COLQUHOUN - O Conceito de Regionalismo

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  • 7/22/2019 COLQUHOUN - O Conceito de Regionalismo

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    O CONCEITO DE REGIONALISMO Alan Colquhoun

    Artigo em peridico Revista Projeto 159, out. 96 p.75-78

    SABI: Biblioteca da Faculdade de Arquitetura UFRGS

    O autor remonta ao contexto histrico que deu origem a conceituao regionalista, comparando conceitos-

    chave na formao da doutrina do regionalismo, principalmente a oposio entre racionalismo e

    romantismo. Trata do assunto, portanto, como um conflito de ideologias, que de certa forma predominou

    durante todo sculo XIX e parte do sculo XX. Por fim questiona o sentido da aplicao do termo e da nova

    definio proposta por Tzonis e Lefaivre (Regionalismo Crtico);

    Colquhoun, Alan. O conceito de regionalismo. In: Projeto. Sao Paulo n.159 (dez. 1992), p.75-78

    1 Inicialmente o autor situa o termo regionalismo em seu contexto histrico, comeando pelas vanguardas

    do incio do sculo XX. Ele diz que essas vanguardas tem sido observadas a partir de duas perspectivas

    contraditrias: (1) como herdeiras dos princpios do Iluminismo ou (2) como herdeiras do romantismo

    (inimigas do Iluminismo).

    2 O autor comenta que, aparentemente, a corrente adepta ao universalismo e racionalismo parece ter

    triunfado, dando como exemplo movimentos como o De Stijl, Neue Sachlichtkeit, e a obra de Le

    Corbusier (todos, basicamente, racionalistas). No entanto, afirma que a situao era mais complicada e

    coloca o racionalismo como apenas uma faceta do movimento moderno.

    3 Exemplifica atravs da obra e da maturidade ideolgica de Le Corbusier, com claras influencias

    mediterraneistas (formas cbicas, paredes brancas, etc.).

    4 Afirma que nos anos 20 no ocorreu simplesmente um triunfo do racionalismo e, sim, tratava-se de um

    grande palco para um profundo conflito de ideologias. Pergunta ele: Qual a natureza desse conflito?.

    5 Para responder a pergunta remonta ao sculo 18, primrdios do romantismo e do historicismo, quando

    europeus comearam a perceber a existncia de culturas ancestrais que no eram nem da antiguidade e

    nem bblicas. Aumento do interesse no passado (passados) local . Distino entre estudo da natureza e

    estudo do homem, que demandavam mtodos diferentes: cientficos e hermenuticos,

    respectivamente.

    6 Forte efeito sobre pases de lngua alem, pois coincidia com a revolta contra a hegemonia da cultura

    francesa. Traadas genealogias para apoiar novo sentimento de nacionalidades (Inglaterra ao anglo-

    saxes e celtas; Alemanha, ao godos). Hobsbaum chama de inveno da tradio ao mencionar o

    romantismo nacional do fim do sculo 19.

    7 Para entender a doutrina do regionalismo deve-se atentar as teorias desenvolvidas no sculo 19,

    principalmente na Alemanha, em torno do problema da crescente racionalizao da vida social nocapitalismo industrial (cita Max Weber).

    8 Dentre os conceitos que os tericos alemes ps-romnticos utilizaram, dois so particulares pela sua

    reduo a uma oposio binria. O primeiro deles a distino entre Zivilization e Kultur, distino que

    era resultado da revolta alem contra a dominao cultural francesa. Zivilization significava materialismo

    aristocrtico e superficialidade frente a Kultur do Volk, menos brilhante, porm mais profunda. Com a

    disseminao do romantismo, essa distino espalhou-se para outros pases, absorvido, por exemplo,

    por Ruskin e Morris sob a forma de medievalismo, pedra fundamental do movimento Arts and Crafts.

    9 Em fins do sculo 19 a palavra Zivilization representa o racional e o universal, contra o instintivo,

    autctone e o particular. Esse conflito pode ser visto em Espao, Tempo e Arquitetura de Giedion,

    quando ele fala da separao na vida moderna entre sentimento e intelecto.

    10 A distino entre Zivilization e Kultur uma maneira produtiva de olhar para as origens dos movimentos

    nacionalistas do final do sculo 19. As manifestaes artsticas e culturais da revolta irlandesa contra o

    domnio poltico e cultural dos ingleses se observam nesse perodo. O mesmo ocorre com os catales

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    sobre os castelhanos, com os finlandeses sobre os russos e suecos. Cita exemplo da Finlndia.

    11 Noo de Kultur tomada emprestada, em esprito seno no nome, pelos movimentos chauvinistas no

    incio do sculo 19. Exemplo da Frana e Alemanha.

