação financeira diante da limitação contratual

(geralmente o valor do último salário multiplicado pelo prazo de não-concorrência,

que pode ser pago ao término do contrato de trabalho ou mensalmente durante

referido prazo).105

Assim, o empregado estará livre para o exercício de quaisquer atividades não

constantes da limitação pactuada na cláusula de não-concorrência e a vedação atinge,

e não gratuitamente, o "não concorrer", pactuando-se, como definiu Ari Beltran106,

uma "espera remunerada".

A existência da compensação financeira para fazer frente ao período de vigência

da cláusula vem sendo considerada pela jurisprudência como imprescindível à licitude

da pactuação:

CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA. NULIDADE. Nula cláusula de não-concorrência que impede o exercício de profissão, tendo em vista a vastidão das atividades do ex-empregador, sem a devida indenização expressiva pelo período de vigência da referida cláusula.107

Desse modo, tendo por parâmetro o artigo 122 do Código Civil de 2002, os

artigos 8.o e 444 da CLT, pode-se concluir pela licitude da estipulação da cláusula de

não-concorrência com efeitos pós-contratuais, desde que observados certos requisitos

específicos, como alguns adotados pelas legislações de outros países, que exigem

limitações temporais, de objeto, região geográfica e, ainda, a existência de um legítimo

interesse do empregador a ser resguardado.

2.3 DO DIREITO COMPARADO

Como não há disposição legal expressa autorizando a pactuação das cláusulas

de não-concorrência no Direito do Trabalho brasileiro, a sua abordagem no direito

105 Para o jurista português Antonio Monteiro Fernandes essa compensação financeira é chamada de contravalor de um trabalho que o trabalhador fica privado de prestar. (FERNANDES, Antonio Monteiro. Direito do trabalho . 12.ed. Coimbra: Almedina, 2004. p.612)

106 BELTRAN, op. cit., p.146. 107 SÃO PAULO, Tribunal Regional da 2.a Região, proc. 2570/2003/045/002/005, Relator Juiz Fernando

Antonio Sampaio da Silva, publicado no DJSP de 16/03/2007.

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50

estrangeiro se mostra de grande valia para o balizamento de critérios e parâmetros

na sua estipulação no âmbito das relações de trabalho brasileiras.

Por questões didáticas, serão catalogados os casos de países que apresentam

em seu ordenamento jurídico expressa previsão legal das cláusulas de não-concor-

rência, como Portugal, Espanha e Itália, outros que aceitam a pactuação por força

de negociação coletiva, como a França, e, ainda, países que adotam um sistema misto

de previsão legal e dos usos e costumes, como os Estados Unidos.

2.3.1 Cláusulas de Não-Concorrência Decorrentes de Regulação Legal

Como já mencionado, o Código do Trabalho Português prevê em seu artigo 146

a possibilidade de estipulação do "pacto de não concorrência", que deverá ser

necessariamente escrito, com duração máxima de dois anos.

Para os trabalhadores com cargo de confiança ou que tenham tido acesso às

informações confidenciais, o prazo de duração poderá ser aumentado para três anos,

devendo ser instituída uma compensação financeira durante o período da limitação.

De igual modo, o Código do Trabalho Português também prevê, no seu

artigo 147,108 a possibilidade de estipulação do "pacto de permanência" por meio do

qual as partes convencionam, sem a diminuição dos salários, a obrigatoriedade de

prestação de serviço durante certo prazo, não superior a três anos, como compensação

de despesas extraordinárias comprovadamente feitas pelo empregador na formação

profissional do trabalhador, podendo este se desobrigar restituindo a soma das

importâncias despendidas.109

108 Artigo 147. Pacto de permanência "1 - É lícita a cláusula pela qual as partes convencionem, sem diminuição de retribuição, a

obrigatoriedade de prestação de serviço durante certo prazo, não superior a três anos, como compensação de despesas extraordinárias comprovadamente feitas pelo empregador na formação profissional do trabalhador, podendo este desobrigar-se restituindo a soma das importâncias despendidas.

2 - Em caso de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com justa causa ou quando, tendo sido declarado ilícito o despedimento, o trabalhador não opte pela reintegração, não existe a obrigação de restituir as somas referidas no número anterior." (CÓDIGO do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2006. p.58.)

109 Para Antonio Monteiro Fernandes, enquanto o pacto de não concorrência constitui uma limitação da liberdade de trabalho depois da cessação do contrato, o pacto de permanência atua na vigência do contrato e destina-se a garantir que ele dure o suficiente para que certas despesas importantes do empregador fiquem compensadas. (Op. cit., p.613).

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Na Itália, o art. 2.125110 do Código Civil prevê a estipulação da cláusula de

não-concorrência (patto di non concorrenza), com o objetivo de limitar a atividade

dos empregados, sobretudo os especializados, após a extinção do contrato de trabalho.

Para o direito italiano, é necessário o estabelecimento de compensação finan-

ceira, bem como há limites para a validade do pacto, como o objeto, lugar e tempo

de duração, o que, segundo a doutrina italiana,111 visa permitir ao trabalhador exercer

concretamente alguma atividade para a qual tenha preparação profissional, de forma a

não ser constrangido ou obrigado a mudar de área de atuação, o que implicaria violação

do direito ao trabalho expressamente garantido no artigo 4.o da Constituição Italiana.

A Espanha, de igual modo, possui previsão legal expressa acerca da cláusula

de não-concorrência, chamando a atenção o tratamento diferenciado existente entre

os empregados de alta direção e os demais empregados.112

A contrapartida também é uma "compensação econômica adequada", sendo

exigido, ainda, que o empregador tenha um efetivo "interesse industrial ou comercial"

em celebrar tal pacto, assim como que o alcance seja limitado: o período de abstenção

de concorrência será de seis meses após a extinção do contrato, ou de dois anos

quando se tratar de trabalhador com qualificação técnica.113

É contemplada, também, a figura do pacto de permanência na empresa, quando

o trabalhador tenha recebido uma especialização profissional, por conta do empregador,

com a finalidade de executar projetos determinados ou realizar um trabalho específico.

A previsão é de um pacto de permanência, limitado a dois anos, sendo que a ruptura

acarretará para o trabalhador a responsabilidade pelos danos causados.114

110 "Codice Civile Italiano. Art. 2125 Patto di non concorrenza. Il patto con il quale si limita lo svolgimento dell'attività del prestatore di lavoro, per il tempo successivo

alla cessazione del contratto, è nullo se non risulta da atto scritto (2725), se non è pattuito un corrispettivo a favore del prestatore di lavoro e se il vincolo non è contenuto entro determinati limiti di oggetto, di tempo e di luogo.

La durata del vincolo non può essere superiore a cinque anni, se si tratta di dirigenti, e a tre anni negli altri casi. Se è pattuita una durata maggiore, essa si riduce nella misura suindicata (2557, 2596; att. 198)."

111 PERA, Giuseppe. Compendio di diritto del lavoro . 2.ed. Milano: Giuffrè, 1992. p.165. 112 MELGAR, Alfredo Montoya. Derecho del trabajo . Madrid: Tecnos, 1993. p.320. 113 GARCIA ORTEGA, Jesus et al. Curso Del derecho del trabajo . Valencia: Tirant lo Blanch, 1995. p.532. 114 Idem.

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O pacto de não-concorrência para trabalhadores de alta direção é regulado pelo

artigo 8.o,115 do Real Decreto n.o 1.382/85, enquanto a cláusula de não-concorrência

para os demais empregados está prevista no artigo 21116, do Estatuto de los

Trabajadores (Lei n.o 8/1980, com as alterações do Real Decreto Legislativo 1/95).

2.3.2 Cláusulas de Não-Concorrência Decorrentes de Norma Coletiva

No direito francês, a doutrina vem reconhecendo a possibilidade de estipulação

das cláusulas de não-concorrência.117

115 "Real Decreto n.o 1382/85. Artículo 8. Pacto de no concurrencia y de permanencia en la empresa. Uno. El trabajador de alta dirección no podrá celebrar otros contratos de trabajo con otras

empresas, salvo autorización del empresario o pacto escrito en contrario. La autorización del empresario se presume cuando la vinculación a otra entidad fuese pública y no se hubiese hecho exclusión de ella en el contrato especial de trabajo.

Dos. Cuando el alto directivo haya recibido una especialización profesional con cargo a la empresa durante un período de duración determinada, podrá pactarse que el empresario tenga derecho a una indemnización por daños y perjuicios si aquel abandona el trabajo antes del termino fijado.

Tres. El pacto de no concurrencia para después de extinguido el contrato especial de trabajo, que no podrá tener una duración superior a dos años, solo será válido si concurren los requisitos siguientes: que el empresario tenga un efectivo interés industrial o comercial en ello y que se satisfaga al alto directivo una compensación económica adecuada."

116 "Artículo 21. Pacto de no concurrencia y de permanencia en la empresa. 1. No podrá efectuarse la prestación laboral de un trabajador para diversos empresarios cuando

se estime concurrencia desleal o cuando se pacte la plena dedicación mediante compensación económica expresa, en los términos que al efecto se convengan.

2. El pacto de no competencia para después de extinguido el contrato de trabajo, que no podrá tener una duración superior a dos años para los técnicos y de seis meses para los demás trabajadores, sólo será válido si concurren los requisitos siguientes: que el empresario tenga un efectivo interés industrial o comercial en ello, y que se satisfaga al trabajador una compensación económica adecuada.

3. En el supuesto de compensación económica por la plena dedicación, el trabajador podrá rescindir el acuerdo y recuperar su libertad de trabajo en otro empleo, comunicándolo por escrito al empresario con un preaviso de treinta días, perdiéndose en este caso la compensación económica u otros derechos vinculados a la plena dedicación.

4. Cuando el trabajador haya recibido una especialización profesional con cargo al empresario para poner en marcha proyectos determinados o realizar un trabajo específico, podrá pactarse entre ambos la permanencia en dicha empresa durante cierto tiempo. El acuerdo no será de duración superior a dos años y se formalizará siempre por escrito. Si el trabajador abandona el trabajo antes del plazo, el empresario tendrá derecho a una indemnización de daños y perjuicios."

117 "La protection est donc tout d'abord accordée à l'employeur contre les actes de concurrence déloyale de ses anciens salariés. Le principe de la liberté du travail fait que tout salarié peut valablement quitter son emploi et en rechercher un autre, même au service d'une enterprise concurrente, ou créer une activité identique à celle de son ancien employeur. Cette liberté peut étre restreinte par une clause cpntractuelle ou conventionelle venant énumérer une série d'actes interdits. Lorsque aucune disposition formelle n'organise la période postcontractuelle, c'est la resonsibilité civile délictuelle qui va assurer le respect d'une certaine moralité dans l'exploitation de l'expérience acquise; les juridictions prud'homales perdront logiquement leur compétence au profit des juridictions civiles ou commerciales." (RADÉ, Christophe. Droit du travail et responsabilité civile . Paris: LGDJ, 1998. p.123)

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No entanto, a ausência de disposição legal sobre a matéria remete as discussões

à negociação coletiva e à jurisprudência.118

As convenções coletivas podem dispor sobre as cláusulas de não-concorrência,

disciplinando os seus limites e requisitos, deixando para o contrato individual de trabalho

disciplinar as especificidades das situações concretas, desde que não conflitem com

os limites fixados nas convenções coletivas.119

Além disso, por meio da negociação coletiva é possível a diferenciação de

efeitos em relação ao tipo de trabalhador envolvido ou ao ramo de atuação da empresa,

assim como o pagamento de retribuição pelo período de restrição ao trabalho não é

considerado condição de validade da cláusula, se tal condição não estiver expres-

samente prevista na convenção coletiva de trabalho.120

Outro aspecto interessante diz respeito à possibilidade das convenções coletivas

excluírem da incidência da cláusula a ocorrência, certos tipos de rupturas contratuais,

como no caso do fechamento definitivo do estabelecimento e do encerramento das

atividades da empresa, assim como outras apenas reconhecendo a sua admissibilidade

em caso de pedido demissão do empregado.121

Diferentemente de alguns países em que o tempo máximo de pactuação e a área

geográfica em que a concorrência é vedada são considerados requisitos de validade

e apesar da grande maioria das convenções coletivas preverem uma duração máxima

de dois anos, os Tribunais têm entendido lícita a pactuação por períodos maiores.122

Segundo Vatinet,123 a partir de 1992, as Cortes passaram a apreciar se as

cláusulas de não-concorrência eram efetivamente necessárias à proteção dos interesses

da empresa, de acordo com dois aspectos.

O primeiro deles diz respeito à existência de risco de utilização em proveito de

empresa concorrente de conhecimentos adquiridos em decorrência do contrato de

118 JOÃO, op. cit., p.83. 119 Idem. 120 Ibidem, p.84. 121 VACHET, Gerard. La liberté du travail et l'obligation de non concur rence du salarié : Les droit

fundamentax des salaries face aux interest de l'enterprise. Aux-Masreille: Presses Universitaires D'Aix-Marseille, 1994. p.68.

122 LYON-CAEN, Gérard; PÉLISSIER, Jean; SUPIOT, Alain. Droit du travail . 18.ed. Paris: Dalloz, 1996. p.220.

123 VATINET, Raymonde. Les principes mis em oeuvre par la jurisprudence relative aux clauses de non-concurrence em droit du travail. Droit Social , Paris, n.6, p.536, juin 1998.

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trabalho mantido com o ex-empregador. O segundo versa sobre a questão de ter o

trabalhador mantido estreito contato com a clientela, gerando a possibilidade de

desvio para o novo empregador.

No entanto, duas condições não se dispensam: a demonstração de que haja

o "interesse legítimo do empregador", ou seja, que a atividade objeto da restrição pela

cláusula de não-concorrência seja capaz de ensejar concorrência e dano ao empregador

e que a restrição ao trabalho não exclua do direito do empregado exercer alguma

outra atividade para o qual é qualificado.124

2.3.3 Cláusulas de Não-Concorrência Decorrentes de Previsão Legal e dos Usos e

Costumes

Nos Estados Unidos, apesar de existir uma lei federal dispondo sobre direitos

trabalhistas mínimos, como jornada semanal de 40 horas, remuneração mínima para

algumas atividades e restrições ao trabalho infantil (The Fair Labor Standards Act),125

em razão do sistema federalista americano, aos estados é autorizado legislar sobre

as demais questões envolvendo as relações trabalhistas e que devem ser observadas

em seus territórios.

Alguns estados americanos dispõem de legislação específica sobre a possibi-

lidade de aplicação e a exeqüibilidade das cláusulas de não-concorrência, enquanto

outros remetem aos usos e costumes a análise de tais cláusulas, cabendo ao Poder

Judiciário a apreciação do caso concreto.126

O Estado do Texas, em 1989, editou o "Covenant not to Compete Statute",

revisto em 1993, em razão de que os Tribunais texanos não estavam conferindo validade

a nenhuma cláusula de não-concorrência submetida à apreciação do Judiciário.127

124 GAVALDA, Natacha. Les critères de validité des clauses de non-concurrence em droit du travail. Droit Social , Paris, n.6, p.588, juin 1999.

125 METTLER, Suzanne B. Federalism, Gender, & the Fair Labor Standards Act of 1938. Polity , v.26, n.4, p.635-654, 1994.

126 JOÃO, op. cit., p.89. 127 VETHAN, Charles. The new business reality of enforcing non-compete c ovenants under

texas law . Disponível em: <www.vwtexlaw.com/new-business-reality-of-enforcing-non-compete-convenants.htm>. Acesso em: 27 set. 2008.

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Dentre as principais condições de admissibilidade pelos Tribunais, consta a

necessidade de decorrer de um acordo entre as partes sem que haja imposição do

empregador; a existência de um real interesse do empregador em tutelar os conheci-

mentos fornecidos ao empregado para a execução do trabalho; e a razoabilidade das

restrições impostas em relação aos interesses empresariais a serem protegidos.128

O Estado da Flórida, mediante a lei estadual "Florida Statute", no parágrafo

542.335, estabelece critérios de tempo de duração e objeto da restrição, como

informações confidencias, atos de desvio de clientela e prestação de serviços para

concorrentes do empregador.129

Já no estado de Nova Iorque, que não dispõe de lei específica tratando das

cláusulas de não-concorrência, os Tribunais apreciam três aspectos principais: se a

restrição não é maior do que a necessária para proteger aos interesses do empregador;

se não impõe uma injusta restrição ao empregado; e se não traz prejuízos à

sociedade e aos consumidores.130

2.4 LIMITES AOS INTERESSES TUTELADOS

A segurança dos bens materiais que compõem o acervo de uma empresa

deixou de ser a única preocupação dos empresários.

De nada adianta as empresas investirem grandes somas de dinheiro na

proteção de suas instalações, máquinas, veículos e computadores, pela contratação

de sistemas de segurança e vigilância e, muitas vezes, com a prática de revistas

em empregados e colaboradores, se a tutela dos bens imateriais não recebe a

necessária atenção.

128 TAYON, Jeffrey W. Covenants not to compete in Texas : shifting sands from Hill to Light. Disponível em: <www.utexas.edu/law/journals/tiplj/vol3iss3/tayon/htm>. Acesso em: 27 set. 2008.

