26

CINEMA NO ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA · História da África e da cultura afro-brasileira ter se tornado disciplina obrigatória ... se interroga sobre a relação entre cinema

  • Upload
    hatruc

  • View
    218

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

CINEMA NO ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA:

REPRESENTAÇÕES DO GENOCÍDIO EM RUANDA EM 1994, A PARTIR DO FILME HOTEL RUANDA, DE TERRY GEORGE

Gisele Maria Albuquerque1

Claércio Ivan Schneider2

RESUMO

Este artigo pretende colaborar para o estímulo da utilização do recurso fílmico em sala de aula, propiciando aos alunos da rede pública de ensino o contato e a exploração da linguagem do cinema como documento histórico e recurso didático para o ensino de história da África. Optou-se em desenvolver estudos e debates em torno do tema genocídio, ocorrido em Ruanda em 1994, com a exposição do filme Hotel Ruanda, dirigido por Terry George. Acredita-se que a utilização do cinema em sala de aula abre caminhos para se pensar as diferentes dimensões do seu uso no ensino de história, favorecendo, a partir da sensibilidade, da emoção e da subjetividade, interpretações plurais e críticas sobre os diferentes temas que permeiam a história do massacre ocorrido em Ruanda. Nesse sentido, o filme Hotel Ruanda transforma-se em uma fonte de imprescindível valor histórico. O trabalho é justificado em função da temática da História da África e da cultura afro-brasileira ter se tornado disciplina obrigatória nas grades curriculares nacionais e que ainda carece de uma maior divulgação e diversificação, não só junto à sociedade, mas também no meio educacional.

Palavras-chave: História da África; Genocídio em Ruanda; filme Hotel Ruanda.

1. Introdução

Esta pesquisa, que é o resultado da aplicação do projeto de intervenção

na Escola Estadual João XXIII na cidade de Irati-PR, surgiu da necessidade de

se trabalhar os conteúdos de história de modo diferente, de uma forma viva e

dinâmica, conduzindo e instigando o aluno a construir seu próprio

conhecimento a respeito da história e da cultura Afro- brasileira e Africana,

com foco especial na história do genocídio ocorrido em Ruanda, em 1994. Um

dos objetivos perseguidos a partir do trabalho com esta temática foi valorizar a

1Professora da Rede Estadual de Ensino do Paraná e bolsista do Programa de

Desenvolvimento Educacional da Secretaria Estadual de Educação do Estado do Paraná (PDE/SEED/PR) 2010-2012, Brasil. 2 Orientador. Professor Doutor do Departamento de História da Unicentro, Campus de Irati-Pr.

história e a cultura africana, buscando reparar danos que se repetem há

séculos, à sua identidade e a seus direitos. A relevância do estudo de temas

decorrentes da história e da cultura Afro-brasileira e Africana não se restringe à

população negra, ao contrário, diz respeito, como afirmam as diretrizes do

MEC, a todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos

atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de

construir uma nação democrática (MEC/SEC. 2005, p.17). Os conteúdos de

África, apontados pela Lei Federal nº 10.639/03, devem ser (re)vistos e

constantemente debatidos para que consigamos colocar em relevo diversas

questões que historicamente foram negligenciadas em nossa sociedade.

Este trabalho integra-se às Diretrizes Curriculares para o ensino de

História na Educação Básica. Por meio dessas Diretrizes busca-se despertar

reflexões a respeito de aspectos políticos, econômicos, culturais, sociais, e das

relações entre o ensino da disciplina e a produção do conhecimento histórico.

Sob uma perspectiva de inclusão social, estas Diretrizes consideram a

diversidade cultural destacando:

O cumprimento da Lei 10639/03 que inclui no currículo oficial a obrigatoriedade da História e Cultura Afro-Brasileira, seguidas das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das relações étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nas escolas; atribui à educação importante papel no processo de eliminação das práticas racistas em nossa sociedade; determina a implantação de políticas afirmativas para que o Brasil, de fato, seja um país onde exista igualdade de direitos, mas, também, respeito às diferenças (SEED: 2008, p. 45).

Nessa perspectiva, optou-se em selecionar o tema do genocídio

ocorrido em Ruanda, na África, em 1994, como temática de estudo e debate.

Este tema possibilita analisar a composição social de Ruanda a fim de

compreender o processo histórico anterior que culminou no conflito envolvendo

as etnias tutsis e hutus, considerado como uma das maiores catástrofes da

segunda metade do século XX. Desenvolveu-se o projeto de inserção na

escola utilizando o cinema para compreender a história do Genocídio de

Ruanda, visto que muitos filmes servem para denunciar fatos, como é o caso

do filme Hotel Ruanda, dirigido por Terry George em 2004. Filme que apresenta

uma crítica ao descaso da ONU (Organização das Nações Unidas) e das

comunidades internacionais acerca da guerra civil que ocorreu em 1994, na

qual num prazo de cem dias aproximadamente um milhão de pessoas foram

assassinadas.

Já a atenção direcionada ao cinema, abre caminhos para pensarmos o

seu uso no ensino de história, com o objetivo de propiciar aos alunos da rede

pública de ensino o contato e a exploração da linguagem do cinema como

documento histórico e recurso didático para o ensino de história. Alguns

problemas se tornaram objetivos centrais para a implementação do projeto de

intervenção pedagógica, do qual este artigo é resultado: Como fazer uso da

linguagem cinematográfica no ensino de História da África? Até que ponto o

filme Hotel Ruanda se transforma em uma fonte para a análise do genocídio

ocorrido em Ruanda em 1994? Quais os limites e as possibilidades que essa

fonte apresenta para a interpretação histórica? Qual a importância da

linguagem fílmica para o ensino e para a pesquisa em história nas salas de

aula?

2. O filmeHotel Ruanda como recurso didático para o ensino de História da África

Um dos principais objetivos deste projeto é contribuir para que seja mais

dinâmico e motivador o trabalho dos professores de História em sala de aula.

Vivemos em uma época de grandes transformações políticas, econômicas e

culturais, e o ritmo dessas mudanças vem se acelerando cada vez mais. As

ciências, as artes e a tecnologia representam campos da atividade humana –

dentre outros – em que o conhecimento vem se acumulando. Dessa forma,

surge no mundo moderno uma série de atrativos que acabam desmotivando os

alunos e as alunas no trabalho escolar do dia-a-dia. Nessa perspectiva, o

cinema se coloca como uma ferramenta muito interessante, podendo

transformar-se em um importante “aliado” do professor no sentido de tornar

suas aulas mais atrativas. Como destaca o historiador Marcos Napolitano “[…]

há mais de um século o cinema encanta, provoca e comove bilhões de

pessoas em todo o mundo. Dentre estes bilhões de pessoas que regularmente

foram, vão e irão assistir a filmes na sala escura do cinema, certamente estão

incluídos milhões de professores e alunos” (2005, p. 7).

