Clinica Ampliada Equipe Referencia 2ed 2008

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  • MINISTRIO DA SADESecretaria de Ateno Sade

    Ncleo Tcnico da Poltica Nacional de Humanizao

    CLNICA AMPLIADA, EQUIPE DE REFERNCIA EPROJETO TERAPUTICO SINGULAR

    2. edio1. reimpresso

    Srie B. Textos Bsicos de Sade

    Braslia DF2008

  • 2004 Ministrio da Sade. Todos os direitos reservados. permitida a reproduo parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que no seja para venda ou qualquer fim comercial.A responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens desta obra da rea tcnica.A coleo institucional do Ministrio da Sade pode ser acessada, na ntegra, na Biblioteca Virtual em Sade do Ministrio da Sade: http://www.saude.gov.br/bvsO contedo desta e de outras obras da Editora do Ministrio da Sade pode ser acessado na pgina: http://www.saude.gov.br/editora

    Srie B. Textos Bsicos de Sade

    Tiragem: 2. edio 1. reimpresso 2008 10.000 exemplares

    Elaborao, distribuio e informaes:MINISTRIO DA SADESecretaria de Ateno SadeNcleo Tcnico da Poltica Nacional de HumanizaoEsplanada dos Ministrios, bloco G, Edifcio Sede, sala 95470058-900, Braslia DFTels.: (61) 3315-3680 / 3315-3685E-mail: [email protected] page: www.saude.gov.br/humanizasus

    Texto: Gustavo Cunha

    Reviso tcnica e colaborao na 2. edio:Alba L. G. Figueroa

    Diagramao e layout:Cristina Maria Eitler (Kita)

    Impresso no Brasil / Printed in Brazil

    Ficha Catalogrfica

    Brasil. Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Ncleo Tcnico da Poltica Nacional de Humanizao.Clnica ampliada, equipe de referncia e projeto teraputico singular / Ministrio da Sade, Secretaria de Ateno Sade, Ncleo Tcnico

    da Poltica Nacional de Humanizao 2. ed. Braslia: Ministrio da Sade, 2008.60 p. : il. color. (Srie B. Textos Bsicos de Sade)

    ISBN 978-85-334-1337-5

    1. Sistema nico de Sade. 2. Poltica de sade. 3. Prestao de cuidados de sade. I. Ttulo. II. Srie.

    NLM WA 30 DB8

    Catalogao na fonte Coordenao-Geral de Documentao e Informao Editora MS OS 2008/0529

    Equipe editorial:Normalizao: Cinthia Kikuchi

    Reviso: Lilian Assuno, Vnia Lucas e Augusto Corado (Estagirio)

    EDITORA MSDocumentao e InformaoSIA, trecho 4, lotes 540 / 610CEP: 71200-040, Braslia DFTels.: (61) 3233-2020 / 3233-1774Fax: (61) 3233-9558E-mail: [email protected] page: www.saude.gov.br/editora

    Ttulos para indexao:Em ingls: Extended Clinic, Reference Team and Singular Therapeutic Project Em espanhol: Clinica Ampliada, Equipo de Referncia y Proyecto Teraputico Singular

    Fotos:Delegados participantes da 12. Conferncia Nacional de Sade (realizada em Braslia, de 7 a 11 de dezembro de 2003), fotografados no estande do HumanizaSUS.

    Fotgrafo: Clber Ferreira da Silva

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    APRESENTAO

    A humanizao da ateno e da gesto no SUS uma prioridade inadivel. Sabemos que, se por um lado, a falta de recursos com-promete a qualidade, por outro, a existncia deles pode no ser suficiente. Se o desafio humanizar a ateno e a gesto do SUS, temos, tambm, o desafio de criar instrumentos para que a clnica e a gesto sejam pensadas juntas, inseparavelmente. Entendendo que no s mdicos fazem a clnica mas todos os profissionais de sade fazem cada um a sua clnica, apresentamos a proposta da CLNICA AMPLIADA.

    Uma prtica muito comum nos servios de sade justamente a reduo dos usurios a um recorte diagnstico ou burocrtico (o diabtico, o alcoolista ou, pior ainda, o leito nmero tal...). A proposta de clnica ampliada ser um instrumento para que os trabalhadores e gestores de sade possam enxergar e atuar na clnica para alm dos pedaos fragmentados, sem deixar de reconhecer e utilizar o potencial desses saberes. Este desafio de lidar com os usurios enquanto Sujeitos buscan-do sua participao e autonomia no projeto teraputico tanto mais importante quanto mais longo for o seguimento do tratamento e maior

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    for a necessidade de participao e adeso do Sujeito no seu projeto teraputico. Ou seja, exceto as situaes de ateno emergncia e os momentos de procedimentos em que os sujeitos esto sedados, cada vez mais vital para qualificar os servios dialogar com os Sujeitos. O que um desafio tambm em vrios sistemas pblicos de sade no mundo (ROYAL COLLEGE OF PHYSICIANS OF LONDON; ROYAL COLLEGE OF GENERAL PRACTITIONERS; NHS ALLIANCE, 2004, p. 8).

    Mas, ajudar usurios e trabalhadores a lidar com a complexidade dos Sujeitos e a multicausalidade dos problemas de sade na atualidade significa ajud-los a trabalhar em equipe. na interao entre os dife-rentes Sujeitos da equipe (justamente valorizando essas diferenas) que se poder mais facilmente fazer uma clnica ampliada. No entanto, isso no fcil. Lidar com diferenas, com conflitos, com afetos e poderes na equipe um aprendizado coletivo. Depende fortemente da gesto (participativa ou co-gesto).

    Um estudo feito nas equipes de ateno bsica na Inglaterra, para investigar quais fatores tinham mais impacto na qualidade da ateno, demonstrou que o clima de trabalho nas equipes afetava fortemente o resultado, (CAMPBELL, 2001). Isso muito importante porque o clima na equipe depende da gesto e alguma coisa que no se consegue sem que todos os membros sejam respeitados e valorizados. Alm

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    disso, a humanizao da ateno exige um dilogo qualificado no somente dentro das equipes, mas, tambm, entre equipes de servios diferentes, principalmente na ateno s doenas crnicas (ROYAL COLLEGE OF PHYSICIANS OF LONDON; ROYAL COLLEGE OF GENERAL PRACTITIONERS; NHS ALLIANCE, 2004, p. 7).

    Como propiciar um dilogo interativo e criativo, com responsabiliza-o e compartilhamento (em vez de encaminhamento de pacientes) entre os diversos servios em diferentes nveis de ateno (ateno bsica, hospital, especialidades), indo alm da referncia e contra-referncia? Para responder esta questo e criar condies para o aumento da eficcia das prticas clnicas, apresentamos a discusso de CLNICA AMPLIADA e dois dispositivos de gesto da ateno: as EQUIPES INTERDISCIPLINARES (ou de REFERNCIA) e os PROJETOS TERAPUTICOS SINGULARES (PTS).