129 AGREEMENTS NOT TO COMPETE: Should You Sign on That Dotted Line? Disponível em: <//www.lawsguide.com/mylawyer/guideview.asp?layer=3&article=165>. Acesso em: 27 set. 2008.

130 D'AMBROSIO, Nicholas. Courts give employers new basis to enforce non-compete clauses. The Business Review , New York, 16 Aug. 1999. Disponível em: <http//albany.bcentral.com/albany/ stories/1999/08/16/smallbiz.html> Acesso em: 29 set. 2008.

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Mais do que a propriedade das máquinas e dos bens de produção, as informações

e segredos de empresa passam a ser o maior patrimônio empresarial, sendo, muitas

vezes, o bem maior a ser protegido em face da concorrência.

Os bens imateriais que compõem o acervo de uma empresa são diversos,

estendendo-se, como já mencionado, a tudo que se relacione ao modo de produção,

organização, dados, informações ou características internas da empresa, que a

diferencie das demais ou a coloque em condições de destaque no mercado.

Ademais, a importância que se confere aos bens imateriais de uma empresa

se justifica, na medida em que a mesma tecnologia que conseguiu desvendar e

decodificar a seqüência genética, que alcançou a clonagem animal e avança nos

estudos sobre a utilização das células-tronco embrionárias, não conseguiu, até hoje,

decodificar as fórmulas da Coca-cola e do Guaraná Antártica.131

Uma das possibilidades de proteção jurídica desses bens em face dos concor-

rentes é a decorrente da proteção advinda da patente ou do registro de um modelo de

utilidade. No entanto, o procedimento necessário junto ao INPI implica torná-lo conhecido.

Não por outro motivo é que Egon Gottschalk assevera que "a barreira intranspo-

nível da temporariedade da tutela da propriedade industrial faz cair, inexoravelmente,

no domínio público, incessantemente um volume incomensurável de inventos".132

Por sua vez, a relação decorrente do contrato de trabalho permite ao empregado

conhecer, em razão das atividades exercidas para o empregador, assuntos, informações

e técnicas industriais, desconhecidas do público em geral e, em especial, do concorrente

do empregador.

O empregado, muitas vezes, tem acesso a inestimáveis informações da empresa,

listas de clientes e a pesquisas e projetos nos quais a empresa investiu tempo e recursos.

Outra situação que vem se tornando bastante comum ao longo dos anos é o

investimento significativo do empregador na formação profissional do empregado,

com o financiamento de cursos de especialização e aprimoramento no país e até

mesmo no exterior.

De outra banda, o interesse do empregador em restringir a possibilidade do

empregado estabelecer novo contrato de trabalho com um seu concorrente após a

131 CHIARI, Tatiana. Tecnologia: todos querem a fórmula. Veja, São Paulo, p.72/73, 20 dez, 2000. 132 GOTTSCHALK, op. cit., p.782.

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extinção contratual pode ter por escopo impedir que esse empregado negocie melhores

condições de trabalho ou de remuneração.

Por tudo isso, a estipulação da cláusula de não-concorrência deve ser sempre

apreciada caso a caso, com parcimônia e razoabilidade, a fim de que não sirva de

pretexto à proteção de interesses ilegítimos do empregador em detrimento do empregado.

Não parece ser tarefa fácil delimitar precisamente se o conhecimento obtido

pelo empregado junto ao ex-empregador decorreu diretamente do contrato de trabalho,

até mesmo porque o empregado também adquire experiência pessoal e profissional

ao longo do tempo e investe tempo e dinheiro próprio no seu aprimoramento profissional.

A configuração dos legítimos interesses do empregador deve levar em conta não

só os segredos, as informações ou os dados confidenciais que se procuram proteger,

mas se aquele empregado específico, em face do cargo que ocupou e em razão

do acesso que teve a tais informações, pode causar dano potencial ou efetivo ao

empregador ao passar a prestar serviços para a empresa concorrente.

De igual modo, deve-se levar em conta o segmento empresarial e a atividade

em que o empregado atuou, pois, sabidamente, os diversos ramos empresariais

possuem diferenças quanto às condições em que a "quarentena" deve ser pactuada.

A título de ilustração, importante mencionar que no mercado da tecnologia

da informação, um ano pode representar a quase obsolescência de um profissional,

enquanto numa atividade de vendas ou representação comercial, esse mesmo um ano

pode não representar muita coisa, assim como a restrição de atuação geográfica pode

ser o diferencial para se evitar uma concorrência indevida.

Por fim, convém ressaltar que, para a legislação portuguesa133, o risco de

prejuízos ao empregador é uma das condições de licitude da cláusula de não-

133 Antonio Monteiro Fernandes, ao comentar o art. 146, 2, alínea "b", do Código do Trabalho de Portugal, assevera que "esta condição tem que ser encarada com reserva. O prejuízo de que aqui se trata refere-se aos objectivos econômicos do ex-empregador, à sua clientela e ao seu volume de negócios; é esse o critério a utilizar na apreciação do caso concreto. O trabalhador aprendeu a dominar certa técnica, participou na concepção do produto, conhece a fundo a estratégia de gestão delineada pelo empregador – está, obviamente, em condições de causar prejuízos a este último se, de imediato, for trabalhar para uma empresa do mesmo ramo ou inserida na mesma área de mercado. Mas, para além disso, há inúmeras situações que esses caracteres diferenciais não ocorrem, e em que, apesar disso, a saída do trabalhador e a sua passagem para outra empresa pode ter um genérico efeito prejudicial aos interesses do empregador. Nem por isso estará legitimada a existência de pacto de não concorrência." (op. cit., p.612).

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concorrência seja válida, o que pode ser utilizado como parâmetro balizador para se

legitimar a estipulação da cláusula de não-concorrência.

2.5 CONDIÇÕES DE VIABILIDADE E EXEQÜIBILIDADE DA CLÁUSULA DE

NÃO-CONCORRÊNCIA

Uma vez admitida a licitude da cláusula de não-concorrência com vigência

pós-contrato, surge a questão a ser debatida acerca da viabilidade e exeqüibilidade

da referida pactuação.

Nesse sentido, importante entender as expressões viabilidade e exeqüibilidade

como a possibilidade de a empresa exigir, judicial ou extrajudicialmente, a produção

de efeitos da cláusula, como a cessação da divulgação, exploração ou utilização

indevida dos conhecimentos, informações ou dados confidenciais, bem assim de

outros atos que possam implicar concorrência desleal.

Antes de uma obrigação contratual, a cláusula de não-concorrência encerra

uma vinculação moral a uma obrigação de não concorrer ou praticar atos prejudiciais

ao ex-empregador.134

No entanto, os efeitos práticos da pactuação é que implicam reconhecimento da

sua viabilidade e exeqüibilidade, pois de nada adiantaria a empresa ter reconhecida

a licitude da obrigação de não-concorrência assumida pelo ex-empregado, se não

dispuser de meios concretos para fazer obstar os atos de concorrência ou ser

ressarcida dos prejuízos causados.

D'outra banda, devem ser assegurados ao ex-empregado os meios de cobrar

os valores ajustados, como a indenização pela "espera remunerada" ou pelo período

de quarentena.

Em alguns países, como os Estados Unidos, as Cortes de Justiça têm apreciado

questões relacionadas à viabilidade e exeqüibilidade dos ajustes, inclusive determinando

134 JOÃO, op. cit., p.64.

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ao trabalhador a suspensão da prestação dos serviços por conta própria ou para

terceiros, assim como fixando indenizações e reparações.135

A esse respeito, Regiane T. de Mello João cita decisão do Tribunal Distrital de

Maryland, nos Estados Unidos, proferida no caso Intelus Corp. vs. Bernard Barton.136

Em 1993, a Intelus, empresa que atuava no ramo de desenvolvimento, vendas e

manutenção de softwares para empresas de assistência médica, contratou Barton

para trabalhar como gerente de conta. Barton atendia clientes em uma região que

abrangia aproximadamente 12 estados americanos, tendo tido papel importante no

desenvolvimento de um dos sistemas da Intelus.

No contrato de trabalho, empregado e empregador haviam estipulado cláusula

de não-concorrência que previa: 1) a proibição de revelação e utilização de infor-

mações confidenciais durante ou após o contrato de trabalho; 2) a proibição por seis

meses após a rescisão contratual de, direta ou indiretamente, trabalhar por conta

própria à pessoa física ou jurídica que concorresse de modo direto com a Intelus;

3) vedação de, por seis meses após o término da relação contratual, assediar clientes,

empregados e pessoas físicas ou jurídicas que prestassem serviços para a Intelus.

A cláusula dispunha que os seus efeitos tinham alcance mundial.

Menos de uma semana após Barton pedir demissão da Intelus, a empresa

MedPlus Inc., que também atuava no mercado de fornecimento de sistemas eletrônicos

para empresas de convênios médicos, informou a contratação de Barton, o que

levou a Intelus a intentar ação para executar a obrigação estipulada, tendo sido provado

que Barton havia mantido contato com antigos clientes da sua ex-empregadora.

A primeira questão suscitada pela defesa de Barton, no sentido de que não

havia limitação territorial na cláusula, foi rejeitada pelo Tribunal que entendeu, no

caso, ser adequada e razoável a pactuação, pois a concorrência entre as empresas

ultrapassava as fronteiras do território americano, alcançando patamares internacionais.

O Tribunal Distrital de Maryland entendeu também que havia risco de danos

irreparáveis à Intelus, reconhecendo o direito de ela de evitar que o seu ex-empregado

usasse sua carteira de clientes para recrutar novos ao seu novo empregador.

135 JOÃO, op. cit., p.64. 136 Ibidem, p.65.

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Além disso, como Barton não conseguiu provar que sofreria não mais que um

desconforto econômico inerente à mudança de emprego ao ter de formar nova

carteira de clientes e tendo a Intelus indenizado Barton pelo período de quarentena,

a Corte de Maryland o proibiu de prestar serviços para a Medplus por seis meses.

O caso acima demonstra que, mais importante do que se admitir a licitude das

cláusulas de não-concorrência, elas devem ser estipuladas de modo a efetivamente

poder produzir efeitos concretos na proteção da empresa diante de uma situação de

concorrência levada a efeito por ex-empregados.

Com isso, além da estipulação por escrito da cláusula de não-concorrência,

das limitações temporal, espacial, da atividade que será proibida ou limitada e a

previsão de pagamento de uma compensação financeira, a empresa deve cuidar de

fixar de forma clara e precisa obrigações de fazer e não fazer por parte do empregado,

com multas pecuniárias diárias pesadas em caso de descumprimento.137

Nesse contexto, entende-se que empresa deve estipular a multa pecuniária

diária em valor suficientemente elevado para impedir que o ex-empregado tente

descumprir o fixado, assim como para evitar que o seu concorrente opte por bancar

o empregado, por entender que os riscos compensam a prática do ato de concor-

rência desleal.

Dessa forma, o que deverá ser levado em conta serão os legítimos interesses

do empregador e os riscos de danos irreparáveis ou de difícil reparação.

2.6 MODALIDADES: CLÁUSULA DE PERMANÊNCIA, CONFIDENCIALIDADE,

NÃO-SOLICITAÇÃO E CLAWBACK

Importante ainda se fazer uma distinção quanto à forma de atuação das cláusulas

de não-concorrência. Estas podem operar das seguintes formas: a) cláusula de perma-

nência; b) cláusula de não-solicitação; c) cláusula de confidencialidade; d) clawback.

137 Ver minuta de cláusula de sigilo e não-concorrência no Anexo C.

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2.6.1 Cláusula de Permanência

A cláusula de permanência condiciona a liberdade do empregado em rescindir

o contrato de trabalho, à exceção de justa causa do empregador, obrigando-o a

manter o vínculo por um período mínimo, como contrapartida de investimentos por

parte do empregador em cursos de aperfeiçoamento ou de especialização.

A obrigação de permanência tem sido entendida não como uma obrigação

relativa à execução do contrato de trabalho, mas sim à fixação de um prazo determi-

nado para o empregado não se desligar do empregador justamente por conta de

investimentos feitos pelo empregador naquele empregado específico.138

A legislação portuguesa admite essa cláusula caso o empregador tenha tido

despesas extraordinárias com a formação do trabalhador, consoante prevê o artigo

147 do Código do Trabalho.139

Para Antonio Monteiro Fernandes, a cláusula de permanência representa algo

semelhante a um "termo estabilizador", que atua em favor de uma pretensão razoável

do empregador de tirar proveito suficiente do investimento feito na formação e no

desenvolvimento das aptidões profissionais dos trabalhadores.140

Célio Goyatá, em sentido contrário, entende que tal compromisso representa

violação à liberdade de trabalho assegurada na Constituição Federal, embora considere

válido o direito do empregador pleitear o ressarcimento dos valores gastos com

treinamentos e cursos financiados pelo empregador.141

138 SANTOS, João Batista dos; SILVA, Juary C. Cláusulas restritivas à liberdade de trabalho. Ltr , São Paulo, ano 41, p.596, jan. 1977.

139 Artigo 147.o Pacto de permanência "1 - É lícita a cláusula pela qual as partes convencionem, sem diminuição de retribuição, a obrigato-

riedade de prestação de serviço durante certo prazo, não superior a três anos, como compensação de despesas extraordinárias comprovadamente feitas pelo empregador na formação profissional do trabalhador, podendo este desobrigar-se restituindo a soma das importâncias despendidas.

2 - Em caso de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com justa causa ou quando, tendo sido declarado ilícito o despedimento, o trabalhador não opte pela reintegração, não existe a obrigação de restituir as somas referidas no número anterior." (CÓDIGO do trabalho. Coimbra: Almedina, 2006. p.58.)

140 FERNANDES, op. cit. 614. 141 GOYATÁ, Célio. Contrato de estágio e cláusula compromissória no direito do trabalho. LTr , São

Paulo, ano 41, p.1407/1408, jul. 1977.

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Não compactuamos do mesmo entendimento, na medida em que o empregado

poderá se liberar da obrigação de permanecer vinculado ao empregador se lhe restituir

os valores investidos pelo empregador na formação e no aperfeiçoamento profissionais.

A esse respeito, já em 2005, o Tribunal Superior do Trabalho142 condenou um

Químico a indenizar a Unicamp por descumprimento de compromisso firmado de

permanência de três anos na instituição depois de fazer doutorado na Inglaterra,

com as despesas financiadas pela Universidade de Campinas.

2.6.2 Cláusula de Confidencialidade

Outra modalidade de pacto de não-concorrência é a cláusula de confiden-

cialidade, que encerra a obrigação assumida pelo empregado de não revelar dados

confidenciais após a rescisão do contrato de trabalho.143

Apesar de esse dever decorrer da aplicação da cláusula geral da boa-fé, que

independente de previsão contratual, pode o empregador reforçá-la descrevendo em

instrumento próprio, de forma clara e precisa, o que e quais são os dados ou

informações confidenciais do empregador

Ainda que possa parecer óbvio, é comum também na celebração de cláusula

de confidencialidade, a previsão expressa de disposição declaratória de que os dados

142 Acesso www.tst.gov.br/notícias, consultado em 02/03/2005. "Um químico foi condenado a pagar à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) indenização de

R$ 9.126,00, com acréscimo de correção monetária a partir de abril de 2000 e juros de mora. A Unicamp move ação contra o químico, que exerceu a função de técnico do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas, por descumprimento do compromisso firmado de permanência de três anos na instituição depois de fazer doutorado na Inglaterra. O químico recorreu no Tribunal Superior do Trabalho contra decisão de segunda instância, mas o mérito da condenação não foi examinado pela Quinta Turma do TST porque o recurso não foi conhecido por questão processual. Ele efetuou apenas o depósito das custas judiciais, fixadas em R$ 182,52 na decisão do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas (15.a Região) que o condenou, e omitiu-se do depósito recursal.

O químico obteve licença de um ano, entre 1995 e 1996, para fazer doutorado na Inglaterra, no CSL Food Sciense Laboratory, em Norwich, na área de toxicologia de alimentos. A Unicamp condicionou o afastamento ao compromisso de ele permanecer na instituição por três anos depois da especialização no exterior. Em agosto de 1998, antes de cumprir com esse prazo, ele pediu o desligamento."

143 JOÃO, op. cit., p.51.

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e as informações sigilosos obtidos ou fornecidos ao empregado serão utilizados

somente a serviço do empregador.

Assim, toda e qualquer pactuação nesse sentido deve observar aos critérios

de razoabilidade, de acordo com as atividades que o empregado exercia e das

informações a que teve acesso, porque algumas atividades sofrem mudanças muito

mais rápidas que outras.

2.6.3 Cláusula de Não-Solicitação

A cláusula de não-solicitação está mais relacionada às atividades comerciais

do empregador, possuindo objeto mais restrito do que as outras.

A não-solicitação consiste na obrigação do ex-empregado de se abster de

aliciar clientes, fornecedores ou empregados de seu ex-empregador, sendo proibida

a procura por antigos clientes do empregador, visando estritamente à proteção da

clientela, justificando-se nos casos em que o ex-empregado tem relação muito

próxima com esta.144

No entanto, importante referir que apesar desse aliciamento a clientes poder

configurar ato de concorrência para com o ex-empregador, não haveria a restrição de

o empregado empreender, por conta própria ou por intermédio de terceiros, atividade

comercial relacionada à sua antiga ocupação.

