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Universidade de Aveiro Ano 2012 Departamento de Biologia CLÁUDIO ARAÚJO DOS REIS A IMUNIDADE INATA NA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA: PAPEL DOS MONÓCITOS

CLÁUDIO ARAÚJO A IMUNIDADE INATA NA INSUFICIÊNCIA … · palavras-chave subpopulaç Imunidade inata, recetores toll-like, insuficiência cardíaca, monócitos, ões monocíticas,

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Universidade de Aveiro

Ano 2012

Departamento de Biologia

CLUDIO ARAJO DOS REIS

A IMUNIDADE INATA NA INSUFICINCIA CARDACA: PAPEL DOS MONCITOS

Universidade de Aveiro

Ano 2012

Departamento de Biologia

CLUDIO ARAJO DOS REIS

A IMUNIDADE INATA NA INSUFICINCIA CARDACA: PAPEL DOS MONCITOS

Dissertao apresentada Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do grau de Mestre em Biologia Molecular e Celular, realizada sob a orientao cientfica do Professor Doutor Joo Tiago de Sousa Pinto Guimares, Professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, e coorientao da Professora Doutora Maria da Conceio Lopes Vieira dos Santos, Professora associada com agregao, da Universidade de Aveiro

o jri

Presidente Prof. Doutora Maria de Lourdes Gomes Pereira professor associado com agregao da Universidade de Aveiro

Prof. Doutor Andr Miguel Afonso de Sousa Moreira professor auxiliar convidado da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

Prof. Doutor Joo Tiago de Sousa Pinto Guimares professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

Prof. Doutora Maria da Conceio Lopes Vieira dos Santos professor associado com agregao da Universidade de Aveiro

Agradecimentos

Ao meu orientador Professor Doutor Joo Tiago Guimares, por ter contribudo na minha formao profissional e pessoal. Agradeo a orientao prestada, a confiana depositada e a leitura crtica da tese. minha coorientadora Professora Doutora Conceio Santos, agradeo a disponibilidade e leitura crtica da tese de mestrado. Doutora Cristina Marqus pela disponibilidade demonstrada e pelas importantes dicas fornecidas ao longo da realizao deste trabalho. Conceio e Snia pelo apoio demonstrado. Alexandra pelo companheirismo e apoio dado durante o mestrado. A todos os colegas do Servio de Patologia Clnica que participaram no meu estudo e me ajudaram a concluir o mestrado. Professora Doutora Elisabete Ramos e Doutora Joana pela disponibilidade e ajuda dada no tratamento estatstico. Ao Diogo, ao Gustavo e Paula que me ajudaram de diferentes formas no desenvolvimento da tese. minha irm pelo seu apoio constante e pela ajuda preciosa para a concluso desta tese. Aos meus pais que me incentivaram, apoiaram e auxiliaram nesta etapa acadmica.

palavras-chave

Imunidade inata, recetores toll-like, insuficincia cardaca, moncitos, subpopulaes monocticas, imunofentipo.

Resumo

Os moncitos desempenham um papel importante na imunidade inata e a ativao desta mediada pelos recetores Toll-like (TLRs). Os TLRs esto envolvidos no reconhecimento de micro-organismos estranhos pelo sistema imunolgico inato, podendo tambm ser ativados por molculas endognas. Os TLR2 e TLR4 tm sido associados ativao da imunidade inata na insuficincia cardaca (IC). Os moncitos so populaes heterogneas e compreendem subpopulaes com fentipos distintos, que podem ser identificadas pela diferente expresso dos antignios CD14 e CD16. Este estudo tem como objetivo clarificar os mecanismos de ativao da imunidade inata em doentes com insuficincia cardaca crnica (ICC), utilizando a imunofenotipagem celular por citometria de fluxo. Foi colhido sangue perifrico a 15 doentes com ICC e a 12 controlos saudveis. Estudou-se por citometria de fluxo o fentipo celular dos moncitos (FSC, SSC, TLR2, TLR4, CD4, CD11b, CD14, CD16, CD36, CD45, CD64, HLA-Dr e IREM-2), dos neutrfilos (FSC, SSC, CD10, CD11b, CD13, CD15, CD16 e CD45) e dos linfcitos (CD3, CD4, CD8, CD16, CD19 e CD56). As trs subpopulaes monocticas identificadas (CD14

+CD16

-, CD14

+CD16

+ e

CD14dim

CD16+) apresentaram diferenas fenotpicas dos antignios celulares

estudados. A subpopulao CD14+CD16

+ foi a que expressou com maior

intensidade vrios antignios de ativao e os recetores TLR2 e TLR4. Os doentes com ICC apresentaram um aumento ligeiro da percentagem dos moncitos CD14

+CD16

+ e uma diminuio dos moncitos CD14

+CD16

-. A

subpopulao CD14dim

CD16+ apresentou uma diminuio significativa da sua

percentagem com o aumento da gravidade da ICC. Na maioria das subpopulaes, o TLR2 e o TLR4 tiveram uma tendncia de aumento da sua expresso nos doentes com ICC, do que nos controlos. Os moncitos CD14

dimCD16

+ apresentaram uma diminuio significativa da expresso do

TLR2 nos doentes com ICC, relativamente ao grupo controlo. A expresso diferencial do TLR2 e do TLR4 nos subtipos de moncitos poder contribuir para o desenvolvimento e progresso da IC. A existncia de subpopulaes monocticas com fentipos e funes distintas poder fornecer informaes valiosas da patognese da IC.

Keywords

Innate immunity, toll-like receptors, heart failure, monocytes, monocytes subpopulations, immunophenotype

Abstract Monocytes play an important role in innate immunity and these are activated by the Toll-like receptores (TLRs). TLRs are able to recognise foreign microorganisms via the innate immune system and these can also be activated by endogenous molecules. TLR2 and TLR4 have been associated with activation the innate immunity in heart failure (HF). Monocytes are heterogenous populations which are subdivided into distinct phenotypes and can be identified by the different expression of CD14 and CD16 antigens. This studys main objective is to clarify the activation mechanisms of innate immunity in patients with chronic heart failure (CHF), using the cellular immunophenotyping by flow cytometry. Peripheral blood was taken from 15 patients with CHF and was used also 12 health controls. The cellular phenotypes of the monocytes were studied using flow cytometry (TLR2, TLR4, CD4, CD11b, CD14, CD16, CD36, CD45, CD64, HLA-Dr, IREM-2, FSC and SSC), in neutrophils (CD10, CD11b, CD13, CD15, CD16, CD45, FSC e SSC) and in lymphocytes (CD3, CD4, CD8, CD16, CD19 e CD56). The three monocytic subpopulations identified (CD14

+CD16

-, CD14

+CD16

+ e

CD14dim

CD16+) revealed phenotypic differences of the cellular antigens. The

CD14+CD16

+ subpopulation expressed greater intensity of several activation

antigens as well TLR2 and TLR4 receptors. Patients with CHF showed a slight increase in monocyte percentage CD14

+CD16

+ and a decrease in CD14

+CD16

-

monocytes. The CD14dim

CD16+

subpopulation showed a significant decrease of its percentage with increasing severity of CHF. In most subpopulations, TLR2 and TLR4 had a trend of increased expression in patients with CHF than controls. In patients with CHF, CD14

dimCD16

+ monocytes showed a significant

decrease in expression of TLR2, than the control group. Different expression of TLR2 and TLR4 in the subtypes of monocytes may contribute to the development and progression of HF. The existence of monocytic subpopulations with distinct phenotypes and functions can provide valuable information of the pathogenesis of HF.

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

i

ndice

Abreviaturas ....................................................................................................... iv

1. Introduo .................................................................................................... 1

1.1. Imunidade inata ..................................................................................... 3

1.1.1. Recetores Toll-like ........................................................................ 4

1.1.1.1. Vias de sinalizao do TLR ......................................................... 5

1.1.2. Inflamao ...................................................................................... 7

1.1.3. Modelo de alarme da imunidade inata ............................................ 9

1.2. Insuficincia Cardaca ......................................................................... 10

1.3. Imunidade inata na insuficincia cardaca ........................................... 12

1.3.1. Expresso dos TLR2 e TLR4........................................................ 13

1.4. Caracterizao fenotpica dos moncitos ............................................ 14

1.5. Objetivos ............................................................................................. 19

2. Material e Mtodos ..................................................................................... 21

2.1. Participantes ....................................................................................... 23

2.2. Obteno e preparao das amostras ................................................ 23

2.3. Determinao dos parmetros laboratoriais gerais ............................. 24

2.4. Expresso do TLR2 e TLR4 por citometria de fluxo ............................ 25

2.5. Estudo fenotpico dos moncitos, linfcitos e neutrfilos por citometria de fluxo .......................................................................................................... 26

2.6. Estatstica ............................................................................................ 28

3. Resultados ................................................................................................. 29

3.1. Caracterizao da amostra ................................................................. 31

3.2. Anlise fenotpica dos leuccitos ........................................................ 33

3.3. Anlise fenotpica dos moncitos ........................................................ 36

3.4. Anlise da expresso do TLR2 e TLR4 ............................................... 41

3.5. Anlise fenotpica dos linfcitos .......................................................... 45

3.6. Anlise fenotpica dos neutrfilos ........................................................ 48

4. Discusso ................................................................................................... 51

5. Concluso .................................................................................................. 63

6. Referncias Bibliogrficas .......................................................................... 67

7. Anexos ....................................................................................................... 77

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

ii

ndice de figuras

Figura 1 Vias de sinalizao dos diferentes tipos de TLRs. ............................ 7

Figura 2 A sinalizao dos TLRs promove a inflamao. ................................ 8

Figura 3 Maturao dos moncitos na medula sssea ................................. 16

Figura 4 Parmetros analticos nos doentes com ICC, de acordo com a

classe funcional NYHA. .................................................................................... 32

Figura 5 Representao grfica da identificao dos eventos a serem

excludos da anlise ......................................................................................... 33

Figura 6 Identificao das populaes leucocitrias, numa amostra de sangue

perifrico normal ............................................................................................... 34

Figura 7 Definio das subpopulaes monocticas (CD14+CD16-,

CD14+CD16+ e CD14dimCD16+), no dot-plot CD14 versus CD16. .................... 36

Figura 8 Representao grfica da intensidade de expresso dos marcadores

celulares estudados, nas subpopulaes monocticas, comparando um

exemplo de um caso tpico do grupo controlo, com um caso tpico do grupo de

doentes com ICC. ............................................................................................. 39

Figura 9 Diagramas de caixa apresentado a IMF dos marcadores celulares

nas subpopulaes monocticas, no grupo de doentes e no grupo de controlo.