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    O Ministrio da Sade implementa a Poltica Nacional de Humanizao (PNH)HumanizaSUS

    Ministrio da Sade tem reafirmado o HumanizaSUS como poltica que atravessa as diferentes aes e instncias do Sistema nico de Sade, englobando os diferentes nveis e dimenses da Ateno e da Gesto. Operando com o princpio da transversalidade, a Poltica Nacional de Humanizao (PNH) lana mo de ferramentas e dispositivos para consolidar redes, vnculos e a co-responsabilizao entre usurios, trabalhadores e gestores. Ao direcionar estratgias e mtodos de articulao de aes, saberes, prticas e sujeitos, pode-se efetivamente potencializar a garantia de ateno integral, resolutiva e humanizada.

    Por humanizao compreendemos a valorizao dos diferentes sujeitos implicados no processo de produo de sade. Os valores que norteiam essa poltica so a autonomia e o protagonismo dos sujeitos, a

    co-responsabilidade entre eles, os vnculos solidrios e a participao coletiva no processo de gesto.

    O

  • Com a oferta de tecnologias e dispositivos para configurao e fortalecimento de redes de sade, a humanizao aponta para o estabelecimento de novos arranjos e pactos sustentveis, envolvendo trabalhadores e gestores do Sistema, e fomentando a participao efetiva da populao, provocando inovaes em termos de compartilhamento de todas as prticas de cuidado e de gesto.

    A PNH no um mero conjunto de propostas abstratas que esperamos poder tornar concreto. Ao contrrio, partimos do SUS que d certo. O HumanizaSUS apresenta-se como uma poltica construda a partir de possibilidades e experincias concretas que queremos aprimorar e multiplicar! Da a importncia de nosso investimento no aprimoramento e na disseminao dos diferentes dispositivos com que operamos. As Cartilhas da PNH tm funo multiplicadora; com elas esperamos poder disseminar algumas tecnologias de humanizao da ateno e da gesto no campo da Sade.

    Braslia, 2007.

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  • CLNICA AMPLIADA

    De modo geral, quando se pensa em clnica, imagina-se um mdico prescrevendo um remdio ou solicitando um exame para comprovar ou no a hiptese do usurio ter uma determinada doena. No entanto, a clnica precisa ser muito mais do que isso, pois todos sabemos que as pessoas no se limitam s expresses das doen-as de que so portadoras. Alguns problemas como a baixa adeso a tratamentos, os pacientes refratrios (ou poliqueixosos) e a dependncia dos usurios dos servios de sade, entre ou-tros, evidenciam a complexidade dos Sujeitos que utilizam servios de sade e os limites da prtica clnica centrada na doena. certo que o diagnstico de uma doena sempre parte de um princpio universalizante, generalizvel para todos, ou seja, ele supe alguma regularidade e produz uma igualdade que apenas parcial-mente verdadeira, por exemplo: um alcoolista um alcoolista e um hipertenso um hipertenso. Cartilha da PNHClnica Ampliada, Equipe de Referncia e Projeto Teraputico Singular 9

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    Mas isso pode levar suposio de que basta o diagnstico para definir todo o tratamento para aquela pessoa. Entretanto, como j dizia um velho ditado: cada caso um caso. E esta considerao pode mudar, ao menos em parte, a conduta dos profissionais de sade. Por exem-plo, se a pessoa com hipertenso deprimida ou no, se est isolada, se est desempregada ou no, tudo isso interfere no desenvolvimento da doena. O diagnstico pressupe uma certa regularidade, uma repetio. Mas para que se realize uma clnica adequada preciso saber, alm do que o sujeito apresenta de igual, o que ele apresenta de diferente, de singular, inclusive, um conjunto de sinais e sintomas que somente nele se expressam de determinado modo. Com isso, abrem-se inmeras possibilidades de interveno, e possvel propor tratamentos muito melhores com a participao das pessoas envolvidas.

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    A seguir, veremos algumas situaes concretas

    Um servio de hematologia percebeu que mesmo tendo disponvel toda a tecnologia para o diag-nstico e o tratamento dos usurios com anemia falciforme, havia um problema que, se no fosse levado em conta, no resolveria a anemia desses usurios. Essa doena acomete principalmente a populao negra que, na cidade em que o servio funcionava, s tinha acesso ao trabalho braal, herana de uma histria de discriminao racial e resultado da desigualdade social. O servio per-cebeu que o tratamento ficaria muito limitado caso o enfoque fosse estritamente hematolgico, pois a sobrevivncia dos usurios estava ameaada pela composio da doena com o contexto em que os sujeitos se encontravam. Era necessrio criar novas opes de trabalho para esses usurios do servio, uma vez que, mesmo com acesso a tratamento, eles no poderiam executar trabalhos braais. A equi-pe ento se debruou sobre o problema e props buscar ajuda em escolas de computao, com a

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    idia de oferecer cursos para aos usurios com anemia falciforme que o desejassem, criando assim novas opes de trabalho e melhorando a expectativa de vida. O servio buscou aumentar a autonomia dos usurios, apesar da doena.

    O servio de sade poderia ter se concentrado no problema gentico e em toda a tecnologia que ele dispe para diagnstico e tratamento, ignorando a histria e a situao social das pessoas que esto sob seus cuidados, comprometendo assim a adeso ao tratamento e a eficcia.

    Podemos dizer ento que a clnica ampliada :

    um compromisso radical com o sujeito doente, visto de modo sin-gular;

    assumir a RESPONSABILIDADE sobre os usurios dos servios de sade;

    buscar ajuda em outros setores, ao que se d nome de INTERSE-TORIALIDADE;

    RECONHECER OS LIMITES DOS CONHECIMENTOS dos profis-sionais de sade e das TECNOLOGIAS por eles empregadas e buscar outros conhecimentos em diferentes setores, como no exemplo

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    mencionado anteriormente em que o servio de sade incorporou o conhecimento acerca da situao de excluso em que viviam seus usurios;

    assumir um compromisso TICO profundo.

    A situao mencionada demonstra as implicaes ticas da clnica, pois, se o servio de sade tivesse reduzido os usurios doena, ele pode-ria ser considerado cmplice da discriminao racial e da desigualdade social que ainda existe no pas.

    Como se sabe, no so poucas as situaes em que o adoecimento causado ou agravado por situaes de dominao e injustia social. Algu-mas dessas dominaes podem passar desper-cebidas, como o caso das relaes de gnero, dada a prevalncia em alguns contextos culturais. As doenas (como a LER/DORT) causadas pela superexplorao, pelas condies de trabalho

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    inadequadas ou formas de gesto autoritrias tambm so outros exemplos. A clnica ampliada exige, portanto, dos profissionais de sade um exame permanente dos prprios valores e dos valores em jogo na sociedade. O que pode ser timo e correto para o profissional pode estar contribuindo para o adoecimento de um usurio. O compromisso tico com o usurio deve levar o servio a ajud-lo a enfrentar, ou ao menos perceber, estas causalidades externas.

    E por falar de dificuldades, no podemos esquecer que, s vezes, o prprio diagnstico j traz uma situao de discriminao social que aumenta o sofrimento e dificulta o tratamento (exemplos so as doenas que produzem discriminao social, e os diagnsticos que paralisam a ao de sade, em vez de desencade-la). Cabe clnica ampliada no assumir como normal estas situaes, principalmente quando comprometem o tratamento.

