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 MANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS ÀS DE ESCRAVO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO BRASÍLIA / 2011

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MANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

BRASLIA / 2011

MINISTRIO DO TRABALHO E E EMPREGO MINISTRIO DO TRABALHO EMPREGO

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BRASLIA NOVEMBRO / 2011

B823m BrasilL. Manual de Combate ao Trabalho em Condies Anlogas s de Escravo. Manual de Combate ao Trabalho em Condies anlogas s de escravo Braslia: MTE, 2011. 96 p. 1. Trabalho Escravo, Manual, Brasil. 2 .Combate Trabalho Escravo, Brasil. 3. Proteo Trabalho Escravo, Manual Brasil. I. Brasil. Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE). II. Ttulo.

CDD 341.6519

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APrEsEnTAoPrezado Colega,

Com satisfao gostaria de apresentar este Manual, cujo contedo fruto da reflexo e do trabalho de diversos Auditores-Fiscais do Trabalho que estiveram envolvidos diretamente com o combate ao trabalho anlogo ao de escravo, no decorrer dos ltimos dezesseis anos. o trabalho realizado em condio anloga de escravo ainda um dos principais problemas que assolam as relaes de trabalho de nosso pas. A experincia de quase duas dcadas de enfrentamento pautou a construo da rede de represso a essa prtica e garantiu a construo de um acervo bastante rico e diversificado de procedimentos direcionados a esse enfrentamento. Este Manual procura orientar o Auditor-Fiscal do Trabalho no enfrentamento ao trabalho em condio anloga de escravo, atualizando alguns conceitos e compilando esse acervo em um documento slido e de fcil manuseio. Por fim, gostaramos de agradecer a todos os colegas responsveis pela elaborao deste Manual. so dezenas de Auditores-Fiscais do Trabalho que h anos vm adicionando reflexes, doutrinas, questes e temas absolutamente pertinentes e oportunos, para que tivssemos alcanado este resultado que agora publicado.

Vera Lcia Ribeiro de Albuquerque secretria de Inspeo do Trabalho

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nDICEINTRODUO ...............................................................................................................6 1. DO TRABALHO EM CONDIO ANLOGA DE ESCRAVO............................................7 2. DO CONCEITO ADMINISTRATIVO DE TRABALHO ESCRAVO........................................15 3. DAS VARIVEIS A SEREM ANALISADAS ...................................................................18 3.1 Do aliciamento de trabalhadores de um local para outro do territrio nacional ................18 3.2 Da violncia contra os trabalhadores ...................................................................................19 3.3 Das restries liberdade dos trabalhadores.......................................................................19 3.4 Jornada e descanso ..............................................................................................................23 3.5 Identificao das condies de trabalho ..............................................................................23 3.6 outros fatores a serem analisados pela auditoria-fiscal do trabalho ..................................28 3.7 Ilcitos penais correlatados ...................................................................................................41 4. DAS AES FISCAIS ...............................................................................................42 4.1 Aspectos gerais ....................................................................................................................42 4.2 Apreenses/interdies/embargos .....................................................................................47 4.3 Entrevistas .............................................................................................................................47 4.4 Termo de declaraes ..........................................................................................................48 4.5 oitivas em conjunto..............................................................................................................52 4.6 reunies de avaliao ..........................................................................................................53 4.7 Identificao do empregador ...............................................................................................53 4.8 Providncias imediatas .........................................................................................................54 4.9 Emisso das guias do seguro-desemprego do trabalhador resgatado...............................55 4.10 Empregador se recusa a pagar as verbas rescisrias .........................................................57 4.11 Trmino da ao fiscal .......................................................................................................57

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5. DAS AUTUAES ...................................................................................................58 5.1 Aspectos formais e legais dos autos de infrao ................................................................58 5.2. Autos de infrao mais utilizados .......................................................................................63 6. DA ELABORAO DE RELATRIO DE AO FISCAL ...................................................79 6.1 Da capa do relatrio .............................................................................................................79 6.2 Do contedo do relatrio (texto)..........................................................................................81 6.3 Entrega/envio do relatrio de fiscalizao ...........................................................................89

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InTroDUoEm 1995 o Governo Brasileiro reconheceu oficialmente a existncia de trabalho em condio anloga de escravo no pas e comeou a tomar medidas para erradic-lo. Em relao inspeo do trabalho, isso se concretizou com a criao no mesmo ano do Grupo Especial de Fiscalizao Mvel GEFM. o Grupo Especial de Fiscalizao Mvel do Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE) composto por equipes que atuam, precipuamente, no atendimento de denncias que apresentem indcios de trabalhadores em condio anloga de escravos. As denncias so recebidas diretamente pela secretaria de Inspeo do Trabalho, pelas superintendncias regionais do Trabalho e Emprego ou pelas diversas instituies parceiras: Comisso Pastoral da Terra, Ministrio Pblico do Trabalho, Ministrio Pblico Federal, Departamento de Polcia Federal e Polcia rodoviria Federal. o Ministrio do Trabalho e Emprego, a partir de 2008, envida esforos para executar um maior nmero de aes mediante planejamento baseado em diagnstico prvio (painel de indicadores com informaes sobre os estabelecimentos rurais, perfil e origem dos trabalhadores, sazonalidade do processo produtivo, denncias anteriores, entre outros dados). Essas e outras informaes disponveis do consistncia ao planejamento de aes fiscais, de forma a reduzir a dependncia de recebimento de denncias. o MTE tem procurado tambm uniformizar a atuao dos auditores-fiscais em face de condutas que caracterizam a submisso de trabalhador condio anloga a de escravo. Periodicamente, so realizadas reunies tcnicas interinstitucionais com o intuito de debater situaes concretas e aspectos legais da interveno. so medidas que contribuem para revestir as aes de mxima segurana jurdica, de modo a evitar questionamentos judiciais. ao do Grupo Especial de Fiscalizao Mvel GEFM se soma a atuao dos grupos especiais de fiscalizao das superintendncias regionais do Trabalho e Emprego (srTE). A iniciativa reforou a presena da Inspeo do Trabalho nas atividades em que se verifica maior incidncia de irregularidades indicadoras de prtica de trabalho anlogo ao de escravo. A intensificao da fiscalizao nessas atividades estimula o cumprimento voluntrio da legislao trabalhista e contribui para inibir a prtica de reduzir trabalhadores condio anloga de escravo. os anos de atuao demonstraram que, de forma concomitante ao desenvolvimento da economia, expanso das fronteiras agrcolas, e liberao do trnsito de cidados entre pases, houve significativas alteraes nas formas de reduo de pessoas condio anloga de escravo bem como nos mecanismos utilizados para mascarar tal prtica.MANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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se as prticas ilcitas evoluem, igualmente h que evoluir o Estado nas abordagens e condutas adotadas para garantir os direitos dos trabalhadores bem como a punio dos responsveis. Alm de levar as aes fiscais aos trabalhadores impossibilitados de exercer sua cidadania necessrio que tais aes possam ser aladas a outras esferas institucionais a fim de assegurar a persecuo dos responsveis em todas as instncias possveis. Procedimentos especficos devem ser adotados nas fiscalizaes, de modo que, na eventualidade da constatao de reduo de trabalhadores condio anloga de escravo, o procedimento fiscal seja instrumento capaz de deflagrar tambm os pertinentes processos nas esferas administrativa, civil e penal, implementando atuao unvoca do Estado na abordagem das formas contemporneas de escravizao. Com este propsito foi desenvolvido o presente Manual.

1. DO TRABALHO EM CONDIO ANLOGA DE ESCRAVOPor meio da assinatura dos seguintes instrumentos do direito internacional, o Brasil se comprometeu a combater o trabalho em condio anloga de escravo: Conveno das naes Unidas sobre Escravatura de 1926, emendada pelo Protocolo de 1953 e a Conveno suplementar sobre a Abolio da Escravatura de 1956: ratificadas pelo Brasil em 1966, estabelecem o compromisso de seus signatrios de abolir completamente a escravido em todas as suas formas; Conveno no 29 sobre o Trabalho Forado ou obrigatrio (1930) da oIT: ratificada pelo Brasil em 1957, estabelece que os pases signatrios se comprometem a abolir a utilizao do trabalho forado ou obrigatrio, em todas as suas formas, no mais breve espao de tempo possvel; Conveno no 105 sobre a Abolio do Trabalho Forado (1957) da oIT: ratificada pelo Brasil em 1965. os pases signatrios se comprometem a adequar sua legislao nacional s circunstncias da prtica de trabalho forado neles presentes, de modo que seja tipificada de acordo com as particularidades econmicas, sociais e culturais do contexto em que se insere. Ademais, a Conveno estipula que a legislao deve prever sanes realmente eficazes; Pacto Internacional de Direitos Civis e Polticos das naes Unidas de 1966: ratificado pelo Brasil em 1992, probe, no seu artigo 8, todas as formas de escravido;MANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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Pacto Internacional de Direitos Econmicos, sociais e Culturais das naes Unidas de 1966: ratificado pelo Brasil em 1992, garante, no seu artigo 7, o direito de todos a condies de trabalho equitativas e satisfatrias; Conveno Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de so Jos da Costa rica) de 1969: ratificada pelo Brasil em 1992, no qual os signatrios firmaram um compromisso de represso servido e escravido em todas as suas formas; Declarao da Conferncia das naes Unidas sobre o Ambiente Humano ou Declarao de Estocolmo de 1972, cujo 1 princpio estabelece que: o homem tem o direito fundamental liberdade, igualdade e ao gozo de condies de vida adequadas num meio ambiente de tal qualidade que lhe permita levar uma vida digna de gozar do bem-estar; Protocolo para Prevenir, suprimir e Punir o Trfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianas ou Protocolo do Trfico (Palermo, 2000): um dos protocolos suplementares Conveno das naes Unidas contra o Crime organizado Transnacional e prev a criminalizao do trfico de pessoas voltado a qualquer forma de explorao sexual. Este protocolo est em vigor internacionalmente desde 2003 e foi ratificado pelo Brasil em 2004. o aliciamento de trabalhadores rurais no Brasil e de trabalhadores estrangeiros irregulares no intuito de submet-los ao trabalho em condio anloga de escravo iguala-se definio de trfico de seres humanos nele contida.

