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DOI: 10.30928/2527-2039e-20192107 _______________________________________________________________________________________Relato de caso _____________________________________ 1 Hospital Augusto de Oliveira Camargo, Serviço de Cirurgia Geral, Indaiatuba, SP, Brasil. Relatos Casos Cir. 2019;5(1):e2107 HÉRNIAS INCISIONAIS COMPLEXAS - SÉRIE DE CASOS TRATADOS COM REALIZAÇÃO DE PNEUMOPERITÔNIO PROGRESSIVO PRÉ-OPERATÓRIO COMPLEX VENTRAL HERNIAS - SERIES OF CASES TREATED WITH REALIZATION OF PREOPERATIVE PROGRESSIVE PNEUMOPERITONEUM Leonardo Maciel da Fonseca 1 ; Max Wellington Satiro Justino 1 ; Diego Derly Cáceres Lessa 1 ; Tiago Giaj- Levra Vandaleti 1 ; Jubert Magalhães 1 . INTRODUÇÃO As hérnias incisionais complexas (HIC) são aquelas que apresentam grandes defeitos da parede abdominal, associadas à perda de domicílio de vísceras e possível infecção dos tecidos moles. São difíceis de reparar, especialmente associadas a múlti- plas recorrências 1 . Diferentes métodos foram descritos com objetivo de se conseguir o fechamento fascial em pacientes com HIC e, assim ten- tar reduzir a morbidade da reconstrução da parede abdominal e diminuir o risco de síndrome compartimental no pós- operatório. As técnicas mais populares in- cluem liberações fasciais, com separação de componentes da parede abdominal, utiliza- ção de retalhos cutâneos miofasciais e téc- nicas para expansão da quantidade de teci- do dentro da parede abdominal. Isso tem sido alcançado pelo uso de pneumoperitô- nio progressivo pré-operatório (PPP), expan- sores teciduais e o emprego da toxina buto- línica 2-5 . O PPP é um procedimento idealiza- do há mais de 60 anos, sendo recomendado para pacientes com grandes hérnias da pa- rede abdominal. Esse artifício visa aumen- tar o espaço intra-abdominal para acomo- dar melhor o conteúdo herniado. Nas HICs, o saco herniário contém grande quantidade de vísceras, que não retornam espontane- amente para a cavidade abdominal. Nessas hérnias, a redução do conteúdo para o inte- rior da cavidade peritoneal, seguida da re- construção da parede abdominal, sem ne- nhum meio para aumentar o volume intra- abdominal, pode aumentar de forma signi- ficativa o risco de desenvolvimento da sín- drome compartimental abdominal no pós- RESUMO As hérnias incisionais complexas, com perda de domicílio, são afecções de difícil tratamento e, com grande potencial de complicações. Dentre as complicações, destaca-se a síndrome compartimental abdominal. Essa síndrome é potencialmente fatal e, é caracterizada pela hipertensão abdominal asso- ciada à redução do retorno venoso, débito cardíaco e diurese e piora do padrão ventilatório. Este es- tudo relata quatro casos de grandes hérnias incisionais, em que foi utilizado o pneumoperitônio pro- gressivo pré-operatório como auxiliar do tratamento cirúrgico. Esse procedimento é utilizado para aumentar o continente, para adequar-se ao conteúdo das hérnias incisionais complexas, permitindo a redução da incidência da síndrome compartimental, além de facilitar a realização da herniorrafia. Descritores: Hérnia Incisional. Pneumoperitônio Artificial. Hipertensão Intra-Abdominal. Herniorra- fia. ABSTRACT Complex incisional hernias with loss of domain are difficult to treat conditions, with great potential for complications. Complications include abdominal compartment syndrome. This syndrome is potential- ly fatal, and is characterized by abdominal hypertension associated with reduced venous return, car- diac output and diuresis, and worsening of the ventilator pattern. This study reports four cases of large incisional hernias, in which preoperative progressive pneumoperitoneum was used as an aid to surgical treatment. This procedure is used to enlarge the continent to fit the content of the complex incisional hernias, allowing the reduction of the incidence of the compartment syndrome, in addition to facilitating herniorrhaphy. Keywords: Incisional Hernia. Pneumoperitoneum, Artificial. Intra-Abdominal Hypertension. Hernior- rhaphy.

