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10 o Colóquio de Moda – 7 a Edição Internacional 1 o Congresso Brasileiro de Iniciação Científica em Design e Moda 2014 A ARTE NA PUBLICIDADE DE UMA MARCA DE LUXO Art in Advertising of a Luxury Brand Caraciola, Carolina Boari; Doutoranda; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), [email protected] 1 Resumo Por meio de uma análise interdisciplinar de elementos pertencentes aos campos da moda, arte e história da cultura, o presente trabalho busca analisar a interação entre arte, publicidade e luxo. Tem-se como escopo investigar em qual medida e de que forma a publicidade participa do processo de auratização da mercadoria, através da análise de uma campanha publicitária da marca Louis Vuitton. Palavras-chave: arte; publicidade; luxo; moda; Louis Vuitton. Abstract Through an interdisciplinary analysis of elements belonging to the fields of fashion, art and cultural history, this paper seeks to analyze the interaction between art, advertising and luxury. Has scoped to investigate to what extent and how the advertising part of the process auratização merchandise, through the analysis of an advertising campaign for Louis Vuitton. Keywords: art; advertising; luxury; fashion; Louis Vuitton. Introdução O objeto do presente trabalho versa a campanha publicitária da marca de luxo Louis Vuitton, primavera / verão – 2007, estrelada pela atriz Scarlett Johansson, um material extremamente sofisticado que reflete o status de luxo da marca, além de possibilitar uma série de interpretações e comparações com obras de arte. Neste momento de estudo da campanha e de suas influências, recorremos à história da arte e descobrimos a obra “O Balanço” de Jean – Honoré Fragonard, datada de 1767. A referida pintura pertence ao estilo Rococó e permite inúmeras analogias com a publicidade da Louis Vuitton, o que nos faz acreditar que tenha sido a principal fonte de inspiração para a campanha publicitária. No que tange à metodologia, este trabalho caracteriza- 1 Doutoranda em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica PUC/SP. Mestre em Educação, Arte e História da Cultura, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atua como docente em cursos de graduação e pós graduação em Comunicação e Marketing. Pesquisa e estuda o mercado de luxo.

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10o Colóquio de Moda – 7a Edição Internacional 1o Congresso Brasileiro de Iniciação Científica em Design e Moda

2014

A ARTE NA PUBLICIDADE DE UMA MARCA DE LUXO

Art in Advertising of a Luxury Brand

Caraciola, Carolina Boari; Doutoranda; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), [email protected] 1

Resumo

Por meio de uma análise interdisciplinar de elementos pertencentes aos campos da moda, arte e história da cultura, o presente trabalho busca analisar a interação entre arte, publicidade e luxo. Tem-se como escopo investigar em qual medida e de que forma a publicidade participa do processo de auratização da mercadoria, através da análise de uma campanha publicitária da marca Louis Vuitton. Palavras-chave: arte; publicidade; luxo; moda; Louis Vuitton. Abstract Through an interdisciplinary analysis of elements belonging to the fields of fashion, art and cultural history, this paper seeks to analyze the interaction between art, advertising and luxury. Has scoped to investigate to what extent and how the advertising part of the process auratização merchandise, through the analysis of an advertising campaign for Louis Vuitton. Keywords: art; advertising; luxury; fashion; Louis Vuitton. Introdução

O objeto do presente trabalho versa a campanha publicitária da marca

de luxo Louis Vuitton, primavera / verão – 2007, estrelada pela atriz Scarlett

Johansson, um material extremamente sofisticado que reflete o status de luxo

da marca, além de possibilitar uma série de interpretações e comparações com

obras de arte. Neste momento de estudo da campanha e de suas influências,

recorremos à história da arte e descobrimos a obra “O Balanço” de Jean –

Honoré Fragonard, datada de 1767. A referida pintura pertence ao estilo

Rococó e permite inúmeras analogias com a publicidade da Louis Vuitton, o

que nos faz acreditar que tenha sido a principal fonte de inspiração para a

campanha publicitária. No que tange à metodologia, este trabalho caracteriza-

1 Doutoranda em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica PUC/SP. Mestre em Educação, Arte e História da Cultura, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atua como docente em cursos de graduação e pós graduação em Comunicação e Marketing. Pesquisa e estuda o mercado de luxo.

