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    Revista da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicao da UFRGSv. 19, n.2 Jul./Dez. 2013

    Formao das bibliotecas: uma abordagem desde aperspectiva do colecionismo

    Gabriela Bazan PedroMestre; Universidade Estadual Paulista "Jlio de Mesquita Filho";

    [email protected]

    Eduardo Ismael MurguiaDoutor; Universidade Federal Fluminense;

    [email protected]

    Resumo: O presente trabalho pretende contribuir para os estudos que aprofundem ouniverso do colecionismo e dos colecionadores, dando especial nfase s relaescom os livros. Assim, foram realizadas duas entrevistas com a finalidade dedescobrir as peculiaridades do colecionismo, focando a ateno nas relaes doindivduo com o tempo e o espao . Os resultados foram bastante esclarecedores nosentido de poder afirmar que as relaes com os livros, do ponto de vista docolecionismo, possuem caractersticas diferentes das de qualquer outro objeto.

    Palavras-chave:Colecionismo. Colees. Bibliotecas pessoais. Livros.

    1 Introduo

    O presente artigo um estudo de caso sobre o fenmeno do colecionismo e os

    colecionadores no universo especfico dos livros. A pesquisa foi realizada no ano de

    2009, na cidade de Ribeiro Preto (SP), sob os auspcios da Fundao de Amparo

    Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP). Esse aspecto ainda pouco explorado

    pela Biblioteconomia, pois seu olhar frequentemente direcionado para as

    bibliotecas institucionais, deixando de lado uma questo importante: a relao do

    indivduo com os livros no momento da formao de uma biblioteca.

    O objetivo principal dessa pesquisa consiste em tratar mais profundamente as

    questes que cercam o mundo do colecionismo, colees e colecionadores. O

    trabalho foi desenvolvido atravs de um estudo feito com uma bibliografia base

    estruturada e entrevistas com colecionadores. Assim, embora relacionando com a

    leitura, priorizamos pesquisar os motivos, muitas vezes difusos e obscuros, que

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    levam algum a colecionar livros. Para tal, apresentamos uma discusso que nos

    posiciona no tema ao mesmo tempo em que introduz o leitor na dinmica da

    coleo, para logo localiz-lo no mbito mais restrito dos livros. Num outro

    momento, mostramos a metodologia usada para analisar os dados obtidos.

    Finalmente apontamos algumas consideraes que fecham nossa pesquisa.

    Mas, afinal, o que uma coleo? Coleo um termo definido no

    dicionrio Silveira Bueno como [...] conjunto, reunio de objetos, srie. (BUENO,

    1996, p. 146). No entanto, podemos dizer que apenas isso? Qual a diferena entre

    o mero acmulo, a juno desordenada, e as colees? Essas e muitas outras

    questes so frequentes quando tratamos desse tema.

    A coleo composta por objetos que tm um valor representativo, esttico,

    fora de seu propsito original e que representam uma ideia ou sentimento. Cada pea

    dentro da coleo pode ter perdido seu valor monetrio ou utilitrio, mas foi

    acrescida de um valor sentimental e pessoal que apenas o dono da coleo pode lhe

    dar: valores que representam memrias, momentos especficos da vida, lembranas

    de determinadas fases ou viagens, por exemplo. Pomian, diz que:

    No difcil de encontrar. Conjuntos de objectos naturais ou artificiais,mantidos temporria ou definitivamente fora do circuito das actividadeseconmicas, submetidos a uma proteo especial e expostos ao olhar,acumulam-se com efeito nas tumbas, nos palcios dos reis e nasresidncias de particulares. (POMIAN, 1998 p. 55).

    Realmente, as colees no so difceis de encontrar. Oliveira, Siegmann e

    Coelho (2005, p. 112), dizem em seu artigo que temos a tendncia de entender as

    colees como objetos que pertencem mesma natureza, mas que certamente foram

    reunidos porque mantm alguma relao entre si. Essa relao pode ou no ser

    entendida ou percebida pelas demais pessoas alm do colecionador, mas isso no importante para ele: a coleo algo pessoal, individual. Oliveira, Siegmann e

    Coelho (2005, p. 114) confirmam isso dizendo que esses objetos surgem como

    efeitos dos acontecimentos, fazendo com que a densidade do tempo seja carregada

    de memria afetiva.

    Dessa forma, podemos dizer, ainda tendo como base Oliveira, Siegmann e

    Coelho (2005, p. 117), que a coleo um conjunto de registros, seja de lugares

    passados, momentos ou pessoas que constituem a histria do colecionador, levando

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    em conta que esses objetos so carregados de histria. Assim, os objetos so

    selecionados como uma resposta s afeces que o colecionador possa ter tido

    durante o encontro de ambos, levando em conta a histria que os compe. assim

    que o colecionismo se instaura.

    Cavedon (2007, p. 351) diz em seu artigo que, pelos gastos, energia e

    investimentos dedicados a uma coleo, natural que ela seja o que h de mais

    importante na constituio do ser de um indivduo. Sendo assim, algo muito

    intenso e envolvente, tanto para quem coleciona como para quem vive ao redor.