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DOI: 10.30928/2527-2039e-20192107 _______________________________________________________________________________________Relato de caso

_____________________________________ 1 Hospital Augusto de Oliveira Camargo, Serviço de Cirurgia Geral, Indaiatuba, SP, Brasil.

Relatos Casos Cir. 2019;5(1):e2107

HÉRNIAS INCISIONAIS COMPLEXAS - SÉRIE DE CASOS TRATADOS COM REALIZAÇÃO DE PNEUMOPERITÔNIO PROGRESSIVO PRÉ-OPERATÓRIO COMPLEX VENTRAL HERNIAS - SERIES OF CASES TREATED WITH REALIZATION OF PREOPERATIVE PROGRESSIVE PNEUMOPERITONEUM Leonardo Maciel da Fonseca1; Max Wellington Satiro Justino1; Diego Derly Cáceres Lessa1; Tiago Giaj-Levra Vandaleti1; Jubert Magalhães1.

INTRODUÇÃO

As hérnias incisionais complexas (HIC) são aquelas que apresentam grandes defeitos da parede abdominal, associadas à perda de domicílio de vísceras e possível infecção dos tecidos moles. São difíceis de reparar, especialmente associadas a múlti-plas recorrências1.

Diferentes métodos foram descritos com objetivo de se conseguir o fechamento fascial em pacientes com HIC e, assim ten-tar reduzir a morbidade da reconstrução da parede abdominal e diminuir o risco de síndrome compartimental no pós-operatório. As técnicas mais populares in-cluem liberações fasciais, com separação de componentes da parede abdominal, utiliza-ção de retalhos cutâneos miofasciais e téc-nicas para expansão da quantidade de teci-do dentro da parede abdominal. Isso tem

sido alcançado pelo uso de pneumoperitô-nio progressivo pré-operatório (PPP), expan-sores teciduais e o emprego da toxina buto-línica2-5. O PPP é um procedimento idealiza-do há mais de 60 anos, sendo recomendado para pacientes com grandes hérnias da pa-rede abdominal. Esse artifício visa aumen-tar o espaço intra-abdominal para acomo-dar melhor o conteúdo herniado. Nas HICs, o saco herniário contém grande quantidade de vísceras, que não retornam espontane-amente para a cavidade abdominal. Nessas hérnias, a redução do conteúdo para o inte-rior da cavidade peritoneal, seguida da re-construção da parede abdominal, sem ne-nhum meio para aumentar o volume intra-abdominal, pode aumentar de forma signi-ficativa o risco de desenvolvimento da sín-drome compartimental abdominal no pós-

RESUMO As hérnias incisionais complexas, com perda de domicílio, são afecções de difícil tratamento e, com grande potencial de complicações. Dentre as complicações, destaca-se a síndrome compartimental abdominal. Essa síndrome é potencialmente fatal e, é caracterizada pela hipertensão abdominal asso-ciada à redução do retorno venoso, débito cardíaco e diurese e piora do padrão ventilatório. Este es-tudo relata quatro casos de grandes hérnias incisionais, em que foi utilizado o pneumoperitônio pro-gressivo pré-operatório como auxiliar do tratamento cirúrgico. Esse procedimento é utilizado para aumentar o continente, para adequar-se ao conteúdo das hérnias incisionais complexas, permitindo a redução da incidência da síndrome compartimental, além de facilitar a realização da herniorrafia. Descritores: Hérnia Incisional. Pneumoperitônio Artificial. Hipertensão Intra-Abdominal. Herniorra-fia. ABSTRACT Complex incisional hernias with loss of domain are difficult to treat conditions, with great potential for complications. Complications include abdominal compartment syndrome. This syndrome is potential-ly fatal, and is characterized by abdominal hypertension associated with reduced venous return, car-diac output and diuresis, and worsening of the ventilator pattern. This study reports four cases of large incisional hernias, in which preoperative progressive pneumoperitoneum was used as an aid to surgical treatment. This procedure is used to enlarge the continent to fit the content of the complex incisional hernias, allowing the reduction of the incidence of the compartment syndrome, in addition to facilitating herniorrhaphy. Keywords: Incisional Hernia. Pneumoperitoneum, Artificial. Intra-Abdominal Hypertension. Hernior-rhaphy.