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Independente dos instrumentos internacionais, a legislao brasileira tutela de forma objetiva a dignidade da pessoa humana, os direitos humanos, a igualdade de pessoas, os valores sociais do trabalho e a proibio da tortura e de tratamento desumano ou degradante. o conceito de trabalho em condio anloga de escravo, bem como sua vedao no territrio nacional, decorrem dos preceitos da Constituio Federal, como se v: Art. 1. A repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos: (...) III a dignidade da pessoa humana IV os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (...)MANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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Art. 4. A repblica Federativa do Brasil rege-se nas suas relaes internacionais pelos seguintes princpios: (...) II prevalncia dos direitos humanos Art. 5. Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: (...) III ningum ser submetido tortura nem a tratamento desumano ou degradante; (...) XXIII a propriedade atender a sua funo social; Art. 170. A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados os seguintes princpios: (...) III funo social da propriedade; (...) VII reduo das desigualdades regionais e sociais; Art. 186. A funo social cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critrios e graus de exigncia estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: (...) III observncia das disposies que regulam as relaes de trabalho; IV explorao que favorea o bem-estar dos proprietrios e dos trabalhadores. Importante ressaltar a ntegra do artigo 7 da Carta Magna que prev os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais alm de outros que visem melhoria de sua condio social (in verbis). os excertos acima induzem a uma reflexo sobre a realidade das relaes de trabalho verificadas nas aes fiscais executadas por meio da auditoria-fiscal do trabalho em todo o pas. Como se caracteriza, ento, a reduo do trabalhador a condio anloga de escravos?

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Diversas so as denominaes dadas ao fenmeno de explorao ilcita e precria do trabalho, ora chamado de trabalho forado, trabalho escravo, explorao do trabalho, semiescravido, trabalho degradante, entre outros, que so utilizados indistintamente para tratar da mesma realidade jurdica. Malgrado as diversas denominaes, qualquer trabalho que no rena as mnimas condies necessrias para garantir os direitos do trabalhador, ou seja, cerceie sua liberdade, avilte a sua dignidade, sujeite-o a condies degradantes, inclusive em relao ao meio ambiente de trabalho, h que ser considerado trabalho em condio anloga de escravo. A degradao mencionada vai desde o constrangimento fsico e/ou moral a que submetido o trabalhador seja na deturpao das formas de contratao e do consentimento do trabalhador ao celebrar o vnculo, seja na impossibilidade desse trabalhador de extinguir o vnculo conforme sua vontade, no momento e pelas razes que entender apropriadas at as pssimas condies de trabalho e de remunerao: alojamentos sem condies de habitao, falta de instalaes sanitrias e de gua potvel, falta de fornecimento gratuito de equipamentos de proteo individual e de boas condies de sade, higiene e segurana no trabalho; jornadas exaustivas; remunerao irregular, promoo do endividamento pela venda de mercadorias aos trabalhadores (truck system). Assim, ao contrrio do esteretipo que surge no imaginrio da maioria das pessoas, no qual o trabalho escravo ilustrado pelo trabalhador acorrentado, morando na senzala, aoitado e ameaado constantemente, o trabalho em condio anloga de escravo no se caracteriza apenas pela restrio da liberdade de ir e vir, pelo trabalho forado ou pelo endividamento ilegal, mas tambm pelas ms condies de trabalho impostas ao trabalhador. luz do artigo 149, do Cdigo Penal, verifica-se que, de forma simplificada, o trabalho em condio anloga de escravo tipificado penalmente diante de quatro condutas especficas: a) sujeio da vtima a trabalhos forados; b) sujeio da vtima a jornada exaustiva; c) sujeio da vtima a condies degradantes de trabalho; d) restrio, por qualquer meio, da locomoo da vtima em razo de dvida contrada com o empregador ou preposto. Cada um dos modos de execuo, embora seja caracterizado de maneira distinta, pode ser verificado, na realidade das relaes de trabalho combinados entre si. a) Sujeio da vtima a trabalhos forados A Conveno n 29 da oIT, no item 1 do artigo 2 define trabalho forado ou obrigatrio como todo trabalho ou servio exigido de um indivduo sob ameaa de qualquer penalidade e para o qual ele no se ofereceu de espontnea vontade.MANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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Verifica-se, ento, que se o trabalhador no pode decidir sobre a aceitao do trabalho ou sobre sua permanncia nele, h trabalho forado. na mesma definio incorre o trabalho inicialmente consentido que, posteriormente, revela-se forado. no trabalho forado no se fere somente o princpio da liberdade, mas tambm o da legalidade, o da igualdade e o da dignidade da pessoa humana, na medida em que a prtica afronta as normas legais, concede ao trabalhador em questo, tratamento diverso do concedido a outros; e retira dele o direito de escolha. A coao elemento que possibilita essa modalidade de sujeio do trabalhador condio anloga de escravo pode ser moral, psicolgica ou fsica. A coao moral quando o trabalhador induzido a acreditar ser um dever a permanncia no trabalho; psicolgica quando a coao decorre de ameaas; e fsica, quando consequncia de violncia fsica. Mencione-se, como citado, que o trabalho forado no inicia, necessariamente, na contratao/arregimentao. na maioria dos casos verificados, a prpria condio de vida do trabalhador o elemento coercitivo utilizado na arregimentao. A situao de misria do obreiro o que o leva espontaneamente aceitao das condies de trabalho propostas. Ela estmulo para o estabelecimento da relao e costuma ser a origem da escravido por dvida, j que, via de regra, no momento da contratao, o obreiro recebe antecipao em dinheiro com o objetivo de suprir minimamente a famlia por um pequeno perodo ou com o fim de quitar dvidas com alimentao e estada nas penses, onde permanece espera de trabalho. Ao longo do tempo, esse trabalho aceito voluntariamente pode se constituir em trabalho forado, a partir do momento em que houver cerceamento da liberdade do trabalhador; seja quando o trabalhador permanece no trabalho porque se sente obrigado a saldar a dvida, seja ela lcita ou no (coao moral); seja quando o trabalhador no pode deixar o trabalho por conta de vigilncia ostensiva, ameaas ou outras represlias (coao psicolgica); seja, finalmente, quando o trabalhador fisicamente impedido de deixar o trabalho, por cerceamento de sua liberdade de locomoo ou com prejuzo direto sua integridade fsica e sua prpria vida (coao fsica). b) Sujeio da vtima a jornada exaustiva note-se que jornada exaustiva no se refere exclusivamente durao da jornada, mas submisso do trabalhador a um esforo excessivo ou a uma sobrecarga de trabalho ainda que em espao de tempo condizente com a jornada de trabalho legal que o leve ao limite de sua capacidade. dizer que se negue ao obreiro o direito de trabalhar em tempo e modo razoveis, de forma a proteger sua sade, garantir o descanso e permitir o convvio social. nessa modalidade de trabalho em condio anloga de escravo, assume importncia a anlise do ritmo de trabalho imposto ao trabalhador,MANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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quer seja pela exigncia de produtividade mnima por parte do empregador, quer seja pela induo ao esgotamento fsico como forma de conseguir algum prmio ou melhora na remunerao. ressalte-se que as normas que preveem limite jornada de trabalho (e, no mesmo sentido, a garantia do gozo do repouso) caracterizam-se como normas de sade pblica, que visam a tutelar a sade e a segurana dos trabalhadores, possuindo fundamento de ordem biolgica, haja vista que a limitao da jornada tanto no que tange durao quanto no que se refere ao esforo despendido tem por objetivo restabelecer as foras fsicas e psquicas do obreiro, assim como prevenir a fadiga fsica e mental do trabalhador, proporcionando tambm a reduo dos riscos de acidentes de trabalho. os excessos de jornada so especialmente significativos nas atividades remuneradas por produo, como o caso, por exemplo, do corte de cana-de-acar, derrubada de rvores, oficinas de costura e carvoejamento. no intuito de melhorar a remunerao, os trabalhadores laboram ininterruptamente e de forma esgotante, desde o incio da manh at o incio da noite, de segunda-feira a domingo, aumentando os riscos de acidentes e doenas osteomusculares relacionadas ao trabalho e chegando, em casos mais extremos, morte por exausto.14

c) Sujeio da vtima a condies degradantes de trabalho A realidade das atividades laborais, nas reas urbanas e rurais, tem demonstrado que essa , atualmente, a conduta tpica mais verificada na configurao da reduo de trabalhadores a condio anloga de escravo. As condies degradantes de trabalho tm-se revelado uma das formas contemporneas de escravido, pois retiram do trabalhador os direitos mais fundamentais. Dessa forma, o trabalhador passa a ser tratado como se fosse uma coisa, um objeto, e negociado como uma mercadoria barata. o trabalho degradante possui diversas formas de expresso sendo a mais comum delas a subtrao dos mais bsicos direitos segurana e sade no trabalho. so exemplos desse tipo de vulnerao a jornada de trabalho que no seja razovel e que ponha em risco a sade do trabalhador, negando-lhe o descanso necessrio e o convvio social, as limitaes uma correta e saudvel alimentao, higiene e moradia. V-se que no o cerceamento da liberdade o elemento configurador dessa modalidade de trabalho anlogo ao de escravo, mas a supresso dos direitos mais essenciais do trabalhador, de seu livre arbtrio, de sua liberdade de escolha, mesmo de sua condio de ser humano. Dessa forma, a jurisprudncia tem fixado e configurado o trabalho em condio degradante na negao dos direitos de segurana e sade no trabalho:MANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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TST - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA: AIRR 32496320105080000 3249-63.2010.5.08.0000 AGrAVo DE InsTrUMEnTo EM rECUrso DE rEVIsTA. DAno MorAL. TrABALHo EM ConDIEs DEGrADAnTEs. ConVEno 29 DA oIT. VALor DA InDEnIZAo. CrITrIos DE FIXAo. A prestao de servios em instalaes inadequadas, capazes de gerar situaes de manifesta agresso intimidade, segurana e sade, como a falta de instalaes sanitrias, a precariedade de abrigos e de gua potvel, incompatveis com as necessidades dos trabalhadores, constituem, inequivocadamente, trabalho degradante, repudiado pela Conveno n 29, da organizao do Trabalho e ratificada pelo Brasil. Quanto ao valor da indenizao, constata-se que o decisum observou os princpios da razoabilidade e proporcionalidade, atento s circunstncias fticas geradoras do dano, do grau de responsabilidade e da capacidade econmica da empresa, sem se afastar, igualmente, de seu carter desestimulador de aes dessa natureza, que comprometem a dignidade dos trabalhadores. Agravo conhecido e no provido.15

d) Restrio, por qualquer meio, da locomoo da vtima em razo de dvida contrada com o empregador ou preposto. o ltimo tipo, considerado na parte final do caput do artigo 149, traduz uma das mais conhecidas e reiteradas formas de escravido, o sistema de barraco ou truck system. nessa conduta, o trabalhador induzido a contrair dvidas com o empregador ou preposto deste e impedido de deixar o trabalho em razo do dbito. A contrao das dvidas pode ocorrer de formas distintas: No momento da arregimentao

