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3038 CIGARRO: A MARCA DO SUCESSO NAS DÉCADAS DE 60 E 80 Viviane Dias dos Santos – PUC-SP Cristiane Paniagua de Souza Palaro – PUC-SP 0 Considerações Iniciais Neste trabalho, temos como objetivo verificar a concepção e a estrutura das propagandas de cigarros veiculadas na revistas “O mundo ilustrado” e “Fatos e Fotos” da década de 1960, e de propagandas de 1980 na revista “Veja”, tendo como foco desta análise os princípios metodológicos direcionados à Historiografia Lingüística, para que seja possível constituir sentidos à mensagem a ser analisada de acordo com o contexto da época, além de apresentar ao público os recursos lingüísticos utilizados capazes de seduzir ao consumo do tabaco. Dessa forma, foram escolhidas quatro propagandas de cigarro veiculadas na década de 60, os Cigarros Lincoln e Hollywood, e, na década de 1980, as marcas Hollywood e Free, objetivando analisar os princípios da contextualização, imanência e adequação subjacentes à teoria da Historiografia Lingüística, de acordo com os seguintes propósitos: - refletir, mediante o princípio da contextualização, a postura do homem da década de 60 e 80 em relação à visão social da época; - adaptar o princípio da imanência às propagandas, corpus desta pesquisa, para que seja possível conhecer as características de propaganda de cigarros veiculadas na década de 60 e 80; - aplicar o princípio da adequação ao corpus do trabalho considerando a sua comparação com a linguagem atual, tendo em vista a lei 10.167, instituída em dezembro de 2000, que restringiu a propaganda de cigarros no Brasil. Para dar prosseguimento ao trabalho, dividimos a análise em três momentos: o primeiro apresenta a fundamentação teórica à luz dos princípios metodológicos que regem uma análise historiografia; em segundo plano aplicamos os princípios da contextualização, imanência e adequação ao corpus, em terceiro momento apresentaremos o resultado da análise. 1. Perspectiva Historiográfica De acordo com Bastos e Palma (2008), é importante, para quem se propõe analisar um material diferente de sua época, ter consciência em relação a sua postura ao se aproximar do objeto a ser analisado mantendo o rigor de sua pesquisa em relação à definição de seu campo de investigação, seu método, assumindo uma postura distante, ou seja, atuando de forma neutralizada e sem realizar inferências que possam interferir no resultado do trabalho. Para as autoras, o historiador tem como meta encontrar atributos do objeto pesquisado por intermédio de dados qualificativos oriundos de fontes diferentes. A fundamentação teórica estabelecida para análise do corpus à luz da Historiografia Lingüística tem como base, primeiramente, a contextualização dos momentos históricos que envolvem os anos 60 e 80, considerando que um historiador tem necessidade de entender o texto no contexto de sua época, principalmente no que se refere ao significado das palavras e das expressões capazes de refletir o comportamento social do homem daquele momento. Em segundo plano, a proposta de análise terá como base teórica o princípio da imanência, por se tratar de um levantamento de informações que envolvem o material de pesquisa na intenção de

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CIGARRO: A MARCA DO SUCESSO NAS DÉCADAS DE 60 E 80

Viviane Dias dos Santos – PUC-SP Cristiane Paniagua de Souza Palaro – PUC-SP

0 Considerações Iniciais

Neste trabalho, temos como objetivo verificar a concepção e a estrutura das propagandas de cigarros veiculadas na revistas “O mundo ilustrado” e “Fatos e Fotos” da década de 1960, e de propagandas de 1980 na revista “Veja”, tendo como foco desta análise os princípios metodológicos direcionados à Historiografia Lingüística, para que seja possível constituir sentidos à mensagem a ser analisada de acordo com o contexto da época, além de apresentar ao público os recursos lingüísticos utilizados capazes de seduzir ao consumo do tabaco.