    No presente trabalho escolhemos trabalhar com as colees de livros

    especificamente. Assim, investigaremos quais as motivaes de um colecionador a

    formar uma coleo desses objetos e por que eles so considerados to especiais.

    Dentro da coleo o livro ganha um papel e significado diferente,

    inicialmente, Cavedon (2007), citando Rouveyre, diz que:

    O livro uma obra escrita por qualquer pessoa esclarecida sobrequalquer assunto de cincia, para instruo e entretenimento do leitor.Pode-se ainda definir um livro como sendo obra de um homem de letras,coligida para comunicar ao pblico e posteridade tudo quanto o autor

    possa ter inventado,visto, experimentado e compilado, devendo constituirmaterial considervel para encerrar-se num volume. (ROUVEYRE, 2003

    p. 15 apud CAVEDON, 2007, p. 346).

    Mas como explicar quando a essncia, identidade e personalidade de um

    indivduo so compostas por esse objeto? Se o indivduo que escreve um homem

    de letras, como o indivduo que toma o livro como parte de sua essncia

    caracterizado?

    A paixo do colecionador pelos livros vai alm de uma livraria ou uma

    editora. Cavedon (2007, p. 357) diz que colecionar livros construir o ser de cada

    um - no s construir - como tambm manter ou reforar por meio das posses.

    2 O Colecionismo

    As colees podem ser formadas devido inteno de montar e criar ou

    complementar um universo particular e subjetivo. Blom (2003, p. 263) diz que

    colecionar preencher um vazio [...], ocasionado por situaes ou pessoas que

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    passaram ou residem na vida do colecionador e que so lembradas ou representadas

    por objetos dentro da coleo.

    Essas colees podem ser interpretadas e descritas das mais diversas formas,

    mas sempre so uma reunio de objetos que age como extenses da personalidade e

    que valorizam determinados objetos por motivos familiares, de raridade, de valor

    econmico ou por motivos estticos, constituindo um conjunto de registros, antigos

    ou novos, comprados ou ganhados, mas que so sempre inseparveis da existncia

    do colecionador.

    Ribeiro (1998, p. 35) diz que colecionar [...] o desejo de perpetuar-se,

    mas, mais que isso, o de constituir a prpria identidade pelos tempos adiante,

    responde ao anseio de forjar uma glria.. A coleo se torna muito mais que o mero

    acmulo, se torna o legado de uma vida, uma histria que constituda juntamente

    com a do prprio ser, inseparvel. Ribeiro (1998, p. 35) tambm diz que [...] o

    meio mais direto de preservar-se.

    Artires (1998, p.10) diz que Passamos assim o tempo a arquivar nossas

    vidas: arrumamos, desarrumamos, reclassificamos. Por meio dessas prticas

    minsculas construmos uma imagem, para ns mesmos e s vezes para os outros..

    Ento temos reafirmada a ideia da perpetuao do ser, da vontade de deixar um

    legado que fale de si, mesmo que ele no seja passado a diante, como uma

    construo que continua vivendo aps a morte de seu construtor.

    Artires (1998, p.10) completa dizendo que essa juno, essa vontade de

    acumular e organizar est ligada tambm ao autoconhecimento. Refletir sobre esse

    arrumar-se em suma falar de uma coisa comum, perseguir esse infra-ordinrio,

    desentoc-lo, dar-lhe sentido e talvez entender um pouco melhor quem somos ns..

    Ainda nessa ideia, Moraes (1998) diz que para ele no resta dvida de que odom de colecionar uma compensao para algum tipo de complexo, seja qual for,

    desde uma fuga, at desejos frustrados ou uma ajuda para superar momentos

    difceis, mas que de qualquer maneira, a melhor teraputica que pode haver.

    Segundo Ancies (2005), colecionar implica ordem, seriao, sistematizao

    e conservao. Ele diz que as colees so como embarcaes sem rumo e que

    colecionar reviver o passado ou se projetar no futuro atravs de objetos ou suas

    representaes. O autor ainda diz que colecionar incorpora diversos valores, que

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    podem ou no ter ordem de prioridade. Ele define os valores do colecionismo da

    seguinte forma: valor artstico, que so as peas com atrativos principalmente

    estticos; valor de raridade, que so as peas mais antigas e difceis de encontrar

    (esse valor se acresce se a pea se mantm operacional e documentada); valor de

    autoria, que so peas de autores conhecidos e consagrados (esse valor pode ser

    acrescido se o autor for de mbito local, regional ou nacional); valor de coleo e de

    contexto (esse valor pode estar na pea enquanto ela pertence a uma determinada

    coleo e sua relao de memria com outras peas); e, por fim, valor de identidade,

    que pode estar na imagem ou identidade que determinada pea pode ter entre o

    pblico que usufrui dela (so peas que se relacionam com a preservao de

    tcnicas, memrias, pblicos ou comunidades).

    A coleo e o colecionador fazem parte de um nico fenmeno. impossvel

    falar de um sem falar do outro. Mas de onde vem esse hbito, afinal? Blom (2003)

    dedicou toda sua obra Ter e manterpara explicar as motivaes do colecionismo.

