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Como eu atravessei Africa, por Serpa Pinto, vol. 1

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  • COMO EU ATRAVESSEI }\FRICA

    00

    ATLANTICO AO MAR INDICO, VIAGEM: DE BENGUELLA K. CONTRA-COSTA.

    ATRAVkS REGIES DESCONHECIDAS;

    DETERMINAES GEOGRAPHICAS E ESTUDOS ETHNOGRAPHICOS.

    PoR SERPA PINTO, .. ~

    DOIS VOLUMES.

    CONTENDO 15 MAPPAS E FACSIMILES, I! 183 GRAVURAS FEITAS DOS DESENHOS DO AUTOR,

    VOLUME PRIMEIRO.

    PRIMEIRA PARTE -A CARABINA D'EL-REI .

    .. ./< LONDRES: I

    SAMPSON LOW, MABSTON, SEARLE, 11: BIVINGTON, EDITORES,

    _CBO\VN BUILDINGS, 188 FLEET BTREET.

    1881.

    ''

  • 230763

    LONDRJ:S:

    NA T11'0GBAPHJA DB GUILIIBIIJD CLOWB8 B J'ILII08 (OOIIlPANBIA LDOTADA),

    .BT AMWRD STR&.ft caunro CB088..

    .... :.:: ::. :.::::: ~ : .;.::. .~.: ... : ;.~ ~: : .. ; . . . .. . ......... .

  • A SUA MAGESTADE EL-REI

    D. LUIZ 1,

    OOJI PUVU. LICBNA

    OFFERECE E~TE LIVRO

    O AUTR.

    a 2

  • ( v )

    SENHOR,

    No foi um sentimento de adulao servil que me levou a pedir . licena a VossA MAGESTADE para lhe dedicar este livro, foi o reconhecimento de uma dupla divida de justia e de gratido: de justia ao Monarcha in-

    . telligente e illustrado que firmou o decreto creando recursos para a primeira expedio scientifica Portugueza d'este seculo ~rica Central ; de gratido, ao principe cujos dotes de corao e de espirito disputam primazias s suas elevadas qualidades de um dos primeiros reis constitucionaes da Europa contempornea.

    Deu-me VossA MAGEST ADE ensejo de prender indissoluvelmente o meu obscuro nome de -soldado Portuguez, a uma das mais felizes e auspiciosas tentativas modernamente feitas por

  • ( vi )

    Portugal ; por isso esse livro pertence a VossA :MAGESTADE como legitimo titulo 4a minha im-mensa gratido. Ouso rogar respeitosamente a VossA MAGESTADE queira aceitar a minha hu-milde offerta com a mesma benevolencia com que se dignou dar-me incitamentos para uma empresa, da qual, depois de realisada, fram ainda os favres de VossA MAGESTADE a mais si~cera e no regateada recompensa.

    O Vosso ajudante de campo

    E o mais dedicdo dos

    Vossos subditos,

    ALEXANDRE DE SERP PINTO.

    LoNDRES, 61 GowEB BTREET, 5 de Dezembro de 1880.

  • ( vii )

    A SUAEXCELLENCIA, O CONSELHEIRO

    JOO D'ANDRADE CORVO.

    -Iu.o. E Exo. Sx&,

    Com propor o meu nome, em 1877, na Commisso Central Permanente de Geographia, para fazer parte da expedio Portugueza ao interior d1\fi-ica, assumio Vossa Excellencia a responsabilidade da minha nomeao.

    Foi para mim pensamento constante, dar a Vossa Excellencia satisfao plena do encargo que tomou indigitando-me para to rdua tarefa.

    Este livro contem, de envolta com a narrativa das minhas aventuras, os resultados dos meus trabalhos e estudos.

    No sei se corresponder ao que Vossa Ex-cellencia esperava de mim ; como no sei se cumpri os deveres que Vossa Excellencia, em nome do paiz, me impoz.

    Tenho a consciencia de que trabalhei quanto pude, e que segui, tanto quanto em fras

    ..

  • ( viii )

    humanas cabia, o pensamento e as instruces de Vossa Excellencia.

    A leitura da minha narrativa mostrar a Vossa Excellencia, com quantas difficuldades lutei, e de quo minguados recursos dispuz.

    Se, porem, os meus trabalhos corresponderem . confiana com que Vossa Excellencia me quiz honrar, ser isso o maior premio a que pode aspirar, o mais respeitoso admirador do talento,

    vasto saber e elevadas qualidades de Vossa E~cellencia,

    ; IL

    ALEXANDRE DE SERPA PINTO.

    LoNDRES, 61 GowER STREKT, 28 de Nooemlwo de 1880.

  • ( IX )

    TRIBUTO DE GRATIDO.

    ---,

    Vou citar nomes. E difficil e perig~sa tarefa. Ha a;empre o receio de ferir modet~tias, ou levantar suscep-tibilidades. No importa; sigo avante.

    Ser grande a lis~, por serem multiplicados os favre~; e pos~ bem peccar por omisso, filha de memoria pregmosa.

    Que me perdem os que desejariam esconder sses favres na mais velada modestia, como aquelles a quem um lapso de reminiscencia deixasse no olvido.

    Seguindo a ordem chronologica dos factos, procurarei r10 profundo eentimento de gratido a lembrana dos servios e favres recebidos.

    Cabe Commisso Central de Geographia o primeiro logar no meu reconhecimento ; por. me ter distinguido com a sua esclha para instrumento da explorao que decidio fazer em ~frica.

    Proposto pelo snr. Conselheiro Andrade Corvo, fui unnimemente aceito, e attendido nas propostas que apresentei para a organizao da emprsa. Falando da Commisso Central de Geographia, no posso omittir de citar nomes ; porque, recebendo obsequios de tdos, fui particularmente auxiliado por muitos.

    O Dor. Bernardino Antonio Gomes, Marquez de Souza-Hollstein, Antonio Augusto Teixeira de Vascon-

  • ( X )

    cellos, sam nomes que as lousas tumulares dos ~us jazigos, no podem occultar minha gratido.

    O Dor. Julio Rodriguez, Luciano Cordeiro, o D' ... Bocage, Conde de Ficalho, Carlos Testa, Pereira da Silva, Jorge Figaniere, e Francisco da Costa e Silva, fram os cavalheiros que, no seio da Comm.isso, mais se esforram por me encher de favres.

    Outro, que s6 annos depois conheci pessoalmente (ausente em quanto se organizou a expedio), no deixou de concorrer com o sem conslho abalizado para a parte scientlfica d'ella. Refiro-me ao sn. Brito Limpo.

    Fora da Commisso, prestram-me valiso auxilio, os meus particulares amigos Marrecas Ferreira e Joo Botto.

    Vem depois da Commisso Central, a Sociedade de Geographia de Lisboa ; e com ella mais em evidencia, os seus Presidentes, D Bocage e Vizconde de S. J anuario, e os seus Secretarias Luciano Cordeiro e Rodrigo Pequito.

    Segue-se o jornalismo Portuguez, a quem cordial-mente agrado tdos os favres que me dispensou, e a maneira por que acolheu a minha nomeao.

    Fora do paiz prestram-me valiso auxilio, o gnr. Mendes Leal, Antonio d'Abbadie, e Ferdinand de Lesseps, em Paris; o Vizconde de Duprat e o Tenente Pinto da Fonseca Vaz, em Londres ; sendo que cooperao d'estes cavalheiros, e s a ella, podmos eu e Capello ter dado conta do encargo que tommos de organizar em um mez o material da expedio.

    Antes de ter deixado Portugal, ha que citar ainda dois cavalheiros, que concorrram poderosamente para a realizao da nossa emprsa.

    Sam o Conselheiro Jos de Mello e Gouvea, que ento governava nos negocias do Ultramar, e Francisco Costa, o Director Geral do Ministerio das Colonias.

  • ( xi )

    Pedro d'Almeida Tit, e Avelino Fernandes, dis pensram-me taes favres em viagem, que no posso deixar de escrever aqui os seus nomes.

    V em, em seguida, o do Governador de Cabo Vrde, Vasco Guedes, e o -do Governador d'Angola, Caetano d' Albuquerque; que ambos me dispen&ram innumeras finezas.

    Em Loanda, Jos Maria do Prado, Urbano de Castro, o Consul Newton, a Associao Commercial, e sbre tudo os officiaes e Commandante da Canhoneira Tmega, sam credores do meu mais profundo reco-nhecimento.

    Apparece agora um nome que n'esse tempo echoava por todas as partes de;> mundo, e assombrava com as suas faanhas o orbe inteiro:

    Henrique Moreland Stanley. O grande explorador, o ousado viajante, que acabava

    de fazer. a mais prodigiosa viagem dos tempos modernos, foi meu amigo, e meu conselheiro, e d'elle recebi pro-veitosas lies. Melhor mestre no poderia ter. Que elle recba n'estas curtas linhas o mais sincero tributo da grande admirao que nutro por elle, e a mais franca expresso da minha estima, e da gratido que lhe consagro.

    Em Benguella, Pereira de Mello e Silva Porto-occupam o primeiro logar ; e nem me detenho a falar d'elles, que mais alto falam por mim os seus actos narrados n'este livro. Antonio Ferreira Marquez, o Tenente Seraphim, o pharmaceutico Monteiro, e Vieira da Silva, sam outros tantos cavalheiros que no posso esquecer.

    Santos Reis, o meu hospedeiro do Dombe Grande, e o Tenente Roza de Quillengues, sam mais dois credores minha gratido.

    V ou dar um salto enorme, e sem me deter a falar

  • ( xii )

    do nor. Bradshaw e da familia Coillard, transprto-me ao Bamanguato, a Slwshong (Xoxon), onde os favres do rei Kama, e sobre tudo os de M' e Madama Taylor, me obrigam a no olvidar os seus nomes.

    Vai comear para mim um embarao enorme. Estou em Pretoria ; estou na primeira terra do mundo civilisado que encontro depois de Benguella ; e ali sam tantos os favres que se me prodigalizam, que no sei como sahir do embarao que elles me causam para os agradecer.

    M' Swart, o thesoureiro do Govrno, foi o primeiro a obsequiar-me, e ser o primeiro citado.

    Vem em seguida os nomes de Fred. Jeppe, Secretario Osborne, nor. Bissik, M' Kisch, Major Tylor e Capito Saunders, e tdos os officiaes do Regimento 80.

    A Baronza Van-Levetzow, Madame Imink e Madame Kisch, e emfim o Coronel Lanyan.

    Sir Bartle-Frere veio logo em meu auxilio, e no se demorou o nosso Consul Portuguez no Cabo, o snr. Carvalho.

    Se dvo muita gratido ao Governador Inglez, no dvo menos ao Consul Portuguez, que, por telegrammas immediatos, veio prestar-me a maior assistencia.

    Monseigneur Jolivet, o sabio Bispo de Natal, ento residindo em Pretoria, no foi dos ultimos a encher-me de favres.

    Em caminho para Durban, recebi um obsequio grande de M' Goodliffe, e em Maritzburgo multipli-cram-se os obsequios do Coronel Baker, Capito Whalley e Madame Saunders, e M' Furs. . Em Durban, M' Snell, o Consul Portuguez, e , Mr e Madame B. H. de 'V aal, chefe da Handels Company em ~frica Oriental, muito se distinguram .em favres prestados.

  • ( Xlll )

    Agora qQe se torna verdadeiramente embaraosa a minha misso. V ou regressar Europa, tendo ter-minado a minha viagem, e accumulam-se os obsequios que recbo a cada momento.

    Em Loureno Marquez, sam Castilho, Machado, Maia e Fonseca. Em Moambique, o Governador Cunha, Torrezo e tdos.

    Em Zanzibar, o Dor e Madama Kirk, Widmar, e sbre tdos o Capito Draper do 'Danubio,' da Unin Steamship CompafiJJ, que de Durban me transportou ali.

    No Cairo, ainda Widmar me presta grandes favres. Em Alexandria, sobreSEe a tdos o Conde e a Condssa de Caprara.

    Ainda antes de chegar a Lisba, recbo um servio importante do Baro de Mendona, em Bordeos.

    Em Lisba, ~ Govrno, primeiro, e amigos velhos e conhecidos novos, porfiam em obsequiar-me.

    Estou ali apenas dez dias, em que mal tive tempo para receber favres, e em que me no sobejou um minuto para os agradecer.

    Quizram que eu fizesse uma conferencia, mal re-pousado ainda das fadigas da viagem; e sem o poderso concurso que me prestram Pequito, Sarrea Prado, Batalha Reis e Dor. Bocage, impossvel me seria fazei-a.