2.6.4 Clawback

Muito praticada nos Estados Unidos, por clawback denomina-se a variação da

cláusula de não-concorrência inserida nos programas de distribuição de ações a

empregados, pela qual se permite às empresas a reversão dos benefícios distribuídos

aos empregados que venham a praticar atos considerados prejudiciais à empresa e

144 JOÃO, op. cit., p.52.

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que impliquem concorrência ao empregador, aliciamento de clientes, ofensas ao

empregador e violação de dados ou informações sigilosas.145

O prazo estipulado nessas cláusulas varia de seis meses a dois anos a contar

da data do exercício do programa de distribuição de ações ou da rescisão contratual.

Embora não estejam diretamente inseridas no contrato de trabalho, mas sim

em programas de distribuição de ações, constituem verdadeiras cláusulas de não-

concorrência aplicáveis às relações de trabalho.

2.7 DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ COMO BALIZADOR DA CONCORRÊNCIA NA

RELAÇÃO INDIVIDUAL DE TRABALHO

O contrato de trabalho tem por objeto a prestação de serviços de maneira

subordinada, pessoal e continuada, quando o empregado coloca à disposição do

empregador sua força de trabalho em troca de uma contraprestação econômica.

Assim, o empregado fica à disposição do empregador executando ou aguardando

ordens de modo a possibilitar que este alcance seus objetivos econômicos e sociais.

Para Sergio Pinto Martins, "o contrato de trabalho não é, portanto, instantâneo,

como na venda e compra, em que o comprador paga o preço e o vendedor entrega

a mercadoria."146

A continuidade se revela no fato de que as prestações se renovam constan-

temente, não se exaurindo numa simples contraprestação, devendo o contrato de

trabalho ser entendido sob a concepção de Judith Martins-Costa, ou seja, uma

relação obrigacional "como um processo e como uma totalidade concreta"147, que

acaba por romper o modelo tradicional do direito das obrigações, que tinha como

fundamento a valorização da vontade, inaugurando um novo paradigma jurídico que

é a boa-fé objetiva.

145 JOÃO, op. cit., p.53. 146 MARTINS, Sergio Pinto. A continuidade do contrato de trabalho . 1998. Tese (Doutoramento) –

Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998. p.130. 147 MARTINS-COSTA, op. cit., p.394.

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65

E dentro dessa concepção de vínculo obrigacional considerado como uma

totalidade, além dos deveres que nascem do próprio contrato e da lei (deveres

principais de prestação), podem surgir outros deveres denominados instrumentais ou

funcionais, decorrentes de princípios e modelos que acabam sendo viabilizados pela

aplicação da boa-fé objetiva.148

Em outras palavras, pode-se afirmar que o contrato de trabalho, no transcorrer

de sua execução, muitas vezes em razão das dificuldades enfrentadas pelas partes

e por conta da impossibilidade de previsão e regulação de todas as suas hipóteses,

pode gerar outros direitos e deveres que não aqueles expressamente provindos da

declaração de vontade emanada da lei ou do contrato, mas sim decorrentes de

fatores avoluntarísticos.149

Tais fatores poderão representar a criação de deveres jurídicos à contraparte

(deveres laterais, anexos ou secundários ao principal), cuja existência está dire-

tamente atrelada à incidência de princípios e modelos de conduta de cunho social

e constitucional.

Esses deveres que não derivam necessariamente de ato de vontade ou de

norma legal, mas da aplicação do princípio da boa-fé, poderão se fazer presentes

antes mesmo da conclusão do contrato de trabalho (o que explica, p. ex., o dever de

informar no período pré-contratual), durante a sua execução, ou até mesmo após

encerrado o contrato de trabalho, quando pode incidir a chamada responsabilidade

pós-contratual ou culpa post pactum finitum.

José Luiz de Los Mozos afirma que os deveres propriamente pós-contratuais se

verificam quando a boa-fé exige, segundo as cisrcunstâncias, que os contratantes,

após o término da relação contratual, omitam toda a conduta mediante a qual

parte se veria despojada ou veria essencialmente reduzidas as vantagens oferecidas

pelo contrato.150

148 BARACAT, Eduardo Milléo. A boa-fé no direito individual do trabalho . São Paulo: Ltr, 2003. p.180. 149 Expressão reiteradamente utilizada por Judith Martins-Costa para expressar obrigações e deveres

impostos às partes de uma relação jurídico-contratual que não tenham sido objeto de expressa declaração de suas vontades.

150 BARACAT apud DE LOS MOZOS, José Luis. El principio de la buena fe . Barcelona: Bosch, Casa Editorial, 1965. p.263.

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Para Menezes Cordeiro, "a confiança requer proteção, no período subseqüente

ao da extinção do contrato, das expectativas provocadas na sua celebração e no

seu cumprimento, pelo comportamento dos intervenientes".151

Dentro dessa nova concepção do contrato de trabalho em que se destaca a

característica de débito permanente, surgem deveres anexos ou secundários viabilizados

pela cláusula geral da boa-fé e que transcendem o cumprimento das obrigações

principais, que torna lícita a reponsabilização de uma parte, mesmo já concluída uma

relação contratual.

Assim, por incidência do princípio da boa-fé objetiva, "existem deveres nascem

antes da relação obrigacional e perduram após sua extinção, que independem da

vontade das partes, ou de previsão legal".152

2.7.1 Cláusula Geral da Boa-Fé

Segundo o magistério de Américo Plá Rodrigues, "a boa-fé constitui um

ingrediente indispensável para o adequado cumprimento do direito".153

A noção de boa-fé consiste na obrigação de as partes agirem com confiança e

lealdade recíprocas, de modo a garantir a segurança das relações jurídicas, significando,

ainda, a colaboração mútua na execução e interpretação de um contrato.154

Para Judith Martins-Costa, a boa-fé objetiva significa "modelo de conduta social,

arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual 'cada pessoa deve ajustar a própria

conduta a este arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade,

lealdade e propriedade'".155

151 MENEZES CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha. Da boa-fé no direito civil . 2. reimp. Coimbra: Almedina, 2001. p.630.

152 BARACAT, op. cit., p.264. 153 PLÁ RODRIGUES, Américo. Princípios de direito do trabalho . 6. tir. São Paulo: LTr, 1998. p.271. 154 GOMES, Orlando. Contratos . 26.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.46. 155 MARTINS-COSTA, op. cit., p.411.

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A mesma autora preceitua que no conceito de boa-fé objetiva está presente

a idéia de "regra de conduta fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e,

principalmente, na consideração para com os interesses do 'alter', visto como um

membro do conjunto social que é juridicamente tutelado", daí se inserindo a "consideração

para com as expectativas legitimamente geradas, pela própria conduta, nos demais

membros da comunidade, especialmente no outro pólo da relação obrigacional".156

Importante referir que este padrão de conduta deve levar em conta as circuns-

tâncias do caso concreto, tais como a situação pessoal e cultural das partes envolvidas,

não sendo possível uma aplicação mecânica do arquétipo jurídico, do tipo de subsunção

dos fatos à norma, revestindo-se, pois, de variadas formas e concreções.157

Por isso mesmo é que a doutrina158 não admite ser possível se tabular ou se

predeterminar o significado da valoração e dos deveres resultantes da aplicação da

boa-fé, porque se trata de uma norma cujo conteúdo não pode ser rigidamente

fixado, dependendo das circunstâncias do caso, havendo, assim, a necessidade de

sua aplicação num sistema aberto, que enseja permanente construção e reflexão.

Hodiernamente a cláusula geral da boa-fé se encontra expressa previsão

legal no artigo 422 do Código Civil vigente que preconiza que "os contratantes são

obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os

princípios de probidade e boa-fé".

Nessa linha de idéias, dispondo o parágrafo único do artigo 8.o, da Conso-

lidação das Leis do Trabalho que "o direito comum será fonte subsidiária do direito

do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais

deste", forçoso é reconhecer que em toda e qualquer relação de emprego, devem as

partes se pautar pela cláusula geral da boa-fé.

A esse respeito, a jurisprudência trabalhista vem reconhecendo a aplicação

da boa-fé objetiva no Direito do Trabalho:

156 MARTINS-COSTA, op. cit., p.412. 157 Idem. 158 BARACAT, op. cit., p.180; COUTO E SILVA, Clovis. A obrigação como processo . São Paulo:

Jose Bushtsky, 1976. p.36; MARTINS-COSTA, op. cit., p.412 e 413.

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PRINCÍPIO DA BOA FÉ OBJETIVA - PREVISÃO POR OCASIÃO DA ADMISSÃO DE ELEVAÇÃO NÍVEL NA FUNÇÃO CONTRATADA COM O PASSAR DE DETERMINADA QUANTIDADE DE ANOS DE TRABALHO - O Direito do Trabalho, assim como o Direito privado em geral, assenta-se no princípio da boa fé lealdade (ou boa fé objetiva), o qual impõe uma honestidade e honradez no comércio jurídico, justamente por conter implícita a consciência de não enganar, não prejudicar, nem causar danos ao outro contratante. A entrega, pelo empregador contratante ao empregado contratado, de documento em que se prevê, expressamente, a elevação de nível na função de técnico com o passar de determinada a quantidade de anos fez surgir para este último a justa expectativa de que se tratava de típico compromisso contratual assumido pelo contratante, e ao qual se vinculou juridicamente o empregador, obrigando-se, pois, ao seu efetivo cumprimento, por força justamente do citado princípio da boa fé objetiva. Sentença reformada para se deferir as diferenças postuladas.159

Desse modo, no âmbito das relações individuais de trabalho, existem para as

partes não só deveres e obrigações de cunho patrimonial, como também e princi-

palmente, de ordem pessoal e ética, atuando a cláusula geral da boa-fé objetiva

como verdadeiro balizador da concorrência na relação individual de trabalho.

2.7.2 Norma Criadora de Deveres Jurídicos

Conforme já mencionado, ao se entender o vínculo obrigacional como uma

totalidade e um processo, além das obrigações principais que constituem o núcleo

central da relação (p. ex., o de prestar o trabalho, pelo empregado, e a prestação

de pagar os salários, pelo empregador), existem deveres secundários meramente

acessórios da obrigação principal, que se destinam a preparar e a viabilizar o cumpri-

mento da obrigação principal (p. ex., o fornecimento de trabalho pelo empregador e

o comparecimento ao trabalho, pelo empregado).

Existem, também, os deveres secundários como prestação autônoma (p. ex., o

dever de indenizar decorrente da impossibilidade culposa da prestação e indenização

do seguro contra acidentes do trabalho que o empregador deixa de realizar).160

159 PARANÁ, Tribunal Regional do Trabalho da 9.a Região, processo 03034-2006-028-09-00-6, acórdão n.o 8745-2008 - 4A. TURMA, Relatora SUELI GIL EL-RAFIHI, publicado no DJPR em 19-08-2008.

160 BARACAT, op. cit., p.217.

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Há, ainda, os deveres instrumentais ou laterais, anexos, acessórios de conduta,

de proteção ou chamados de deveres de tutela, que derivam da aplicação da

cláusula geral da boa-fé e se dirigem, indistintamente, a ambos os participantes da

relação contratual.

Tais deveres não estão direcionados diretamente ao cumprimento da prestação

ou dos deveres principais, mas sim ao exato processamento da relação obrigacional,

ou seja, atuam como uma função auxiliar do cumprimento efetivo da finalidade

contratual e como forma de proteção à pessoa e aos bens da outra parte contra os

riscos de danos. Atuam, verdadeiramente, no interesse de conservação dos bens

patrimoniais e pessoais que podem ser afetados por conta da relação contratual.161

Como adverte Carlos Alberto da Motta Pinto: "são deveres de adoção de

determinados comportamentos, impostos pela boa-fé em vista do fim do contrato [...]

dada a relação de confiança que o contrato fundamenta, comportamentos variáveis

com as circunstâncias concretas da situação".162

Assim, a boa-fé, que além de atuar como fonte de integração do conteúdo do

contrato, determinando um ou outro comportamento à parte, conforme um padrão

médio de conduta, atua como verdadeira norma criadora de deveres jurídicos.

Isso porque, independentemente de esses deveres laterais ou de conduta terem

merecido expressa previsão legal ou contratual, acabam sendo invocados como

decorrência do resultado do processo de aplicação e interpretação da cláusula geral da

boa-fé objetiva, tendo-se sempre como norte uma idéia de relação de cooperação.

No entanto, a concretização desses deveres instrumentais somente se eviden-

ciará para o julgador, de modo a possibilitar a correção das desigualdades substanciais

surgidas no decorrer de uma relação contratual, se a relação obrigacional for

compreendida de acordo com a idéia de "totalidade e processo", perspectiva essa

muito bem defendida por Vera Maria Jacob de Fradera:

161 MARTINS-COSTA, ob. cit., p.440. 162 MOTTA PINTO, Carlos Alberto da. Cessão de contrato . São Paulo: Saraiva, 1985. p.281.

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O ponto de partida para a compreensão do dever anexo ou secundário é analisar a relação jurídica vista como uma 'totalidade' e o vínculo jurídico que une os participantes da relação entre si, como 'ordem de cooperação', de que resulta uma unidade. Assim visualizada a relação obrigacional, credor e devedor deixam de ser antagonistas para se volverem em colaboradores na consecução do adimplemento, fim que polariza as atividades de ambos os sujeitos da relação.163

Dentre os deveres advindos desse processo hermenêutico-integrativo, pode-se

citar, exemplificativamente, os seguintes: deveres de cuidado, previdência e segurança;

deveres de aviso, esclarecimento e informação; colaboração e cooperação; deveres

de proteção e cuidado com a pessoa e o patrimônio da parte contrária; dever de

lealdade; e deveres de sigilo e não-concorrência.

Apesar da relevância de todos eles, apenas os três últimos serão analisados

nos tópicos seguintes, dadas as suas estreitas correlações com o balizamento da

concorrência no âmbito das relações individuais de trabalho.

2.7.3 Do Dever de Lealdade

De acordo com Menezes Cordeiro, os deveres de lealdade "vinculam os

negociadores a não assumir comportamentos que se desviem de uma negociação

correcta e honesta".164

O dever de lealdade decorre da própria essência do contrato de trabalho,

sendo reflexo máximo do princípio da boa-fé inerente à execução de todo contrato.

O contrato de trabalho, por ser sinalagmático, insere o trabalhador no sistema

organizacional e produtivo da empresa até mesmo para que este possa bem desen-

volver as atividades para as quais foi contratado, sendo essencial, assim, que se

estabeleça uma relação de confiança e lealdade, a chamada fidúcia contratual.

Apesar de não constar expressamente da legislação positivada, a obrigação

de lealdade consiste no ato de o empregado se abster, no desempenho de suas

163 FRADERA, Vera Maria Jacob de. O dever de informar do fabricante. Revista dos Tribunais , São Paulo,v.4, p.176, 1990.

164 MENEZES CORDEIRO, op. cit., p.583.

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atividades no ambiente da empresa ou fora dela, de praticar atos que venham ou

possam vir a prejudicá-la.

Nesse sentido, não deve tratar de negócios, por conta própria ou de terceiros,

em concorrência com seu empregador, nem divulgar notícias ou informações relativas à

organização e aos métodos de produção da empresa, ou ainda, fazer uso delas

prejudicando a empresa ou para negociar uma melhor condição profissional.

A lealdade é quesito essencial na contratação do trabalho subordinado e está

vinculada à idéia de atuação conseqüente do empregado e do empregador, considerando

que ao estipularem um contrato de trabalho, o trabalhador se obriga a colaborar e a

prestar serviços em prol deste. O empregador, por sua vez, repassa-lhe todas as

informações e técnicas necessárias à execução do serviço.

Com isso, esse recíproco dever de lealdade não permite ao empregado fazer

concorrência ao empregador, ou ainda, valer-se de informações e conhecimentos

conseguidos em virtude de sua própria participação no dia-a-dia da empresa.

Dessa forma, pode-se dizer que o dever de lealdade do empregado ao seu

empregador se traduz principalmente em duas obrigações: o dever de guardar os

segredos de empresa e a abstenção de atos de concorrência ilícita.

2.7.4 Dos Deveres de Não-Concorrência e Sigilo

Os deveres de sigilo e não-concorrência decorrem do dever de informação.

A parte que obtém ou obteve uma informação ou acesso a um segredo da

contraparte deve ter todo o cuidado e a obrigação de não divulgá-lo a terceiros,

principalmente se forem concorrentes de seu empregador.

Ao contrário do dever de lealdade, os deveres de não-concorrência e sigilo

constam expressamente da legislação trabalhista quando trata da matéria concernente

à não-concorrência ao empregador.

Como já mencionado, o artigo 482 da CLT inclui no rol das hipóteses que

constituem justa causa à rescisão do contrato de trabalho por culpa do empregado o

disposto na alínea "c", que tipifica como falta grave do empregado "a negociação

habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador e quando constituir

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ato de concorrência à empresa para qual trabalha o empregado,ou for prejudicial ao

serviço" e a alínea "g" capitula a hipótese de "violação de segredo da empresa".