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se como sendo essencialmente teórico, propondo-se a analisar o mercado de

luxo, o histórico da marca Louis Vuitton até contemplar a questão da aura da

obra de arte - teoria desenvolvida por Walter Benjamin, pensador da Escola de

Frankfurt - bem como sua desauratização e consequente auratização da

mercadoria. A metodologia adotada consiste na pesquisa bibliográfica, sendo a

análise do material pesquisado realizada de forma seletiva, crítica e reflexiva,

contemplando, ainda, a averiguação, estudo e análise dos projetos já

existentes e desenvolvidos nas áreas de comunicação, moda, sobretudo, no

que se refere ao mercado de luxo, quer no Brasil como também em outros

países, tendo em vista o levantamento de variáveis comuns no

desenvolvimento deste estudo. Para tanto, fez-se necessária a leitura e

compreensão de autores tais como: Charles Baudelaire; Danielle Allérès; Jean

Baudrillard; Walter Benjamin; Marshall Berman; Jean Castarède; Gilles

Lipovetsky; Jesús Martin-Barbero; Taisa Helena Pascale Palhares; Rainer

Rochlitz. Destarte, pudemos estabelecer como problema de pesquisa a

importância da publicidade na desauratização da obra de arte e auratização da

mercadoria, ou seja, como a publicidade é responsável e como participa desse

processo. Desta forma, o trabalho “A Arte na Publicidade de uma Marca de

Luxo” tem como escopo analisar a interação entre arte, moda, publicidade e

luxo, bem como o processo de desauratização da arte e consequente

auratização da mercadoria.

1. O Mercado do Luxo

Em todas as épocas, uma classe ou uma elite da população se entregou aos prazeres do uso de objetos de luxo, para fins religiosos, tribais ou exclusivamente profanos. Esses usos são principalmente a marcação de uma fronteira intransponível entre essa classe favorecida e o resto da população (ALLÉRÈS, 2006, p. 99).

Em um primeiro momento, o luxo era restrito à nobreza, como forma de

exteriorizar e perpetuar a desigualdade social, bem como manter-se no poder.

Porém, com a ascensão da burguesia, durante os séculos XVIII e XIX, em

decorrência dos ganhos com as atividades mercantis, a referida classe passou

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a copiar as tradições dos nobres e a penetrar no mercado do luxo. Nas duas

últimas décadas, o luxo se emancipou das ordens sagrada e hierárquica,

tornando-se um segmento globalizado e disponível a um número maior de

pessoas. Dentre os países emergentes, o Brasil é o que apresenta maior

crescimento neste setor, apresentando uma forte contradição entre uma

grande parcela da população que ganha, mensalmente, menos do que o

necessário para manter sua família e uma pequena cota de endinheirados,

estimando-se que:

os brasileiros gastem 1,5 bilhão de dólares por ano em produtos de alto luxo – incluindo-se nessa categoria carros, cosméticos, bebidas, vestuário, acessórios e imóveis (...). O carro-chefe desse consumo é a classe dos muito ricos. São os 105.000 brasileiros com renda familiar superior a 50.000 reais mensais (...).2

O mercado do luxo passa por uma forte mutação organizacional. As

pequenas empresas familiares, que produziam artigos em pequena escala e de

forma artesanal, cederam espaço aos conglomerados do luxo, ou seja, grupos

globalizados que controlam sob um mesmo guarda-chuva uma série de marcas

renomadas. Tal transformação no cenário do luxo tem como principal resultado

a criação de produtos que conservam as características esperadas, tais como:

qualidade, excelência, tradição, mas em maior quantidade, acessíveis a uma

parcela maior de consumidores, mas ainda assim, raros para conservar a aura

de exclusividade e o preço elevado.

Antigamente reservados aos círculos da burguesia rica, os produtos de luxo progressivamente ‘desceram’ à rua. No momento em que os grandes grupos apelam a managers oriundos da grande distribuição e treinados no espírito do marketing, o imperativo é de abrir o luxo ao maior número, de tornar o ‘inacessível acessível’ (LIPOVETSKY; ROUX, 2005, p. 14).