    No querendo, no podendo mesmo, Citar nomes, tantos seriam elles, no deixo de agradecer, com o mais sincero reconhecimento, Sociedade de Geographia de Lisboa tudo o que por mim fez.

    A' Associao Commercial e ao seu digno Presidente, o gar. Chamisso, que sempre tomou o maior interesse pela explorao de que eu fiz parte.

    Sube em Lisba um facto que no posso deixar de consignar aqui com um nome.

    Agrado ao 8~~~' Thomas Ribeiro as ordens que deu

  • ( XIV )

    como Ministro da Marinha, para que me fssem enviados soccorros de Moambique para o interior d'~frica.

    Ao Crpo Diplomtico residente em Lisba expresso os meus sentimentos de gratido, e sobre todos aos Slml. Morier, Baro de P. Hegeurt, Laboulay, Marquez d'Oldoini, e Ruata .

    ..A! Associao Commercial do Porto, aos bombeiros voluntarios d'aquella cidade, Sociedade Euterpe e Sociedade de Instruco, aos municpios e mais insti-tuies do paiz que me obsequiram, consigno aqui um testemunho de agradecimento .

    .N.s Associaes Portuguezas no BraziJ, aos meus conterraneos que longe da patria me saudram, a elles que nada poupram para mim em honras e distinces, envio um fraternal protesto de immensa gratido.

    Sobre todos quelles que formram uma sociedade com o meu nome, e que de Pernambuco me offerecram um mimoso presente, de tal distinco, que nunca os poderei esquecer.

    Cabe agora, pela ordem dos factos, agradecer aos Soberanos estrangeiros as altas honras com que me distinguram, sbre tdos ao Monarcha Belga, ao !Ilus-trado e sabio Rei Leopoldo, ao grande impulsor do movimento geogrphico Africano moderno, que, a par da mais alta honra com que me podia enoLrecer, me dispensou a mais cordial estima, e me mostrou o mais affectuoso interesse .

    ..A!.s Sociedades de Geographia da Frana, principal-mente s de Paris, onde o Almirante La Ronciere le Noury, Ferdinand de Lesseps, MM. Daubr, Maunoir, d'Abbadie, de Quatrefages e Duveyrier, me enchram de favres; de Marselha, que me conferio uma subida distinco, e cujo Presidente, Mr Babaut, muito me obsequiou ; e Commercial de Paris, onde distingo o seu digno Secretario Geral, Mr Gauthiot.

  • ( x.v )

    Ainda em Paris, tenho a nomear a Colonia Portu-gueza, e nel1a os s- Mendes Leal, Conde de S. Miguel, Camillo de Moraes, Pereira Leite, Garrido, e D .Aguiar, de quem nunca poderei olvidar os favres recebidos.

    A's Sociedades de Geographia Belga, e de .Anvers,. nomeadamente aos seus Presidentes, o General Liagne e Coronel Wauvermans; e lm d'estes cavalheiros, no posso deixar de falar, em um paiz onde tdos me obsequiram, nos nomes dos son. du Fief, Bamps, e Coronel Strauch, e ainda mais alto no Conde de Thomar, cujos favres repetidos e cordialidade de trato con vertram em verdadeira amizade a sincera estima das primeiras relaes.

    Cabe, pela ordem dos factos, o ultimo lugar Ingla-terra, que seria talvez a primeira plo nmero de favres dispensados.

    Principiou nas colonias lnglezas da ~frica do Sul a ter juz minha gratido este paiz, onde depois se me tinham de multiplicar os obsequios .

    .A!. Sociedade de Geographia de Londres, ao seu Presidente o Conde qe Northbrook, aos seus Secretarios Clements Markham e Bates, aos seus Membros Sir Rutherford .Alcock, Lord .Arthur RuE~sell, Visconde de Duprat, e muitos outros que impossvel seria nomear, deixo aqui escritos os meus sentimentos de reconheci-mento.

    Ao snr. Frederico Y oule, ao Dor. Peacock, aos snn. M. d'.Antas, Sampaio, Fonseca Vaz, Quillinan, Duprat, e Ribeiro Saraiva, a estes que alem de subidos favres m& dispensram grandes servios durante a minha grave doena, no posso deixar de lavrar um bem publico testimunho de gratido. Aind~ me falta citar o nome de Mr David W ard, o

    Mayor de Sheffield, e do meu particular amigo, o grande e eminente explorador V erney Lovett Cameron, para

  • .....

    ( xvi )

    fechar a lista, que seria interminavel a no tomal' resoluo de a fechar aqui.

    A's Sociedades ScientHicas dos outros paizes, e tdos aquelles que no posso citar, e que me cobrra1 de favres, agrado tudo quanto por mim fizram, agrado tanto mais sinceramente, quanto me cus1 no os poder personalizar.

    MAJOR ALEXANDRE DE SERPA PINTO.

    LoNDRES, 6 de Dezembro de lASO

  • ( xvii )

    O LIVRO.

    --NAo tem pretenes a obra de literatura este livro.

    Escrito sem preoccupao da forma, a fiel repro-uuco do meu diario de viagem.

    Cortei n'elle muitos epi.sdios de caadas, e outros, que um dia no descanso, produzirm um volume de caracter especial. Busquei ebre tudo fazer realar o que mais intereesante se tornava para os estudos geogrphicos e ethnogrphicos, e se no me pude eximir a narrar um ou outro dos muitos episodios dramticos que abundram na minha fadigo~ empresa, foi quando a sses episdios se ligavam factos consequentes, de importancia, ja para alterar o itinerario projectado, ja determinando demoras, ou marchas precipitadas, que seriam incomprehensiveis sem a exposiq das causas determinantes .

    .N.. Europa, ~ em geral ao homem que nunca viajou n

  • ( xvm )

    No tento mesmo pintar o que soffri, no procuro mostrar o quanto trabalhei, que me faam ou no a justia de que me julgo merecedor aquelles que exami-narem os meus trabalhos, hje isso para mim indiffe-rente; porque me convenci, de que s posso ser bem comprehendido plos que como eu pisram os long1nquos sertes do continente ngro, e passram os maos tratos que eu por l passei.

    Assim como s o homem que, sendo pai, pode com-prebender a dr pungente da prda de um filho, assim tambem s o homem que foi explorador pode compre-hender as atribulaes -de um explorador. Ha senti-mentos que se no podem avaliar sem se haverem experimentado.

    Os factos narrados n'este livro sam a expresso da verdade.

    Verdade triste muitas vzes, mas que seria um crime occultar.

    Procurei apresentar nlle os resultados de um trabalho aturado de muitos mzes, e garanto o que digo sbre geographia Africana, porque s eu sou autoridade para falar n'e1la na parte respectiva minha viagem, em quanto outro no houvr seguido os meus passos atravz d'}\.frica, e no me convencer do contrario.

    A.s minhas opinies genericas 86bre um ou outro problema podem ser erroneas, sam sujeitas critica, podem cahir por terra com uma demonstrao prtica das futuras viagens, como tem acontecido a asseres de muitos dos meus antecessores os mais illustres ; mas o que no tem nem pode ter contestao, sam os factos que eu vi, sam aquelles que se referem aos paizes que percorri, e que descrvo n'este livro com a consciencia que deve sempre dictar as aces do explorador.

    No fui ~frica ganhar dinheiro. Tive a mesquinha paga de official do exercito e no quiz outra.

    Abandonei uma famlia extremosamente querida ;

  • ( XIX )

    deixei 8 ptri8 e tudo para trabalhar, e s6 para trabalhar, em cooperao com os outros paizes, na grande obra do estudo do continente desconhecido, e tenho a consciencia de que fiz tanto quanto podia fazer.

    Deixo aos homens de sciencia e quelles- que- Mam autoridades em tal materia o avaliai-o.

    Ponho ponto n'este assumpto que parecer filho de um orgulho que no tenho, mas factos insblitos appare-cidos no decurso dos primeiros mzes da minha resi-dencia na Europa, depois de ter completado a fadigosa jornada d')\.frica, dictram as palavras que escrevi.

    Ha um anno que principiei a coordenar em livro os resultados dos meus trabalhos Africanos, mas uma pertinaz doena por vzes interrompeu a vontade que nutria de dar estampa esses trabalhos.

    Principiado em Londres em Setembro de 1879, o meu livro foi quasi tdo escrito nos mzes de Setembro e Outubro, de 1880, na Figueira da Foz, em Portugal.

    A pressa com que foi terminado contribuir de certo muito para a incorreco da forma.

    A publicao d' elle feita em Londres, onde encontrei na grande casa editora Sampson Low, Marston, Searle and Rivington, todas as facilidades que no pude obter fora d' ella.

    Estes cavalheiros no recuram ante a enorme des--pesa a fazer com uma to difficil e custosa publicao, e levram 8 sua condescendencia a fazer imprimir em Inglaterra a edio Portugueza ; trabalho difficilimo, porque a differena das ll.nguas dos dois paizes obrigou at fundio de typo, por causa dos signaes e accentos privativos do nossa idioma.

    Devo-lhes a maior gratido plo interesse que tem dedicado a esta publicao, para o merito da qual, se que ella tivr algum merito, elles de certo concorrram muito.

    O gar. Antonio Ribeiro Sarai v a, que, a pesar dos b 2

  • ( XX )

    seus trabalhos e da sua avanada idade, me quiz fazer o favor especial de rever as provas do livro; o sor. E. W eller, o cartbgrapho, que se encarregou da gravura das minhas cartas geogrphicas; o sor. Cooper, que interpretou magnlficamente os meus esboctos de viag~m nas gravuras que illustram a obra, concorrram tambem de certo muito para o valor d'ella.

    Ahi vai, pois, o livro, e s desejo que elle corresponda e sirva curiosidade de uns e ao estudo de outros ; e venha dar novos incitamentos grande e sublime cruzada do seculo XIX., a cruzada da civilisao do Continente Ngro.

    lmmBa, 61 Oowza BTBBK'I', de DeumlYro de 1880.

  • ( XXl )

    O TITULO DO LIVRO.

    -HJE, depois de jantar, sahi a darurn passeio, e de volta a casa, encontrei sbre a minha msa de trabalho, pregado com um alfinete, um pedacinho de papel, recortado no sei de que jornal, que dizia assim:

    "O Athena!um diz, que o Major Serpa Pinto, restabele-cido da sua prolongada doena, chegou a Londres, para terminar a publicao do livro descri ptivo da sua jornada atravez d'~frica. D-nos grande satisfao o saber, que o titulo d'elle foi alterado, de' Carabina d'El-Re~' para o de 'Como eu Atravessei ~frica.' 'A Carabina d'El-Rei' pode ser um magnifico titulo para um livro de aventuras de rapazes, por Mayne Reid ou Gustave Aimard; mas parece um pouco deslocado na pgina titulo de um livro serio de explorador Africano."

    meia noute, e eu sint 'lieeessidade de me deitar ; mas antes d'isso no posso deixar de escrever duas palavras sbre o asssumpto.

    A considerao tinha e no tinha razo de ser. As viagens n'~frica produzem sempre um romance,

    e algumas vzes tambem um livro de sciencia. A minha, se, como todas, um verdadeiro romance,

    no deixa por isso de conter trabalhoi geogrphicos de alguma importancia.

    Formei logo o project.o, que hje executo, de misturar

  • ( XXll )

    em a narrativa esses trabalhos com as minbas aven-turas, como elles tinham sido misturados nos sertes Africanos.

    A respeito do titulo para o livro, nada me preoccupei d'isso.

    Sendo salva a expedio, e por isso tdos os trabalhos que a ella se ligavam, pla Carabina d'El-Rei, pensei em dar aquelle tltulo obra tda. No me davam cuidado juizos dos crlticos severos. A minha justificao estaria no correr da narrativa.

    Veio porem uma considerao modificar o meu projecto.

    Um homem, um imico homem no mundo, incapaz de me increpar em publico plo exclusivismo do tltulo, de certo pensaria um momento em que eu tinha sido injusto para com elle em fazer sobressahir no meu livro o facto de ter sido salva a expedio pla Carabina d'EI-Rei, quando elle teria igual juz minha gratido, tendo-me salvo por seu turno.

    Pesou-me aquelle primeiro tltulo escolhido. como uma injustia que fazia a Francisco Coillard, quando esse tltulo me tinha sido dictado smente por um sentimento de justia, porque sou pouco propenso a expresses de adulao.