Além disso, a Lei n.o 9.279/96 tipifica como crime de concorrência desleal a

quebra do dever de sigilo mesmo após o término do contrato de trabalho, assim:

Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: [...] omissis; IX - dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem; X - recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador; XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante acesso contratual ou relação empregatícia, mesmo após o término do contrato;

A obrigação de sigilo a que está submetido o empregado por força de relação

empregatícia não inclui, obviamente, a utilização de sua experiência profissional adquirida

ao longo dos anos, posteriormente repassada em proveito de um novo empregador.

É de se ressaltar, no entanto, que é bastante tênue a habilidade e a experiência

pessoal adquirida ao longo do tempo e o uso de conhecimento de dados, informações

ou técnicas confidenciais do ex-empregador aos quais o empregado teve acesso em

decorrência da prestação dos serviços como empregado e postos à disposição deste

para uso exclusivo nos limites dessas atividades.

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3 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

INCIDENTES NA RELAÇÃO DE PROTEÇÃO DO CONHECIMENTO E DOS

SEGREDOS DE EMPRESA

3.1 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS TUTELÁVEIS: DA APLICAÇÃO DOS

DIREITOS FUNDAMENTAIS AOS PARTICULARES

O advento dos direitos fundamentais teve raízes no liberalismo, contexto em que

se buscaram formas de estimular a livre iniciativa do cidadão (lassez faire) mediante

a limitação do poder do Estado.

A estrutura estatal que naquele momento histórico não conhecia limites e era

tida como poder absoluto (verdadeira summa potestas) passou a estar limitada por

uma série de premissas fundamentais, o que ocasionou o surgimento do fenômeno

do constitucionalismo (constituições escritas) e das codificações.

O movimento para a criação de direitos fundamentais como limite ao Estado

Absolutista foi permeado de muitas guerras, conflitos e acontecimentos que fizeram

triunfar a plataforma liberal: desde a Revolução Gloriosa Inglesa e o Bill of Rights do

Século XVII até a Escola de Direito Público Alemã, que veicula o conceito de "Estado

de Direito" (rechtsstaat)165.

Os direitos fundamentais, originariamente considerados como mecanismos

idealizados para conter os poderes estatais, podem ser invocados nas relações entre

estes e os particulares. Tal idéia de eficácia vertical dos direitos fundamentais

constitui-se na gênese dos direitos fundamentais, a razão primeira pela qual foram

criados e que permanece viva até os dias de hoje: libertar o cidadão das amarras do

Estado, para que ele possa exercer a sua livre iniciativa.

Contudo, dada a importância desses direitos – que congregam os direitos à vida,

à propriedade, à privacidade, à dignidade da pessoa humana – surgiram movimentos

a partir dos anos 1950, tanto nos Estados Unidos como na Europa (principalmente

165 STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamenta is. São Paulo: Malheiros, 2004. p.65.

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na Alemanha), a fim de justificar a sua aplicação nas relações privadas, àquelas em

que os particulares estão (ao menos teoricamente) em posição de igualdade, e

detêm os mesmos direitos em face do Estado.166

A tentativa de imprimir eficácia aos direitos fundamentais nas relações entre

particulares – a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais – vem até os

dias de hoje sofrendo críticas, já que implica cerceamento e mitigação da liberdade e

autonomia privadas, dogmas da sociedade liberal, tidos até então por inabaláveis.167

Para os defensores da eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre

particulares, o início da discussão ocorreu com o desencadeamento do Estado Social

de Direito, em que o alcance dos direitos fundamentais transcendeu as relações entre

os indivíduos e o Estado, passando a envolver a sociedade que, com a ampliação

das atividades estatais, participa mais ativamente do exercício do poder.

Por isso, diz-se que os direitos fundamentais perderam a característica de

direito meramente subjetivo do indivíduo, passando a adquirir, ao longo do tempo,

uma dimensão objetiva, que os torna oponíveis não só ao Estado, como também

aos particulares.

A primeira corrente – da eficácia indireta ou mediata (mittelbare indirekte

Drittwirkung) – liderada pelo alemão Günter Dürig e ainda hoje adotada pela maioria dos

juristas alemães – condiciona a eficácia dos direitos fundamentais entre particulares

a um prévio processo de integração das cláusulas gerais e conceitos indeterminados

de direito privado aos direitos fundamentais, uma espécie de recepção destes direitos

pelo direito privado.

Para Dürig, é preciso a construção de "pontes" entre o direito privado e a

Constituição, para que o primeiro possa legitimamente se submeter aos valores

constitucionais sem que haja o extermínio do princípio da autonomia da vontade.168

A construção de tais "pontes" ficaria a cargo do Poder Legislativo e não do

Poder Judiciário, justamente como forma de não outorgar demasiados poderes a

este último, o que poderia comprometer a própria liberdade individual/autonomia da

vontade, que ficaria à mercê da discricionariedade dos magistrados.

166 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p.392.

167 SARMENTO, Direitos fundamentais ..., p.186. 168 Ibidem, p.198.

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Portanto, a proteção dos direitos fundamentais seria de incumbência do próprio

direito privado, que se manifestaria por meio da atividade do legislador.

A segunda corrente – da eficácia direta ou imediata (unmittelbare direkte

Drittwirkung) –, igualmente com raízes no direito alemão, sendo seu precursor Hans Carl

Nipperdey (início da década de 1950), não tolera a limitação dos direitos fundamentais

pelos dogmas do direito privado ante a supremacia inerente à ordem constitucional.169

Para essa teoria, há determinados direitos fundamentais que podem ser invocados

diretamente nas relações entre particulares, já que se revestem de eficácia absoluta170

e "oponibilidade erga omnes"171.

Nipperdey justifica a sua teoria com base na constatação de que os perigos

que circundam os direitos fundamentais na sociedade contemporânea não provêm

apenas do Estado, mas também de particulares que concentram poder capaz de

sujeitar outros particulares, como ocorre nas relações de consumo e trabalhistas, em

que uma das partes é notoriamente mais forte que a outra.

Ao contrário da teoria da eficácia indireta ou mediata dos direitos fundamentais

nas relações privadas, a tese da eficácia direta pressupõe uma maior atuação do

Poder Judiciário, o que suscita muitas críticas, no sentido de que a sua aceitação

equivaleria a admitir o sacrifício absoluto da autonomia privada que, igualmente,

constitui-se em princípio implícito assegurado no Brasil em diversos dos dispositivos

da Constituição Federal, dentre eles o art. 1.o, IV, 5.o, caput e incisos XIII e XXII, e

inúmeros outros.

Referida tese, embora não tenha logrado grande aceitação da Alemanha, é

majoritária em países europeus como a Espanha e Portugal.172

Diferentemente do que ocorre em Portugal, o constituinte brasileiro não previu

regra expressa de eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares.

Daí advém a dificuldade em se identificar as situações práticas que demandam a

incidência da tese da eficácia dos direitos fundamentais entre particulares.173

169 SARMENTO, Direitos fundamentais ..., p.204. 170 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição . 6.ed. Coimbra:

Almedina, 2002. p.448. 171 SARMENTO, Direitos fundamentais ..., p.204. 172 CANOTILHO, Direito constitucional e teoria ..., p.449. 173 SARMENTO, Direitos fundamentais ..., p.205.

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Importante ressaltar que a complexidade da situação somente existe quando

se tratar de situações entre particulares em posição de igualdade.

Já nos casos em que uma das partes é detentora de poder social, há um

relativo consenso, no sentido de transportar para a esfera privada a teoria da

eficácia direta dos direitos fundamentais justamente porque essa parte se equivale

em dada relação jurídica, em termos de supremacia, ao próprio Estado (guardadas

as devidas proporções).174

Essa é, exatamente, a posição adotada pela 2.a Turma do Supremo Tribunal

Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n.o 201.819-8/RJ,175 em que a

Corte entendeu pela eficácia dos direitos fundamentais em relação jurídica travada

entre a União Brasileira de Compositores e Arthur Rodrigues Villarinho, dentre outras

razões, justamente porque tal situação espelhava uma desigualdade latente entre as

partes, que impunha uma maior proteção àquela que se mostrava mais frágil, já que

excluída de uma entidade sem lhe ser franqueada a garantia do contraditório e da

plenitude de defesa.

Então, quando há desigualdade entre as partes, como no caso das relações

de consumo, de trabalho, dentre outras, a tendência é a utilização da teoria da

eficácia direta dos direitos fundamentais.

É o que espelha o precedente do Supremo Tribunal Federal, além de outros

oriundos de Tribunais Regionais do Trabalho.176

Dessa forma, é possível dizer que, no Brasil, a tendência é para a adoção da

teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais, já que a Constituição Federal, por

174 SARLET, A eficácia ..., p.362. 175 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n° 201819, da 2. a Turma. Recorrente:

UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES – UBC. Recorrido: ARTHUR RODRIGUES VILLARINHO. Redator do Acórdão Min. Gilmar Mendes. DJU 27/10/2006, p.64. Juris Síntese IOB, Porto Alegre, n. 68, nov./dez. 2007. Não paginado. CD-ROM. (ementa transcrita no Anexo D).

176 RONDÔNIA, Tribunal Regional do Trabalho da 14.a Região, processo RO n.o 00744.2005.091.14.00-2, Relatora Juíza VANIA MARIA DA ROCHA ABENSUR, DOJT de 22.12.2005, ementa:

DANOS MORAIS – REVISTA ÍNTIMA – CONDUTA OFENSIVA À HONRA E À DIGNIDADE DOS EMPREGADOS – INDENIZAÇÃO – VIOLAÇÃO A PRECEITOS CONSTITUCIONAIS – O poder fiscalizador do empregador proceder revista em seus empregados encontra limite na garantia de preservação da honra e intimidade da pessoa física do trabalhador, conforme preceitua o inciso X do artigo 5.o, da Constituição da República. A realização de revista sem a observância de limites impostos pela ordem jurídica acarreta ao empregador a obrigação de reparar, pecuniariamente, os danos morais causados.

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dar grande espaço aos direitos fundamentais, é incompatível com a adoção das

teorias mais radicais, como a alemã da eficácia indireta ou mediata.

Assim, levando-se em conta que na relação trabalhista em que se estipula

cláusula de não-concorrência, alguns direitos fundamentais estão inseridos, importante

destacar aqueles que mais diretamente incidem na relação de proteção do conheci-

mento e dos segredos de empresa, admitindo-se a teoria da eficácia direta dos

direitos fundamentais.

3.1.1 Da Liberdade de Trabalho e Profissão

A liberdade de trabalho e profissão, um dos mais clássicos direitos fundamentais

das pessoas, vem recebendo tratamento constitucional desde a Constituição de 1824.

Entretanto, de uma carta constitucional para outra, algumas alterações em

seus enunciados normativos ocorreram, com amplitude e limites variáveis.

Enquanto a Constituição de 1824 fez referência a qualquer gênero de "trabalho"

(art.179, XXIV), os enunciados das Cartas de 1891 e 1934 mencionaram apenas o

livre exercício de qualquer "profissão" (art. 72, § 24, da Constituição de 1891; e

art. 113, n.o 13 da Constituição de 1934).

Já a Carta de 1937, em seu art. 122, n.o 8, referiu-se à liberdade de escolha

de "profissão" ou do gênero de "trabalho", aludindo às terminologias utilizadas pelos

textos constitucionais anteriores.

Por outro lado, a partir de 1934, os textos constitucionais vêm admitindo expres-

samente a imposição de condicionamentos legais ao exercício do direito. O art. 113,

n.o 13, da Constituição de 1934, determinava a observância das condições de

capacidade técnica e outras que a lei estabelecesse, ditados pelo interesse público.

As Constituições de 1946 e 1967, no entanto, referiam-se expressamente apenas

a condições de capacidade como restritivas ao exercício do direito, abandonando a

explicitação daquelas ditadas pelo interesse público.

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Atualmente, o direito ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão

encontra previsão no artigo 5.o, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988.177

Tal como as demais liberdades públicas, o direito ao livre exercício de qualquer

trabalho, ofício ou profissão corresponde a poderes de agir atribuídos a todos,

reconhecidos e tutelados pelo ordenamento jurídico.178

Assim, a norma constitucional visa assegurar aos seus destinatários a prerrogativa

de realizar – ou não – determinadas ações ou atividades.

Por outro lado, proíbe a ingerência, principalmente por parte dos órgãos estatais,

com a finalidade de obstar o seu exercício, impondo, a priori, um dever de abstenção.

Ademais, incumbe o Estado da tarefa de impedir e evitar a inobservância dos

preceitos normativos que enunciam o direito de liberdade, bem assim a de estabelecer

meios para coibir, inclusive judicialmente, eventuais violações.

Para Jorge Miranda, a liberdade de trabalho "é liberdade de profissão ou liberdade

dirigida a uma actividade com relevância econômica, identificada por factores

objectivos sociais e jurídicos" e que se revela "tanto na liberdade de escolha quanto

na liberdade de exercício de qualquer profissão, visto que uma pressupõe a outra

(embora a primeira tenha um alcance bem maior que a segunda)".179

O enunciado normativo insculpido no inciso XIII do art. 5.o da Constituição

Federal assegura, portanto, determinados poderes de agir sem a interferência do

Estado, ressalvados os casos constitucionalmente admitidos.

Então, quais são os principais desdobramentos decorrentes do direito ao livre

exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão?

O primeiro deles representa a prerrogativa conferida aos titulares do direito, de

optar pelo gênero de atividade laboral que considerarem mais conveniente e afeto aos

seus interesses e vocações, ou seja, um verdadeiro poder de escolha profissional.180

177 Art. 5.o, inciso XIII, da CF/88: "É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer."

178 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais . São Paulo: Saraiva, 2007. p.28.

179 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional . 4.ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. Tomo IV. p.439.

180 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988 . São Paulo, Saraiva, 2000. v.1. p.28.

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Outro desdobramento que decorre do direito ao livre exercício de qualquer

trabalho, ofício ou profissão é a garantia de meios e formas à obtenção das condições

necessárias ao exercício das respectivas atividades laborais, principalmente aquelas

atividades que demandam a observância de "qualificações profissionais" exigidas

em lei.181

Visto de outro ângulo, decorre do direito ao livre acesso às profissões que todos,

desde que possuam as "qualificações profissionais" exigidas, tenham de modo igual

o direito de exercer a profissão escolhida.

Trata-se do que Pontes de Miranda denominou direito à exclusão do privilégio

de profissão, ou seja, as profissões ou determinada categoria de atividades laborais

não podem – como nas antigas corporações de ofício – constituir privilégio de

determinados grupos ou classes.182

A aquisição do saber, indispensável à formação profissional, bem como o

exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão devem consistir em oportunidades

franqueadas a todos, sem discriminações em razão de sexo, raça, origem, atividade

lícita anteriormente exercida, religião, idéias políticas.183

Outro desdobramento decorrente do direito ao livre exercício de qualquer trabalho,

ofício ou profissão é a faculdade concedida aos seus titulares de, a qualquer tempo, mudar

de atividade ou profissão, possibilitando à pessoa alterar seus planos profissionais.184

No entanto, como todas as demais manifestações de liberdade, a liberdade de

trabalho, ofício ou profissão não é absoluta, deve ser entendida em harmonia com

os demais preceitos constitucionais.

Nessa linha de raciocínio, José Afonso da Silva classifica a liberdade de ação

profissional prevista no artigo 5.o, inciso XIII da Constituição Federal de 1988, como um

direito individual e não como uma liberdade de conteúdo social ou proteção aos traba-

lhadores, já que tal dispositivo não garante o trabalho nem assegura o seu conteúdo.

181 LEAL, Roger Stiefelmann. Atividade profissional e direitos fundamentais : breves considerações sobre o direito ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/revistajuridica/index.htm>. Acesso em: 17 out. 2008.

182 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários à constituição de 1967 com a emenda n. 1, de 1969 . Rio de Janeiro: Forense, 1987. Tomo V. p.536.

183 LEAL, op. cit. 184 MIRANDA, op. cit., p.440.

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Nessa mesma direção, a doutrina francesa entende que a liberdade de trabalho

está sujeita a certas limitações legais, algumas em relação à pessoa do trabalhador

(de idade, nacionalidade e de aptidão física) e outras em virtude de outros requisitos

específicos de profissões regulamentadas (diplomas ou outras certificações).185

Dessa forma, apesar de ter o legislador constituinte inserido a liberdade de

trabalho e exercício profissional no rol de direitos fundamentais, emprestando-lhe

forte conteúdo valorativo, não se pode entender que a Constituição lhe emprestou o

conceito de liberdade de trabalho plena, na medida em que está sujeita a certos

condicionamentos legais, alguns em relação à pessoa do trabalhador e outros em

razão de alguns requisitos específicos para poder exercê-la.

3.1.2 Do Direito de Propriedade

O Direito exerce e sofre influência da sociedade, especialmente em razão de

valores por ela considerados relevantes e dignos de tutela num dado momento histórico.

Em razão disso, o direito de propriedade também sofreu mudanças com o

passar do tempo, a fim de tentar acompanhar os fenômenos sociais.

Influenciada pelos movimentos liberais decorrentes da Revolução Francesa,

pela força da Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão de 1789186 e pela

codificação ocorrida na Europa no final do século XIX, que inclusive refletiu no

Código Civil Brasileiro de 1916, a propriedade assumiu uma feição liberal-individualista.187

185 Limitations de la liberté du travail. Comme la liberté d'entreprendre, la liberté du travail fait l'objet de certaines limitations légales qui tiennent, les unes à la personne du travailleur (condition d'âge, de nationalité et d'aptitude physique) et les autres aux exigences particulières des professions réglementées (diplômes ou autres certifications). (LYON-CAEN; PÉLISSIER; SUPIOT, op. cit., p.79).