    12 O segundo conceito a distino entre Gemeinschaft e Gesellschaft, palavras que apresentam dois tipos

    de associao humana: (1) Gemeinschaft so aquelas que se desenvolveram organicamente, enquanto

    que Gesellschaft so as que resultam de uma deliberao racional (a mesma oposio presente em

    Kultur e Zivilization). Uma palavra implica enraizamento na terra, no lugar, enquanto outra se baseia-se

    na ideia de uma lei natural, independente de contingncias histricas ou geogrficas. Exemplos da

    primeira seria a famlia, relaes de amizade, cls, seitas religiosas. Exemplos da segunda so

    burocracias, fbricas, corporaes, onde se quer obter um fim desejado.

    13 A doutrina do regionalismo est do lado da Kultur e do Gemeinschaft. O problema que o autor quer

    apontar : nas condies do mundo de hoje, esses grupos de conceitos ainda tem sentido?

    14 O autor coloca que as ansiedades experimentadas nesses perodos no se evaporaram. Ainda h um

    sentimento de inquietude diante do homogeneizado e abstrato mundo da sociedade moderna

    (ps)industrial. O autor questiona se essas dvidas (atuais) ainda podem ser expressos adequadamente

    em termos das oposies outrora utilizadas.

    15 A doutrina do regionalismo baseada num modelo de sociedade ideal (modelo essencialista). Deacordo com ele, todas sociedades contm um ncleo, uma essncia a ser descoberta e preservada. Um

    aspecto dessa essncia repousa na geografia local, clima, costumes, envolvendo o uso e a transformao

    dos materiais locais (modelo formulado no final do sculo 18, quando os fenmenos descritos por ele

    esto prestes a desaparecer;

    16 Assim, o conceito de uma arquitetura regional no era exatamente o que parecia ser. Era mais um objeto

    de desejo que um fato objetivo. Por isso, a arquitetura do regionalismo, impulsionada pelos romnticos,

    no poderia ser essa coisa autntica, da qual se havia feito uma imagem mental, mas apena s sua

    representao. Perguntar se essa coisa autntica realmente existiu no tem fundamento, pois nosso

    nico acesso a ela atravs de sua posterior conceituao. Movimento modernista insistia em que a

    arquitetura regionalista era autntica, portanto o que se devia eliminar eram as prticas dos prprios

    romnticos, que, por seu lado, haviam invocado aspectos da Gemeinschaft a partir da mimese de suas

    formas.

    17 Eliminar as prticas dos romnticos seria irrealizvel, pois por detrs dessa capa exterior de formas

    mimticas descobrir-se-ia, apenas, um nvel mais profundo de mimese. A busca de uma autenticidade

    absoluta que a doutrina do regionalismo pressupe provavelmente ir criar um panorama muito

    simplificado de uma situao cultural muito complexa.

    18 Tzonis e Lefaivre inseriram no velho termo regionalismo o novo termo crtico e, assim, prevenir qualquer

    impulso de nostalgia regressiva. De acordo com eles o crtico significa duas coisas: (1) resistncia

    contra a apropriao de um modo de vida e uma srie de relaes humanas por conta de interesses

    econmicos e de poder alheios. Excluindo a conotao levemente marxista, o que resta nisso o

    mesmo presente em Gemeinschaft e Kultur. A palavra crtico no acrescenta nada.

    19 (2) o segundo significado de crtico o de resistir ao retorno meramente nostlgico do passado,retirando os elementos regionais de seus contextos naturais para desfamiliariz-los e criar um efeito de

    estranhamento (o autor aponta como reminiscncia do tornar estranho dos formalistas russos). O que

    est sendo apresentado como ideia nica regionalismo crtico trata-se, na verdade, de duas ideias

    separadas. Mas o problema vai alm, pois, segundo o autor, a segunda interpretao de crtico

    contradiz a primeira.

    20 Assim, conclui que qualquer tentativa de perseguir o contedo original em sua totalidade orgnica

    resulta em kitsch. Atrs da doutrina do regionalismo baseado em velhas virtudes de uma unidade social

    e artstica orgnica (e, portanto, inconsciente) encontra-se a doutrina de uma arte maneirista sofisticada

    que, conscientemente, justape elementos incongruentes para produzir combinaes instveis. Conclui

    que deve-se o termo regionalismo e procurar outras maneiras de conceituar a problemtica

    21 Autor reconhece que h variaes regionais, mas afirma que a ideia de regionalidade apenas umdentre um srie de conceito de representao arquitetnica e dar-lhe importncia especial um

    caminho j muito trilhado que no tem mais a relevncia que teve no passado.

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    22 Diz que Tzonis e Lefaivre confirmam essa colocao inconscientemente ao usar os termos silhueta,

    massa e ordenao no stio, valores que apelam aplicao universal e no dependem de

    peculiaridades de regies. Afirma que muitos projetos contemporneos utilizam de materiais, tipologias

    e morfologias locais, mas no tentam expressar a essncia de uma regio, mas utilizam caractersticas

    locais como motivo num processo compositivo.

    23 Exemplo de Siza em Haia, Holanda. Como pode um arquiteto portugus fazer regionalismo na Holanda?