    Vemos ento que a ao de reunir objetos sempre existiu, mas as colees como

    hoje as conhecemos comearam a formar-se principalmente a partir do sculo XVI.

    Contudo, mudanas nas caractersticas colecionadoras ocorreram com o passar do

    tempo.

    Longe de fazer uma historia do colecionismo no Ocidente, mas com o intuito

    de localizar e ilustrar nossa discusso levantamos algumas consideraes que

    estimamos pertinentes. No sculo XVI, primava o gosto pelo diferente,

    desconhecido e curioso, sendo o colecionismo uma atividade desenvolvida

    principalmente por prncipes, pelo alto clero e pelos humanistas. Posteriormente,

    com a diversidade de ocupaes e interesses, as colees caram no gosto de

    acadmicos, cientistas e estudiosos, dando-lhes outras funes: principalmente apossibilidade do estudo baseado na observao de objetos capazes de enunciarem

    saberes atravs de sua aproximao e arranjo. Colecionar significava tambm ter

    conhecimento e, cada vez mais com a evoluo dessa prtica, as colees buscavam

    representar e contar o mundo da forma mais objetiva possvel.

    Com o comrcio em crescimento, as colees se expandiram entre pessoas

    com relativamente menor poder aquisitivo que tambm iniciaram essa prtica. Com

    essa expanso das trocas tem incio outra atividade dentro do colecionismo: o

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    mercado de colees. Surgem assim os primeiros comerciantes especializados em

    artigos exticos e o que se iniciou como uma prtica restrita da corte se torna uma

    prtica de mercado. Essa expanso do fenmeno, paralelamente, ainda daria incio

    ao aparecimento dos primeiros catlogos que mostravam tanto o contedo e as peas

    que formavam as colees, como seus preos.

    Retomando Blom (2003), para colecionar preciso tempo e recursos, ele

    ainda prope que possvel conhecer e ver em uma coleo mais curiosidades do

    que se poderia ver em uma vida inteira de viagens. Colecionar guardar um mundo

    de maravilhas em um armrio.

    Para Oliveira, Siegmann e Coelho (2005), a coleo se cria pela inteno de

    formar um universo. Assim, atualizam-se as lembranas e inventa-se no espao entre

    si mesmo e os objetos um lugar onde possvel novos arranjos da memria e ainda a

    intensificao do desejo do novo.

    Blom (2003) ainda diz que todo colecionador um fara, dono de um

    mausolu deixado aps a morte com a inteno de no ser esquecido, possibilitando,

    a quem quiser, ver e tocar sua memria, seu ideal, suas crenas e sua essncia. As

    colees so fortalezas da lembrana e da permanncia. Colecionar salvar um

    mundo que se escolhe, preservar a histria, tocar em algo alm da nossa existncia:

    um trabalho de amor, de ser humano (BLOM, 2003).

    Ribeiro (1998, p. 41) chama ateno para o fato da facilidade da coleo:

    Este, pois, o carter por assim dizer democrtico deste colecionismo, que est ao

    alcance de todos, bastando que nos demos ao trabalho de guardar o que no se

    guarda, de conservar o que se desfaz....

    Atualmente, numa sociedade que produz objetos industriais em massa, o

    colecionismo se expande no unicamente no que diz respeito aos colecionadores,mas tambm na variedade de possibilidades de objetos a serem colecionados.

    Qualquer tipo de objeto, seja pela sua matria, forma ou qualquer outro aspecto

    fsico, mesmo que seja resultado de uma produo em larga escala, pode ser

    comprado, trocado ou descartado dentro do mundo do colecionismo.

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    3 Livros e colecionadores

    Conforme o Blom (2003), os livros, desde sua inveno, sempre foram objetos de

    desejo e de mistrio entre as pessoas, pois nunca so apenas objetos. Eles possuem

    tambm uma voz com a qual falam atravs do tempo e das vidas. Nesse sentido, o

    livro tambm foi um objeto cercado de conhecimentos e interesses, podendo chegar

    a se tornar smbolo de prestgio. Inclusive, vemos, portanto, que tambm h

    inmeros motivos para ser objeto de desejo, chegando naturalmente por esses

    motivos a integrar pretensas colees.

    Pomian introduz o conceito de semiforo para interpretar as questes

    anteriormente levantadas no que diz respeito dinmica da apropriao e uso dos

    livros

    Cada semiforo introduzido numa troca entre dois ou mais parceiros eentre o visvel e o invisvel, pois cada um remete prioritariamente paraalguma coisa actualmente invisvel e que no poderia, portanto, serdesignada por um gesto, mas unicamente evocada pela palavra; somentede uma maneira derivada e secundria acontece os semiforos remeterem

    para alguma coisa presente aqui e agora. Na medida em que substituialguma coisa invisvel, a mostra, a indica, a recorda ou conserva delavestgio, um semiforo feito para ser olhado, quando no examinadonos seus mnimos pormenores. Para impor aos seus destinatrios aatitude dos espectadores. (POMIAN, 1998, p 80).