    Resolvi immediatamente conservar o tltulo de Cara-bina d'El-Rei primeira parte da minha narrativa, e dar segunda o nome de Francisco Coillard, o homem que, salvando-me, salvou os trabalhos da expedio que eu dirigia. Cumpria um devr.

    Mas desde esse momento, era preciso dar um tltulo geral obra, e esse no nunca difficil de se encontrar quando se tem atravessado um continente de mar a mar.

    Eis porque o meu livro se chama hoje :-" Como eu atravessei ~frica."

    Sei que pouco deve importar ao publico o tltulo,

  • ( x:xiii )

    qualqur, de uma obra d'estas. preciso chamar-se-lhe alguma cousa, e eu chamei-lhe assim.

    Pesar-me-ha se elle desagradar a alguns, mas ainda assim no me preoccupo com isso a ponto de no me ir deitar j, esperando ter um sono profundo durante a noite.

    Lo!IIDBIIB, 61 GoWBB STUBT, 12 de Deumbro de 1880, meia noik.

  • CONTE DO .

    . PROLOGO.

    1.-Collo &U Fui EXPLOBADB 11.-Collo FOI PaKPABADA. A Exi'BDIQIO

    -O.A.PITULO I.

    D BUIIOA D~ OA.BBBGA.DBBS.

    Chegada a Loanda-0 Governador Albuquerque---Nio ha carregadOres -Vou ao Zaire-O Ambriz-ChAgo ao Porto da Lenha-Os resga~ tadoe--&i da chegada de Stanley-Vou a Cabinda-Tomo Stanley a bOrdo da Tmega-Os officiaes da canhoneira-Stanley meu

    P40.

    1 10

    hbspede-0 n0110 itinerario-Chegada do I vens 15

    OAPI'l'ULO II.

    AINDA 1DI BUIIOA DB OA.BBBGADBBS.

    O GovernadOr, Alfredo Pereira de Mello-A casa do GovernadOr-CoUII&Il de que nlo tem culpa o Governo da Metrpoli-0 que ~ Benguella-0 commercio-Sou roubado-Outro roubo-A Catum-bela-Obtenho carregadOres-Chegada de Q\pello e Ivene-Nova alteraio de itinerario-Outra difficuldade-Silva Porto, o velho aertanejo-Apparecem novos obstculoe-0 Capello vai ao Dombe-Parda--0 que 6 o Dombe-Novas difficuldadeii-Partimoe emfim 28

    ' O.A.PITULO III. m&TOBIA DB UX CABNBIBO.

    :Sove diaa no deaerto-Falta de gua-0 ex-chefe de Quillenguee-Eu peroo-me nas brenhas-Doie tiros a tempo-Perde-se um muleque eu ma prt&-Perde-ee um burro-Quillenguee emfim-Morte do c:ameiro 4

  • . XXVI OONTEUDO.

    CAP)TULO IV. POB TEBBAS A V ASSALLADJ.S.

    Jornada a Ngola-0 sova Chimbe.randongo-Belleza do caminho-Chegada a Caconda-JOIM! d'Anchieta-Nada de correspondencia--Chegada do Chefe-Vamos aos carregadrea-Ivena vai ao Cunene e eu vou ao Cunene-Volta de casa do Bandeira-Falham os

    ?AG.

    carregadrea-0 meu juizo 56

    CAPiTULO V. VINTE DIAS DE AGONU.

    Parto de Caconda-0 sova Quislembe-Quingola e o sova C&imbo-40 carregadrea-Febre-0 Huambo, o sova Bilombo e aeu filho Capoo-80 carregadrea-Cartaa e noticiaa-Quaai perdido l-Sigo avante-Grave questilo no Chaca Quimbamba--{)s rios CaiM, Ca-hungamua e Cunene-Nova e ~ria questlo no Bambo-O Cu-bango-Ohuvas e temporaes-Grave doena- Uma aventura horrvel-O Bihll finalmente I 71

    CAPITULO VI. PEBEIB.A. DE HELLO, E SILVA POBTO,

    No Bih-Doena-Melhoras-A casa de Belmonte-Decido ir ao alto Zambeze.:._Cartas ao Governo-Como ae organiza uma expedilo no Bih-Difficuldades, e como ae vencem-Noticia sbre o BiM-Oa meus trabalhos-Novas difficuldadea-Deixo Belmonte-At6 ao Cuanza-Escravatura 12-i

    Rumo GoLPBDB-VISTA RBTBOBPBOTIVo

    CAPITULO Vll. ENTBB OS GANGUBLAS.

    Paaaagmn do Cuanza-Os Quimbandea-0 sova Mavanda-Oa rios V area e Onda-Fetua arbreoa-AtribulaOes--Eacravoe--0 rio Cuito-Oa Luchazea-Emigrao de Quibocoa--Oambnta-0 Cuando-Leopardos-Oa Ambuelaa-0 sova Moem-Cahenda-Deacida do

    184

    rio Oubangui-Os Quichoboe-Peripeciaa-Parto para o Cnchibi 194

    CAPITULO VIII. AS I'ILHAB DO BEI DOS AliBUELJ.S.

    O Cuchibi-0 sova Ca-eu-hue-Oa Muoasaequeres-Opudo e Capeu-Abundancia-Bondade dos indlgenaa-Povoaea e costum-Um vao no Cuchibi-0 rio Chicului-Caada-Feras-0 Rio Chalongo -Uma jornada atroz-As Nascentes do Ninda-0 tumulo de Luiz Albino-A plancie do Nhengo-Trabalhos e fome-O Zambeze a final . . 265

  • LISTA DAS ILLUE?TRAES.

    WJO. PAG:I,

    1.-M:ulheres :Muudombes, vendedeiras de carvlo 41 2.-Mulherea e Donzellaa, Muudombes 43 3.-Homens :Mundombes (De uma photo. de .Monteiro). 44 4.-Homem e :Mulhr do Huambo 82 5.-:Mulhr do Sambo 98 6.-0 meu Acampamento entre o Sambo e o Bih 94 7 .-Ponte de Cassanha s6bre o rio Cubango , 98 8.-0 Seclo que me deu um POrco , 99 9.-:Mulheres

  • xxvm LISTA D.AB ILLUSTR.AES. Pro.

    29A.-Viagl!m ao Cunene 30.-P~U~B~~gCm do Cuanza 31.-Homem e Mulhr Quimbandl'll 32.-Raparigas Quimbandl'll 33.-0s BihenOB construindo as Barracas nOB AcampamentOB 34.-Esqueleto da Barraca 85.-Barraca concluda em uma hora 35A.-Ganguelas e Quimbandes 36.-0 Sova Mavand vem danar mascarado ao meu lampo 37.-Mulhr Quimbande carregada 38.-1. Cachimbo; 2. Facas; 3. Cactes de guerra 39.-Ditaasoa, peixe do rio Onda 40.-Fetus arbreos das margens do rio Onda . 41.-Mulhr de Cabango com o ferro de coar a cabea 42.-Homem de Cabango 43.-Homem de Cabango 44.- Lago Liguri . . 45.-Lucbaze das margens do rio CuitO 46.-Mulbtlr Lucba1.e ca~a 47.-lsqueiro dOB Lucbaies, Caixa da isca e Fuzil 48.-Aturido, Planta e FrutO . . 49.-P"ovo&O de Cambuta, Luhaie 50.-Mulhr Luchazo de Cambuta 51.-Homem Lucihaze de Cambuta 92.-0bject08 fabricados pelos Luchazes 53.-Mulhr Lucbaze do Cutan!!jo 54.-Cachimbo Luchaze 55.--Capoeira dai Luch&zes 56.-Uriv, Armadilha para caa 57.-Luchaze.do Cutangjo 8.-0bject08 Luch&Zes 59.-0 Cuchibi 60.-Flba e Fruto do Cucliibi 61.-0 Mapole, ~rvore e Flha . 62 -Map(>le, l!'rto e disposio doe Jtmos 63.-Moene-Cahenda, Sova de Cangamba . 64.-Chimbenzengue. Maehado dO& Ambuelas de Cangamba 65.--Cachimbo Ambuela 66.-0 Quichbo 67.-0co 68.-0pumbulume 6P.-O Rato mencionado 70.--&ngue i Rasto do Songue 71.-:Muene-Cad-eu-bue, Chefe do Ambuelas 72.-Mulhtlr Anibuela 73.--Qpudo 7 4.-..()apu

    Opp.

    ' . .

    Opp.

  • LIST.A D.AS ILLUSTB.AES. no. 75.-Barco e Remo do Cnchibi 76.-Tambor das festas Ambuelas 77.---Ca-eu-hue 78.--Q Irmllo do Sova 79.--Caador Ambuela 80.--{)hjnguene 81.-Lincumba 82.---Chipulo ou Nhele 83.--Q V80 do (,'uchibi 84.-Azagaias doa Ambuelas 85.-Ferroe de frechas dos Ambuelas o 86.-Malanca o o o o 87.-1. Cornos vistos de frente; 2. Rasto da Malanca 88.--Q BUfalo Africano 89.-Eecudo dos Luinas . . 90.--Q Chefe Cicota o o o 91.-Termitea do Nhengo o o o o o

    XXIX PAG.

    289 290

    Opp. d 291 292

    297 298 298 299

    Opp. d 800 801

    802 808

    , o 809 Opp. 818

    822 828 824

    92.-1 e 2. Casas Luinas de 1 .. 5 de altura; 8o Celeiro; 4. Enxada do Lui o o o o o

    93.-corte vertical de uma Casa Luina da aldea da Tapa . 325 327

    MA.PPAS NO VOLUME PRIMEIRO.

    LPP4 No. 1.-Africa Tropical e Austral 11 , 2.-De Benguella 80 Bih 11 , 3.-Entre Cubango e Onanza . , , 4.--0 Paiz dos Quimbandes . 11 , 5.-Disposiio da ~ em Oangala 11 , 6.-De Oambuta 80 Oubangu , , 7.-Pal da naacente do Cuando 11 , 8.-De Oangamba ao Ouchibi

    fim do vol. 184 186 208 287 243 248 258

  • COMO EU ATRAVESSEI A ~RICA.

    -PRIMEIRA PARTE.-A CARABINA D'EL-REI.

    PROLOGO.

    1.-COliO EU FUI EXPLORADOR.

    No correr do anno de 1869, fiz parte da columna de operaes que no baixo Zambeze sustentou cruenta guerra contra os indl.genas de Massangano. O gnr. Jos Maria Latino Coelho, ento Ministro da Marinha e Ultramar, dera ordem ao Governador de Moambique, para que, finda a guerra, me proporcionasse os meios de subir o Zambeze, a fazer um detalhado reconhecimento do paiz, to longe quanto me fsse possvel.

    A. ordem foi dada, mas no foi cumprida ; e depois de vs instancias, e de um ligeiro passeio pelas terras Portuguezas d'}\.frica Oriental, voltei Europa, com mais desejo que antes, de estudar o interior d'aquelle continente, que mal tinha entrevisto.

    Razes particulares de familia fizram adiar, se no aniquilram, os meus projectos.

    Official do exercito, sempre de guarnio em pequenas terras de provncia, fazia das minhas horas de cio horas de trabalho; e ainda que mal antevia a possibilidade de ir ~frica, era o estudo das questes Africanas o llleu \mico e exclusivo passatempo.

    As sublimes questes de astronomia no eram por VOL. I. B

  • 2 ..4. O.AR.ABIN.A D'EL-REL

    mim desprezadas, e o muito tempo que me deixava a vida da caserna era repartido entre o estudo da ~frica e do ceo.

    Servia em Caadores 12 no correr de 1875, e ali tive por camarada um dos mais intelligentes homens que tenho conhecido, o Capito Daniel Simes Soares.

    Pouco depois de ha~ermos feito conhecimento, eramos 1igados por estreita amizade.

    O quarto mesquinho do illustrado official, na caserna da Ilha da Madeira, reunia-nos durante as horas em que o regulamento nos obrigava a viver ali; e quantas vezes, estando um de ns de servio, tve a companhia do outro ! ~frica, e sempre ~frica, era o nosso assumpto de conversao. Apraz-me recordar esse tempo, essas horas que fazlamos correr velozes, debatendo ques-tes, que eu mal pensava seria chamado a resolver um dia.

    Em fins de 1875, redigi uma memoria, que submetti critica de Simes Soares, e de outro meu camarada, o Capito Camacho; memoria filha das nossas intermi-naveis palestras Africanas.

    Propunha eu um meio de estudar parcialmente o interior das nossas colonias de Mrica Oriental, e isso com a maior economa para o Estado.