......................................................................................................................... 41

Figura 10 Representao grfica da intensidade de expresso dos TLR2 e

TLR4 nas subpopulaes monocticas, comparando um exemplo de um caso

tpico do grupo controlo, com um caso tpico do grupo de doentes com ICC. . 43

Figura 11 Diagramas de caixa apresentando a IMF, entre o grupo de doentes

e o grupo controlo. ........................................................................................... 44

Figura 12 Diagramas de caixa apresentando a IMF, entre os grupos: classe

de NYHA I e classe de NYHA II/III ................................................................... 45

Figura 13 Anlise sequencial para o estudo das populaes linfocitrias ..... 46

Figura 14 Anlise dos neutrfilos. ................................................................. 48

file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055724file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055724file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055725file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055725file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055726file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055726file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055727file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055727file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055728file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055728file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055728file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055728file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055729file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055729file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055729file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055730file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055730file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055730file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055731file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055731file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055732file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055732file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055733file:///E:/Tese%20final%20Alterado_convertido.doc%23_Toc343055734

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

iii

ndice de tabelas

Tabela 1 Classificao da Insuficincia Cardaca da New York Heart

Association. ...................................................................................................... 12

Tabela 2 Antignios expressos pelos moncitos com denominao CD (do

ingls, cluster of differentiation). ....................................................................... 15

Tabela 3 Funes das subpopulaes monocticas. ..................................... 18

Tabela 4 Painel de anticorpos e respetivos fluorocromos utilizados. ............ 27

Tabela 5 Caractersticas clnicas dos doentes com ICC. .............................. 31

Tabela 6 Anlise dos tipos de leuccitos nos participantes do estudo. ......... 35

Tabela 7 Percentagem das subpopulaes monocticas, nos grupos de

doentes e controlos. ......................................................................................... 37

Tabela 8 Percentagem das subpopulaes monocticas nos doentes com

ICC, conforme a classe de NYHA. ................................................................... 37

Tabela 9 Anlise comparativa das populaes linfocitrias. ......................... 47

Tabela 10 Anlise comparativa dos parmetros celulares estudados nos

neutrfilos. ........................................................................................................ 49

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

iv

Abreviaturas

ADN cido desoxirribonucleico

ARN cido ribonucleico

APC - Aloficocianina (do ingls: allophycocyanin)

AP1 - Do ingls: activator protein 1

BNP - Pptido natriurtico do tipo B (do ingls: B-type natriuretic peptide)

CD - Do ingls: cluster of differentiation

CHSJ - Centro Hospitalar do So Joo

DAMPs - Padres moleculares associados ao dano (do ingls: damage-

associated molecular patterns).

ECM - Matriz extracelular

EDTA-K3 - cido etilenodiaminotetractico-tripotssico

EPICA - Epidemiologia da Insuficincia Cardaca e Aprendizagem

FSC Do ingls: Foward Angle Light Scatter

FITC - Isotiocianato de fluorescena (do ingls: fluorescein isothiocyanate)

HLA Antignio leucocitrio humano (do ingls: human leukocyte antigen)

HSP Protena choque trmico (do ingls: heat shock protein)

H7 Do ingls: hilite7

IC - Insuficincia cardaca

ICC - Insuficincia cardaca crnica

ICA - Insuficincia cardaca aguda

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

v

ICAM - Molcula de adeso intracelular (do ingls: intracellular adhesion

molecule)

IgG - Imunoglobulina G

IKK - Do ingls: inhibitor of NF-B (IB) kinases

IL Interleucina

IRAKs - Do ingls: IL-1 receptor-associated kinases

IRF3 - Do ingls: IFN-regulatory factor 3

LPS - Lipopolissacardeo

LBP - Protena de ligao ao LPS

MyD88 - Do ingls: myeloid differentiation primary response protein 88

MAL/TIRAP - Do ingls: adaptador My88-like/TIR domain-containing adaptor

protein

MAPK - Do ingls: mitogen-activated protein kinases

MCP - Protena quimiottica de moncitos (do ingls: monocyte chemotactic

protein)

MMPs - Metaloprotenases da matriz

MHC-II - Complexo major de histocompatibilidade classe II (do ingls: major

histocompatibility complex- class II)

NK Do ingls: Natural killer

NF-B - Fator nuclear kappa B (do ingls: nuclear factor-B)

NYHA Do ingls: New York Heart Association

PPRs - Recetores de reconhecimento de componentes moleculares de

padres clssicos (do ingls: pattern recognition receptor)

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

vi

PAMPs Padres moleculares associados aos agentes patognicos (do ingls:

pathogen-associated molecular patterns)

PerCP-CyTM5.5 - Protena Peridinina Clorofila-CianinaTM5.5 (do ingls: peridinin

chlorophyll protein-cyaninTM5.5)

PE - Ficoeritrina (do ingls: phycoerythrin)

PC7 - Ficoeritrina cianina 7 (do ingls: phycoerythrin cyanin 7)

ROS - Espcies reativas de oxignio (do ingls: reactive oxygen species)

RIP1 - Do ingls: receptor-interacting protein 1

SSC Do ingls: Side Angle Light Scatter

SPSS Do ingls: Statistical Package for Social Sciences

TLRs - Recetores Toll-like" (do ingls: Toll-like receptors)

TIR - Do ingls: Toll/IL-1 Receptor

TRIF - Do ingls: TIR-domain-containing adaptor inducing interferon b

TRAM - Do ingls: TRIF-related adaptor molecule

TAK1 - Do ingls: transforming growth factor--activated kinase 1

TRAF6 - Do ingls: tumour-necrosis factor-receptor-associated factor 6

TNF- - Fator de necrose tumoral-

TA - Temperatura ambiente

VIH - Vrus da imunodeficincia humana

VCAM - Molcula de adeso celular vascular (do ingls: vascular cell adhesion

molecule)

1. Introduo

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

3

1. Introduo

O sistema imunolgico compreende todos os mecanismos de defesa

que um organismo dispe para se proteger de micro-organismos ou de

macromolculas (protenas ou polissacardeos) que lhe sejam estranhos. Este

sistema divide-se em dois tipos de respostas inter-relacionadas e

funcionalmente definidas: a resposta imunolgica inata com uma especificidade

de largo espectro e a resposta imunolgica adaptativa com especificidade

restrita (1,2).

1.1. Imunidade inata

A imunidade inata a primeira linha de defesa do nosso organismo

contra infees e a sua ativao estimula a resposta imunolgica adaptativa

(1,3). Enquanto a imunidade adaptativa assenta em respostas antignio-

especficas com potencial para a memria imunolgica, a resposta imunolgica

inata imediata e similar contra uma grande variedade de agentes

patognicos, no possuindo memria imunolgica. Este tipo de imunidade

caracteriza-se pela sua curta durao, no requerendo uma exposio prvia

ao agente infecioso, nem se alterando mediante exposio imunolgica

repetida ao mesmo agente infecioso (2,3).

Os primeiros mecanismos de defesa inata do hospedeiro consistem num

conjunto de barreiras fsicas e qumicas, representadas pela pele e mucosas e

pelas substncias antimicrobianas produzidas nesses locais. Havendo

passagem do micro-organismo atravs destas barreiras, inicia-se um conjunto

de eventos com o objetivo de eliminar o micro-organismo invasor. Assim, a

maioria das aes da resposta imunolgica compreendem a fagocitose,

mediada pelo complemento, de agentes patognicos, a produo de

mediadores e citocinas para recrutar novas clulas fagocticas, a secreo de

interfero com a finalidade de induzir respostas no hospedeiro e a ativao das

clulas natural killer (NK) (1,2,4).

Para impedir a entrada de micro-organismos infeciosos, o sistema

imunolgico inato desenvolveu uma srie de recetores de reconhecimento de

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

4

componentes moleculares de padres clssicos (PPRs, do ingls pattern

recognition receptors) que tm a capacidade de reconhecer estruturas

moleculares conservadas e produzidas pelos agentes patognicos (PAMPs, do

ingls pathogen-associated molecular patterns), nomeadamente lpidos,

lipoprotenas, protenas e cidos nucleicos. Os PAMPs so partilhados por

grupos de agentes patognicos, mas ao mesmo tempo no esto presentes no

hospedeiro, permitindo ao sistema imunolgico inato distinguir molculas

prprias de estruturas no especficas associadas aos mesmos (5,6)

[Exemplos tpicos de PAMPs no anexo 1].

1.1.1. Recetores Toll-like

Os recetores Toll-like (TLRs, do ingls Toll-like receptors) so um

exemplo de PPRs e compreendem uma famlia de recetores de protenas

presentes nas clulas fagocticas (neutrfilos, clulas dendrticas, moncitos e

macrfagos), bem como por outros tipos de clulas (clulas epiteliais,

fibroblastos, etc.) (7,8). Estes recetores so o principal mecanismo pelo qual o

hospedeiro, reconhecendo os seus PAMPs, deteta que h um microinvasor

presente. Nos mamferos, os recetores Toll-like so homlogos dos recetores

Toll da Drosophila, tendo sido identificados 13 tipos de TLRs que reconhecem

PAMPs distintos. Estes recetores dividem-se em dois grupos de recetores de

membrana: os TLRs 1, 2, 4, 5, 6, 10, 12, 13 e os TLRs 3, 7, 8, 9 localizados,

respetivamente, na membrana da superfcie celular e na membrana

endossmica (1,9).

Os TLRs ativados vo controlar a iniciao, manuteno e finalizao da

defesa inata do hospedeiro. A ativao do TLR induz a produo de citocinas

proinflamatorias (fator de necrose tumoral- (TNF-), a interleucina-1 (IL-1) e a

IL-6) e molculas antimicrobianas, que ativam componentes da imunidade

celular. Estes tambm induzem a expresso de molculas coestimuladoras nas

clulas dendrticas, essenciais para a ativao da resposta imunolgica

adaptativa (9,12,14).

Os TLRs so protenas transmembranares que contm domnios

extracelulares compostos por regies ricas em leucina, que interagem com os

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

5

PAMPs e uma poro intracelular com um domnio TIR (do ingls Toll/IL-1

Receptor), que um mdulo conservado de sinalizao intracelular (1,10).

1.1.1.1. Vias de sinalizao do TLR

Os diferentes tipos de TLRs reagem com PAMPs especficos, ativando

assim vias de sinalizao especficas e conduzindo a respostas

antimicrobianas distintas (11,12). A via de sinalizao que utilizada depende

em grande parte de molculas adaptadoras citoplasmticas que esto

presentes para se associarem ao domnio intracitoplasmtico do TLR. A MyD88

(do ingls myeloid differentiation primary response protein 88) a molcula

adaptadora mais utilizada pelos TLRs, podendo-se associar a todos os tipos de

TLR, exceto ao TLR3. Outras molculas adaptadoras utilizadas na cascata de

sinalizao do TLR incluem a MAL/TIRAP (do ingls adaptador My88-like/TIR

domain-containing adaptor protein), TRIF (do ingls TIR-domain-containing

adaptor inducing interferon b) e a TRAM (do ingls TRIF-related adaptor

molecule) (1,13,14). A existncia de diferentes tipos de molculas adaptadoras

que contm o domnio TIR revelou diferenas nas vias de transduo do sinal

de cada um dos TLRs (12).