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    Vejamos outros exemplos:

    1) Quando vejo uma pessoa com a vida igual minha, desejo uma boa isquemia. Porque eu renasci, aprendi, foi um Big-Bang para mim (Carnavalesco Joozinho Trinta, em 1998, se referindo a um derrame cerebral).

    2) O compositor Tom Jobim uma vez foi perguntado por que havia se tornado msico. Bem-humoradamente ele respondeu que foi porque tinha asma. Como assim, perguntou o entrevistador? Acontece que estudar piano era bem mais chato do que sair com a turma, namorar... como eu ficava muito em casa por causa da asma, acabei me dedicando ao piano.

    Outro aspecto fundamental da clnica ampliada, alm da busca de autonomia para os usurios, a capacidade de equilibrar o combate doena com a PRODUO DE VIDA. Os exemplos de Joozinho Trinta e de Tom Jobim mostram que as pessoas podem inventar sadas diante de uma situao imposta por certos limites. Algumas pessoas especiais fazem isso sozinhas. Elas aproveitam para enxergar o evento mrbido como uma possibilidade de transformao, o que no significa que elas deixem de sofrer, mas que elas encontram no sofrimento e apesar dele uma nova possibilidade de vida. Outras

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    pessoas precisam de algum tipo de ajuda para fazer isto. Portanto, a Clnica Ampliada prope que o profissional de sade desenvolva a capacidade de ajudar as pessoas, no s a combater as doenas, mas a transformar-se, de forma que a doena, mesmo sendo um limite, no a impea de viver outras coisas na sua vida.

    Nas doenas crnicas ou muito graves isto mais importante, porque o resultado sempre depende da participao da pessoa doente, e essa participao no pode ser entendida como uma dedicao exclusiva doena, mas, sim, uma capacidade de inventar-se apesar da doena. muito comum nos servios ambulatoriais que o descuido com a produ-o de vida e o foco excessivo na doena acabe levando usurios a tornarem-se conhecidos como POLIQUEIXOSOS (com muitas queixas), pois a doena (ou o risco) torna-se o centro de suas vidas.

    Algumas sugestes prticas

    A ESCUTA Escutar significa, num primeiro momento, acolher toda queixa ou relato do usurio mesmo quando possa parecer no interes-sar diretamente para o diagnstico e tratamento. Mais do que isto, preciso ajud-lo a reconstruir (e respeitar) os motivos que ocasionaram o seu adoecimento e as correlaes que o usurio estabelece entre o que sente e a vida as relaes com seus convivas e desafetos. Ou

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    seja, perguntar por que ele acredita que adoeceu e como ele se sente quando tem este ou aquele sintoma. Quanto mais a doena for compreendi-da e correlacionada com a vida, menos chance haver de se tornar um problema somente do servio de sade, mas sim, tambm, do sujeito doente. mais fcil, assim, evitar a infantilizao e a atitude passiva diante do tratamento. Pode no ser possvel fazer uma escuta detalhada o tempo todo para todo mundo (dependendo do tipo de servio de sade), mas possvel escolher quem precisa mais, e possvel temperar os encontros clnicos com estas frestas de vida.

    VNCULO E AFETOS Tanto profissionais quan-to usurios, individualmente ou coletivamente, transferem afetos. Um usurio pode associar um profissional com um parente e vice-versa. Um profissional que tem um parente com diabete no vai sentir-se da mesma forma, ao cuidar de um sujeito com diabete, que um profissional que no tem este vnculo afetivo.

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    necessrio aprender a prestar ateno nesses fluxos de afetos para melhor compreender-se e compreender o outro, e poder ajudar a pessoa doente a ganhar mais autonomia e lidar com a doena de modo proveitoso para ela. Nesse pro-cesso, a equipe de referncia muito importante, porque os fluxos de afetos de cada membro da equipe com o usurio e familiares so diferentes, permitindo que as possibilidades de ajudar o sujeito doente sejam maiores. Sem esquecer que, dentro da prpria equipe estas transferncias tambm acontecem.

    MUITO AJUDA QUEM NO ATRAPALHA Infelizmente o mito de que os tratamentos e intervenes s fazem bem muito forte. Ocorre, entretanto, com relativa freqncia, o uso inadequado de medicaes e exames, causando graves danos sade e desperdcio de dinheiro. Os diazepnicos e antidepressivos so um exemplo. Aparentemente, muitas vezes, mais fcil para os profissionais de sade e tambm para os usurios utilizarem esses medicamentos, do que conversar

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    sobre os problemas e desenvolver a capacidade de enfrent-los. O uso abusivo de antibiticos e a terapia de reposio hormonal so outros exemplos. Quanto aos exames, tambm existe uma mitificao muito forte. preciso saber que muitos deles tm riscos sade e limites, prin-cipalmente quando so solicitados sem os devidos critrios. A noo de sade como bem de consumo (quanto mais, melhor) precisa ser combatida para que possamos diminuir os danos. O real significado e as expectativas das pessoas quando procuram um servio de sade precisam ser trabalhados na clnica ampliada, para diminuir o nmero de doenas causadas por tratamento e para no iludir as pessoas.

    EVITAR RECOMENDAES PASTORAIS1 E CULPABILIZANTES. NEGOCIAR RESTRIES SEM RANCOR E LEVANDO EM CONTA INVESTIMENTOS DO DOENTE Quem nunca viu aquele usurio que se compraz em provocar a equipe contando que no tomou a medicao ou que burlou uma dieta? Como isso acontece? Acontece que muitas vezes a equipe, acreditando que uma determinada forma de viver seja mais saudvel, pe-se a orientar enfaticamente os usu-rios sobre o que fazer e evitar. Fala muito e escuta pouco. Ento,

    1 BALINT (1988, captulo A Funo Apostlica) Era como se cada mdico possusse o conhecimento revelado do que os usurios deviam esperar e suportar, e alm disso, como se tivesse o sagrado dever de converter sua f todos os incrdulos e ignorantes entre os seus usurios.

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    quando os usurios encontram dificuldades de seguir as ordens ou tm outras prioridades, a equipe se irrita com eles, muitas vezes no se dando conta disso. Essa irritao transparece e dificulta o dilogo e a possibilidade de uma proposta teraputica pactuada com o usurio, provocando reaes de afirmao de autonomia e resistncia ao tratamento, gerando um neurtico crculo vicioso.

    muito importante tentar produzir co-responsabilidade e no culpa. A culpa anestesia, gera resistncia e pode at humilhar. Muitas vezes, entra em fun-cionamento uma forma inconsciente da equipe de lidar com as limitaes do tratamento transferindo o nus de um possvel fracasso para o usurio.

    TRABALHAR COM OFERTAS E NO APENAS COM RESTRIES As mudanas de hbitos podem ser encaradas como ofertas de experin-cias novas e no apenas como restries. Atividade fsica pode ser uma prazerosa descoberta, pratos mais adequados podem ser bons, etc. Se admitirmos que o jeito normal de viver a vida apenas mais um, e no o nico, e que as descobertas podem ser interessantes, fica mais fcil construir conjuntamente propostas aceitveis.