Os grupos que lideram o segmento do luxo mundial são:

LVMH (Moët Hennessy Louis Vuitton) que controla marcas tais como:

Louis Vuitton; Christian Dior; Donna Karan; Fendi; Guerlain; Veuve Clicquot;

2 CARELLI, Gabriela. Revista Veja. Edição 1838, 28 de janeiro de 2004.

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Tag Heuer; Dom Perignon; Loewe; Givenchy; Kenzo; Moët & Chandon;

Hennessy; Sephora, dentre outras;

Richemont: responsável pelas grifes Cartier; Montblanc; Lagerfeld;

Chloé; Lancel, dentre outras;

PPR (Pinault-Printemps-Redoute) que abriga sob seu guarda-chuva as

seguintes marcas: Gucci; Yves Saint Laurent; Oscar de la Renta; Ermenegildo

Zegna; Nina Ricci, dentre outras.

O luxo se democratizou e se modernizou. Além dos conglomerados de

luxo, outros fatores contribuíram para tal situação, tal como um alto

crescimento no número de marcas, intenso investimento em publicidade e

ampliação das redes de distribuição dos produtos. A divulgação dos artigos de

luxo tem como função principal destacar o caráter quase imaterial dos mesmos,

de ressaltar sua aura de sonho, de apresentar sua beleza e qualidade.

Prelecionam Gilles LIPOVETSKY e Elyette ROUX (2005, p.137):

O marketing de uma marca de luxo deve, então, contribuir para salientar sedução, emoções, prazer, estética – no sentido etimológico do termo -, isto é, fazer experimentar e sentir uma emoção, fazer partilhar valores comuns e não apenas salientar benefícios – produtos tangíveis, como pode bastar para os produtos de consumo corrente. As marcas de luxo devem igualmente justificar seu valor agregado por sua legitimidade e identidade.

Outro fator de destaque refere-se à modificação do comportamento do

consumidor mediante a compra de produtos considerados supérfluos. O luxo

passou a ser entendido como uma recompensa, algo a que o consumidor tem

direito, uma resposta às suas necessidades:

Nossa época vê manifestar-se o ‘direito’ às coisas supérfluas para todos, o gosto generalizado pelas grandes marcas, o crescimento de consumos ocasionais em frações ampliadas da população, uma relação menos institucionalizada, mais personalizada, mais afetiva com os signos prestigiosos: o novo sistema celebra as bodas do luxo e do individualismo liberal. Mutações que convidam a reconsiderar o sentido social e individual dos consumos dispendiosos, bem como o papel tradicionalmente estruturante das estratégias distintivas e dos afrontamentos simbólicos entre os grupos sociais (LIPOVETSKY; ROUX 2005, p.16).

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Neste contexto, muito se discorre a respeito de bens de luxo, sobre os

lucros que esse mercado oferece, sendo necessário também, elencar as

principais características de um produto de luxo que, segundo Danielle

ALLÈRÈS (2006, p. 109) “encerra todos os qualificativos da perfeição, em

todos os níveis de sua existência e de seu itinerário, até o consumidor.” Ainda

de acordo com a autora, os produtos de luxo devem ser singulares quanto à

sua concepção, realização, acondicionamento, preço, distribuição e

comunicação. Os artigos de luxo são confeccionados com materiais nobres,

cuidados artesanais, buscam o refinamento dos detalhes e do acabamento,

além de possuírem um alto controle de qualidade. Desta forma, quanto maior a

perfeição do produto final, maior será seu grau de preciosidade, mais elevado

será seu valor de culto. De acordo com Jean CASTARÉDE (2005, p. 151) “(...)

o produto de luxo é um produto que conta uma história”.

Um produto de luxo é um conjunto: um objeto (produto ou serviço), mais um conjunto de representações: imagens, conceitos, sensações, que são associados a ele pelo consumidor e, portanto, que o consumidor compra com o objeto e pelos quais está disposto a pagar um preço superior ao que aceitaria pagar por um objeto ou um serviço de características funcionais equivalentes, mas sem essas representações associadas (LIPOVETSKY; ROUX, 2005, p. 127).