    Depois de muito debatida a questo por ns t.res, foi a memoria enviada ao Governo de Sua Magestade ; mas sube depois que nunca chegara s mos do Ministro da. Marinha .

    .A esse tempo, eu pensava outra vez em voltar ~frica, apesar de ser chefe de famlia, e de me prenderem a Portugal interesses de subida importancia.

    Por fins de 1876 voltei a Lisboa, e conheci que as questes .Africanas tinham ali tomado grande interesse com a creao da Commisso Central Permanente de Geograpbia, e com a fundaoo da Sociedade de Geo-graphia de Lisboa.

  • I

    PROLOGO. 8

    Falava-se muito n'uma grande expedio geogrphica ao interior d'}\.frica Austral.

    Fui procurar immediatamente o Ministro das Colonias. Era o sor. Joo d' Andrade Corvo. S~ no facil explorar a }\.frica, no menos difficil falar ao Ministro, e llbre tudo se esse Ministro o snr. J o!o d' Andrade Corvo. Sua Excellencia tinha a seu cargo duas pastas. M;uinha e Estrangeiros, e o tempo no lhe sobejava paTa falar aos importunos. Persegui-o uns oito dias, e 11a vespera da minha partida de Lisboa, obtive uma a. U.diencia do Ministro dos N egocios Estrangeiros.

    Sua Excellencia recebeu-me com secura, dizendo-me, q u.e podia dispr de pouco tempo, e perguntando-me, lo que eu queria?

    Travou-se entre ns o seguinte dilogo :-,,Ouvi dizer, que V. Ex .. pensa em enviar :'A.frica

    uma expedio geogrphica; e sbre isto venho falar." O Ministro mudou logo de tom para comigo, e

    mandou-me sentar com toda afabilidade. "l J estve em }\.frica ?" me perguntou elle. . "J estive em ~frica, conheo um pouco o modo

    de viajar ali, e tenho-me occupado muito em estudar questes Africanas."

    " l Quer ir fazer uma longa viagem na ~frica Austral?,

    Declaro que hesitei um momento em responde:r;. "Estou prompto a ir," disse por fim.

    "Bem;" me disse eUe, " penso em enviar uma grande expedio }\.frica, bem provida de recursos ; e quando tratar de organizar o pessoal, no esquecerei o seu nome." "~ verdade"; me disse, quando eu j ia a sahir,

    "l que condies e que vantagens pede por esse ser-vio?"-" Nenhumas," lhe respondi eu, e sahi.

    Fui do ~linisterio dos Negocios Estrangeiros Calada da Gloria, No a, e procurei o nor. Bernardino Antonio

    - B2

  • 4 ..4. 0..4.R..4.BINA D'EL-REL

    Gomes, Vire-presidente da Commisso Central Perma nente de Geographia. Tivmos larga conferencia, e o distincto sabio, ento todo entregue a questes geogr-phicas, disse-me, que j tinha pensado em um distincto Official da nossa Marinha de Guerra, Hermenigildo Capello, para fazer parte da expedio.

    No dia seguinte parti para o Norte. A viagem e os ares do campo fizram arrefecer um pouco o febril enthusiasmo que se apossara de mim em Lisboa, e pen-sando maduramente, resolvi no ir explorar em ~frica.

    Minha mulhr e minha filha eram laos difficeis de romper, e cada vez que a ida de me privar das caricias da meiga criana me passava pela mente, arref'ecia completamente em mim o ardor das exploraes.

    De um lado, a famlia, e do outro a ~frica, eram dois poderosos atractivos que me tinham perplexo. Encontrei um meio de resolver a questo. Se eu fosse nomeado Governador de um districto, podia ir estudar uma parte d'~frica, sem me separar da familia. Fui collocado no 4 de Caadores, e na minha viagem para o Algarve, passei alguns dias em Lisboa. No se falava mais em expedio exploratoria, e apenas um enthu-siasta, Luciano Cordeiro, no tinha descrido de que ella se faria; e na sociedade de geographia, de que enrSecre-tario, tinha levantado um alto brado a favor d'ella. O no. Bernardino Antonio Gomes, j de idade pro-vecta, tinha cedido ao peso do seu incessante labutar, e sentia j os primeiros symptomas do mal que, pouco depois, arrancando-lhe a vida, devia arrancar a Por-tugal e ao mundo uma das maiores illustraes Portu-guezas do seculo 19.

    Eu no conhecia a esse tempo o homem ardente e illustrado a quem hoje me prende verdadeira amizade-Luciano Cordeiro.

    Todos aquelles a quem falava de explorao, me diziam ser cousa adiada. Ao passo que o estado em que

  • PROLOGO. 5

    encontrei as cousas em Lisboa me compungia, pois que via perder-se a luz que um momento brilhara, para dar um impulso harmonico s exploraes Portuguezas em Mrica ; por outro lado, sentia um certo prazer em ver-me, por esse meio, libertado do meu compromisso; com, promisso que me separaria dos entes que me sam caros.

    Nutri ento a ida de ir governar, e de me estabelecer em ~frica, n'essa ~frica em que eu queria trabalhar~ sem por isso me separar dos meus.

    Fui falar ao Ministro. nessa vez fui logo cordialmente recebido. Estranhei

    o caso, no se falando j de exploraes. ";,O que o traz por aqui?"-" Venho pedir a V .

    Exa. o governo de Quillimane, que est vago." O sm-Corvo rio-se. "Tenho misso de maior monta a confiar- lhe;" me disse; "preciso de si para cousa differente de governar um districto em ~frica ; e por isso no lhe. dou o governo de Quillimane."-

    .,;, Ento V. Exa. ainda pensa em fazer explorar a. ~frica ? Eu com franqueza digo, que hoje no creio-que a ida se realize."-

    ,, Dou-lhe a minha palavra de honra," me disse O' Ministro," que ou hei de deixar de ser Joo de Andrade. Corvo;- ou na proxima primavera, uma expedio or-ganizada como ainda se no organizou expedi() alguma na Europa, ha de partir de Lisboa para a ~frica Austral."-

    " l E conta comigo ? "-" Conto comsigo," me disse, "e em oreve ter noticias

    minhas." Sahi aterrado do Gabinete o Ministro. Cheguei ao Hotel Centra], e escrevi o seguinte: "No

    tenho a honra de o conhecer, mas preciso falar-lhe, e pe

  • 6 .A O.AR.ABIN.A D'EL-REL

    No dia immediato, recebi a seguinte resposta :-" Estou hoje no Caf Martinho, s 3 horas.-Cape1lo."

    s tres horas entrava no Caf Martinho, e vi que as mesas estavam completamente desertas. S a uma dellas estava sentado um primeiro tenente de marinha, que eu no conhecia mesmo de vista. Devia ser o meu homem. Bebia pausadamente um grog, e tinha a cabea descoberta.

    Era de mediana estatura, tanto quanto eu pude avaliar estando elle sentado. Moreno, de olhar plcido ; o cabello raro, e grisalho, o pequeno bigode j esbran-quiado, davam-lhe um ar de velhice, que era desmen-tido pela tez desenrugada, e apresentando o lustre da juventude.

    "l o sn. Capello? "-"Sou; l o sn. Serpa Pinto? j o esperava, e sei

    que, provavelmente, vem falar-me d'~frica."-" verdade. l Ento est decidido a fazer parte

    da expedio ? "-" Estou ; e j n'isso falei ao no. Bernardino Antonio

    Gomes."-" Foi elle que me falou no sn. ; l que compromissos

    tem?"-"Nenhuns. No sei bem o que o Governo quer;

    falei duas vezes com o no. Gomes ; ainda no vi o Ministro, e apenas lh~ posso dizer, que, se for ~frica, escolherei para companheiro um meu amigo, e camarada na armada, Roberto I vens. l Conhece-o?"-

    " No o conheo. Falei ao Ministro e elle disse-me, que contava comigo para a expedio."-

    " N'esse caso, uma vez que j tem compromissos com o Ministro, eu desisto de ir.''-

    " j Ora essa !. .. ento desisto eu."-" Mesmo, eu no creio que a cousa v a effeito."-" Nem eu creio muito; mas emfim, se for a effeito,

    l porque no havemos de ir ambos? No nos conhe-

  • PROLOGO. 7

    cemos, verdade; mas em breve travaremos Intimas relaes, e creio bem chegaremos a ser amigos."-

    " l E porque no? Ento, se a expedio for vante, iremos juntos, e escolheremos para nosso companheiro ao meu amigo Roberto I vens."-

    " Esta dito. l Pensa seriamente que o Governo votar uma to grande verba como a que precisa para uma empresa d' estas ? "-

    " No sei, duvido; e agora Ultimamente fala-se menos na expedio."

    Conversmos lp.rgamente, e separmo-nos; tendo a Intima convico de que a expedio nunca se realizaria.

    Ainda me encontrei com Capello nos dias seguintes, e depois separmo-nos. Elle seguio viagem no cou-raado Vasco da Gama para Inglaterra; e eu fui tomar o commando da minha companhia em Caadores 4, no Algarve.

    Com o descano da vida de guarnio, voltei ao estudo, e tive a felicidade de encontrar um amigo no Algarve, Marrecas Ferreira, distincto official de Enge nheiros, que, meu companheiro nas mesas do trabalho, tinha sempre um bom con~elho a dar-me, nas questes mathemticas, que elle maneja com intelligencia superior. Foi por seu intermedio que travei relaes epistolares com Luciano Cordeiro, a quem depois me devia ligar estreita amizade.

    Por esse tempo, redigi duas pequenas memorias, que por intermedio de Luciano Cordeiro chegram s mos do Ministro da Marinha, em que tratava do modo de organizar uma expedio de explorao na~frica Austral.

    Passram-se mezes, e no mais me falram de expe-dio.

    Recebi duas cartas do Capello, em que me mostrava a sua completa descrena em que a cousa fosse a effeito. Eu mesmo nutria igual descrena. Na Commisso

  • 8 .A CAR.A.BIN D'EL-REL

    Permanente de Geographia discutiam-se varias projectos de expedies; mas tudo ficava em discusses.

    Um dia, vi nos jornaes, que o Ministro, o sar. Joo d' Andrade Corvo, apresentara no parlamento um pro-jecto, pedindo um credito de 30 contos para uma expe-dio em ~frica ; mas, pouco depois, cahio o Ministerio1 e foi o sor Jos de Mello Gouvea encarregado da Pasta das Colonias ; quando o projecto ainda no tinha sido votado no parlamento.

    Tornava-se a falar da projectada explorao ; mas os jornaes davam por escolhidos exploradores que eu no conhecia, e s vezes apenas falavam em Capello.

    Eu ento estava em Faro, e se me no descurava dos meus estudos astronomicos e Africanos, ouvindo os con-selhos de Joo Botto, distincto professor da escola de Pilotos de Faro, no nutria j idas de viajar. O meu tempo era passado entre as caricias da famlia e os meus livros de estudo, e sentia-me muito feliz, nos conchgos do lar domestico, para pensar em trocar a minha vida plcida pelo bulcio e azares das viagens.

    Seguia com interesse nos jornaes as noticias de Lisboa, e vi que o nvo ministro, Jos de Mello Gouvea, havia no parlamento apoiado a proposta de Joo d'Andrade Corvo, e que fra votada a somma de 30 contos para uma explorao. A morte de Bernardino Antonio Gomes, v'ictima, talves, do muito interesse que dedicou ao estudo das questes Africanas, n'uma idade em que as fadigas passa.das lhe aconselhavam completo repouso de esp'irito, a morte d'esse eminente sabio, veio produzir um grande vcuo na Commisso Central de Geographia. Outros, verdade, tomando grande inte-resse nas questes palpitantes, levantavam a voz no seio da commisso ; mas discusses repetidas iam adi-ando a prctica urgente.

    Eu, apesar de se ter votado a verba no parlamento, j no via possibilidade de se levar a effeito a expedio

  • PROLOGO.

    em 1877; e em vista do que sabia pela imprensa, no pensava que se lembrassem de mim, se aquella fosse a affeito; e devo dizei-o, dava-me isso um certo prazer.

    O Algarve um paiz delicioso; reina ali uma atmos-phera oriental, e as copas elegantes das palmeiras que se inclinam sbre as casas em terraos, faz-nos, s vezes, esquecer de que vivemos no prosaismo da Europa. Eu era ali o commandante militar, quer dizer, que afazeres poucos tinha.