    ESPECIFICAR OFERTAS PARA CADA SUJEITO Se um usurio ama a atividade X ou a comida Y que, no entanto, no so recomendveis para sua condio biolgica, prefervel no comear o tratamento por ali. Ou ento, tentar um meio termo possvel (reduo de da-

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    nos). Especificar os Projetos Teraputicos significa procurar o jeito certo e a proposta certa para cada pessoa ou grupo, de acordo com suas preferncias e histria.

    EVITAR INICIAR CONSULTAS QUESTIONANDO AFERIES E COMPORTAMENTOS. VALORIZAR QUALIDADE DE VIDA Ao lidar com pessoas portadoras de doenas crnicas, pode ser muito eficiente no comear todos os encontros com perguntas sobre a doena (comeu, no comeu, tomou remdio ou no, etc.) ou infantilizantes (comportou-se??). Isso mostra ao usurio o que queremos: ajud-lo a viver melhor e no torn-lo submisso s nossas propostas.

    PERGUNTAR O QUE O USURIO ENTENDEU DO QUE FOI DITO SOBRE SUA DOENA E MEDICAO A linguagem dos profissionais de sade nem sempre compreensvel. Portanto, habituar-se a perguntar o que foi ouvido do que dissemos ajuda muito. Alm disso, importante

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    ouvir quais as causas da doena na opinio dos usurios. Em doenas crnicas muito comum que a doena aparea aps um estresse, como falecimentos, desemprego ou prises na famlia. Ao ouvir as associaes causais, a equipe pode saber em que situaes similares o usurio pode piorar e o quanto o tratamento pode depender do desenvolvimento da capacidade do usurio de lidar com essas situaes.

    Algumas sugestes para tentar evitar hipocondria e hipermedicao

    EVITAR ASSUSTAR O USURIO O medo nem sempre um bom aliado. Provavelmente funciona menos do que se imagina. Afinal, supor que o medo de adoecer ou morrer vai funcionar sempre significa supor que as pessoas agem sempre de forma racional em direo aos seus interesses de sobrevivncia. Evidentemente, no somos assim. Existem foras internas, como os desejos (por exemplo, por uma comida especial, ou

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    uma atividade importante); existem foras exter-nas, como a cultura, definindo papis sociais e hbitos de vida. Por tudo isso, talvez na maioria das vezes, assustar o usurio uma ao pou-co eficaz que pode tanto levar a pessoa a uma dependncia do servio, quanto resistncia ao tratamento. Isso no significa que no devam ser apresentados os possveis riscos.

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    LEMBRAR QUE DOENA CRNICA NO PODE SER A NICA PREOCUPAO DA VIDA. EQUILIBRAR COMBATE DOENA COM PRODUO DE VIDA Medicalizao da vida quando a doena torna-se preocupao central na vida do usurio. Isso muito comum em doenas crnicas. A autonomia diminui e procurar mdicos e fazer exames torna-se uma atividade central e quase nica. Na verdade, as mesmas atitudes que podem produzir resistncia ao tratamento podem facilitar a medicalizao. Resistncia ou dependncia so duas faces da mesma moeda. A equipe deve saber adequar as propostas teraputicas aos investimentos afetivos do usurio (ou seja, o que gosta ou o que no gosta) para que a doena e o tratamento no se tornem o seu objeto de investimento central. Isso equilibrar as preocupaes e aes de combate doena com as preocupaes de produo de vida.

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    ATUAR NOS EVENTOS MRBIDOS COM O MXIMO DE APOIO E O MNIMO DE MEDICAO. PREFERIR FITOTERPICOS A DIAZEPNICOS Muitos usurios iniciam uma doena durante processos de luto ou situaes difceis, como desemprego, priso de parente, etc. A repetio ou persistncia dessas situaes tambm pode agravar a doena. importante que a equipe tente lidar com essas situaes da forma competente e tentando evitar dependncia dos ansiolticos (diazepnicos, principalmente). A capacidade de escuta da equipe uma grande ferramenta e preciso saber que parte da cura depende do sujeito aprender a lidar com essas situaes agressivas de uma forma menos da-nosa. A idia de que toda dor ou estresse requer um ansioltico extremamente difundida, mas no pode seduzir a equipe de sade, que deve apostar num conceito de sade ampliado que inclui tambm a capacidade de lidar com os limites e revezes da vida da forma mais produtiva possvel. O ansioltico deve ser de preferncia inicialmente fitoterpico, por no gerar dependncia, e deve ser encarado como se fosse um pedido de tempo numa partida esportiva: permite uma respirada e uma reflexo para con-tinuar o jogo. Mas o essencial o jogo e no sua interrupo.

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    DIREITO DIFERENA Uma outra possibilidade, importante no caso de ateno populao tnica ou culturalmente dife-renciada, como indgenas, negros ou ciganos considerar a provvel existncia de recursos e de atores sociais que atuam com o terapeutas tradicionais, que compem o universo sociocultural desses segmentos da populao. A procura paralela e autno-ma desses recursos deve ser considerada. O dilogo respeitoso sobre essa possibilidade configura condio indispensvel tanto da aproximao lgica das concepes e prticas sobre o processo sade-doena afeitas ao sujeito doente e sua rede social, como de possveis negociaes teraputicas no objetivo de atingir resultados que combinem maiores chances de eficcia biomdica com aceitabilidade cultural.

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    EQUIPE DE REFERNCIA (INTERDISCI-PLINAR) E APOIO MATRICIAL

    O trabalho em sade pode ser comparado a uma corrente, cuja resistncia (eficcia) depende de todos os elos. Se a corrente quase toda de ao, mas um elo de plstico, a resistncia trao do conjunto a do plstico e no a do ao. Essa metfora demonstra a grande interdependncia do trabalho em sade. v-lida tanto para um servio de sade com seus diferentes profissionais quanto para o sistema de sade com seus diferentes servios. Portanto, a qualidade da ateno e a satisfao dos trabalhadores tambm dependero de como a gesto facilita este dilogo e refora a inte-rao criativa entre profissionais e servios de sade. por isso que a proposta de Equipe Interdisciplinar (de Referncia) e Apoio Matricial objetiva facilitar a humanizao da gesto e da ateno ao mesmo tempo.