Como já fora citado, o luxo se democratizou e, atualmente, não é mais possível

conceber uma única forma de luxo, não há como se enquadrar todos os artigos

em um único contexto de luxo, nem destiná-los a uma classe específica e

limitada de consumidores, uma vez que “(...) o luxo ‘estilhaçou-se’, não há mais

um luxo, mas luxos, em vários graus, para públicos diversos” (LIPOVETSKY;

ROUX 2005, p.15). Sendo assim, os produtos de luxo podem ser divididos em

três categorias, de acordo com seu grau de acessibilidade:

Superluxo: são os considerados produtos top de linha, extremamente

caros, prestigiosos, apresentam elevado grau de perfeição e características

sensíveis de luxo. A fabricação é realizada artesanalmente, possuindo normas

rígidas de produção e uma distribuição estritamente seletiva. São acessíveis a

poucos consumidores e podem ser exemplificados pelas obras de arte;

palácios; alta joalheria; alta costura; iates e aviões particulares;

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Luxo Intermediário: Nele, encontram-se objetos elegantes que vêm envoltos numa aura de bom gosto e refinamento, mas que estão mais para derivações do luxo. É o que resulta da escolha deliberada de um artigo pelo qual se aceita pagar mais por causa da marca ou de alguma conotação valorizadora (por exemplo, o isqueiro Cartier, uma gravata Hèrmes ou uma bolsa Vuitton) (CASTARÈDE, 2005, p. 84).

São produtos mais acessíveis em relação aos artigos de superluxo, mas

que conservam características de distinção, sofisticação e prestígio em

comparação aos produtos de consumo corrente. Encontram-se disponíveis a

uma maior parcela de consumidores, que buscam, nesses artigos, símbolos

que representem seu elevado poder aquisitivo. São exemplos de tal segmento

as coleções prêt-à-porter;

Luxo Acessível: são produtos mais acessíveis e de maior conhecimento,

inclusive por apresentarem maior divulgação em relação aos pertencentes aos

outros níveis de luxo. Em função de uma ampla distribuição, muitas vezes,

coabitam no ponto de venda com produtos de massa. Esse segmento é

composto por perfumes; cosméticos; gastronomia; vinhos e destilados.

Outro fator de grande relevância no mercado do luxo tange à tradição.

Característica essencial de todo produto de luxo é possuir uma história, um

passado e desta forma, as marcas cumprem o papel de suportar a referida

tradição, de representarem o aval de qualidade de cada produto ofertado. “Em

matéria de luxo, a marca é primordial. É quase tão importante quanto o

produto. É portanto um patrimônio” (CASTARÈDE, 2005, p.107). A marca de

luxo é legitimada por sua qualidade, criatividade, originalidade, história, raízes,

personalidade, devendo ser considerada um mito. O processo de mitificação de

uma marca é vital para sucesso no mercado do luxo, sendo o responsável por

sua longevidade. Muitas são as marcas de luxo existentes no mercado, cada

qual com suas peculiaridades, produtos, histórias e posicionamentos.

O presente trabalho focará a grife francesa Louis Vuitton, que surgiu em

1854, passou por uma série de transformações e conseguiu consolidar seu

nome como sinônimo de luxo e sofisticação até os dias atuais.

A Louis Vuitton apresenta uma característica interessante que a destaca

das demais marcas, absorve as novas tendências sem perder seu referencial

histórico, ou seja, ao mesmo tempo que passa por processos de

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modernização, mantém sua tradição, suas raízes, seus vínculos com o

passado registrados em seus produtos. A referida grife oferta artigos

classificados como luxo intermediário, ou seja, acessíveis a uma ampla parcela

de consumidores que, embora fabricados em larga escala, preservam a

qualidade, refinamento, tradição, ou seja, preservam sua aura de luxo.

Fazendo uma análise mais aprofundada, constata-se que também há um

enquadramento da Louis Vuitton no segmento de superluxo, uma vez que a

marca confecciona produtos sob medida, encomendas especiais de clientes

extremamente ricos ou artistas que pagam valores altíssimos para realizarem

seus desejos de consumo.

1.2. Histórico Louis Vuitton A história da marca inicia-se juntamente com a de seu fundador

homônimo. Louis Vuitton nasceu em 1821, em Anchay, na França. No ano de

1835 iniciou uma viagem de aproximadamente 400 quilômetros, caminhando

em direção a Paris. Como não possuía recursos financeiros, executou uma

série de serviços temporários para custear sua jornada, sendo um de tais

ofícios, o de aprendiz de artesão de malas para viagem. 3

O século XIX marcou um período de transformações no cenário mundial,

principalmente na França, aonde surgiu a Louis Vuitton. As viagens passaram

a ser uma conseqüência do desenvolvimento dos meios de transporte, uma

vez que surgiram os trens, os navios de cruzeiros e, com isso, uma maior

necessidade de adequação das bagagens.