186 A Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão de 1789 conceituou a propriedade como um direito inviolável e sagrado, do qual ninguém poderia ser privado, salvo se por necessidade pública comprovada e mediante a devida indenização.

187 CORTIANO JUNIOR, Eroulths. O discurso jurídico da propriedade e suas rupturas . Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.93.

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Em decorrência dessa carga valorativa recebida, o conceito do direito de proprie-

dade foi construído sobre uma garantia de exclusividade dos poderes proprietários,

que o afastava de quaisquer interferências alheias.188

No Brasil, a propriedade sempre foi tratada no âmbito constitucional e o direito

de propriedade, nas Cartas de 1824 e 1981, apesar de ser considerado um dos

direitos fundamentais, restringia-o como direito individual de cada cidadão.189

A Constituição de 1934, influenciada pelas cartas constitucionais do México e

de Weimar, foi a primeira que condicionou o direito de propriedade ao cumprimento

de um interesse social e coletivo, porém, sem muita eficácia.190

Em 1946, houve um avanço, porque, além de o legislador constituinte ter se

preocupado em condicionar o uso da propriedade ao bem-estar social, incluiu o

regramento da propriedade no campo da ordem econômica e social.

A Constituição de 1967 limitou-se a incluir o direito de propriedade no caput

do artigo que versava sobre os direitos e as garantias individuais – sem especificar

os seus termos, como o faziam as Constituições anteriores –, porém incluiu no seu

artigo 157, que a "ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base

nos seguintes princípios: [...] III - função social da propriedade".

Mas foi só com o advento da Constituição Federal de 1988 que a garantia do

direito de propriedade, expressa em diversos de seus artigos e sob a força do valor

da dignidade da pessoa humana, assumiu a necessidade de estar vinculada a uma

dada destinação.

Quem confirma isso é o próprio texto constitucional quando diz no artigo 5.o,

XII, que "é garantido o direito de propriedade" e, logo em seguida, proclama que

"a propriedade atenderá a sua função social" (art. 5.o, XIII).

Além disso, o mesmo texto constitucional autoriza a desapropriação com o

pagamento mediante títulos da dívida pública, de propriedade que não atende sua função

188 CORTIANO JUNIOR, op. cit., p.94. 189 Ibidem, 178. 190 GONDINHO, André Osório. Função social da propriedade, In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.).

Problemas de direito civil-constitucional . Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p.409.

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social (art. 182191, § 4.o e 184192) e coloca como princípios da ordem econômica a

propriedade privada (art. 170, II) e a função social da propriedade (art. 170, III).193

Além disso, existem outras normas constitucionais que interagem com a proprie-

dade mediante provisões especiais (art. 5.o, XXIV e XXX,194 176,195 183,196 186197).

Mais importante que essas normas que fazem expressa menção à função

social da propriedade, talvez seja outra ordem de normas, igualmente previstas no

191 Art. 182. § 4.o - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente

aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

192 Art. 184 - Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

193 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; [...] 194 Art. 5.o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...] XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade

pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

[...] XXX - é garantido o direito de herança; 195 Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia

hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

196 Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

197 Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

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texto constitucional e que vão servir para que se chegue a uma nova concepção do

direito de propriedade.198

A nova tábua valorativa trazida com a Constituição Federal de 1988 privilegia

valores existenciais em detrimento de valores patrimoniais.

É o caso do artigo 1.o, que coloca como fundamentos da República Federativa

do Brasil a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do

trabalho e da livre iniciativa.199

Também é o caso do artigo 3.o da Constituição Federal que arrola como

objetivos fundamentais da República alcançar uma sociedade livre, justa e solidária;

garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir

as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem quaisquer

discriminações.200

Essas normas constitucionais sobre propriedade implicam o reconhecimento

de que ela não pode mais ser considerada como um direito individual-patrimonial,

nem como uma instituição unicamente de Direito Privado, sofrendo o seu conceito

uma relativização para alcançar interesses proprietários e não-proprietários.201

A concepção contemporânea de propriedade está bem mais próxima da noção

de obrigação do que da concepção clássica de direito real, já que, a partir da incidência

principiológica da Constituição, o caráter absoluto do direito de propriedade vem

sendo amenizado, a ponto de, hoje, reconhecer-se no direito de propriedade uma

natureza prestacional que se opera entre o proprietário do bem e a sociedade.

198 CORTIANO JUNIOR, op. cit., p.184. 199 Art. 1.o A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e

do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos

ou diretamente, nos termos desta Constituição. 200 Art. 3.o Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer

outras formas de discriminação. 201 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo . 28.ed. São Paulo: Malheiros,

2007. p.270.

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Nesse sentido, Silvio Venosa assenta que "o direito de propriedade não pode

ser analisado individualmente, fora do seu contexto social. O bem não utilizado ou

mal utilizado é constante motivo de inquietação social". 202

Pontes de Miranda, por sua vez, diz que a Constituição mantém a instituição

da propriedade sem limites quantitativos, porém não permite que o seu mau uso

prejudique a sociedade.203

Dessa forma, é preciso entender o direito de propriedade como uma relação

entre um indivíduo (sujeito ativo) e um sujeito passivo universal, integrado por todas

as pessoas, tendo o indivíduo o dever de respeitá-lo e utilizá-lo sem que causa

qualquer dano à coletividade.204

É justamente dentro desse contexto que o direito de propriedade incide na

relação de proteção do conhecimento e dos segredos de empresa, pois a Constituição

lhe assegura a proteção, ao mesmo tempo em que lhe impõe a necessidade de

estar vinculada a uma destinação útil à sociedade e em proveito de terceiros.

3.1.3 Da Proteção à Propriedade Intelectual

Por ser modalidade específica de propriedade privada e estar inserida no

desenvolvimento econômico e social do país, o legislador constituinte conferiu status

de direito fundamental à tutela da propriedade intelectual.205

Atualmente, a Constituição Federal de 1988, no artigo 5.o, inciso XXVII, dispõe

que "aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de

suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar".

202 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direitos reais . São Paulo: Atlas, 2001. p.141. 203 PONTES DE MIRANDA, op. cit., p.48. 204 SILVA, op. cit., p.271. 205 Importante esclarecer que a propriedade intelectual contempla a propriedade industrial (invenções,

modelos de utilidade, desenhos industriais e marcas) e os direitos de autor (propriedade literária, científica e artística referentes ao autor e as suas obras (direitos autorais). Para Fábio Tokars, pode-se, ainda, utilizar um critério meramente legal para a distinção das duas espécies de bens de propriedade intelectual, estando a propriedade industrial regulada principalmente pela Lei n.o 9.279/96 e os direitos autorais regulados especialmente pela Lei n.o 9.610/98. (TOKARS, Fábio. Primeiros estudos de direito empresarial : teoria geral, direito societário, título de crédito, direito falimentar, contratos empresariais. São Paulo: Ltr, 2007. p.32).

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De igual modo, o artigo 5.o, inciso XXVIII, dispõe que "são assegurados, nos

termos da lei: "a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à

reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;" e "b) o

direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de

que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações

sindicais e associativas".

Ainda, o mesmo artigo 5.o, no seu inciso XXIX, dispõe:

A lei assegurará aos autores dos inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

Aurélio Wander Bastos,206 ao analisar o viés constitucional da propriedade

intelectual, diz que o exercício dos direitos de propriedade industrial está ligado ao

interesse social e deve ser balizado de modo a propiciar o desenvolvimento econômico

e social do país.207

Inquestionavelmente, houve o reconhecimento, pelo legislador constituinte, da

importância que a propriedade intelectual exerce no mundo contemporâneo, princi-

palmente em decorrência do desenvolvimento tecnológico e científico alcançado nos

últimos anos,208 atuando como fator determinante da competitividade e produtividade

empresarial.209

No entanto, os altos investimentos feitos em pesquisa e desenvolvimento

somente são arcados pelas empresas se elas têm a garantia de um retorno financeiro

206 BASTOS, Aurélio Wander. Propriedade industrial : política, jurisprudência, doutrina. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1991. p.20.

207 Robert E. Everson, em estudo estatístico, concluiu que o fortalecimento da proteção à propriedade intelectual gera um maior investimento em pesquisa e desenvolvimento - P&D setor da organização empresarial com a função de realizar pesquisas básicas e aplicadas, além de desenvolver protótipos e processos visando à aplicação comercial), pois existe uma forte correlação entre o investimentos e o desenvolvimento dos países em que há proteção, assim como que as taxas de retorno do investimento em P&D e de retorno social são elevadas. (EVERSON, Robert E. Propriedade intelectual e desenvolvimento econômico . Trad. Heloisa de Arruda Villela. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1992. p.87/88).

208 Para Luiz Otávio Pimentel, do ponto de vista social e econômico, a tecnologia é válida, quando consegue ser útil ao homem e atender às suas necessidades. (PIMENTEL, Luiz Otávio. Direito industrial . Chapecó: Unoesc, 1994. p.58)

209 DEL NERO, op. cit., p.40/41.

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suficiente, não só para a cobertura dos custos de produção e de distribuição,210 bem

como de um sistema legal que efetivamente lhes protege a propriedade intelectual.

Por isso, um adequado sistema de tutela da propriedade intelectual constitui

fator de incentivo a investimentos em atividades de pesquisa e desenvolvimento, na

medida em que protegem os resultados dessas atividades e asseguram às empresas a

viabilidade econômica de seus produtos e serviços.211

Assim, a regulamentação desses dispositivos constitucionais pelas Leis

n.o 9.279/96, n.o 9.609/98 e n.o 9.610/98, além de tentar assegurar às empresas

brasileiras a garantia de respeito à propriedade intelectual, contribuiu para que as

empresas multinacionais – detentoras e financiadoras de grande parte dos processos

de pesquisa e de criação de novos produtos – continuem a investir no país,212 por

encontrarem um sistema de proteção da propriedade intelectual que protege a

pesquisa e o desenvolvimento de produtos e tecnologias.

É dizer: antes mesmo do grande interesse econômico de estímulo às pesquisas

e às novas tecnologias, na proteção da propriedade intelectual há outro valor a ser

210 TOKARS, Fábio. Patentes de remédios, proposta de combate aos abuso s. Disponível em: <http://www.parana-online.com.br/colunistas/277/59852/>. Acesso em: 13 out. 2008.

211 SILVEIRA, João Marcos. A proteção jurídica dos segredos industriais e de negócios. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financei ro , São Paulo, ano XL, n.121, p.153, jan./mar. 2001.

212 As empresas multinacionais investiram US$ 959 milhões por ano no Brasil em 2007. O volume de recursos foi identificado por uma pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de

Estudos e Empresas Transnacionais e de Globalização (Sobeet), que envolveu 85 empresas multinacionais que atuam no Brasil – cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional e 15% do PIB industrial brasileiro. O estudo aponta ainda US$ 546 milhões em desenvolvimento de novas tecnologias e pesquisas. "O investimento em pesquisa é uma questão de sobrevivência, pois as mesmas empresas estão concorrendo no Brasil e no exterior", explica Virene Roxo Matesco, professora do programa de pós-graduação da Universidade Católica de Pernambuco e da Fundação Getúlio Vargas. A professora destaca que a preocupação com a realização de pesquisas contradiz o esteriótipo formado em torno das empresas multinacionais – de que nunca investiriam no Brasil, apenas importando tecnologia. Em média, cada multinacional investe em pesquisa 3,7% do faturamento obtido no Brasil. A proporção é semelhante à identificada nas unidades das multinacionais em funcionamento em outros países. No Japão e Estados Unidos, por exemplo, este investimento é de 4,8%, caindo para 3,3% na França. "Quando incluimos, na amostra, empresas de origem nacional, o percentual cai, atingindo 1,3%", comenta Virene Roxo Matesco, que também é diretora da Sobeet. O levantamento da Sobeet identificou, ainda, que as empresas de maior porte têm no Brasil a mesma tecnologia que usam em seus países de origem. "Isto porque as concorrentes também estão no Brasil oferecendo o mesmo estágio tecnológico que dispõem em suas matrizes", ressalta a professora. As empresas de menor porte, por sua vez, usam ou ofertam produtos e serviços desatualizados em relação à sede. (Disponível no sítio do Jornal do Comércio em: <http://www2.uol.com.br/JC/_2000/1704/ec1704b.htm>. Acesso em: 02.out. 2008).

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alcançado, talvez de maior magnitude, que é justamente o de propiciar à sociedade

brasileira condições de alcançar o desenvolvimento econômico e social.

3.2 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS REGULADORES DA ATIVIDADE

ECONÔMICA

Antes de se tratar especificamente dos princípios constitucionais incidentes

na relação de tutela do conhecimento e dos segredos de empresa, importante trazer

à transcrição o seguinte ensinamento de José Joaquim Gomes Canotilho:

[...] a Constituição é uma lei, configurando a forma típica de qualquer lei, compartilhando com as leis em geral um certo número de características (forma escrita, redação articulada, publicação oficial etc). Mas também, é uma lei diferente das outras: é uma lei específica, já que o poder que a gera e o processo que a veicula são tidos como constituintes, assim como o poder e os processos que a reformam são tidos como constituídos, por ela mesma; é uma lei necessária, no sentido de que não pode ser dispensada ou revogada, mas apenas modificada; é uma lei hierarquicamente superior – a lei fundamental, a lei básica – que se encontra no vértice da ordem jurídica, à qual todas as leis têm de submeter-se; é uma lei constitucional, pois, em princípio, ela detém o monopólio das normas constitucionais. 213

A partir dessa concepção de Constituição como lei fundamental que se encontra

no vértice da ordem jurídica e à qual todas as demais leis têm de se submeter,

Canotilho se reporta à idéia de que a Lei Maior deve representar um sistema aberto,

composto por princípios e regras, o que vem a ser salutar à sociedade.214

Isso porque, um sistema jurídico constituído exclusivamente de regras exigiria

uma atividade legislativa incessante, sem qualquer lugar para a complementação e o

desenvolvimento do ordenamento jurídico.

Por outro lado, um sistema baseado exclusivamente em princípios também

seria inaceitável, pois a indeterminação e a inexistência de regras precisas poderiam

conduzir a um sistema falho de segurança jurídica.

213 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Fundamentos da constituição . Coimbra: Almedina, 1991. p.40. 214 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional . 5.ed. Coimbra: Livraria Almedina,

1991. p.171/172.

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Assim, Canotilho classifica regras e princípios constitucionais como duas espécies

de normas que, contudo, apresentam alguns critérios que os distinguem.215

Enquanto os princípios possuem um grau de abstração relativamente elevado,

as regras possuem uma abstração mais reduzida. Os princípios, por serem vagos e

indeterminados, precisam de uma atuação concretizadora por parte do intérprete,

enquanto as regras são suscetíveis de aplicação imediata.216

Os princípios são normas que apresentam um papel fundamental no ordenamento

jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios

constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico

(ex.: princípio do Estado Democrático de Direito), ao passo que as regras podem ser

normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional.217

Não por outra razão é que Luís Roberto Barroso afirma que os princípios

constitucionais são a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica e

"consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por

todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos".218

De igual modo, Celso Bastos enuncia que "[...] os princípios consagrados

constitucionalmente, servem, a um só tempo, como objeto da interpretação constitu-

cional e como diretriz para a atividade interpretativa, como guias a nortear a opção

de interpretação".219

No âmbito da atividade econômica, a Constituição Federal de 1988 reconhece

um sistema econômico capitalista em que os fatores de produção são detidos pelos

entes privados, que deles dispõem e podem se valer para obter o lucro.220

No entanto, ainda que o Estado possa intervir na economia mediante a exploração

direta de algumas atividades ou mediante atos normativos ou de gestão, não é isso

que irá desnaturar a essência do modo de produção capitalista conferido pelo legislador

constituinte à ordem econômica, tampouco implica dizer que ela teria recebido

215 CANOTILHO, Direito constitucional , p.172. 216 Idem. 217 Ibidem, p.173. 218 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição . São Paulo: Saraiva, 2007.

p.142/143. 219 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional . 21.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.57. 220 MOREIRA, Egon Bockmann. Os princípios constitucionais da atividade econômic a.

Disponível em: <calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/viewFile/8751/6577>. Acesso em: 02 out. 2008.

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um "sopro de socialização",221 o que pode ser constatado pela rápida leitura dos artigos

1.o e 170 da Carta Magna, de onde emanam os fundamentos e os princípios da

ordem econômica.222

Assim, destacada a importância dos princípios constitucionais como vetores de

interpretação e concretização das normas jurídicas, importante se faz a contextualização

deles no âmbito da atividade econômica, passando a ser adiante tratados aqueles

que incidem mais diretamente na relação de proteção do conhecimento e dos

segredos de empresa.