Dessa forma, foram escolhidas quatro propagandas de cigarro veiculadas na década de 60, os Cigarros Lincoln e Hollywood, e, na década de 1980, as marcas Hollywood e Free, objetivando analisar os princípios da contextualização, imanência e adequação subjacentes à teoria da Historiografia Lingüística, de acordo com os seguintes propósitos:

- refletir, mediante o princípio da contextualização, a postura do homem da década de 60 e 80 em relação à visão social da época;

- adaptar o princípio da imanência às propagandas, corpus desta pesquisa, para que seja possível conhecer as características de propaganda de cigarros veiculadas na década de 60 e 80;

- aplicar o princípio da adequação ao corpus do trabalho considerando a sua comparação com a linguagem atual, tendo em vista a lei 10.167, instituída em dezembro de 2000, que restringiu a propaganda de cigarros no Brasil.

Para dar prosseguimento ao trabalho, dividimos a análise em três momentos: o primeiro apresenta a fundamentação teórica à luz dos princípios metodológicos que regem uma análise historiografia; em segundo plano aplicamos os princípios da contextualização, imanência e adequação ao corpus, em terceiro momento apresentaremos o resultado da análise.

1. Perspectiva Historiográfica

De acordo com Bastos e Palma (2008), é importante, para quem se propõe analisar um material diferente de sua época, ter consciência em relação a sua postura ao se aproximar do objeto a ser analisado mantendo o rigor de sua pesquisa em relação à definição de seu campo de investigação, seu método, assumindo uma postura distante, ou seja, atuando de forma neutralizada e sem realizar inferências que possam interferir no resultado do trabalho. Para as autoras, o historiador tem como meta encontrar atributos do objeto pesquisado por intermédio de dados qualificativos oriundos de fontes diferentes.

A fundamentação teórica estabelecida para análise do corpus à luz da Historiografia Lingüística tem como base, primeiramente, a contextualização dos momentos históricos que envolvem os anos 60 e 80, considerando que um historiador tem necessidade de entender o texto no contexto de sua época, principalmente no que se refere ao significado das palavras e das expressões capazes de refletir o comportamento social do homem daquele momento.

Em segundo plano, a proposta de análise terá como base teórica o princípio da imanência, por se tratar de um levantamento de informações que envolvem o material de pesquisa na intenção de

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considerar teorias lingüísticas aplicadas no texto da propaganda, além de uma abordagem histórico-intelectual dos períodos em análise, tornando possível constituir uma diretriz segura para a operacionalização do processo de interpretação a ser consolidada no decorrer do trabalho.

E, por último, será analisado o princípio da adequação, destinado a proporcionar comparações das descrições verbais contidas no corpus com as terminologias atuais que correspondem às escolhas lexicais utilizadas pelo homem moderno. Ao aplicar esse princípio metodológico, será possível atualizar a linguagem aplicada nas propagandas visando facilitar o processo de interpretação.

2. No plano da contextualização

2.1. Momento de mudanças: do jornal à revista

A sociedade desde outrora, teve a necessidade de revelar suas idéias, e valorizou a linguagem escrita, pois poucos sempre dominaram essa linguagem.

No entanto, o Brasil sempre manteve uma tradição oral muito enraizada, pois fomos marcados pelo analfabetismo e pela subcultura. Em 1800, tínhamos um jornal com anúncios de compra de escravos, amas de leite, casas e terrenos, além de pequenos serviços como sapatarias, relojoarias, entre outros. Isso demonstrava como a sociedade se organizava e seus costumes.

A partir de 1900, surgem diversas revistas, estas apresentam um caráter muito diferente dos jornais do passado. Os jornais tratavam questões sociais, já as revistas traziam uma nova roupagem, apontavam reflexões sobre questões corriqueiras, conforme menciona Ramos:

“Semanais, ilustradas. E nelas se vê uma nova atmosfera. Agora, é o instante da crônica social, da charge e do soneto. Os homens do governo não são mais atacados, são alvo de sátira, os fatos tomam largo espaço não há um menor fascínio pela Academia. Tempo de Bilac, das fotos de senhorinhas, dos ecos parisienses. Sustentando isso tudo, principia uma propaganda regular.” (RAMOS, Ricardo. p.22)

As revistas levavam ao público o início de uma mudança de comportamento social, isto é, as preocupações não eram somente problemas sociais, mas o consumo de diversos produtos. Essas mudanças são marcadas pela evolução das artes gráficas, e também pelo uso da linguagem.

