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13 MARIA APARECIDA ARAÚJO COMPREENSÃO DE HIPERTEXTO: SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DA MESCLAGEM UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS BELO HORIZONTE 2006

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MARIA APARECIDA ARAÚJO

COMPREENSÃO DE HIPERTEXTO: SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DA MESCLAGEM

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS BELO HORIZONTE

2006

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MARIA APARECIDA ARAÚJO

COMPREENSÃO DE HIPERTEXTO: SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DA MESCLAGEM

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Lingüística. Área de Concentração: Lingüística Linha: A – Gêneros e Tipos Textuais.

Orientadora: Profa Dra Carla Viana Coscarelli

Co-orientadora: Profa Dra Delaine Cafiero

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS BELO HORIZONTE

2006

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Aos meus pais e ao Charles, com todo o meu carinho.

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AGRADECIMENTO ESPECIAL

À Carla Coscarelli, grande mestra e amiga, pela orientação confiante, pelo apoio incondicional e pelo exemplo profissional e de vida.

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AGRADECIMENTOS

À Professora Delaine Cafiero, pela orientação e, acima de tudo, pela palavra amiga; Ao CNPQ, pelo apoio financeiro; Aos Professores do Programa de Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos: Luiz Francisco, Luiz Carlos Rocha, Regina Lúcia Peret e, em especial, aos Professores Fábio Alves e Heliana Mello, pela Introdução às Ciências Cognitivas; Ao Professor Wander Emediato, pelas valiosas sugestões metodológicas; À Professora Heliana Mello, pelo incentivo e pelo carinho com que sempre me atendeu; À Professora Maria Cecília Bruzzi Boechat, pelas palavras certas nas horas difíceis de tomada de decisão; Aos amigos do Projeto Redigir: Dani, Rosi, Vivi, Carol, Márcio, Rafael e, particularmente, ao Marcelo, com quem trilhei os meus primeiros passos em busca da compreensão da Teoria da Mesclagem; Aos informantes desta pesquisa; Aos amigos e colegas da FALE e do Pós-LIN: Cláudia, Elke, Carla Ferreira, Sandra Cavalcante, Sandra Becker, Ana Elisa, Matheus, Fábio, Joelma, Anselmo e Andressa, pelas conversas produtivas e pelos importantes momentos de descontração; Ao Adriano, pela revisão atenta e cuidadosa; Ao Charles, pelo suporte técnico e afetivo; À minha família, pelo apoio incondicional.

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RESUMO

Este trabalho é guiado pelo pressuposto de que não há razões para acreditarmos que a leitura

de um hipertexto seja diferente da leitura de um texto contínuo (ou linear), uma vez que

consideramos todo texto como hipertexto e toda leitura como um processo hipertextual. Para

verificar se o formato interfere no processamento da leitura, foi elaborado um experimento

com o gênero textual: Crônica. Duas versões da crônica foram criadas: uma hipertextual e

outra contínua, que foram lidas pelos sujeitos informantes desta pesquisa. Depois de ler os

textos, os leitores responderam a um questionário com questões que visavam avaliar as

seguintes habilidades de leitura: Compreensão global, Localização de informação, Produção

de inferência e Opinativa. Os resultados foram comparados e todas as respostas foram

analisadas tendo em vista à Teoria da Mesclagem de Fauconnier e Turner (2002), com o

objetivo de mostrar que operamos com espaços mentais, estabelecendo relações e conexões

entre eles na construção da significação.

Palavras-Chave: Hipertexto, Leitura e Mesclagem Conceptual.

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COMPREENSÃO DE HIPERTEXTO: SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DA MESCLAGEM

SUMÁRIO

1. CAPÍTULO 1 – APRESENTAÇÃO .......................................................13

1.1 Objeto de pesquisa..................................................................................13

1.2 Um breve histórico e a forma de abordagem..........................................15

1.3 Justificativa.............................................................................................17

1.4 Organização do Trabalho........................................................................18

2. CAPÍTULO 2 – QUADRO TEÓRICO ...................................................21

2.1 Sobre a organização do capítulo.............................................................21

2.2 Por uma visão sócio-cognitiva da linguagem.........................................21

2.3 Do Hipertexto ao Texto ..........................................................................24

2.3.1 Sobre Hipertexto...............................................................................24

2.3.1.1 Da hipertextualidade como condição cognitiva e enunciativa ...31

2.3.2 Sobre texto........................................................................................34

2.4 Leitura.....................................................................................................36

2.4.1 Modelo Reestruturado de Leitura .....................................................38

2.4.2 Corporeidade ....................................................................................42

2.4.3 Teoria dos Espaços Mentais .............................................................43

2.4.4 Teoria da Integração Conceptual ou Mesclagem Conceptual ..........49

2.4.5 Modelo Reestruturado de Leitura e Teoria da Mesclagem: uma

interface possível ..............................................................................56

3. CAPÍTULO 3 – A PESQUISA .................................................................62

3.1 Sobre a organização do capítulo.............................................................62

3.2 A natureza da pesquisa ...........................................................................62

3.3 Hipótese ..................................................................................................64

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3.4 Os informantes........................................................................................64

3.5 Tarefas ....................................................................................................65

3.6 Materiais .................................................................................................67

3.6.1 A Crônica..........................................................................................67

3.6.2 As versões.........................................................................................72

3.6.3 As perguntas .....................................................................................76

3.7 Os dados .................................................................................................78

4. CAPÍTULO 4 – RESULTADOS ..............................................................83

4.1 Como os resultados foram organizados..................................................83

4.2 Resultado global .....................................................................................83

4.3 Resultados por habilidade de leitura.......................................................84

4.4 Resultados apresentados por questão .....................................................86

4.4.1 Resultado da questão 1 .....................................................................86

4.4.2 Resultado da questão 2 .....................................................................87

4.4.3 Resultado da questão 3 .....................................................................89

4.4.4 Resultado da questão 4 .....................................................................89

4.4.4.1 Parte A: Localização de informação...........................................90

4.4.4.2 Parte B: Inferencial.....................................................................90

4.4.5 Resultado da questão 5 .....................................................................91

4.4.6 Resultado da questão 6 .....................................................................92

4.4.7 Resultado da questão 7 .....................................................................92

5. CAPÍTULO 5 – ANÁLISE .......................................................................95

5.1 Sobre a organização do capítulo.............................................................95

5.2 Análise da questão 1...............................................................................96

5.3 Análise da questão 2.............................................................................107

5.4 Análise da questão 3.............................................................................113

5.5 Análise da questão 4.............................................................................117

5.6 Análise da questão 5.............................................................................129

5.7 Análise da questão 6.............................................................................133

5.8 Análise da questão 7.............................................................................136

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6. CAPÍTULO 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................144

6.1 Sobre a organização do capítulo...........................................................144

6.2 A pesquisa ............................................................................................144

6.3 Considerações teóricas .........................................................................147

6.4 Considerações práticas .........................................................................147

7. REFERÊNCIAS ......................................................................................149

ANEXOS ......................................................................................................156

ABSTRACT .................................................................................................157

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Quadro: Características do hipertexto ......................................26

FIGURA 2 – Representação do Modelo Reestruturado .................................41

FIGURA 3 – Diagrama: Frame e Espaço Mental...........................................45

FIGURA 4 – Diagrama: Dinamicidade dos Espaços Mentais .......................46

FIGURA 5 – Diagrama básico de uma Rede Conceitual Integrada ...............50

FIGURA 6 – Quadro: “In France, Watergate wouldn’t have harmed Nixon”53

FIGURA 7 – Propaganda ...............................................................................55

FIGURA 8 – Diagrama: Rede de Integração Conceitual – Crônica...............71

FIGURA 9 – Quadro de perguntas .................................................................78

FIGURA 10 – Quadro de respostas ................................................................80

FIGURA 11 – Gráfico: Resultado global .......................................................84

FIGURA 12 – Gráfico: Resultado por habilidade ..........................................85

FIGURA 13 – Tabela: Proporção de acertos (%) na questão 1......................87

FIGURA 14 – Tabela: Proporção de acertos (%) na questão 2......................88

FIGURA 15 – Tabela: Proporção de acertos (%) na questão 3......................89

FIGURA 16 – Tabela: Proporção de acertos (%) na questão 4 – Parte A......90

FIGURA 17 – Tabela: Proporção de acertos (%) na questão 4 – Parte B......90

FIGURA 18 – Tabela: Proporção de acertos (%) na questão 5......................91

FIGURA 19 – Tabela: Proporção de acertos (%) na questão 6......................92

FIGURA 20 – Tabela: Proporção de acertos (%) na questão 7......................93

FIGURA 21 – Diagrama de mudança ..........................................................112

FIGURA 22 – Diagrama de desempacotamento ..........................................120

FIGURA 23 – Diagrama de mapeamento não-legitimado ...........................121

FIGURA 24 – Diagrama de mapeamento pertinente ...................................122

FIGURA 25 – Diagrama da relação vital de analogia..................................124

FIGURA 26 – Diagrama da mescla Vovó/Sociedade ..................................126

FIGURA 27 – Diagrama da mescla Vovó/Senado.......................................127

FIGURA 28 – Diagrama de frame político ..................................................130

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«Os meus escritos, todos eles ficaram por acabar; sempre se interpunham novos pensamentos, extraordinárias, inexpulsáveis associações de idéias cujo termo era o infinito. Não posso evitar o ódio que os meus pensamentos têm a acabar seja o que for; uma coisa simples suscita dez mil pensamentos, e destes dez mil pensamentos brotam dez mil inter-associações, e não tenho força de vontade para os eliminar ou deter, nem para os reunir num só pensamento central em que se percam os pormenores sem importância mas a eles associados.»

(Fernando Pessoa)

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CAPÍTULO 1 – APRESENTAÇÃO

1.1-Objeto de pesquisa

O surgimento das novas tecnologias da informação e comunicação tem provocado

inúmeras mudanças em todos os setores da sociedade. A informática, cada vez mais, está

presente nas atividades sociais, acadêmicas e profissionais e, como não poderia deixar de ser,

também na Educação.

O computador e a internet, como novos suportes da escrita, possibilitaram o

surgimento de novos textos, tais como o chat, o blog, o e-mail e o hipertexto. Estes, por sua

vez, nos fazem repensar as nossas concepções de texto, de leitura e de produção de texto. São

novos espaços da escrita que carecem ainda de estudo para que possamos saber se existem

estratégias e regras (diferentes daquelas com que já contamos na leitura de textos contínuos1)

que precisarão ser desenvolvidas, e que deverão ser levadas em conta, quando da leitura e

produção destes.