A proposta em se trabalhar em sala de aula com a fonte fílmica se

justifica na medida em que na atualidade, frente aos avanços tecnológicos e

científicos, faz-se necessário ampliar os horizontes do conhecimento por

intermédio do uso de novos meios de comunicação que a sociedade apresenta.

Nesse sentido, um olhar crítico e questionador para o cinema pode resultar em

uma mudança de padrões e de inteligibilidades por parte dos discentes,

superando a idéia do cinema entretenimento ou aquela que sintetiza apenas o

elemento ficcional. Podem-se buscar no cinema diferentes dimensões de

“realidades”, sempre plurais e resultantes dos objetivos dos diretores e dos

produtores.

O cinema é fonte para a História, e, mesmo sendo ficção, produz uma

perspectiva metodológica que o coloca em nível de diálogo com a

historiografia. “O filme, imagem ou não da realidade, documento ou ficção,

intriga autêntica ou pura invenção, é História” (FERRO: 1992, p. 34).

O historiador francês Marc Ferro, um dos principais nomes no campo

da pesquisa e ensino da história por intermédio da linguagem cinematográfica,

propõe duas vias para a leitura do cinema: “leitura histórica do filme e leitura

cinematográfica da história: esses são dois eixos a serem seguidos para quem

se interroga sobre a relação entre cinema e história” (1992, p. 19). A primeira

leitura corresponde à leitura do filme através da história, ou seja, na direção em

que foi produzido; a segunda leitura é vista como uma leitura do filme enquanto

um discurso do passado, a história lida pelo cinema.

Ainda segundo Marc Ferro, que há muito tempo discute a importância do

cinema para a história, é possível partir da imagem, das imagens. Não buscar

nelas somente ilustração, confirmação ou desmentido do outro saber que o da

tradição escrita. Ferro diz que se devem considerar as imagens como tais, com

o risco de apelar para outros saberes para melhor compreendê-las. Ferro diz

que resta agora estudar o filme, associá-lo ao mundo que o produz (1992, p.

86). O pesquisador demonstra a importância do filme como fonte reveladora

das crenças, das intenções e do imaginário do homem. Demonstra como os

filmes, através de uma representação, podem servir à doutrinação ou à

glorificação. Observa também que desde o momento em que os dirigentes

políticos compreenderam a função que o cinema poderia exercer, eles tentaram

se apropriar do meio, colocando-o a seu serviço. Ressalta que o cinema pode

ser também um agente de conscientização. Para ele, o filme revela aspectos

da realidade que ultrapassam o objetivo do realizador, além de, por trás das

imagens, estar expressa a ideologia de uma sociedade. Através do filme,

chega-se ao caráter desmascarador de uma realidade política e social. Seu

objetivo é examinar a relação do filme com a sociedade que o produz/consome.

A classificação dos filmes em história é bem diversificada:

documentários, reconstrução histórica, biografia histórica, filme de época,

ficção histórica, filme mito, filme etnográfico e adaptações literárias e teatrais.

Esta pesquisa toma como fonte o filme histórico, uma vez que o filme Hotel

Ruanda está fundamentado em uma época passada e é baseado em fatos

reais. É também um filme político, que, com o objetivo de denúncia, pretende

comover, sensibilizar e transformar as visões que se forjaram a respeito de

Ruanda.Segundo Robert Rosenstone, ao falar do filme histórico:

[…] trata-se de uma interpretação, uma obra que encena e constrói um passado de imagens e sons. É uma forma visual do pensamento histórico, que existe como um campo separado da história produzida nas páginas impressas. São obras que têm sua própria integridade histórica, estabelecem uma relação com o mundo da história escrita. (2010, p.56)

O filme também é uma interpretação. Interpretação que constrói um

passado que pode ser visualizado e que, segundo Rosenstone, apresenta sua

própria integridade histórica. Nesse sentido, o filme histórico fala uma

linguagem que cria uma série de realidades aproximadas ou possíveis, por

meio da qual levanta questões acerca do passado que representa. Ele pode

oferecer a história como aventura, sofrimento, heroísmo. Como afirma o

professor RiolandoAzzi:

[...] quanto à utilização dos filmes com finalidade pedagógica, não só o professor tem oportunidade de ver o filme mais de uma vez, podendo extrair com mais clareza os conteúdos educativos que deseja enfatizar, como também os alunos podem realizar um trabalho mais aprimorado de pesquisa e descoberta sob a orientação do professor, aproveitando ao máximo a grande riqueza cultural contida na produção cinematográfica (1996: p. 06).

Riolando destaca a importância da utilização de filmes com finalidade

pedagógica, que sintetiza a intenção dos professores em buscar novos

caminhos para o ensino da disciplina. Nesse sentido, o filme insere-se como

fonte documental para o ensino de história. Sustenta tal postura as concepções

da Nova História, segundo a qual afirma Jacques Le Goff:

[...] ampliou o campo do documento histórico; substituiu a história fundada essencialmente nos textos, no documento escrito, por uma história baseada numa multiplicidade de documentos: escritos de todos os tipos, documentos figurados, produtos de escavações arqueológicas, documentos orais, uma estatística, uma curva de preços, uma fotografia, um filme, uma ferramenta, um ex-voto são para a história nova, documentos de primeira ordem. (1990: p. 28).

As novas concepções da História aliadas às novas perspectivas de

ensino favorecem a ampliação do campo documental. Na conjuntura atual, são

mais que legítimos os anseios das comunidades docentes e discentes por uma

reestruturação curricular que está em andamento com muito descompasso em

relação às transformações tecnológicas. Mas o fundamental dessa renovação é

a idéia de que, se a história é um processo vivo, assim também deve ser o seu

estudo. Necessário se faz uma ligação do ensino histórico com o real, com o

presente vivo, dando-lhe uma utilidade social. A visão da história deve ser mais

abrangente, mais conectada com o dia-a-dia, aberta às transformações

ocorridas no mundo. Através da utilização do cinema como recurso didático, se

lança mão de um dos mais poderosos meios de comunicação, reflexo de uma

linguagem (sonora, visual, sensitiva, etc.) atual. É inegável o alcance e a

popularidade adquirida pelo cinema nos dias atuais, a ponto de tornar-se um

dos elementos centrais da vida cultural, intelectual e informativa.

O cinema possui mensagens que traduzem valores culturais, sociais e

ideológicos de uma sociedade. Nesse sentido, o historiador Robert Rosenstone

afirma que:

[...] a história em filme está muito ligada à emoção, é uma tentativa de nos fazer sentir que estamos aprendendo algo do passado vivenciando indiretamente os seus momentos. E essa experiência se dá por meio de enredos que, como nas obras de historiadores mais tradicionais, utilizam o discurso da história e, ao mesmo tempo, acrescentam-lhe algo. Ao fazer isso, os

diretores tornam o passado significativo, no mínimo, de três maneiras diferentes – criam obras que visualizam, contestam e revisam a história. (1995b: 8-13)

Importante destacar que a utilização do cinema como recurso didático

não substitui o conteúdo. O cinema acrescenta, seja pela visualização, pela

contestação ou pela revisão. Portanto, é indispensável a exposição do assunto

pelo professor fazendo uso do auxílio de textos e de outros meios para que o

aluno compreenda o conteúdo e possa interagir com o filme.