A ligao de um PAMP ao respetivo TLR provoca uma alterao

conformacional deste, iniciando uma cascata de sinalizao intracelular,

culminando no desenvolvimento de uma resposta imunolgica (1).

As vias de sinalizao dos TLRs podem ser divididas em dependentes

da MyD88 e independentes da MyD88 (figura 1) (9).

Via dependente da MYD88

Todos os TLRs at agora caracterizados, com a exceo do TLR3,

utilizam a via dependente da protena adaptadora MyD88. A via dependente da

MyD88 atravs dos TLRs 1, 2, 4 e 6 requer ainda a protena adaptadora TIRAP

para iniciar o processo de sinalizao. A estimulao do TLR por um ligando

recruta a MyD88 at ao recetor atravs do seu domnio TIR, que interage com

o domnio TIR do TLR. Esta ligao provoca o recrutamento sequencial da

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

6

famlia de quinases, as IRAKs (do ingls IL-1 receptor-associated kinases) 4, 1

e 2. A fosforilao da IRAK1 pela IRAK4 resulta no recrutamento da TRAF6 (do

ingls tumour-necrosis factor-receptor-associated factor 6), resultando em duas

vias de sinalizao: uma leva ativao dos fatores de transcrio AP1 (do

ingls activator protein 1) atravs da ativao do MAPK (do ingls mitogen-

activated protein kinases); a outra ativa o TAK1 (do ingls transforming growth

factor--activated kinase 1) potenciando a atividade do complexo IKK (do ingls

inhibitor of NF-B (IB) kinases), que quando ativado induz a fosforilao e

degradao subsequente de IkappaB ocorrendo a formao do NF-B (do

ingls nuclear factor-B). O NF-kB desloca-se do citoplasma para o ncleo da

clula e a induz a transcrio de diferentes genes requeridos para a resposta

inflamatria (9,14,15).

Via independente da MyD88

Esta via envolve as molculas adaptadoras TRIF ou TRAM. Os TLR3 e

TLR4 iniciam a via dependente de TRIF para induzir a produo de citocinas e

interfero tipo I. A via dependente de TRIF ativa o NF-B atravs de duas vias

independentes: numa delas o domnio terminal N da TRIF interage com a

TRAF6; na outra via, atravs do domnio terminal C da TRIF interage com RIP1

(do ingls receptor-interacting protein 1) e ativa a TAK1. A via dependente da

TRIF tambm induz a sntese do interfero (IFN-) atravs do IRF3 (do ingls

IFN-regulatory factor 3). O IRF3 fosforilado e ativado pelas quinases IKK -

TBK1 e IKKi - levando produo de interferes e molculas coestimulatrias.

A TRAF3 atua como uma ponte entre a TRIF e TBK1 (9,14,15).

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

7

Figura 1 Vias de sinalizao dos diferentes tipos de TLRs. Figura adaptada de

Kumar et al., (15).

1.1.2. Inflamao

A principal funo dos TLRs consiste na iniciao da resposta

imunolgica inata e a inflamao o ponto chave desta resposta. A inflamao

um mecanismo de defesa do organismo contra agresses e propicia a

acumulao e a ativao de clulas fagocticas no local da leso, o que

contribui para a eliminao do agente inflamatrio. tambm essencial para a

reparao dos tecidos e para o estabelecimento da imunidade especfica

(3,13).

Os principais tipos de clulas fagocticas so os neutrfilos, moncitos e

macrfagos. Os primeiros circulam no sangue perifrico, mas a maior parte

(cerca de 90%) encontra-se marginada ao longo do revestimento endotelial dos

vasos. Os moncitos correspondem a 5-10% dos leuccitos que circulam no

sangue perifrico onde permanecem entre 1 a 3 dias. Numa fase posterior

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

8

migram para os tecidos e do origem a diferentes tipos de macrfagos e

clulas dendrticas (16-18).

A ativao dos TLRs induz os macrfagos a produzirem citocinas

inflamatrias. Estas atuam nas clulas imunolgicas atravs da sua ligao a

recetores especficos na superfcie celular, provocando efeitos locais e

sistmicos. Estas vo promover a inflamao no local da infeo, devido ao

aumento da permeabilidade vascular, provocando o fluxo de clulas fagocticas

e molculas plasmticas para o foco inflamatrio. As clulas fagocticas aderem

superfcie do endotlio vascular e migram para o local da inflamao por

diapedese. Esta migrao facilitada pela existncia ou pelo aparecimento de

molculas de adeso celular, tanto nas clulas fagocticas como nas clulas

endoteliais, induzidas por fatores gerados no local da inflamao. As citocinas

tambm induzem as clulas fagocticas a libertarem pptidos antimicrobianos,

pequenas molculas como leucotrienos (mediadores lipdicos da inflamao) e

espcies reativas de oxignio (ROS, do ingls reactive oxygen species) (figura

2). Atuando em locais distantes do stio da infeo, as citocinas tambm

medeiam efeitos sistmicos, como a produo de protenas de fase aguda pelo

fgado, a febre, a leucocitose e a vasodilatao generalizada (2,7,13).

Figura 2 A sinalizao dos TLRs promove a inflamao. Figura adaptada de

Moresco et al., (13).

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

9

Os macrfagos para alm de produzirem citocinas, fagocitam e

destroem os micro-organismos estranhos e removem os restos celulares e

resduos provenientes de tecidos lesados, sendo essenciais para a reparao

tecidual. Como clulas apresentadoras de antignios, os macrfagos

processam e apresentam os antignios aos linfcitos T, com a finalidade de

ativar uma resposta imunolgica adaptativa apropriada. Aps a fagocitose, h

um aumento do consumo de oxignio e ativao de enzimas que promovem a

produo de compostos de oxignio reativos, vrios intermedirios e os

radicais livres que medeiam a destruio dos micro-organismos invasores (13).

Em alguns casos o processo inflamatrio agudo no completamente

resolvido, levando a uma inflamao crnica. A causa bsica da inflamao

crnica a persistncia do fator etiolgico, seja o agente infecioso ou ento

restos de micro-organismos, corpos estranhos ou produtos de metabolismo.

Este tipo de inflamao acontece quando os macrfagos e os linfcitos T so

constantemente ativados, levando sua acumulao nos stios da inflamao,

provocando uma leso tecidual. As citocinas, libertadas pelos macrfagos

cronicamente ativados, estimulam a proliferao de fibroblastos, levando ao

aumento da produo de colagnio que culmina na fibrose, caracterstica das

inflamaes crnicas (3).

1.1.3. Modelo de alarme da imunidade inata

Estudos recentes sugerem que o sistema imunolgico inato reconhece

sinais de perigo endgenos, designados por padres moleculares associados

ao dano (DAMPs, do ingls damage-associated molecular patterns). O modelo

de alarme da imunidade sugerido por Matzinger, prope que a presena de

PAMPs no ativa necessariamente uma resposta imunolgica a no ser que

exista uma leso tecidual no hospedeiro (9,14,19). Este modelo defende que o

sistema imunolgico ativado por sinais de dano ou alarme endgenos

originados por clulas mortas, danificadas ou sujeitas a stress, que so

reconhecidos pelos TLRs da imunidade inata, mesmo na ausncia de uma

infeo (20,21).

Os DAMPs correspondem a mudanas nas pores lipdicas, glucdicas

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

10

que se expressam na superfcie celular, ou ainda pela presena de protenas

normalmente inexistentes na membrana celular externa (19). Como exemplos

destas molculas (anexo 1), referem-se o cido rico cristalino, as protenas de

choque trmico 60, 70 e 96 (produtos de clulas sujeitas a stress), os

fragmentos de cido hialurnico e a fibronectina (produtos de leso tecidual)

(20,22,23).

O reconhecimento e ativao dos TLRs por molculas derivadas de uma

leso tecidual podem ser uma importante explicao para a compreenso da

relao entre a imunidade inata e as doenas cardiovasculares. Trabalhos

recentes indicam que os TLRs tm um papel importante no desenvolvimento e

progresso da insuficincia cardaca (9,24).

1.2. Insuficincia Cardaca

A insuficincia cardaca (IC) um dos principais problemas de sade

pblica para a maioria dos pases desenvolvidos, tendo um grande impacto

socioeconmico, relacionado sobretudo com os gastos em hospitalizao,

medicamentao e meios de interveno, mas tambm, por estarem implcitas

consequncias indiretas, como a reduo da qualidade de vida e a perda de

produtividade (25,26).

O envelhecimento das populaes e o prolongamento da esperana

mdia de vida dos doentes cardacos pelas modernas inovaes teraputicas

levou a um aumento da prevalncia de IC (27,28). De acordo com o estudo

portugus Epidemiologia da Insuficincia Cardaca e Aprendizagem (EPICA)

(29), a prevalncia de IC de 4,36%. Neste estudo, a prevalncia de IC

aumenta abruptamente com a idade, sendo 1,36% em indivduos com idades

compreendidas entre os 25-49 anos e atingindo os 16,14% em indivduos com

mais de 80 anos.

Apesar da melhoria na teraputica, a taxa de mortalidade em doentes

com IC permanece elevada, excedendo 50% aos 5 anos (27,30). Segundo

estudos europeus, 40% dos doentes internados no hospital com IC morrem ou

so readmitidos ao fim de 1 ano (28).

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

11

A IC uma patologia que ocorre em indivduos que, devido a alguma

anomalia, herdada ou adquirida, na estrutura e/ou funo cardaca, prejudica o

funcionamento fisiolgico do corao enquanto suporte da circulao (31,32).

Segundo as normas de orientao da Sociedade Europeia de

Cardiologia de 2012 (31) a IC definida, a nvel clnico, como uma sndrome

que ocorre em indivduos com sintomas tpicos de IC (como por exemplo,

dispneia, edema dos tornozelos, fadiga) e sinais resultantes de uma anomalia

da estrutura ou da funo cardaca (aumento da presso venosa jugular,

crepitaes pulmonares, alterao do batimento cardaco no apex).

A doena arterial coronria a causa mais frequente subjacente IC,

afetando cerca de dois teros dos doentes com esta patologia. Os restantes

no tm uma causa isqumica de disfuno cardaca, podendo ter uma causa

identificada (por exemplo, hipertenso arterial, diabetes mellitus, doena

valvular, toxinas do miocrdio, ou miocardite) ou no ter nenhuma causa

discernvel (por exemplo, cardiomiopatia dilatada idioptica) (33,34).