    O convivio de uma sociedade escolhida ; os carinhos da fam.ilia; os meus livros de estudo, e os meus instru mentos de observaes, faziam-me passar horas bem felizes, d'essa plcida felicidade que a muitos no dado conhecer. O lar caseiro, o xambre e os pantufos chegram a ser para mim o ideal do bem-estar.

    Findara o mez d'Abril, e com o de Maio viera o caJor, que se faz fortemente sentir em Faro ; e eu fazia projectos para o vero ; quando, um dia, recebo um tele-grama em que me ordenavam de me apresentar imma. diatamente ao General commandante da Diviso ; e ali achei uma ordem para me apresentar sem perda de

    tempo ao Ministro das Colonias. Adeos casa, adeos xambre, adeos pantufos, adeos

    vida tranquilla e plcida junto dos meus; ahi vlvo a correr mundo.

    Quatro dias depois, em torno de uma grande mesa, n'uma grande sala do Ministerio da Marinha, uma duzia de graves personagens, uns d'oculos, outros sem oculos, uns velhos outros nvos, todos conhecidos, ou pelas aciencias, ou pelas letras, ou pelos seus servios publicos, tratavam de questes Africanas. Presida a esta solemne eesso o Ministro Jos de Mello Gouva.

    Eram Secretarios Dor. Jos Julio Rodrignes e Lucian() Cordeiro. Conde de Ficalho, Marquez de Souza, Dor Bocage, Carlos Testa, Jorge Figaniere, Francisco Costa,

  • 10 .A O.AR.ABIN.A D'EL-REL

    o Conselheiro Silva, e Antonio Teixeira de V asconoellos, lembra-me que estavam ali.

    L no fundo da mesa a um canto, encaixado na pol-trona, estava um homem de basto cabello e basto bigode grisalho, a olhar para mim por entre os vidros da luneta de tartaruga. Era Joo de Andrade Corvo, que me dizia com o olhar: "Eu bem lhe afiancei que a cousa se havia de fazer."

    Junto de mim estava Capello, e ao cabo de duas horas sab'lamos d'ali, com as instruces precisas para a nossa viagem. Tmhamos escolhido um terceiro socio, e esse era o tenente Roberto I vens, o amigo de Capello, que eu no conhecia, e que a esse tempo estava em Loanda a bordo do seu navio de guerra. Estvamos a 25 de Maio, e tommos o compromisso de partir a 5 de Julho. Era muito, porque tJ.nhamos que vir preparar a ex-pedio a !rana e Inglaterra, e s6 dispUn.hamos de um mez para Isso.

    Ento Francisco Costa, Director Geral do Ministerio, tomou a peito desfazer todos os obstculos que os indis-pensavcis caminhos burocrticos nos podiam trazer; e andou de modo, que a 28 de Maio eu e Capello partlamos para Paris e Londres, a comprar o que se nos tornava necessario. Levvamos um credito de oito contos de ri1:1.

    II. --CoMo FOI PREPARADA A ExPEDio.

    EH Paris fomos logo procurar a M. d'Abbadie, o grande explorador da Abissnia, e M. Ferdinand de Lesseps.

    D'elles ouvmos conselhos e recebmos os maiores obsequios.

    Infelizmente, no encontrmos no mercado, nem in-strumentos, nem armas, nem artigos de viagem, taes como os desejvamos.

    Foi preciso encommendar tudo.

  • PROLOGO. 11

    Com uma recommendao especial de M. d' Abbadie, fomos procurar os constructores de instrumentos, e durante 10 ou 12 dias, Lorieux, Baudin e Radiguet trabalhram para n6s.

    W alker tinha-se encarregado dos artigos de viagem, Lepage (Faure') das armas, Tissier do calado, e Ducet jeune da roupa.

    Feitas as encommendas em Paris, seguimos para Londres, e ali comprmos os chronometros, em casa de Dent, e alguns instrumentos em casa de Casella ; uma boa proviso de sulfato de quinino, e muitos o~jectos de cautcbouc na casa Macintosh, entre elles dous barcos e algumas banheiras.

    Procurmos de balde em Londres, como t'inbamos de balde procurado em Paris, um theodolito que tivesse as condies necessarias para uma viagem de tal ordem quallamos emprehender. uns, optimos para observaes terrestres, no tinham as condies precisas para as observaes astronmicas; outros, que reuniam as con-dies requeridas, eram intransport veis, j pelo peso, j pelo volume. .

    No havia tempo para fazer construir um de proposito, e de volta a Paris, tivmos de aceitar aquelle que j antes nos tinha sido offerecido por M. d' Abbadie.

    Recolhmos, em Paris, tudo o que t'inhamos encom-mendado, .e que tinha sido fabricado em nossa cuTta ausencia; e no dia 1 de Julho, desembarcvamos eu e Capello em Lisboa, completamente preparados para a nossa viagem ; podendo assim cumprir o nosso com-promisso, de partir para Loanda no paquete de 5. ~nnhamos feito os preparativos em 19 dias.

    Quando eu estudava o modo de me preparar para uma longa viagem em ~frica, tinha procurado sem resultado em livros de viagens, o modo porque se haviam preparado outros viajantes.

    Em todas as narrativas havia escassez de informaes

  • 12 ..4. (J.dRABIN D'EL-REL

    a esse respeito, e lembra-me ainda o quanto isso me enfadou.

    Resolvi logo, se um dia chegasse a fazer uma viagem em ~frica, e se d'ella escrevesse a narrativa, no ser omisso n'essa parte, e dizendo quaes os objectos de que me provi, dizer quaes os que me prestra.m servios reaes, e quaes os que me fram carga inutil.

    A historia das exploraes d'~frica est no seu como.

    Muitos exploradores me succederm em ~frica., como eu succedi a muitos, e creio fazer um bom servio quelles que depois de mim se aventurarem no inhospito continente, apresentando-lhes agora uma relao dos objectos de que me provi ; e logo, no correr da minha narrativa, as vantagens ou os inconvenientes que n'elles encontrei.

    Segundo as instruces que do Governo tinha recebido, podia demorar-me tres annos em viagem, e para isso me preparei.

    A experiencia tinha-me mostrado, o grave incon veniente de me sbrccarregar de bagagens; e franca-mente declaro, que fiquei atermdo quando, em Lisboa, vi o enorme trem comprado em Paris e Londres.

    86 malas tlnhamos 17 ! todas das mesmas dimenses, om, 3 'X om, 3 'X om 6.

    Uma era toucador perfeito, contendo um grande espelho, uma bacia, caixas para escovas e mais objectos competentes ; outra continha um servio de meza e ch para tres pessas; e uma terceira o trem de cozinha.

    Tres outras malas de forte sola deviam conter cada uma o seguinte :-4 frascos de quinino, uma pequena pharmacia, um sextante, um horizonte artificial, um chronometro, umas tbuas logarithmicas, umas ephe-merides, um aneroide, um hypsometro, um thermometro, uma bilssola prismtica, uma bussola simples, um livro

  • PROLOGO. 13

    em branco, Japis, pape1 e tinta ; 50 cartuxos para cada arma; um vestuario completo, e tres mudas de roupa branca ; isca, fusil, pederneiras, e alguns pequenos objectos de uso pessal.

    Cada uma d'estas malas tinha na parte superior um estojo de costura, escrivaninha e lagar para papl. Eram pessaes, e pertencia cada uma a um de ns

    .As outras 10 malas continham indistinctamente roupas, calado, instrumentos, e outros objectos de reserva. Todas tinham fechaduras iguaes e abriam com a mesma chave .

    .A nossa barraca era uma tente marquise de 3 metros de lado por 2m, 3 de alto. As camas eram de ferro, fortes e oommodas. As mesas de tezoura, os bancos e cadeiras de lona.

    Todos estes artigos fram da fbrica de Walker. Cada um de ns tinha uma carabina magnifica de

    calibre 16, cujos canos, forjados por Leopoldo Bernard, tinham sido cuidadosamente montados por Faur Le-page.

    Uma espingarda do mesmo calibre da fbrica de Devisme, uma Winchester de 8 tiros, um revlver e uma faca de mato completavam o nosso armamento.

    Em Lisboa tinha eu encommendado na Confeitaria Ultramarina 24 caixas, das mesmas dimenses das malas, contendo, em latas cuidadosamente soldadas, ch, caf, 88SUcar, hortalias secas, e farinhas substanciaes. Hqje devo aqui lavrar um alto agradecimento ao sur. Oliveira, proprietario da mesma fbrica, pelo escrupulo que tve na esclha dos g{meros que nos forneceu, e que muito nos serviram no como da viagem.

    Os instrumentos que levmos fram os seguintes: 3 sextantes, sendo um de Casella, de Londres; um de Secretan, e um de Lorieux, verdadeiro primor. Dois elrculos de Pistor, fabricados por Lorieux, com dois hori?.ontes de espelho, e os competentes nivis. Um

  • 14 .A O.All.ABIN D'EL-REL

    horizonte de mercurio de Secretan. Tres lunetas astro-nomicas de grande fara, duas de Bardou e uma dE Casella. Tres pequenos aneroides, dois de Secretan E um de Casella ; 4 pedometros, dois de Secretan e do de Casella. 6 bilssolas de algibeira; I bussola Bournie1 de Secretan ; 3 outras azimutaes, duas de Berlin e um~ de Casella; 2 agulhas circulares Duchemin; 6 hypsb metros Baudin, I de Casella, 3 de Celsius de Berlin. dois mais muito sensiveis de Baudin; 12 thermometro~ de Baudin, Celsius e Casella ; 1 barometro Marioti CaseHa ; 1 anemometro Casella ; 2 binoculos Bardou ; 1 bilssola de inclinao, e um apparelho de fra mag netica, que nos fram obsequiosamente emprestados pele Capito Evans, por entremedio de M d'Abbadie. E finalmente, o theodolito universal d'Abbadie, que tem o nome de Aba, e que to cavalheirosamente nos foi cedido pelo seu inventor.

    Armas, instrumentos, bagagens, todos os artig~ enfim, tinham gravado o seguinte letreiro-&pediclo Portugueza ao interior

  • EM BUSO.A DE O.ABBEG.ADOBES. 15

    ' CAPITULO I.

    E!I BuSCA. DE CARREGADORES.

    C!.cgrula a Loanda-0 Governador Albuquerque-Nilo ha carregadores-Vou ao Zaire-O A.mbriz-Ghego ao Porto da Lenha-Os resgatadoa-Sei da chegada de Stanley-Vou a Cabinda-Tomo Stanlt>y a bordo da Tmsga -Os ofticiaes da canhoneira-Stanley meu hspede-0 nosso itinerario -chegada do I vens.

    No dia. 6 de Agosto de 1877, chegvamos a Loanda, no vapor Zaire, do commando de Pedro d'Almeida Tito, a quem aqui lavro um testemunho affectuoso de muita gratido, pelos favores que me dispensou durante a . . Vl&gem.

    Desde a minha saida de Lisboa. uma preoccupao constante me perseguia. A nossa bagagem era enorme, e tinha de ser ainda muito aumentada, com fazendas, missangas e outros generos, que senam a nossa moeda no serto.

    Em todos os livros de viagens, n'esta parte do continente Africano, li eu as diffi.culdades em que se encontrram muitos exploradores, por no poderem obter o numero sufficiente de carregadores para as cargas indispensaveis. l Como os obteria eu? Em Cabo-Verde sube, que uma carta que eu e Capello tlnhamos dirigido ao I vens no fra por elle recebida; pois que sube ali, por um telegrama, que Ivens estava cm Lisboa, e por isso no podia ter satisfeito ao pedido que n'aquella cart.a lhe fazl.amos, de estudar a questo, e ver se nos obtinha em Loanda os auxiliares precisos. Uma tentativa feita em Cabo-de-Palmas ficou

    \

  • 16 .A OARABINA D'EL-REL

    sem resultado, e apesar do apoio que nos prestou ~ Capito Tito, nem um s keruboy podmos ajustar alL

    Chegmos finalmente a Loanda, e fomos hospedar-nos em casa do gnr. Jos Maria do Prado, um dos::; primeiros proprietrios e capitalistas da Provncia de"' Angola, que immediatamente poz nossa disposio, uma das muitas casas que possue na cidade; casa com_ accommodalSes bastantes para receber o enorme trem_ da expedio.

    Do snr. Prado recebemos innumeros favores. Na-noite do dia 6, fomos procurados por um dos ajudantes-de-campo de Sua Excellencia o Governador-Geral, que vinha, em nome do gnr. Albuquerque, fazer-nos os mais cordiaes offerecimentos.