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    O conceito de equipe de referncia sim-ples. Podemos tomar como exemplo a equipe multiprofissional de Sade da Famlia, que referncia para uma determinada populao. No plano da gesto esta referncia facilita um vnculo especfico entre um grupo de pro-fissionais e um certo nmero de usurios. Isso possibilita uma gesto mais centrada nos fins do que nos meios (consultas por hora um exemplo de gesto centrada nos meios). No entanto, a proposta de equipes de referncia vai alm da responsabilizao e chega at a diviso de poder gerencial. As equipes in-terdisciplinares ou transdisciplinares (o trans aqui indica o aumento do grau de comuni-cao, da troca de saberes, de afetos e de co-responsabilidade entre os integrantes da equipe) tm que ter algum poder de deciso na organizao, principalmente, no que diz respeito ao processo de trabalho da equipe. No h como propor humanizao da gesto e da ateno sem propor um equilbrio maior

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    de poderes nas relaes entre os trabalhado-res dentro da organizao e na relao da organizao com o usurio. Primeiro, porque, do contrrio, as decises sero centralizadas em um servio de sade ou em um profissional da equipe, reduzindo o trabalho dos outros trabalhadores a simples execuo, o que, alm de ser adoecedor para estes trabalhadores, ser pssimo para a qualidade da ateno, j que o envolvimento com o usurio tende a diminuir e o trabalho a se burocratizar. Em segundo lugar, se a gesto no produz rela-es de poder na organizao de sade que valorizem a equipe como espao de deciso, ela faz o contrrio: produz fragmentao desta equipe. Em outras palavras: nada pior para dois profissionais que esto na mesma equipe, trabalhando com o mesmo usurio, do que estarem obrigados a dialogar por meio de terceiros, ou seja, por intermdio dos seus coordenadores (superiores, como se costuma dizer). As diferenas e os conflitos, em vez de

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    serem preferencialmente resolvidas no grupo, so remetidas aos coordenadores, para que eles conversem e resolvam. Isto , produz-se uma certa infantilizao dos trabalhadores e induz-se mais a competio do que a coo-perao e coletivizao. A falta de equipe de referncias pode induzir uma iluso de auto-suficincia das corporaes e um clima de disputa estril no servio. A proposta de equipe de referncia pretende, ao menos, no alimentar estes conflitos corporativos, colocando o usurio no centro do processo gerencial e da ateno.

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    A Figura 1 pode se encaixar em qualquer organograma tpico, piramidal, que divide o trabalho em caixinhas separadas (setores, departamentos, programas...) e concentra o poder no alto. Podemos tomar o organograma como parmetro didtico da lgica de gesto. No significa que toda mudana tenha necessariamente que comear pelo organograma. O que importa a vida real da organizao/servio e a construo de linhas de dilogo em todas as direes (no somente de cima para baixo), ou seja, o que importa construir viabilidade para a chamada transversalidade, que muitas vezes pode fazer um organograma real mais adequado.

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    Potencialmente os organogramas podem induzir tanto o trabalho coope-rativo quanto competitivo (MORGAN, 1996). Porm, o organograma tradicional induz predominantemente competio porque prope uma pirmide em que no alto concentra-se muito poder de deciso. chamado organograma VERTICAL. O organograma tambm poten-cialmente cooperativo porque prope uma certa diviso de trabalho que, teoricamente, no somatrio do trabalho de todas as caixinhas, resultaria na misso da organizao. Mas, no caso das organizaes de sade, quando o usurio vai transitando entre as caixinhas quase como numa linha de montagem (com os tais encaminhamentos no sistema, e com as interconsultas nos hospitais), isso no funcio-na muito bem. Ao final da linha o usurio fica sem algum que seja responsvel por ele como um todo, como se costuma dizer. Cada profissional faz a sua parte e no h quem junte as partes. Alguns autores chamam esta responsabilizao que junta tudo de coorde-nao (STARFIELD, 2002). Mas, como o saber popular analisa, o que de todo mundo, no de ningum. E nesta lgica, ocorre com maior facilidade o que se chama de desresponsabilizao, alm da sobreposio de atividades (de exames, por exemplo), das iatrogenias (desde que no h quem se responsabilize por pensar qual ser o resultado da soma de todas as propostas de interveno) e uma maior probabilidade de haver abandono de tratamento sem que os servios

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    sequer percebam. O usurio muitas vezes fica com uma sensao de desamparo (uma vez que pula entre servios e profissionais), enquanto o trabalhador se distancia da possibilidade de ver o resultado final do seu trabalho para o usurio, identificando-se preponderantemente com partes do processo (reforando a chamada reduo do objeto de trabalho).

    Num servio hospitalar pode-se definir a equipe de referncia como o conjunto de profissionais que se responsabiliza pelos mesmos usurios cotidianamente. Por exemplo, um certo nmero de leitos em uma enfermaria a cargo de uma equipe. Esta mesma equipe pode ter profissionais que trabalhem como apoiadores, quando fazem uma interconsulta ou um procedimento em usu-rios que esto sob a responsabilidade de outra equipe. A diferena do apoio e da interconsulta tradicional que o apoiador faz mais do que a interconsulta, ele deve negociar sua proposta com a equipe responsvel. Ou seja, da respon-sabilidade da equipe de referncia entender as

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    propostas, as implicaes e as interaes que o diagnstico e a proposta do apoiador vo produzir. Nessa proposta no possvel transferir a responsabilidade dos pedaos do usurio por especialidades. Outros tipos de apoio tambm podem existir. A coordenao por categorias profissionais (clnica, de enfermagem, de fisioterapia, etc.), por programas e temas (como o Controle de Infeces Hospitalares) tambm pode funcionar como apoiadores. Em vez de apenas prescrever determinaes, estes apoiadores devero reco-nhecer a legitimidade da equipe e negociar as propostas e as formas de realiz-las com cada uma das equipes. Passam a fazer o chamado apoio gesto para as equipes de referncia, ajudando-as a aumentar sua capacidade de anlise da realidade e de interveno.

    As unidades de urgncia e emergncia tambm podem adotar a mesma lgica interna de diviso por equipes de referncia em relao aos leitos de observao ou de espera para internao. Estas

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    equipes devero encontrar formas de lidar com as trocas de planto sem perder o seguimento e tentando construir projetos teraputicos. Durante o dia recomendvel dispor de profissionais com contratos de diaristas para poder acompanhar os freqentadores assduos e os internados de forma mais eficaz e de fato constituir uma equipe multiprofissional. No entanto, mesmo quando h esta insero horizontal de profissionais no servi-o necessrio trocar plantes. Estes momentos podem ser valorizados para a construo de Projetos Teraputicos Singulares. As equipes de referncia nas unidades de urgncia devero se responsabilizar pelos usurios que as procuram, devendo buscar formas de contato com as unida-des internas do hospital. Enquanto uma equipe de uma unidade de especialidade no acolhe um paciente ou no faz determinado procedi-mento, o paciente deve ser considerado como

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    de responsabilidade da equipe de referncia da urgncia, para evitar que o paciente fique abandonado. H tambm os contratos com as unidades externas do hospital: as equipes de ateno bsica ou de um servio de especiali-dade precisam saber no somente por meio do usurio que um paciente sob sua responsa-bilidade est usando assiduamente uma unidade de urgncia, ou apresentou uma complicao de um problema crnico. preciso criar novas formas de comunicao na rede assistencial a partir do apoio matrial

    Em relao REDE ASSISTENCIAL, como funciona o princpio da equipe de referncia? Da mesma forma. Os centros de especialidade passam a ter dois usurios: os seus usurios propriamente ditos e as equipes de referncia da ateno bsica com a qual estes usurios sero compartilhados21.

    1 A Ateno Bsica no encaminha usurios, ela compartilha com outros servios, uma vez que permanece responsvel pela sua popu-lao adscrita.