“(...) Orígeneses Lessa nota que de modo geral “o anunciante não argumentava, enumerava”. Observa que não havia preocupação do texto, e, em boa parte, os anúncios não tinham título, ou davam simplesmente a menção do produto: charutos, fazenda, peixe, fogão, melancias”. (RAMOS, Ricardo. p.19)

Nesse contexto, a propaganda tinha objetivos muito diferenciados em relação à atualidade. As propagandas precisavam ensinar como os produtos deveriam ser utilizados e não consumidos. Desta forma, a linguagem tinha um caráter instrucional e não argumentativo.

No entanto, o que vemos nas propagandas aqui analisadas é um desejo de romper com as barreiras e além de influenciar no consumo de tudo o que o mundo tem a oferecer.

2.2. O contexto histórico das décadas de 60 e 80

A segunda metade dos anos 50 foi marcada por questões políticas, filosóficas, psicológicas e sociais. A “juventude transviada” dava seu vôo, a década da “geração beat” iniciava os primeiros passos com Elvis Presley com sua música excitante que causava furor. James Dean surgia nas telas do cinema com um estilo “rebelde” para época.

Todas essas mudanças culminaram no início da década de 60 na contracultura. A “contracultura” era uma manifestação social que se opunha à cultura vigente. Os adeptos defendiam a

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liberdade e o prazer, condenavam a guerra o consumismo desenfreado, os padrões e as convenções sociais. A maior representação do movimento eram os hippies com a idealização de “paz e amor”.

Na década de 60, o rock’n roll explodiu com o surgimento de várias bandas como: Beatles, The Rolling Stones, além de cantores de peso, dentre eles: Led Zeppelin, Deep Purple, The Mama’s and The Papa´s, Gênesis entre outros. Com seu ritmo frenético, o rock explodiu e com ele o consumo de drogas, álcool e sexo. Tudo dentro da tentativa de romper com os padrões sociais impostos pela sociedade da época.

Em 1967, iniciaram-se os grandes festivais que davam por morto o movimento hippie e surge o yippie, isto é, o hippie politizado. Dois grandes nomes da música surgem nos festivais: Janis Joplin e Jimmi Hendrix.

Entre o desejo de liberdade e a revolta contra o sistema, crescia o consumo de drogas e em particular o LSD. O consumo excessivo do LSD despertou o interesse de um grande estudioso Timothy Leary, da Universidade de Harvard, considerado o “papa do psicodélico”.

Diante de todo esse clima de entusiasmo, euforia e revolta, o mundo jamais foi o mesmo depois de tantos sonhos de mudança.

No Brasil, a década de 60 foi marcada pela construção de Brasília, o fim do tumultuado mandato de Juscelino Kubitschek, a sucessão de Jânio Quadros e a ditadura militar sob o pretexto de livrar o país de ameaça comunista.

A segunda metade da década de 60 foi marcada por grandes lutas políticas, sociais e ideológicas. Perseguições políticas, repressão e grande desejo de mudança.

Nesse momento, algumas mudanças culturais, científicas e tecnológicas são marcantes e direcionaram o rumo dos meios de comunicação. A informática surge com caráter comercial, à internet dá os seus primeiros passos. Neil Armstrong é o primeiro homem a pisar na lua. A televisão tem transmissões em cores no mundo.

No Brasil, a Rede Globo é inaugurada, enquanto a TV Record lança o programa musical Jovem Guarda.

Entre 1967 e 1968, temos os grandes festivais musicais que era uma força de luta contra ditadura militar. Entre eles estão grandes nomes como: Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil.

Nesse contexto, a linguagem dos meios midiáticos é influenciada pelas questões que assolavam o mundo. Sendo assim, as propagandas da década de 60 demonstram grande influência dos movimentos que aconteciam mundialmente. O tabagismo é marcado pelo desejo de liberdade.

Em se tratando da década de 80, existem momentos marcantes da história do século XX. Foi considerado um período que caracterizou o fim da era industrial e início da era da informação.