3.2.1 A Dignidade da Pessoa Humana

A proclamação constitucional do princípio da dignidade da pessoa humana

pela Carta de 1988 foi a oficialização de um direito previsto por civilizações antigas e

a sua expressa previsão no texto constitucional se deu como forma de reação ao

221 SILVA, op. cit., p.786. 222 Art. 1.o A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e

do 'Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] omissis III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,

tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto

ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras

e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional n.o 6, de 1995)

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

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autoritarismo militar, às violações freqüentes a direitos e garantias fundamentais que

a sociedade havia enfrentado nas décadas anteriores.223

A Constituição de 1988, ao incluir a dignidade da pessoa humana como

fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1.o, III, da CF), atribuiu-lhe plena

normatividade, projetando-a para todo o sistema jurídico, político, social e econômico,

fazendo-a o principal alicerce da República e do Estado Democrático de Direito e

permitindo que possua proeminência axiológico-normativa sobre os demais valores

constitucionais.224

Tanto assim que o legislador constituinte, ao dispor que a ordem econômica

tem por fim assegurar a todos a existência digna (art. 170, caput, CF), erigiu-o

também como princípio da atividade econômica.

Dentre os diversos doutrinadores nacionais que discorrem com maestria sobre o

princípio da dignidade da pessoa humana, Ingo Wolfgang Sarlet consegue sintetizar

todo o rol de proteção estabelecido por esse princípio:

A dignidade da pessoa humana corresponde à qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover a sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.225

223 RIVABEM, Fernanda Sceffer. A dignidade da pessoa humana como valor-fonte do si stema constitucional brasileiro . Disponível em: <ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/viewPDF Interstitial/7003/4981>. Acesso em: 09 out. 2008.

224 "Quanto a ela, observam José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, que fundamenta e confere unidade não apenas aos direitos fundamentais – direitos individuais e direitos sociais e econômicos – mas também à organização econômica. Isso, sem nenhuma dúvida, torna-se plenamente evidente no sistema da Constituição de 1988, no seio da qual, como se vê, é ela – a dignidade da pessoa humana – não apenas fundamento da República Federativa do Brasil, mas também o fim ao qual se deve voltar a ordem econômica (mundo do ser)." (GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988 : interpretação e crítica. 12.ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.176).

225 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais . 2.ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p.60.

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Luís Roberto Barroso estabelece o conceito de dignidade da pessoa humana,

considerando o mínimo existencial e os elementos que o constituem como padrão

mínimo para uma existência digna.226

O princípio da dignidade da pessoa humana fundamenta e confere unidade

não só aos direitos fundamentais, como também à organização econômica, impli-

cando reconhecer que a República Federativa do Brasil – como entidade política

constitucionalmente organizada – ao mesmo tempo em que tem na soberania, na

cidadania, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa seus fundamentos,

preconiza que a ordem econômica deve ser pautada pelo valor pessoa humana.227

Em outras palavras, quer dizer que o valor "dignidade da pessoa humana"

assume acentuada relevância na atividade produtiva, comprometendo e interferindo

no exercício da atividade econômica, que deve ser dinamizada de forma a sempre

buscar a concretização de condições materiais que tornem possível o alcance do

valor constitucionalmente consagrado.

Para Eros Grau, todos os atores sociais envolvidos na atividade econômica –

sejam do setor público ou da iniciativa privada – devem estar empenhados na concre-

tização desse valor, sob pena de violação do princípio duplamente contemplado na

Constituição Federal.228

Nessa linha de idéias, o princípio da dignidade da pessoa humana deve servir

como um norte referencial a ser levado em consideração por ocasião de uma

discussão a respeito da viabilidade de uma cláusula de não-concorrência, na medida

em que valores econômicos não podem se sobrepor a valores materiais que busquem

alcançar o que é constitucionalmente consagrado.

226 "Dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio da humanidade. O conteúdo jurídico do princípio vem associado aos direitos fundamentais, envolvendo aspectos de direitos individuais, políticos e sociais. Seu núcleo material elementar é composto do mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade. Aquém daquele patamar, ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade. O elenco de prestações que compõe o mínimo existencial comporta variação conforme a visão subjetiva de quem o elabore, mas parece haver razoável consenso de que inclui: renda mínima, saúde básica e educação fundamental. Há ainda, um elemento instrumental, que é o acesso à justiça, indispensável para a exigibilidade e efetivação dos direitos". (BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. Revista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul , Porto Alegre, n.46, p.59, 2002).

227 GRAU, A ordem ..., p.196. 228 Ibidem, p.198.

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Por isso, e como reflexo direto da incidência do princípio da dignidade da pessoa

humana, a previsão do pagamento de uma indenização durante o período de limitação

da atividade exercida pelo ex-empregador, compensaria uma possível redução de

seus ganhos, permitindo a manutenção de suas condições materiais.

3.2.2 O Valor Social do Trabalho e a Livre Iniciativa

O valor social do trabalho e a livre iniciativa, além de serem fundamentos

da República Federativa do Brasil (art. 1.o, IV, da CF), constituem fundamentos da

ordem econômica.

Mais, além de fundamentos, esses valores devem ser entendidos como princípios

que conformam a estrutura do sistema constitucional e norteiam o sistema econômico.

O trabalho é um componente das relações de produção e, nesse sentido,

tem repercussão econômica e social incomensuráveis, pois é ele o meio de subsis-

tência humana.

Por isso, apesar de ser uma relação jurídica estruturada sob a forma de um

contrato e dele emanarem de forma mais direta efeitos pecuniários, não pode ficar

relegado às questões puramente patrimoniais.

Nessa linha de idéias, da inserção do trabalho como fundamento e princípio

da atividade econômica resulta a necessidade de se reconhecer que a proteção da

pessoa do trabalhador deve prevalecer sob o aspecto patrimonial existente nas

relações de trabalho.229

Assim, o valor do trabalho quer significar que todos os indivíduos têm direito

ao trabalho, mas não a qualquer trabalho.

Apenas aqueles que sejam dignos e adequados, segundo uma visão que atenda

a uma adequação física, moral e social, não podendo os interesses patrimoniais do

empresário sempre se sobrepor aos interesses sociais.

229 GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho . Rio de Janeiro: Forense, 2006. p.34.

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O trabalho compreendido sob a ótica constitucional de sua valorização,

implica o dever ativo de o Estado intervir na sociedade e na atividade econômica de

molde a fazer ser alcançado o objetivo constitucional.230

Além disso, conforme preceitua Eros Grau, o enaltecimento do trabalho como

valor social pretende a conciliação e a compatibilização dos titulares do capital e do

trabalho, num potencial transformador da sociedade.231

Já a livre iniciativa, princípio elementar do liberalismo econômico,232 surgiu

como decorrência da luta empreendida pelos agentes econômicos para se libertarem

dos vínculos que sobre eles recaíam por herança do período do mercantilismo.233

No final do século XIX e início do XX, a livre iniciativa significava uma garantia

aos proprietários de bens de regular suas relações da forma como entendessem

mais pertinentes, assim como de desenvolverem livremente a atividade escolhida.

No entanto, a evolução das relações de produção e a necessidade de propiciar

melhores condições de vida aos trabalhadores, aliados ao mau uso dessa liberdade

de iniciativa, tal como propugnada pelos defensores do liberalismo econômico,

fizeram surgir mecanismos de condicionamento da iniciativa privada, a fim de que se

alcançasse a realização de justiça social.234

Modernamente, a livre iniciativa, a par de trazer em seu bojo a idéia de

liberdade de profissão no plano individual – as pessoas têm a possibilidade de optar

pela profissão que mais lhe agrade, desde que atendidas às exigências legais,

regulamentares e acadêmicos –, permite ao empreendedor a possibilidade de

230 GRAU, A ordem , p.199. 231 Idem. 232 As teses do liberalismo Econômico foram criadas no século XVIII com a intenção de combater o

mercantilismo, cujas práticas já não atendiam às novas necessidades do capitalismo. O seu pressuposto básico era a emancipação da economia de qualquer dogma externo a ela mesma, devendo o Estado apenas dar condições para que o mercado seguisse de forma natural seu curso. (HUNT, E. K.. História do pensamento econômico . Rio de Janeiro: Vozes, 1999).

233 Mercantilismo é o nome dado por Adam Smith a um conjunto de práticas econômicas desenvolvidas na Europa, entre o século XV e os finais do século XVIII, baseadas na crença de que a riqueza de uma nação residia na acumulação de metais preciosos (ouro e prata), através do incremento das exportações e da restrição das importações, alcançando uma balança comercial favorável. O estado desempenha um papel intervencionista na economia, implantando novas indústrias protegidas pelo aumento dos direitos alfandegários sobre as importações (protecionismo), controlando os consumos internos de determinados produtos, melhorando as infra-estruturas e promovendo a colonização de novos territórios (monopólio), o que garantiria o acesso a matérias-primas e o escoamento de produtos manufaturados. (Ibidem).

234 SILVA, op. cit., p.663.

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instalar e realizar os seus investimentos, de competir lealmente nos mercados e de

auferir lucros.235

Manoel Gonçalves Ferreira Filho considera a livre iniciativa como a "[...] a combi-

nação da liberdade de trabalho com a liberdade de associação [...] é a liberdade de

trabalhar num determinado campo ou a liberdade de se associar para trabalhar numa

determinada atividade".236

Para Celso Ribeiro Bastos, a livre iniciativa

[...] é uma manifestação dos direitos fundamentais e no rol daqueles devia estar incluída. De fato o homem não pode realizar-se plenamente enquanto não lhe for dado o direito de projetar-se através de uma realização transpessoal. Vale dizer, por meio da organização de outros homens com vistas à realização de um objetivo. Aqui a liberdade de iniciativa tem conotação econômica. Equivale ao direito que todos têm de lançarem-se ao mercado da produção de bens e serviços por sua conta e risco. Aliás, os autores reconhecem que a liberdade de iniciar a atividade econômica implica a de gestão e a de empresa.237

Cabe ressaltar a observação feita por Celso Ribeiro Bastos no sentido de que

a liberdade de iniciativa também pressupõe uma liberdade contratual, que permite

aos agentes econômicos atuarem no mercado, comprando, vendendo, negociando

preços e produtos e transferindo tecnologias.238

Porém, tal como as demais liberdades, essa liberdade de iniciativa não é absoluta

e experimenta algumas limitações de ordem jurídica, econômica e sociocultural.

A limitação de ordem jurídica, pode-se verificar pela existência de setores

exclusivos de atuação estatal, como no caso dos serviços públicos e do monopólio

de exploração de minerais nucleares e do petróleo.

A restrição de natureza econômica se apresenta quando existe mais de um

agente econômico na mesma atividade ou quando encontra óbices tecnológicos

(p. ex. freqüência das ondas de telefonia celular) ou físicos (p. ex. aeroportos, ferrovias

e portos).

235 MOREIRA, op. cit. 236 FERREIRA FILHO, Comentários ..., p.106. 237 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do Brasil . 2.ed.

São Paulo: Saraiva, 2000. v. 7. p 16. 238 BASTOS, C. R., op. cit., p.117.

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As limitações de caráter sociocultural estão relacionadas aos princípios da

dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho, quando não se permite,

exemplificativamente, a exploração econômica da prostituição alheia e de seres

humanos com peculiaridades e deformidades físicas.

Então, o que o texto constitucional pretendeu ao declarar que a atividade

econômica está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa?

Pretendeu enunciar que ao mesmo tempo em que consagrou uma economia de

mercado de natureza capitalista, que tem na livre iniciativa um dos seus primados,

priorizou o trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado,

orientando a atuação das empresas na economia.239

Dentro desse contexto, por ocasião da pactuação de cláusula de não-concor-

rência, esses dois princípios também devem ser levados em consideração, aparecendo

como verdadeiros justificadores da necessidade de se prever uma limitação temporal

para a restrição ao exercício da atividade que se quer preservar.

Assim, ao mesmo tempo em que se assegura a livre iniciativa empresarial,

não se retira do trabalhador a oportunidade de trabalhar em outra atividade ou função

que não àquela exercida na empresa, assim como não se lhe impede, ad infinitum, a

possibilidade de voltar a prestar serviços na área em que atuou e na qual já possui

experiência profissional.

3.2.3 A Busca do Pleno Emprego

Considerado por José Afonso da Silva um princípio de integração, na medida

em que busca resolver os problemas da marginalização social, a busca do pleno

emprego é um princípio diretivo da economia e da atuação empresarial, estando

ainda voltado à oposição de políticas recessivas.240

239 SILVA, op. cit., p.788. 240 Ibidem, p.796.

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A sua concretização pretende a utilização em grau máximo, de todos os

recursos produtivos disponíveis na sociedade, como meio de propiciar trabalho a

todos àqueles que estejam em condições de exercer uma atividade produtiva.241

Em harmonia com o valor social do trabalho, o princípio da busca do pleno

emprego impede que as empresas e a economia, de uma forma geral, apenas absorvam

a força de trabalho disponível, tal como o consumo absorve as mercadorias,

impondo uma busca pelo emprego qualitativo e não somente quantitativo.242

Para Eros Grau, o princípio da busca do pleno emprego consubstancia "[...]

indiretamente, uma garantia para o trabalhador, na medida em que está coligado ao

princípio da valorização do trabalho humano e reflete efeitos em relação ao direito

social do trabalho" decorrendo do seu caráter integrativo, conseqüências marcantes,

dentre elas, a de tornar inconstitucional a implementação de políticas recessivas.243

Esse princípio reforça a idéia de que o trabalho, ao lado da atividade empresarial,

é a base do sistema econômico e, por isso, deve receber tratamento diferenciado,

como principal fator de produção e partícipe do produto e da renda nacionais.

Desse modo, por ocasião da celebração de cláusula de não-concorrência, o

princípio da busca do pleno emprego será violado, se as partes não convencionarem

a área de abrangência territorial em que a restrição/proibição da concorrência irá

operar, assim como deixarem de indicar, de forma clara e expressa, quais atividades

podem ou não ser exercidas pelo trabalhador.

Do contrário, estar-se-ia admitindo que o trabalhador poderia estar impedido

de trabalhar em qualquer lugar e em qualquer atividade.

3.2.4 Da Propriedade Privada e a sua Função Social

A Constituição Federal de 1988 reconheceu a propriedade privada e a sua

função social como princípios da ordem econômica, tal como preceituados no artigo

170, incisos II e III.

241 SILVA, op. cit., p.796. 242 Ibidem, p.797. 243 GRAU, A ordem , p.253.

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O legislador constituinte, ao inserir a função social da propriedade como um

dos princípios da atividade econômica, ao lado de outros como a valorização do

trabalho humano, a busca do pleno emprego, a defesa do consumidor e do meio

ambiente, demonstrou sua predisposição para considerá-lo no contexto da empresa,

pois no modelo de produção capitalista, é a empresa quem detém a propriedade dos

bens de produção.244

Eros Grau também compartilha da mesma opinião, ao asseverar que "na verdade,

ao nos referirmos à função social dos bens de produção em dinamismo, estamos a

aludir à função social da empresa".245

Fábio Konder Comparato afirma que no exercício da atividade empresarial "há

interesses internos e externos que devem ser respeitados: não só os das pessoas

que contribuem diretamente para o funcionamento da empresa, como os capitalistas

e trabalhadores, mas também os interesses da 'comunidade' em que ela atua".246

Sobre a função social da empresa, Modesto Carvalhosa aduz

Tem a empresa uma óbvia função social, nela sendo interessados os empregados, os fornecedores, a comunidade em que atua e o próprio Estado, que dela retira contribuições fiscais e parafiscais. Considerando-se principalmente três as modernas funções sociais da empresa. A primeira refere-se às condições de trabalho e às relações com seus empregados [...] a segunda volta-se ao interesse dos consumidores [...] a terceira volta-se ao interesse dos concorrentes [...]. E ainda mais atual é a preocupação com os interesses de preservação ecológica urbano e ambiental da comunidade em que a empresa atua.247

Nessa linha de idéias, para cumprir sua função social, a empresa deve produzir

de modo a contribuir para a melhoria de condições não só de seus sócios, como

também a de todos os atores sociais que com ela interagem.

Uma empresa cumpre sua função social quando faz o correto uso de sua

estrutura segundo a sua natureza, alcança a finalidade capitalista de distribuição de

lucros aos seus sócios e, ao mesmo tempo, consegue com as suas atividades

244 SILVA, op. cit., p.814. 245 GRAU, Eros Roberto. Elementos de direito econômico . São Paulo: Revista do Tribunais, 1981. p.128. 246 COMPARATO, Fábio Konder. A reforma da empresa . São Paulo: Saraiva, 1990. p.44. 247 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei das sociedades anônimas . 3.ed. rev. e atual. São

Paulo: Saraiva. 2003. v.3. p.237.

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contribuir para o desenvolvimento social, cultural e econômico de todos aqueles que

com ela interagem.248

De igual forma, ao recolher os tributos devidos, ao empregar com dignidade e

zelar pelas normas de saúde e segurança de seus trabalhadores, bem como ao

comercializar produtos e serviços que respeitem o meio ambiente e os direitos dos

consumidores, a função social também estará sendo cumprida.

Isso também ocorre quando a empresa investe em pesquisa e no desenvol-

vimento de novos produtos, na medida em que contribui para o desenvolvimento

tecnológico e econômico da sociedade.