    Vemos ento que o semiforo, por esses motivos, pode chegar a ser objeto de

    coleo, dotado de um poder para assumir impresses, substituir discursos e

    preservar sentimentos. Pomian (1998, p. 86) ainda diz que o semiforo tenta reunir o

    que todos os objetos tm em comum, mostra-los como realizaes diferentes de uma

    mesma. O que faz do livro, o semiforo por excelncia:

    Visto por esse ngulo, o livro j no s um objecto visvel: remete paraum destinatrio que lhe exterior ou para um significado invisvel que sesupe poder ser extrado por aquele ao l-lo. [...] Nessa perspectiva olivro um semiforo: um objecto visvel investido de significado.(POMIAN, 1998, p.77).

    No entanto, o livro antes de ser um semiforo um objeto material que leva

    consigo as mais diversas memrias, desde fatos histricos at fantasias dos mais

    diversos tipos, as que caracterizariam as mais variadas poca. Devido a esses

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    motivos, o livro pode se tornar um objeto dotado de significados e por ltimo, um

    objeto de informao que desvenda sua prpria materialidade.

    Outro aspecto importante se revela quando o livro vindo a ser semiforo,

    principalmente quando se instaura dentro de uma coleo, ele agrega outros

    significados alm da informao, isto , quando alm de sua materialidade, ele

    agrega sentimentos e significados particulares:

    Ser semiforo uma funo que o livro s conserva quando se adoptaface a ele uma da atitudes programadas pela sua prpria forma: quando olemos ou o folheamos, ou pelo menos, quando o colocamos nas

    prateleiras da nossa biblioteca, de uma livraria, de uma loja dealfarrabista. Trata-o tambm como semiforo aquele que o preserva porver nele um livro, sem no entanto estar disposto a l-lo, ou que s v neleum objeto estranho ou precioso que, por essa razo, resolve guardar(POMIAN, 1998, p. 77).

    Feitas essas consideraes sobre o livro e seus valores de representao e

    memria, passamos para o colecionador. O indivduo que tem paixo pelos livros e

    por colecion-los chamado biblifilo. Cavedon (2007) diz que a relao dos

    homens com os livros, em particular a dos biblifilos, passa por trs estgios.

    Primeiro, os homens pensam que conseguiro ler um nmero de livros maior do que

    de fato possvel. Em um segundo estgio, consequncia imediata do primeiro,passam a desejar o maior nmero possvel de obras dos autores que gostam. No

    terceiro momento, surge o interesse pelas primeiras edies, geralmente raras, e a

    atrao pelo livro como objeto de arte.

    O colecionador de livros dono de um acervo que evidencia um

    investimento de tempo, dinheiro, conhecimento, energia e que refora suas

    caractersticas pessoais. Assim, possvel notar que o biblifilos possuem certas

    singularidades que os tornam uma categoria especfica de

    compradores/consumidores. Por exemplo, em alguns casos, um colecionador pode

    possuir mais de um exemplar de cada obra: um que contm um porque raro e outro

    para ser usado na leitura, para anotaes ou observaes.

    Podemos citar aqui como exemplo um famoso biblifilo e colecionador, Jos

    Mindlin, que foi dono de uma biblioteca particular de aproximadamente 40 mil

    volumes. Ele dizia que Bibliofilia significa nada mais, nada menos que amor aos

    livros, que pode ter nveis diferentes de absoro e envolvimento. O meu acabei por

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    chamar de loucura mansa e no me arrependo em momento algum de ter me

    entregado a essa paixo. (MINDLIN, 2009 p. 47).

    Ainda com Mindlin, ele diz que:

    O mundo dos biblifilos de grande interesse. O amor aos livrosaproxima as pessoas e forma slidas amizades, o que no impede, noentanto, rivalidades tambm slidas mas amistosas quando dois

    biblifilos se deparam com o obras de interesse comum. O mundo dabibliofilia, no entanto, uma fauna que geralmente existe respeito mtuo,e os conflitos se resolvem de forma civilizada e corts. (MINDLIN,2009, p. 59).

    Moraes (1998, p. 18) diz que:

    Toda gente compra livros uma vez ou outra. Comprar livros, hoje em dia, uma necessidade. indispensvel em algumas profisses. No entanto,uma minoria somente coleciona livros. porque nem todos tm a sortede possuir o dom da bibliofilia ou, se quiserem, os complexosnecessrios para se tornarem biblifilos.

    E ainda completa dizendo que: colecionar no juntar livros. O que

    difcil, o que torna um hobbyapaixonante, justamente a procura do que lhe falta.

    o prazer em encontrar o exemplar desejado. Pode ser uma pequena fortuna ou alguns

    cruzeiros. (MORAES, 1998, p. 26).