A primeira boutique Louis Vuitton foi inaugurada no ano de 1854, em

Paris, na Rue Neuve de Capucine, apresentando uma clientela composta por

nobres que procuravam bagagens capazes de transportar seus pertences com

segurança nos trens e navios da época, durante as longas viagens realizadas.

A Paris das festas imperiais é o mundo no qual surgiu Louis Vuitton. Em meados do século 19, a França pós-revolução segue sob o lema do enriquecimento. Festas prodigiosas, fausto, opulência nas roupas

3 Os dados históricos a respeito da marca Louis Vuitton, constantes neste artigo, foram pesquisados no site da marca: www.louisvuitton.com, bem como no livro editado pela empresa: Louis Vuitton. L´art de traverser le temps. França, 1997.

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femininas. Quando os ricos e elegantes viajam, é preciso dobrar e embalar criteriosamente os vestidos confeccionados sob medida. 4

Neste período o prestígio de Louis Vuitton já era alto, uma vez que o

mesmo confeccionava artesanalmente as bagagens da imperatriz Eugênia,

mulher de Napoleão III, reconhecida por sua elegância e cultura, sendo a

responsável por apresentar os produtos da marca à aristocracia e aos mais

importantes costureiros da época. Vuitton começou vendendo baús de pouco

peso e herméticos, características que facilitavam o empilhamento e manuseio

nas viagens. Existem relatos de que os únicos baús que conservaram seus

conteúdos inabalados pela água, durante o naufrágio do navio Titanic, foram os

da marca Louis Vuitton.

Curiosamente, um homem simples, que jamais teria condições de fazer uma viagem, cria baús com um novo design, introduz materiais e revestimentos que trazem mais proteção às bagagens e ao seu conteúdo. Ao empreender essa seqüência de inovações, Louis Vuitton inaugura uma nova profissão, a de malletier. Com ela, irá revolucionar a arte de viajar.5

A demanda por produtos da marca aumentou e, no ano de 1885, foi

inaugurada a primeira loja Louis Vuitton em Londres, iniciando uma era de

expansão e reconhecimento internacionais. O principal diferencial da Louis

Vuitton e, talvez, uma das principais razões para seu êxito desde sua criação

até os tempos atuais é estar à frente de seu tempo, descobrindo e oferecendo

soluções para as mais variadas necessidades de seus consumidores,

possuindo, por exemplo, um departamento para encomendas especiais.

A marca começou a se transformar em referencial de desejo e

sofisticação, passando a ser alvo de imitações. No ano de 1896, Georges, filho

de Louis Vuitton criou o ícone da grife, o Monograma Canvas, como estratégia

para impedir a falsificação de seus produtos. O referido logotipo foi concebido a

partir de tendências da era Vitoriana, com elementos japoneses e orientais.

Neste mesmo período a marca começou a vender para os Estados Unidos.

Somente a partir de 1892 a Louis Vuitton começou a produzir bolsas

como consequência da necessidade apresentada pelos consumidores em 4 CARTA, Patrícia. No topo do mundo. Revista Vogue Brasil – especial Louis Vuitton – 150 anos de luxo, p. 16. 5 CARTA, Patrícia. No topo do mundo. Revista Vogue Brasil – especial Louis Vuitton – 150 anos de luxo, p. 16.

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realizar pequenos passeios e viagens mais curtas e, com isso, não precisarem

carregar muitos pertences consigo. Desde então, as bolsas Louis Vuitton foram

ganhando novas formas e, atualmente, são referência de moda e consideradas

verdadeiros objetos de desejo. No ano de 1914, início da I Guerra Mundial, a

companhia abriu a maior loja de artigos de couro para viagens da época,

situada em Paris, na Champs-Élysées, uma das avenidas mais famosas do

mundo, por concentrar marcas de luxo e sofisticação. Em 1987, a marca Louis

Vuitton passou por um processo de aquisição, deixando de ser dirigida pela

família e sendo controlada pelo grupo LVMH (Moët Hennessy Louis Vuitton), o

maior do mundo no segmento de luxo.