Quando o gato, preposto do empregador ou o prprio empregador financia dbitos pendentes do trabalhador (a exemplo das dvidas com alimentao e pousadas onde permanecem espera de trabalho); ou antecipa (adiantamento) parte do salrio que garanta as mnimas condies de subsistncia da famlia do trabalhador por algum perodo de tempo. Ainda, cobra do trabalhador as despesas efetuadas a ttulo de transporte e alimentao desde o local da contratao at o local de trabalho.MANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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No curso da prestao laboral

Quando o trabalhador obrigado a pagar pelas ferramentas utilizadas no trabalho, pelos equipamentos de proteo individual, vesturio, alojamento, alimentao e/ou quaisquer outros gneros de que necessite. nessa forma de endividamento os produtos so vendidos pelo empregador, por preposto deste ou pelo gato, a preos sempre superiores aos praticados no mercado. Aval do empregador em estabelecimento comercial

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o endividamento tambm pode ocorrer atravs de aval do empregador, preposto ou gato, para abertura de crdito, em estabelecimento comercial de sua escolha, onde o trabalhador compelido a comprar fiado todo produto de que necessite. Em qualquer dos casos, a garantia para saldar a dvida a remunerao a ser auferida pelo trabalhador. ocorre que tal remunerao ou no paga ou paga de forma irregular, sem obedincia aos prazos legais e em valores inferiores aos realmente devidos, o que torna a quitao da dvida praticamente impossvel. o empregador aproveita-se da coao moral dos trabalhadores que se sentem eticamente obrigados a saldar qualquer dbito porventura existente, antes de deixar o trabalho. necessrio frisar que esse mecanismo de manipulao extremamente efetivo, uma vez que a probidade e a honradez so valores fundamentais entre os trabalhadores. no caso de alguns grupos humanos oriundos de outros pases, como no caso de populaes indgenas de pases andinos, a gratido para com o aliciador ditada, inclusive, pelos elsticos conceitos de parentesco que regem a organizao social desses grupos. A atual redao do artigo 149, do Cdigo Penal, tambm prev duas formas tpicas equiparadas. A primeira tipifica como delito o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de ret-lo no local de trabalho, e, tambm, a simples omisso de fornecimento de servio de transporte (artigo 149, 1o, inciso I, do Cdigo Penal); a segunda tipifica como crime a situao de manuteno de vigilncia ostensiva no local de trabalho ou o simples fato do agente se apoderar de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de ret-lo no local de trabalho (artigo 149, 1o, inciso II, do Cdigo Penal). Ambas as hipteses alcanam todos os agentes que, de um modo ou de outro, colaboraram para que a submisso do trabalhador reduzisse-o condio anloga a escravo, ou seja, os gatos, os pistoleiros, os seguranas, os responsveis pela venda no barraco (cantina), entre outros.MANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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2. DO CONCEITO ADMINISTRATIVO DE TRABALHO ESCRAVOo arcabouo jurdico que sustenta a proteo do trabalhador contra a escravizao encontra-se munido de outros diplomas legais anteriores e que vo alm do art. 149 do Cdigo Penal, materializando o compromisso do pas com a erradicao dessa prtica ao tempo em que oferece ao trabalhador uma proteo mais ampla e segura. Isso para no mencionar que as instncias administrativa e penal so, salvo excees expressas, independentes entre si, vale dizer, perfeitamente possvel que uma mesma conduta seja reprimida na seara penal sob a forma de um tipo incriminatrio e tambm o seja no mbito administrativo por fora de convenes internacionais com fora de lei das quais o Brasil signatrio. no h relao de condio entre uma e outra, e seria absurdo que o Estado Brasileiro ficasse inerte em face da explorao do trabalho anlogo ao de escravo, com flagrante violao da dignidade humana dos trabalhadores e frustrao do interesse pblico, apenas para efeito de se aguardar o decurso do processo penal. Tal medida seria transportar para os trabalhadores e a sociedade em geral o nus do tempo do processo penal, ou seja, algo completamente incompatvel com o princpio da prevalncia do interesse pblico que deve reger a ao administrativa. Eis as razes pelas quais o trabalho anlogo ao de escravo, a despeito de possuir um tipo incriminatrio no Cdigo Penal, possui diagramao prpria para efeito de seu combate no mbito administrativo. no que se refere s convenes citadas das quais o Brasil signatrio, assumindo internacionalmente o compromisso de reprimir o trabalho escravo, podemos destacar as Convenes da oIT n. 29 (Decreto n. 41.721/1957) e 105 (Decreto n. 58.822/1966), a Conveno sobre Escravatura de 1926 (Decreto n. 58.563/1966) e a Conveno Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de san Jos da Costa rica Decreto n. 678/1992); todas ratificadas pelo Brasil, com status normativo de leis ordinrias, plenamente recepcionadas pela Carta Constitucional de 1988, e todas contendo dispositivos que preveem a adoo imediata de medidas legislativas ou no necessrias para a erradicao do trabalho escravo. Alguns dispositivos so relevantes para dirimir a confuso entre as sanes administrativas e aquelas previstas no tipo penal. Vejamos o que nos informa, por exemplo, o Pacto de san Jos da Costa rica em seus artigos 2 e 6 (item 1): Art. 2 Se o exerccio dos direitos e liberdades mencionados no art. 1 ainda no estiver garantido por disposies legislativas ou de outra natureza, os Estados Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com asMANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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disposies desta Conveno, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessrias para tornar efetivos tais direitos e liberdades. Art. 6 1. Ningum pode ser submetido escravido ou servido, e tanto estas como o trfico de escravos e o trfico de mulheres so proibidos em todas as formas. (grifos nossos). note-se que o Pacto de san Jos tanto prev a adoo de medidas de outra natureza que no a mera edio de leis para efetivao dos direitos e liberdades que tutela, como tambm esboa um conceito elstico abrangendo todas as formas de escravido. A Conveno 105 da oIT, anterior ao Pacto de san Jos (ratificada em 1966), em seu artigo 2, refora a ideia de que necessria a adoo de medidas eficazes de combate ao trabalho escravo: Art. 2 Qualquer Membro da Organizao Internacional do Trabalho que ratifique a presente conveno se compromete a adotar medidas eficazes, no sentido da abolio imediata e completa do trabalho forado ou obrigatrio, tal como descrito no art. 1 da presente conveno. Tambm imprescindvel mencionar o que dispe a Conveno suplementar de 1956 sobre a Abolio da Escravatura, do Trfego de Escravos e das Instituies e Prticas Anlogas Escravatura, cujo artigo 1 em especial as alneas a e b parece bastante esclarecedor acerca da caracterizao do trabalho escravo: Art. 1 Cada um dos Estados Partes presente Conveno tomar todas as medidas, legislativas e de outra natureza, que sejam viveis e necessrias, para obter progressivamente e logo que possvel a abolio completa ou o abandono das instituies e prticas seguintes, onde quer ainda subsistam, enquadrem-se ou no na definio de escravido que figura no artigo primeiro da Conveno sobre a escravido assinada em Genebra, em 25 de setembro de 1926: a) a servido por dvidas, isto , o estado ou a condio resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de uma dvida, seus servios pessoais ou os de algum sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses serviosMANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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no for equitativamente avaliado no ato da liquidao da dvida ou se a durao desses servios no for limitada nem sua natureza definida; B) a servido, isto , a condio de qualquer um que seja obrigado pela lei, pelo costume ou por um acordo, a viver e trabalhar numa terra pertencente outra pessoa e a fornecer a essa outra pessoa, contra remunerao ou gratuitamente, determinados servios, sem poder mudar sua condio; Desse modo, fica evidente tanto a possibilidade de o Poder Executivo editar medidas necessrias represso do trabalho escravo, o que se encontra previsto nas leis ordinrias supramencionadas, como tambm o fato de que o conceito utilizado pela Administrao Pblica reporta-se s convenes (leis) referidas, isto , embora possua elementos comuns ao tipo previsto no art. 149 do Cdigo Penal, em momento algum se confundem os conceitos utilizados numa e noutra esfera. Assim, o conceito de trabalho escravo para fins administrativos mais amplo do que aquele previsto no Cdigo Penal. E nem poderia ser diferente, haja vista que a poltica criminal garantista em vigor no pas volta-se em especial para a proteo do status libertatis do ru. no caso concreto sob anlise, no estamos a cuidar de processo penal. Ao contrrio, a ao administrativa volta-se para o atendimento do interesse pblico, da decorrendo todas as prerrogativas de que dispe a Administrao, inclusive as presunes de legitimidade e veracidade que recaem sobre seus atos. nesse sentido, j decidiu com acerto a prpria Justia Federal da seo Judiciria do Par (subseo de Marab) na deciso, em sede de antecipao de tutela, contida nos autos do processo 2005.39.01.001038-9. Vejamos: (...) Consoante estabeleceu o art. 2 da Portaria n. 540/2004 do MTE, a incluso do nome do infrator no Cadastro ocorrer aps deciso administrativa final relativa ao auto de infrao lavrado em decorrncia de ao fiscal em que tenha havido a identificao de trabalhadores submetidos a condies anlogas s de escravo. Neste aspecto, o fato de no haver em curso processo judicial penal ou trabalhista relacionado ao fato no configura pressuposto para insero do empregador no seio da lista, fato que finda por fragilizar toda a tese do demandante. o alcance das convenes internacionais com status de lei federal ratificadas pelo Brasil ao longo do sculo XX no pode sofrer contingenciamento conceitual em face de norma penal posterior (Lei n. 10.803/2003, que alterou a redao do tipo previsto no art. 149 do CP).MANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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Em vista do exposto, e a fim de dar sequncia ao entendimento aqui formulado, seguem algumas variveis que devem ser observadas durante as aes fiscais para a erradicao do trabalho escravo. Tal procedimento essencial para identificar, nas situaes fticas verificadas, os diversos dispositivos legais mencionados.