Nessa lógica, a história de Ruanda, retratada em forma de filme, leva-

nos a repensar e a questionar muitos preconceitos que assumimos sobre a

África. Essa história particular é praticamente desconhecida ou desconsiderada

nos círculos do ensino de história, seja ele universitário ou escolar, e que se

reflete também nos mais diversos âmbitos da cultura, como nos meios de

comunicação e no cinema. Essa desinformação generalizada em relação à

história africana possibilita a permanência da visão de uma África desprovida

de histórias. A ignorância é o germe do preconceito.

A África é um continente “desconhecido” para a maioria dos alunos,

pois a maior parte dos livros didáticos “pincelam” assuntos sobre a África.

Acredita-se ser uma ótima oportunidade para trabalhar com os alunos a

questão de valores, como respeito, principalmente.Passamos por um processo

de ensino tão perverso no que diz respeito a alguns conteúdos que dificilmente

questionamos ou somos estimulados a indagar porque a África é vista,

concebida e naturalizada como recorte espacial assombrado pelo espectro da

fome, da incidência de doenças, de guerras civis que acabam sendo vistas

como conflitos banais e exclusivos desta parte do mundo. Oliva (2004) nos dá

uma globalidade desta concepção corrente em relação à África expondo que:

[…] tirando as breves incursões pelos programas NationalGeographic ou Discovery Chanell, ou ainda pelas imagens chocantes de um mundo africano em agonia, da AIDS que se alastra, da fome que esmaga, das etnias que se enfrentam com grande violência ou dos safáris e animais exóticos, o que sabemos sobre a África? (OLIVA: 2004, p.423).

A supervalorização da fauna e da flora africana (principalmente nos

filmes hollywoodianos) é uma das idéias mais difundidas sobre ela e tem com

uma de suasprincipais consequências a atribuição de um “exotismo”

exacerbado que contribui para a inferiorização do continente, impedindo-nos de

enxergar todo o legado cultural africano. De acordo com Munanga e Gomes:

[…] Muito do que conhecemos da África chega até nós pelos meios de comunicação de massa. Filmes como os de Tarzan e outros popularizados no cinema e na TV trazem para nós imagens distorcidas do povo africano, de suas tradições e sabedoria. De modo geral, os personagens brancos são os que levam saberes, a religião e a cultura que deve prevalecer. Também ensinam os modos de organizar as sociedades, as formas de cultivar a terra, de preservar meio ambiente e a saúde às pessoas negras que nada ou pouco sabem. Reportagens e documentários nos mostram pequenas parcelas da incrível diversidade cultural deste imenso continente ou apenas os aspectos curiosos destas culturas. Muitas imagens e textos que chegam até nós reduzem todo legado histórico e de sabedoria produzido há milhares de anos por variados povos que lá habitam ou habitaram (2004, p. 32).

No processo de ensino-aprendizagem diversas formas e estratégias

podem ser utilizadas para fornecer aos educandos um conhecimento que os

permita tecer reflexões críticas sobre a realidade vivenciada pelos mesmos.

Seguindo este pensamento defendemos a utilização de filmes e documentários

como uma das propostas para o “desvendamento” de distorções e equívocos

sobre alguns pontos de conteúdo do currículo, como por exemplo, o continente

africano que geralmente é trabalhado pelas matérias escolares ligadas às

chamadas ciências humanas. A linguagem cinematográfica trabalha, a todo o

momento, com visões de mundo que tanto podem contribuir para a

perpetuação de uma concepção hegemônica como para o processo de

(des)construção sobre as mesmas. Além de serem a “reprodução da realidade

social” as películas nos permitem fazer saltos no tempo e no espaço – e, com

isso, podemos construir “referenciais espaciais” e fazer reflexões próprias

sobre determinadas temáticas. De acordo com Harvey em seu livro intitulado

“Condição Pós-Moderna”:

[…] Preferi examinar o cinema, em parte, por tratar-se de uma forma de arte que (ao lado da fotografia) surgiu no contexto do primeiro grande impulso do modernismo cultural, mas também porque, dentre todas as formas artísticas, ele tem talvez a capacidade mais robusta de tratar de maneira instrutiva de temas entrelaçados do espaço e do tempo. O uso serial de imagens, bem como a capacidade de fazer cortes no tempo e

no espaço em qualquer direção, liberta-o das muitas restrições normais, embora ele seja, em última análise, um espetáculo projetado num espaço fechado numa tela sem profundidade (2007, p.277).

Como toda manifestação cultural, o cinema é uma construção social.

Podemos considerar o cinema como um exercício de humanização, pois em

muitos filmes temas como a violência, a guerra, os desajustes sociais, o

preconceito social e ideológico, a banalização das relações familiares e

sexuais, nos revelam diretores profundamente preocupados com a relação do

indivíduo com o mundo, viabilizando uma dimensão ética e humanista mais

crítica dos valores que permeiam as ações do homem no mundo.

Se a escola deve ir em direção à humanização, o cinema pode auxiliar

nesta tarefa, pois oferece elementos que favorecem múltiplos olhares: as

diferentes imagens do ser humano, as difíceis relações com o outro, os dilemas

morais, as questões de responsabilidade do homem contemporâneo frente à

história e ao mundo, a intolerância religiosa, os preconceitos e muitos outros

temas ligados à consciência do mundo social.

Confrontar a visão eurocêntrica lançada sobre o continente africano e

proporcionar um pequeno descortino sobre a sua história, enfocando o caso

específico do Genocídio de Ruanda ocorrido em 1994, através do filme Hotel

Ruandase constituiu em proposta que fomentou problemáticas trabalhadas

com os alunos tais como: Como o genocídio ocorrido em Ruanda é

representado a partir da fonte cinematográfica? O que esta fonte auxilia na

compreensão da história de Ruanda? Quais os objetivos que levaram os

diretores a empreenderem determinada representação? Que visões

representam? De que forma se podem analisar as diferentes dimensões do

genocídio a partir da fala ou do papel dos personagens?

O diretor do filme, Terry George, afirma no Making-off do filme Hotel

Ruanda que esse projeto foi feito com amor. Ele diz que a história de Ruanda é

divulgada em livros e artigos que poucas pessoas leem. Produzir um filme

levaria um grande número de pessoas a conhecer essa história. Ainda pelo

Making-off do filme Hotel Ruanda podemos ter uma percepção dos valores que

nortearam a produção do filme. O diretor do filme, Terry George, conta que um

amigo que havia morado na África o procurou, dizendo que quando estava na

Tanzânia ouviu uma história incrível de um hotel em Ruanda, cujo gerente

havia salvado milhares de vidas durante o genocídio e gostaria de ser

lembrado como um mensageiro de paz e se sentia na obrigação de salvar

vidas, mesmo não conhecendo as pessoas.