Os anos 80 foram decisivos para o avanço da modernidade, pois marcou o desenvolvimento dos programas de computadores como a IBM e a Apple Macintosh, época que popularizou os computadores pessoais.

Já na política, em 1981, houve o atentado do Rio Centro, e, em 1985, o Brasil perde Tancredo Neves.

No mundo, foram marcantes as eleições que colocaram Ronald Regan para comandar os Estados Unidos.

Na esfera musical, o punk se renova de forma mais acelerada e intensa. Essa Década também ficou marcada como a década da música eletrônica, New Wave, Dance Music e o Hip hop.

Em 1986, acontece a Copa do Mundo no México e a campeã foi a Argentina.

2.3. A visão social do homem na década de 60 e de 80: o ideal de masculinidade

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As propagandas da década de 60 que objetivavam persuadir o público masculino tinham como foco principal à venda de produtos que viessem melhorar a sua aparência natural, ao contrário da publicidade direcionada ao público feminino que tinha a intenção de modificar a aparência da mulher.

O “canal” de propaganda masculina veiculada na época pretendia realçar os traços naturais masculinos, oferecendo-lhes produtos que exteriorizavam a imagem de “o verdadeiro homem”, ou seja, chefe de família, trabalhador, austero, aquele a quem a mulher devia obediência de forma incondicional.

Já o perfil masculino da década de 80 começava a dividir suas responsabilidades com o público feminino, tendo em vista que a mulher avançava em favor da igualdade dos direitos sem distinção de sexo. No mercado de trabalho, muitas mulheres começavam liderar grandes grupos masculinos, o que incomodava muitos homens, em razão do machismo ainda predominante, herança de décadas anteriores.

3. Análise dos anúncios de cigarros

Figura 1 - REVISTA MUNDO ILUSTRADO. Rio de Janeiro. Edição. N° 45 – Ano V. 6 de novembro de 1957. pág. 29.

3.1. Análise da propaganda do cigarro Lincoln veiculada na década de 60

Nesse contexto, surgem propagandas com o intuito de persuadir o público. Dentro do princípio da imanência analisaremos o estilo utilizado nas propagandas da época. Para tanto, utilizaremos “Ensaio de Estilística da Língua Portuguesa”, de Gladstone Chaves de Melo e “Estilísticas da Língua Portuguesa”, de Rodrigues M. Lapa.

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Primeiramente, nos deteremos aos recursos gráficos, isto é, a linguagem não verbal, a imagem em preto e branco, uma característica da época, pois os recursos tecnológicos não eram tão desenvolvidos para impressão em cores.

A disposição da imagem nos leva a uma leitura de cima para baixo, a luminosidade está centrada no rosto e na mão. Com isso, a leitura parte do sujeito para o produto.

A linguagem não verbal reforça a linguagem verbal, pois o homem apresenta traços marcantes em seu rosto, o chapéu dá um ar de seriedade e elegância ao homem fumante. No entanto, não podemos esquecer que essa imagem está vinculada a um padrão de beleza e imagem dos grandes astros do cinema americano.

A marca aparece em destaque e em letras maiúsculas, enquanto o maço de cigarros apresenta-se de forma singela e sem destaque. Isso demonstra que a intenção é colocar em destaque a marca e não o produto em si.

Na linguagem verbal, há o uso de períodos longos construídos por orações subordinadas, além da presença abundante de adjetivos e advérbios. Temos também o uso do pronome de tratamento “Você”, que está em letra maiúscula, apesar de não iniciar a oração. Esse destaque destina-se a chamar a atenção do leitor.

Na propaganda dos cigarros Lincoln, em “Homens de ação fumam Lincoln!”, temos a idéia do tabagismo como aceitável socialmente, pois a locução adjetiva “de ação” revela que não é um homem qualquer que consome aquele cigarro, mas um homem que reage diante dos desafios que a vida lhe impõe, um homem atuante, com energia e vitalidade.

Segundo Gladstone (1976), o uso de determinantes como adjetivos enriquece o nome, assim o deixam mais esclarecido, pois os adjetivos são determinantes positivos do sujeito e do produto.