Esta dissertação se ocupará do estudo do hipertexto, mais precisamente, da leitura

de hipertexto. Entendemos o hipertexto neste trabalho sob duas diferentes perspectivas. A

primeira vê o hipertexto como um formato textual que possibilita o estabelecimento de uma

rede de relações através de inúmeras conexões entre os blocos de texto. Em outras palavras, o

hipertexto

1 Chamaremos de contínuos os textos tidos como lineares, ou seja, os textos em que as palavras se apresentam no papel uma após a outra.

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é um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas,

imagens, gráficos, seqüências sonoras, documentos complexos que podem eles

mesmos ser hipertextos. Os itens de informação não são ligados linearmente, como

em uma corda com nós, mas cada um deles, ou a sua maioria, estende suas conexões

em estrela, de modo reticular (Lévy,1993:33).

A segunda, que entende o hipertexto, ou a hipertextualidade, como condição

enunciativa e cognitiva da produção de conhecimento. É nessa segunda perspectiva, pois, que

se baseia a nossa hipótese de trabalho: a de que não há razões para acreditar que a leitura de

um texto contínuo seja diferente da leitura de um hipertexto. Somos guiados pela suposição

de que toda leitura é hipertextual, ou seja, para produzir significado lidamos com uma série de

operações mentais, entre elas analogias, inferências2, produção de metáforas, estabelecendo

uma série de relações entre os elementos lingüísticos, dispostos no texto, e os nossos

conhecimentos prévios, sejam eles culturais, lingüísticos ou ideológicos.

A principal questão que norteia esta pesquisa é saber se o formato hipertextual

interfere na compreensão do texto. Ou seja, ler um texto com links estruturalmente marcados

na superfície é diferente de ler um texto contínuo? Acreditamos que não há diferença porque

pensamos que todo texto é um hipertexto, assim como toda leitura é um processo hipertextual.

Este trabalho faz parte de uma pesquisa maior, coordenada pela Prof.ª Dr.ª Carla

Viana Coscarelli, intitulada “Leitura de hipertexto”. Com o objetivo de verificar se o formato

hipertextual interfere no processamento da leitura, foram elaborados experimentos com

diversos gêneros textuais, quais sejam: uma charge, uma pintura, uma propaganda, uma

crônica e um gráfico. Do mesmo gênero, propaganda, por exemplo, foram construídas duas

versões. Uma versão contínua ou “linear”, em que a propaganda (texto base), era seguida de

um texto explicativo, onde as informações são apresentadas uma após a outra, em uma 2 Compartilhamos com Dell’Isola do conceito de inferências: “Inferência é um processo cognitivo que gera uma informação semântica nova, a partir de uma informação semântica anterior, em um determinado contexto”. (2001:44)

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seqüência pré-determinada. E uma versão hipertextual, em que o texto explicativo foi

transformado em links, criados a partir do texto base, neste caso, a propaganda. Para os fins

desta pesquisa, foi selecionado o gênero crônica.

1.2-Um breve histórico e a forma de abordagem

Este trabalho teve suas origens desde a época da Graduação em Letras, quando, no

6° período, passei a integrar o Projeto Redigir, coordenado pela Professora Drª.Carla

Coscarelli. O computador e a internet, como novos suportes da escrita e da leitura, e temas

como educação a distância e gêneros digitais passaram a ser foco de nossas discussões. O

interesse pelo hipertexto surgiu desse contexto em que educação, linguagem e computação

passaram a ser vistas de uma forma integrada.

O advento da informática e, conseqüentemente, o surgimento de novos textos nos

levaram a questionar e a revisitar temas e conceitos que, mesmo antes da informática, não

eram tidos como consensuais em nossa literatura e também em literatura estrangeira. Era

necessário que revisitássemos os conceitos de texto, de leitura e de textualidade com que

costumávamos lidar. E a pergunta que surgia no meio acadêmico era se esses conceitos, de

fato, sofreriam alguma mudança tendo em vista o novo contexto em que nos encontrávamos.

(Coscarelli, 2002)

As nossas discussões foram fomentadas pelos trabalhos já existentes sobre texto e

leitura (Bronckart, 1999; Costa Val, 1991; Koch, 2002 e Koch e Travaglia,1989) e também

pelos novos textos que foram produzidos para levantar as mudanças provocadas na nossa

maneira de lidar e de conceber a linguagem. (Chartier,1998; Dionísio et al, 2002, Rouet et al,

1996). A partir dessas discussões fomos impulsionados a crer que o surgimento desses novos

textos, neste caso específico, o surgimento do hipertexto, ao contrário de romper com a nossa

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forma de pensar e de conceber a linguagem, nos serviu justamente para evidenciar a maneira

como já produzimos conhecimento.

A partir das discussões, foram levantadas questões, tais como: 1) ler um

hipertexto, em que os links estão estruturalmente marcados na superfície do texto, é diferente

de ler um texto contínuo (ou linear), em que as informações estão dispostas uma após a outra,

numa seqüência pré-determinada? Ou seja, o hipertexto exige do leitor habilidades e/ou

estratégias cognitivas diferentes daquelas com as quais operamos em nossas leituras? Esta

questão, por sua vez, pode se desdobrar em outras como: 2) Existem habilidades que são

privilegiadas pelo formato hipertextual? 3)Se existem, quais são elas e por que isto acontece?

Essas questões são o interesse principal de nosso trabalho. Estamos interessados

especificamente no processamento textual, ou seja, na construção de sentido a partir da leitura

de um hipertexto.

Dessa forma, este trabalho se ancora em duas grandes áreas de conhecimento: a da

Lingüística, nosso campo de interesse primeiro, uma vez que estamos interessados no material

textual e nos processos que determinam a sua produção e recepção, e também nas Ciências

Cognitivas, uma vez que estamos preocupados com os processos cognitivos que permeiam e

conduzem a construção de sentido.

Encontramos nas Ciências Cognitivas, mais especificamente, na Lingüística

Cognitiva, subsídios teóricos e epistemológicos para este estudo. Importante dizer que este é

apenas um dos caminhos possíveis para a observação deste objeto. Escolhemos estudar a

compreensão do hipertexto através da lente da Lingüística Cognitiva por acreditar que ela nos

oferece uma melhor visão desse fenômeno. Entretanto, sabemos que o estudo desse mesmo

objeto não está limitado a esse aporte teórico.

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1.3 – Justificativa

Muitos estudos apresentam o hipertexto como uma novidade radical, como um

novo paradigma de produção textual (Landow,1997, por exemplo). Entretanto, também estão

presentes no texto impresso características hipertextuais. O fato de os textos apresentarem

títulos, subtítulos, cadeia referencial, por exemplo, marca a sua não-linearidade. A leitura de

todo texto nos possibilita “navegar” por outros textos, por outros discursos, o que também

nos permite falar em acessibilidade ilimitada e, ainda, se considerarmos que a unidade de um

texto é construída e re-construída no momento da leitura, podemos pensar que o texto

contínuo também não apresenta uma unidade a priori. Essas características, dessa forma, nos

permitem dizer que todo texto (contínuo ou não) não começa e nem termina em si; é apenas

mais um “elo na corrente ininterrupta da comunicação verbal.” (Bakhtin, 1992).

Ribeiro (2003), numa pesquisa que visava verificar a habilidade de leitores em

meio digital, mostra que leitores proficientes de jornal “transportam” as habilidades

adquiridas quando da leitura desse suporte para a leitura de hipertexto digital, empregando as

mesmas habilidades para a navegação no ambiente digital. E mostra, ainda, que, estando

diante de um hipertexto adequado ao suporte3 e, em se tratando de leitores proficientes

(inclusive em ambiente digital), a qualidade de leitura não sofre a interferência do formato

hipertextual.

Rouet et al (1996), por sua vez, mostram alguns estudos que apresentam

resultados variados com relação à leitura nos dois formatos: hipertextual e contínuo. Ora o

formato hipertextual apresentou melhores resultados, ora o formato contínuo. E ainda, em

outro experimento, na tarefa de resumir, não houve diferença significativa para as diferentes

formas de apresentação do texto. Esses resultados nos permitem pensar que não é o formato 3 Para analisar a adequação do texto ao suporte, Ribeiro empregou a Usabilidade, parte da Ciência da Computação que mede a qualidade da interação do usuário com o sistema ou interface com o qual ele está lidando: website,software,etc.

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do texto que exige estas ou aquelas habilidades de leitura, que favorece ou desfavorece a

compreensão, e sim questões que circundam toda a situação de leitura, como os objetivos de

leitura ou a motivação do leitor, por exemplo.

Apesar da existência de importantes trabalhos sobre o hipertexto, como os

apresentados acima, ainda são poucas as pesquisas que se ocupam do estudo do hipertexto,

principalmente em se tratando de literatura do Brasil. Parece-nos também que o objetivo

maior de trabalhos, como Ribeiro (2003) e Rouet et al (1996), não era investigar o

processamento (a leitura) de hipertexto, mas sobretudo o percurso de navegação realizado

pelos leitores quando da leitura de hipertextos, ou seja, priorizaram as habilidades de

navegação e, no nosso caso, pretendemos focar as habilidades de leitura, bem como o impacto

do formato de apresentação na compreensão do texto.

Acreditamos na relevância de pesquisas que procuram estudar tanto as mudanças

provocadas pelas novas tecnologias, quanto a leitura, que sabemos ser um processo complexo.

É importante que as práticas de leitura em novos suportes, no computador, na internet,

ganhem cada vez mais espaço nas academias, sendo foco de pesquisas, para que,

conseqüentemente, possa ser explorada de forma efetiva tanto em nossas áreas profissionais

quanto em sala de aula, em uma prática que atue no nosso desenvolvimento cultural e

cognitivo.

1.4- Organização do Trabalho

Esta dissertação consta deste Capítulo 1, no qual foi apresentado e

contextualizado o objeto de estudo, bem como explicitados os objetivos e a hipótese que

guiaram a nossa análise. Em seguida, descreveremos a organização do trabalho.

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No Capítulo 2, apresentamos os pressupostos teóricos de nossa pesquisa.

Primeiramente, evidenciamos a concepção de linguagem com a qual estamos lidando. Em

seguida, discutimos as noções de texto e hipertexto. Ainda neste capítulo os modelos de

leitura com os quais trabalhamos são apresentados e discutidos

No Capítulo 3, explicitamos todas as etapas da metodologia: sujeitos, tarefas e

materiais.

No Capítulo 4, apresentamos os resultados quantitativos desta pesquisa.

No Capítulo 5, apresentamos a análise do corpus tendo em vista os pressupostos

teóricos apresentados no capítulo 2.