    Blom (2003) diz que os livros so ao mesmo tempo relquias de uma poca

    diferente e de personalidades sempre jovens, capazes de se revelarem enquanto

    objetos, e como livros (demarcado tambm sua especificidade). Essas duas facetas

    dependem da forma como so interpretadas em cada poca e por cada leitor:

    Colecionar livros uma atividade multifacetada. Talvez seja a formamais rica e mais ambgua de colecionar. H os que tratam livrossimplesmente como objetos, e que os abrem apenas para conferir o lugare a data da impresso, a edio, a qualidade do papel e o tipo de letra.Podem colecionar primeiras edies, ou todos os ttulos publicados porum determinado editor ou escritos por determinado autor, ou livrosimpressos em Wrzburg ou Oxford no sculo XVI, ou livrosencadernados numa determinada grfica de Paris, ou encadernados emmarroquim, ou livros com encadernaes expressionistas, ou livrosazuis, livros pequenos, livros grandes, ou exemplares raros no cortados.(BLOM, 2003, p. 229)..

    Os colecionadores criam e do forma s suas personalidades por meio de

    suas colees. Cavedon (2007) ainda afirma que as emoes vivenciadas pelos

    biblifilos no que se refere ao consumo, remetem a sonhos e desejos imaginrios

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    para estabelecer relaes dos mais diversos tipos, atuando como indicadores de

    diferentes estilos de vida.

    Retomando Mindlin (2009, p. 50)

    Como j disse, sou por natureza indisciplinado, fujo rigidez de regras e,alm disso, considero que o livro foi feito para ns e no ns para o livro.A formao de uma biblioteca , alis, uma histria em si mesma.Depende, em primeiro lugar, de se saber o que se quer. Exige estudo e

    perseverana.

    Ele ainda diz que essa biblioteca se mantm atravs do tempo e que a

    construo no de posse eterna do colecionador, A gente passa e os livros ficam,

    de sorte que acabamos por nos considerar mais depositrios da biblioteca do que os

    seus proprietrios, e a continuidade conservao e crescimento dela foram se

    tornando nossos objetivos (MINDLIN, 2009 p. 54). Ilustrando isso, sua biblioteca,

    aps seu falecimento, foi doada Universidade de So Paulo e hoje forma a

    Biblioteca Brasiliana Guita e Jos Mindlin.

    Segundo Murguia (2007, p.102), o livro fundamentalmente um objeto que

    se insere dentro de um entorno material, porm diversas atribuies lhe podem ser

    outorgadas:

    Existem no livro caractersticas determinadas pelo seu suporte, pelosvalores a ele atribudos como smbolo social, como fetiche ou comolugar da memria, que acionam certos dispositivos subjetivos e pessoaisque levam a sua posse e coleo.

    Dessa forma, feitas essas consideraes gerais que pretendem sinalizar as

    associaes materiais e simblicas do livro, e mais especificamente a dinmica que

    se cria quando colecionado, passamos a observar suas relaes pessoais e afetivas.

    4 Metodologia

    Para o desenvolvimento e estudo de um trabalho que trata de colees de livros

    como centro de pesquisa, a entrevista se mostrou um instrumento extremamente

    adequado. Levando em considerao a temtica, decidimos entrevistar pessoas que

    possussem essas colees para ser possvel ver de perto e sentir um pouco das

    relaes particulares que cada um estabelece com sua coleo.

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    Antes de iniciar o processo de escolha dos colecionadores, elaboramos um

    roteiro para o trabalho e uma entrevista com dezenove questes de respostas abertas

    e livres, com o objetivo de atingir depoimentos que possibilitassem a compreenso

    da atividade em cada colecionador e nos desse a oportunidade de estabelecer

    relaes entre as colees e seus motivos.

    Assim, foi decidido aplicar a entrevista a duas pessoas apenas, consideradas

    adequadas para as finalidades da presente pesquisa. As questes abrangeram

    diversas peculiaridades do colecionador e da coleo, de maneira que o entrevistado

    pudesse contar sua histria a partir do momento em que comeou a colecionar,

    passando pelos seus motivos, livros preferidos, postura quanto a descarte,

    emprstimo, maneira de adquirir itens, como eles se organizaram e at seus

    sentimentos sobre essa coleo ou biblioteca.

    Decidiu-se que o critrio da escolha de duas pessoas fosse o fato de ter uma

    biblioteca pessoal de aproximadamente mil itens j que consideramos que essa seria

    uma quantidade representativa mdia de um colecionador de livros, mostrando

    assim o perfil que evidenciasse as principais caractersticas de um biblifilo.

    A Entrevistada 1 foi uma estrangeira que possui doutorado em Histria

    Social, ela docente de uma universidade pblica do estado de So Paulo, na

    graduao e na ps-graduao, tem como linha de pesquisa Anlise Documentria e

    possui experincia nas reas de Estudos Culturais e Mediaes da Informao e

    Cultura.

    O Entrevistado 2 possui mestrado e doutorado em Patologia Experimental.

    Tambm docente em uma universidade pblica de So Paulo, tem experincia e

    formao na rea de Medicina, com nfase em Anatomia Patolgica e Patologia

    Clnica. Alm do trabalho na universidade, o professor tem em sua casa um espaodestinado a vivncias e dinmicas de grupo.

    A primeira entrevista foi realizada no dia 10 de agosto de 2010, na sala

    particular da Entrevistada 1, onde ela falou sobre as perguntas gerais, mencionando

    sua biblioteca pessoal, que est dividida entre os lugares que mora, Ribeiro Preto e

    Itlia.