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    Um grande centro de especialidade pode ter vrias equipes de refe-rncia locais. O contrato de gesto com o gestor local pode no ser mais apenas sobre o nmero de procedimentos, mas tambm sobre os resultados. Um centro de referncia em oncologia, por exemplo, vai ter muitos usurios crnicos ou sob tratamento longo. Os seus resultados (a serem pactuados e avaliados em contratos de gesto com o gestor da rede local) podem depender da equipe local de Sade da Famlia, como por exemplo da capacidade desta, de lidar com a rede social necessria a um bom ps-operatrio, ou do atendimento adequado de pequenas intercorrncias. A equipe especialista poderia fazer reu-nies com a equipe local, para trocar informaes, orientar e planejar conjuntamente o Projeto Teraputico de usurios compartilhados que esto em situao mais grave.

    Quem est na ateno bsica tem um ponto de vista diferente e complementar ao de quem est num centro de referncia. A equipe na Ateno Bsica tem mais chance de conhecer a famlia a longo tempo, conhecer a situao afetiva, as conseqncias e o significado do adoecimento de um deles. O centro de especialidade ter uma viso mais focalizada na doena. Um especialista em cardiologia pode tanto discutir projetos teraputicos de usurios crnicos com-partilhados com as equipes locais, como trabalhar para aumentar a autonomia das equipes locais, capacitando-as melhor, evitando

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    assim compartilhamentos desnecessrios. Tudo isso porque, do ponto de vista gerencial, mudou o contrato de gesto. Estendeu-se a res-ponsabilidade da equipe especialista, para alm da realizao de procedimentos ou consultas. Um centro de especialidade que consiga aumentar a capacidade de preveno e interveno das equipes locais adscritas pode diminuir a sua demanda e aumentar sua eficcia. A velha ficha de referncia e contra-referncia continua existindo, mas incorporam-se outros recursos para incrementar o dilogo entre os diferentes servios. Um destes recursos, veremos adiante, o Projeto Teraputico Singular.

    A proposta de Ncleo de Sade Integral pode ser entendida como uma proposta de apoio matricial. Se o contrato do profissional de nutrio, por exemplo, no for de apoio matricial, sua ao em con-sultas individuais ser segmentada e ele no dar conta da demanda. Por outro lado se ele aprender a fazer o apoio, poder compartilhar os seus saberes para que as equipes na Ateno Bsica sob sua res-ponsabilidade sejam capazes de resolver os problemas mais comuns e poder participar das reunies com as equipes para fazer projetos teraputicos singulares nos casos mais complicados. A ateno indivi-dual pode ocorrer, mas no deve se configurar na principal atividade do nutricionista. Evidentemente, para que isso acontea o profissional que faz apoio deve adquirir novas competncias e o contrato com o

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    gestor deve ser muito claro.

    A proposta de equipe de referncia exige a aquisio de novas capacidades tcnicas e pedaggicas tanto por parte dos gestores quanto dos trabalhadores. um processo de aprendizado coletivo, cuja possibilidade de sucesso est fundamentada no grande potencial resolutivo e de satisfao que ela pode trazer aos usurios e traba-lhadores. importante para a humanizao porque se os servios e os saberes profissionais muitas vezes recortam os Sujeitos em partes ou patologias, as equipes de referncia so uma forma de resgatar o compromisso com o Sujeito, reconhecendo toda a complexidade do seu adoecer e do seu projeto teraputico. Uma das dificuldades de executar esta proposta reconhecer a interdependncia entre profissionais e servios, porque isso pode significar reconhecer os prprios limites e a necessidade de inventar caminhos e solues que esto alm do saber e competncia de cada um. Se esta a dificul-dade, esta tambm a grande fora motriz, uma vez que o trabalho criativo muito mais saudvel e prazeroso. O desafio, portanto, o da mudana de uma cultura organizacional no SUS, ou melhor, a mudana de uma cultura organizacional ainda em desacordo com os princpios do SUS.

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    PROJETO TERAPUTICO SINGULAR PTS

    O PTS um conjunto de propostas de condutas teraputicas articuladas, para um sujeito individual ou coletivo, resultado da discusso coletiva de uma equipe interdisciplinar, com apoio matricial se necessrio. Geralmente dedicado a situaes mais complexas. No fundo uma variao da discusso de caso clnico. Foi bastante desenvolvido em espaos de ateno sade mental como forma de propiciar uma atuao integrada da equipe valorizando outros aspectos, alm do diagnstico psiquitrico e da medicao, no tratamento dos usurios. Portanto, uma reunio de toda a equipe em que todas as opinies so importantes para ajudar a entender o Sujeito com alguma de-manda de cuidado em sade e, conseqentemente, para definio de propostas de aes. O nome Projeto Teraputico Singular, em lugar de Projeto Teraputico Individual, como tambm conhecido, nos parece melhor porque destaca que o projeto pode ser feito para grupos ou famlias e no s para indivduos, alm de frisar que o projeto busca a singularidade (a diferena) como elemento central de articulao (lembrando que os diagnsticos tendem a igualar os sujeitos e minimizar as diferenas: hipertensos, diabticos, etc.).

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    O PTS contm quatro momentos:

    1) O diagnstico: que dever conter uma avaliao orgnica, psico-lgica e social, que possibilite uma concluso a respeito dos riscos e da vulnerabilidade do usurio. Deve tentar captar como o Sujeito singular se produz diante de foras como as doenas, os desejos e os interesses, assim como tambm o trabalho, a cultura, a famlia e a rede social. Ou seja, tentar entender o que o Sujeito faz de tudo que fizeram dele.

    2) Definio de metas: uma vez que a equipe fez os diagnsticos, ela faz propostas de curto, mdio e longo prazo, que sero ne-gociadas com o Sujeito doente pelo membro da equipe que tiver um vnculo melhor.

    3) Diviso de responsabilidades: importante definir as tarefas de cada um com clareza.

    4) Reavaliao: momento em que se discutir a evoluo e se faro as devidas correes de rumo.

    realmente muito simples, mas alguns aspectos precisam ser obser-vados:

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    a) a escolha dos casos para reunies de PTS: a proposta de que sejam escolhidos usurios ou famlias em situaes mais graves ou difceis, na opinio de alguns membros da equipe (qualquer membro da equipe). No parece necessrio nem possvel que o grande esforo de fazer um PTS seja dirigido a todos os usurios de uma equipe, exceto em hospitais e, eventualmente, centros de especialidade;

    b) as reunies para discusso de PTS: de todos os aspectos que j discutimos em relao reunio de equipe, o mais importante no caso deste encontro para a realizao do PTS o vnculo dos membros da equipe com o usurio e a famlia. Cada membro da equipe, a partir dos vnculos que construiu, trar para a reunio aspectos diferentes e poder tambm receber tarefas diferentes, de acordo com a intensidade e a qualidade desse vnculo. Defendemos que os profissionais que tenham vnculo mais estreito assumam mais responsabilidade na coordenao do PTS. Assim como o mdico generalista ou outro especialista pode assumir a coordenao de um tratamento frente a outros profissionais, um membro da equipe tambm pode assumir a coordenao de um projeto teraputico singular frente equipe. Uma estratgia que algumas equipes utilizam reservar um tempo fixo, semanal ou quinzenal, para reunies exclusivas do PTS.