A insuficincia cardaca crnica (ICC) um estado patolgico

progressivo, com sintomas clnicos persistentes. Embora menos comum do que

a ICC, os doentes podem desenvolver insuficincia cardaca aguda (ICA). Esta

definida como um incio rpido ou uma mudana clnica dos sinais e sintomas

de IC, resultando numa necessidade urgente de tratamento. A ICA pode ser um

acontecimento inicial e sbito de insuficincia ou uma descompensao de ICC

(35).

A New York Heart Association (NYHA) classificou a IC em 4 classes de

acordo com a intensidade dos sintomas e a capacidade fsica dos doentes

(tabela 1). Esta classificao alm de possuir um carter funcional, tambm

uma maneira de avaliar a qualidade de vida do doente relativamente sua

doena (28,32).

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

12

Tabela 1 Classificao da Insuficincia Cardaca da New York Heart Association.

Classe I Nenhuma limitao da atividade fsica. As atividades fsicas

quotidianas no causam fadiga, palpitaes ou dispneia.

Classe II Limitao ligeira da atividade fsica. Assintomtico em repouso,

mas as atividades fsicas quotidianas causam fadiga, palpitaes ou dispneia.

Classe III Limitao acentuada da atividade fsica. Assintomtico em

repouso, mas sintomtico para pequenos esforos.

Classe IV Sintomtico em repouso com agravamento dos sintomas para o

mnimo esforo.

Tabela adaptada e traduzida de Dickstein et al., (28).

1.3. Imunidade inata na insuficincia cardaca

Na ltima dcada, o papel do sistema imunolgico inato em muitos

processos fisiopatolgicos do corao tem suscitado uma considervel ateno

pela comunidade cientfica (14,36).

O tecido miocrdico dos mamferos possui um sistema imunolgico inato

funcional. Em resposta a diferentes formas de leso tecidual, os micitos

cardacos desencadeiam uma resposta imunolgica inata pela produo de

mediadores e efetores, incluindo citocinas pr-inflamatrias, xido ntrico, e

quimocinas, com a finalidade de preservar a homeostasia cardaca (5,6,22).

Os TLRs alm de serem expressos nas clulas imunolgicas so

tambm expressos noutros tecidos, nomeadamente ao nvel do sistema

cardiovascular, podendo funcionar como uma ligao importante entre o

desenvolvimento de doena cardiovascular e o sistema imunolgico. A

acrescentar a esse facto, existe a evidncia de que a ativao dos TLRs

contribui para o desenvolvimento e progresso da arteriosclerose, da disfuno

cardaca na sepsis, na diminuio da contractilidade e na IC (22).

Vrios estudos efetuados em humanos e animais com IC concluram que

o sistema imunolgico se encontrava ativado, apesar de no existir evidncia

de um agente patognico na sua etiologia. A ativao deste sistema estava

associada progresso desfavorvel da IC (19,36). A ativao dos TLRs a

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

13

curto prazo conferiu uma resposta protetora ao corao. Por outro lado, a sua

ativao prolongada resultou na produo exagerada de citocinas pr-

inflamatrias e molculas de adeso celular, que levaram ao recrutamento de

neutrfilos, moncitos e clulas dendrticas para o miocrdio, aumentando a

morte celular e resultando numa reparao cardaca adversa (20,37).

1.3.1. Expresso dos TLR2 e TLR4

Vrios estudos realizados constataram que nos doentes com enfarte do

miocrdio, a sinalizao do TLR se encontrava ativada e havia um aumento da

produo de citocinas. A expresso do TLR4 em moncitos perifricos

encontrava-se tambm aumentada, estando relacionada com a gravidade da

patologia (38,39). Frantz et al. (9) observaram que o mesmo acontecia em

humanos e animais com IC e que o padro de expresso do TLR4 se

encontrava alterado. Assim, em doentes com IC o tecido miocrdico

apresentava uma intensa expresso de TLR4 em determinadas reas focais,

contrastando com o tecido miocrdico normal cujo padro de expresso do

TLR4 era difuso, indicando assim um maior recrutamento de moncitos para

reas do miocrdio em processo de remodelao (9,14,20,39).

Outras investigaes estudaram o papel do TLR4 na leso de

reperfuso miocrdica, nas quais constataram que a administrao de

pequenas doses de LPS (lipopolissacardeo) ou monofosforil lipdico A

(derivado da parede celular bacteriana de bactrias Gram-negativas) protegeu

o miocrdio contra posterior isquemia e leso de reperfuso. Porm, a

administrao de LPS em altas doses provocou uma diminuio da funo

miocrdica e este efeito foi dependente da sinalizao mediada pelo TLR4

(14,20).

Para compreender o papel do TLR4 no enfarte do miocrdio e na

inflamao aps um perodo de isquemia-reperfuso, Oyama et al. (41)

utilizaram ratos deficientes em TLR4 e verificaram que estes, em comparao

com ratos normais, tiveram enfartes em menor grau e uma atenuao da

inflamao relacionada com a leso. Similarmente, ratos pr-tratados com um

antagonista de TLR4 (Eritoran) sofreram enfartes com menor extenso e de

uma diminuio da resposta inflamatria, do fator nuclear-B (NF-B) e da

expresso de mediadores inflamatrios, quando comparados com ratos

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

14

normais (40). Estes estudos concluram assim que o TLR4 estava envolvido na

resposta inflamatria a uma leso tecidual isqumica (40,41).

O potencial papel do TLR2 na resposta ao stress oxidativo foi

demonstrado em micitos cardacos de ratos recm-nascidos. O bloqueio da

funo do TLR2 inibiu a produo de perxido de hidrognio induzida pelo NF-

B e diminuiu os seus efeitos txicos (14,19).

No sentido de esclarecer o papel do TLR2 na remodelao ventricular

aps um enfarte do miocrdio, Shishido et al. (42) observaram que os ratos

deficientes para o TLR2 apresentaram um aumento da taxa de sobrevivncia e

a funo cardaca estava mais preservada do que os ratos normais.

Verificaram tambm uma atenuao da fibrose miocrdica nas reas no

afetadas pelo enfarte, atravs da diminuio da expresso do fator de

crescimento transformante-1 e do colagnio, ambos envolvidos neste tipo de

fibrose. Este estudo comprovou que a remodelao ventricular aps enfarte do

miocrdio ocorreu atravs da via de sinalizao dependente do TLR2 (42).

1.4. Caracterizao fenotpica dos moncitos

Os moncitos pertencem ao sistema fagoctico mononuclear que,

juntamente com os macrfagos, desempenham um papel importante na defesa

imunolgica, na inflamao e na remodelao tecidual, atravs da sua

capacidade para o processamento e apresentao de antignios, fagocitose de

agentes patognicos e produo de citocinas (18,39,43).

Os moncitos possuem na sua superfcie celular recetores que podem

ser caracterizados pela ligao a anticorpos monoclonais especficos, atravs

da tcnica de citometria de fluxo. Estes recetores so marcadores da sua

linhagem, crescimento, diferenciao, ativao, reconhecimento, migrao e da

sua funo (8). Os antignios expressos pelos moncitos encontram-se

sumariados na tabela 2.

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

15

Tabela 2 Antignios expressos pelos moncitos com denominao CD (do ingls,

cluster of differentiation).

Abreviaturas: IgG, imunoglobulina G; LBP, protena de ligao ao LPS; LPS, lipopolissacardeo; MHC-II, complexo major de histocompatibilidade classe II; VIH, vrus da imunodeficincia humana; Tabela adaptada e traduzida de OGorman & Donnenberg, (8).

Os moncitos so produzidos na medula ssea a partir de um progenitor

mieloide comum (16). A maturao da linhagem monoctica processa-se em

trs estadios baseados na expresso de antignios na sua superfcie celular

(figura 3). O primeiro estadio (monoblasto) identificado pela expresso

intermdia de CD45, pela expresso de CD34 e CD117. Neste estadio tambm

comeam a ser expressos o CD64, CD36 (baixa expresso) e HLA-Dr,

Molcula CD

Expresso celular Funo

CD4 Linfcitos T auxiliares, moncitos, macrfagos e subpopulao de

timcitos

Ativao dos linfcitos T, diferenciao tmica, recetor do VIH

CD11b Moncitos, macrfagos,

granulcitos, clulas NK e clulas dendrticas

Adeso, quimiotaxia, apoptose

CD14 Moncitos, macrfagos e clulas

Langerhans Recetor para o complexo de LPS e

LBP, resposta imunolgica inata

CD16 Granulcitos, macrfagos,

moncitos e clulas NK

Transduo do sinal, ativao das clulas NK e citotoxicidade celular

dependente de anticorpo

CD36 Moncitos, macrofgos,

plaquetas, precursores eritroides e clulas endoteliais.

Recetor scavenger, adeso e fagocitose

CD45 Leuccitos Ativao e sinalizao

CD64 Moncitos, macrfagos, clulas

dendrticas e neutrfilos ativados

Recetor de alta afinidade para a IgG, fagocitose, citotoxicidade celular

dependente de anticorpo e captura de antignios

HLA-Dr

Linfcitos B, moncitos, macrfagos, linfcitos T ativados,

clulas NK ativadas e clulas progenitoras

Reconhece o MHC-II e apresenta antignios peptdicos aos linfcitos T

auxiliares

IREM-2 Moncitos e clulas dendrticas

mieloides Recetor de ativao atravs da

interao com a DAP12

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

16

mantendo-se este durante a restante maturao dos moncitos. A progresso

de monoblasto para promoncito marcada pelo desaparecimento de CD34

que perde a expresso ainda como monoblasto mantendo as clulas nveis

intermdios de CD45. Este estadio ainda caracterizado pela expresso alta

de CD64, intermdia de CD36, pelo incio de expresso de CD11b e pela

ausncia ou baixa expresso de CD14. O aumento da expresso do CD45 e do

CD14, e o aparecimento de IREM-2 identificam o estadio de moncito (44,45).

Figura 3 Maturao dos moncitos na medula sssea. Figura adaptada e acedida do grupo de Orfo, (46).

Numerosos trabalhos efetuados verificaram que os moncitos so uma

populao heterognea. A identificao de uma grande variedade de

marcadores celulares e das suas funes permitiram a distino fenotpica e

funcional de subconjuntos monocticos (16,39).