2. Publicidade e Arte

A campanha publicitária da marca Louis Vuitton, primavera / verão –

2007 utilizou a imagem da atriz Scarlett Johansson, uma diva do cinema, com

traços perfeitos, estilo marcante, glamour, sofisticação e notoriedade

internacional, ou seja, características em comum de seus produtos, de sorte a

propor a identificação da modelo com os artigos ofertados. Em todas as

fotografias da campanha bolsas diferentes são apresentadas, estampando a

marca Louis Vuitton, como se esta fosse a assinatura do pintor da tela,

iniciando-se assim, um contexto de desauratização da obra de arte e

consequente auratização da mercadoria, ou seja, a arte transfere sua aura ao

produto, fato este possível através do uso da publicidade, ou seja, em um

mundo desencantado, aonde a arte perdeu sua aura, a publicidade usa de uma

série de artifícios para transferir o halo aos artigos que oferta.

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(Figura I: Quadro comparativo: “O Balanço”, Jean – Honoré Fragonard e Campanha Louis Vuitton. Desauratização da obra de arte e conseqüente auratização da mercadoria)

3. Auratização da Mercadoria Para Karl Marx (1818 - 1883), a mercadoria é vista como o elemento

mais geral da riqueza capitalista, uma vez que admite a forma social a ser

imposta a todos os produtos e processos sociais. O autor de O Capital (1867)

analisa que a própria força de trabalho humana se transforma em mercadoria

quando passa a ser assalariada. Cada mercadoria possui um valor de uso,

representado por sua utilidade, pela capacidade de satisfazer as necessidades

de cada indivíduo, bem como um valor de troca, que aparece “inicialmente

como a relação quantitativa, a proporção pela qual se intercambiavam valores

de uso de um tipo por valores de uso de outro tipo” (MARX, 2006, p.15). Marx

também analisa que as mercadorias aparecem aos homens como objetos

dotados de vida própria, ocorrendo uma inversão entre o papel social das

coisas e das pessoas, fenômeno este, que ele definiu como o “fetiche da

mercadoria”.

Em um contexto de mundo desencantado, no qual a arte passou pelo

processo de desauratização, surge a mercadoria auratizada em função da

publicidade, com suas técnicas de persuasão e construção de cenários, aonde

os produtos tornam-se essenciais para a satisfação de necessidades e

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enquadramentos sociais. Desta forma, a publicidade passa a desempenhar a

função de mitificação da mercadoria: “É a era da publicidade criativa, da festa

espetacular: os produtos devem tornar-se estrelas, é preciso transformar os

produtos em ‘seres vivos’, criar ‘marcas pessoa’ com um estilo e um caráter”

(LIPOVETSKY, 1989, p. 187).

As qualidades auráticas dos artigos ofertados passam a compor a

comunicação, ou seja, o produto deixa de ser visto como um simples bem de

consumo para se transformar em uma peça com tradição, unicidade,

autenticidade, algo que deva ser cultuado e fortemente desejado. No mercado

do luxo essa situação é privilegiada, uma vez que o próprio produto oferecido

já é conceituado como diferenciado, superior em relação aos bens de consumo

corrente.

Desta forma, os produtos de luxo exploram ainda mais uma aura de

sonho, uma conotação quase imaterial. “Enquanto os produtos de consumo

corrente correspondem a benefícios de tipo funcional, as marcas de luxo

remetem a benefícios simbólicos” (LIPOVETSKY; ROUX 2005, p.136). O luxo é

uma forma de diferenciação, a aura do produto torna possível a distinção de

seu usuário, um fenômeno correspondente ao que ocorre no poema de

Baudelaire, “A Perda do Halo”, porém, ao contrário, uma vez que neste caso,

haverá a participação da publicidade, que não renegará a aura, muito menos a

desprezará, mas sim, será a responsável pela sua transferência à mercadoria,

fazendo com que, aquele que a adquirir, passe a incorporá-la, tornando-se um

indivíduo singular.

Sendo assim, uma bolsa Vuitton é muito mais que um objeto com alças

utilizado para guardar pertences, é uma mercadoria com aura, um objeto de

diferenciação, um símbolo de ostentação. Para muitos, é um artigo com valor

de culto, adorada por quem a possui, cobiçada por quem a deseja, sendo

reconhecida como sinônimo de status, glamour e sofisticação, em qualquer

parte do planeta. A marca Louis Vuitton conta uma história, possui tradição,

sua origem tem fortes ligações com a nobreza, seus consumidores, via de

regra, são formadores de moda, como por exemplo uma gama de artistas que

exibem o logotipo LV.

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Contudo, se dentre outras causas o processo de desauratização da obra

de arte ocorre em função da reprodutibilidade técnica, pode-se afirmar que a

auratização da mercadoria é realizada pela publicidade, uma ação de

persuasão comunicacional que não cria necessidades, apenas desperta a

atenção do indivíduo para desejos que o mesmo já possui.