    A segunda entrevista foi realizada na residncia pessoal do Entrevistado 2,

    em Ribeiro Preto, no dia 3 de setembro de 2010, onde foi possvel tambm ver de

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    perto onde est a coleo em sua casa e os ttulos que a compe. As entrevistas

    foram gravadas durante o momento da execuo e depois transcritas para facilitar a

    consulta s respostas de cada entrevistado.

    5 Anlise de entrevistas

    Para a anlise das respostas obtidas de cada entrevistado desenvolvemos um

    instrumento de pesquisa levando em considerao as temticas principais da

    entrevista. Dessa forma, foram separadas cinco categorias que abrangeram, juntas,

    todos os assuntos correspondentes s dezenove questes.

    Que os livros despertam mais do que curiosidade nos colecionadores j foi

    dito anteriormente. Agora veremos como esses colecionadores se identificam e se

    diferenciam dos colecionadores em geral.

    As categorias privilegiadas foram:

    a) Estrutura e formao da coleo;

    b) Formas e frequncia de aquisio;

    c) Estrutura fsica da coleo;d) Aproveitamento da coleo e

    e) Observaes pessoais.

    Estrutura e formao da coleo: temos nessa categoria as sete primeiras questes

    da entrevista.

    Nossa Entrevistada 1 diz que sua coleo comeou a ser formada a partir dos

    seis anos e que ainda guarda esses primeiros livros. Seu interesse por colecionar o

    que lia veio junto do seu gosto natural pela leitura e de uma famlia incentivadora e

    tambm apreciadora de leitura, que se tornou um modelo.

    Ela diz tambm que sua coleo composta por assuntos diversos, mas que

    buscam temas em comum no so aleatrios e sem ligao. Os temas

    predominantes so Histria, Arte e uma parte com fices. O nmero certo de

    exemplares ela no sabe, mas tem certeza de que j so mais mil.

    O Entrevistado 2 tambm comeou sua coleo na mesma faixa etria e

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    igualmente mantm at hoje seus primeiros livros. Seu interesse pela leitura tambm

    relacionado famlia: sua me, que sempre o incentivou, e um primo que possua

    vrias obras clssicas. O primo o incentivava da seguinte forma: se ele conseguisse

    ler o livro emprestado em uma semana e o devolvesse no mesmo estado em que foi

    emprestado, ele poderia ler a biblioteca toda.

    Em relao composio de assuntos, o Entrevistado 2 tem mais romances,

    poesias e obras sobre tica e Filosofia e diversas colees de banca de jornal. Ele

    tem preferncia por livros nacionais, pois gosta muito de literatura brasileira, do

    idioma, de sua gramtica e estrutura.

    Vemos, ento, logo nessa primeira categoria, as semelhanas quanto s

    influncias no incio da atividade colecionadora. Uma famlia interessada em livros

    sem dvida consegue despertar, nem que seja um pouco, a curiosidade

    colecionadora em quem j interessado por leitura e gosta de livros.

    possvel notar tambm que, apesar de cada entrevistado ter suas

    preferncias especficas, ligadas ao trabalho, pesquisa e interesses gerais, ambos tm

    dentro da coleo uma parte vasta de romances, fices e poesia.

    Formas e frequncia de aquisio: essa categoria abrange trs das questes gerais

    da entrevista.

    A Entrevistada 1 conta que a maioria de seus livros comprada por ela, pois

    as pessoas, por saberem de seu elevado nmero de obras diversas, evitam presente-

    la com livros por medo das repeties.

    A entrevistada diz tambm que a forma fsica do livro no fator decisivo na

    hora da aquisio. Conta, inclusive, que j comprou edies ruins que estava

    procurando h tempos por no ter achado qualidade melhor. Sobre sua frequncia deaquisio, a entrevistada diz que adquire obras semanalmente e que a maior parte

    dos gastos de lazer so dedicados coleo.

    O Entrevistado 2 tambm tem dificuldades em relao ao ganho de livros. As

    pessoas evitam esse tipo de presente pela mesma razo: o receio de a obra ser

    repetida. Ele diz que habitualmente compra seus livros em livrarias e muitas vezes

    em bancas de jornal, pois possvel encontrar colees semanais em boa qualidade e

    edies especiais. Tambm em comum com a Entrevistada 1, o Entrevistado 2 diz

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    que tem o hbito de comprar livros quase semanalmente e que boa parte de seu gasto

    com lazer est reservado aos livros.

    Vemos, assim, que a aquisio um trao muito semelhante dos

    colecionadores, que dedicam parte de sua verba mensal de lazer para isso. possvel

    notar tambm a dificuldade de outras pessoas se introduzirem na coleo, pois os

    presentes so raros e difceis. Somente quem tem uma convivncia muito prxima

    pode conseguir acertar um livro que os colecionadores ainda no tenham.

    Estrutura fsica da coleo: essa categoria abrange cinco questes da entrevista.

    A Entrevistada 1 disse que possui espaos prprios para sua coleo em casa,

    na qual quatro partes so dedicadas a isso. A entrevistada disse tambm que, apesar

    de possuir esses espaos, eles no so suficientes para a demanda dos seus livros.