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operatório6. A indicação para realização do PPP é

ainda controversa. Há autores que a defen-dem, principalmente com o objetivo de di-minuir as complicações pós-operatórias. Contudo outros são contrários, principal-mente devido à sua complexidade e falta de comprovação em relação à eficácia. Tam-bém consideram o seu emprego impraticá-vel quando a musculatura abdominal é atrófica ou não está presente. Além disso, os seus efeitos no aumento da pressão in-tra-abdominal não são bem conhecidos; e argumentam que, da mesma forma que vá-rios órgãos abdominais são capazes de se adaptar a esse aumento durante o pneu-moperitônio, é possível que também pos-sam tolerar certo grau de tensão da parede músculo-aponeurótica no pós-operatório3.

O objetivo deste trabalho é descrever uma série de casos de pacientes com HIC, em que foi empregada a técnica de PPP an-tes do tratamento operatório, bem como discutir suas indicações e limitações.

RELATO DO CASO Caso 1

Paciente, 54 anos de idade, sexo masculino, com história de sigmoidectomia a Hartmann devido diverticulite complica-da, e posterior reconstrução do trânsito intestinal. Após esses dois procedimentos, paciente evoluiu com grande hérnia incisi-onal (Figura 1a).

Foi admitido 21 dias antes da her-niorrafia para realização do PPP. Para a insuflação de ar ambiente na cavidade ab-dominal, foi empregado um cateter duplo lúmen, utilizado em punções venosas cen-trais. Esse foi puncionado no hipocôndrio esquerdo de acordo com a técnica de Sel-dinger, e orientação por ultrassonografia (Figura 1b). A posição do cateter também foi confirmada por radiografia simples do abdômen.

Para realização do PPP foi insuflado diariamente na cavidade abdominal, e de forma progressiva, 600ml a 1200ml de ar ambiente. A progressão do volume insufla-do foi realizada de acordo com a sintomato-logia do paciente, principalmente dor ab-dominal e desconforto respiratório. Tam-bém foram realizadas dosagens diárias dos níveis séricos de creatinina, sódio e potás-sio. Esses exames objetivavam identificar

alterações da função renal, decorrentes do aumento da pressão intra-abdominal. Em caso de sintomatologia ou alteração desses exames, o volume era reduzido ou, até não se realizava a insuflação no dia. E após cor-reção das alterações, retomava-se a pro-gressão do volume insuflado, até o máximo de 1200ml.

Neste paciente, em três dias não foi realizada a insuflação de ar devido à eleva-ção de creatinina. Durante a herniorrafia foram realizadas separação dos componen-tes da parede abdominal, e aproximação e rafia do peritônio e saco herniário, sendo posicionada tela de polipropileno subapo-neurótica. A aponeurose foi aproximada medialmente após incisões de relaxamento. Foram deixados drenos de aspiração a vá-cuo sobre a tela e no subcutâneo.

O paciente evoluiu bem, sem inter-corrências. Ele recebeu alta hospitalar no terceiro dia pós-operatório. O dreno foi mantido por 21 dias e, o paciente foi orien-tado a utilizar uma cinta abdominal por 90 dias. A figura 1c mostra o resultado do pós-operatório. Figura 1 - a) Hérnia incisional complexa antes da realização do pneumoperitônio progressivo pré-operatório; b) Nota-se cateter duplo lúmen puncionado no hipocôndrio esquerdo para insu-flação de ar ambiente e realização do pneu-moperitônio progressivo pré-operatório; c) Ima-gem do pós-operatório do paciente do caso 1, com diagnóstico de hérnia incisional complexa, submetido à pneumoperitônio progressivo pré-operatório e herniorrafia. Caso 2

Paciente, 37 anos, sexo masculino, com história de retossigmoidectomia a Hartman devido diverticulite. Esse paciente evoluiu com grande hérnia incisional e pa-racolostômica (Figura 2a). Foi admitido pa-ra realização da reconstrução do trânsito intestinal e correção dos defeitos da parede abdominal.

