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Ciência e o sentido da vida A busca pelo conhecimento científico é assim: uma escalada por todos os picos que podemos encontrar Outro dia, estava dando uma palestra, quando alguém me fez "aquela" pergunta: professor, por que o senhor é cientista? Respondi que não podia ser outra coisa, que considerava um privilégio poder dedicar minha vida ao ensino e à pesquisa. Mas o que de fato está por trás dessa profissão, ao menos para mim, é uma oportunidade única para criarmos algo de novo, algo que nos diferencie do resto. A ciência oferece uma oportunidade para que possamos nos engajar com o "mistério", como Einstein chamava nossa atração pelo desconhecido: "A emoção mais significativa que podemos sentir é o mistério. Ela é o berço da verdadeira arte e da ciência. Quem não a conhece e não é mais capaz de se maravilhar, está mais morto do que vivo, como uma vela que se apagou". Einstein pôs as artes e as ciências sobre o mesmo patamar, frutos que são da criatividade humana. Para ele, nossas criações são produto desse questionamento incessante sobre quem somos e sobre o mundo à nossa volta. A ciência abre portas para o desconhecido, para o que nos foge aos sentidos. Aquilo que não vemos ou ouvimos é tão real quanto o que percebemos. Usamos instrumentos variados para amplificar nossa

Ciência e o Sentido Da Vida

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Cincia e o sentido da vidaA busca pelo conhecimento cientfico assim: uma escalada por todos os picos que podemos encontrarOutro dia, estava dando uma palestra, quando algum me fez "aquela" pergunta: professor, por que o senhor cientista? Respondi que no podia ser outra coisa, que considerava um privilgio poder dedicar minha vida ao ensino e pesquisa.Mas o que de fato est por trs dessa profisso, ao menos para mim, uma oportunidade nica para criarmos algo de novo, algo que nos diferencie do resto.A cincia oferece uma oportunidade para que possamos nos engajar com o "mistrio", como Einstein chamava nossa atrao pelo desconhecido: "A emoo mais significativa que podemos sentir o mistrio. Ela o bero da verdadeira arte e da cincia. Quem no a conhece e no mais capaz de se maravilhar, est mais morto do que vivo, como uma vela que se apagou".Einstein ps as artes e as cincias sobre o mesmo patamar, frutos que so da criatividade humana. Para ele, nossas criaes so produto desse questionamento incessante sobre quem somos e sobre o mundo nossa volta.A cincia abre portas para o desconhecido, para o que nos foge aos sentidos. Aquilo que no vemos ou ouvimos to real quanto o que percebemos. Usamos instrumentos variados para amplificar nossa percepo da realidade, mesmo sabendo que nossa viso ser sempre limitada: qualquer microscpio, telescpio ou detector tem alcance e preciso determinados pelo estado da tecnologia. claro que um telescpio do sculo 19 no pode competir com os telescpios mais avanados de hoje. Com isso, o que captamos da realidade depende de forma essencial daquilo que nossos instrumentos nos permitem ver.Esse fato tem uma consequncia importante: o que captamos do mundo depende das tecnologias que usamos. Ou seja, com o avano delas, muda, muitas vezes, nossa viso de mundo. Um exemplo que j usei aqui o microscpio. A viso da vida antes e depois da inveno do microscpio mudou completamente. O instrumento, inventado ao fim do sculo 17, permitiu que vssemos criaturas invisveis aos olhos. Com isso, novas perguntas sobre a natureza da vida puderam ser feitas --perguntas que, antes da inveno do microscpio no eram nem vislumbradas.Essa uma lio importante, que elaboro no livro "Ilha do Conhecimento": o conhecimento no evolve linearmente; cresce de forma imprevisvel, interagindo com as tecnologias que temos ao nosso dispor. Portanto, o mistrio que nos cerca, e que tanto fascinava Einstein, estar sempre nossa volta: no h como decifr-lo por completo.Isso d uma conotao nica cincia. Sendo um caminho para o conhecimento, ela nos oferece uma oportunidade de estar sempre buscando, e crescendo com a busca.O sentido da vida dar sentido vida. No existe, ou deve existir, um fim. Pense num alpinista. Ele se prepara para subir o pico que v sua frente e, depois de muito esforo, consegue. De l de cima, pode fazer duas coisas: se dar por satisfeito e descer, ou olhar em torno e ver todos os picos que ainda no escalou.A busca pelo conhecimento cientfico assim: uma escalada por todos os picos que podemos encontrar. E quando conquistarmos todos eles, basta olhar para cima, e continuar nossa busca no espao.MARCELO GLEISER professor de fsica terica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "A Ilha do Conhecimento". Facebook:goo.gl/93dHI