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    c) o tempo de um PTS: o tempo mais dilatado de formulao e acom-panhamento do PTS depende da caracterstica de cada servio. Servios de sade na Ateno Bsica e Centros de Especialidades com usurios crnicos tm um seguimento longo (longitudinalida-de) e tambm uma necessidade maior da Clnica Ampliada. Isso, naturalmente, significa processos de aprendizado e transformao diferenciados. Servios com tempo de permanncia e vnculo me-nores faro PTSs com tempos mais curtos. O mais difcil desfazer um vis imediatista que a cultura hospitalar imprimiu em profissionais e usurios. Geralmente no se faz uma abordagem integral em um encontro nico, mesmo que seja uma consulta longa. Muitas informaes essenciais surgem no decorrer do seguimento e a partir do(s) vnculo(s) com o usurio. A histria, em geral, vai se construin-do aos poucos, embora, obviamente, no se possa falar de regras fixas para um processo que relacional e complexo.

    d) PTS e Mudana: quando ainda existem possibilidades de tratamento para uma doena, no muito difcil provar que o investimento da equipe de sade faz diferena no resultado. O encorajamento e o apoio podem contribuir para evitar uma atitude passiva por parte do usurio. Uma pessoa menos deprimida, que assume um projeto teraputico solidrio, como projeto em que se (re)constri e acredita que poder ser mais feliz, evidentemente tende a ter

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    um prognstico e uma resposta clnica melhor. No entanto, no se costuma investir em usurios que se acreditam condenados, seja por si mesmos, como no caso de um alcoolista, seja pela estatstica, como no caso de uma patologia grave. Se esta participao do usurio importante, necessrio persegui-la com um mnimo de tcnica e organizao. No bastam o diagnstico e a conduta padronizados. Nos casos de prognstico fechado, ou seja, de usurios em que existem poucas opes teraputicas, como no caso dos usurios sem possibilidade de cura ou controle da doena, mais fcil ainda para uma equipe eximir-se de dedicar-se a eles, embora, mesmo nesses casos, seja bastante evidente que possvel morrer com mais ou menos sofrimento, dependendo de como o usurio e a famlia entendem, sentem e lidam com a morte. O PTS nesses casos pode ser importante como ferramenta gerencial, uma vez em que constitui um espao coletivo em que se pode falar do sofrimento dos trabalhadores em lidar com determinada situao. A presuno de no envolvimento compromete as aes de cui-dado e adoece trabalhadores de sade e usurios, porque, como se sabe, um mecanismo de negao simples, que tem eficincia precria. O melhor aprender a lidar com o sofrimento inerente ao trabalho em sade de forma solidria na equipe (ou seja, criando condies para que se possa falar dele quando ocorrer).

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    Diante dessa tendncia, importante no PTS uma certa crena de que a pessoa tem grande poder de mudar a sua relao com a vida e com a prpria doena. A herana das revolues na Sade Mental (Reforma Psiquitrica), experimen-tando a proposta de que o Sujeito construo permanente e que pode produzir margens de manobra, deve ser incorporada na Clnica Am-pliada e no PTS. equipe cabe exercitar uma abertura para o imprevisvel e para o novo e lidar com a possvel ansiedade que essa proposta traz. Nas situaes em que s se enxergava certezas, podem-se ver possibilidades. Nas situaes em que se enxergava apenas igualdades, podem-se encontrar, a partir dos esforos do PTS, grandes diferenas. Nas situaes em que se imaginava haver pouco o que fazer, pode-se encontrar muito trabalho. As possibilidades descortinadas por este tipo de abordagem tm que ser trabalhadas cuidadosamente pela equipe para evitar atrope-lamentos. O caminho do usurio ou do coletivo somente dele, e ele que dir se e quando

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    quer ir, negociando ou rejeitando as ofertas da equipe de sade.

    Uma anamnese para a Clnica Ampliada e o PTS

    A concepo de Clnica Ampliada e a proposta do PTS convidam-nos a entender que as situaes percebidas pela equipe como de difcil resoluo so situaes que esbarram nos limites da Cl-nica Tradicional. necessrio, portanto, que se forneam instrumentos para que os profissionais possam lidar consigo mesmos e com os Sujeitos acometidos por uma doena de forma diferente da tradicional.

    Se todos os membros da equipe fazem as mes-mas perguntas e conversam da mesma forma com o usurio, a reunio de PTS pode no acrescentar grande coisa. Ou seja, preciso fazer as perguntas da anamnese tradicional, mas dando espao para as idias e as palavras do usurio. Exceto que ocorra alguma urgncia

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    ou dvida quanto ao diagnstico orgnico, no preciso direcionar demais as perguntas e muito menos duvidar dos fatos que a(s) teoria(s) no explica(m) (s di quando chove, por exemplo). Uma histria clnica mais completa, sem filtros, tem uma funo teraputica em si mesma, na medida em que situa os sintomas na vida do Sujeito e d a ele a possibilidade de falar, o que implica algum grau de anlise sobre a prpria situao. Alm disso, esta anamnese permite que os profissionais reconheam as singularidades do Sujeito e os limites das classificaes diagnsticas. A partir da percepo da complexidade do sujeito acometido por uma doena, o profissional pode perceber que muitos determinantes do problema no esto ao alcance de intervenes pontuais e isoladas. Fica clara a necessidade do prota-gonismo do Sujeito no projeto de sua cura: autonomia.

    A partir da anamnese ampliada o tema da interveno ganha des-taque. Quando a histria clnica revela um sujeito doente imerso em teias de relaes com as pessoas e as instituies, a tendncia dos profissionais de sade de adotar uma atitude apostlica (BALINT, 1988). Propomos que no predomine nem a postura radicalmente neutra, que valoriza sobremaneira a no-interveno, nem aquela tpica na prtica biomdica, que pressupe que o Sujeito acometido por uma doena seja passivo diante das propostas.

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    Outra funo teraputica da histria clnica acontece quando o usurio estimulado a qualificar e situar cada sintoma em relao aos seus sentimentos e outros eventos da vida (modalizao). Exemplo: no caso de um usurio que apresenta falta de ar, interessante saber como ele se sente naquele momento: com medo? Conformado? Agitado? O que melhora e o que piora os sintomas? Que fatos aconteceram prximo crise? Isso importante porque, culturalmente, a doena e o corpo podem ser vistos com um certo distanciamento e no incomum a produo de uma certa esquizofrenia, que leva muitas pessoas ao servio de sade como se elas estivessem levando o carro ao mecnico: a doena (e o corpo) fica dissociada da vida. Na medida em que a histria clnica traz para perto dos sintomas e queixas elementos da vida do Sujeito, ela permite que haja um aumento da conscincia sobre as relaes da queixa com a vida. Quando a doena ou os seus determinantes esto fora do usurio, a cura tambm est fora, o que possibilita uma certa passividade em relao doena e ao tratamento.

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    O que chamamos de histria psi em parte est misturado com o que chamamos de histria clnica, mas aproveitamos recursos do campo da sade mental para destacar aspectos que nos parecem essenciais.