Os adjetivos “dinâmico, decidido e confiante”, revelam que o consumidor daquele cigarro é um homem que possui características positivas diante da vida, isto é, que gosta de uma vida movimentada, é determinado e seguro ao resolver os desafios que a vida impõe.

Em relação à qualidade do produto, a propaganda recorre ao emprego de adjetivos, tais como “seleta” mistura e de “inconfundível” qualidade, comprovando mais uma vez que o homem exigente merece um produto selecionado e de qualidade, além de demonstrar o intuito de persuasão do leitor.

Para Gladstone (1976), o advérbio tem, primeiramente, a função de determinar o verbo. Segundo ele, essa posição poderia enfatizar o sujeito ou o objeto.

Em “É também um fumante que exige mais... somente Lincoln consegue satisfazê-lo plenamente!”, há três advérbios sendo: “exige mais” e “satisfazê-lo plenamente” refere-se ao fumante, enquanto “somente Lincoln” remete-se ao cigarro.

Desta forma, parte-se do advérbio para determinar o sujeito e o objeto com a intenção de aumentar a compreensão e enfatizá-los. O advérbio “somente” exclui todos os cigarros existentes no mercado, particularizando o cigarro Lincoln e indicando que apenas aquele cigarro poderá satisfazer um fumante exigente, excluindo todos os outros.

O fumante é uma pessoa exigente que quer o que a vida tem de melhor para oferecer, as reticências fazem com que o leitor preencha a lacuna. Sendo assim, a publicidade coloca, novamente, o leitor em diálogo.

O emprego do destinatário em 2ª pessoa, “você”, constrói um envolvimento afetivo, além da uma questão bastante inovadora ao estabelecer um diálogo, isso aproxima o leitor do produto.

O uso da pontuação também tem um caráter envolvente, pois a exclamação aparece por três vezes no início, meio e fim da propaganda. O uso dessa pontuação demonstra o interesse em despertar emoções. A disposição no começo, meio e fim nos leva novamente ao produto, pois o produto irá proporcionar prazer do começo ao fim. O que será confirmado na frase feita utilizada no final da propaganda.

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A idéia de tabagismo veiculado nas propagandas, corpus de análise, revela que essa prática era algo positivo e visto como satisfação pessoal, pois as propagadas traziam pessoas elegantes, saudáveis e com uma imagem positiva socialmente.

Segundo Lapa (1973), os grupos fraseológicos só são constituídos de sentido quando ligados a outros elementos no contexto. Sendo assim, separadamente criam outro significado, isso pode ser encontrado na frase feita “de ponta a ponta o melhor” que é utilizada para dar a idéia de qualidade diante de todas as outras marcas, além de transmitir a mensagem de que o produto poderá ser consumido do começo ao fim com satisfação plena.

3.2. Análise da propaganda do cigarro Hollywood da década de 60

Figura 2 - REVISTA FATOS E FOTOS, Brasília. Edição 166 -0 Ano IV- 4 de abril de 1964. pág. 45.

A propaganda é apresentada em preto e branco, uma característica da época, pois os recursos tecnológicos não eram tão desenvolvidos para impressão em cores.

A linguagem não verbal está vinculada a um padrão de beleza e imagem dos grandes astros do cinema americano, além de representar um público pertencente a uma classe social mais favorecida financeiramente.

A marca aparece em destaque, em letras maiúsculas, e o maço de cigarros também se encontra em destaque. As disposições da marca e do produto atraem a atenção do leitor.

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Na propaganda de cigarros Hollywood, veiculadas na revista “Fatos e Fotos”, o tabagismo é como um acompanhante ideal dos melhores momentos da vida de ambos os sexos, pois a mulher da década de 60 já tinha adquirido algumas liberdades de escolha, e conseqüentemente, selecionava produtos que pudessem complementar o desfrute destes melhores momentos.

A presença da mulher na propaganda demonstra o desejo de liberdade e marca sua presença socialmente, não apenas como mãe, mas como alguém com o poder decisão.