No Capítulo 6, apresentamos as considerações finais desta pesquisa em que foram

explicitadas as possíveis contribuições teóricas e/ou práticas e possibilidades de trabalhos

futuros.

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“This, in fact, is the power of the imagination, which, combining the memory of gold with that of the mountain, can compose the idea of a golden mountain.”

(Umberto Eco - The Name of the Rose)

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CAPÍTULO 2: QUADRO TEÓRICO

2.1 – Sobre a organização do capítulo

Este capítulo tem como objetivo apresentar o quadro de referência que orienta este

trabalho. Primeiramente, alguns conceitos de linguagem são apresentados a fim de que a

nossa escolha teórica seja compreendida. Em segundo lugar, apresentamos uma discussão

sobre as noções de texto e hipertexto. Em seguida, apresentamos os modelos de leitura que

corroboram o pressuposto da hipertextualidade cognitiva, defendido nesta dissertação.

2.2 - Por uma visão sócio-cognitiva da linguagem

A linguagem, desde a Antigüidade Clássica, tem sido foco de interesse filosófico,

gramatical e retórico. Na filosofia, com estudos desenvolvidos por Platão e depois por

Aristóteles, visava-se descrever, através do reconhecimento de uma diferença de categoria

entre palavras, a estrutura do juízo, que constrói uma representação do mundo. Naquela época

os estudos gramaticais preocuparam-se em apresentar as regras do “falar e escrever”

corretamente, objetivo que ainda hoje perseguem os defensores da gramática normativa. A

Retórica, por sua vez, ocupou-se das técnicas de convencimento do interlocutor (ouvinte) por

aquele que fala (o orador) (Guimarães, 2001).

As idéias de Saussure instauram, no início do século XX, o pensamento moderno

sobre a linguagem, e influenciam o surgimento da escola estruturalista. O Estruturalismo vê a

linguagem como “um sistema de signos que exprimem idéias” (Saussure,1989:24), um

sistema pronto, acabado, auto-suficiente. As relações entre sujeito e mundo no processo de

construção da significação não são contempladas nesta abordagem.

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Um segundo momento importante da Lingüística do Século XX é marcado pelos

trabalhos de Noam Chomsky, importante representante do Cognitivismo Simbólico, que,

através da proposta da Gramática Gerativa, defende a linguagem como uma faculdade mental,

autônoma e independente das outras. A linguagem, para a Teoria Gerativa, é um sistema

inato, lógico e repleto de regras. Dessa forma, podemos aproximar a concepção de linguagem

dos Gerativistas e dos Estruturalistas, uma vez que ambos vêem o seu objeto de estudo como

um sistema abstrato, não circunscrito a condições reais de uso.

A posição teórica adotada neste trabalho não compartilha das concepções de

linguagem defendidas pelos Estruturalistas nem pelos Gerativistas porque acreditamos que só

é possível estudar fenômenos lingüísticos com o amparo de uma concepção de linguagem que

considere esses fenômenos em sua totalidade. Dessa forma, julgamos condição sine qua non

que o(s) conceito(s) de linguagem contemple(m) fatores como: os interlocutores, com suas

experiências e conhecimentos prévios, e o processo de interação verbal.

Apoiamo-nos, dessa forma, no pensamento de Bakhtin, que diz:

A verdadeira substância da língua não é constituída por um

sistema abstrato de formas lingüísticas, nem pela enunciação monológica

isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno

social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das

enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da

língua (Bakhtin,1986:123).

Considerar como primordial o aspecto social e interativo da linguagem não

implica, contudo, descartar a importância de seu aspecto cognitivo. Nessa perspectiva,

consideramos igualmente pertinente a abordagem apresentada pela Lingüística Cognitiva:

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A Lingüística Cognitiva é uma abordagem da linguagem

perspectivada como meio de conhecimento e em conexão com a experiência

humana no mundo. As unidades e as estruturas da linguagem são estudadas

não como se fossem entidades autônomas, mas como manifestações de

capacidades cognitivas gerais, da organização conceptual, de princípios de

categorização, de mecanismos de processamento e da experiência cultural,

social e individual (Silva, s/d: s/p)

Nas palavras de Mello (2004: s/p4):

A Lingüística Cognitiva pode ser caracterizada como uma

plêiade de abordagens de estudos da linguagem, que compartilham entre si o

princípio fundamental de que a linguagem é um comportamento

sociocognitivo e só pode ser estudado dentro do uso real que seus utilizadores

dele fazem.

O arcabouço teórico da Lingüística Cognitiva nos permite vislumbrar a linguagem

como uma faculdade mental integrada, ou seja, em interação com outros sistemas cognitivos

(percepção, memória), e fortemente influenciada pela nossa experiência corporal (Embodied

Mind, Lakoff e Johnson (1981), por exemplo), individual e coletiva, além de situada

socialmente.

4 Apud OLIVEIRA, 2004.

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2.3 – Do Hipertexto ao Texto

2.3.1 - Sobre Hipertexto

O termo hipertexto foi proposto em 1964 por Theodor Nelson, no contexto da

informática, para designar uma escrita não seqüencial e não linear. Nessa perspectiva,

“escritores e leitores de hipertexto dependem de um esquema organizacional baseado no

computador que lhes permita moverem-se, rápida e facilmente, de uma seção de texto (...)

para outras seções relacionadas ao texto.” (Johnson-Eilola 1994:197, apud Marcuschi,

2001:83).

Hoje já são inúmeros os estudiosos que se ocupam do hipertexto. De maneira

geral, ao analisarmos os conceitos de hipertexto defendidos por alguns deles, vemos ser ponto

pacífico a inserção do contexto da informática na sua definição.

Nas palavras de Coscarelli (2002), “o hipertexto digital é um documento

composto por nós conectados por vários links. Os nós são unidades de informação, como

textos verbais ou imagens, por exemplo, e os links são conexões entre esses nós.”

Lévy, por sua vez, define o hipertexto como:

(...) um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem

ser palavras, páginas, imagens, gráficos, seqüências sonoras, documentos

complexos que podem eles mesmos ser hipertextos. Os itens de informação

não são ligados linearmente, como em uma corda com nós, mas cada um

deles, ou a sua maioria, estende suas conexões em estrela, de modo reticular

(Lévy,1993:33).

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Conforme Snyder:

Hipertexto é um médium de informações que existem apenas

on line, num computador. É uma estrutura composta de blocos de texto

conectados por nexos (links) eletrônicos que oferecem diferentes caminhos

para os usuários. O hipertexto providencia um meio de arranjar a informação

de maneira não-linear, tendo o computador como automatizador das ligações

de uma peça de informação com outra. (Snyder,1997:126, apud

Koch,2005:s/p).

Caetano Filho (2004:66) entende o hipertexto “como o construto fundamental da

leitura que utiliza um dispositivo eletrônico qualquer (computador, e-book, CD-ROM, etc.) e

apresenta acesso imediato aos espaços de informação com os quais ele criou uma relação (um

link).”.

E Monteiro (2000:29) pensa o hipertexto “como uma forma eminentemente

eletrônica (...). Sua característica principal é a apresentação da informação de uma maneira

não-linear, como se a organização seqüencial e linear do papel fosse desmantelada.”

Pensamento semelhante apresenta Xavier (2002:26) quando considera hipertexto

apenas os dispositivos ‘textuais’ digitais multimodais e

semiolinguísticos (dotados de elementos verbais, imagéticos e sonoros) que

estejam on-line, isto é, os que estejam indexados à Internet, reticuladamente

interligados entre si e que possuam um domínio URL ou endereço

eletrônico, na World Wide Web.

A postura adotada neste trabalho não restringe o hipertexto ao suporte eletrônico,

considera hipertexto os textos impressos e tidos como lineares e, principalmente, considera

como hipertextual toda construção de sentido. Esse posicionamento ficará mais claro no

decorrer deste capítulo.

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O quadro a seguir traz algumas das características que, segundo Marcuschi

(1999:s/p), determinam a natureza do hipertexto:

(a) não-linearidade:

Característica central do hipertexto, caracterizada pela

presença de links entre nós que possibilitam a construção de

redes textuais;

(c) topografia Não é hierárquico nem tópico. Característica que dificulta a

identificação de limites textuais;

(d) fragmentariedade Possibilidade de ligações várias entre as porções textuais

(retornos, fugas);

(e) acessibilidade ilimitada O hipertexto pode acessar todo tipo de fonte (dicionários,

enciclopédias, museus, etc);

(g) interatividade Propiciada por fatores como a acessibilidade ilimitada e pela

relação do leitor-navegador com múltiplos autores em quase

sobreposição em tempo real.

(Figura 1: Características do hipertexto)

Vários autores (Landow,1997 e Xavier, 2002 por exemplo) pensam no hipertexto

como um novo paradigma de produção e recepção textual. Entretanto, defendemos neste

trabalho que muitas características atribuídas ao hipertexto estão presentes também nos textos

tidos como lineares ou contínuos.

A começar pela não-linearidade, característica principal normalmente encontrada

na definição de hipertexto, e que, acreditamos, também esteja presente no chamado texto

linear:

Não há fronteiras absolutas entre o texto linear e o hipertexto.

Na verdade, até o texto impresso inclui freqüentemente traços não-lineares.

Textos técnicos, por exemplo, nem sempre são feitos para serem lidos do

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começo ao fim. Textos muito longos incluem informações estruturais como

um sumário ou um índice que permite ao leitor localizar diretamente as

passagens que são de seu interesse. Livros didáticos e manuais também

freqüentemente incluem vários tipos de documentos (ex.: figuras, gráficos

ou tabelas). Quando encontra uma referência para um desses documentos, o

leitor deve decidir se examina esse documento ou se continua a leitura do

texto. Notas de pé de página, glossários e dicionários são outros exemplos

muito comuns de informação adjunta que fazem a não-linearidade do texto

impresso (Rouet e Levonen, 1996: 14). (1)5

Braga (2003:56) também compartilha dessa opinião quando diz que a organização

estrutural do hipertexto não é totalmente nova. Entretanto a autora aprofunda esse

posicionamento ao afirmar que “na tela essas ligações [proporcionadas pelos links] vão além

de expansões ou relações secundárias e passam a ser centrais na organização do texto”. Aponta

para essa mudança dois fatores complementares: o primeiro é a própria evolução das

tecnologias que tornou mais rápida e eficiente a recuperação de informação e o segundo é o

próprio limite espacial da tela do computador, que exigiu uma organização mais adequada.