Importante deixar registrado, contudo, que a função social da empresa não deve

ser encarada como a obrigação de doar, de amparar, de financiar ou, de qualquer

forma, garantir resultados filantrópicos à sociedade, tampouco fazer as vezes do

Estado que não consegue responder aos anseios de seus cidadãos e cumprir com

as suas funções essenciais.249

Assim, se a Constituição Federal protege a propriedade privada que no exercício

de suas atividades, cumpre com a sua função social, está, igualmente, a reconhecer

que o patrimônio material e intelectual de uma empresa também é merecedor

de tutela.

3.2.5 A Livre Concorrência

Como imanente ao sistema econômico capitalista e à consagração da livre

iniciativa, o texto constitucional, no artigo 170, inciso IV, contempla o princípio da

livre concorrência.

A livre concorrência atua como um dos alicerces da estrutura liberal da economia,

sendo, inclusive, um dos traços diferenciadores das doutrinas socialistas.250

248 GONDINHO, op. cit., p.413. 249 CAPEL FILHO, Hélio. A função social da empresa : adequação às exigências do mercado ou

filantropia? Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/15411>. Acesso em: 15 out. 2008. 250 BASTOS, C. R., op. cit., p.354.

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Para Luis Alberto David de Araújo e Vidal Serrano Nunes, o dispositivo constitu-

cional em apreço "tem por escopo assegurar o regime de mercado no cenário econômico

nacional" e "qualquer tipo de conduta estatal ou privada que venha a coibir o regime

de livre concorrência estará violando a Constituição".251

A sua atuação implica reconhecer a inexistência de óbices a que os agentes

econômicos ingressem nos mercados e nele se relacionem com os demais atores

sociais, assim como prestigia a liberdade de ingresso das empresas no mercado,

vedando, contudo, a imposição de barreiras de entrada e saída.

Além disso, enaltece a liberdade de exercício e gestão, celebrando o uso do

poder econômico de cada um dos agentes de forma leal, proibindo violações sob a

forma da conduta dos agentes ou das estruturas empresariais (p ex. dumping).252

Sendo livre a concorrência, as leis do mercado é que determinarão as circuns-

tâncias em que haverá ou não êxito do empreendedor.253

Para Carlo Barbieri Filho, a livre concorrência "é disputar, em condições de

igualdade, cada espaço com objetivos lícitos e compatíveis com as aspirações nacionais.

Consiste, no setor econômico, na disputa entre todas as empresas para conseguir

maior e melhor espaço no mercado".254

Isabel Vaz comenta que a livre concorrência normalmente pressupõe uma

[...] ação desenvolvida por um grande número de competidores, atuando livremente no mercado de um mesmo produto, de maneira que a oferta e a procura provenham de compradores ou de vendedores cuja igualdade de condições os impeça de influir, de modo permanente e duradouro, nos preços dos bens ou serviços.255

O princípio da livre concorrência é uma manifestação da liberdade de iniciativa

econômica privada e a Constituição Federal, para garanti-la, dispõe no artigo 173,

251 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional . 6.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p.375.

252 MOREIRA, op. cit. 253 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional . 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.254. 254 BARBIERI FILHO, Carlo. Disciplina jurídica da concorrência . São Paulo: Resenha Tributária,

1984. p.27. 255 VAZ, Isabel. Direito econômico da concorrência . Rio de Janeiro: Forense, 1993. p.27.

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§ 4.o, que "a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos

mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros".256

Para Tércio Sampaio Ferraz Júnior, a liberdade de concorrência a que alude a

Constituição Federal como um dos princípios da ordem econômica não é a do mercado

concorrencial oitocentista, em que se exigia a observância estrita da pluralidade de

agentes e a influência isolada e dominadora de uns sobre os outros, mas, sim, a de

um processo comportamental competitivo que admite gradações.257

Para ele, a competitividade é o que define a livre concorrência que, por sua

vez, é forma de tutela do consumidor, na medida em que induz a uma distribuição de

recursos a preços mais baixos.

Além disso, do ponto de vista político, a livre concorrência é garantia de

oportunidades iguais a todos os agentes, atuando como uma verdadeira forma de

desconcentração de poder.258

Por fim, Tércio Sampaio Ferraz Júnior assevera que "[...] de um ângulo social,

a competitividade deve gerar extratos intermediários entre grandes e pequenos

agentes econômicos, como garantia de uma sociedade mais equilibrada".259

Nestas condições, a livre concorrência assume natureza de instrumento de

realização de uma política econômica cujo objetivo não é o de simplesmente reprimir

práticas econômicas e mercadológicas abusivas, mas, também, o de estimular todos

os agentes econômicos – tanto as empresas como a classe trabalhadora – a

participarem do esforço conjunto de desenvolvimento econômico e social, dentro de um

contexto que impede práticas concorrenciais desleais e o abuso do poder econômico.260

256 SILVA, op. cit., p.795. 257 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A economia e o controle do Estado. O Estado de São Paulo ,

edição de 04 jun. 1989. 258 FERRAZ JÚNIOR, op. cit. 259 Ibidem. 260 MARTINS DA SILVA, Américo Luís. A ordem constitucional econômica . Rio de Janeiro: Lumen

Júris, 1996. p.58.

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3.3 A LIVRE INICIATIVA E A LIVRE CONCORRÊNCIA COMO BALIZADORES DA

LIBERDADE DE TRABALHO

3.3.1 Da Técnica da Ponderação de Valores Constitucionais

Durante muitos anos, a subsunção261 foi praticamente a única fórmula para a

interpretação do Direito e ainda continua a ser fundamental para a sua correta aplicação.

Ocorre que, recentemente, os operadores jurídicos se deram conta de que o

processo subsuntivo dos fatos à norma encontra limites e não é suficiente para, de

per si, lidar com situações decorrentes, principalmente, da aplicação e interpretação

dos princípios constitucionais, especialmente, quando mais de uma norma constitucional

pode incidir sobre um mesmo conjunto de fatos.262

Essa afirmação pode ser facilmente confirmada quando se traz o exemplo da

oposição entre a liberdade de imprensa e de expressão, de um lado, e os direitos à

honra, intimidade e à vida privada, do outro.

Como se pode facilmente perceber, as normas envolvidas tutelam valores

distintos e conflitantes, que podem apontar por soluções contraditórias para a questão.

Sob a ótica do processo interpretativo tradicional da subsunção, a solução para

esse problema acabaria pela escolha de incidência de apenas uma das normas, com

o descarte das demais.

E isso, do ponto de vista da Constituição não seria adequado, tendo em vista

a incidência do princípio da unidade da Constituição, 263 que impede que o intérprete

simplesmente opte por uma norma e despreze a outra, em tese também aplicável,

agindo como se houvesse hierarquia entre as normas constitucionais.264

261 Técnica interpretativa em que a premissa maior, a norma, incide sobre a premissa menor, os fatos, produzindo a aplicação do conteúdo da norma ao caso concreto.

262 BARROSO, Interpretação ..., p.357. 263 Como ressalta Canotilho, "o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição em

sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão entre as normas constitucionais a concretizar" (apud SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na constituição federal . Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p.99/100).

264 Ibidem, p.237.

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Como resposta a estas situações, a interpretação constitucional se viu no dever

de desenvolver técnicas capazes de lidar com a constatação de que a Constituição é

um instrumento dialético, que tutela ao mesmo tempo valores e interesses poten-

cialmente conflitantes, e que os princípios nela previstos podem, freqüentemente,

entrar em rota de colisão.265

É dizer: quando se interpreta a Constituição, não é possível simplesmente

escolher uma norma em detrimento das demais, pois, de acordo com o princípio

da unidade da Constituição, todas as disposições constitucionais têm a mesma

hierarquia e devem ser interpretadas de forma harmônica e sistemática.

Tal também pode acontecer com normas infraconstitucionais que, refletindo

os conflitos internos da Constituição, encontram suporte lógico e axiológico em algumas

normas constitucionais, mas parecem afrontar outras, quando então a verificação da

constitucionalidade dessas normas infraconstitucionais não poderá ser resolvida por

uma mera subsunção.266

Assim, Luís Roberto Barroso afirma que "será preciso um raciocínio de estrutura

diversa, mais complexo, que seja capaz de trabalhar multidirecionalmente, produzindo a

regra concreta que vai reger a hipótese a partir de uma síntese dos distintos elementos

normativos incidentes sobre aquele conjunto de fatos".267

Nessa linha de idéias, cada um dos valores incidentes sobre dada relação

fático-jurídica deverá ser utilizado na medida da sua importância e pertinência para a

solução do caso concreto, de modo que a solução final, tal como em um quadro bem

pintado, as diferentes cores podem ser percebidas, ainda que uma ou algumas delas

venham a se destacar sobre as demais.268

Essa técnica de decisão ou interpretação jurídica se convencionou chamar de

técnica da ponderação de valores.

265 BARROSO, Interpretação ..., p.357. 266 BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns parâmetros normativos para a ponderação de interesses. In:

BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional : ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.52.

267 BARROSO, Interpretação ..., p.357. 268 Ibidem, p.358.

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Para Ana Paula de Barcellos, a ponderação pode ser descrita

como uma técnica de decisão própria para casos difíceis (do inglês hard cases), em relação aos quais o raciocínio tradicional da subsunção não é adequado. A estrutura geral da subsunção pode ser descrita da seguinte forma: premissa maior – enunciado normativo – incidindo sobre a premissa menor – fatos –, produzindo, como conseqüência, a aplicação da norma ao caso concreto. O que ocorre comumente nos caso difíceis, porém, é que convivem, postulando aplicação, diversas premissas maiores igualmente válidas e de mesma hierarquia; estas, todavia, indicam soluções normativas diversas e muitas vezes contraditórias. A subsunção não tem instrumentos para produzir uma conclusão que seja de considerar todos os elementos normativos pertinentes; sua lógica tentará isolar uma única norma para o caso.269

Dessa maneira, a ponderação de interesses e valores constitucionais se

caracteriza pela preocupação com a análise da situação concreta em que ocorreu o

conflito, dando a um ou mais valores constitucionais um peso específico ou, ao

menos, decidir pela aplicação preponderante de um deles, sem, contudo, desprezar

outras normas constitucionais igualmente merecedoras de tutela.270

Segundo Daniel Sarmento, a ponderação de interesses só se torna necessária

quando, de fato, estiver caracterizada a colisão entre pelo menos dois valores consti-

tucionais igualmente incidentes sobre um caso concreto.271

De modo simplificado, é possível descrever a estrutura da técnica de ponderação

em três etapas.

A primeira etapa que se impõe ao intérprete, diante de uma possível ponderação,

é a de proceder à interpretação dos dispositivos ou normas envolvidas,272 para

verificar se eles efetivamente se confrontam na resolução do caso, ou se, ao contrário,

é possível harmonizá-los.

269 BARCELLOS, op. cit., p.55. 270 Ibidem, p.56. 271 SARMENTO, A ponderação ..., p.99. 272 Luís Roberto Barroso cuida de fazer referência no sentido de que norma não se confunde com

dispositivo porque às vezes uma norma será o resultado da conjugação de mais de um dispositivo, ao mesmo tempo em que um dispositivo considerado de forma isolada pode não conter apenas uma norma, mas até mais do que uma. (BARROSO, Interpretação ..., p.358).

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Nessa tarefa, o intérprete estará dando cumprimento ao princípio da unidade

da Constituição, que lhe demanda o esforço de buscar a conciliação entre normas

constitucionais aparentemente conflitantes, evitando as antinomias e colisões.273

Oportuno ressaltar que a estrutura aberta e flexível dos princípios, que não

possuem um campo de incidência rigidamente delimitado, torna, por vezes, muito

difícil a tarefa de estabelecer, de início, os seus âmbitos normativos.

Por isso, a análise do caso concreto se revela fundamental para a verificação

da existência ou não do conflito entre os princípios constitucionais em disputa.

Em muitos casos, o trabalho do intérprete acabará nesta fase, diante da

constatação de que não se está presente diante de uma verdadeira colisão de

valores constitucionais.274

Na segunda etapa, cabe ao intérprete examinar os fatos, as circunstâncias

concretas do caso e a sua interação com os elementos normativos. A importância

que se deverá atribuir a cada um dos elementos normativos indicados na primeira

fase depende em boa dose dos fatos.

Isso porque, não obstante as regras e princípios constitucionais tenham uma

existência autônoma no mundo abstrato dos enunciados normativos, somente no

momento em que interagem com as situações concretas é que o seu conteúdo será

concretizado e os fatos ganharão sentido.

E na terceira fase – a fase de decisão – é que a ponderação irá se sobressair

em relação à técnica de subsunção. Nesta etapa, é que se estará examinando

conjuntamente os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos sobre

eles, a fim de se apurar quais pesos devem ser atribuídos aos diferentes elementos

em disputa e, se um deles, deverá preponderar sobre os demais.275

273 BASTOS, Luiz Allende-Toha de Lima. Ponderação de interesses: acesso ao emprego público x garantia de proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa consistente numa indenização. Jus Navigandi , Teresina, ano 11, n.1406, 8 maio 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9847>. Acesso em: 20 out. 2008.

274 SARMENTO, A ponderação ..., p.102. 275 BARROSO, Interpretação ..., p.360.

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Em seguida, é preciso ainda decidir quão intensamente esse grupo de

normas – e a solução por ele indicada – deve prevalecer em detrimento dos demais,

ou seja: sendo possível graduar a intensidade da solução escolhida, será necessário

avaliar qual deve ser o grau apropriado ao caso.

No entanto, como em cada uma das três etapas – identificação das normas

aplicáveis, seleção dos fatos relevantes e atribuição geral de pesos, chegando-se a

uma conclusão – envolve critérios subjetivos que poderão variar em razão das

circunstâncias pessoais e sociais do intérprete, Luís Roberto Barroso e Ana Paula de

Barcellos sustentam que os princípios da proporcionalidade – mediante a vedação

do excesso – e da razoabilidade serão instrumentos importantes para a verificação e

eventual correção dos argumentos apresentados pelo intérprete em suporte a uma

determinada conclusão.276

3.3.2 Da Livre Iniciativa e Livre Concorrência como Balizadores da Liberdade de

Trabalho

Conforme acima exposto, nas situações em que se verifica a incidência

concomitante de mais de um valor constitucional sobre um mesmo conjunto de fatos,

a doutrina vem se recomendando a utilização da técnica da ponderação de valores

para a resolução do caso concreto.

E quando se fala na estipulação de cláusula de não-concorrência, logo se

pode imaginar na ocorrência de colisão de alguns valores constitucionais envolvidos,

mas todos eles ao mesmo tempo merecedores de tutela.

Seguindo as etapas sugeridas por Luís Roberto Barroso para aplicação da técnica

da ponderação, pode-se, num primeiro momento, identificar ao menos três valores

constitucionais: a livre iniciativa; a livre concorrência e a liberdade de trabalho.

Na segunda etapa, como fatos relevantes, poderiam ser selecionados os

seguintes: (a) detém o empregador o direito de proteger de seus concorrentes, o

conhecimento e os segredos de empresa a que têm acesso os seus empregados por

276 BARROSO, Interpretação ..., p.362; BARCELLOS, op. cit., p.58/59.

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força do contrato de trabalho? (b) pode o empregado ter restringida a sua liberdade

de trabalho? (c) há a necessidade de se estabelecer condições mínimas para se

permitir a celebração de cláusula de não-concorrência? (d) além da empresa, que

celebra com o empregado a cláusula de não-concorrência, há mais alguém interessado

na tutela do conhecimento e dos segredos de empresa?

Na última etapa, com a necessidade da atribuição de pesos e de se chegar a

uma conclusão, o raciocínio seria o seguinte.

O empregador detém, sim, o direito de proteger de seus concorrentes, o conheci-

mento e os segredos de empresa a que têm acesso os seus empregados por força

do contrato de trabalho, na medida em que reserva parcela considerável de seu

orçamento em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos.

O empregado, como regra, não deve ser tolhido na sua liberdade de trabalho.

Porém, levando-se em conta que a própria Constituição não admite como absoluta a

liberdade de trabalho, porque ela mesma impõe alguns condicionamentos legais em

relação à pessoa do trabalhador e outros em razão de requisitos específicos para

poder exercer o trabalho, poderá, contratualmente, vê-la restringida.

A empresa deve diligenciar para que a cláusula de não-concorrência contenha

limitações temporal e geográfica, cuidando, ainda, de disciplinar a atividade e o que é

objeto de limitação, bem como prever o pagamento de uma compensação financeira

a ser paga durante o período de limitação dessa atividade

Além da empresa, a sociedade de uma forma geral é interessada na proteção

do conhecimento e do segredo de empresa, na medida em que o adequado sistema

de tutela do conhecimento e dos segredos de empresa constitui fator de incentivo

a investimentos empresariais, o que, por via indireta, implica o desenvolvimento

econômico e social do país.

Assim, fazendo um juízo de ponderação entre os valores "livre iniciativa" e

"livre concorrência" em contraposição à liberdade de trabalho, o peso conferido aos

dois primeiros seria maior do que aquele atribuído à liberdade de trabalho, porque os

benefícios alcançados com a temporária restrição da atividade do empregado

abrangem toda a sociedade, enquanto o empregado pode prestar serviços em outra

atividade e está sendo indenizado pela "quarentena".

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CONCLUSÃO

Ao final da pesquisa, podem ser sintetizadas as conclusões que dela

decorrem, assim.