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Foi realizada a punção da cavidade abdominal de forma semelhante ao pacien-te do caso 1 e, insuflado diariamente com 600ml a 1200ml de ar ambiente por 21 di-as. Também foram avaliadas as possíveis complicações da síndrome compartimental, e o volume insuflado variava de acordo com queixas manifestadas pelo paciente. Esse paciente não apresentou alterações da fun-ção renal durante a realização do PPP, con-tudo, frequentemente apresentava queixas de dor e desconforto abdominal. Em duas ocasiões foram realizadas tomografias do abdômen sem contraste venoso, que não mostraram alterações.

Inicialmente foi realizada a recons-trução do trânsito intestinal com anasto-mose colorretal primária. Neste paciente não foi possível à aproximação da camada peritoneal, bem como da aponeurose. Foi optado então por colocação de uma tela intraperitoneal (Symbotex ™ Medtronic). Foram realizadas colecistectomia, apendi-cectomia e dermolipectomia, e deixado dre-no com sistema de drenagem a vácuo su-pra-aponeurótico.

O paciente evoluiu sem intercorrên-cias. O dreno foi mantido por cerca de 14 dias, e também foi orientada a utilização de cinta abdominal elástica por 90 dias. A fi-gura 2b mostra o aspecto do pós-operatório.

Figura 2 - a) Hérnia abdominal e paracolostômi-ca; b) Imagem do pós-operatório do paciente do caso 2, com diagnóstico de hérnia incisional complexa e hérnia paracolostômica, submetido à pneumoperitôneo progressivo pré-operatório, reconstrução do trânsito intestinal e herniorra-fia incisional.

Caso 3 Trata-se de paciente de 52 anos, se-

xo masculino, com história de laparotomia exploradora devido trauma abdominal fe-chado, sendo submetido à sigmoidectomia a Hartmann. Posteriormente esse paciente evoluiu com formação de hérnia incisional (Figura 3).

Figura 3 - Hérnia Incisional complexa do paci-ente do caso 3.

Este paciente foi admitido para reali-zação de PPP durante 21 dias, por meio de cateter puncionado no hipocôndrio esquer-do. Foi optado por insuflar 600ml diários de ar ambiente, devido ao menor tamanho da hérnia em relação aos pacientes relatados anteriormente.

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A função renal e os sintomas clínicos do paciente foram acompanhados diaria-mente. Não foi notada alteração laboratorial durante a realização do PPP, contudo em um dia não houve insuflação de ar ambien-te devido queixa de dores abdominais.

Neste caso não foi possível a aproxi-mação do peritônio e também da aponeuro-se devido grande afastamento das bordas do músculo reto abdominal. Foram coloca-das uma tela infraperitoneal (Symbotex - Medtronic), e ou t r a t e la d e p olipropileno supra aponeurótica. Foram realizadas cole-cistectomia e apendicectomia. Drenos com sistema de aspiração a vácuo foram deixa-dos em posição infra e supraponeurótica. O pós-operatório transcorreu sem intercor-rências e o resultado é visibilizado na figura 4. Figura 4 - Resultado final do pós-operatório do paciente relatado no caso 3. Caso 4

Paciente, 34 anos de idade, sexo masculino, com história de retossigmoidec-tomia a Hartmann por diverticulite compli-cada, apresentando grandes hérnias incisi-onal e paracolostômica (Figura 5a).

Este paciente foi admitido para a realização da reconstrução do trânsito in-testinal e correção dos defeitos da parede abdominal. Foi realizada a punção da cavi-dade abdominal de forma semelhante aos pacientes anteriores, e insuflado diariamen-te com 600 a 1200ml de ar ambiente, por 21 dias (Figura 5b). Também foram avalia-das as possíveis complicações da síndrome compartimental e o volume insuflado varia-va de acordo com queixas manifestadas pelo paciente. O paciente não apresentou alterações da função renal, ou queixas álgi-cas durante a realização do PPP.