    No dia 7, procurmos o Exmo. Governador, que nos recebeu affectuosamente, mostrando a maior bene-volencia em desculpar os meus trajos, que, optimos para a vida do mato, eram, a no poder ser mais, ridlculos para uma visita ceremoniosa.

    O gnr. Albuquerque, depois de nos assegurar, que nos daria a maior assistencia nas terras do seu governo, concluio por nos mostrar a impossibilidade de obtermos carregadores.

    Creio que nada mais desagradavel pode haver para quem quer viajar em :'Africa, e tem 400 cargas, do-que dizer-se-lhe: No ha carregadores.

    Decid immediatamente ir ao Norte da provncia ver se por ali os poderia contratar; e n'esse sentido pedi ao gnr. Albuquerque, me mandasse transportar ao Zaire.

    O s navio de guerra que podia ser posto minha disposio andava cruzando na foz do Zaire ; resolvi d'ir procurai-o, e no dia 8, parti n'um escalr, tripulado por 8 prtos cabindas, que me foi fornecido pela capi-tana do Porto. Levava ordens do Governo para o commandante da canhoneira. No ha nada mais

  • EM BUSO.A DE C!.A.RREG.ADORES. 17

    desagradavel do-que fazer uma viagem de 120 milhas em um escalr. De Loanda ao Ambriz comi apena.q umas sardinhas e bolachas. Tendo resolvido fazer a viagem no escalr no mesmo dia da partida, no tive tempo de fazer preparativos.

    No dia 9, ao anoitecer, chegava ao Ambriz, bonita villa assente no planalto de um cmoro, cujas escarpas, de 25 metros, sam cortadas a prumo sbre o mar.

    Fazia as vzes de chefe, um empregado de fazenda, o gm. Tavares, que caprichou em obsequiar-me, assim como tdos os habitantes da villa, mormente o gnr. Cor-deiro, em casa de quem estive hospedado.

    Esperava-me no Ambriz Avelino Fernandes. Tive a felicidade de conhcer Avelino Fernandes a bordo do vapor Zaire, e relaes Intimas se estabelecram entre ns .

    . filho das margens do Zaire, e tem grande paixo por esse rico solo, onde as rvores gigantescas da floresta virgem lhe assombrram o bero. Tem 24 annos. A cr morena e o cabello crespo indicam que nas suas veias, de envolta com o sangue Europu, gira o sangue Africano. Rico,. dotado de uma esmerada educao, adquirida nos principaes centros da Europa, e que uma intelligencia superior soube desenvolver, o verdadeiro typo do cavalheiro palaciano, que no se pde conhcer sem que a elle nos prenda logo verda-deira sympathla. As muitas relaes que elle tinha no Zaire podiam facilitar-me os meios de arranjar ali carregadores.

    Sube no Ambriz que a canhoneira Tmega devia chegar quelle ponto dentro de dois dias ; e por isso resolvi esperai-a.

    A viagem de Loanda no escalr no me tinha. deixado recordaes to fgueiras, para que eu persis-tisse em continuar para o norte da mesma forma.

    No dia 10, fui visitar a villa e seus suburbios, e em dois traos vou narrar o que vi.

    VOL.I. C

  • 18 (J.A.RABIN.A D'EL-REI.

    Do planalto em que assenta a povoao Europa, desce-se para a praia por um caminho em zigzag, que estava sendo reconstruido por alguns grilhetas. Na praia, entre dois soberbos edificios, que sam armazens das casas commerciaes Franceza e Hollandeza, ostenta-se um albergue, meio-derrocado pla velhice, mei~mconstruco recente no-continuada, que a Alfndega; Alfndega sem depositas, onde as fazendas, arrumadas porta sbre o areal, pagam um irrisorio tributo de armazenagem. A N.N.E. da villa, muitos hectares .de terreno sam occupados por um pntano, inferior de 3 metros e 12 centJ.metros ao maior preamr; e na encosta da escarpa que do planalto da villa desce ao pniano, assentam as cubatas da povoao indlgena, nas peiores condies de salubridade. Ao sul da villa, entre umas moitas de mato virgem, o cemiterio --onde os cadveres enterrados de dia, sam pasto das hyenas noite.

    A ponte de desembarque, construda de ferro e madeira, est prestes a ser inutilizada; porque a oxidao do ferro em contacto com o ar e a gua, pro-duz-se cdo; e a ponte no foi pintada, no ha verba para sua conservao, nem alguem que por ella vigie.

    A casa do chefe um pardieiro derrocado, onde ha verdadeiro perigo em habitar.

    O paio ameaava ruina; e isso ffiz-me impresso, porque elle contm a plvora do commercio, que no rende menos de duzentos mil ris mensaes para o Estado.

    bem de esperar, que nos dois annos decorridos depois da minha visita ao Ambriz, se tenham dado mais cuidados quella bonita villa, cuja importancia patente, sendo um grande centro de commercio.

    Um kilometro ao N. da ponte de desembarque, lana no Atlntico as suas guas o rio Loge, cuja foz obstruida por um banco de areia, que lhe d difficil

  • EM BUSO.A DE O.ARREG.ADORES. 19

    accesso, mas que depois navegavel por uns trinta kilometros.

    No dia ll, fui visitar a importante propriedade 8oOTlCUla, fundada plo celebre J acintbo do Ambriz, e hje pertena de seu filho Nicolao. Esta proprie-dade representa um dos maiores esfros feitos na provncia de Angola, para o desenvolvimento da agri-cultura.

    Jacintho do Ambriz foi levado ~frica por uma des-graa Intima. Filho do povo, sem a menor instrucO, no sabendo mesmo ler ou escrever (mas dotado de uma razo clara, de um espJ.rito fino, e de muita felicidade), chgou. a fazer uma grande fortuna. J acintho casou no Ambriz com uma mulhr da sua igualha. Era a tia ls>narda, mais conbcida por tia Lina, natural da Beira-Alta; e em 1877, aconhci eu vestida sempremoda das camponezas da Beira, falando a linguagem vulgar que fala o pvo d'aquella provncia, como se de l tivsse chgado. Na sua casa comi um jantar beirense, e por um momento julguei-me transportado a uma das hospitaleiras casas dos nossos lavradores do Norte. A tia Lina entrou muito na felicidade que levou Jacintho riqueza.

    J acintho fazia o commercio, e esse commercio, na )\frica, obriga a dois distinctos ramos:

    Adquirir dos brancos fazendas, e vender-lhes os pro-duetos do paiz; e adquirir dos prtos esses productos, vendendo-lhes as fazendas.

    Era J acintho que fazia o commercio com os brancos, e a tia Lina com os prtos.

    Jacintho, dotado de uma alma generosa, era muitas vzes vlctima da sua boa f, e das extores de alguns chefes; o que provocava uma phrase tia Lina, que eu muitas vzes ouvi repetir: "Ah! Jacintho, 01:1 brancos esmagam-te; mas eu esmago os prtos ! "

    O verbo empregado pla tia Lina no era precisa o2

  • 20 .d C.dll.ABIN.A D'EL-BEL

    mente o verbo esmagar, mas, por muito energico, sub-stituo-lhe outro algo semelhante.

    Um dia, Jacintho deu em ser lavrador. Era a cos-tumeira de criana que puxava por elle. Comprou terreno, e lanou os fundamentos d'essa vastssima propriedade que digna de ser visitada; e qual dedicou o seu tra-balho e a sua bla, at ao ultimo momento de vida que t v e.

    Era J acintho conhecido por estropiar as palavras, e citam-se d' elle tolices engraadssimas, plo mao em-prego de um ou de outro vocbulo que decorara, mas cuja significao no conhecia bem ; com tudo, tinha muito esplrito, e ha d'elle anecdotas engraadas. Esta por exemplo :

    J elle se achava estabelecido na sua propriedade do Loge; mas, logo que ao porto chgava navio de guerra Portuguez, ia a bordo fazer offerecimentos aos o:ffi.ciaes; que de genio era franco.

    Um dia que elle fra a bordo, o commandante pediu-lhe um macaco. "l Quantos quizr ?" lhe respondeu Jacintho; "mande manh um escalr, pelo Loge at minha casa, buscai-os."

    No dia seguinte, um escalr, tripulado por seis homens, encostava ao muro do jardim de Jacintho. Fz elle subir o escalr at dois kilometros mais, e chgando vertente de um monte coberto de gigantes baobabs, em cujos ramos horizontaes pulavam centos de macacos, disse aos marinheiros : " Tdos estes macacos sam meus, vivem c dentro da minha propriedade; tendes licena de apanhar quantos quizerdes e levai-os ao com-mandante."

    Os marinheiros encarram com os cimos elevadssimos das enormes rvores, cujos troncos, de espantoso di-metro, no lhes permitiam a subida; e depois de alguns vos esfros, retirram desanimados, perseguidos pla grita e plas care~s da macacaria.

  • EM BUSO.d DE OARREGADORES. 21

    "Eu dei-lhos; se os no levam, no culpa minha," dizta o J acintho, rindo s gargalhadas.

    Visitei a propriedade, e uma cousa que me impres-sionou foi ver, que, mchinas, apparelhos, instrumen tos, etc., tudo era de fbrica Portugueza.

    Nada Jacintho admitia que no fsse Portuguez, e, custassem-lhe o dbro, fazia elle fabricar em Lisboa tdos os seus artigos, j para a agricultura, j para a industria.

    A memoria d'esse homem obscuro--mais conhcido plos disparates que dizia, do-que plas muitas cousas acertadas que fz-dve ser respeitada por tdos os que &e interessam plo desenvolvimento Africano; porque elle foi o homem que, nos modernos tempos, maior servio fz, para desenvolver a agricultura em colonia Portugueza, empregando n'isso a sua immensa fortuna, e trabalhando at ao seu ultimo dia.

    Na. margem esqurda do Loge, assenta outra pro-priedade agrlcula, tambem importante, pertencente ao g~~r. Augusto Garrido. No tive tempo de a visitar, porque, no dia que ali passei, no pude esquivar-me aos muitos favores de Nicolao e tia Lina, e tudo o tempo foi pouco para admirar o que ali, no brejo agreste, a vontade do homem tinha feito.

    No dia seguinte, chgou a canhoneirc~. Tdmega, e sube, indo a bordo, que se achava sem mantimentos, e com grande numero de praas doentes ; motivo por que combinei com o commandante, o snr. Marques da Silva, esperai-o no Ambriz, em quanto ia a Loanda refrescar.

    Trs dias depois chgou a Tmega de volta de Loanda; indo eu logo para bordo, com Avelino Fer-nandes, segumos viagem no mesmo dia para o Zaire.

    Eu tinha adoecido com uma bronchites aguda, de que felizmente melhorei logo que comou a viagem.

    Submos o Zaire at ao Porto da Lenha, onde des-

  • 22 .A O.AR.ABIN.A D'EL-BEL

    embarquei com Avelino Fernandes, que me apresen1 aos seus amigos d'ali. Falei logo em carregad01 Dissrnm-me, que seria, talvz, possivel obtel-os, se chefes ind'igenas me quizssem auxiliar ; mas que: melhor meio para mim, era resgatar escravos, e , seguida contratai-os para o servio que eu exigia.

    Repugnou-me a ida de comprar homens, emb fsse para os libertar em seguida. E depois, l qu sabe se elles me quereriam acompanhar sendo livres i

    Resolvi immediatamente no proceder d'este mo embora no obtivsse um s6 carregador ali.

    Na casa em que estava sube que 1inha chgadc Boma, no dia 9, o grande explorador Stanley, ~ descera tudo o curso do Zaire. Stanley tinha segui para Cabinda.

    Voltei a bordo e combinei com o Commandante irn a Cabinda offerecer os nossos servios ao arrojado" jeiro. Partmos, e logo que ancormos no porto, a terra, com Avelino Fernandes e alguns officiaes canhoneira.

    Foi commovido que apertei a mo de Stanley, hom' de pequena estatura, que a meus olhos assumia p pores de vulto colossal.

    Offereci-lhe os meus servios, em nome do Gove1 Portugue:r., e disse-lhe, que se quizsse ir a Loan1 d'onde mais facilmente poderia obter transporte p~ a Europa, o Commandante Marques lhe offerecia tra: porte a elle e aos seus a bordo da canhoneira. 1 nome do Governo Portuguez puz sua disposic dinheiro de que carecRse.

    Stanley respondeu-me com um vigoroso aper~ mo.

    Os officiaes da_ Tmega confirmram os meus offere mentos em nome do seu Commandante.

    Stanley aceitou, e desde esse momento, ficou a ' nhoneira sua disposio.