O roteirista do filme, Keir Pearson, disse que foi atraído pela história de

Paul. Ligou para a Embaixada de Ruanda em Washington, falou com uma

mulher, disse-lhe que estava interessado em saber a história do Mil Colinas e

gostaria de falar com Paul. A mulher era uma sobrevivente do hotel. Ele pediu

para entrevistá-la e ela aceitou. Contou-lhe uma história tenebrosa, de como foi

estuprada várias vezes e conseguiu sobreviver. Keir sentiu que a história o

havia escolhido, e não ele a ela, pois ouvir pessoalmente um relato é bem

diferente do que ler num livro ou ver na TV. “É algo que precisa ser contado”.

Keir conseguiu localizar Paul na Bélgica, conversou com ele, que foi

muito atencioso. Keir relata que sentiu essa receptividade com todos os

ruandeses que entrevistou. O roteirista teve a sensação de que todos queriam

ser ouvidos, pois na época do genocídio foram ignorados. Eles queriam que

sua história viesse à tona.

Keir conta que passou um ano escrevendo a primeira versão do roteiro,

levando-a a Los Angeles. Seu agente sabia que Terry procurava algo na África.

Terry leu o roteiro, adorou e disse que queria dirigir o filme. Queria escrever

sobre a situação política da África e o caos a que o povo foi submetido.

Quando leu o roteiro de Keir percebeu que tinha uma carga humana e poderia

mostrar a história política e humanitária, mas em um filme para entreter o

público, fazê-lo rir, chorar, sentir raiva e ter esperança de que o homem comum

possa triunfar sobre o mal.

De forma geral, o filme apresenta uma crítica ao descaso da ONU

(Organização das Nações Unidas) e das comunidades internacionais acerca da

guerra civil que ocorreu em 1994, na qual num prazo de cem dias

aproximadamente um milhão de pessoas foram assassinadas. O tom de

denúncia tem como alvo principal a omissão dos países ocidentais através da

não intervenção e da retirada total das tropas da ONU naquele momento. O

genocídio, descrito pela mídia internacional como uma guerra civil, poderia ter

sido evitado se não fosse o descaso da “comunidade internacional” com

Ruanda. Como destaca Philip Gourevitch:

[...] desencadeou-se o extermínio dos tutsis por atacado, e as tropas das Nações Unidas ofereceram pouca resistência aos assassinos. Governos estrangeiros apressaram-se em fechar suas embaixadas e evacuar os cidadãos de seus países. Os ruandeses que imploraram asilo eram abandonados (2000: p. 136).

Segundo Josi Nascimento, no texto “Nada de Novo no Front”, publicado

em seu blogspot em 2009, esse genocídio em Ruanda pode sob muitos

aspectos ser considerado um subproduto da colonização europeia na África. A

divisão da população ruandesa entre tutsis e hutus é um produto artificial da

colonização belga, baseada na idéia de tribalismo, isto é, na divisão dos povos

africanos em tribos a fim de manter melhor controle sobre o território dominado.

Os tutsis foram elevados ao status de elite local pelos administradores belgas a

fim de usá-los como seus agentes. A escolha foi baseada em características

físicas consideradas “superiores” como a maior altura, traços pretensamente

mais “europeizados” e pele de compleição mais clara (Nascimento, 2009).

Na perspectiva dos belgas, essas características eram suficientes para

acreditarem que os hutus seriam inferiores aos tutsis. Assim os imperialistas

criaram uma situação de ódio e exclusão sócio-econômica entre os habitantes

de Ruanda.Na década de 1960 os belgas deixaram o território ruandês.

Cercados por muitos problemas, os hutus passaram a atribuir todas as mazelas

da nação aos tutsis.Os tutsis abandonaram o país e formaram campos de

refugiados em Uganda. Contando com o apoio de alguns hutus moderados

formaram a Frente Patriótica Ruandesa (FPR).

O ápice dessa tensão ocorreu em 1994, quando um atentado derrubou

o avião que transportava o presidente hutu Juvenal Habyarimana. A ação foi

atribuída aos tutsis.A propagação do ódio resultou na formação de uma milícia

chamada Interahamwe. Num prazo de três meses aproximadamente um milhão

de tutsis foram assassinados.O massacre só cessou quando os tutsis

refugiados em Uganda invadiram Ruanda e milhares de hutus fugiram para

outros países.

Em relação ao filme Hotel Ruanda, Nascimento faz a seguinte

observação:

[...] O filme mostra como a mentalidade colonialista em relação à África se reproduziu mesmo depois da independência e até a

virada do século XX para o XXI. A África é vista como “terra de ninguém”, onde intervenções para o salvamento de vidas humanas não parecem valer a pena em comparação com interesses políticos externos. Mostra-se claramente como Ruanda é vista apenas como um destino para turistas (como os hóspedes do dêsMillesCollines), e uma fonte de riqueza para empresas (como a Sabena, dona do Hotel), nenhuma importância sendo dada ao bem estar da população. Assim que o genocídio começa, os turistas, repórteres e executivos não-africanos são os primeiros e únicos a serem retirados do país e protegidos enquanto a civil ruandesa, verdadeiro alvo dos ataques, é cruelmente massacrada. (2009)

A Bélgica só repetiu o padrão colonialista criado no século XIX: usufruiu

do espaço, das riquezas, da mão-de-obra, e, quando não mais lhes serviam,

abandonou Ruanda à revelia. Além de não promover uma melhor qualidade de

vida para os ruandeses, criou mecanismos que acentuaram a discórdia entre a

população.

Ainda comentando sobre o filme Hotel Ruanda, Nascimento diz:

[...] O filme defende a atuação pessoal no âmbito social, através da figura de Paul, um homem comum cujo compromisso pessoal com valores humanitários o leva a arriscar-se para salvar vidas. Os valores familiares e a solidariedade social (com a defesa de vizinhos e amigos a princípio, se estendendo para a defesa de qualquer compatriota em necessidade) também são de fundamental importância no decorrer do filme, apresentados pela dinâmica familiar entre Paul, Tatiana e seus filhos, e entre a família e seus vizinhos e os refugiados que ajudam. O filme opõe esses valores à divisão e agressão entre concidadãos que se passa fora do hotel. (NASCIMENTO, 2009).

Outro tema importante ressaltado por Nascimento é a falta de ação do

“mundo civilizado” frente a uma crise humanitária catastrófica. O filme critica

duramente a posição da comunidade internacional e das Nações Unidas

durante a crise. De fato, mostra explicitamente como a intervenção esperada

pela população não veio e como o mundo deixou os ruandeses à sua própria

sorte em meio a uma monstruosa carnificina.