Nos ltimos 25 anos, estudos realizados nos moncitos humanos

observaram que estes podiam ser agrupados em 2 subconjuntos de acordo

com a expresso de dois antignios: o CD14 (faz parte do recetor para o LPS)

e o CD16 (recetor FcIII). O subconjunto dominante representava 85% dos

moncitos e expressava fortemente o CD14 (CD14+), sendo negativo para o

CD16 (CD16-), enquanto o subconjunto minoritrio expressava o CD14 mais

fracamente (CD14dim) mas possua uma alta expresso de CD16 (CD16+)

(47,48). Os moncitos CD14+CD16- foram designados de clssicos, porque o

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

17

fentipo apresentado correspondia sua descrio original, ao passo que a

subpopulao monoctica CD14dimCD16+ foi designada como no clssica ou

pr-inflamatria (16).

Estudos funcionais realizados nas subpopulaes monocticas

verificaram que os moncitos CD14+CD16- expressavam altos nveis do recetor

de quimiocina CCR2, baixos nveis de CX3CR1 e produziam ROS.

Contrastando com este subconjunto, os moncitos CD16+ expressavam nveis

elevados de CX3CR1 e baixos nveis de CCR2, no produziam ROS e

possuam uma menor capacidade fagocitria que os moncitos CD14+CD16-

(49-51).

Um novo subconjunto de moncitos foi posteriormente encontrado em

investigaes, nas quais constataram que os moncitos CD16+ podiam ser

divididos em duas populaes com funes distintas, de acordo com a

expresso diferencial de CD14: uma populao (5% dos moncitos) com uma

intensidade elevada de expresso de CD14 (CD14+CD16+), designada de

intermdia e uma outra populao (10% dos moncitos) com uma expresso

mais fraca de CD14 (CD14dimCD16+), que foi designada de no-clssica

(17,49,51,52). Os moncitos CD14+CD16+ expressavam os recetores Fc CD64

e CD32 e possuam atividade fagocitria. J os moncitos CD14dimCD16+ no

expressavam os recetores de Fc e a capacidade fagocitria era fraca

(17,18,49). Esta subpopulao foi encontrada expandida em respostas

inflamatrias e infeciosas, como na sepsis, na infeo pelo vrus de

imunodeficincia humana e na tuberculose (17,53). Por sua vez, os moncitos

CD14+CD16+ tambm estavam aumentados em recm-nascidos com sepsis,

na arteriosclerose, na artrite reumatoide e na asma grave (17,54).

Na tabela 3 encontram-se representadas as subpopulaes monocticas

e as suas funes.

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

18

Tabela 3 Funes das subpopulaes monocticas.

CD14+CD16- CD14+CD16+ CD14dimCD16+

Funo

Fagocitose, remoo de restos

celulares, libertao de MMPs para a remodelao da

ECM, produo de citocinas, libertao

de ROS

Angiognese, produo de citocinas anti-inflamatrias (IL-

10)

Deposio de colagnio, reparao,

efeitos anti-inflamatrios

Atividade fagocitria

Alta Alta Baixa

Produo de citocinas

estimulada pelo LPS

Produo de TNF-, IL-6 e IL-1

Produo semelhante de TNF- aos

moncitos CD14+CD16-

Produo aumentada de IL-10

Sem efeitos na produo de citocinas

pr-inflamatrias

Produo baixa de IL-10

Molculas de adeso

Expresso intermdia de ICAM-

1 e VCAM-1

Alta expresso do recetor ICAM-1, de

molculas de adeso e aumento da

aderncia endotelial do moncito

Alta expresso do recetor VCAM-1

Recetores de quimocinas

Mobilizao (via recetor CCR2) ao

ligando MCP-1

Mobilizao (via CX3CR1) ao fractalkine

Informao no disponvel

Abreviaturas: ECM, matriz extracelular; ICAM, molcula de adeso intracelular; IL, interleucina; LPS, lipopolissacardeo; MCP, protena quimiottica de moncitos; MMPs, metaloprotenases da matriz; ROS, espcies reativas de oxignio; TNF, fator de necrose tumoral; VCAM, molcula de adeso celular vascular; Tabela adaptada e traduzida de Wrigley et al., (39).

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

19

1.5. Objetivos

Este estudo tem como principal objetivo contribuir para uma melhor

caracterizao dos mecanismos de ativao da imunidade inata em doentes

com insuficincia cardaca crnica, utilizando a imunofenotipagem celular por

citometria de fluxo. Neste contexto, os objetivos especficos desta dissertao

consistem na:

- Observao da expresso dos TLR2 e TLR4 nos moncitos de doentes

com IC;

- Caracterizao imunofenotpica das subpopulaes monocticas do

sangue perifrico;

- Caracterizao imunofenotpica dos linfcitos e neutrfilos do sangue

perifrico;

O cumprimento destes objetivos poder contribuir para esclarecer o

papel da ativao da imunidade inata na insuficincia cardaca, o que se

reveste de grande importncia para a compreenso da sua fisiopatologia e para

o desenvolvimento de estratgias teraputicas eficazes.

2. Material e Mtodos

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

23

2.1. Participantes

Foram selecionados 15 doentes com ICC (9 do sexo masculino e 6 do

sexo feminino), com idades compreendidas entre os 50 e os 91 anos, que se

encontravam a ser seguidos na consulta do Centro Hospitalar do So Joo

(CHSJ) entre outubro e novembro de 2012. Como critrios de incluso deste

estudo, os doentes possuam uma disfuno sistlica do ventrculo esquerdo,

encontravam-se clinicamente estveis e a teraputica mdica otimizada pelo

menos h 3 meses. Os doentes que tivessem sido internados nos ltimos 2

meses e que apresentassem a funo do ventrculo esquerdo normal foram

exlcudos do estudo.

Foi constitudo um grupo controlo com 12 dadores de sangue (6 do sexo

masculino e 6 do sexo feminino), com idades compreendidas entre 17 e 42

anos, aparentemente saudveis, sem histrico de doenas cardiovasculares.

Aquando da incluso no estudo dos doentes e do grupo controlo foram

registados os seguintes parmetros: sexo, idade, classe de NYHA (classe I

IV), existncia de diabetes e de hipertenso, e a medicao. Por citometria de

fluxo, estudou-se o imunofentipo dos moncitos (FSC, SSC, CD4, CD11b,

CD14, CD16, CD36, CD45, CD64, HLA-Dr, IREM-2, TLR2 e TLR4), dos

neutrfilos (FSC, SSC, CD10, CD11b, CD13, CD15, CD16 e CD45) e dos

linfcitos (CD3, CD4, CD8, CD16, CD19 e CD56). Determinou-se a protena C

reativa (PCR), a hemoglobina (HBG) e o nmero de leuccitos. No grupo de

doentes procedeu-se ainda, determinao do pptido natriurtico do tipo B

(BNP, do ingls B-type natriuretic peptide) e da creatinina.

O estudo em questo no possui qualquer tipo de obstculo de ndole

tica, dado que se encontra de acordo com os princpios ticos da Declarao

de Helsnquia e foi aprovado pela comisso de tica do CHSJ.

2.2. Obteno e preparao das amostras

De cada participante foram colhidas amostras de sangue perifrico por

puno venosa. Para a anlise por citometria de fluxo e para a determinao

dos parmetros hematolgicos, foi colhido sangue para um tubo contendo o

cido etilenodiaminotetractico-tripotssico (EDTA-K3) como anticoagulante.

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

24

Num tubo com gel Z (ativador da coagulao) colheu-se sangue para o

doseamento da creatinina e da PCR, a fim de se obter soro, aps centrifugao

a 3500 rotaes por minuto (rpm) durante 10 minutos. Para a determinao do

BNP foi colhido sangue para um tubo contendo heparina ltio, para obteno de

plasma aps centrifugao a 3500rpm durante 10 minutos. As amostras foram

processadas num perodo inferior a 24 horas.

2.3. Determinao dos parmetros laboratoriais gerais

Os parmetros hematolgicos (HGB e leuccitos) foram determinados

no analisador de Hematologia automtico Sysmex XE-5000 (Syxmex

Corporation, Kobe, Japan), aps ter sido efetuado o controlo de qualidade

dirio.

A HGB foi analisada pelo detetor de HGB com base no mtodo de

deteo de hemoglobina SLS (Lauril sulfato de sdio). Os valores de referncia

da HGB utilizados pelo laboratrio so: 13,0 a 17,0 g/dl para o sexo masculino

(acima dos 13 anos) e 12,0 a 15,0 g/dl para o sexo feminino (acima dos 13

anos).

Os leuccitos foram analisados pelo bloco de deteo tico com base no

mtodo de citometria de fluxo, utilizando um laser semiconductor. Os valores

compreendidos entre 4,0 e 11,0x109/L so considerados normais.

A determinao quantitativa da creatinina srica foi realizada utilizando o

kit Creatinine (Beckman Coulter, Brea, California, USA). Foi efetuado um

ensaio de cor cintico (mtodo Jaff), no autoanalisador Olympus AU5400

(Olympus Diagnostica GmbH, Hamburg). A avaliao da creatinina foi efetuada

aps a realizao do controlo de qualidade dirio. Os valores de referncia

utilizados pelo laboratrio so: 0,8 a 1,4 mg/dl para o sexo masculino e 0,6 a

1,1 mg/dl para o sexo feminino.

A PCR foi doseada no soro utilizando o kit CRP Latex (Beckman Coulter,

Brea, California, USA), que se baseia num ensaio imuno-turbidimtrico. A sua

determinao quantitativa foi efetuada no autoanalisador Olympus AU5400

(Olympus Diagnostica GmbH, Hamburg). A anlise da PCR foi realizada aps o

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

25

controlo de qualidade dirio do laboratrio. Os valores inferiores a

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

26

e voltou a incubar-se durante 15 minutos no escuro e TA. As clulas foram

posteriormente centrifugadas, a 1500 rpm durante 5 minutos. Aps a rejeio

do sobrenadante, adicionou-se 3 ml da soluo de lavagem e centrifugou-se

novamente. Por fim, as amostras foram suspensas em 0,5ml de BD

FACSFlowTM.

A aquisio das amostras foi realizada no citmetro de fluxo BD

FACSCanto II da Becton Dickinson, equipado com trs lasers: um laser

azul (488nm), um laser vermelho (633nm) e um laser violeta (405nm), podendo

ler at 8 fluorescncias. A aquisio foi efetuada aps o controlo de qualidade

dirio com esferas fluorescentes de configurao (BDTM Cytometer Setup &

Tracking Beads, BD Biosciences, San Jose, California, USA). Para a aquisio

utilizou-se o software FACSDiva (BD PharmingenTM), adquirindo 150 000

clulas. Na anlise utilizou-se o software Infinicyt 1.2 (Cytognos, Salamanca,

Spain). Os resultados foram expressos em termos de intensidade mdia de

fluorescncia (IMF).