Atualmente, em plena era da informação, a incorporação da tecnologia às

atividades econômicas produz um grande impacto na sociedade devido aos avanços

tecnológicos especialmente conquistados nas últimas décadas.

Em pouco tempo, o homem superou praticamente quase tudo o que havia

acumulado ao longo dos tempos em termos de conhecimentos, o que refletiu diretamente

no comportamento das pessoas e, principalmente, na atividade empresarial.

Nesse contexto, pode se afirmar que a complexidade do sistema industrial

moderno, a velocidade dos avanços tecnológicos e a vontade de se disponibilizar às

diversas camadas sociais os benefícios das conquistas tecnológicas, impuseram ao

Direito e aos seus operadores uma mudança de postura.

Mais difícil do que saber sobre o que o Direito deve atuar é interpretar a tecnologia

e as suas inovações em relação aos valores existentes no ordenamento jurídico.

Frente a todas essas mudanças ocorridas na sociedade e à supervalorização

do conhecimento, surge a necessidade de se saber em que medida os impactos

causados pelas decisões e os avanços tecnológicos da sociedade repercutem na

vida das pessoas e nas empresas.

A necessidade se proteger as informações e os segredos de empresa vem

ganhando relevância no desenvolvimento dos processos econômicos, sobretudo com o

advento da globalização, que com a abertura das economias nacionais, criou novos

mercados consumidores e acentuou o fenômeno da concorrência e da competitividade

no mercado.

Em razão disso, o investimento em conhecimento por parte da empresa,

em qualquer das modalidades em que se apresenta, necessita de proteção jurídica

justamente em face da cobiça dos concorrentes.

Os trabalhadores, em razão do contato que têm com bens imateriais de uma

empresa, passaram a ser objeto de desejo das empresas concorrentes do seu

empregador, que antes de um profissional já treinado e capacitado no mercado de

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trabalho, buscam com a contratação, obter informações e dados confidenciais que

eles adquiriram em razão do emprego mantido.

Apesar de a legislação brasileira considerar a divulgação de segredo de

empresa e a concorrência desleal, ilícitos penais e trabalhistas, o que se percebe,

muitas vezes, é que tais dispositivos legais, por si só, não inibem a prática ilícita e

lesiva à empresa.

Além disso, ainda que por decorrência da aplicação do princípio da boa-fé objetiva,

devam as partes, tanto durante o contrato, como após a sua dissolução, guardar

estrita observância aos deveres de lealdade, sigilo e não-concorrência, podendo,

inclusive, virem a ser responsabilizadas por qualquer dano causado à contraparte por

violação desses deveres, na prática, isso também não tem se mostrado suficiente

para se tutelar as diversas formas de conhecimento de uma empresa.

Dessa forma, as empresas podem se socorrer das cláusulas de não-concorrência

visando a reforçar contratualmente as hipóteses de não-concorrência e de não divulgação

de informações e segredos durante a relação de trabalho e, principalmente, após o

término dela, a partir de quando o trabalhador se torna muito mais assediado pelos

concorrentes de seu antigo empregador e não sofre a ameaça de perder o emprego.

Com a investigação feita, verificou-se que, mesmo inexistindo no ordenamento

jurídico brasileiro legislação específica sobre o tema, as cláusulas de não-concorrência

que emanam efeitos pós-contratuais podem ser estipuladas.

Da conjugação do artigo 122 do Código Civil de 2002, que dispõe serem

lícitas todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes,

com o artigo 8.o da CLT, que autoriza a utilização do direito comparado no caso de

lacuna legal ou contratual, juntamente com o disposto no artigo 444 da CLT, que

preconiza que as relações contratuais podem ser objeto de livre pactuação das partes,

desde que não afrontem às normas de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos de

trabalho e às decisões das autoridades competentes, pôde-se concluir pela licitude

da estipulação da cláusula de não-concorrência com efeitos pós-contratuais.

No entanto, como a interpretação dos dispositivos legais deve ser sempre feita

de acordo com os princípios e valores constitucionais, verificou-se também, com a

análise de alguns direitos fundamentais e princípios constitucionais mais diretamente

relacionados com o tema, que a estipulação de cláusula de não-concorrência deve

ser acompanhada de certos requisitos específicos.

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Alguns deles, adotados pelas legislações de outros países, como Portugal,

Itália e Espanha, que exigem limitações temporais, de objeto, região geográfica, além

de uma indenização financeira para que o trabalhador possa fazer frente ao período

de limitação da atividade exercida pelo ex-empregador, compensaria uma possível

redução de seus ganhos, permitindo a manutenção de suas condições materiais.

De igual modo, através da técnica da ponderação de valores constitucionais

verificou-se que os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência merecem, no

caso, um maior peso em relação à liberdade de trabalho, na medida em que um

adequado sistema de tutela do conhecimento e dos segredos de empresa constitui

fator de incentivo a investimentos empresariais, o que, por via indireta, implica no

desenvolvimento econômico e social do país, enquanto que a restrição à liberdade

de trabalho é apenas temporária e relativa, já que o empregado pode prestar serviços

em outra atividade e está sendo indenizado pela “quarentena”.

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ANEXOS

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121

ANEXO A

PROJETO DE LEI N. o 16/2007

DE AUTORIA DO SENADOR MARCELO CRIVELA

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1. o Esta Lei cria o Acordo de Proteção de Informações Sigilosas, adjeto ao contrato

de trabalho e destinado à proteção de segredo comercial e informações confidenciais.

Parágrafo único. Empregado e empregador poderão estipular, a qualquer momento, o

acordo a que se refere o caput deste artigo, para proteger segredo comercal ou informações

confidenciais pertencentes ao empregador.

Art. 2. o Para efeitos desta Lei consideram-se:

I - segredo comercial é todo processo, método, fórmula, dispositivo ou técnica que

não seja de conhecimento público, possua valor econômico para o empregador, ainda que

potencial, e cujo conhecimento, pelo empregado, decorra do desempenho de suas atividades

laborais;

II - informação confidencial é toda informação conhecida pelo empregado, em função de

suas atividades laborais, que não configure segredo comercial, mas possua valor econômico

ou estratégico para o empregador e cuja divulgação seja capaz de causar-lhe dano.

Art. 3. o O Acordo de Proteção de Informações Sigilosas deve delimitar, de forma

precisa, quais segredos e informações serão objeto de proteção, sob pena de nulidade.

Parágrafo único. Caso ocorram alterações nas condições do acordo, é admitida sua

alteração por meio de aditamento.

Art. 4. o O Acordo de Proteção de Informações Sigilosas deve ser firmado individualmente,

vedada sua adoção por Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho.

Parágrafo único. O empregador não pode obstar, quando requerida pelo empregado,

a interveniência de entidade sindical ou de advogado na formação do Acordo de Proteção

de Informações Sigilosas.

Art. 5. o O Acordo de Proteção de Informações Sigilosas pode conter as seguintes

disposições:

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I - restrições à utilização, divulgação, transmissão e comercialização de segredos

comerciais ou informações confidenciais, ainda que descaracterizados;

II - restrições à contratação do empregado por empresa concorrente do empregador,

pelo prazo máximo de dois anos, a partir da rescisão do contrato de trabalho;

III - restrições ao desempenho da mesma função, ou de função assemelhada, em

empresa concorrente, em área geográfica delimitada e pelo prazo máximo de dois anos;

IV - restrições à abertura, pelo empregado, de empresa que faça concorrência ao

empregador, em área geográfica delimitada e pelo prazo máximo de dois anos;

V - restrições ao aliciamento de clientes ou fornecedores do empregador, pelo prazo

máximo de dois anos.

Parágrafo único. Na hipótese dos incisos II e III é obrigatória a estipulação de

compensação financeira ao empregado, condizente com o grau da restrição imposta.

Art. 6. o Rescindido o contrato de trabalho por iniciativa ou culpa do empregador,

torna-se sem efeito o Acordo de Proteção de Informações Sigilosas.

Art. 7. o O empregador pode pleitear, judicialmente, a dissolução do contrato de trabalho

formado contrariamente aos termos do Acordo de Proteção de Informações Sigilosas, sem

prejuízo da responsabilidade civil do novo empregador pelos danos ocorridos.

Art. 8. o Nas ações referentes ao cumprimento ou à dissolução do Acordo de Proteção

de Informações Sigilosas, o Juiz levará em conta:

I - a existência de dano econômico e moral ao empregador;

II - a liberdade de exercício do trabalho;

III - o interesse econômico e social da coletividade.

Art. 9. o A ação referente ao cumprimento e à dissolução do Acordo de Proteção de

Informações Sigilosas correrá, a requerimento da parte, em segredo de justiça.

Art. 10. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

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ANEXO B

CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA. VALIDADE

A cláusula de não-concorrência foi estabelecida por tempo razoável e houve pagamento

de indenização. Logo, está dentro dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

É, portanto, considerada válida. Não há dano moral a ser reparado. A cláusula 1.a do

compromisso mostra que o reclamante não poderia prestar serviços em atividades congêneres

por um ano. Em compensação, a empresa lhe pagou a quantia de R$ 106.343,00 com

correção monetária, exatamente para que não houvesse o exercício de outra atividade em

empresa concorrente.

A cláusula de não-concorrência envolve a obrigação pela qual o empregado se

compromete a não praticar pessoalmente ou por meio de terceiro ato de concorrência para

com o empregador. Trata-se de uma obrigação de natureza moral, de lealdade.

O empregado deve guardar sigilo em relação às informações que recebe do empregador

ou pelo desenvolvimento do seu trabalho, não podendo divulgá-las, principalmente, a terceiros,

notadamente quando sejam concorrentes do empregador. Deve guardar o dever de fidelidade

para com o empregador.

A confidencialidade é, portanto, essencial nessa relação.

Como não existe norma legal tratando do assunto no Brasil, é o caso de se aplicar as

orientações do direito comparado em relação aos contratos de trabalho que tiverem execução

em nosso país. O empregado pode exercer qualquer outra atividade, menos aquela a que

foi determinada a cláusula de não-concorrência. Logo, não está proibido de exercer outras

atividades, nem de trabalhar.

O estabelecimento da cláusula deve ser feito por escrito no contrato de trabalho. Não

se pode admitir cláusula implícita ou tácita, visando evitar problemas para o empregado,

justamente de não poder trabalhar, pois daria margem a incertezas. Isso ocorreu no caso

dos autos, em que a cláusula foi escrita.

A cláusula de não concorrência deverá ser estipulada por tempo determinado e para

certo local. Não pode ser, portanto, perpétua, pois impediria o empregado de trabalhar na

atividade. Deve a limitação estar balizada dentro do princípio da razoabilidade, de acordo

com o que for pactuado entre as partes. O ideal é que fosse estabelecida por um prazo

máximo de dois anos, que é o período máximo de vigência do contrato de trabalho por

tempo determinado e não seria um prazo muito longo. Certas atividades não precisam de

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um prazo muito longo de abstenção, como de produtos de bancos e na área de informática,

em que em algumas semanas ou em seis meses os demais concorrentes já absorveram o

novo produto ou a nova tecnologia.

Para a validade da cláusula, o empregado deve receber compensação financeira,

que lhe permita fazer face aos seus compromissos, como se estivesse trabalhando.

A cláusula de não concorrência foi estabelecida por tempo razoável e houve

pagamento de indenização, que foi recebida pelo autor no termo de rescisão do contrato de

trabalho. Logo, está dentro dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Não há

nulidade.

Dou provimento ao recurso para excluir a indenização por danos materiais e reflexos

relativos ao período de 24.9.98 a 23.9.99.

Sergio Pinto Martins

Juiz Relator

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ANEXO C

CLÁUSULA DE SIGILO E NÃO CONCORRÊNCIA

Pelo presente instrumento particular de contrato de sigilo e não concorrência, de um

lado _______________________________, pessoa jurídica de direito privado, com sede na

cidade de _____________, Estado do ____________, na Rua _______________________,

n.o ______, inscrita no CNPJ/MF sob n.o ___________________ a seguir denominada

CONTRATANTE, e de outro _________________________, brasileiro(a), residente e

domiciliado(a) na Rua ________________________,n.o_____, em ___________, Estado do

___________, doravante denominado(a) CONTRATADO(A) têm entre si, justo e contratado

o seguinte:

Considerando que o(a) CONTRATADO(A), antes de sua admissão na CONTRATANTE,

não possuía experiência profissional na área de atuação da CONTRATADA (detalhar a área

de atuação e as atividades);

Considerando que os conhecimentos a serem ministrados e que serão angariados

pelo(a) CONTRATADO(A) durante seu vínculo contratual com a CONTRATANTE constituem

inovações técnicas de mercado, know-how e segredos de empresa de titularidade da

CONTRANTE;

Considerando que os referidos segredos constituem o bem mais valioso da

CONTRATANTE, uma vez que permitem a sua diferenciação e consolidação no mercado;

Considerando que a CONTRATANTE deseja transferir esses conhecimentos para o

CONTRATADO(A), de forma a possibilitar sua atuação como seu empregado;

As partes têm justo e contratado o que segue:

1. A CONTRATANTE, em virtude do vínculo com o CONTRATADO(A), se compromete

a revelar, na medida do necessário, os segredos de empresa e conhecimentos de sua

propriedade, de forma a permitir ao(à) CONTRATADO(A) o perfeito desempenho de suas

funções.

2. O(A) CONTRATADO(A) concorda em jamais, seja durante a vigência do vínculo

contratual, seja após o término desse vínculo contratual, sem prévia autorização por escrito

da CONTRATANTE, revelar, divulgar ou se utilizar, sob qualquer forma e pretexto, das

técnicas, segredos e informações obtidos durante ou em razão do vínculo contratual

mantido com a CONTRATANTE.

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3. O(A) CONTRATADO(A), durante a vigência do vínculo contratual com a

CONTRATANTE e - em até 3 (três) anos após o término desse vínculo (o tempo de duração

da não concorrência deve levar em conta a atividade do empregado e o segmento de

atuação da empregadora), concorda em jamais, sem prévio consentimento por escrito da

CONTRATANTE, se envolver com qualquer outra atividade direta ou indiretamente

relacionada à área de atuação da CONTRATANTE, seja por si mesmo (a) ou por qualquer

meio de outra pessoa ou empresa, seja como empregador, agente, empregado ou qualquer

outra forma, nos Estados de _______________ e ____________ (estado onde o

empregado atuará).

4. Como contraprestação pela obrigação ajustada na cláusula anterior, ajustam as

partes, que durante a vigência da quarentena estipulada, a CONTRATANTE pagará ao(a)

CONTRATADO(A), mensalmente, valor equivalente ao seu último salário-base.

5. Em caso de desobediência às cláusulas acima estipuladas, até a efetiva cessação

da violação, pelo(a) CONTRATADO(A) será devida multa diária no valor de

R$ _________,277 sem prejuízo do ressarcimento pelas perdas e danos causados e das

sanções previstas na legislação penal em vigor;

Assim, estando justas e contratadas, as partes assinam o presente documento em

duas vias de igual teor, na presença das testemunhas abaixo assinadas.

Local e data.

CONTRATANTE CONTRATADO(A)

testemunhas

277 A multa pecuniária diária deve ser estipulada em valor suficientemente elevado para impedir que o ex-empregado tente descumprir o que fora fixado, assim como para evitar que o seu concorrente opte por bancar o empregado, por entender que os riscos compensam a prática ilícita do ato de concorrência desleal.

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127

ANEXO D

EMENTA EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇ ÕES

PRIVADAS

EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE

COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO

CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS.

RECURSO DESPROVIDO.

I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRI VADAS . As

violações a direitos fundamentais não ocorrem somen te no âmbito das relações entre

o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações t ravadas entre pessoas físicas e

jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fu ndamentais assegurados pela

Constituição vinculam diretamente não apenas os pod eres públicos, estando

direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados .

II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA

DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer

associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em

especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da

República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O

espaço de autonomia privada garantido pela Constitu ição às associações não está

imune à incidência dos princípios constitucionais q ue asseguram o respeito aos

direitos fundamentais de seus associados. A autonom ia privada, que encontra claras

limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com

desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados

em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no

domínio de sua incidência e atuação, o poder de tra nsgredir ou de ignorar as

restrições postas e definidas pela própria Constitu ição, cuja eficácia e força normativa

também se impõem, aos particulares, no âmbito de su as relações privadas, em tema

de liberdades fundamentais .

III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO

PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO

DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS

DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações

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privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social,

mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o

que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de

Compositores – UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e,

portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos

direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem

qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório , ou do devido processo

constitucional, onera consideravelmente o recorrido , o qual fica impossibilitado de

perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das

garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria

liberdade de exercício profissional do sócio. O car áter público da atividade exercida

pela sociedade e a dependência do vínculo associati vo para o exercício profissional

de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplic ação direta dos direitos

fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla

defesa (art. 5. o, LIV e LV, CF/88) .

IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO.

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Agendamento de data de defesa perante Banca Examinadora

Curitiba, ________/________/________

Horário:____________

Indicação dos professores membros titulares e suplente: Membro Externo:____________________________________

Membro Interno:_____________________________________

Suplente (Interno):___________________________________

Deposite-se na Secretaria do Mestrado.

Curitiba, ________/________/________

___________________________________ Professor (a) Orientador (a)