Espéret6 (1996:150) diz ser possível pensar a linearidade sob pelo menos três

formas. A primeira seria com relação à organização das unidades lingüísticas, ou seja, uma

letra vem depois da outra, uma palavra após a outra, uma frase após a outra e assim por

diante. Nesse sentido, hipertexto e texto linear são igualmente lineares. A segunda seria a

forma como a informação é armazenada em determinado meio (impresso ou digital, por

exemplo). Aqui, se pensarmos nas notas de rodapé e glossário, também não encontraremos

tanta diferença entre uma versão e outra. E a terceira seria a forma como o leitor controla o

seu acesso a alguma informação. Ou seja, defende-se no hipertexto que o controle de

informações está nas mãos do leitor que decide o que ler, a partir de seus interesses e

5 Os números entre parênteses indicam o número das citações originais que se encontram ao final deste capítulo. 6 In: ROUET ET AL,1996

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objetivos de leitura. Concordamos que o acesso a tais informações é quase imediato no

hipertexto, mas acreditamos que a leitura de um texto linear também pode estimular a procura

de novos textos, novas fontes de informações a partir da leitura de uma frase ou um tópico,

por exemplo. Nessa perspectiva também não restringimos a característica de acessibilidade

ilimitada, apresentada no quadro acima, ao hipertexto.

Com relação à fragmentaridade, traremos à tona a discussão de unidade. Até que

ponto podemos pensar no texto como uma unidade textual, ou unidade de sentido, se o

sentido não está no texto, mas é construído no processo de leitura? Há também no texto linear

possibilidades de conexões várias de acordo com os interesses e objetivos do leitor.

Da mesma forma, pensamos a interatividade como constitutiva de toda e qualquer

ação de linguagem, seja oral, escrita, digital ou impressa, linear ou hipertextual.

Concordamos com Marcuschi (1999) que o hipertexto é topográfico, uma vez que

não é hierárquico, nem tópico. Ou seja, não apresenta uma estrutura com centros e margens

bem definidos. Mas também não acreditamos que a topografia do hipertexto dificulta tão

fortemente os limites textuais. Será que a sua estrutura é mesmo tão imprevisível? Uma vez

que os hipertextos devem ser planejados, se quisermos que eles sejam bem recebidos pelos

leitores navegadores, não seria possível prever também possibilidades topográficas para sua

composição estrutural?

Mais uma vez cabe refletir sobre a função dos links eletrônicos que possibilitam o

percurso por vários caminhos na árdua tarefa de construção de significação. Se pensarmos que

o autor é quem decide como e onde disponibilizar os links no hipertexto, não haveria uma

liberdade incondicional do leitor e sim uma liberdade, até certo ponto, vigiada. Ainda

podemos nos perguntar: Serão mesmo tão imprevisíveis os percursos de leitura possibilitados

pelo hipertexto digital? E serão, da mesma forma, totalmente previsíveis os caminhos e

trajetos percorridos na construção de sentido de um texto linear?

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Cavalcante (2004:167) diz sobre essa questão que os

links seriam as representações dessas redes7 que o autor

propositalmente apresenta ao leitor, como estratégia de marcar seu próprio

percurso enquanto autor, seu estilo, sua história, seu lugar de autoria, e

delineando que caminhos o leitor pode perseguir nesta(s) sua (s) leitura(s).

Essa discussão em torno dos links nos traz outra questão não menos importante: a

idéia de que o hipertexto “esfumaça as fronteiras entre escritores e leitores”. (Snyder, 1998:

127, apud Marcuschi 2005a:194). Acreditamos ser demasiado radical essa afirmação. Autor

continua sendo autor e leitor continua sendo leitor com o advento do hipertexto. O fato de o

leitor de hipertexto poder controlar o fluxo de informações a sua frente não faz dele autor do

texto.

Nesse sentido, concordamos com Possenti (2002:15) quando diz que

Supor que o hipertexto é o reino do leitor é supor que no livro o

autor decidia tudo, determinava como o texto seria lido. Sabemos quanto

ambas as suposições foram questionadas e esmiuçadas. Não temos o direito

de fazer essa discussão como se ela tivesse sendo inaugurada agora, como

efeito dos computadores.

Não é nossa intenção, porém, ao questionar as características apresentadas acima

como peculiaridades do hipertexto, igualar o hipertexto digital ao texto linear impresso. É

notável que o hipertexto se configure como um novo formato de apresentação textual. Tal

formato possibilita a mescla de recursos verbais e não-verbais (sons, vídeos imagens,

7 A autora se refere às redes de sentido que estabelecemos na leitura de todos os textos, seja ele hipertexto ou não.

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animações, etc.) de maneira simultânea. Torna possível o acesso imediato a outros textos,

discursos e espaços, o que não é possível no texto impresso.

Outro ponto importante que o hipertexto digital traz são as habilidades de

navegação necessárias para a sua lide. Este trabalho priorizou leitores proficientes em

ambiente digital, mas podemos nos perguntar se os resultados desta pesquisa teriam sido os

mesmos em se tratando de leitores não acostumados com o computador e a internet.

Necessário que tenhamos claras as diferenças entre habilidade de leitura e habilidade de

navegação. Habilidades de leitura seriam as demandas cognitivas que o ato de ler exige do

Sujeito Leitor (Coscarelli,2002). Por exemplo, a habilidade de localizar uma informação em

determinado texto. Já as habilidades de navegação são aquelas exigidas quando da lide com o

formato textual. No caso do hipertexto, o leitor que possui habilidades de navegação sabe

reconhecer uma palavra em azul como link e sabe que o link lhe possibilita o acesso a outros

nós de informação.

Rouet et al (1996), por sua vez, apresentam alguns estudos que apresentam

obtiveram resultados variados com relação à leitura nos dois formatos: hipertextual e

contínuo. Ora o formato hipertextual apresentou melhores resultados, ora o formato contínuo.

Em outro experimento, na tarefa de resumir, não houve diferença significativa para as

diferentes formas de apresentação do texto. Esses resultados nos permitem pensar que não é o

formato do texto que exige estas ou aquelas habilidades de leitura, que favorece ou

desfavorece a compreensão, e sim questões que circundam toda a situação de leitura, como os

objetivos de leitura ou a motivação do leitor, por exemplo.

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2.3.1.1 - Da hipertextualidade como condição cognitiva e enunciativa

Discordamos de Monteiro (2000:28) quando diz que: “o hipertexto (HTML -

Hypertext Markup Language ) trata-se não só de um artifício gráfico, mas de uma maneira

diferente de leitura alterando o modo de os usuários raciocinarem.” (grifos nossos).

Apesar de o termo hipertexto estar intimamente ligado ao contexto das novas

tecnologias, a idéia de hipertexto já havia sido defendida por Vannevar Bush, em 1945, antes

do advento da informática. Este, além de pensar no hipertexto como uma rede de relações e

informações que estão interconectadas, defendeu que a cognição humana não funciona de

maneira linear e sim através de associações:

A mente humana (…) opera por associações. Com um item em

mãos, ela pula instantaneamente para o próximo que é sugerido pela

associação de pensamentos, de acordo com uma intricada rede de

possibilidades oferecida pelas células do cérebro. Ela tem outras

características, é claro; as trilhas que não são freqüentemente seguidas estão

fadadas a desaparecer, os itens não são completamente permanentes, a

memória é transitória. Além disso, a velocidade da ação, a complexidade

das trilhas, os detalhes das imagens mentais, são mais inspiradores que tudo

mais na natureza. (Bush, 1945. As we may think In: http://www.ps.uni-

sb.de/~duchier/pub/vbush/vbush-all.shtml). (2)

Lévy (1993:23), por sua vez, utilizou a palavra hipertexto como metáfora do

processo de produção do conhecimento: “Quando ouço uma palavra, isso ativa imediatamente

em minha mente uma rede de outras palavras, de conceitos, de modelos, mas também de

imagens, sons, odores, sensações proprioperceptivas, lembranças, afetos, etc.”.

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Nesse sentido encarar o hipertexto como um artefato computacional, como uma

escrita não-linearizada e organizada através de links, atrelados, dessa forma, a uma visão

essencialmente tecnológica, seria uma visão extremamente redutora. Preferimos pensar no

hipertexto, ou melhor, na hipertextualidade, como uma característica ou condição sine qua

non da enunciação e da cognição humanas.

Nós somos seres, os humamos, constituídos na/pela diversidade. “Com isto, o

hipertexto seria, sobretudo, uma forma de se entender os modos de tessitura de sentidos e

organização de nosso dizer. Não somos lineares por natureza, não somos uma seqüência de

racionalidade nem somos explicitude.” (Marcuschi,2005b:s/p)

No processo de compreensão de textos, por exemplo, lidamos com uma série de

dimensões, lexicais, sintáticas, semânticas, pragmáticas que, por sua vez, se relacionam com

elementos não-verbais que juntos nos fazem ativar conhecimentos e experiências anteriores

atrelados às nossas expectativas e objetivos de leitura no momento. Assim se dá o processo de

construção de sentido. As coisas acontecem em uma rede hipertextual. Dessa forma,

poderíamos dizer que uma palavra, uma sensação, uma imagem, ou o próprio link marcado de

azul funcionariam apenas como estímulos, que seriam os links visíveis de um artefato

cognitivo que é, em sua essência, hipertextual.

O caráter hipertextual da cognição encontra respaldo em diversas teorias

cognitivas como a teoria dos frames, proposta por Fillmore (1982). O autor sustenta que o

processo de construção de sentido envolve sistemas de conceitos relacionados que são

ativados em determinados contextos e situações. A abordagem conexionista (Rumelhart e

McClelland, 1986) que defende o processamento cognitivo distribuído em paralelo, em que as

unidades de processamento funcionam como dispositivos, que recebem estímulos, conduzem

e transformam informações dentro de uma rede de conexões (Gonçalves, 2003). Nessa

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abordagem, o conhecimento e as representações não estão prontos, nem armazenados, “mas

são permanentemente recriados ao longo da atividade da rede de conexões” (Magro, 1999:25)

E a Teoria dos Espaços Mentais e da Mesclagem, postulada inicialmente por

Fauconnier (1994,1996) e posteriormente por Fauconnier e Turner (2002), procura mostrar

como o nosso pensamento opera com frames e blendings (mesclas) através da construção e

integração de espaços mentais. Essa teoria – que explicaremos com mais detalhes numa outra

seção, visto ser o pilar principal no qual se sustenta esta pesquisa – propõe-se a esclarecer

como a construção do sentido acontece na integração de informações que, por sua vez, acaba

por fazer emergir tantos outros sentidos possíveis.