2.5. Estudo fenotpico dos moncitos, linfcitos e neutrfilos por

citometria de fluxo

No estudo fenotpico dos leuccitos por citometria de fluxo foi utilizado o

seguinte painel de anticorpos monoclonais conjugados com fluorocromos, que

se encontra esquematizado na tabela 4. Os anticorpos foram obtidos da BD

Biosciences (San Jose, California, USA: CD3-APC, clone SK7; CD8-

Isotiocianato de Fluorescena (FITC), clone SK1; CD13-PE, clone L138; CD14-

APC, clone MP9; CD14-APC-H7, clone MP9; CD15-FITC, clone MMA;

CD34-APC, clone 8G12; CD45-PerCp-CyTM5.5), clone 2D1; CD56-PE, clone

MY31), da Immunotech (Marseille, France: CD11b-FITC, clone Bear1; CD16-

PE, clone 3G8; CD19-Ficoeritrina cianina 7 (PC7), clone J3-119; CD64-PE,

clone 22) e da BD PharmingenTM (Glostrup, Denmark: CD4-Pacific Blue, clone

RPA-T4; CD36-FITC, clone CB38; HLA-DR-PerCp-Cy5.5, clone L243), da

InvitrogenTM (Frederick, USA: CD45-Pacific Orange, clone HI30) e da

Immunostep (Salamanca, Spain: IREM-2-APC).

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

27

Tabela 4 Painel de anticorpos e respetivos fluorocromos utilizados.

Populao leucocitria a estudar

Pacific Blue

Pacific Orange

FITC PE PerCP-Cy5.5

PE-Cy7 APC APC-

H7

Linfcitos 4 45 8 16+56 - 19 3 -

Moncitos 4 45 36 16 HLA-Dr - 14 -

Moncitos - 45 16 64 - 14 -

Moncitos - 45 11b 16 - IREM-2 14

Neutrfilos - - 11b 13 45 - 34 -

Neutrfilos - - 15 16 45 - 10 -

Para o estudo imunofenotpico, adicionou-se em cada tubo 100 l de

sangue e uma quantidade apropriada de anticorpos monoclonais e incubou-se

15 minutos no escuro e TA. Para a lise dos eritrcitos, adicionou-se 2ml de

soluo de lise (FACS Lysing Solution) e incubou-se durante 15 minutos nas

mesmas condies anteriores. As clulas foram posteriormente centrifugadas,

a 1500 rpm durante 5 minutos e depois o sobrenadante foi rejeitado. De

seguida, adicionou-se 3 ml de BD FACSFlowTM e centrifugou-se novamente.

Por fim, as amostras foram suspensas em 0,5 ml de BD FACSFlowTM.

A aquisio das amostras foi realizada no citmetro de fluxo BD

FACSCanto II da Becton Dickinson, aps ter sido efetuado o controlo de

qualidade dirio com esferas fluorescentes de configurao (BDTM Cytometer

Setup & Tracking Beads, BD Biosciences, San Jose, California, USA). Para a

aquisio utilizou-se o software FACSDiva (BD Pharmingen TM), adquirindo

150 000 clulas. Na anlise utilizou-se o software Infinicyt 1.2 (Cytognos,

Salamanca, Spain). Os resultados foram expressos em termos de percentagem

das clulas positivas para o respetivo antignio em cada tipo celular e/ou a

intensidade mdia de fluorescncia (IMF) respetiva.

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

28

2.6. Estatstica

Para efeitos de anlise e tratamento estatstico dos dados obtidos,

utilizou-se o programa informtico Microsoft Excel 2002 e Statistical Package

for Social Sciences (SPSS para o WindowsTM verso 18.0, SPSS Inc., Chicago,

USA). As variveis numricas contnuas, foram analisadas atravs das

medidas descritivas, percentis 25, 50 e 75 e as variveis nominais foram

analisadas sob a forma de frequncias absolutas e/ou relativas.

Para a anlise das diferenas entre os grupos estudados, utilizaram-se

os testes no-paramtricos: Mann-Whitney ou de Wilcoxon, conforme as

amostras fossem independentes ou emparelhadas, respetivamente. O nvel de

significncia foi de 95% (=0,05).

3. Resultados

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

31

3.1. Caracterizao da amostra

As caractersticas do grupo de doentes encontram-se sumariadas na

tabela 5.

Tabela 5 Caractersticas clnicas dos doentes com ICC.

Doentes com ICC

(n=15)

Hipertenso 13 (86,7%)

Diabetes 5 (33,3%)

Etiologia:

Isqumica No-isqumica

8 (53,3%) 7(46,7%)

Disfuno ventricular esquerda:

Ligeira Moderada

Grave

2 (13,3%) 7 (46,7%) 6 (40,0%)

Classe NYHA:

I II III IV

8 (53,3%) 4 (26,7%) 3 (20,0%)

0 (0%)

Medicao:

Inibidores ECA -bloqueadores Antiplaquetrios Dislipidmicos

Diurticos Espironolactona

Antidiabticos orais Insulina NPH

Anticoagulantes orais

13 (86,7%) 14 (93,3%) 9 (60,0%) 11 (73,3%) 13 (86,7%) 4 (26,7%) 4 (26,7%) 3 (20,0%) 2 (13,3%)

Na figura 4 encontram-se representados os parmetros analticos

determinados nos doentes com ICC, divididos em dois grupos segundo a

classe funcional de NYHA: classe I e classe II/III. Devido ao nmero reduzido

de doentes com ICC estudados, no foi possvel dividir em 4 grupos, de acordo

com as 4 classes existentes na classificao de NYHA. Apesar do aumento da

mediana, entre os dois grupos definidos, nos parmetros PCR (P50=2,65 mg/L

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

32

versus P50=5,30 mg/L), BNP (P50=116,95 pg/mol versus P50=399,60 pg/mol)

e creatinina (P50=0,98 mg/dl versus P50=1,10 mg/dl), os resultados no foram

estatisticamente significativos. O mesmo se verificou no nmero de leuccitos,

contudo apresentaram uma diminuio da mediana (P50= 7,62x109/L versus

P50=6,82x109/L). Por outro lado, a diminuio da HGB com o aumento da

classe de NYHA foi estatisticamente significativa (p=0,020).

Cre

ati

nin

a (

mg

/dl)

Classe de NYHA

Classe I Classe II/III

Classe II/III

Classe de NYHA

Classe I

PC

R (

mg/L

)

Classe I Classe II/III Classe de NYHA

BN

P (

pg

/mol)

Le

uc

cit

os

(1

09/L

)

Classe I Classe II/III

Classe de NYHA

Figura 4 Parmetros analticos nos doentes com ICC, de acordo com a

classe funcional de NYHA. *Valor de prova referente ao teste Mann-Whitney, nos

doentes com ICC, divididos em dois grupos: classe NYHA I e classe NYHA II/III

(=0,05).

HB

(g

/dl)

Classe I Classe II/III Classe de NYHA

*

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

33

3.2. Anlise fenotpica dos leuccitos

A anlise das populaes leucocitrias seguiu uma srie de estratgias

de gate (regio de anlise onde se encontram as clulas de interesse) para a

identificao de cada tipo leucocitrio. Assim, comeou-se por identificar os

eventos a serem excludos da anlise: nos dot-plots FSC versus SSC e SSC

versus CD45 (figura 5 A e B) foram selecionados os restos celulares e no dot-

plot FSC-A (rea) versus FSC-H (altura) [figura 5 C] selecionaram-se os

dupletos. Seguidamente, foram identificados os diferentes tipos de leuccitos

nos dot-plots FSC versus SSC e SSC versus CD45, pelas suas caractersticas

de foward scatter (tamanho), side scatter (granularidade) e pela intensidade de

expresso de CD45 (figura 6 A e B). Para uma melhor delimitao dos

moncitos, ainda se recorreu ao dot-plot SSC versus CD14, para uma correta

separao destas clulas relativamente aos granulcitos.

B A B C

Figura 5 Representao grfica da identificao dos eventos a serem excludos da

anlise: (A e B) Seleo da regio dos restos celulares (CD45-, eventos a preto), nos

dot-plots FSC versus SSC e SSC versus CD45; (C) Seleo dos dupletos (eventos a

preto) no dot-plot FSC-A versus FSC-H.

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

34

Eosinfilos Moncitos Linfcitos

Neutrfilos Basfilos

B

C

Figura 6 Identificao das populaes leucocitrias, numa amostra de sangue

perifrico normal: (A e B) Identificao dos diferentes tipos de leuccitos pelo seu

tamanho e granularidade (dot-plot FSC versus SSC) e pela intensidade de expresso

de CD45 (SSC versus CD45): Linfcitos - FSCbaixoSSCbaixoCD45++; Moncitos -

FSCaltoSSCintermdioCD45+; Neutrfilos - FSCaltoSSCaltoCD45+; Eosinfilos -

FSCaltoSSCaltoCD45+; Basfilos - FSCbaixoSSCbaixoCD45+; (C) Gate efetuado nos

granulcitos (eventos a preto) no dot-plot SSC versus CD14, separando-os das

clulas mononucleares.

Linfcitos

Basfilos

Neutrfilos

Eosinfilos

Moncitos

A

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

35

Na tabela 6 encontra-se representada a anlise efetuada nos

participantes deste estudo, relativamente aos diferentes tipos de leuccitos. Na

comparao entre o grupo de doentes e o grupo controlo, observaram-se

diferenas estatisticamente significativas nos linfcitos (p=0,010), moncitos

(p=0,025), nos neutrfilos (p=0,022) e nas clulas CD34+ (p=0,05). Verificou-se

uma diminuio da percentagem de linfcitos nos doentes com ICC

(P50=18,85% versus P50=28,30%) e um aumento da percentagem de

neutrfilos (P50=70,16% versus P50=62,14%) e de moncitos nos mesmos

doentes (P50=7,76% versus P50=5,54%).

Tabela 6 Anlise dos tipos de leuccitos nos participantes do estudo.

* Valor de prova referente ao teste Mann-Whitney entre o grupo de doentes com ICC e o grupo controlo (=0,05).

Parmetro

Grupo ICC Grupo Controlo

Valor de p* Percentil

25 Percentil

50 Percentil

75 Percentil

25 Percentil

50 Percentil

75

Linfcitos (%)

14,76 18,85 24,88 24,07 28,30 30,09 0,010

Moncitos (%)

5,37 7,76 8,51 4,8475 5,54 6,51 0,025

Neutrfilos (%)

64,81 70,16 74,42 60,07 62,14 66,76 0,022

Eosinfilos (%)

1,14 2,25 3,84 1,97 2,90 4,60 0,205

Basfilos (%)

0,48 0,54 0,98 0,53 0,72 1,01 0,317

Clulas CD34+ (%)

0,02 0,02 0,02 0,02 0,03 0,04 0,050

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

36

3.3. Anlise fenotpica dos moncitos:

Dentro do gate efetuado anteriormente nos moncitos, procedeu-se

sua diviso, em trs subpopulaes no dot-plot CD14 versus CD16 (figura 7),

conforme a intensidade de expresso destes marcadores:

- Moncitos CD14+CD16- - foram definidos pela expresso forte de CD14

e a ausncia de expresso de CD16;

- Moncitos CD14+CD16+ - foram definidos pela expresso forte de

ambos os marcadores;

- Moncitos CD14dimCD16+ - foram definidos pela expresso fraca

(heterognea) de CD14 e a expresso forte de CD16.