    Ela at j se mudou para um imvel maior para comportar melhor a coleo.

    Ela comentou que muito difcil se desfazer de um livro e, mesmo daquele

    dos quais no gosta, ela no se desfaz. Tem um cantinho especial para esses

    excludos, mas que no so nunca descartados. Ela afirmou tambm que j teve

    reclamaes de pessoas do convvio prximo pelo nmero de livros, mas que

    mesmo assim no h descarte.

    Seus livros no esto organizados de uma forma especfica. Esto todos

    principalmente por assunto/temtica. No h nenhuma ferramenta de busca ou

    catlogo, mas ela destaca que esto todos na memria e que ao fechar os olhos sabe

    exatamente onde est cada um.

    O Entrevistado 2, diferente da Entrevistada 1, tem em sua casa um ambiente

    totalmente planejado para abrigar a coleo, com estantes planejadas e localiza-se

    fora da casa, de forma que a coleo tem um ambiente particular e feitoespecialmente para isso.

    Ele disse que seu espao suficiente, faltam apenas mais estantes. O

    entrevistado tambm no se desfaz de nenhum livro. O que acontece frequentemente

    a perda de alguns. Por emprestar seus livros para vrios amigos que se interessam,

    muitas vezes os livros no so devolvidos, e como ele tem o hbito de emprestar,

    frequentemente no sabe ao certo quem levou qual obra.

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    Quanto organizao, os livros seguem o mesmo padro da Entrevistada 1.

    Esto divididos por assuntos/temticas e, dentro desses assuntos, organizados por

    sobrenome do autor, em ordem alfabtica. O entrevistado afirmou que comeou a

    catalogar seus livros num computador, mas que infelizmente no foi possvel

    concluir, pois a pessoa que o ajudava no tinha conhecimento literrio e de

    classificao suficientes para organizar todos os livros, e at ento o projeto estava

    parado.

    Vemos, portanto, nessa categoria, algumas diferenas principalmente na

    organizao. O Entrevistado 2 possui um espao mais desenvolvido e planejado

    especificamente para a coleo, diferentemente da Entrevistada 1, que ainda tem sua

    coleo em espaos mais reduzidos e separados.

    Quanto aos instrumentos de busca, vemos tambm que o Entrevistado 2

    procurou iniciar um catlogo em um suporte digital para facilitar suas buscas,

    enquanto a Entrevistada 1 tem sua coleo totalmente memorizada, no que se diz

    respeito a exemplares e localizao.

    Um fator em comum a insatisfao com seus espaos. A Entrevistada 1

    precisa de mais espao e o Entrevistado 2 precisa de mais estantes no espao que

    possui.

    Aproveitamento da coleo: essa categoria abrange trs questes. Nela, o objetivo

    que os entrevistados digam o quanto usufruem de seus livros e de que forma.

    A Entrevistada 1 contou que todos os livros que tem j foram, pelo menos,

    revisados em algum momento. Ela divide seu acervo em livros que so para consulta

    e livros que so para leitura. Dessa forma, em algum momento, todos os livros j

    foram utilizados.A entrevistada afirma que tem o hbito de marcar pginas, colocar grifos e

    escrever comentrios. Quando a edio do livro no de uma qualidade muito boa

    ela aproveita mais os espaos para suas marcaes. Quando a edio mais rara ou

    mais bonita, ela prefere anotar em folhas de papel que deixa nas pginas que so

    interessantes.

    J o Entrevistado 2 nos respondeu, antes mesmo de chegar pergunta sobre o

    assunto, que no tem a oportunidade de ler tudo que possui. Ele diz ser um

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    comprador em excesso, mas que no deixa de comprar, pois sabe que em algum

    momento aquele livro vai ser lido. Declarou que s vezes, ao ouvir falar sobre um

    livro, percebe que o possui em sua coleo e que ele o pega para ler.

    Ainda diferentemente da Entrevistada 1, ele nunca deixa marcas pessoais ou

    anotaes em seus livros. O mximo que pode haver so livros autografados, pois

    ele acredita que ao marcar o livro voc deixa sua impresso pessoal nele e por ter o

    hbito de emprestar ele prefere que as pessoas no leiam a obra com um olhar

    premeditado do que ele teve das partes que julgou mais importante. Para ele, o grifo

    nas pginas tira a liberdade da leitura virgem e j impe uma leitura com opinies

    e significados.

    Percebemos que nessa categoria h algumas divergncias entre os

    colecionadores quanto oportunidade de ler tudo que possui, j que a Entrevistada 1

    utiliza todos os seus livros, nem que seja como material de referncia, e o

    Entrevistado 2 tem muitas obras que ainda no foi possvel abrir.

    Observaes pessoais: essa categoria levou em considerao apenas a ltima

    pergunta da entrevista, que pediu ao entrevistado que falasse sobre seus sentimentos

    quanto a sua coleo.

    A Entrevistada 1 interpretou sua coleo como algo que a define. Disse que

    uma parte essencial de sua vida e que realmente uma parte, uma extenso dela

    mesma.