3. DAS VARIVEIS A SEREM ANALISADAS3.1 DO ALICIAMENTO DE TRABALHADORES DE UM LOCAL PARA OUTRO DO TERRITRIO NACIONAL Este delito est previsto no artigo 207 do Cdigo Penal, com a redao dada pela Lei n 9.777, de 29 de dezembro de 1998, que dispe: Art. 207 Aliciar trabalhadores, com o fim de lev-los de uma para outra localidade do territrio nacional: Pena deteno de um a trs anos e multa. 1 Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execuo do trabalho, dentro do territrio nacional, mediante fraude ou cobrana de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, no assegurar condies do seu retorno ao local de origem. 2 A pena aumentada de um sexto a um tero se a vtima menor de dezoito anos, idosa, gestante, indgena ou portadora de deficincia fsica ou mental. A conduta descrita acima muito comum nas atividades rurais. os aliciadores, conhecidos como gatos, atraem obreiros para prestarem servios em fazendas, geralmente distantes de sua cidade de origem, oferecendo-lhes condies vantajosas de trabalho. na maioria dos casos, trata-se de um engodo. Esta conduta tpica tem importante relao com o trabalho escravo contemporneo, pois, muitas vezes, usada como meio para se chegar a tal fim, ou seja, os trabalhadores so atrados pelos empreiteiros ou gatos e terminam reduzidos a condies anlogas de escravo. Basicamente existem trs condutas que materializam o ilcito: a) Quando so aliciados trabalhadores com o fim de lev-los de uma para outra localidade do territrio nacional. Por localidade entenda-se povoado, lugarejo, arraial, aldeia, vila ou cidade, aindaMANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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que se encontrem dentro de um mesmo estado da federao e at de um mesmo municpio, visto que a norma legal no estabelece delimitao geogrfica para o termo. b) Quando h recrutamento de trabalhadores para prestar servio em localidade diversa de seu local de origem, mediante fraude ou cobrana de qualquer valor do trabalhador (por exemplo: alimentao, transporte); e c) Quando no so asseguradas ao trabalhador condies do seu retorno ao local de origem. 3.2 DA VIOLNCIA CONTRA OS TRABALHADORES fundamental investigar a ocorrncia de violncia praticada contra os trabalhadores por gato, empregador ou pessoa a mando destes. Perquirir acontecimento de ameaas, coao, xingamentos, humilhaes, insinuaes; tanto correntes quanto pretritas. no caso de indcios de ocorrncia de leso corporal, o(s) trabalhador(es) dever(o) ser encaminhados para exame de corpo de delito. 3.3 DAS RESTRIES LIBERDADE DOS TRABALHADORES 3.3.1 Vigilncia armada Armas, especialmente as de fogo, normalmente so escondidas da fiscalizao, principalmente se a(s) frente(s) de trabalho e/ou os locais utilizados como alojamento esto localizados no meio da floresta ou mata, ou em local de difcil acesso, ou mesmo em cortios ou favelas nas periferias das cidades. ressalte-se que a arma de fogo pode no ser o principal meio de coao dos trabalhadores. o castigo com o faco, como as panadas (pancadas com o lado da lmina do faco), por exemplo, pode ser muito mais aterrorizantes para os trabalhadores, considerando a forma humilhante e dolorosa como so utilizadas, numa tcnica de tortura fsica e psicolgica que desanima qualquer tentativa de fuga da propriedade ou de desobedincia aos gatos ou prepostos do empregador. Em propriedades em que h vigilncia patrimonial armada, deve-se observar a legalidade da mesma (autorizao do Departamento de Polcia Federal para funcionamento), bem como se tal fato caracteriza intimidao dos trabalhadores e/ou restrio do seu direito de ir e vir. Caber fora policial presente avaliar as providncias a serem adotadas a respeito dessa ocorrncia no mbito penal. As Cpias dos autos de apreenso de armas devero fazer parte do relatrio da ao fiscal.MANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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3.3.2 Localizao geogrfica da propriedade e dos alojamentos A localizao geogrfica da propriedade/local de trabalho pode, por si s, ser elemento de cerceamento da liberdade dos trabalhadores. Muitas vezes, o acesso aos centros urbanos e s vias dotadas de transporte pblico praticamente impossvel dado, no s distncia, mas tambm precariedade das vias de acesso. Algumas das vias de acesso a propriedades rurais no possuem fluxo regular de veculos, uma vez que construdas exclusivamente para acesso a estas. os perodos de chuvas (em especial no norte e centro-oeste do pas) tambm interferem nas condies de trafegabilidade das vias de acesso s propriedades, o que dificulta, ainda mais, a locomoo dos trabalhadores. Diante dessas dificuldades, a no disponibilizao de transporte pelo empregador, especialmente quando da ausncia de linha de transporte pblico regular, tambm fator contribuinte para a caracterizao do cerceamento da liberdade de locomoo. necessrio apurar a disposio do empregador em reter, segundo seu arbtrio, o trabalhador no local de trabalho. Deve ser verificada tambm, com esse objetivo, a eventual garantia pelo empregador da efetiva possibilidade de gozo do repouso semanal remunerado fora do local de trabalho, especialmente com relao disponibilizao de meios de transporte. Da mesma forma, longas distncias dentro da propriedade, entre locais de alojamento, frentes de trabalho e sede, por exemplo, podem inviabilizar os deslocamentos. no raro os trabalhadores necessitam de autorizao para deixar a propriedade, s podendo faz-lo em horrios predeterminados ou sequer tm permisso para deixar o local de trabalho. Adicionalmente s distncias, as condies inspitas dos locais de trabalho e alojamento, os animais selvagens e o temor de passar fome e sede podem tornar-se determinantes para manter os trabalhadores cativos. o desconhecimento da regio (especialmente nos casos em que o trabalhador arregimentado em localidade distinta e trazido para a propriedade) restringe ainda mais significativamente a possibilidade de locomoo dos trabalhadores, que, muitas vezes, no tem noo do local em que se encontram, da distncia at o centro urbano mais prximo, e, muito menos, do caminho de retorno. Alm disso, as barreiras culturais/lingusticas e a condio migratria irregular tambm devem ser consideradas, notadamente em se tratando de trabalhadores estrangeiros que, ainda que trabalhando e vivendo nas periferias de grandes centros urbanos, dependem do empregador ou do gato para qualquer tipo de relacionamento com o entorno e temem a deportao por parte da polcia, caso denunciem os maus tratos a que so submetidos.

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3.3.3 Presena de familiares somada a essas dificuldades acima expostas, a presena dos familiares (mulher, irmo, filhos por vezes crianas pequenas) pode inviabilizar a sada da propriedade, especialmente se houver perseguio de fiscais, gatos ou prepostos do empregador, o que normalmente feito em motocicletas, automveis ou a cavalo. A opo de deixar na fazenda ou no alojamento os familiares invivel em face do risco de os mesmos sofrerem represlias ou serem levados para outra localidade, quebrando o ncleo familiar. o medo de perder de vista os que lhe so caros pode ser decisivo na submisso do trabalhador ao cativeiro. Verifica-se tal condio tambm no meio urbano onde, por muitas vezes, toda uma famlia vive e trabalha em um mesmo estabelecimento ou as mes e os pais so obrigados a levar os filhos para o local de trabalho por absoluta impossibilidade de deix-los em outro local (especialmente no caso de estrangeiros em situao migratria irregular). 3.3.4 Endividamento/sistema de barraco A forma clssica se d atravs de aquisio de mercadorias em cantina no local de trabalho via de regra sob direo dos gatos, ou diretamente sob o comando do empregador ou ainda terceirizada a uma pessoa alheia relao de trabalho mediante anotao em cadernos, para posterior desconto na remunerao a ser paga aos trabalhadores. Forma semelhante de endividamento a prtica de abertura de crditos para o trabalhador adquirir produtos em mercados da cidade mais prxima indicados pelo patro ou gato. outra modalidade recorrente, ainda, a figura dos adiantamentos por ocasio do aliciamento. As dvidas tambm podem ser induzidas em razo da cobrana por transporte, hospedagem, compra de ferramentas de trabalho e equipamentos de proteo individual (motosserra, botinas, faces, etc.), sempre para posterior desconto na remunerao dos trabalhadores. nesses casos, o cerceamento da liberdade d-se tanto pela necessidade de pagar quanto pelo constrangimento pessoal do trabalhador, que se sente moralmente obrigado a quitar as dvidas, ainda que ilegais, antes de deixar o trabalho o que, em face da relao entre os preos cobrados pelas mercadorias e o valor pago aos trabalhadores, acaba sendo impossvel. Assim, no curso da ao fiscal, quando forem localizados cadernos com anotaes de compras, deve-se verificar se h preos anotados, pois, como contraestratgia, os responsveis pela cantina no mais esto consignando os preos das mercadorias para evitar a alegao de que esto lucrando com o comrcio ilegal, alm de evitar que o trabalhador afirme que tem dbito. Esses cadernos com anotaes a respeito da vida laboral dos trabalhadores so de enorme validadeMANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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como meio de prova para a fiscalizao e devero ser apreendidos. na imensa maioria das vezes funcionam como verdadeira contabilidade informal da relao de trabalho e apontam as diversas irregularidades praticadas, tanto no caso do trabalho rural quanto no urbano, quer seja para trabalhadores brasileiros ou estrangeiros. Em todos esses casos o gato costuma elaborar um ou vrios desses caderninhos nos quais so apostos diversos itens que comprovaro a servido por dvida, os descontos ilegais, os valores irrisrios pagos a ttulo de vales e demais relaes patrimoniais que comprovaro o trabalho forado. , pois, de suma importncia a localizao desse tipo de documento e sua apreenso pelo Auditor-Fiscal do Trabalho. Alguns trabalhadores at dizem que no sabem se esto pagando algum valor, porque no veem as anotaes dos dbitos, visto que os preos s so anotados no dia do acerto. Cada conta acertada costuma ser retirada do caderno, para no deixar registrada a irregularidade. no se encontrando no local de trabalho ou no estabelecimento as anotaes, deve-se diligenciar para localiz-las. os cadernos de anotaes de compras e/ou dvidas, bem como recibos, notas fiscais e vales de compras, comprobatrios de abertura dos crditos acima mencionados, devero, caso a autoridade policial vislumbre necessidade, ser por ela apreendidos e, no curso da ao fiscal, devem ser fornecidas cpias dos mesmos para o Coordenador da ao. Ainda que a autoridade policial no proceda apreenso, os documentos devero ser apreendidos pelo Auditor-Fiscal do Trabalho, conforme nos termos da Instruo normativa n 89 de 02/03/11. 3.3.5 Reteno de documentos na ocorrncia de reteno de documentos de trabalhadores pelo empregador ou seus prepostos, h que se verificar, juntamente com os prazos legais para a conduta, se a finalidade da mesma est relacionada reteno dos trabalhadores no local de trabalho. no caso do trabalho do estrangeiro em situao migratria irregular, tal medida visa, via de regra, a impedir que o trabalhador desprovido de seu passaporte possa se locomover livremente. o mesmo pode ocorrer com cdulas de identidade para estrangeiros ou ainda com os protocolos de pedido de regularizao migratria. no incomum o gato, ou dono da oficina de costura, reter qualquer tipo de documento de seu trabalhador com a finalidade de mant-lo no local de trabalho. 3.3.6 Atraso no pagamento de salrios Insta apurar a forma de pagamento da remunerao, bem como o efetivo pagamento da integralidade dos salrios no prazo legal. Verifica-se que nos casos em que houve resgate de trabalhadores, os salrios, geralmente, eram pagos por produo. Tal produtividade aferida peloMANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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empregador ou preposto e a remunerao s paga ao final da tarefa, muitas vezes no sendo assegurado o salrio mnimo ao trabalhador em caso de pequena produtividade. Em alguns casos, o empregador adianta pequenas parcelas da remunerao para descont-las ao final do servio contratado, como nos casos de empreitada ou tarefa. ressalte-se que, como a concluso dos trabalhos no coincide, obrigatoriamente, com a periodicidade legal para o pagamento dos salrios, estes so pagos fora do prazo ou, como j apontado, sequer chegam a ser pagos.