As subpopulaes monocticas foram observadas e quantificadas no

grupo de doentes com ICC e no grupo controlo (tabela 7). No grupo controlo,

observou-se que a subpopulao maioritria (CD14+CD16-) representava

85,48% dos moncitos do sangue perifrico, enquanto as subpopulaes

CD14+CD16+ e a CD14dimCD16+ contabilizavam 7,33% e 8,02%,

respetivamente. Em comparao com o grupo controlo, os doentes com ICC

tiveram um ligeiro aumento da subpopulao CD14+CD16+ (9,77% versus

7,33%), com consequente diminuio dos moncitos CD14+CD16- (81,72%

versus 85,48%). Contudo, as diferenas das percentagens das subpopulaes

monocticas, entre os dois grupos estudados, no foram estatisticamente

significativas.

Figura 7 Definio das subpopulaes monocticas (CD14+CD16-, CD14+CD16+ e

CD14dimCD16+), no dot-plot CD14 versus CD16.

CD14dim

CD16+

CD14+CD16

+

CD14+CD16

-

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

37

Tabela 7 Percentagem das subpopulaes monocticas, nos grupos de doentes e

controlos.

CD14+CD16

- (%) CD14

+CD16

+ (%) CD14

dimCD16

+ (%)

Grupo ICC 81,725,23 9,772,78 8,533,75

Grupo Controlo 85,485,66 7,333,18 8,024,38

Valor p* 0,922 0,626 0,733

Resultados expressos como mdiadesvio padro. * Valor de prova referente ao teste

Mann-Whitney entre o grupo de doentes com ICC e o grupo controlo (=0,05).

Na diviso dos doentes com ICC nos dois grupos formados, de acordo

com a classificao de NYHA (tabela 8), observaram-se diferenas

estatisticamente significativas na subpopulao CD14dimCD16+ (p=0,037), que

apresentou uma diminuio da sua percentagem na classe de NYHA II/III

(6,70% versus 10,14%). Embora no se obtivesse diferenas estatsticas na

percentagem das outras subpopulaes, a subpopulao CD14+CD16- estava

ligeiramente aumentada na classe de NYHA II/III (83,93% versus 79,78%),

enquanto que a subpopulao CD14+CD16+ diminuiu a sua percentagem na

classe de NYHA II/III (9,38% versus 10,11%).

Tabela 8 Percentagem das subpopulaes monocticas nos doentes com ICC,

conforme a classe de NYHA.

Subpopulao monoctica

Classe NYHA I (n=8) CLASSE NYHA II/III

(n=7) Valor p*

CD14+CD16

- 79,785,52 83,93 4,18 0,132

CD14+CD16

+ 10,113,67 9,381,39 0,817

CD14dim

CD16+ 10,143,29 6,703,58 0,037

Resultados expressos como mdiadesvio padro. * Valor de prova referente ao teste Mann-

Whitney entre os grupos de doentes com ICC: classe NYHA I e classe NYHA II/III (=0,05).

As subpopulaes monocticas foram estudadas relativamente

expresso de antignios pelos moncitos: CD4, CD11b, CD36, CD45, CD64,

HLA-Dr, IREM-2 e s caractersticas fsicas das clulas (FSC e SSC). A

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

38

expresso dos diferentes marcadores celulares analisados nos moncitos est

representada na figura 8.

O imunofentipo de cada subpopulao monoctica encontra-se

seguidamente descrito, tendo-se verificado diferenas estatisticamente

significativas (p

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

39

Doente com ICC

Controlo Normal

Figura 8 Representao grfica da intensidade de expresso dos marcadores celulares estudados, nas subpopulaes monocticas,

comparando um exemplo de um caso tpico do grupo controlo, com um caso tpico do grupo de doentes com ICC.

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

40

Figura 8 Representao grfica da intensidade de expresso dos marcadores celulares estudados, nas subpopulaes monocticas,

comparando um exemplo de um caso tpico do grupo controlo, com um caso tpico do grupo de doentes com ICC (continuao).

Doente com ICC

Controlo Normal

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

41

Na figura 9 encontram-se representados os diagramas de caixa,

referentes aos parmetros celulares estudados nos moncitos. Na comparao

da expresso dos parmetros analisados, observaram-se nas trs

subpopulaes monocticas, uma diminuio estatisticamente significativa do

valor do CD45, HLA-Dr e FSC (p

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

42

Nas subpopulaes monocticas identificadas foi tambm analisada a

expresso dos TLR2 e TLR4 (figura 10 e 11).

Na expresso do TLR2 nos participantes deste estudo, observou-se que

a subpopulao CD14+CD16+ apresentou uma IMF superior aos outros

subtipos de moncitos, tendo a subpopulao CD14dimCD16+ apresentado uma

expresso mais fraca deste recetor (figura 10). Na comparao da expresso

do TLR2, entre o grupo de doentes e controlos, verificou-se uma ligeira sobre-

expresso nos doentes com ICC, nas subpopulaes CD14+CD16- e

CD14+CD16+ (figura 11). A subpopulao CD14dimCD16+ apresentou uma

diminuio significativa da sua expresso (p=0,002), entre o grupo de doentes

e os controlos.

Na expresso do TLR4 nos moncitos dos mesmos indivduos, verificou-

se que as subpopulaes CD14+CD16+ e a CD14dimCD16+ apresentaram uma

expresso mais forte do TLR4, em comparao com a subpopulao

maioritria. De forma inversa, a subpopulao CD14+CD16- foi a que obteve

uma intensidade de fluorescncia mais fraca do TLR4 (figura 10).

Os doentes com ICC apresentaram um ligeiro aumento da expresso do

TLR4, comparativamente com o grupo controlo (figura 11). Porm, no se

observaram diferenas estatisticamente significativas, na expresso deste

recetor entre as subpopulaes monocticas.

De salientar, que a expresso deste recetor apresentou valores de IMF

muito heterogneos, uma vez que, em alguns indivduos (controlos e doentes),

a subpopulao CD14+CD16+ obteve uma IMF superior aos moncitos

CD14dimCD16+ e noutros indivduos ocorreu o inverso. Em 6 controlos (50,0%)

e em 6 doentes (40%), a subpopulao CD14dimCD16+ foi a que teve uma IMF

superior no TLR4. Este subtipo de moncitos apresentou em dois doentes com

ICC, uma IMF muito elevada, obtendo o dobro da IMF observada na

subpopulao CD14+CD16+.

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

43

Doente com ICC

Controlo Normal

Figura 10 Representao grfica da intensidade de expresso dos TLR2 e TLR4 nas subpopulaes monocticas, comparando um exemplo

de um caso tpico do grupo controlo, com um caso tpico do grupo de doentes com ICC.

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

44

Na figura 12 encontra-se representado a expresso dos TLR2 e TLR4,

divididos em dois grupos: classe NYHA I e classe NYHA II/III. Na anlise

destes resultados, verificou-se que a classe de NYHA I apresentou uma

expresso mais elevada dos TLR2 e TLR4, do que na classe NHYA II/III, em

quase todas as subpopulaes monocticas. Com a exceo da subpopulao

CD14+CD16- no TLR4, a classe que apresentou uma IMF superior foi a classe

NYHA II/III.

O padro de expresso do TLR2, dividido nas classes de NYHA foi

semelhante ao apresentado na comparao entre os grupos de doentes e

controlos. A subpopulao CD14+CD16+ foi a que obteve maior IMF nos dois

grupos definidos e a subpopulao CD14dimCD16+ a que obteve menor IMF. A

subpopulao CD14dimCD16+ apresentou diferenas estatisticamente

significativas (p=0,005), entre a classe NYHA I e a classe NYHA II/III.

Relativamente ao TLR4, observou-se tambm um padro de expresso

semelhante comparao entre doentes e controlos. Em termos estatsticos,

no se observaram diferenas significativas entre os dois grupos estudados.

CD14+CD16- CD14+CD16+ CD14dim

CD16+

TL

R4 (

IMF

)

Grupo Controlo Grupo ICC

Figura 11 Diagramas de caixa apresentando a IMF, entre o grupo de doentes e o

grupo controlo. *p < 0.05, valor de prova referente ao teste Mann-Whitney, entre o grupo de

doentes e o grupo controlo (=0.05).

CD14+CD16- CD14+CD16+ CD14dim

CD16+

TL

R2 (

IMF

)

*

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

45

3.5. Anlise fenotpica dos linfcitos:

As populaes linfocitrias foram analisadas dentro do gate linfocitrio

efetuado anteriormente. Os linfcitos T auxiliares foram identificados pela

expresso simultnea de CD3 e CD4; os linfcitos T citotxicos foram definidos

pela expresso de CD3 e CD8; os linfcitos T CD4+CD8+ foram identificados

pela expresso simultnea de CD3, CD4 e CD8; os linfcitos T CD4-CD8-

foram definidos pela expresso de CD3 e a ausncia de expresso de CD4 e

de CD8; os linfcitos T CD3+CD16+CD56+ foram definidos pela expresso de

CD3, CD16 e CD56; os linfcitos B foram identificados pela positividade de

CD19; e as clulas NK pela expresso dos marcadores CD16 e CD56 e pela

ausncia de expresso de CD3 (figura 13).

CD14+CD16+ CD14+CD16- CD14dim

CD16+

TL

R4 (

IMF

)

Classe NYHA I Classe NYHA II/III

Figura 12 Diagramas de caixa apresentando a IMF, entre os grupos: classe de

NYHA I e classe de NYHA II/III. *p< 0,05, valor de prova referente ao teste Mann-Whitney

entre os grupos de doentes com ICC: classe NYHA I e classe NYHA II/III (=0,05).