4. Considerações Finais

A conclusão deste trabalho permite a análise de uma série de questões.

O luxo sempre esteve presente na sociedade, primeiramente utilizado na

prática de costumes tribais, posteriormente para fins religiosos. A nobreza fazia

uso do luxo como forma de exteriorizar e perpetuar a desigualdade social, bem

como manter-se no poder. Porém, com a ascensão da burguesia durante os

séculos XVIII e XIX, em decorrência dos ganhos com atividades mercantis, a

referida classe passou a copiar as tradições dos nobres e a penetrar no

mercado do luxo. Nas duas últimas décadas, o luxo se emancipou das ordens

sagrada e hierárquica, tornando-se um segmento globalizado e disponível a um

número maior de pessoas. Atualmente o mercado do luxo movimenta bilhões

de dólares anualmente, sendo que as pequenas empresas familiares, que

produziam artigos em pequena escala e de forma artesanal, cederam espaço

aos conglomerados globalizados, tendo como principal conseqüência a oferta

de produtos que, embora fabricados em maior escala, conservam as

características esperadas, tais como: qualidade, excelência, tradição, ou seja,

continuam raros por conservar uma aura de exclusividade. A marca Louis

Vuitton também passou por esse processo de aquisição, sendo controlada

desde 1987 pelo grupo LVMH (Moët Hennessy Louis Vuitton)

A marca Louis Vuitton apresenta artigos definidos como superluxo, no

que tange às encomendas sob medida, ou seja, pedidos especiais realizados

por artistas ou consumidores de altíssimo poder aquisitivo, mas de uma forma

geral, a grife enquadra-se no segmento de luxo intermediário.

A arte perde sua aura, porém a mesma não desaparece, é transferida à

mercadoria através do uso de técnicas publicitárias que mitificam o produto

ofertado. Ocorre, desta forma, um processo semelhante ao vivenciado pelo

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poeta em “A Perda do Halo”, de Baudelaire, mas ao inverso, uma vez que a

publicidade não renegará a aura, muito menos a desprezará, mas sim, será a

responsável pela sua transferência ao produto, fazendo com que, aquele que o

adquirir, passe a incorporá-la. Tal afirmativa pode ser exemplificada através da

análise do objeto de pesquisa – campanha publicitária Louis Vuitton – sendo

possível perceber como a marca, através de suas campanhas publicitárias,

auratiza sua mercadoria, fazendo com que seus produtos sejam sinônimos de

tradição, unicidade, autenticidade, luxo e sofisticação.

5. Referências

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Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. CASTARÈDE, Jean. O Luxo. Os segredos dos produtos mais desejados no

mundo. Tradução de Mário Vilela. São Paulo: Barcarolla, 2005.

HOBSBAWM, Eric. A Era do capital, 1848-1875. Tradução de L. Costa Neto.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

LIMA, Luiz Costa. Teoria da cultura de massa. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

LIPOVETSKY, Gilles; ROUX, Elyette. O Luxo eterno. Da idade do sagrado ao

tempo das marcas. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia

das Letras, 2005.

LIPOVETSKY, Gilles. O Império do efêmero. A moda e seu destino nas

sociedades modernas. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo:

Companhia das Letras, 1989.

LIPOVETSKY, Gilles. A Felicidade paradoxal. Ensaio sobre a sociedade de

hiperconsumo. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das

Letras, 2007.

LVMH. Louis Vuitton. L´art de traverser le temps. França, 1997.

MARX, Karl. A mercadoria. Jorge Grespan traduz e comenta. São Paulo:

Ática, 2006.

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São Paulo: Barracuda, 2006.

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PIERUCCI. Antonio Flávio. O desencantamento do mundo. Todos os passos

do conceito em Max Weber. São Paulo: USP, Curso de Pós-Graduação em

Sociologia; Ed. 34, 2003.

SEMPRINI, Andrea. A marca pós-moderna: poder e fragilidade da marca na

sociedade contemporânea. São Paulo: Estações das Letras Editora, 2006.

PERIÓDICOS Revista Veja. Edição 1838, 28 de janeiro de 2004. Revista Veja. Edição 2035, 21de novembro de 2007.

Revista Vogue Brasil – especial Louis Vuitton – 150 anos de luxo.