Essas teorias nos parecem mostrar o caráter hipertextual da construção de sentido

em nossas relações enunciativas e nos permitem enxergar o hipertexto

como uma forma de constituir e dizer o mundo, produzindo representações

que ultrapassam a razão linear para além da explicação causal, comportada e

ordenada. É um tipo de equilíbrio projetado à margem de um centro. Assim,

quando visto na perspectiva aqui proposta, o hipertexto é a condição humana

do dizer e escutar e não um desafio contemporâneo de uma tecnologia da

comunicação. (Marcuschi,2005b:s/p)

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2.3.2 – Sobre Texto

O texto tem sido objeto de estudo nas mais diversas áreas da Lingüística, e

também fora dela. Exatamente devido à diversidade de lentes que visam estudar o “mesmo”

objeto, temos o texto conceituado e entendido de várias maneiras:

“A noção de texto designa toda unidade de produção verbal

que veicula uma mensagem lingüisticamente organizada e que tende a

produzir um efeito de coerência em seu destinatário”. (Bronckart,2003:19,

grifos nossos)

“Um texto é uma ocorrência lingüística, escrita ou falada, de

qualquer extensão, dotada de unidade sociocomunicativa, semântica e

formal.” (Costa Val,1991:3, grifos nossos).

“O produto de uma atividade discursiva onde alguém diz algo a

alguém”. (Geraldi,1993:98)

“Vou entender o texto como o produto de uma interação, que

pode ser do tipo ‘face-a-face’, como na LF, ou do tipo ‘interação com um

locutor invisível’, como na LE.” (Castilho,1998:55)

“Texto não é apenas uma unidade lingüística ou uma unidade

contida em sim mesma, mas um evento (algo que acontece quando é

processado); não é um artefato lingüístico pronto que se mede com os

critérios da textualidade; é constituído quando está sendo processado (...).”

(Marcuschi,1999:s/p)

“O texto, como dissemos, é a unidade de análise afetada pelas

condições de produção e é também o lugar da relação com a representação

da linguagem: som, letra, espaço, dimensão direcionada, tamanho. Mas é

também, e sobretudo, espaço significante: lugar de jogo de sentidos, de

trabalho da linguagem, de funcionamento da discursividade. Como todo

objeto simbólico, ele é objeto de interpretação”.(Orlandi,1998:72)

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Os conceitos de texto apresentados por Bronckart (2003) e Costa Val (1991)

filiam-se, respectivamente, ao Interacionismo sócio-discursivo e à Lingüística Textual.

Ambos precisariam ser alterados porque não incluem elementos não-verbais, que sabemos

estarem presentes no hipertexto, tais como: sons, gráficos, vídeos, animações, imagens. Os

demais conceitos apresentados acima, em que pesem as divergências teóricas de seus autores,

parecem se encontrar em um ponto principal:

O texto é visto como produto de uma situação de interação.

Nesse sentido nos aliamos a Cafiero (2002) quando esta trata o texto como uma

interface entre escritor e leitor, como um construto que possibilita tornar claros objetivos e

expectativas, e traz marcadas, através da seleção lexical, sintática e semântica, as escolhas do

produtor que busca, por sua vez, uma resposta do leitor ou visa a um efeito de sentido.

Para melhor esclarecer a concepção de texto que adotamos neste trabalho,

recorremos à própria Cafiero que define o texto como:

uma unidade lingüística concreta, é um conjunto organizado de

informações conceituais e procedimentais (instruções de como ligar essas

informações), que media a comunicação. É um produto de um ato discursivo,

isto é, está sempre marcado pelas condições em que foi produzido e pelas

condições de sua recepção. Assim, o texto não funciona autonomamente,

posto que depende da ação de quem o produz, e também de quem o recebe, ou

seja, não traz em si todos os detalhes de sua interpretação. Em outras palavras,

o texto funciona como o fio condutor que liga tenuemente o escritor ao leitor,

permitindo a interação entre eles em uma situação comunicativa concreta.

(Cafiero,2002:31).

Ao pensarmos o texto assim como o faz Cafiero (2002), podemos dizer que o

hipertexto encaixa-se perfeitamente nessa definição. As mudanças trazidas neste novo

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formato textual não foram suficientes para que tivéssemos que buscar um outro conceito,

diferente daquele com o qual já trabalhávamos antes do advento do hipertexto.

Rouet e Levonen (1996:19), entretanto, apresentam uma diferença entre os dois

formatos. Para esses autores, “no hipertexto, as relações semânticas entre as unidades não

estão sempre representadas explicitamente”.(3)

Essa afirmação pode nos conduzir à pressuposição de que no texto linear as

relações semânticas estariam, necessariamente, explicitamente representadas. Isso leva a

discutir a questão de onde estão a coerência e a coesão do texto. Acreditamos como Costa Val

(2004), baseada em Beaugrande (1997), que a coerência e a coesão (componentes da

textualidade) não estão presentes no texto, a priori, mas são construídas, a partir dele, no

momento da leitura. Dessa forma, mesmo em um texto contínuo, onde as relações

referenciais, por exemplo, parecem estar prontas, na superfície do texto, é preciso que o leitor

as construa, mesmo que nem sempre esteja ciente disso.

Ou seja, nessa perspectiva, consideramos o texto como um produto de interação,

um artefato lingüístico, contrato entre leitor e produtor, mas que não significa por si só. O

sentido não está no texto, mas é construído, a partir dele, em uma situação de interação.

Temos definidos, então, dois momentos: o produto lingüístico, como resultado das escolhas

do produtor, e o processamento deste produto, que envolverá uma série de ações, tanto

lingüísticas, cognitivas como também sociais.

2.4 – Leitura

Várias são as concepções de leitura que nortearam o desenvolvimento de modelos

que buscam estudar o processamento mental. A começar pela abordagem mecanicista

(Gough,1972), em que a leitura é vista como um mero processo de decodificação, a passar por

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Goodman (1987) que, numa abordagem da psicolingüística, tratava a leitura como um

processo ou um jogo de adivinhações “jogado” pelo leitor a partir de “pistas” do texto, aos

processos top-down e bottom-up8 que, no campo das Ciências Cognitivas, foram defendidos

por Rumelhart (1980), até se chegar às abordagens interativas defendidas por vários autores

como Kleiman (1989), Coscarelli (1999), Orlandi (1988), Cafiero (2002), Costa Val (2004),

Fauconnier (1994,1997,2002) e outros estudiosos contemporâneos da construção de sentido.

O nosso trabalho se filia a uma abordagem interativa da leitura, em que a leitura é

vista como

um processo complexo que envolve desde a percepção dos

sinais gráficos e sua tradução em som ou imagem mental até a transformação

dessa percepção em idéias, provocando a geração de inferências, de reflexões,

de analogias, de questionamentos, de generalizações, etc.

(Coscarelli,1999:33).

Neste contexto, a leitura não é um todo sem subdivisões e nem um processo

passivo que independe do leitor. Aqui, tem-se uma interação de leitor, que traz consigo

conhecimentos prévios e que, por sua vez, está inserido em uma situação efetiva de

comunicação com o texto, que traz marcas (lexicais, sintáticas, semânticas) das escolhas de

seu produtor e deste último, que deseja comunicar algo.

A seguir, apresentaremos dois modelos de leitura, que se situam, cada um, em

dois paradigmas distintos dos estudos cognitivos, a saber: Cognitivismo e Corporeidade.

Esses modelos serão apresentados e, em seguida, exporemos as razões pelas quais os

consideramos importantes para o desenvolvimento deste trabalho.

8 O processamento descendente (top-down) é uma abordagem não-linear, que faz uso intensivo e dedutivo de informações não-visuais, cuja direção é da macro para a microestrutura e da função para a forma. O processamento ascendente (bottom-up) faz uso linear e indutivo das informações visuais e lingüísticas; sua abordagem é composicional, isto é, constrói-se o significado pela análise e síntese do significado das partes. (Rumelhart,1980)

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2.4.1 – Modelo Reestruturado de Leitura

As Ciências Cognitivas Clássicas (décadas de 50 a 80) foram dominadas pela

visão computacional da mente. Nesse paradigma, pensar ou conhecer nada mais é que um

processamento simbólico, governado por operações e regras sintáticas. Essa abordagem

assume como pressupostos teóricos: o simbolismo e o objetivismo (“metáfora do tubo”, o

significado é fixo e apreendido através da manipulação de símbolos pela mente); o inatismo

(fortemente representado na teoria gerativa de Chomsky sobre a aquisição da linguagem) e o

modularismo (especialização de módulos que desempenham atividades específicas).

Falaremos com um pouco mais de detalhes sobre o modularismo representado na

Tese da Modularidade da Mente proposta por Jerry Fodor (1983), porque é nela9 que se baseia

o Modelo Reestruturado de Leitura, proposto por Coscarelli (1999).

A teoria modular da mente é um modelo de processamento seriado em que os

sistemas de input ou módulos recebem os estímulos exteriores e os transformam em

representação mental adequada para ser processada pelo processador cognitivo central. Os

sistemas de input são acionados um após o outro, durante a leitura, em uma seqüência linear.

O produto das operações realizadas em um sistema serve de input para o sistema seguinte,

formando uma cadeia de processamento de informações.

Os módulos ou sistemas de input são inatos, autônomos, involuntários, inconscientes,

rápidos, independentes e processados seriadamente. O processador central, ao contrário, não é

modular, é consciente e também voluntário.

Fodor (1998) prevê algumas propriedades que são essenciais para a definição de

sua Teoria da Modularidade:

9 Na verdade, o Modelo Reestruturado de Leitura é uma nova versão do modelo proposto por Coscarelli (1993). Optamos aqui, entretanto, por compará-lo diretamente com a Teoria da Modularidade, que inspirou o primeiro e, conseqüentemente, o segundo.

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Encapsulamento: os módulos são cognitivamente não

penetráveis;

Inacessibilidade: as informações contidas nos sistemas

modulares não nos são acessíveis;

Especificidade dos Domínios: cada sistema realiza uma

operação qualitativamente diferente;

Inatismo: os sistemas modulares são inatos.

O Modelo Reestruturado de Leitura (Coscarelli,1999) apresenta-se como uma

alternativa viável ao Modularismo de Fodor (1983), uma vez que coloca em xeque

importantes características postuladas pelo Modularismo. Outros conceitos, por sua vez, são

incorporados ao Modelo Reestruturado, quais sejam: a noção de conhecimento mútuo,

conhecimento prévio e contexto.