  • EM BUSO.A DE O.ABREG.ADOBES. 23

    Como bem se pode calcular, eu e Avelino Fernandes no deixvamos Stanley, e vidos de ouvir a narrao da sua viagem, o tempo que elle tinha preso, era por ns passado a questionar os seus homens.

    No dia 19, os officiaes da Tmega dram um soberbo banqute ao intrepido explorador, para o qual con-vi?ram o Commandante Marques, Fernandes e a. m1m.

    No dia 20, partmos para Loanda, levando a bordo tda a comitiva de Stanley, que se compunha de 114 pessas, entre ellas 12 mulhres e algumas . . cnanas.

    Stanley, em Loanda, foi hospedar-se em minha casa; distinco a que eu fui muito sensvel, porque recusou, para isso, os muitos convites que tve, e com elles commodidades que eu no podia offerecer-lhe, n'uma casa onde tinha por moblia os meus utensilios de viajeiro.

    O Governador mandou logo comprimentar o ilustre Americano, e offereceu-lhe um banqute, a que assisti. De volta a casa, perguntei a Stanley, l qual a impresso que trazia do snr. Albuquerque? E elle disse-me apenas: "Heis a very cold 9entleman." (" um cava-lheiro mui frio.")

    O Consul Americano, o snr. Newton, deu-nos um almo, e muitos favores nos dispensou.

    Haviam festas e banqutes; mas, a 23 de Agsto, ainda no t'lnhamos um s carregador ; e na noite do jantar offerecido a Stanley plo Governador, me repe-tira sua Excellencia, que no me seria possvel obtel-os, sbre tudo em Loanda ; mostrando-me a difficuldade em que se encontrara o Major Gorjo, que apenas tinha podido obter metade do numero de homens de que precisava, para estudar a linha ferrovial do Cuanza.

    tempo de falar dos nossos projectos, segundo a lei, e as instruces do Governo.

  • 24: .A O.AB.ABIN.A D'EL-BEL

    O Parlamento votara uma somma de 30 contos dE ris para se estudarem as relaes hydrogrphicas entre as bacias do Congo e Zambeze, e os paizes compre-hendidos entre as Colonias Portuguezas de uma e outra costa d'~frica Austral.

    Umas instruces subsequentes indicavam mais par-ticularmente o estudar-se o rio Cuango, nas suas relaet! com o Zaire; o estudo dos paizes comprehendidos entrE as nascentes do Cuanza, Cunene, Cubango, at ao Zam beze superior ; indicando, que, se possivel fsse, deveria estudar-se o curso do Cunene.

    O que ffira. designado na lei do Parlamento, elaborada plo gnr. Corvo, parece ao principio problema vasto dt mais para uma s expedio, e uma verba de trinta contos de ris; mas a lei foi bem redigida. O gnr. Corvc saba, que o viajante em ~frica, no s nem semprE senhor dos seus passos, mas tambem, que no sell caminho pde encontrar um no-previsto problema, que julgue de importancia superior do que lhe foi designado; e por isso deixou a maior latitude aOE exploradores.

    Quanto s instruces, fram ellas mais restric~ mas ainda assim, deixavam bastante largos os movi mentos da expedio.

    O ponto de entrada, como dependia essencialmentE do logar onde obtivessemos carregadores, ficou indeter minado.

    Tlnhamos eu e Capello pensado em entrar por Loanda, seguir a leste, at encontrar o Cuango; descer este rio por dois graos; passarmos ao Cassibi, que intentvamOE descer at ao Zaire ; e finalmente, reconhcer o ZairE at sua foz.

    Com a chgada de Stanley, tendo elle feito uma partE do trabalho que ns propunhamos fazer, e sbre tudo a impossibilidade de obter carregadores em Loanda, tivmos de modificar completamente o nosso plano.

  • EM BUSO.A DE O.ARREG.ADOBES. 25

    Decidmos, que fsse eu ao Sul procurar carregadores em Benguella; e que, se ali os obtivsse, entrssemos pla foz do rio Cunene, subindo-o at s suas nascentes; e depois segulssemos com os nossos estudos para S.E., at ao Zambeze.

    Como no podlamos ter grande confiana na gente que ajustssemos, lembrmo-nos de pedir ao Governador um certo numero de soldados, que fssem, por assim dizer, a escolta de vigia. Sua Excellencia accedeu e mandou saber aos regimentos, se algms soldados nos quereriam acompanhar ; porque, no sendo aquelle servio regular, no podia compellir os soldados a irem.

    Ficou, pois, decidido, que eu partisse para .Benguella no vapor que no principio de Setembro devia chgar de Lisboa.

    N'esse vapor veio o I vens, que pla primeira vz eu via. Sympthico, ardente, dotado de grande verbosi-dade, e muito enthusiasmado plas viagens difficeis, depressa me ligou a eU e a amizade. Narrmos-lhe tudo o que resolvramos fazer, e as difficuldades que tlnhamos encontrado at ento. I vens concordou com-nosco, e ficou definitivamente resolvida a minha partida para Benguella, no dia 6.

    Preparei-me logo para partir, e fui dar parte d'isso ao Governador.

    Durante a minha ausencia os meus companheiros deviam preparar as bagagens, que estavam em grande desarranjo, com a nossa precipitada partida da Europa.

    Cabe aqui contar um episodio que me aborreceu bastante; porque poderia ter feito, que Stanley julgasse do caracter meu e dos meus companheiros, differente-mente do que o devia fazer.

    No dia 5, ao almo, conversvamos eu, Capello, lvens, Stanley e Avelino Fernandes, a respeito da escravatura, e mostrvamos a Stanley o esplrito das leis Portuguezas sbre o infame trfico; notando-lhe a fal-

  • 26 .A O.AR.ABIN.A 1J' ELBEL

    sidade de asseres de estrangeiros a nosso respeito ; e a impossibilidade de fazer ento escravos onde o Governo tinha fora. Discorrlamos cerca do assumpto, quando Capello tve de ir a Palacio falar ao Governador.

    Voltou uma hora depois, e logo em seguida recebia. Stanley uma carta official do S- Albuquerque, a pedir que lhe certificasse, l se nas terras do seu governo se fazia escravatura? Stanley veio sorprendido mos-trar-me a carta, e no menos sorprendidos ficmos e11p os meus companheiros, e Avelino Fernandes. Effec-tivamente, a nossa conversao ao almo, e aquella carta depois de um de n6s ir a Palacio, pareceria ao illustre viajante uma comedia habilmente preparada.

    Stanley podia certificar a sua Excellencia, que a bordo da Tmega, em minha casa, em casa de sua Excellencia,. e na do Consul Newton, no tinha visto fazer escra-vatura. Fora d'isto, Stanley, como sua Excellencia muito bem saba, s6 por informaes nossas poderia falar,. convivendo quasi exclusivamente com-nosco, e no tendo visitado ponto algum do paiz governado plo snr. Albu-querque. ~ra querer o snr. Governador viesse Stanley a pagar caro um jantar e os seus favores, pedir-lhe um certificado que elle Stanley nunca deveria ter passado.

    Stanley, creio eu, fz-nos a justia de pensar que eramos estranhos quella carta.

    No dia ti, parti para Benguella, levando cartas do snr. Jos Maria do Prado para alguns particulares, e nem uma recommendao para o Governador do Dis-tricto, que eu no conhecia.

    Ia outra vz . busca de carregadores, que eu, Por-tuguez, no tinha podido obter em Loanda, e que, 4 mezes depois, tinha ali obtido um estrangeiro, o explorador Schutt, que no encontrou as menores difficuldades, para seguir o primeiro caminho que n6s tmhamos tencionado seguir.

  • EM BUSO.A. DE O.A.BBEG.A.DOBES. 27

    Em viagem conheci um passageiro que me disse ser possivel obter alguns carregadores em Nvo Redondo, e que se comprometteu a contratar ali uns 20 ou 30.

    Foi j um pouco animado com esta promessa, que cbgnei a Benguella, no dia '1 noite ; e ainda que levava cartas de recommendao para alguns negociantes, fui procurar o Governador, e pedir-lhe hospedagem.

  • .A C.AB..uJIN.A D'EL-BEL

    ' CAPITULO II.

    AINDA EH BUSCA DE CARREGADORES.

    O Governador, Alfredo Pereira de Mello-A casa do Governador-Conau ~ que nilo tem culp& o Govemo da Metrpoli--0 que Benguella-0 com-mercio-Sou roubado-Outro roubo-A Catumbela-Obtenho carre-gadores-Chgada de Capello o lvens-Nv.o. alterailo de itinerario--Outra difficuldade-Silva Porto, o velho aertanejo-Apparecem n8~ obstculos--0 Capel\o vai ao Dombe-Partida-0 que o Dombe-Nvas difficuldades-Partimos emfim.

    LFREDO PEREIRA DE MELLO, Governador de Ben-guella, ao ouvir o meu pedido de hospedagem, mostrou um embarao que percebi, e disse-me, que no tinha meio de me receber em sua casa. Sorprendeu-me o caso, sabendo eu que o Governador era bizarro de genio e de natureza franco. Tive convites, logo minha chegada, j de Antonio Ferreira Marques, j de Cauchoix ; mas persisti no intento de hospedar-me em casa do Gover-nador.

    Elle disse-me, que no tinha cama a offerecer-me, e .eu mostrei-lhe a minha cama de viagem; porque fui logo pondo em casa d' elle a minha bagagem. Disse-me, que no tinha quarto; apontei-lhe para um canto da sala em que estvamos, onde ficaria optimamente.

    No havia mais' que dizer, e fiquei. Aguava-me a euriosidade a resistencia do Governador em negar-me a hospitalidade que pedia ; mas cdo desvendei o misterio.

    Alfredo Pereira de Mello, capito-tenente, e Governador de Benguella, era o mesmo Tenente Me \lo de que fala Cumerou no .Across .Aj1ica, e que era cutlo Ajudante-de-Cam110 do Governador da Provincia d'Andrade.

  • .AIND-4. EM BUSO.A DE 0.4.RBEG.4.DORES. 29

    Alfredo Pereira de Mello era homem nvo, ainda que tinha j uma patente superior na armada. Sympthico e intelligente, estimado por tdos aquelles que o conhcem de perto ; porque a uma :finissima educao, reune grande rectido de caracter, e a energa peculir a. tdo bom marinheiro. Serviu na ~arinha Ingleza, e tem de viagens larga prtica.

    Vio as Americas, e antes de ir para ::'A.frica como Ajudante-de-Campo do Governador Andrade, tinha visitado a India, a China e o Japo.

    O Governador, que j me conhcia de nome, ao ouvir o meu pedido, esqueceu que tinha diante de si o explorador, para s se lembrar do homem habituado a. viver no meio do luxo e das commodidades. Pereira de Mello tve vergonha de hospedar-me.

    Um Governador de Benguella, se recto e probo, vive mesquinhamente com a paga que recebe.

    A casa do governo arrendada. mobilia, um pouco menos de modesta, guarnece a. sala e um quarto.

    Na sala, destoa da mobilia, ricamente amoldurado, um retrato d'El-Rei, o melhor que tenho visto.

    E com-tudo a este porto, vem repetidas vzes navios de guerra estrangeiros, cujos officiaes visitam o Gover-nador, regalam-n-o a bordo ; e elle nem um copo d'gua lhes pde offerecer em sua casa, porque a prta ou o muleque tem de trazer o cpo n'um prato velho. O servio de mesa era, creio eu, a espada do Damocles suspensa sbre a caba de Pereira de Mello, ao ouvir a minha teimoza em ficar. No tinha razo. O asseio que presida a tudo, suppra o vidrado da loua gasto com o tempo, e os manjares simples, mas bem cozinhados, avivavam o appetite j derrancado plos ares Africanos; e no se offenda o cozinheiro do Hotel Central em Lisboa, se eu lhe dizer, que comi melhr em casa do Governador de Benguella do que comia dos seus opl-paros 1.aanjares, ainda que a prta Conceio, cozinheira

  • ao .A O.AB.ABIN.A D'EL-BBL do Governador, nunca ouvio falar do heroe das caarola~ o celebre Brillat-Savarin.

    Pereira de Mello, logo ao primeiro dia de convivenc abrio-me o seu corao, mostrando-me a menos que sii geleza da sua vida interior. Trs offi.cios dirigidos a Governo da Provncia, em que pedia autorizao para fazE algumas reformas caseiras, tinham ficado sem respos1B.