3.4 JORNADA E DESCANSO fundamental a verificao das irregularidades ligadas jornada de trabalho e ao descanso intra e interjornada. imprescindvel a apurao do horrio de incio e fim das atividades e da existncia de controle/anotao do mesmo, bem como dos perodos de descanso, em face das consequncias penais e administrativas da jornada excessiva. Atentar para a prtica do ponto britnico. Cabe ainda a verificao da existncia de horas in itinere, de trabalho noturno ou em domingos e feriados. Deve-se observar o nvel de exigncia das atividades desenvolvidas, bem como de sujeio dos trabalhadores a esforo ou riscos excessivos que atentem contra sua integridade fsica e/ou psicolgica, ou mesmo, contra sua dignidade. H que se ter em conta que horas extraordinrias no so sinnimo de jornada exaustiva, visto que trata a segunda hiptese de jornada esgotante, que ultrapassa os limites do ser humano comum, considerando intensidade, frequncia e desgastes, podendo, mesmo, ocorrer dentro da jornada normal de trabalho legalmente prevista de oito horas dirias. Assim, tal varivel deve merecer no s anlise quantitativa, mas qualitativa, considerando, inclusive, que a jornada exaustiva, por si s, pode configurar condio degradante.

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3.5 IDENTIFICAO DAS CONDIES DE TRABALHO 3.5.1 Nas frentes de trabalho a) Equipamentos de Proteo Individual e Coletiva: o empregador deve priorizar a proteo coletiva do meio ambiente do trabalho, alm deMANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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garantir o fornecimento gratuito dos Equipamentos de Proteo Individual (EPI), assegurar que os EPI sejam adequados ao risco e que sejam mantidos em perfeito estado de conservao e funcionamento, substituindo os mesmos quando necessrio. A auditoria-fiscal do trabalho deve identificar o fornecimento gratuito e a efetiva utilizao dos equipamentos de proteo. nas situaes em que se constata trabalho anlogo ao de escravo, comum no haver fornecimento gratuito de equipamentos de proteo. Estes ou no so fornecidos ou costumam ser vendidos aos trabalhadores para posterior desconto quando do recebimento da eventual remunerao. ressalte-se que a obrigao de exigncia e fiscalizao do uso dos EPI do empregador. E que a utilizao do EPI no opo do trabalhador. b) Instalaes Sanitrias e Abrigos Deve-se verificar a existncia de instalaes sanitrias fixas ou mveis, compostas de vasos sanitrios e lavatrios em nmero suficiente, separadas por sexo, com gua limpa em quantidade satisfatria e papel higinico. os abrigos fixos ou mveis devem proteger os trabalhadores das intempries durante as refeies (em se tratando de trabalho a cu aberto).26

c) Acidentes e Doenas Levantar, junto aos trabalhadores e documentao do ente fiscalizado, a ocorrncia de acidentes e doenas e, em caso afirmativo, observar se foram tomadas as medidas necessrias, como a remoo do trabalhador acidentado sem nus para este e a emisso de CAT (Comunicao de Acidente de Trabalho), entre outras determinaes legais. observar se existe disposio dos trabalhadores, em todas as frentes de trabalho, material necessrio prestao de primeiros socorros, bem como pessoa treinada para este fim (existncia de servio Especializado em Engenharia de segurana e Medicina do Trabalho sEsMT; ou servio Especializado de segurana e sade no Trabalho rural sEsTr, conforme trabalho urbano ou rural e de acordo com o nmero de empregados). E ainda, verificar se os trabalhadores foram submetidos aos exames mdicos legalmente previstos e se estes foram realizados conforme os ditames legais. d) Fornecimento de gua A reposio hdrica fundamental, especialmente para os trabalhadores que exercem atividades intensas, a cu aberto. o empregador deve fornecer aos trabalhadores gua potvel e fresca em quantidade suficiente e em condies higinicas e vedar o uso de copos coletivos. Deve ser observada a origem da gua e seu acondicionamento adequado, alm de atentar para o reaproveitamento de embalagens (especialmente de agrotxicos, adjuvantes e afins)MANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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para armazenamento de gua, lembrando que a potabilidade do lquido somente poder ser assegurada mediante a apresentao de laudo tcnico especfico. ressalte-se, no entanto, que, sem prejuzo do laudo tcnico, as condies e os locais de coleta e armazenamento, bem como a aparncia da gua devem ser criteriosamente observados, fotografados e descritos no relatrio e nos autos de infrao pertinentes. e) Alimentao Deve ser fornecida alimentao sadia e farta que garanta o valor nutricional condizente com as tarefas executadas, de modo a melhorar a qualidade de vida, a capacidade fsica, a resistncia fadiga e a doenas dos trabalhadores e de forma a contribuir para a diminuio dos riscos de acidente de trabalho. A guarda e a conservao das refeies devem ser realizadas em locais e recipientes higinicos e prprios para este fim, independente do nmero de trabalhadores. observar o reaproveitamento de embalagens (combustveis, agrotxicos etc.) para guarda de alimentos, bem como o grau de higiene na conservao dos mesmos. notar, ainda, que a higienizao dos utenslios de responsabilidade do empregador. f) Agrotxicos no pode ser permitida a entrada, permanncia ou circulao de pessoas durante a pulverizao, tampouco a reentrada na rea pulverizada, antes do perodo rotulado em cada produto. Gestantes, menores de 18 anos e maiores de 60 anos tm que ser afastados das atividades com exposio direta ou indireta a agrotxicos. os trabalhadores que manipulam agrotxicos tm que ser capacitados e receber treinamento especfico. H necessidade de ser disponibilizado local adequado para a guarda de roupas e para a descontaminao; e as vestimentas no podem ser reutilizadas sem a devida descontaminao. nenhum equipamento, dispositivo de proteo ou vestimenta pode ser levado para fora da rea de trabalho. As reas tratadas tm que ser sinalizadas, informando o perodo de reentrada. vedada a reutilizao, para qualquer fim, das embalagens de agrotxicos, e obrigatria a trplice lavagem e a destinao das embalagens vazias de acordo com a legislao vigente. As habitaes, alojamentos e os locais em que so consumidos os alimentos, medicamentos ou outros materiais e as fontes de gua devem ficar distantes, no mnimo, 30 metros das edificaes onde so armazenados os agrotxicos. H que se observar a devida utilizao das vestimentas de proteo e se ofertada gua em abundncia e condies para descontaminao das vestimentas e dos prprios trabalhadores.27

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g) Transporte do Trabalhador os veculos que transportam os trabalhadores devem possuir autorizao emitida pela autoridade de trnsito competente, transportar os passageiros sentados, ser conduzidos por motorista devidamente habilitado (inclusive para transporte coletivo de passageiros), possuir compartimento fechado resistente e fixo, para a guarda de ferramentas e materiais separado dos passageiros e no podem ser transportados materiais soltos como pneus, mesas, cadeiras etc., junto aos trabalhadores. h) Ferramentas, Mquinas, Equipamentos e Implementos Agrcolas Investigar se as ferramentas so fornecidas pelo empregador e se esto em condies de uso, bem como as condies de armazenamento e de transporte. observar que a manuteno das ferramentas e mquinas (lima e corrente de motosserra, por exemplo), bem como o custo com a manuteno deve ser encargo do empregador. As mquinas devem: ser utilizadas nos limites operacionais, com observao das restries indicadas pelo fabricante; ser operadas por trabalhador capacitado e qualificado; e ter suas reas de transmisso de fora protegidas. Alm disso, devem possuir faris, luzes e sinais sonoros de r acoplados ao sistema de cmbio de marchas, buzina e espelho retrovisor, sendo vedado o transporte de pessoas em mquinas e equipamentos e em seus implementos acoplados. i) Instalaes eltricas Deve-se observar se as instalaes eltricas dos locais inspecionados atendem a norma regulamentadora 10 segurana em Instalaes e servios em Eletricidade e com a norma Brasileira nBr 5410/1995 Instalaes Eltricas de Baixa Tenso. A constatao de instalaes eltricas precrias, como distribuio de tomadas eltricas para a alimentao de mquinas por varais de rede eltrica, utilizao de derivaes irregulares de tomadas por meio de dispositivos denominados benjamin, falta de aterramento eltrico de mquinas, quadros de distribuio de energia eltrica inadequados para a carga instalada, conexes de cabos irregulares feitas com material inadequado para este tipo de instalao (fita isolante), gambiarras prximas a carga inflamvel e fios desencapados geram riscos graves e iminentes de incndio e segurana e sade dos trabalhadores, razo pela qual dever ser lavrado o termo de interdio dos ambientes de trabalho.