    Procurar descobrir o sentido da doena para o usurio: respeitar e ajudar na construo de relaes causais prprias, mesmo que no sejam coincidentes com a cincia oficial. Exemplo: por que voc acha que adoeceu? impressionante perceber as portas que essa pergunta abre na Clnica: ela ajuda a entender quais redes de causalidades o Sujeito atribui ao seu adoecimento. Em doenas crnicas como o diabete, quando a sua primeira manifestao est associada a um evento mrbido, como um falecimento de familiar ou uma briga, as pioras no controle glicmico estaro muitas vezes relacionadas a eventos semelhantes (na perspectiva do Sujeito acometido pela diabete). Ao fazer esta pergunta, muitas vezes damos

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    um passo no sentido de ajudar o Sujeito a re-conhecer e aprender a lidar com os eventos de forma menos adoecedora.

    Procurar conhecer as singularidades do Sujeito, perguntando sobre os medos, as raivas, as manias, o temperamento, seu sono e sonhos. So perguntas que ajudam a entender a di-nmica do Sujeito e suas caractersticas. Elas tm importncia teraputica, pois possibilitam a associao de aspectos muito singulares da vida com o projeto teraputico.

    Procurar avaliar se h negao da doena, qual a capacidade de autonomia e quais os possveis ganhos secundrios com a doena. Na medida em que a conversa transcorre, possvel, dependendo da situao, fazer es-tas avaliaes, que podem ser muito teis na elaborao do projeto teraputico.

    Procurar perceber a chamada contratransfern-cia, ou seja, os sentimentos que o profissional

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    desenvolve pelo usurio durante os encontros; procurar descobrir os limites e as possibilidades que esses sentimentos produzem na relao clnica. Existem muitas pessoas e instituies falando na conversa entre dois Sujeitos. O profissional est imerso nestas foras. Perceber a raiva, os incmodos, os rtulos utilizados (bbado, poliqueixoso, etc.), ajuda a entender os rumos da relao teraputica, na medida em que, ato contnuo, pode-se avaliar como se est lidando com estas foras. Num campo menos sutil, importante tambm analisar se as intenes do profissional esto de acordo com a demanda do usurio. O profissional pode desejar que o Sujeito use preservativos e no se arrisque com DST ou uma gravidez indesejada. O Sujeito pode estar apaixonado. O profissional quer controlar a glicemia, o Sujeito quer ser feliz. Enfim preciso verificar as intenes, as linhas de fora que interferem na relao profissional-usurio para produzir algum caminho comum.

    Procurar conhecer quais os projetos e desejos do usurio. Os desejos aglutinam uma enorme quantidade de energia vital e podem ser ex-tremamente teraputicos, ou no. S no podem ser ignorados.

    Conhecer as atividades de lazer (do presente e do passado) muito importante. A simples presena ou ausncia de atividades prazerosas bastante indicativa da situao do usurio; por outro

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    lado, conhecer os fatores que mais desencadeiam transtornos no usurio tambm pode ser decisivo num projeto teraputico. So questes que em um nmero muito razovel de vezes apontam caminhos, seno para os projetos teraputicos, pelo menos para o aprofundamento do vnculo e da compreenso do Sujeito.

    Fazer a histria de vida um recurso que pode incluir grande parte das questes propostas acima. Como demanda mais tempo, deve ser usado com mais critrio. Muitas vezes requer tambm que haja um vnculo e um preparo anterior conversa, para que seja frutfera.

    Por ltimo, em relao insero social do Sujeito, acreditamos que as informaes mais importantes j foram ao menos aventadas no decorrer das questes anteriores, visto que o usurio falou da sua vida. No entanto, nunca demais lembrar que as questes relativas s condies de sobrevivncia (moradia, alimentao, saneamento, renda, etc.) ou da insero do Sujeito em instituies poderosas, como religio, trfico, trabalho, freqentemente esto entre os determinantes principais dos problemas de sade e sempre sero fundamentais para o Projeto Teraputico.

    A partir de todo este processo, chega-se a uma proposta, que deve comear a ser negociada com o usurio. Se o objetivo que o projeto

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    seja incorporado pelo usurio, essa negociao deve ser flexvel, sensvel s mudanas de curso e atenta aos detalhes. importante que haja um membro da equipe que se responsabilize por um vnculo mais direto e acompanhe o processo (coordenao). Geralmente esta pessoa deve ser aquela com quem o usurio tem um vnculo mais positivo.

    A Reunio de Equipe

    preciso reconhecer que a forma tradicional de fazer gesto (CAMPOS, 2000) tem uma viso muito restrita do que seja uma reunio. Para que a equipe consiga inventar um projeto teraputico e negoci-lo com o usurio importante lembrar que:

    Reunio de EQUIPE NO um espao apenas para que uma pessoa da equipe distribua tarefas s outras. Reunio um espao de dilogo e preciso que haja um clima em que todos tenham direito voz e opinio. Como vivemos numa sociedade em que os espaos do cotidiano so

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    muito autoritrios, comum que uns estejam acos-tumados a mandar e outros a calar e obedecer. Criar um clima fraterno de troca de opinies (inclusive crticas), associado objetividade nas reunies, exige um aprendizado de todas as par-tes e a primeira tarefa de qualquer equipe.

    PTS e Gesto

    As discusses para construo e acompanha-mento do PTS so uma excelente oportunidade para a valorizao dos trabalhadores da equipe de sade. Haver uma alternncia de relevn-cias entre os diferentes trabalhos, de forma que em cada momento alguns membros da equipe estaro mais protagonistas e criativos do que outros (j que as necessidades de cada usurio variam no tempo). No decorrer do tempo vai ficando evidente a interdependncia entre todos na equipe. A percepo e o reconhecimento na equipe desta variao de importncia uma forma importante de reconhecer e valorizar a obra criativa e singular de cada um.

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    O espao do PTS tambm privilegiado para a equipe construir a articulao dos diversos recursos de interveno que ela dispe (fazer um cardpio com as vrias possibilidades de recursos disponveis, percebendo que em cada momento alguns tero mais relevncia que outros). Dessa forma um espao importantssimo para avaliao e aperfeioamento desses mesmos recursos (por que funcionou ou no esta ou aquela proposta?). Outra importante utilidade gerencial dos encontros de PTS o ma-triciamento com (outros) especialistas. Na medida em que a equipe consegue perceber seus limites e suas dificuldades (e esta uma paradoxal condio de aprendizado e superao), ela pode pedir ajuda. Quando existe um interesse sobre determinado tema, a ca-pacidade de aprendizado maior. Portanto, este potencialmente um excelente espao de formao permanente. Por outro lado, um espao de troca e de aprendizado para os apoiadores matriciais, que tambm experimentaro aplicar seus saberes em uma condio complexa, recheada de variveis que nem sempre o recorte de uma especialidade est acostumado a lidar. Este encontro tanto mais fecundo quanto mais houver um contrato na rede assistencial de que haja equipes de referncia e apoio matricial.

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    Para as reunies funcionarem preciso construir um clima favorvel ao dilogo, em que todos aprendam a falar e ouvir, inclusive crticas. O reconhecimento de limites, como dissemos, fundamental para inveno de possibilidades. Mas preciso mais do que isso, pre-ciso que haja um clima de liberdade de se pensar o novo. O peso da hierarquia, que tem respaldo no somente na organizao, mas tambm nas valorizaes sociais entre as diferentes corporaes, pode impedir um dilogo real em que pensamentos e sentimentos possam ser livremente expressados.

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    REFERNCIAS

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