Coscarelli (1999) defende, neste modelo, que a leitura não é um todo sem

subdivisões e aponta os seguintes domínios que estariam envolvidos nela: o processamento

lexical, o processamento sintático, a construção da coerência local, a construção da coerência

temática e a construção da coerência externa ou processamento integrativo.10

Entre os domínios do módulo lingüístico (aqueles que lidam diretamente com o

texto), estão o acesso lexical e o parsing sintático. O acesso lexical é o domínio no qual as

informações fonéticas, fonológicas, morfológicas e sintáticas das palavras são ativadas. Além

do acesso lexical outro processamento que precisa ser feito é o parsing sintático, ou seja, a

construção da estrutura sintática das frases.

A construção da coerência local seria a análise do significado construído em cada

frase, bem como das relações entre elas. Essa operação inclui a construção de unidades de 10 “Pode-se optar por outras maneiras de traçar essas subdivisões por elas fazerem parte de uma proposta teórica que busca viabilizar o estudo da leitura.” (Coscarelli,1999:30)

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significado a que podemos chamar de proposições. Fatores como: familiaridade com o

assunto, o conhecimento prévio sobre o assunto, a previsibilidade do texto e sua adequação à

situação atuam nesse momento do processamento.

Na construção da coerência temática, é formada uma representação de partes

maiores do texto, ou do texto inteiro. Fatores como: familiaridade do leitor com o gênero, a

organização estrutural do texto e a capacidade do leitor de identificar as idéias mais

importantes, tendo em vista seu objetivo de leitura parecem exercer influência nesse

processamento.

A construção da coerência externa ou processamento integrativo é mais uma

operação que precisa ser realizada. Aqui, leitor vai integrar as informações construídas

quando da leitura do texto aos seus próprios conhecimentos. Os fatores já mencionados acima,

que atuam na construção da coerência local e temática, também influenciarão essa etapa do

processamento. Somemos a eles ainda dois fatores: a capacidade do leitor de fazer

julgamentos, analogias e generalizações e também aspectos relacionados com a ativação de

conhecimentos na memória do leitor.

Diferentemente do que ocorre no processamento serial, “busca-se agora construir

um modelo em que não haja necessariamente uma arquitetura linear, ou seja, em que o

processamento não seja inerentemente ordenado; que lide com conceitos mais flexíveis e

dinâmicos” (Coscarelli,1999:48). A figura abaixo representa a dinâmica do Modelo

Reestruturado de Leitura:

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(FONTE: Coscarelli,1999:65 – Figura 2: Representação do Modelo Reestruturado de Leitura)

Coscarelli (1999), de forma explícita, abandona algumas características atribuídas

aos sistemas de inputs por Fodor (1983), quais sejam: a independência e a ordenação

cronológica dos domínios e o automatismo das operações realizadas por estes. Ela faz isto,

por exemplo, apresentando situações em que o contexto pode interferir no processamento

lexical ou sintático. Ao defender, também explicitamente, um processamento em paralelo,

que, por sua vez, abole a idéia de um processador central, acreditamos que Coscarelli (1999)

rompe definitivamente com a Teoria Modular proposta por Fodor (1983). Já não é possível

falar em “encapsulamento” nem em “inacessibilidade”, características imprescindíveis na tese

defendida por esse autor.

A autora ainda defende, com ênfase, a importância das noções de conhecimento

prévio, conhecimento mútuo e contexto, ambas vistas sob uma perspectiva dinâmica e

maleável. Afirma que “as operações dos domínios são ‘regidas’ pela pragmática, ou seja, por

informações extratextuais que vão, juntamente com as informações lingüísticas, orientar o

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leitor na construção do sentido” (Coscarelli,1999:48). Assume uma posição que contraria a

idéia de comunicação e linguagem defendida pelo paradigma Cognitivista.

Dessa forma, acreditamos que o Modelo Reestruturado possa ser lido, de forma

mais coerente, numa perspectiva da Corporeidade, paradigma mais recente e ainda em

desenvolvimento no campo das Ciências Cognitivas.

2.4.2 - Corporeidade: uma breve caracterização

O paradigma da Corporeidade, que tem como alguns dos principais representantes

Maturana (2001) e Varela, Thompson e Rosch (2003), Lakoff e Johnson (2002), rompe

drasticamente com a visão computacional da mente apresentada pelo Cognitivismo. A mente,

aqui, não é des-situada, nem se localiza em um lugar do corpo. Ela é o próprio corpo, que está

em constante interação com o ambiente. “A cognição não é a representação de um mundo pré-

concebido por uma mente pré-concebida, mas é a atuação de um mundo e de uma mente com

base em uma história da diversidade de ações desempenhadas por um ser no mundo.” (Varela

et al, 2003:9)

Esse paradigma alarga o campo das Ciências Cognitivas na medida em que traz,

para o estudo da cognição e da mente, as noções de experiência e interação. Nesse sentido,

não é possível se falar em uma realidade apreendida pelos processos mentais. Aqui, construir

sentido só é possível a partir da interação de um ser ( e não só da mente, mas de um ser com

corpo, história, sentimentos e culturas próprios) com o mundo. Nas palavras de Williams

(2004:3.):

o significado é construído na experiência mental de um

sujeito cognoscente com um cérebro em um corpo acoplado em um mundo

que inclua outros sujeitos cognoscentes. Nossas interações com os outros e

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com o mundo exercem papéis cruciais nos significados que nós construímos.

(4)

É nessa perspectiva que acreditamos que um modelo de leitura que, como o

Modelo Reestruturado, preza tanto por questões interativas, contextuais e históricas teria um

lugar mais adequado se fosse situado no paradigma da Corporeidade.

A Lingüística Cognitiva, arcabouço teórico em que se situa a Teoria dos Espaços

Mentais e da Mesclagem, que por sua vez é a teoria basilar deste trabalho, também se filia a

esse paradigma cognitivo. Podemos dizer, dessa forma, que a Lingüística Cognitiva:

(…) dirige-se diretamente a perguntas sobre a natureza do

significado e como ele é construído. Em contraste à abordagem

computacional da cognição que consiste em operações formais de

manipulações de símbolos (o significado é relegado à maneira como os

símbolos mapeiam o mundo), a semântica cognitiva trata a produção do

significado como o motor central da cognição humana. A construção do

significado acontece através da experiência incorporada no mundo, da

simulação mental, e da extensão em domínios abstratos através da analogia,

da metáfora conceptual e da mesclagem conceptual. Essas capacidades são o

foco da pesquisa semântica cognitiva. (Williams,2004:2). (5)

2.4.3 – Teoria dos Espaços Mentais

A Teoria dos Espaços Mentais (Fauconnier, 1994, 1996,1997) procura descrever

mecanismos e operações cognitivas com base na experiência de linguagem em uso,

mecanismos estes que atuam no processo de significação humana. Defende que o processo de

significação se dá a partir da criação, articulação e integração de espaços mentais.

Nessa perspectiva, entendemos espaços mentais como:

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pequenos pacotes de memória de trabalho que construímos enquanto

pensamos ou falamos. Nós os conectamos entre si e também os

relacionamos a conhecimentos estáveis e também a um aparato lingüístico.

Para isso, conhecimentos gramaticais fornecem muitas evidências para estas

atividades mentais implícitas e fornece conexões para os espaços mentais

(Fauconnier,200311, nossos grifos)

Nas palavras de Mello, 200412:

Espaços Mentais organizam os processos que ocorrem quando

falamos ou pensamos. Eles se proliferam no desenrolar do discurso, são

mapeados uns nos outros e ligados através de conectores; oferecem o

suporte para que haja mudanças em perspectivas, foco, ponto de vista,

enquanto mantêm uma elaborada conexão com a memória. Esses processos

são inconscientes. (Mello, 2004:s/p, nossos grifos).

Os espaços mentais, apesar de serem constructos teóricos extremamente

dinâmicos e instáveis13, estão ligados a conhecimentos estáveis, como é o caso dos frames,

por exemplo. Os frames14 ou esquemas15 organizam e estruturam os espaços mentais da

seguinte maneira:

11 Entrevista realizada por Carla Viana Coscarelli e gravada em vídeo na University of California San Diego em abril de 2003. Transcrita e traduzida por Arabela Franco e Carla Viana Coscarelli. 12 Apud OLIVEIRA,2004 13 "Os espaços mentais são construídos dinamicamente na memória de trabalho, mas um espaço mental pode tornar-se entrincheirado na memória de longo prazo. Como exemplo, os frames são espaços mentais entrincheirados que nós podemos ativar de uma só vez." (6) (Fauconnier, s/d:s/p. Disponível em www.mentalspace.net) 14 “Pelo termo ‘frame’ eu tenho em mente qualquer sistema de conceitos relacionados de tal forma que para se compreender um deles é necessário compreender toda a estrutura na qual ele se insere; quando uma das coisas nessa estrutura é introduzida em um texto, ou uma conversação, todos os outros são automaticamente postos à disposição. Tenho a intenção que a palavra ‘frame’ como usada aqui seja um termo geral para uma série de termos variadamente conhecidos na literatura de compreensão de língua natural, tais como ‘esquema’, ‘script’, cenário, ‘ideational scaffolding’, ‘modelo cognitivo’ ou ‘folk theory’ (Fillmore, 1982:111,apud Tenuta, 2005:30) 15 Esquemas são expectativas, construídas tendo por base nossas rotinas, são parte de nossa história. Ao

interagirmos com o mundo não partimos de um ponto zero a todo instante, temos por base certas expectativas em relação ao universo à nossa volta, esquemas internalizados. Porém, a própria interação e negociação constantes garantem a possibilidade de alteração, flexibilização. Esquemas, portanto, não apresentam caráter de rigidez ou

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Espaço Mental Frame

(FONTE: Fauconnier,1997:12 – Figura 3: Frame e Espaço Mental)

O diagrama acima representa o mapeamento de elementos de um frame para um

espaço mental em uma frase como: Jack comprou ouro de Jill. Jack, ouro e Jill representariam

a, b e c, respectivamente. E esses elementos seriam conectados a elementos do frame relativo

a uma transação comercial, que conteria, por sua vez, elementos e papéis, tais como:

vendedor, comprador, mercadoria, preço, dentre outros.

Além de se conectarem a frames, os espaços mentais são mapeados e conectados

entre si, numa cadeia dinâmica, no desenrolar do discurso:

constância absoluta. Esse é um processo dinâmico de rotinização da experiência. Relacionados a essas expectativas, esses mapas de possibilidades semânticas, há os esquemas de evento ou scripts que, por sua vez, são expectativas sobre toda uma seqüência de acontecimentos de determinados eventos. (Tenuta,2005:28)

a. b. c.

. comprador

. vendedor

. mercadoria … …

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(FONTE: Coscarelli,2005a:05, mimeografado- Figura 4: Dinamicidade dos Espaços Mentais)

O diagrama acima é a representação da seguinte passagem:

“Maria acredita que Pedro é o criminoso. Mas, na verdade, quem cometeu o crime foi

João.”