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3.5.2 Nas reas de vivncia a) Alojamentos Devem obedecer ao disposto nas normas regulamentadoras pertinentes ao empreendimento fiscalizado, conforme a natureza da atividade. Dentre outras caractersticas, devem ser construdos em madeira ou alvenaria, com portas e janelas que ofeream vedao e segurana adequadas, com armrios individuais e capacidade fsica compatvel com o nmero de alojados; proibida a utilizao de foges, fogareiros ou similares (botijes de gs, carburetos etc.) no interior dos alojamentos, bem como o preparo de refeies, como tambm a contiguidade desses locais de permanncia com locais para preparo de refeies; no pode ser permitida a permanncia de pessoas com doenas infectocontagiosas no interior dos alojamentos; a roupa de cama deve ser fornecida pelo empregador. observar, ainda, se o local de alojamento no est servindo de depsito para as ferramentas de trabalho, gales de leo ou agrotxicos, ou quaisquer outros objetos nocivos sade. Atentar para a possibilidade de ocorrncia de prticas que visem iseno da responsabilidade dos empregadores em alojar os trabalhadores trazidos de outras localidades (aliciados) para trabalhar no empreendimento, como, por exemplo, o aluguel, pelo gato ou preposto, de imvel no centro urbano mais prximo da atividade para ser ocupado pelos trabalhadores. Tal aluguel , via de regra, superfaturado e descontado da remunerao dos obreiros. b) Moradias Quando houver trabalhadores com famlias (ncleo familiar primrio) na propriedade, estas devem habitar em moradias distintas dos alojamentos, sendo vedada a moradia coletiva de famlias (muito comum no setor txtil, onde se encontram diversas moradias multifamiliares de estrangeiros em situao migratria irregular). c) Instalaes Sanitrias Tambm devem obedecer ao disposto nas normas regulamentadoras pertinentes observando-se, entre outras caractersticas, que devem ser compostas de vasos sanitrios, lavatrios, mictrios e chuveiros; dimensionados de acordo com o nmero de trabalhadores; com portas que garantam a privacidade; com disponibilidade de gua limpa e papel higinico. observar as condies de funcionamento, esgotamento sanitrio e de limpeza das instalaes, bem como a distncia dos alojamentos e se os trabalhadores podem utilizar, de forma segura, as instalaes, inclusive noite.MANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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d) Locais para Refeies/Refeitrios nos refeitrios e locais para refeio, devem ser asseguradas, dentre outras caractersticas, condies de higiene, mesas, assentos em nmero suficiente, lavatrio, gua limpa, depsitos de lixo com tampas, cobertura e piso cimentado, de madeira ou de material equivalente, tambm conforme as normas regulamentadoras, verificando-se a aplicao de acordo com a natureza da atividade desenvolvida no estabelecimento fiscalizado.

3.6 OUTROS FATORES A SEREM ANALISADOS PELA AUDITORIA-FISCAL DO TRABALHO Alm da acurada verificao dos quesitos mencionados, que contribuiro para formar a convico acerca da ocorrncia de submisso dos trabalhadores a situao anloga de escravo, necessrio, ainda, investigar:

3.6.1 Contratao30

Verificar data de admisso, estipulao de salrios (muitas vezes as CTPs, quando so anotadas, tm registro de salrio mensal no valor do salrio-mnimo, embora os trabalhadores possam receber valores distintos) e forma de pagamento. Verificar ainda, a formalizao do contrato de trabalho com registro em livro, ficha ou sistema eletrnico e anotao da CTPs, bem como os pertinentes documentos em caso de se tratar de trabalhador estrangeiro. As irregularidades na formalizao da contratao configuram leso Previdncia social e ao Fundo de Garantia do Tempo de servio e caracterizam frustrao de direitos trabalhistas. A manuteno do trabalhador na informalidade um atrativo ao empregador que aposta na sorte de no ser flagrado nessa leso ao sistema trabalhista e previdencirio, deixando de proceder s contribuies obrigatrias que garantiro o amparo e a assistncia ao trabalhador em caso de idade avanada, acidentes ou doenas do trabalho. Verificar, com especial ateno, a data de admisso dos empregados trazidos de outras localidades, que deve coincidir com a data da efetiva contratao na origem, nos termos das Instrues normativas n 76/2009 e n 90/2011 sIT/MTE. Provavelmente com o mesmo intuito, de elidir a responsabilidade pelo vnculo empregatcio, a adoo da terceirizao ganhou espao, devendo a fiscalizao voltar suas atenes para o desvendamento da cadeia produtiva envolvida, com vistas a delimitar de forma precisa as ativiMANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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dades desenvolvidas pela empresa. A subordinao, um dos elementos caracterizadores do vnculo empregatcio, no s luz do Princpio da Primazia da realidade como atravs da readequao conceitual da subordinao, o que se convencionou chamar de subordinao estrutural ou reticular: TST RECURSO ORDINRIO: RO 00942200810903002 00942-2008-109-03-00-2 EMENTA: SUBORDINAO ESTRUTURAL, INTEGRATIVA OU RETICULAR - OU SIMPLESMENTE SUBORDINAO. CARACTERIZAO. A subordinao como um dos elementos ftico-jurdicos da relao empregatcia , simultaneamente, um estado e uma relao. Subordinao a sujeio, a dependncia que algum se encontra frente a outrem. Estar subordinado dizer que uma pessoa fsica se encontra sob ordens, que podem ser explcitas ou implcitas, rgidas ou maleveis, constantes ou espordicas, em ato ou em potncia. Na sociedade ps-moderna, vale dizer, na sociedade info-info (expresso do grande Chiarelli), baseada na informao e na informtica, a subordinao no mais a mesma de tempos atrs. Do plano subjetivo corpo a corpo ou boca/ouvido tpica do taylorismo/fordismo, ela passou para a esfera objetiva, projetada e derramada sobre o ncleo empresarial. A empresa moderna livrou-se da sua represa; nem tanto das suas presas. Mudaram-se os mtodos, no a sujeio, que trespassa o prprio trabalho, nem tanto no seu modo de fazer, mas no seu resultado. O controle deixou de ser realizado diretamente por ela ou por prepostos. Passou a ser exercido pelas suas sombras; pelas suas sobras em clulas de produo. A subordinao objetiva aproxima-se muito da no eventualidade: no importa a expresso temporal nem a exteriorizao dos comandos. No fundo e em essncia, o que vale mesmo a insero objetiva do trabalhador no ncleo, no foco, na essncia da atividade empresarial. Nesse aspecto, diria at que para a identificao da subordinao se agregou uma novidade: ncleo produtivo, isto , atividade matricial da empresa, que Godinho denominou de subordinao estrutural. A empresa moderna, por assim dizer, se subdivide em atividades centrais e perifricas. Nisso ela copia a prpria sociedade ps-moderna, de quem , simultaneamente, me e filha. Nesta virada de sculo, tudo tem um ncleo e uma periferia: cidados que esto no ncleo e que esto na periferia. Cidados includos e excludos. Trabalhadores contratados diretamente e terceirizados. Sob essa tica de insero objetiva, que se me afigura alargante (no alarmante), eis que amplia o conceito clssico da subordinao, o alimpamento dos pressupostos do contrato de emprego torna fcil a identificao do tipo justrabalhista. Com ou sem as marcas, as marchas e as manchas doMANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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comando tradicional, os trabalhadores inseridos na estrutura nuclear de produo so empregados. Na zona grise, em meio ao fogo jurdico, que cerca os casos limtrofes, esse critrio permite uma interpretao teleolgica desaguadora na configurao do vnculo empregatcio. Entendimento contrrio, data venia, permite que a empresa deixe de atender a sua funo social, passando, em algumas situaes, a ser uma empresa fantasma atinge seus objetivos sem empregados. Da mesma forma que o tempo no apaga as caractersticas da no eventualidade; a ausncia de comandos no esconde a dependncia, ou, se se quiser, a, subordinao que, modernamente, face empresa flexvel, adquire, paralelamente, cada dia mais, os contornos mistos da clssica dependncia econmica. Considerando essa realidade, deve-se observar, cuidadosamente, o contedo dos artigos 2; 3 e 9 da CLT, a Lei no. 5.889/73 (Trabalho rural), a Lei 6019/74 (Trabalho Temporrio), a Lei 7102/83 (servio de Vigilncia), a Lei 6815/80 (estatuto do Estrangeiro), e os Decretos 6964/90 e 6975/90, conforme o caso, alm do disposto na smula no. 331 do TsT. note-se que a responsabilidade administrativa pode subsistir ainda que o empregador alegue desconhecer as condies de trabalho ou mesmo a contratao dos trabalhadores por prepostos seus, em razo de a responsabilidade trabalhista levar obrigao legal de impedir o resultado. importante que a equipe de fiscalizao verifique se o empregador tem conhecimento das condies de trabalho encontradas. se mantiver contato com seus prepostos e/ou com os trabalhadores; se visita o local e se conhecido pelos empregados. ressalte-se que o beneficirio da atividade laboral responsvel pelos trabalhadores que a desempenham. 3.6.2 Crianas e adolescentes Muitas vezes, so encontrados entre os trabalhadores crianas e adolescentes. Deve-se atentar para esta ocorrncia e, sem prejuzo das medidas inerentes ao fiscal, comunicar o fato ao representante do Ministrio Pblico do Trabalho, para que este tome as devidas providncias no mbito judicial com vistas a garantir os direitos trabalhistas do menor prejudicado. A equipe de fiscalizao deve observar os dispositivos do decreto n 6.481/2008 (lista TIP), a In n 77/2009 e a nota Tcnica n 318/2010/sIT/MTE, 11.09.2010.

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3.6.3 Trabalhador estrangeiro o Brasil vem experimentando, no ltimo decnio, um perodo de crescimento sustentvel e contnuo que tem como consequncias o aquecimento do mercado consumidor interno, a valorizao do real e o aumento da demanda por mo de obra, na maioria dos setores. Esse crescimento tem atrado para o Brasil a ateno e o fluxo migratrio de trabalhadores estrangeiros que buscam no nosso pas melhores condies de vida. Acrescido a esse fato, resta configurado um cenrio internacional de crise desde o final de 2008, principalmente em pases que antes atraam esses fluxos, como Espanha e Estados Unidos, redirecionando a preferncia para o Brasil. De uma maneira geral, esse o contexto econmico em que se insere o aumento da imigrao de cidados da Bolvia, do Paraguai, do Peru e de outros pases limtrofes ou no para o Brasil. o Ministrio do Trabalho e Emprego recebe desde os anos 90 e de forma crescente denncias de violncia no ambiente de trabalho relacionadas com o fluxo migratrio irregular de trabalhadores estrangeiros. Em geral essas denncias dizem respeito servido por dvida, trabalho forado, maus tratos, precrias condies de segurana e sade, assdio moral e sexual, espancamentos, jornadas de mais de 16 horas de trabalho e outras violaes de direitos humanos. poca ainda no se haviam construdo tratados de regularizao migratria ou de residncia, nem tampouco de proteo s vtimas de trfico de pessoas. os trabalhadores estrangeiros entravam de forma irregular no pas, muitas vezes vtimas de trfico de pessoas, e assim permaneciam, sofrendo calados, com medo da deportao e do retorno forado. A partir de meados dos anos 2000 o processo de integrao regional tem se fortalecido principalmente a partir da incluso da dimenso social na agenda de integrao regional. nos ambientes de trabalho em que se encontram estrangeiros irregulares, normalmente o cenrio de extrema precariedade. nas oficinas de costura so encontrados diversos trabalhadores migrantes, em sua maioria proveniente de pases como Bolvia, Paraguai e Peru, que trabalham por mais de 14 horas dirias para ganhar valores prximos ao salrio mnimo, ou mesmo abaixo deste, e sem as mais bsicas condies de segurana e sade. na maioria das vezes, para chegar ao Brasil, esses trabalhadores acabam contraindo dvidas que so descontadas dos salrios j baixos, acarretando situaes de servido e de restrio da liberdade de locomoo, por dvida. Essa situao se agrava em virtude do desconhecimento das leis nacionais e da falta dos documentos brasileiros, j que a maior parte dessa migrao se d informalmente, sem o controle das autoridades de fronteira. no raro acontecerem agresses fsicas e morais, ameaas e outras vulneraes de direitos humanos.