    Isto no de estranhar, porque foi sempre assim. Em um copiador de correspondencia, que existe n<

    archivos do Governo de Benguella, li eu uns offici< datados de 1790, em que o Governador de ento j 1 queixava a El-Rei das mesmas faltas; por a ellas lhe ni dar remedio o Governador Geral da Provncia, e entJ: ~utras cousas que pede com urgencia, figuram os repan: para duas peas de bronze que designa, e que ainda hj ~s carecem.

    Sam as mesmas de que fala Cameron; o que elle v~ .saber agora , que os reparos j fram encommendados no podem tardar em chegar; porque, sendo a encom menda d'elles feita em 1790, dve estar quasi concluid a sua construco.

    Benguella uma bonita cidade, que se estende desd a praia do A.tlntico at ao sop das montanhas qu formam o primeiro degrao do planalto da ~frica tropica' cercada de uma espessa floresta, a Mata do Cavacc: ainda hoje povoada de feras ; e isso no admira, que o Portuguezes, em geral, de caadores no tem manbw A.s habitaes dos Europos occupam uma grand rea, porque todas as casas tem grandes quintaes dependencias.

    Os quintaes sam cuidados; produzem todas as hol talias da Europa, e muitos frutos tropicaes.

    Vastos pteos cercados de alpendres servem para da guarida s grandes caravanas que do serto descem. costa em viagem de trfico, e que repousam trs dias n: casa onde effeituam as permutaes.

  • .AINDA $M BUSO.A DB OARREGADORES. 31

    Um rio, que na estao esta apenas larga fita de rea branca, que se desenrola das montanhas ao mar, a travez da floresta do Cavaco, ainda assim a grande fonte de Benguella, que os poos ali cavados dam gua boa philtrada plas reas calcreas.

    Nas ruas da cidade, largas e direitas, crecem dois renques de rvores, pela maior parte figueiras syc-moros, de pouco arraigadas, e por isso ainda pequenas. A.s praas sam vastas, e em uma ajardinada, crescem bonitas plantas de vistoso aspecto.

    As casas, todas terreas, sam construdas de adbes, e os pavimentos sam, em umas de tijolos, e de madeira em outras~

    A alfndega bom edificio, recentemente construido, e tem vastos armazena para as mercadorias do trfico. Esta alrandega, e o largo ajardinado, como outros melhoramentos deBenguella, fram deum Governador, Leite Mendes, que de si deixou rasto.

    Uma ponte magnifica de architraves de ferro, creio que encommendada plo mesmo Leite Mendes, mas muito posteriormente montada plo Governador Teixeira da Silva, guarnecida por dois guindastes e carrs, por onde, em vagonetes, se transportam as mercadorias das lanchas alfndega. Eu aqui commetti um erro de grammtica, escrevendo o verbo transportar no presente do indicativo, quando no condicional que era.

    Transportariam, se houvesse pessal para isso ; mas no transportam, porque o no ha.

    Tem a cidade um templo decente, e um cemiterio bem collocado e murado.

    A povoao Europa cercada, por todos os lados, de senzalas, ou povoaes de prtos, e mesmo entre a povoao branca ha pequenas senzala..

  • 32 .A O.AB.ABIN.d D'EL-REL

    de ~frica; e supem muitos, ser aquillo um paiz infecto, que exbala de miasmticos pntanos a peste, e com a peste a morte.

    No assim. Eu no conhci Benguella como ella fra em tempos passados ; mas hje, no nem melhor nem peior do que outros muitos pontos d'lirica.

    O aceio e as plantaes de arvoredo, de certo tem modificado muito as suas anteriores condies hy-gitmicas, e com uma pouca de boa vontade, no seria difficil o seu saneamento ; o que estou certo se far, porque no pode deixar de merecer verdadeira atteno um ponto de to subida importancia commercial, e em facil contacto com 1o ricas terras nos sertes.

    Os principaes productos que alimentam o commercio de Benguella sam cra, marfim, bOrracha e urzella, que chgam cidade trazidos plas caravanas dos sertes. Estas caravanas sam de duas especies. Umas, dirigidas por agentes das casas commerciaes, trazem s mesmas casas que os despacham os productos do seu trfico no interior ; outras, exclusivamente compostas de gentio, descem a negociar por canta propria, onde melhor ganho encontram.

    O trfico com o gento faz-se por permutao directa do gtmero por fazenda de algodo, branco, riscado ou pintado. Os outros produc1os Europos sam objecto de uma segunda permutao pla fazenda recebida ; e assim, depois da primeira troca do marfim ou cra pelo algodo, este trocado por armas, plvora, gua-ardente, missanga, etc., vontade do comprador ; porque a fazenda de algodo , por assim dizer, a moeda corrente n'este trfico.

    O commercio est entre mos de Europos e crioulos, e felizmente j ali encontrmos muitos d'esses rapazes que, aventurosos, deixam patria e famlia, para ir em terras longnquas buscar fortuna.

    Alguns deportados de menor importancia tambem

  • .4.IND.4. EM BUSCA DE CARREGADORES. 83

    negociam, j por conta propria, j como empregados de casa alheia.

    Os maiores criminosos do Reino, os condenados por tda a vida, sam deportados para Benguella, do que resulta, encontrar-se ali quantidade de patifes, de que bom resguardar-se; no os confundindo com a gente digna e capaz, que a ha.

    A policia confiada fra militar, que um dos regimentos destaca para Benguella ; sendo que de Benguella ainda sam espalhadas differentes fras nos conclhos do interior; desfalcando a guarnio da cidade, j de si pequena.

    Ns temos dois exercitos, um na Metropoli, outro nas colonias, que nenhuma relao tem entre si.

    O nosso exercito da Metropoli bom, porque o Portuguez bom soldado ; o nosso exercito das colonias mao, porque o prto mao soldado; e os brancos que ali servem de mistura com prtos, sam peiores ainda do que estes. Deportados por crimes que os excluram da sociedade, fazendo-lhes perder na Europa o fro de cidados, vam desempenhar em 2\.frica o posto nobre do soldado; sendo a nossa autonoma Africana, e a segurana publica e particular, confiada defeza de homens, quedam por garanta um detestavel passado.

    Dahi as continuas scenas de caracter vergonhoso que se presenceiam ali. Durante a minha permanencia em Benguella, houve um grande roubo com arrombamento, no cofre militar. O Governador houve-se com a maior energa na maneira porque procedeu para descobri-mento doE culpados, sendo muito coadjuvado plo seu Secretario, o Capito Barata, que conseguio descobrir os ladres, e haver o dinheiro roubado. Fra o roubo planeado plo proprio sargento do destacamento, e levado a effeito por elle e alguns soldados!!!

    Se o nosso exercito Metropolitano no se presta eensura do homem mais pichoso, as nossas fras

    VOL, I. D

  • 34 .A fJ.AR.ABIN.A D'EL-REL

    coloniaes sam v}ctimas das merecidas chufas de tdos os estrangeiros, que as observam.

    Por mais que tenha cogitado, nunca pde attingir ao prestimo de tal exercito em nossas colonias, que para policia no serve ; servindo menos para a guerra, qu.e .J.a minha lembrana tenho visto ser feita por crpos voluntarios, levantados no reino, e que lm vam servir por certo praso. Hje mesmo, em Lisboa, trs batalh~ estam sempre prontos a marchar para as colonias, e j l tem ido; o que prova sabermos ns, que o ter exercito no ultramar, tal como elle , no passa de velha costumeira.

    Na noite da minha chegada a Benguella, fiz o conhci-mento do Juiz de Direito Caldeira, que se associou ao Governador para me certificar, que, como elle, empre-garia tda a sua influencia para que eu no tivsse vindo de balde a Benguella, e assim o fz.

    O Governador convocou os moradores importantes a uma reunio em sua casa, e expondo-lhes os motivos da. minha viagem, e o meu projectado itinerario, pediu-lhes que o coadjuvssem na empresa de arranjar carrega-dores; para que eu podsse levar a cabo a expedio. Todos assim o prometr~tm.

    O Governador Pereira de :Mello, e o Juiz Caldeira, fram incansaveis, e no dia 17, dia em que este ultimo se retirou para Lisboa, tinha eu o numero de carrega-dores que pedira, cincoenta, que, com trinta esperados de Nvo Redondo, prefaziam um total de oitenta; tantos quantos eu havia julgado precisos para subir da foz do Cunene ao Bih.

    O velho sertanejo, Silva Porto, encarregara-se de fazer transportar ao Bih o grsso das bagagens, que ns encontrar'lamos n'aquelle ponto; onde dever)amos contratar mais carregadores para seguir vante.

    N'esse dia mudei eu para a casa que antes occupava o juiz, continuando a ir jantar com o Govel'Ilador, ou

  • .AJND.A EM BUSOA DE O.ARREGADORES. 35

    com Antonio Ferreira Marques, da Casa Ferreira e Gonalves, que porfiavam em obsequiar-me.

    No dia seguinte, um prto meu servial furtou-me uns 75 mil ris, e desappareceu, sem que d'elle mais ~Se soubesse.

    A. 19 chegramos meus companheiros na canhoneira Tmega, e n'esse mesmo dia resolveu-se, que no irlamos foz do Cunene, mas sim entraramos directamente ao Bih.

    Esta nva resoluo que tommos, alterava o que havia contratado com os carregadores, e lm d'isso, a gente de Benguella, que, transportada a paiz distante, no pensaria em desertar, no me inspirava garanta, viajando logo no como em paiz de que conhcia a lngua e os co~tumes.

    Comou nva campanha. Eu tinha presentes as narraes de Cameron e Stanley a respeito dos em-bJ.raos causados por deseres, e at as do proprio Livingstone, que foi abandonado por trinta homens na viagem de Tete com o Dor. Kirk.

    Logo depois da chgada dos meus companheiros, com-binmos em ser o I vens encarregado dos trabalhos geogrphicos, o Capello ue Meteorologia e Sciencias Naturaes, e eu do pessal auxiliar da expedio, coad-juvando-nos mutuamente. Assim, pois, tive de me pr Jogo em campo, e o primeiro passo que dei, foi ir tomr eonslho de Silva Porto.

    Narrei-lhe a nva deciso que havlamos tomado, de seguir directamente ao Bih, e expuz-lhe o meu embarao. Silva Porto veio a Benguella comigo, pois que a sua casa da Bempasta dista 6 kilometros da cidade, e pre-eorrmos as casas onde haviam caravanas de ~ailundos, lle1Il que elles quizssem annuir a levar as cargas ao Bib. K. casa Cauchoix tinha chgado uma grande Gravana, e este cavalheiro chgou a offerecer umn. avultada gratificao ao chefe, e paga dupla aos carre-

    D 2

  • 36 ...4. G.ARABIN...4. D'EL-REL

    gadores, se quizssem conduzir as nossas bagagens, ma....c:1 nada conseguo.

    Cabe aqui narrar um facto muito curioso. Os Bihene>:: sam os primeiros viajantes d'l\.frica, e nenhum outr-c: pvo estende mais longe as suas correrias, nem se ll:::..41 iguala em arrojo e robustez de caminheiros ; mas ~: Bihenos viajam s do Bih para o interior como assal~ riados; e se de maravilha vem costa, por con"C:;.:; propri::t. Os Bailundos alugam os seus servios entre ~ costa e o Bih, e no vam ao interior para leste ; mas aa.-< norte estendem suas viagens at ao Dondo e Loanda.

    Assim, pois, os negociantes sertanejos fazem transpor-tar as mercadorias de Benguella ao Bih por Bailunde>s,. e d'ali aos pontos remotos do interior por Bihenos, que voltam, com os productos permutados, ao Bih. D'este-ponto costa tornam a servir-se dos Bailundos.

    Depois de informado d'isto, s me restava mandar assalariar Bailundos, para me virem buscar as cargas; e d'isso se encarregou Silva Porto, despachando logo cinco-prtos ao Bailundo, a ir buscar a gente. O velho sertanejo-disse-me logo, que elles teriam muita demora, porque os enviados levavam 15 dias a chgar ao paiz, e outro tanto tempo, plo menos, gastariam a reunir os carrega-dores, e estes, 15 dias para vir ; fazendo uma somma de-45 dias; afianando-me elle, que antes no os teria~ Ns estvamos em fins de Setembro, e por isso 86 pode-riamos partir por meado de Novembro.

    Vim participar isto aos meus companheiros, e depois de conferenciar com elles, resol vmos no perder tanto-tempo em Benguella; e entregando as cargas a Silva Porto, para que nol-as enviasse pelos Bailundos, partir-mos immediatamente com as cargas indispensaveis, indo esperar no Bih; tempo que aprovei