Na primeira frase: “Maria acredita que Pedro é criminoso”, o verbo acreditar funciona

como instaurador de um espaço que equivale à crença de Maria. Atrelado a ele, temos o espaço

base, onde temos um crime cometido por alguém, independentemente de ser Pedro o criminoso. A

frase seguinte: “Mas, na verdade, quem cometeu o crime foi João”, a partir da expressão na

verdade, instaura um novo espaço, o espaço da realidade, em que temos João como culpado e não

Pedro, como acreditava Maria.

A passagem acima nos permite observar que alguns mecanismos lingüísticos16

podem funcionar como instauradores de espaços mentais. “A Teoria dos Espaços Mentais

16 Não só expressões lingüísticas funcionam como instauradores de espaços mentais. Conhecimentos prévios, conhecimentos contextuais e gênero textual podem ser ativadores de espaços.

crime criminoso

crime Pedro

crime João

Base

Pensamento Maria

Realidade

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trabalha com a premissa de que as expressões lingüísticas per si não portam o sentido, mas

servem de guia para a construção do mesmo”. (Cavalcante,2002:78)

São exemplos de construtores de espaços mentais (space builders):

Uso de verbos “dicendi”; (ou não dicendi usado como dicendi. Ex.: lamentar – Lamento que ele não tenha vindo)

Uso de parênteses, aspas e travessão;

Uso de advérbios de lugar e de tempo (Ex. Em 1993,... – Na casa da minha avó,...);

SN sujeito + verbos epistêmicos (Ex: Maria acredita que Pedro é o criminoso);

Construções condicionais, etc (Ex.: Se eu fosse o Presidente ...)” (Coscarelli, 2003).

Fauconnier e Turner (2002), ao lançarem mão de um dos episódios da Guerra de

Tróia, Aquiles e sua armadura, discutem a relação entre forma e significado. Assim os autores

narram o episódio:

Quando Patroclos doou a armadura de Aquiles para a batalha

com os Troianos, o que os Troianos primeiramente viram foi a armadura

espetacular, e supuseram naturalmente que era Aquiles, e ficaram estarrecidos

(..). Mas não demorou muito tempo para que o Troianos descobrissem que

se tratava apenas da armadura de Aquiles e não dele mesmo, e então eles não

tiveram nenhuma piedade. (Fauconnier e Turner,2002:4). (7)

Ao lançarem mão dessa metáfora, os autores nos chamam atenção para o fato de

olharmos para a forma, assim como os troianos olharam para a armadura de Aquiles.

Defendem que a armadura, assim como a forma, é indispensável, mas a armadura sozinha

não é infalível, pois depende do guerreiro invisível dentro dela. Da mesma maneira, são as

nossas relações de construção do significado.

A forma não apresenta um significado, mas, sim, escolhe

regularidades presentes em todos os significados. A forma induz o significado

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e deve ser adaptada à tarefa, assim como a armadura de Aquiles teve que ser

feita para se ajustar a suas habilidades. (Fauconnier e Turner,2002:5) (8)

Os processos de construção da significação, que são desencadeados pela forma, e

que se dão a partir da criação, articulação e integração de espaços mentais, estão estreitamente

ligados com três operações mentais básicas, quais sejam: identificação, integração e

imaginação.

A identificação é resultado de um complexo trabalho imaginativo e inconsciente.

Está relacionada ao reconhecimento de identidade, igualdade e equivalência. A nossa

capacidade de identificação, por sua vez, está intimamente relacionada com a operação de

integração, que “(..) é outra operação mental básica no processo de produção de sentido,

largamente imaginativa e crucial para os mais simples tipos de pensamento” (Fauconnier e

Turner, 2002:18) (9). Essas duas operações, por sua vez, só funcionam amparadas pela

terceira operação de imaginação, que está ligada à nossa capacidade de simulação. Ex:

histórias ficcionais, cenários possíveis, sonhos, fantasias.

As operações de identificação, integração e imaginação acontecem nos

“bastidores da cognição”. Muito dificilmente temos consciência delas. Nós as tomamos como

dadas ou garantidas, mas elas acontecem através de complexas interações mentais.

A identificação de uma entidade singular, um copo de café, por exemplo, nos

parece ser tarefa muito simples. Quando olhamos para um copo de café, percebemos o tal

copo sem maiores complicações. Entretanto, os vários aspectos de um copo de café – a cor, o

tamanho do copo, o cheiro e o gosto do café – são apreendidos por processos distintos que

ocorrem em diferentes áreas do cérebro e que são, depois, integradas. Nós não nos

perguntamos como vemos uma coisa sendo uma coisa e não outra (como reconhecemos uma

árvore como uma árvore, um copo como sendo um copo), porque assumimos que a unidade

vem da coisa em si mesma e não de nosso trabalho mental. (Fauconnier e Turner, 2002:8).

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Na seção seguinte, discutiremos a operação de integração conceptual, que

desempenha um importante papel na argumentação deste trabalho, qual seja: a premissa de

que operamos cognitivamente de forma hipertextual.

2.4.4 – Teoria da Integração Conceptual ou Mesclagem Conceptual

A idéia defendida neste trabalho, de que a hipertextualidade é uma propriedade

cognitiva, está estreitamente relacionada com a operação nomeada por Fauconnier e Turner

(2002) de integração conceitual.

A integração conceitual ou mesclagem é “uma operação cognitiva em que a

estrutura de dois17 inputs mentais é projetada num terceiro espaço. Essa projeção é feita com

base nas semelhanças entre os espaços que possibilita a projeção e o estabelecimento de

relações entre os elementos de cada um deles.” (Coscarelli, 2005a:7, mimeografado). O

resultado da mescla é o desenvolvimento de estruturas emergentes, que não estão presentes

nos espaços inputs e que só são possíveis através da mescla. Nesse espaço, eventos complexos

podem ser manipulados de forma simples e integrada.

São elementos constitutivos da Integração Conceitual:

Espaços inputs: são os espaços que fornecerão os elementos para o espaço da mescla;

Espaço genérico: o espaço que contém uma estrutura comum aos espaços inputs;

Espaço integrado: é o espaço resultante do processo de integração;

Associações e conexões contrapartes: são feitas entre os elementos dos espaços inputs;

Projeção seletiva: nem todos os elementos e relações dos inputs são projetados no

espaço da mescla;

Significado emergente: estrutura resultante do processo de integração.

17 Pelo menos dois espaços inputs, uma vez que é possível a construção de um espaço integrado formado por sucessivas mesclas.

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Diagrama básico de uma Rede Conceitual Integrada:

(FONTE: Fauconnier e Turner, 2002 – Figura 5)

No diagrama acima, os espaços mentais são representados pelos círculos; as

linhas sólidas indicam os mapeamentos entre espaços; as linhas pontilhadas representam as

conexões entre os inputs, o espaço genérico e o espaço de mescla e o quadrado dentro do

espaço da mescla representa a estrutura emergente.

Fauconnier e Turner (2002) postulam ainda mecanismos que atuam

simultaneamente na produção do significado emergente. São três:

Composição: relacionado ao recrutamento de elementos dos espaços inputs para o

espaço da mescla, promovendo relações que não estão presentes nos espaços inputs

em separado;

Complementação: relacionado ao recrutamento de elementos de nossos conhecimentos

prévios (frames, por exemplo) para o espaço da mescla. São elementos que não estão

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presentes nos espaços inputs, mas que são necessários para a construção da

significação;

Elaboração: Relacionado ao funcionamento da mescla (running the blend) de acordo

com os princípios estabelecidos para ela e tendo em vista a nossa capacidade de

imaginação.

O significado emergente, produzido a partir do processo de integração, pode

comprimir uma série de relações vitais, que também são constitutivas dos espaços inputs. São

exemplos de relações vitais postuladas por Fauconnier e Turner (2002): tempo, espaço, causa-

efeito, identidade, mudança, analogia.

Visando a uma maior eficácia da mescla, os autores postularam cinco princípios

de otimização18 da rede, que funcionam como uma espécie de limitadores ou como escopo da

rede:

“Integração – A mescla deve constituir uma cena firmemente integrada que

possa ser manipulada como uma unidade.

Topologia – Para qualquer espaço input e qualquer elemento naquele espaço

projetado à mescla, é ideal que as relações do elemento na mescla

correspondam às relações de sua contraparte.

Rede – A manipulação da mescla como uma unidade deve manter a rede de

conexões aos espaços input facilmente e sem observação ou computação

adicional.

Desempacotamento – A mescla sozinha deve possibilitar àquele que

compreende desdobrar a mescla para reconstruir os inputs, os mapeamentos

trans-espaciais, o espaço genérico, e a rede de conexões entre esses espaços. 18 As redes não têm que, necessariamente, seguir a todos os princípios. Mas a eficácia da mescla está ligada diretamente e eles.

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Relevância – Se um elemento aparece na mescla, haverá motivação para

encontrar significação para esse elemento. A significação incluirá elos com

outros espaços e funções relevantes no processamento da mescla.”

(Fauconnier e Turner 1998:163) (10)

O processo de mesclagem tem sido utilizado na explicação de várias áreas da vida

humana. A matemática, a gramática, o pensamento contrafactual, analógico e metafórico são

alguns exemplos em que podemos visualizar essa operação mental. Apresentaremos, a seguir,

alguns exemplos que envolvem a mesclagem conceitual.

Exemplo 1: Contrafactual

“Na França, Watergate não teria prejudicado Nixon”.19

Neste exemplo, o contrafactual apresenta um contraste entre França e Estados

Unidos, através de suas relações culturais e políticas.

Temos no primeiro espaço input, a França e seus elementos. No segundo espaço

input, temos Nixon e o escândalo Watergate, representando a América. Há um mapeamento

entre os elementos desses espaços e uma projeção seletiva para o espaço da mescla. No

espaço da mescla, temos o Watergate e Nixon, não mais nos Estados Unidos, mas na França.

Mas a cultura americana (as ações e atitudes) não é projetada na mescla, e sim a francesa.

Dessa forma, o presidente não é prejudicado.

Esse processo pode ser melhor visualizado na representação abaixo:

19 Exemplo retirado de Coulson (2001:208 )

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(Fonte: Coulson,2001:208 – Figura 6: “In France, Watergate wouldn’t have harmed Nixon” )

Através dessa figura, podemos observar, com mais clareza, o processo de

Integração Conceitual. Há, por exemplo, um mapeamento que liga “Jospin” na França a

“Nixon” nos Estados Unidos. Entretanto, no espaço mesclado, apenas “Nixon” é projetado.