Foi realizada a reconstrução do trân-sito intestinal com anastomose colorretal primária O peritônio foi aproximado e então

foi colocada uma tela de polipropileno infra-aponeurótica. Esta foi aproximada medial-mente após a realização de incisões de rela-xamento.

Figura 5 - a) Hérnia incisional complexa e para-colostômica do paciente relatado no caso 4; b) Cateter venoso central puncionado no hipocôn-drio esquerdo.

O pós-operatório transcorreu sem in-

tercorrências. O resultado final do trata-mento pode ser visto na figura 6.

Figura 6 - Resultado final do pós-operatório do paciente relatado no caso 4. DISCUSSÃO

As HICs apresentam acentuada atro-fia do tecido músculo-aponeurótico da pa-rede abdominal, com perda das suas fun-

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ções anatômica e fisiológica. Essas altera-ções determinam grave comprometimento respiratório e visceral. A baixa pressão in-tra-abdominal altera a função do diafrag-ma, promovendo o seu abaixamento e ato-nia progressiva. As alterações respiratórias ocorrem devido ao sinergismo alterado da parede abdominal, pela incoordenação mo-tora entre a parede torácica, o diafragma e a musculatura abdominal. A tentativa de fechamento primário da parede abdominal, nesses tipos de hérnias, eleva o risco de hipertensão intra-abdominal, síndrome compartimental abdominal e alterações da função respiratória7.

Este trabalho descreveu uma peque-na série de casos de pacientes com grandes hérnias incisionais, algumas delas associa-das à colostomias e hérnias paracolostômi-cas, em que foi utilizado o PPP como meio de facilitar a reconstrução da parede ab-dominal, bem como diminuir a morbidade pós-operatória. Nesta pequena série, os re-sultados obtidos com o emprego desta téc-nica foram bastante satisfatórios e também não houve complicações significativas.

O PPP foi descrito pela primeira vez em 1947 por Goñi Moreno. A técnica origi-nal propunha a insuflação de ar na cavida-de abdominal por meio da realização de punções percutâneas intermitentes da pa-rede abdominal8. Assim, as complicações mais comuns do PPP eram frequentemente associadas à punção da parede abdominal. Em 1965, Steichen descreveu a implanta-ção de um cateter para injeções diárias de ar, evitando as punções subsequentes9. O procedimento sofreu algumas evoluções, incluindo o uso de um cateter de duplo lú-men inserido por meio de agulha de Veress, cateteres pigtail com filtro antibacteriano para estabelecer o pneumoperitônio, catete-res urinários e cateteres de Tenckhoff usa-dos em diálise peritoneal. Além disso, pas-sou-se também a utilizar o auxílio do ul-trassom ou tomografia computadorizada durante a punção10.

Recente revisão sistemática listou 15 estudos, envolvendo 269 pacientes, em que foi empregado o PPP no tratamento de HIC. O fechamento fascial primário foi alcançado em 226 pacientes (84,0%). Dos pacientes que atingiram o fechamento fascial,16 paci-entes apresentaram recidiva (7,2%). Telas foram utilizadas em um total de 124 paci-entes. No total, 33 (12%) pacientes tiveram

complicações associadas com o PPP. A complicação mais comumente relatada foi o enfisema subcutâneo (n=16), seguida de infecções da ferida (n=6). Houve dois óbitos relatados: um paciente morreu devido à pneumonia por broncoaspiração no pós-operatório, e outro, devido a complicações de uma doença pulmonar prévia. De acordo com os autores, esses óbitos não foram di-retamente relacionados ao uso do PPP11.

Outro inconveniente desta técnica é a necessidade de manter o paciente inter-nado no pré-operatório por cerca de 20 di-as. Todos os pacientes aqui relatados ne-cessitaram de ajustes no volume de ar in-fundido, medicação analgésica e ocasio-nalmente, medicação anti-emética. Em ne-nhum paciente foi necessário interromper o procedimento, por terem sido intercorrên-cias de menor gravidade, contudo é funda-mental acompanhar as possíveis complica-ções do aumento da pressão intra-abdominal.