O filme retrata uma história emocionante e verídica sobre a coragem e

o carisma de um homem de feitos heróicos, mas também é uma forte crítica ao

colonialismo e ao papel da ONU enquanto “mediadora” de conflitos.

Representa o drama social relegado pelas autoridades internacionais, favorece

o despertar da sensibilidade para com as crueldades que afligem o continente

africano. Oportuniza reflexões acerca do massacre e mostra que as

consequências da expansão colonial na África se estendem até os dias atuais.

O diretor Terry George retrai-se na dramatização da violência. As cenas mais

brutais são filmadas à distância. A população em geral, mesmo os hutus

envolvidos no massacre, são encarados como vítimas de circunstâncias

históricas e jogos de poder além de seu alcance.O filme tem uma visão

profundamente humanística do tema, se centrando muito mais no impacto dos

acontecimentos sobre a vida das pessoas do que nos acontecimentos em si

mesmos.

Em relação aos aspectos sociais, Nascimento cita o casal Paul e

Tatiana, observando que eles representam a manutenção dos laços sociais,

quebrados pelo conflito civil: enquanto as pessoas ao redor do hotel se voltam

contra seu próprio povo, cometendo atrocidades contra vizinhos, amigos e

compatriotas, deixando de lado as convenções mais básicas de respeito e

civilidade, Paul e Tatiana mantém sua lealdade aos amigos e vizinhos, a

compaixão para com o próximo, e a unidade familiar, formando uma dinâmica

de família normal e positiva (rede social, apesar das atrocidades). A bela cena

final, na qual Paul, Tatiana, seus filhos e sobrinhas, com mais algumas

crianças, deixam um campo de refugiados sob a luz do pôr do sol, deixa claro o

otimismo do diretor e roteiristas sobre o futuro de Ruanda, e a crença de que

as cicatrizes dos violentos acontecimentos podem, com o esforço da população

e o apoio da comunidade internacional, sarar e o país ser reconstruído.

O filme também apela, com sucesso, como observa Nascimento, para

a emoção do público, mostrando as interações entre Paul, Tatiana, seus filhos,

parentes e amigos e os efeitos dos acontecimentos históricos em suas vidas,

mentes e emoções. “Hotel Ruanda” consegue fazer o espectador simpatizar

com as personagens e sua situação, fazendo com que ele se conecte ao

sofrimento das vítimas do genocídio e se concentre na perda humana

representada pelos eventos, ao invés de apenas apresentar dados históricos

com os quais o público não necessariamente encontraria uma conexão.

O filme também não apresenta uma visão pessimista dos

acontecimentos. A inclusão do personagem Coronel Oliver mostra que nem

todos os agentes internacionais se recusaram a interferir na situação, e, ainda

que o filme critique a falta de ação da ONU e outras organizações, o filme

também mostra o trabalho da Cruz Vermelha e dos poucos soldados da ONU

no alívio da crise. Se por um lado o filme apresenta militares e autoridades

abusivas, também mostra os esforços e estratégias da população para

sobreviver e se ajudar.Nascimento finaliza dizendo:

[...] Também são mostrados o avanço dos rebeldes tutsis, e a fuga de refugiados hutus, com medo de represálias. Nessa cena vemos os rebeldes atacarem e matarem hutus, numa clara indicação de que a violência gerou uma resposta igualmente violenta. Hotel Ruanda também evita colocar todos os hutus no papel de atacantes (o personagem principal é um exemplo óbvio) e mostra o fato de que muitos hutus se negaram a participar do genocídio e foram perseguidos junto com os tutsis. Desse modo, o filme evita cair num maniqueísmo previsível de heróis e vilões, apresentando um panorama realista, sublinhando a idéia de que tragédias como essa não são fatos extraordinários ou épicos mas sim eventos que envolvem pessoas comuns de todas as camadas sociais e as situações históricas que influenciam em suas ações. (NASCIMENTO: 2009).

Histórias de abandonos, de preconceitos, de indiferenças.

Compreender o Genocídio ocorrido em Ruanda em 1994, a partir da análise e

desconstrução do filme Hotel Ruanda dirigido por Terry George, lançado no ano

de 2004, é uma forma de abordar e atender, mesmo que de forma indireta e

limitada, à lei que torna obrigatório o ensino de historia da África nos currículos

escolares. O cinema, especificamente a construção do filme Hotel Ruanda,

através de imagens em movimento e em uma tela, música e efeitos visuais

possibilitou despertar o senso crítico e ético, favorecendo a reeducação do

olhar através da exibição de filmes de diretores que utilizam uma estética que

discuta valores humanistas.

Entretanto, é necessário deixar nítida a idéia de que o uso desses

materiais no processo de ensino-aprendizagem demanda uma mescla de

cautela e preparação por parte dos docentes que serão os responsáveis por

promover a mediação entre os alunos e os filmes. Sobre isso Napolitano

disserta o seguinte:

[...] É preciso que a atividade escolar com o cinema vá além da experiência cotidiana, porém sem negá-la. A diferença é que a escola, tendo o professor como mediador, deve propor leituras mais ambiciosas além do puro lazer, fazendo a ponte entre emoção e razão de forma mais direcionada, incentivando o

aluno a se tornar um espectador mais exigente e crítico, propondo relações de conteúdo/linguagem do filme com o conteúdo escolar. Este é o desafio. (2006, p.15)

Deve-se atentar para o fato de que exibir uma película e abordar um

conteúdo não é tão simples como parece. Antes de tudo, é preciso formular

estratégias de abordagem para que estes materiais pedagógicos não sejam

interpretados como instrumentos de recreação, quando na verdade

defendemos a sua utilização pedagógica. Napolitano nos fornece algumas

pistas de como é importante “preparar” os nossos educandos para a exibição

de um filme. O referido autor expõe que:

[…] Ao escolher um ou outro filme para incluir nas suas atividades escolares, o professor deve levar em conta o problema da adequação e da abordagem por meio de reflexão prévia sobre os seus objetivos gerais e específicos. Os fatores que costumam influir no desenvolvimento e na adequação das atividades são: possibilidades técnicas e organizativas na exibição de um filme para a classe; articulação com o currículo e/ou conteúdo discutido, com as habilidades desejadas e com os conceitos discutidos; adequação à faixa etária e etapa específica da classe na relação ensino-aprendizagem. (2006, p.16)

O projeto de intervenção, fundamentado nestas discussões conceituais e

conteudístas do uso da fonte fílmica no ensino de história da África, comprovou

que estes artefatos culturais utilizados como materiais pedagógicos podem ser

de grande valia no processo de desconstrução de visões de mundo

estereotipadas, que acabam alienando os espectadores. Por isso, mostrar

como discutir criticamente os conteúdos de África a partir do filme Hotel

Ruanda, que tem como enredo o genocídio ocorrido em Ruanda pelo embate

corporal entre as etnias tutsi e hutu, se constituiu em exercício determinante

para o ressignificar a prática e o sentido do ensino de história da África.