A construção da frase “feitos um para o outro” apresenta características de ambigüidade, pois faz referência à companhia agradável desfrutada entre o casal, assim como ambos estão felizes por estarem acompanhados pelos cigarros Hollywood, prazeres desfrutados em lugares muito agradáveis.

Segundo Gladstone (1976), o uso do pronome possessivo “suas” exprimem aproximação, afetividade e envolvimento com leitor. O pronome possessivo “suas” dá um caráter expressivo ao texto, pois particulariza o substantivo “afinidades” e “predileções”.

Desta forma, não trata das afinidades e predileções de qualquer um, mas do consumidor que tem uma identidade com o produto.

O pronome demonstrativo “mesmo” permeia todo texto com a função de retomar, reforçar e igualar o gosto pelo produto e o gosto que o casal tem um pelo outro.

A modalização relacionada no final do texto tem a intenção de realçar a qualidade oferecida pelo produto “fumos selecionados, suaves e cuidadosamente combinados”.

O trecho “uma tradição de bom gosto” encerra a propaganda informando que a escolha feita por pessoas de gostos refinados e que essa qualidade tem sido oferecida há muito tempo para aqueles que sabem o que é bom.

3.3. Análise das propagandas de cigarro HOLLYWOOD e FREE veiculadas na de 80

Figura 3 - BUCHALLA, Ana Paula & POLES, Cristina. Fumo sob fogo cerrado. Disponível em: www.revistaveja.com.br. Edição 1 663. 23 de agosto de 2000. Acessada em 15 de outubro de 2008.

O intuito das propagandas de cigarro veiculadas na década de 80 era demonstrar por meio dos esportes radicais, das aventuras surrealistas e de desafios inimagináveis, o desejo de liberdade.

A sinestesia de sons e imagens vem, na verdade, preencher um vazio psicológico. O fumante mesmo que impossibilitado fisicamente de fazer o que era mostrado nos comerciais, mas, se fumasse cigarros de determinada marca, subliminarmente era como se ele estivesse fazendo tudo que desejava.

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A marca de cigarros Free reforçava a idéia de que seria possível ser livre para se fazer o que deseja consumindo aquele produto.

Já a propaganda de cigarros Hollywood, apresentava imagens de esportes radicais, com uma trilha sonora voltada para ação praticada durante estes esportes, além de vincular a marca ao sucesso, conforme vem grafado no maço e em itálico “o sucesso”.

Ao aplicar o princípio da adequação a análise, foi possível perceber o quanto as propagandas milionárias criadas pelas grandes marcas de cigarro influenciavam o consumo de tabaco, tendo em vista associar o tabagismo aos grandes momentos de prazer e sucesso vividos por adultos e por jovens.

Ao compararmos com as questões atuais, foi possível perceber que a implantação da lei n.º 10.167/2000, destinada a restringir a publicidade de produtos derivados do tabaco, a afixação de pôsteres, painéis e cartazes na parte interna dos locais de venda pôde diminuir o consumo do tabaco, muito diferente da intenção de persuasão apresentado pelas décadas de 60 e 80.

Esta legislação também proíbe, conseqüentemente, em revistas, jornais, televisão, rádio e outdoors, inclusive internet. Esta norma retém a propaganda indireta contratada, denominada merchandising, e a propaganda em estádios, pistas, palcos ou locais similares, além de patrocínio de eventos esportivos nacionais e culturais.

As propagandas de cigarro, atualmente, estão direcionadas ao cuidado com a saúde e a conservação da vida, algo que o consumo do tabaco não proporciona ao homem. Com isso, as propagandas de cigarro foram proibidas, a não ser no próprio ponto de venda, e os maços de cigarro têm por obrigatoriedade divulgar todos os males que o consumo do produto pode causar à saúde.

Figura 4 - RADIOBRÁS- Agência Brasil de reportagens. Fim da propaganda de cigarros foi fundamental para a jeito de consumo entre os jovens, avalia a pesquisa. http://www.radiobras.gov.br/estatístico/ouvidoria.htm. Acesso em 15 de outubro de 2008.