    J o Entrevistado 2 observou que no tem um sentimento de posse, tanto que

    a coleo aberta a quem quiser, mas que possui sim uma afetividade com

    determinadas obras que rel a qualquer momento e determinados autores que so os

    preferidos.

    Observamos que a coleo um alicerce para ambos, sustenta oconhecimento e a afetividade de cada um pelos seus objetos, com a diferena de que

    o Entrevistado 2 tem esse gosto por emprestar suas obras, o que ele deixa sempre

    bem claro.

    Assim, possvel dizer que os colecionadores tm grande parte das

    caractersticas em comum com algumas particularidades. Estas so o fator

    diferenciador das colees: so os detalhes que cada colecionador impe que as

    tornam diferentes umas das outras.

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    Vemos essas caractersticas nas colees de livros. Eles devolvem os

    sentimentos dos colecionadores com suas histrias mais variadas, como

    conhecimento, diverso ou cultura. No importa se antigo ou em edio ruim. Se

    desperta algum sentimento no colecionador, esses fatos no sero considerados. O

    livro na coleo diferente a cada poca, pois cada momento em que lido ele pode

    representar um universo e ter um significado totalmente diferente.

    6 Consideraes finais

    Com essa pesquisa foi possvel realizar um estudo do colecionismo bibliogrfico,

    desde uma perspectiva que adentrasse no mbito das relaes e representaes

    pessoais que explicasse a formao de bibliotecas. Nesse sentido, observamos que

    dentro do colecionismo, a bibliografia adquire nuances especficas na relao

    estabelecida com o objeto livro.

    Retomando o conceito de semiforo, vemos que o livro no apenas um

    objeto visvel e material, ele a partir do momento que chega s mos de seu

    destinatrio, da coleo que lhe abrigar, dotado de significados invisveis que sero

    extrados por aquele que o coleciona, que o l e dessa forma ele se torna um

    semiforo, investido de significados e sentimentos que completar aquela coleo.

    Mesmo depois de j ter seu lugar de destino na coleo, seu espao

    devidamente ocupado e com suas representaes slidas, como um semiforo o livro

    no se limita a apenas um significado, uma funo, ele pode ser acrescido de muitas

    outras no decorrer da vida daquela coleo, ou por outro lado, diminudo de

    algumas, os semiforos so assim: podem se transformar, mudar de lugar e de

    significado se mantendo semiforos e mantendo tambm sua funo principal, por

    exemplo. Isso um pouco do que vimos com nossas entrevistas, livros que tem sua

    funo principal enraizada, mas que ao decorrer dos anos so apresentados a novas

    outras.

    Detendo-nos a essas funes vemos que os colecionadores observados

    buscavam atingir por meio de sua coleo a possibilidade de leitura a outras pessoas,

    dar a oportunidade do conhecimento e descoberta desse mundo, seja o uso pessoal

    ou crescimento individual como uma pessoa com mais conhecimento e disposta a

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    passar esse conhecimento a outras.

    As colees podem ter as mais variadas formas, tamanhos e organizaes,

    mas foi possvel perceber que o sentimento principal, as maneiras como elas se

    iniciam e o modo de adquirir e cuidar dos livros so semelhantes. A procura de

    capturar as maravilhas atravs da leitura e dos livros para traz-las para o reino dos

    bens pessoais comum. a tentativa de dar sentido e marcar de um modo diferente

    a vida que se tem.

    As colees so todas pequenas junes sagradas de diferentes passados,

    fugas do presente, afirmaes de personalidade, de saudade e esperana, misses de

    resgate destinadas a salvar da extino algo que outros no hesitariam em jogar fora.

    Assim, colecionar sempre preencher um vazio. A coleo sempre sobreviver

    como um conjunto, um organismo ou personalidade e, esteja onde estiver, sempre

    falar pelo colecionador.

    Colecionar esquecer tudo que se sabe sobre algo para aprender novamente

    a cada dia. Cada nova aquisio da coleo como se fosse a primeira: se esquece

    para adquirir outra verdade sobre os objetos em questo, a verdade que o

    colecionador vai construir e viver. Dessa forma, as colees formam uma ponte

    entre nosso mundo limitado e outro muito mais abrangente e rico, como imagem

    reflexa do colecionador, com suas regras e seu prprio poder.

    Referncias

    ANCIES, Alfredo Ramos. Quando objectos de coleco falam das(tele)comunicaes. Episteme, Porto Alegre, n. 21, jan./jun. 2005. Suplemento

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    BUENO, Silveira. Minidicionrio da Lngua Portuguesa. So Paulo: FTD, 1996.

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    Formation of libraries: an approach from the perspective ofcollectionism.

    Abstract: The present article aims to contribute with studies of collectionism andcollectors, enphazising speacially the relations with books. The study is the result oftwo interviews, which were specially designed to better understand the

    particularities of the book collectors and their relationship with time and space. The

    results can support the idea that the relation with books, as collectable objects, aredifferent from any other object.

    Keywords:Collectionism. Collections. Personal libraries. Books.

    Recebido: 04/03/2013Publicado: 19/12/2013

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