Este filme pode ser utilizado para trabalhar diversos aspectos sobre o

continente africano e vai ao encontro da proposta que é a de fazer um início de

desconstrução a partir do filme, reconhecendo que esta é uma das poucas

películas que mostram de forma nítida como grande parte do mundo enxerga a

África.

Ao por em xeque uma suposta consciência social sobre os problemas

dos países periféricos e a crença nos órgãos e instituições oficiais destinadas a

(re)mediar essas realidades, Hotel Ruanda é também um agente da história.

Aclamado pelo público como um dos filmes mais tocantes do ano do

lançamento, Hotel Ruanda recebeu o Prêmio do Público no Festival de Toronto,

Canadá. O filme – divulgado como “a história real de um homem que abriu

seus braços, quando o mundo fechou os olhos” – tem sua significação não

somente nos efeitos que já produziu, mas justamente em sua possibilidade

futura de (re)leituras e (re)apropriações.

3. Desenvolvimento do projeto de intervenção

O projeto de intervenção foi realizado em uma turma de 8ª série. O

objetivo principal foi relacionar a História ao uso do cinema em sala de aula,

tendo como tema a África, mais especificamente o genocídio de Ruanda.O

projeto foi inicialmente divulgado junto à Direção, à Equipe Pedagógica e aos

Professores. Na oportunidade foram apresentados os objetivos, bem como as

estratégias de ação para executá-lo.

Diferentes atividades fizeram parte da intervenção. De início, foi

realizada uma investigação prévia sobre as informações que os educandos

trazem consigo sobre a África. A seguir, foi feita uma revisão oral dos

conteúdos já estudados, exercícios de sondagem, de localização do espaço

estudado através de mapas. Por fim, ponto principal do projeto, estabeleceu-se

discussões conceituais sobre o uso do filme como fonte histórica para, na

sequência, projetar o filme e analisá-lo, comprovando que é possível trabalhar

cinema nas aulas de História de forma consciente, de maneira que venha

complementar o estudo realizado previamente.

Durante o processo de intervenção foi fundamental o diálogo, a

observação, a reflexão, a troca de ideias.A metodologia adotada procurou

reforçar o conceito de que o cinema é material pedagógico e se for bem

trabalhado torna o aprendizado mais prazeroso e eficaz.

A sondagem dos conhecimentos prévios referentes ao continente

africano foi possível através de perguntas orais, tais como:O que representa a

África?Qual a proporção territorial da África?Qual a razão de haver tantos

idiomas na África?Por que, num mesmo país africano, fala-se mais de uma

língua?Por que a maioria das pessoas conhece apenas os aspectos negativos

do continente africano? Quais os filmes sobre a África já haviam assistido? O

que apresentavam? O que sabiam sobre o país Ruanda? Já tinham ouvido

falar de genocídio? O que os países ricos têm a ver com a pobreza da maioria

dos países africanos?Por que existem tantas guerras entre os povos

africanos?Que relação pode-se fazer entre a África e o Brasil?

Após esse questionamento, foi retomado o conteúdo sobre Imperialismo

no século XIX, através de uma aula expositiva. Os alunos fizeram anotações

em seus cadernos. Em seguida, foi passada uma palavra cruzada com as

respostas. As perguntas deveriam ser elaboradas pelos alunos. Para essa

atividade, foi utilizado o livro didático para consulta.

Na sequência, os alunos realizaram uma pesquisa “online” sobre a

atuação da ONU desde sua criação. Posteriormente a pesquisa foi

apresentada oralmente pelos alunos e depois houve um debate sobre o

tema.Após a apresentação da pesquisa sobre a ONU, foi trabalhado o assunto

Descolonização da África e suas consequências, através de uma aula

expositiva. Os alunos fizeram anotações em seus cadernos.Em outro

momento, trabalhou-se com o mapa da África. Como exercícios, os alunos

tiveram que escrever o nome dos países do continente africano, pesquisar a

época da independência de Ruanda, para quais países se deslocaram os

refugiados ruandeses e criar uma legenda para essas informações. Para a

realização dessa atividade, os alunos consultaram o livro didático.

Nas aulas seguintes fizeram a leitura de textos contendo a história de

Ruanda a partir de diferentes fragmentos de artigos. Questões referentes ao

país, à população, às etnias, ao genocídio, ao papel da ONU, etc., foram temas

chaves para a discussão. Após a leitura e comentário dos textos, os alunos

responderam algumas questões em seus cadernos, tais como:Localize

geograficamente Ruanda. Comente sobre as etnias que compõe Ruanda. Qual

a sua Capital e o sistema políticoruandense? Quais os idiomas? Em que

momento começam as divergências entre as etnias ruandesas?Relacione:

crescimento econômico europeu/neocolonialismo século XIX. Qual a

justificativa europeia em relação à colonização africana e asiática? Comente

sobre a Conferência de Berlim. Explique a aculturação sofrida pelos africanos a

partir da Conferência de Berlim. Comente: A atrocidade desconheceu até

mesmo casta religiosa. Essas questões foram corrigidas, comentadas e

debatidas.

Em outro momento, os alunos receberam a ficha técnica do filme Hotel

Ruanda. Foram feitos comentários a respeito da produção do filme, destacando

o diretor, os produtores, o elenco e a sinopse do mesmo. Também projetamos a

fala do diretor no making-off, no qual justifica a relevância do tema do

genocídio e a pretensão de divulgá-lo ao mundo a partir do filme.

Na sequência, os alunos assistiram o filme Hotel Ruanda na sala de

vídeo, com o auxílio do projetor multimídia e um telão. Foram feitos

comentários sobre o filme, depois realizaram exercícios referentes ao assunto,

tais como:A partir da análise do filme Hotel Ruanda explique a responsabilidade

da colonização belga em relação ao genocídio ocorrido em 1994. Faça uma

crítica sobre a atuação da ONU no genocídio em Ruanda em 1994. Foi feita a

correção dessas atividades e mais alguns comentários pertinentes.

Houve interesse dos alunos em relação ao tema, estes participaram de

todas as atividades propostas, mostraram especial interesse em relação ao

filme, que assistiram atentos, fizeram muitos questionamentos, comentaram

cenas mais relevantes.Foramexplorados a partir do filme Hotel Ruanda as

consequências engendradas pela eclosão de conflitos étnicos na África, as

heranças deixadas pela colonização realizada pelas potências europeias no

contexto do Imperialismo no final do século XIX, o papel do continente africano

no mundo da globalização, discutiram o papel dos organismos internacionais

(em especial a Organização das Nações Unidas), e como o mundo enxerga a

África influenciado pelas (des)informações amplamente difundidas pelos

diversos meios de comunicação de massa, como a identidade das etnias foi

criada de maneira artificial pelos belgas para facilitar o controle sobre o país e o

papel da África dentro da Divisão Internacional do Trabalho. Alguns começaram

a enxergar “espaços de riqueza na África”, o que para alguns era difícil de

acreditar, ou seja, o filme conseguiu mostrar que a África não é só “pobreza”.