4. Considerações Finais

Construir sentidos às mensagens veiculadas nas décadas de 60 e de 80 nas propagandas de cigarro compreende uma análise de interesses e anseios vividos pela sociedade em determinada época. Cabe ao historiógrafo conhecer e analisar o contexto das décadas em estudo, comparar com a sua época vivenciada para poder realizar um trabalho historiográfico.

No decorrer desta análise, foi possível identificar como as propagandas contribuíram para que o consumo do tabaco crescesse em todo o mundo.

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Para que fosse possível conhecer um pouco mais da capacidade de persuasão dos veículos de comunicação das décadas de 60 e 80, foram analisadas mediante os princípios da historiografia lingüística, os caminhos trilhados pelos recursos lingüísticos, visuais e também estilísticos, para que fosse possível entender como o leitor foi persuadido em diferentes momentos.

Hoje, já não é mais possível encontrar propagandas de cigarros em razão da lei n°10.167/2000, que visa proibir as propagandas, por esta razão, o consumo tem demonstrado percentuais de diminuição.

As propagandas de cigarros veiculadas na própria embalagem do produto reforçam a questão da saúde, ou seja, apresentam imagens de pessoas com doenças graves causadas pelo consumo do tabaco.

O poder de persuasão desenvolvido na década de 60 e de 80, direcionado a incentivar o consumo de tabaco e visando proporcionar ou complementar momentos de prazer, foi substituído pelos malefícios que esse vício pode causar à saúde de quem fuma.

Desta forma, fica evidente que a linguagem utilizada nas propagandas se deu em função das mudanças ocorridas no mundo de acordo com as modificações do interesses vividos pela sociedade da época, assim como pelas diversas teorias da linguagem.

Referências

BASTOS, N.B. e PALMA, D.V. “Considerações Iniciais e Reflexões sobre a Historiografia Lingüística” in História Entrelaçada – A Construção de gramáticas e O Ensino de Língua Portuguesa do Século XVI ao XIX. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. ________________________ “Considerações Iniciais” in História Entrelaçada 3 – A Construção de Gramáticas e o Ensino de Língua Portuguesa na Segunda Metade do Século XX. Rio de Janeiro: Lucerna/Nova Fronteira, 2008.

BRANCO, Renato Castelo & MARTENSEN, Rodolfo Lima & REIS, Fernando. História da propaganda no Brasil. São Paulo: T.A. Queiroz, 1990. BUCHALLA, Ana Paula & POLES, Cristina. Fumo sob fogo cerrado. Disponível em: www.revistaveja.com.br. Edição 1 663. 23 de agosto de 2000. Acessada em 15 de outubro de 2008.

GONÇALVES, Elisabeth Moraes. Propaganda e Linguagem: análise e evolução. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2006.

MARTINS, Nilce Sant’anna. Introdução à Estilística: a expressividade na língua portuguesa. 2ª Ed. São Paulo: T. A. Queiroz, 1997.

MELO, Gladstone Chaves. Ensaio de Estilística da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Padrão, 1976.

OLIVEIRA, Clenir Bellezi. Arte Literária: Portugal/ Brasil. São Paulo: Moderna, 1999.

PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes Históricas. 2ª edição. São Paulo: Contexto, 2006.

SANT’ANNA, Armando. Propaganda: teoria, técnica e prática. 7ª edição. São Paulo: Pioneira, 1998.

VETERGAARD, Torben & SCHRФDER. A linguagem da propaganda. Trad. João Alves dos Santos e Gilson Cardoso de Souza. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

RADIOBRÁS- Agência Brasil de reportagens. Fim da propaganda de cigarros foi fundamental para a queda de consumo entre os jovens, avalia a pesquisa. http://www.radiobras.gov.br/estatístico/ouvidoria.htm. Acesso em 15 de outubro de 2008. REVISTA FATOS E FOTOS, Brasília. Edição 166 -0 Ano IV- 4 de abril de 1964. p. 45. REVISTA MUNDO ILUSTRADO. Rio de Janeiro. Edição. N° 45 – Ano V. 6 de novembro de 1957. p. 29.