Consideramos que para o tratamento das HICs é necessário à associação de di-versas técnicas. Acreditamos que essa es-tratégia facilita o fechamento da parede abdominal, e possibilita menores índices de complicações, especialmente hipertensão intra-abdominal e síndrome compartimen-tal. Nos pacientes aqui relatados utiliza-mos além do PPP, a técnica de separação de componentes, e reforço com telas sintéticas em posição retromusculoaponeurótica (sub-lay) preferencialmente, e quando não fosse possível, intraperitoneal (inlay).

A técnica de separação de compo-nentes foi primeiro descrita por Ramirez e colaboradores, e se tornou bem aceita para o reparo cirúrgico de HIC5. Essa técnica depende da liberação dos músculos oblí-quos externos e de sua fáscia, levando a um aumento no volume abdominal, sem forçar superiormente o diafragma, e permi-tindo a redução do conteúdo da hérnia, res-tauração da parede abdominal, com menor alteração na função pulmonar no pós-operatório12.

A utilização de telas para correção de hérnias ventrais resulta em uma redução significativa nos índices de recorrência. Contudo não há consenso sobre o tipo ideal de tela a ser utilizada, bem como a localiza-ção de sua inserção. As telas disponíveis podem sintéticas ou biológicas, e as sintéti-

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cas podem ser absorvíveis, não absorvíveis ou mistas13.

Existem três opções com relação ao posicionamento da tela em relação a cama-da músculo-aponeurótica da parede abdo-minal: pré-musculoaponeurótica (onlay), retromusculoaponeurótica ou retro-muscular (underlay ou sublay), e intraperi-toneal (inlay). Recentes revisões sistemáti-cas e metanálises concluíram que o reparo com telas na posição intraperitoenal deve ser evitada, pois é relacionada com a maior taxa de recorrência. A colocação de telas em posição pré-musculo-aponeurótica é associada a maior morbidade. E o posicio-namento de telas retromusculoaponeuróti-ca ou retromuscular demonstrou melhores resultados. Contudo, a qualidade e o nível dos dados disponíveis são ruins, impedindo qualquer conclusão definitiva14,15. Com relação às intervenções cirúr-gicas, observou-se que em todos os casos pode-se reduzir completamente o conteúdo dos sacos herniários, o que facilitou muito a confecção da hernioplastia. Quanto a téc-nica operatória, pôde-se observar que nem sempre é possível a aproximação por com-pleta do peritônio e também da aponeurose, o que se faz necessário o uso de material sintético específico para adaptação em nível infraperitoneal. A reconstrução do trânsito intestinal não se mostrou um fator limitan-te para a confecção da correção de hérnia e aparentemente um momento oportuno para a submissão de tal procedimento. Nesses casos, após a realização da anastomose, e antes do início do tratamento da hérnia, todo material cirúrgico, campos e a para-mentação dos cirurgiões eram trocadas.

Mesmo as correções bem-sucedidas, com a utilização de grandes próteses, não são isentas de inconvenientes, pois a pare-de abdominal não retoma a sua elasticida-de e complacência normais. Por este moti-vo, é importante que o paciente seja alerta-do da possibilidade da sua expectativa em relação ao resultado, tanto estético quanto funcional, não ser alcançada.

As HICs são afecções de difícil trata-mento. Estas considerações ressaltam a importância dos cuidados técnicos no fe-chamento das incisões laparotômicas, na prevenção das infecções da ferida operató-ria, nos cuidados quanto às condições nu-tricionais, bem como maior atenção em pa-cientes obesos, e nas medidas visando con-

trolar as afecções que determinam o au-mento da pressão intra-abdominal. REFERÊNCIAS 1. Slater NJ, Montgomery A, Berrevoet F,

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Relatos Casos Cir. 2019;5(1):e2107

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Recebido em: 04/01/2019 Aceito para publicação: 30/01/2019 Conflito de interesses: Não Fonte de financiamento: Não Endereço para correspondência: Leonardo Maciel da Fonseca E-mail: [email protected]

[email protected]