Além disso, o filme mostra que existe um espaçoorganizado e que o continente

não se resume à miséria, tem um fluxo de turistas contrariando a imagem tribal

e primitiva. Um fato que chamou a atenção foram os valores que aparecem no

filme, como a forte relação entre a família de Paul com os vizinhos.

4. Considerações finais

Como toda manifestação cultural, o cinema é uma construção social.

Podemos considerar o cinema como um exercício de humanização, pois em

muitos filmes temas como a violência, a guerra, os desajustes sociais, o

preconceito social e ideológico, a banalização das relações familiares e

sexuais, nos revelam diretores profundamente preocupados com a relação do

indivíduo com o mundo, viabilizando uma dimensão ética e humanista mais

crítica dos valores que permeiam as ações do homem no mundo.

Se a escola deve ir em direção à humanização, o cinema pode auxiliar

nesta tarefa, pois oferece elementos que favorecem múltiplos olhares: as

diferentes imagens do ser humano, as difíceis relações com o outro, os dilemas

morais, as questões de responsabilidade do homem contemporâneo frente à

história e ao mundo, a intolerância religiosa, os preconceitos e muitos outros

temas ligados à consciência do mundo social.

O cinema vem exercendo uma expressiva influência cultural no mundo,

não só pelas salas de cinema, mas também pelo acesso a filmes em nosso

ambiente doméstico. O historiador como cientista social não pode se manter

alheio à influência que a imagem tem na sociedade.

Ao por em xeque uma suposta consciência social sobre os problemas

dos países periféricos e a crença nos órgãos e instituições oficiais destinadas a

(re)mediar essas realidades, Hotel Ruanda é também um agente da história.

Aclamado pelo público como um dos filmes mais tocantes do ano do

lançamento, Hotel Ruanda recebeu o Prêmio do Público no Festival de Toronto,

Canadá. O filme – divulgado como “a história real de um homem que abriu

seus braços, quando o mundo fechou os olhos” – tem sua significação não

somente nos efeitos que já produziu, mas justamente em sua possibilidade

futura de (re)leituras e (re)apropriações.

Objetivou-se, ao abordar o tema História e Cultura Afro-Brasileira e

Africana, compreender o Genocídio ocorrido em Ruanda em 1994, a partir da

análise e desconstrução do filme Hotel Ruanda dirigido por Terry George,

lançado no ano de 2004; entender como o cinema, especificamente a

construção do filme Hotel Ruanda, apresenta o mundo do passado, através de

imagens em movimento e em uma tela, música e efeitos visuais; despertar o

senso crítico e ético, analisando um fato marcante na História da África: o

genocídio ocorrido em Ruanda; buscar a reeducação do olhar através da

exibição de filmes de diretores que utilizam uma estética que discuta valores

humanistas. Nesse sentido, o filme Hotel Ruanda, dirigido por Terry George

transforma-se em uma fonte de imprescindível valor histórico.

O cinema, além de ser uma excelente forma lúdica no trabalho didático,

permite que o professor faça uma prática interdisciplinar, pois um filme quase

sempre envolve mais de uma temática disciplinar e sempre aborda, em maior

ou menor grau, os temas transversais propostos pelos parâmetros curriculares

nacionais. Além disso, os filmes conseguem envolver e emocionar as pessoas

com as suas histórias, situando-se dentre os principais produtos da chamada

indústria cultural: tem por objetivo ser vendido para o máximo de pessoas

possíveis; dessa forma, devem agradar à maioria do público que o consome.

Dessa forma, quando o aluno assiste a um filme, ele adquire conhecimento e

ainda se diverte, uma vez que o cinema, atualmente, acabou se tornando uma

atividade de lazer para grande parte da sociedade. O cinema tem a habilidade

de criar um mundo concreto no imaginário das pessoas.Portanto, esta arte

centenária pode ser pensada como linguagem educativa, servindo de

ferramenta para o professor na sala de aula. Assim argumenta Napolitano:

[…] Trabalhar com o cinema em sala de aula é ajudar a escola a reencontrar a cultura ao mesmo tempo cotidiana e elevada, pois o cinema no qual a estética, o lazer, a ideologia e os valores sociais mais amplos são sintetizados numa mesma obra de arte. Assim, dos mais comerciais e descomprometidos aos mais sofisticados, os filmes têm sempre alguma possibilidade para o trabalho escolar (2006, p. 11).

A imagem é central na configuração do ser humano. É primeiramente

por meio dela que as pessoas veem e expressam o mundo que as cercam. Ela

está intimamente relacionada com a memória e funciona como um elemento

estruturante do conhecimento e da cultura, gerador de infinitos significados.

No amplo circuito imagético, formado por variados suportes, o cinema

comparece como uma modalidade singular de apreender as condutas

humanas, não tanto por nos mostrar coisas novas, mas por nos permitir novas

maneiras de olhar para situações já conhecidas. Nesse sentido, muitos

estudiosos consideram o cinema uma das expressões lúdico-artísticas centrais

da vida cultural, intelectual e informativa do homem moderno.

Trata-se de um filme de grandes qualidades e que, entre todas elas, tem

como seu maior trunfo levar o grande público a refletir sobre as desgraças que

afligem o continente africano e a verdadeiramente se sensibilizar e mobilizar-se

em favor de maior justiça, paz e harmonia no mundo em que vivemos.

Hotel Ruanda é um filme que tem como temática central a humanidade

de seu personagem principal. Paul Rusesabagina é um daqueles anônimos

heróis do cotidiano que, a despeito de qualquer glória que possam atingir, age

movido pelo coração e pela fé apesar do medo e das ameaças que sofre.

Numa atmosfera em que a morte ronda a todos (há milhares de corpos de

vítimas inocentes jogados pelas ruas e rios da região), era preciso ter muita

coragem e dignidade para enfrentar as hostilidades e é nesse quesito que a

história contada em Hotel Ruanda conquista espectadores no mundo

inteiro.Representa um ponto de vista sobre o real, mas um ponto de vista que

se dá como verossímil e que visa, ao mesmo tempo, comover o espectador,

suscitar nele um sentimento de piedade para com as vítimas.

Nessa perspectiva, é necessário trazer para a sala de aula mudanças

que trarão aos alunos recursos instigantes para o processo de ensino-

aprendizagem. O cinema dá aos professores condições de concretizar teorias,

articular conteúdos, desperta o interesse pela pesquisa e novos

conhecimentos. A imagem e o som sensibilizam fazendo a integração da turma,

possibilitando um ambiente afetivo e de troca.O professor precisa conhecer as

dinâmicas presentes nas novas tecnologias, estar em sintonia com os

acontecimentos mundiais para aprimorar e redimensionar a sua prática

pedagógica. Segundo Moran (1993, p. 40) “o vídeo está umbilicalmente ligado

à televisão e a um contexto de lazer e entretenimento, que passa

imperceptivelmente para a sala de aula. Vídeo, na cabeça dos alunos, significa

descanso e não „aula‟, o que modifica a postura, as expectativas em relação ao

seu uso”.