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o compromisso pelos preceitos do Trabalho Decente, conforme preconizados pela organizao Internacional do Trabalho e inteiramente aplicados pelo Ministrio do Trabalho e Emprego, direciona toda a atividade da fiscalizao em prol da melhoria contnua das relaes e dos ambientes de trabalho. nesse sentido, e seguindo a melhor tradio em defesa dos direitos humanos, o Ministrio do Trabalho e Emprego deve buscar proteger o trabalhador, independentemente de sua nacionalidade. esse o contexto do trabalho desenvolvido pela fiscalizao, nos casos que envolvam o trabalho realizado em condio anloga de escravo, quer seja nacional ou estrangeiro. no que diz respeito autorizao para trabalhar, o trabalho do estrangeiro regido por regras prprias, notadamente pela lei 6.815/80 e resolues normativas editadas pelo Conselho nacional de Imigrao CnI. nos casos em que se encontram trabalhadores estrangeiros submetidos condio anloga de escravo, normalmente houve migrao irregular e trfico de pessoas para fins econmicos e esse estrangeiro encontra-se em situao vulnervel, ensejando procedimentos emergenciais e incisivos, por parte da Auditoria-Fiscal do Trabalho, no sentido de proteger a vida e a integridade desse trabalhador. Assim, no captulo especfico a respeito do trfico de pessoas para fins de explorao econmica sero fornecidos melhores detalhes e subsdios a respeito do enfrentamento do trabalho em condio anloga de escravo realizado por trabalhador estrangeiro, notadamente em situao migratria irregular.34

3.6.4 Do trfico de pessoas para fins de explorao de trabalho em condio anloga de escravo a) Do Conceito de trfico de pessoas para fins de explorao econmica materializada no trabalho em condio anloga de escravo Em sentido amplo, o trfico de pessoas pode ser conceituado como o recrutamento de terceiros, pela fora, fraude, enganao ou outras formas de coero, com propsitos de explorao, de acordo com o Escritrio das naes Unidas sobre Drogas e Crime UnoDC. Dessa forma, observa-se que o trfico de pessoas representa uma grave violao dos direitos humanos fundamentais e deve ser combatido de forma sistmica pelo Estado. o Brasil, ao ratificar o Protocolo Adicional Conveno das naes Unidas contra o Crime organizado Transnacional relativo Preveno, represso e Punio do Trfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianas, promulgado por meio do Decreto n 5.017, de 12 de Maro de 2004, reafirmou seu compromisso no combate a essas formas modernas de escravido e vulnerao dos direitos humanos. o Protocolo de Palermo, como conhecido, foi adotado naquela cidade italiana, em 15 de Dezembro de 2000, e passou a vigorar no plano internacional em 29 de setembro de 2003.MANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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b) Dos elementos do trfico de pessoas Assim, importante ressaltar que a definio de trfico de pessoas contida no Protocolo de Palermo inclui trs elementos bsicos e cumulativos: a ao, os meios e a finalidade de explorao1. Para que se caracterize o trfico de pessoas basta que to somente uma das caractersticas relativas a cada um dos elementos esteja presente. Abaixo traamos um quadro das caractersticas de cada um dos elementos, baseado no Artigo 3, alnea a, do Protocolo:A Ao - o recrutamento; - o transporte; - a transferncia; - o alojamento; - o acolhimento de pessoas. - ameaa; - uso da fora; - outras formas de coao; - rapto; - engano; - abuso de autoridade; - situao de vulnerabilidade; - aceitao de pagamentos ou benefcios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra. os MEIos A FInALIDADE DE EXPLorAo DE, no MnIMo - prostituio de outrem; - outras formas de explorao sexual; - o trabalho ou servios forados; - escravatura ou prticas similares escravatura; - a servido; - a remoo de rgos.35

Especialmente no que se relaciona com o enfrentamento ao trabalho anlogo ao de escravo, objeto do presente manual, interessa-nos o trfico de pessoas que tenha por finalidade esse especfico tipo de explorao econmica, de acordo com a definio do prprio Protocolo de Palermo: o trabalho ou servios forados, escravatura ou prticas similares escravatura ou a servido. d) Do trfico de pessoas para fins econmicos Dessa forma, observa-se que a finalidade maior do trfico de pessoas para fins econmicos o lucro, obtido com a explorao do trabalho anlogo ao de escravo. Esse lucro, ou qualquer1 orGAnIZACIn InTErnACIonAL DEL TrABAJo. El costo de la coaccin. Informe global con arreglo al seguimiento de la Declaracin de la oIT relativa a los principios y derechos fundamentales en el trabajo. Conferencia Internacional del Trabajo. 98 reunin. Informe I (B). Ginebra: oficina Internacional del Trabajo, 2009, p. 9

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outro benefcio, ser obtido por meio de alguma forma de explorao em condio anloga de escravo da vtima, aps a chegada ao destino. Esse lucro ou benefcio ser conseguido por meio de uma situao de desequilbrio entre a vtima e seu explorador, em favor necessariamente do ltimo. Essa explorao ocorrer, necessariamente, por meio do trabalho realizado sob alguma das condies anlogas de escravo previstas no ordenamento jurdico brasileiro. e) Da poltica nacional de enfrentamento ao trfico de pessoas Por meio do Decreto n 5.948, de 26 de outubro de 2006, o Governo brasileiro aprovou a Poltica nacional de Enfrentamento ao Trfico de Pessoas, que trouxe algumas definies tambm fundamentais ao presente trabalho. nesse sentido, o referido documento determina que: Art. 2. 3o A expresso escravatura ou prticas similares escravatura deve ser entendida como: I a conduta definida no art. 149 do Decreto-Lei no 2.848, de 1940, referente reduo condio anloga a de escravo; e II a prtica definida no art. 1o da Conveno Suplementar sobre a Abolio da Escravatura, do Trfico de Escravos e das Instituies e Prticas Anlogas Escravatura, como sendo o casamento servil. Da mesma forma, ao tratar do aliciamento de mo de obra, normalmente relacionado com os ilcitos relacionados ao trabalho em condio anloga de escravo, a Poltica afirma: Art. 2. 4o A intermediao, promoo ou facilitao do recrutamento, do transporte, da transferncia, do alojamento ou do acolhimento de pessoas para fins de explorao tambm configura trfico de pessoas. Por sua vez, ao tratar da participao da Auditoria-Fiscal do Trabalho na execuo da Poltica, restam claras as competncias e obrigaes da Fiscalizao do MTE: Art. 8. VII na rea do Trabalho e Emprego: a) orientar os empregadores e entidades sindicais sobre aspectos ligados ao recrutamento e deslocamento de trabalhadores de uma localidade para outra; b) fiscalizar o recrutamento e o deslocamento de trabalhadores para localidade diversa do Municpio ou Estado de origem;MANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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c) promover articulao com entidades profissionalizantes visando capacitar e reinserir a vtima no mercado de trabalho; e d) adotar medidas com vistas a otimizar a fiscalizao dos inscritos nos Cadastros de Empregadores que Tenham Mantido Trabalhadores em Condies Anlogas de Escravo; Da mesma maneira, fundamental compreender-se a condio de transnacionalidade do trfico de pessoas, indicando indiferentemente se tratar de trfico interno ou internacional, envolvendo tanto trabalhadores brasileiros quanto estrangeiros, consubstanciada nos pargrafos quinto e sexto da Poltica, abaixo reproduzidos: Art. 2. 5 O trfico interno de pessoas aquele realizado dentro de um mesmo Estado-membro da Federao, ou de um Estado-membro para outro, dentro do territrio nacional. 6 O trfico internacional de pessoas aquele realizado entre Estados distintos. outro ponto fundamental para compreenso da dimenso do trfico de pessoas diz respeito irrelevncia do consentimento da vtima para a sua caracterizao, de acordo com o pargrafo stimo, da Poltica, abaixo reproduzido, pois ele geralmente obtido por meio do engano da vtima: Art. 2 7o O consentimento dado pela vtima irrelevante para a configurao do trfico de pessoas.