CD14+CD16- CD14+CD16+ CD14dim

CD16+

TL

R2 (

IMF

)

*

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

46

Figura 13 Anlise sequencial para o estudo das populaes linfocitrias: (A) Seleo dos

linfcitos no dot-plot SSC versus CD45; (B) Gate efetuado nas clulas positivas para o CD3

(linfcitos T), no dot-plot SSC versus CD3; (C) Gate efetuado nas clulas positivas para o

CD19 (linfcitos B), no dot-plot SSC versus CD19; (D) Gate efetuado nas clulas positivas

para os marcadores CD16 e CD56 (clulas NK), no dot-plot SSC versus CD16+CD56; (E) No

dot-plot CD3 versus CD16+CD56 foi efetuado um gate nas clulas positivas para CD3, CD16

e CD56 (linfcitos T CD3+CD16+CD56+); (F) Seleo dos linfcitos T auxiliares (CD4+), no

dot-plot SSC versus CD4; (G) Seleo dos linfcitos T citotxicos (CD8+), no dot-plot SSC

versus CD8; (H) Dot-plot CD4 versus CD8 esquematizando os linfcitos T: CD4+CD8-, CD4-

CD8+, CD4+CD8+; CD4-CD8-.

C

D

A

Linfcitos

B

Linfcitos T Linfcitos B

Clulas NK

E

Clulas NK

Linfcitos B

Linfcitos T

CD3+CD16

+CD56

+

Linfcitos T

F

Linfcitos T

auxiliares

G

Linfcitos T

citotxicos

H

Linfcitos T

auxiliares

Linfcitos T

citotxicos

Linfcitos T

CD4+CD8

+

Linfcitos T

CD4-CD8

-

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

47

Na tabela 9 encontra-se representada a anlise descritiva (percentis 25,

50 e 75) e a anlise inferencial das populaes linfocitrias, do grupo de

controlo e do grupo de doentes com ICC. Na avaliao da frequncia (%) de

cada populao linfocitria, entre os dois grupos estudados, apenas se

observaram diferenas estatisticamente significativas nos linfcitos T

CD4+CD8+ (p=0,016) e CD4-CD8- (p=0,028).

Tabela 9 Anlise comparativa das populaes linfocitrias.

Populao linfocitria

Grupo ICC Grupo de controlo

p*

P25 P50 P75 P25 P50 P75

Linfcitos T dentro do total de linfcitos (%)

77,52 80,57 87,18 76,52 78,76 83,75 0,558

Linfcitos T auxiliares dentro dos linfcitos T (%)

54,32 62,22 69,33 51,96 58,31 62,62 0,283

Linfcitos T citotxicos dentro dos linfcitos T (%)

24,78 31,82 42,28 32,52 35,00 39,38 0,242

Linfcitos T CD4+CD8+ dentro dos linfcitos T (%)

1,07 1,97 2,40 0,83 1,04 1,41 0,016

Linfcitos T CD4-CD8- dentro dos linfcitos T (%)

1,43 2,12 3,51 2,31 4,24 7,61 0,028

Linfcitos T CD3+CD16+CD56+

dentro dos linfcitos T (%) 5,34 6,84 14,55 6,38 7,79 11,04 0,884

Linfcitos B dentro do total de linfcitos (%)

3,51 6,72 11,92 9,37 10,32 11,19 0,107

Clulas NK dentro do total de linfcitos (%)

8,04 11,03 16,29 6,84 10,86 13,38 0,575

Abreviaturas: P, percentil.

* Valor de prova referente ao teste Mann-Whitney entre o grupo de doentes com ICC e o grupo

controlo (=0,05).

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

48

3.6. Anlise fenotpica dos neutrfilos:

Dentro do gate dos neutrfilos efetuado previamente, observou-se a

expresso dos antignios celulares CD10, CD11b, CD13, CD15, CD16 e CD45

e dos parmetros FSC e SSC (figura 14). Pela intensidade de expresso dos

marcadores CD11b e CD13, avaliou-se a presena de precursores neutroflicos

(figura 14-B): metamielcitos - CD11b+fracoCD13+forte; mielcitos

CD11b+fracoCD13+fraco. A IMF para estes marcadores foi registada nos

neutrfilos maduros (CD11b+forteCD13+forte).

A anlise estatstica dos antignios celulares e das caractersticas fsicas

(FSC e SSC) dos neutrfilos encontra-se esquematizada na tabela 11.

O FSC, a percentagem de neutrfilos maduros e de metamielcitos

evidenciaram diferenas estatisticamente significativas entre os dois grupos

estudados (p=0,036; p=0,039; p=0,024, respetivamente). Observou-se assim

uma diminuio do tamanho celular dos neutrfilos, da percentagem de

neutrfilos maduros e um aumento dos metamielcitos nos doentes com ICC.

Figura 14 Anlise dos neutrfilos: (A) Seleo dos neutrfilos no dot-plot SSC versus

CD45; (B) Diviso dos neutrfilos (neutrfilos, metamielcitos e mielcitos), no dot-plot

CD11b versus CD13 (C) Expresso dos antignios CD15 e CD16 nos neutrfilos (dot-

plot CD15 versus CD16).

C B A Neutrfilos maduros

Metamielcitos

Mielcitos

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

49

Tabela 10 Anlise comparativa dos parmetros celulares estudados nos neutrfilos.

Abreviaturas: P, percentil.

* Valor de prova referente ao teste Mann-Whitney entre o grupo de doentes com ICC e o grupo

controlo (=0,05).

1* No se observaram mielcitos em todos os participantes do estudo: observaram-se em 10

doentes com ICC e em 4 controlos.

Grupo ICC Grupo Controlo

p*

P25 P50 P75 P25 P50 P75

Neutrfilos maduros (%) no total de neutrfilos

99,81 99,91 99,95 99,93 99,98 99,98 0,039

Metamielcitos (%) no total de

neutrfilos 0,04 0,06 0,14 0,02 0,03 0,06 0,024

Mielcitos (%) no total de

neutrfilos*1

0,02 0,04 0,09 0,01 0,03 0,08 0,617

SSC 73067,13 84608,21 88084,59 82247,71 91324,09 94331,04 0,079

FSC 104437,02 108616,36 114356,81 110921,64 114559,43 120078,25 0,036

CD10 (IMF) 4022,45 4287,82 5817,78 3631,85 4559,41 7646,05 0,712

CD11b (IMF) 5913,36 6982,23 8365,54 4603,61 6584,75 7557,04 0,407

CD13 (IMF) 5482,37 6569,37 6920,14 5022,49 5847,49 8125,26 0,770

CD15 (IMF) 83390,95 105233,46 131821,29 79698,38 117666,79 131077,54 0,696

CD16 (IMF) 78975,38 85014,37 96653,79 65238,72 85158,32 103897,66 0,961

CD45 (IMF) 3136,97 3496,49 3691,94 2505,88 3474,96 4303,52 0,845

4. Discusso

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

53

4. Discusso

No presente estudo analisou-se a imunidade inata em doentes com

insuficincia cardaca crnica, particularmente o papel dos moncitos neste tipo

de imunidade.

Este estudo foi limitado pelo baixo nmero de doentes includos, o que

poder condicionar a interpretao dos resultados e consequentes concluses.

A gravidade dos doentes com ICC foi classificada de acordo com os

critrios da classificao funcional de NYHA. Devido reduzida dimenso

amostral, no foi possvel dividir os doentes em 4 grupos, conforme a

existncia de 4 classes de NYHA tendo sido divididos apenas em 2 grupos

(classe de NYHA I e classe de NYHA II/III).

Perante os dados analisados constatou-se que a HGB diminuiu a sua

concentrao, com o aumento da classe de NYHA, revelando diferenas

estatisticamente significativas. Estes resultados vo de encontro literatura

publicada, que refere o aparecimento de anemia em doentes com ICC (55,56).

Os doentes com IC esto associados a uma deteriorao da funo

renal, podendo em estadios mais avanados da patologia desenvolver

insuficincia renal (57). Sendo a creatinina, um dos marcadores da funo

renal, esta foi estudada. Os seus nveis apresentaram nos doentes da classe

de NYHA II/III, um ligeiro aumento comparativamente com os doentes da

classe de NYHA I, no revelando diferenas estatisticamente significativas.

O pptido natriurtico do tipo B (BNP) um biomarcador til para o

diagnstico, estratificao do risco, avaliao prognstica e monitorizao da

teraputica na IC (58,59). Este biomarcador no revelou diferenas

significativas, nos nveis plasmticos de BNP entre os dois grupos constitudos,

classe I e classe II/III de NYHA, embora se tenha verificado um aumento do

BNP no grupo de NYHA classe II/III.

Nos doentes com ICC tambm foi estudada a protena C reativa (PCR),

que um biomarcador de inflamao sistmica e da leso tecidual (7,60). Os

nveis sricos da PCR no evidenciaram diferenas estatisticamente

significativas entre os dois grupos definidos (classe I e classe II/III de NYHA),

observando-se um aumento da sua concentrao no grupo de doentes com

A Imunidade Inata na Insuficincia Cardaca: Papel dos Moncitos

54

classe de NYHA II/III. Do mesmo modo que o BNP, vrios estudos associaram

o aumento da PCR com uma maior progresso e gravidade da doena (61).

O nmero de leuccitos nos doentes da classe de NYHA II/III tiveram

uma diminuio do seu nmero, relativamente aos doentes da classe de NYHA

I, apesar de no ser uma diminuio significativa. Estes resultados esto em

desacordo com o estudo de Marques et al. (62), em que observou um aumento

da concentrao de leuccitos nos doentes em estadios sintomticos mais

avanados.

Os moncitos desempenham um papel crucial na defesa imunolgica,

na inflamao e na remodelao tecidual (18,39). Possuem na sua superfcie

celular, um conjunto de recetores, os TLRs, que so responsveis pelo

reconhecimento de microrganismos invasores, iniciando assim a resposta

imunolgica inata (1,7).

Desta forma, estudou-se a expresso de dois TLRs que esto presentes

nos moncitos, o TLR2 e o TLR4. Embora a maioria de estudos sobre o TLR2

e o TLR4 tenham sido centrados no seu papel de recetor para as molculas

exognas, tambm tem sido demonstrado que so ativados por vrias

molculas endgenas (DAMPs), como por exemplo, as protenas de choque

trmico, o fibrinognio e a fibronectina. (20,22,39,63). A sua ativao induz

uma resposta inflamatria com produo de citocinas proinflamatrias (TNF-,

IL-1, IL-6), processo este necessrio para a reparao celular (64). Enquanto a

resposta inflamatria inicial confere uma resposta protetora ao corao, uma

resposta inflamatria inadequada e persistente pode levar a efeitos deletrios

no corao (20,37).

Para alm disso, estes recetores no so apenas expressos nas clulas

imunolgicas, mas tambm noutros tecidos, como o caso do prprio corao

(5,22). Estes dados, permitem assim associar a imunidade inata IC, indicando

que os moncitos podero desempenhar um papel importante na coordenao

da resposta inflamatria e na patognese da IC.

Neste estudo avaliou-se a expresso do TLR2 e TLR4 e de vrios

antignios celulares, nos moncitos do sangue perifrico. Na anlise dos

moncitos