Precisamos aproveitar essa expectativa positiva para atrair o aluno para

os assuntos do nosso planejamento pedagógico. Mas ao mesmo tempo, saber

que necessitamos prestar atenção para estabelecer novas pontes entre o vídeo

e as outras dinâmicas da aula. É inegável a necessidade de integrar diferentes

linguagens nas aulas em todos os níveis de ensino. Nesse contexto, vídeos

são recursos que mais facilmente são incorporados à rotina escolar. É

importante que possamos cada vez mais explorar espaços de troca e reflexão

para incorporarmos múltiplas linguagens em nossa prática.Várias tecnologias

podem ser integradas para melhor obtenção dos objetivos, que precisam ser

bem definidos, visando o aprendizado do aluno.

As novas tecnologias já fazem parte da vida dos alunos, seja na TV, no

cinema,nos jogos eletrônicos, no banco, enfim em todos os lugares e, portanto

a educação não deve e nem pode desprezar essa realidade. A escola tem

como função formar os indivíduos de maneira a tornarem-se cada vez mais

criativos e dinâmicos, participantes das transformações do seu tempo. Em

épocas de tantos avanços tecnológicos e muita informação disponível, parece

complicado dar uma boa aula apenas falando. Apesar da fala ser uma das mais

antigas expressões da comunidade humana, sozinha hoje ela se apresenta

pouco sedutora, mas aliada a bons parceiros, como recursos audiovisuais

(cinema, vídeo, internet, televisão entre outros) pode ser a grande saída para

uma aula “espetacular”.

No primeiro momento do aluno com o filme, observou-se a ansiedade de

como seria esta aula, a qual eles iriam ter a oportunidade de agregar um

conteúdo a mais em seu conhecimento de uma forma que não seria utilizado o

giz e o quadro, e sim um filme. Antes da exibição do vídeo houve um momento

de conhecimento prévio com os alunos sobre o tema que iríamos discutir. Após

a exibição, os alunos puderam expor as emoções e sensações que o filme

ajudou a despertar. Na aula do dia seguinte, foi feito um debate na classe para

que os alunos pudessem opinar sobre o filme, além de discutir sobre os temas

propostos anteriormente. Depois os alunos relataram suas experiências nas

aulas, deixando suas impressões sobre o que vivenciaram com relação ao

Projeto.Ao avaliar a participação dos alunos nos debates conclui que houve um

bom envolvimento deles nas atividades com a utilização do filme, mostrando-o

como uma estratégia pedagógica eficaz no processo de ensino-aprendizagem.

5. Referências

ATLAS DO ESTUDANTE RIDEEL / com assessoria de Geraldo Francisco Sales. São Paulo: Rideel, 2002. AZZI, Riolando. Cinema e educação orientação pedagógica e cultural de vídeos II. São Paulo: Paulinas, 1996. BRASIL. MEC/Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial/SEACD. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: MEC/INEP, 2005.

CARDOSO, Ciro Flamarion& MAUAD, Ana Maria. História e Imagem: Os exemplos da fotografia e do cinema. Rio de Janeiro: Campus, 1997. COSTA, Antonio. Compreender o cinema. 2ª Ed. São Paulo: Globo, 1989.

FERRAZ, Liz de Oliveira Motta. RevistaO Olho da História.Ano 12, nº.9, 2006.

FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de História:

experiências, reflexões e aprendizagens. São Paulo, Papirus, 2003.

GEORGE, Terry (dir.). Filme: Hotel Ruanda. Drama. Reino Unido/África do Sul,

2004.

GOUREVITCH, Philip. Gostaríamos de informá-lo de que amanhã seremos

mortos com nossas famílias. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

HARVEY, David. “O tempo e o espaço no cinema pós-moderno” In: Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 16ª edição, Maio de 2007, p.277-289.

HATZFELD, Jean. Uma temporada de facões: relatos do genocídio em

Ruanda. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

ILIBAGIZA, Immaculée. Sobrevivi para contar: o poder da fé me salvou de um

massacre. Rio de Janeiro, Objetiva, 2008.

MORAN, José Manuel. Leituras dos meios de comunicação. São Paulo, Ed. Pancast,1993.

MUNANGA, K. “Racismo: da desigualdade à intolerância”. In: São Paulo em perspectiva. São Paulo, abril/junho, 1990. p.51-54. MUNANGA, K.; GOMES, N. L. “África: berço de diversas civilizações”. In: Para entender o negro no Brasil de hoje: história, realidade, problemas e caminhos. 1 ed. São Paulo: Global, 2004. p.31-65

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema em sala da aula. São Paulo:

Contexto, 2006.

NASCIMENTO, Josi. “Nada de novo no front”. Disponível em:

http://jonascimento.blogspot.com.br/ Acessado em 10 de outubro de 2011.

NOVA, Cristiane. “A „História‟ diante dos desafios imagéticos”. In: Revista

Projeto História. São Paulo: v. 21, 2000.

OLIVA, Anderson Ribeiro. “A história da África em perspectiva”. In: Revista

Múltipla. Brasília, junho, 2004.

OLIVA, Anderson. “A História da África nos bancos escolares. Representações e imprecisões na leitura didática”. Estudos Afro-Asiáticos. Ano 25, nº3, 2004, pp. 421-461

ROSENSTONE, Robert A. A história nos filmes, os filmes na história. São

Paulo: Paz e Terra, 2010.

---. “História em imagens, história em palavras: reflexões sobre as

possibilidades de plasmar a história em imagens”. In: O Olho da História:

revista de história contemporânea. Salvador, v. 1, nº 5, 1998.

SEED. Diretrizes Curriculares da Educação Básica: História. Paraná:

Curitiba, 2008.

Referências de sites consultados:

Disponível em: (educação.uol.com.br/geografia/ruanda.jhtm). Por Érica Alves da Silva. Acessado em 15/06/2011.

Disponível em: (http://news.bbc.co.uk/1/hi/world/africa/3572887.stm). Por Linda Melvern. Acessado em 28/06/2011. Disponível em: (http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/2739,1.shl). Por Fernando Masini. Acessado em 28/06/2011. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/deaf/daf_3/ruanda2.htm). Por DEAF. Departamento da África. 2005. Acessado em 20/06/2011. Disponível em: (www.klepsidra.net/klepsidra7/annales.html). Por AngelaBirardi, Gláucia Rodrigues Castelani, e Luiz Fernando B. Belatto. Acessado em 20/06/2011.

Disponível em: (http://www.guerras.brasilescola.com/seculo-xx/o-genocidio-ruanda.htm) Por Rainer Sousa Graduado em História Equipe Brasil Escola. Acessado em 20/06/2011.