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f) Trfico de pessoas para fins econmicos e trabalho em condio anloga de escravo: uma relao intrnseca e interdependente A relao entre o trfico de pessoas e o trabalho anlogo ao de escravo , portanto, intrnseca e completamente interdependente. nesse sentido, importante ressaltar o entendimento da organizao Internacional do Trabalho oIT, abaixo reproduzido: importante compreender que o trfico de pessoas possui uma estreita relao com o trabalho forado. Com efeito, a principal finalidade do trfico de pessoas fornecer mo-de-obra para o trabalho forado, seja para a explorao sexual comercial, seja para a explorao econmica, ou para ambas as finalidades. Oportuno esclarecer que trabalho forado no se confunde com situaes que enMANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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volvam baixos salrios ou ms condies de trabalho. Para que se configure uma situao de trabalho forado necessrio que estejam presentes dois elementos: a) o trabalho ou servio deve ser imposto sob ameaa de punio e; b) deve ser executado involuntariamente. Na prtica, a punio imposta a trabalhadores e trabalhadoras se apresenta de vrias formas, que vo desde expresses mais explcitas de violncia (por exemplo, confinamento, ameaas de morte), passando por formas mais sutis de violao, muitas vezes de natureza psicolgica (por exemplo, ameaa de denncia de trabalhadores e trabalhadoras em situao migratria irregular polcia) ou mesmo sanes de natureza financeira (por exemplo, no pagamento de salrios, ameaa de demisso quando o/a trabalhador/a se recusa a fazer horas extras alm do estipulado contratualmente ou em legislao nacional), dentre outros. A involuntariedade da execuo do trabalho tambm se apresenta sob faces diferenciadas, uma vez que o trabalhador ou trabalhadora pode se encontrar preso atividade laboral por esquemas de servido por dvida ou ainda devido ao isolamento geogrfico. Nesses casos, um trabalho aparentemente voluntrio, mostra-se, na prtica, involuntrio2 .38

Dessa maneira observa-se claramente a relao existente entre trabalho forado e trfico de pessoas devendo a Auditoria-Fiscal do Trabalho engendrar todos os esforos para a erradicao desse tipo de vulnerao dos direitos dos trabalhadores. Algumas concluses bsicas podem ser ressaltadas, aps a compreenso dos termos acima: 1) no ordenamento jurdico brasileiro, uma vez configurado o trabalho em condio anloga de escravo restar tambm configurado, necessariamente, o trfico de pessoas para fins econmicos, pois o elemento explorao econmica encontra-se no corao dos tipos; 2) A finalidade do trfico para fins econmicos a explorao da mo de obra submetida ao trabalho anlogo ao de escravo, por meios insidiosos, fraudulentos etc; 3) Qualquer trabalhador, nacional ou estrangeiro, est sujeito ao trfico de pessoas para fins econmicos, sendo dever do Estado garantir todos os meios a seu alcance para lograr a erradicao desse tipo de vulnerao aos direitos humanos fundamentais, buscando proteger a vtima e reintegr-la na sociedade;

2 FAUZInA, Ana Luiza; VAsConCELos, Mrcia; FArIA, Thas Dumt. Manual de capacitao sobre trfico de pessoas. Braslia: organizao Internacional do Trabalho, 2009, pp. 10/11.

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g) Da origem dos trabalhadores Considerando que o trfico de pessoas envolve necessariamente a mobilidade geogrfica, por meio da qual um trabalhador sai de sua residncia e zona de conforto para um lugar desconhecido, observa-se que esse fator, reforado com diversos matizes de engodo perpetrados contra o trabalhador com a finalidade de explorar-lhe economicamente, responsvel pela vulnerabilidade alcanada na explorao do trabalho escravo. Dessa maneira, tanto o trabalhador nacional aliciado, quanto o estrangeiro, ambos vtimas de trfico de pessoas para fins econmicos, encontram-se fora de sua casa, na maioria das vezes longe de seus familiares e normalmente sem suas referncias mais prximas que lhe garantem uma zona de conforto e proteo. Essa dupla vulnerao econmica e geogrfica , em parte, responsvel pelo crculo vicioso que perpetua as situaes de trabalho escravo principalmente dos trabalhadores estrangeiros irregulares. os algozes desses trabalhadores e os beneficirios desse tipo de trabalho utilizam-se, normalmente, do argumento de que se essas vtimas forem denunciar sua situao de vulnerabilidade e explorao para as autoridades brasileiras, sero deportadas. Assim esses trabalhadores se sentem ameaados e continuam subjugados, garantindo-se uma assimetria bastante injusta no mercado de trabalho entre aqueles que empregam mo de obra irregular estrangeira e aqueles que seguem as normas legais. Com relao aos trabalhadores brasileiros vem sendo construdo, nos ltimos cinco anos, um acervo de procedimentos e um cabedal de ferramentas capazes de garantir a represso necessria a posturas empresariais daninhas s relaes de trabalho saudveis e a proteo devida s vtimas dessa violncia. no entanto, com relao ao trabalhador estrangeiro, principalmente o irregular, diversas dvidas surgiram, principalmente em vista da atuao da Polcia de Imigrao, sob responsabilidade do Departamento de Polcia Federal, que tem por preocupao maior a proteo das fronteiras nacionais. h) Do tratamento ao trabalhador estrangeiro irregular, vtima de trfico de pessoas a Resoluo Normativa no 93, de 21/12/2010, do Conselho Nacional de Imigrao (CNI) De plano, importante esclarecer que estar em situao migratria irregular o estrangeiro que: a) ingressou no Brasil sem passar pelos controles migratrios em portos, aeroportos ou pontos de fronteira; b) permaneceu no Brasil alm do prazo regular de estada concedido; ou c) trabalha no Brasil sem portar visto, permanncia ou residncia que o autorize a exercer atividades laborais.MANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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Com relao ao enfrentamento do trabalho anlogo ao de escravo realizado trabalhadores estrangeiros em situao migratria irregular, deve-se observar a normativa em vigor e, em especial, o citado Protocolo de Palermo, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto n 5.017, de 12 de maro de 2004, que afirma, em seus arts. 6 e 7, relativos assistncia e proteo s vitimas de trfico de pessoas: Artigo 6. 3o. Cada Estado Parte ter em considerao a aplicao de medidas que permitam a recuperao fsica, psicolgica e social das vtimas de trfico de pessoas, (...), em especial, o fornecimento de: d) Oportunidades de emprego, educao e formao. Artigo 7 Estatuto das vtimas de trfico de pessoas cios Estados de acolhimento 1. Alm de adotar as medidas em conformidade com o Artigo 6 do presente Protocolo, cada Estado Parte considerar a possibilidade de adotar medidas legislativas ou outras medidas adequadas que permitam s vtimas de trfico de pessoas permanecerem no seu territrio a ttulo temporrio ou permanente, se for caso disso. 2. Ao executar o disposto no pargrafo 1 do presente Artigo, cada Estado Parte ter devidamente em conta fatores humanitrios e pessoais. Em recente documento de trabalho da oIT a respeito da interface entre as migraes, o trabalho no declarado, o trfico de pessoas e tendncias atuais, elaborado pelo LAB/ADMIn, programa da oIT para a Inspeo do Trabalho, observam-se algumas tendncias mundiais, a respeito do enfrentamento desse problema crescente em todo o mundo. Desse trabalho destacamos, em particular, os seguintes trechos3: Los inspectores necesitan tener un buen conocimiento de las leyes existentes a fin de identificar y manejar mejor la situacin del trabajo no declarado. Para este fin, los inspectores deben ser adecuadamente capacitados. Es ms, la planificacin y ejercicio de las visitas de inspeccin deberan ser reevaluados a fin de garantizar que se3

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oFICInA InTErnACIonAL DE TrABAJo. La inspeccin del trabajo em Europa: trabajo no declarado, migracin y trfico de trabajadores. Ginebra: ILo, 2010, pp. 4-6

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preste adecuada atencin a la incidencia del trabajo no declarado, an en situaciones en las cuales el objetivo principal de la visita no fuera detectar una actividad no declarada. Es ms, los pases pueden aprovechar la funcin educativa y promocional de las inspecciones del trabajo a fin de aumentar el nivel de conciencia entre las empresas y los trabajadores acerca de las reglas del trabajo no declarado y cmo se puede evitar o regularizar esta situacin. Las inspecciones juegan un papel importante en este objetivo por medio de la prevencin y la transformacin del trabajo no declarado y no deberan ser consideradas meramente como una fuerza del orden que impone una multa o una sancin. Las instrucciones deben establecer los criterios para decidir dnde deben centrar su atencin las inspecciones, dependiendo de los recursos disponibles y de las prioridades que incluyen atender a los informes sobre denuncias de no registro de empresas o a la no declaracin de trabajadores. Los inspectores no deberan, sin embargo, ser usados como si fueran la polica de inmigracin. Los inspectores deben enfocarse sobre el control de las condiciones laborales. De hecho esto ya ha sido abordado por ejemplo, por el Comit de Expertos de la OIT sobre la Aplicacin de los Convenios y Recomendaciones (CEACR) en los comentarios hechos en 2006 y 2008 con respecto a la aplicacin del Convenio No. 81 de la OIT por Francia. En su Observacin de 2008 el Comit recalc que no se debera excluir a ningn trabajador de la proteccin en base a su condicin de trabajador irregular. Las funciones de las inspecciones del trabajo son asegurar que las condiciones laborales estn alineadas con los requisitos legales pertinentes y la proteccin del trabajador mientras desempea sus labores. Su funcin no es controlar la naturaleza legal de su empleo. En este sentido, el Comit inst al gobierno a tomar medidas a fin de garantizar que los poderes de los inspectores para entrar en el lugar de trabajo no fuesen objeto de abuso para implementar operaciones conjuntas a fin de combatir la inmigracin no autorizada.

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Dessa forma, com a finalidade de normatizar a regularizao migratria das vtimas de trfico de pessoas, com vistas concesso do visto permanente ou permanncia no Brasil aos migrantes irregulares, o Conselho nacional de Imigrao CnI, rgo colegiado do MTE que tem por competncia formular a poltica de imigrao, assim como deliberar, coordenar e orientar as atividades de imigrao, no nosso pas, editou a resoluo normativa n 93, de 21 de Dezembro de 2010. A rn 93 disciplina a concesso de visto permanente ou permanncia no Brasil e o estrangeiro que vier a ser considerado vtima de trfico de pessoas. Para tanto, determina a citada rn 93:MANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIES ANLOGAS S DE ESCRAVO

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Art. 1 Ao estrangeiro que esteja no Brasil em situao de vulnerabilidade, vtima do crime de trfico de pessoas, poder ser concedido visto permanente ou permanncia, nos termos do art. 16 da Lei n 6.815, de 19 de agosto de 1980, que ser condicionado ao prazo de um ano. 1. A partir da concesso do visto a que se refere o caput, o estrangeiro estar autorizado a permanecer no Brasil e poder decidir se voluntariamente colaborar com eventual investigao ou processo criminal em curso. 2. A concesso do visto permanente ou permanncia poder ser estendida ao cnjuge ou companheiro, ascendentes, descendentes e dependentes que tenham comprovada convivncia habitual com a vtima. Para fazer jus aos benefcios previstos na rn 93, o estrangeiro em situao migratria irregular que vier a ser resgatado de trabalho em condio anloga de escravo dever ser encaminhado pela Chefia superior da Fiscalizao, no mbito da srTE, ao Ministrio da Justia, por meio de ofcio enumerando e juntando laudo tcnico atestando a situao do trabalhador vtima de trfico de pessoas, emitido por qualquer das seguintes instituies:42

I secretaria nacional de Justia do Ministrio da Justia; II ncleos de Enfrentamento ao Trfico de Pessoas; III Postos Avanad