Da mesma maneira, há um mapeamento entre “França” e “Estados Unidos”, e apenas a

projeção de “França” para o espaço da mescla. O escândalo de Watergate, por sua vez, não

encontra correspondência no Espaço da “França” e é justamente projetado para que a mescla

faça sentido. Da mesma forma, são projetadas as ações que decorrem da postura política e

cultural da França, e não as dos Estados Unidos.

Trataremos no exemplo seguinte de uma integração que envolve metáforas.

Exemplo 2: Metáfora

“Cavando sua própria cova” (“ Digging your own grave”20 )

20 Exemplo retirado de Fauconnier (1998)

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A expressão metafórica “você está cavando a sua própria cova” é usada

geralmente em avisos ou julgamentos e implica que: você está fazendo coisas ruins que lhe

trarão uma experiência ruim; você não tem consciência dessa relação causal.

Numa primeira análise, poderíamos imaginar uma simples projeção do domínio

concreto21 (de cova, morte e enterro) para o domínio abstrato (de fazer coisas erradas e

fracassar), mas o que temos não é tão simples assim. A estrutura causal dessa integração é

invertida: ações erradas causam fracasso, entretanto, cavar covas não causa a morte. A

estrutura do domínio fonte não é preservada no espaço da mescla. Na mescla, temos a relação

causal do espaço abstrato e as estruturas concretas do domínio concreto. Dessa forma, no

espaço mesclado, a existência da cova causa a morte do sujeito.

O exemplo seguinte trata-se de uma propaganda. No discurso publicitário,

principalmente em se tratando de imagens, a mescla é um recurso bastante comum.

Exemplo 3: Imagem/Publicidade

21 As expressões “domínio concreto” ('source domain') e “domínio abstrato” (‘target domain’)são provenientes da Teoria da Metáfora Conceitual (Conceptual Metaphor Theory) de Lakoff & Johnson (1980). A teoria da metáfora conceitual, assim como a teoria da mesclagem, trata a metáfora como um fenômeno conceitual. Entretanto, a Teoria da Metáfora Conceitual define a metáfora como um fenômeno estritamente direcional. As projeções são feitas de um domínio fonte (geralmente mais concreto) para um domínio alvo (abstrato).

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( Fonte: Revista de Bordo - Figura 7: Propaganda)

Neste anúncio22, um dos espaços é construído com elementos bíblicos – a maçã,

Adão e Eva e a serpente – que, por sua vez, remetem à tentação e ao pecado. O outro é

construído pela bebida Campari e o(s) consumidor(es) dela. O terceiro será gerado pelas

projeções e correspondências que podem ser feitas entre esses espaços. Ou seja, a maçã e a

bebida mesclam-se nesse terceiro espaço como um terceiro elemento que tem características

tanto de um quanto de outro.

Temos também um espaço genérico que fornece uma estrutura e informações mais

gerais sobre a idéia da tentação, que se projeta nos dois outros domínios, o domínio bíblico do

22 Esta propaganda,bem como a sua análise tendo em vista a Teoria da Mesclagem, foi retirada da pesquisa “Leitura de hipertextos” coordenada pela professora Carla Viana Coscarelli e da qual participei.

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pecado original e o domínio do consumo de bebida. No espaço bíblico temos as figuras da

serpente e da maçã, que estão presentes na propaganda, e das personagens Adão e Eva, que

são inferidas por serem elementos importantes nesse contexto. Muitas outras informações

deverão ser inferidas na ativação desse frame, uma delas seria o fato de Adão e Eva serem

convencidos pela serpente a provar da maçã e serem, como conseqüência disso, penalizados

com a expulsão do paraíso. Nesse frame podem ser ativados nossos conhecimentos sobre a

tradição cristã de usar esse mito como uma forma de controle da sexualidade, em que o sexo é

visto como pecado e os pecadores serão punidos.

No espaço do consumo de bebida, temos o Campari e o consumidor, ou pessoa

que vai bebê-lo. Neste espaço há dois elementos, em contraste com o frame genérico da

tentação e o espaço bíblico, uma vez que, aqui, as figuras do tentador e do objeto de desejo

são encontradas em um mesmo elemento que é a bebida.

Na compreensão desse anúncio, esses dois domínios são integrados em um

terceiro no qual características da serpente, da maçã e do Campari são condensadas em um

único elemento. Também nesse terceiro espaço Adão e Eva e o consumidor mesclam-se

formando um outro elemento que condensa características dessas duas figuras. Nessa mescla,

muitas inferências podem ser produzidas. Aqui a bebida Campari é ao mesmo tempo serpente

e maçã, ou seja, é provocador e estratégia de sedução (ou objeto de desejo) e o consumidor é

Adão ou Eva, que vão experimentar a bebida.

2.4.5 –Modelo Reestruturado de Leitura e Teoria da Mesclagem: uma interface possível.

A hipertextualidade cognitiva é a premissa principal na qual se baseia este

trabalho. Na busca de teorias que pudessem respaldar essa premissa, decidimos adotar duas: o

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Modelo Reestruturado de Leitura (Coscarelli,1999) e a Teoria da Mesclagem (Fauconnier e

Turner,2002).

Buscamos mostrar que, apesar de o Modelo Reestruturado se filiar ao paradigma

cognitivista, ele compartilha dos mesmos ideais acerca da linguagem que a Teoria da

Mesclagem, filiada ao paradigma da Corporeidade. Dessa forma, julgamos pertinente uma

interface entre os dois modelos já aqui apresentados.

A Teoria da Mesclagem propõe-se a explicar o processo de significação humana a

partir da criação, articulação e integração de espaços mentais. O processamento, aqui, está em

um nível posterior ao proposto pelo Modelo Reestruturado de Leitura. Este cuida, por sua vez,

de etapas do processamento que não são contempladas pela Teoria da Mesclagem.

O Modelo Reestruturado (Coscarelli,1999) apresenta uma alternativa ao Modelo

seriado de Jerry Fodor (1983), que julgamos coerente com a abordagem hipertextual proposta

neste trabalho. Para Coscarelli, os domínios de processamento (lexical, sintático, semântico,

coerência local, temática e externa) não ocorrem de maneira linear, seqüencial e sofrem

interferências constantes uns dos outros e também de fatores extra-lingüísticos, como o

conhecimento prévio e contexto.

A proposta de Fauconnier e Turner (2002) não contempla etapas da construção de

sentido como o processamento fonético, morfológico ou sintático, entretanto, faz uso dos

resultados desses níveis de processamento ao propor a construção da significação através da

articulação e integração de espaços mentais. Ou seja, o produto do processamento sintático ou

semântico de um item lexical pode ser responsável pela ativação de um e não de outro espaço

mental. Coscarelli (1999), por sua vez, não explica como as etapas posteriores ao parsing

sintático efetivamente acontecem, processos aos quais se dedicam a Teoria da Mesclagem.

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Acreditamos, dessa forma, que esses dois modelos juntos nos fornecem uma visão

coerente do processamento da leitura visto aqui como um processo essencialmente

hipertextual.

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CITAÇÕES ORIGINAIS

(1) “There is no absolute boundary between linear text and hypertext. In fact, even printed text often

includes nonlinear features. Technical or expository text, for instance, is not always meant to be read from

beginning to end. Lengthy texts include structural information such as a table of contents or an index that

allows the reader to locate directly the passages of interest. Textbooks and manuals also frequently include

various types of embedded documents (e.g., pictures, graphics, or tables). When encountering a reference to

an embedded document, the reader must decide whether to examine the embedded document or to continue

reading the text. Footnotes, glossaries, and dictionaries are other widespread examples of adjunct

information that makes printed text nonlinear.” (Rouet e Levonen, 1996: 14)

(2) “With one item in its grasp, it snaps instantly to the next that is suggested by the association of

thoughts, in accordance with some intricate web of trails carried by the cells of the brain. It has other

characteristics, of course; trails that are not frequently followed are prone to fade, items are not fully

permanent, memory is transitory. Yet the speed of action, the intricacy of trails, the detail of mental pictures,

is awe-inspiring beyond all else in nature.” (Bush, 1945. As we may think In: http://www.ps.uni-

sb.de/~duchier/pub/vbush/vbush-all.shtml).

(3) “In hypertext, the semantic relations between units are not always explicitly represented. Therefore,

hypertext readers may make incoherent transitions between hypertext units.” (Rouet e Levonen, 1996: 19)

(4) “Meaning is constructed in the mental experience of a cognizer with a brain in a body engaged with a

world that includes other cognizers. Our interactions with others and the world play crucial roles in the

meanings we construct.” (Williams,2004:3)

(5) “(…) directly addresses questions about the nature of meaning and how meaning is constructed. In stark

contrast to the computational view of cognition as consisting of formal operations on strings of inherently

meaningless symbols (meaning being relegated to the way the symbols map onto the world), cognitive

semantics treats meaning-making as the central engine of human cognition. The construction of meaning

depends upon embodied experience in the world, mental simulation, and extension into abstract domains via

analogy, conceptual metaphor, and conceptual blending. These capacities are the focus of cognitive semantic

research.” (Williams,2004:2)

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(6) “Mental spaces are built up dynamically in working memory, but a mental space can become entrenched

in long-term memory. For example, frames are entrenched mental spaces that we can activate all at once.”

(Fauconnier, s/d:s/p. Disponível em www.mentalspace.net)

(7) “ When Patroclos donned the armor of Achilles to battle the Trojans, what the Trojans first saw was the

spetacular armor, and they naturally assumed it was Achilles, and were terrified (..). But it didn’t take long for

the Trojans to discover that it just Achilles’s armor, not Achilles himself, and then they had no pity.”

(Fauconnier eTurner,2002:4).

(8) “Form does not present meaning but instead picks out regularities that run throughout meanings. Form

prompts meaning and must bee suited to its task, just as the armor of Achilles had to be made to size and

abilities.”(Fauconnier eTurner,2002:5)

(9) “(..) is another basic mental operation, highly imaginative but crucial to even the simplest kinds of

thought.” (Fauconnier eTurner, 2002:18).

(10) “Integration – the blend must constitute a tightly integrated scene that can be manipulated as a unit.

More generally, every space in the blend structure should have integration.

Topology – For any input space and any element of that space projected into the blend, it is optimal for the

relations of the element in the blend to match the relations of its counterpart.

Web – manipulating the blend as a unit must maintain the web of appropriate connections to the input spaces

easily and without additional surveillance or computation.

Unpacking – The blend alone must enable the understander to unpack the blend to reconstruct the inputs, the

cross-space mapping, the generic space, and the network of connections between all these spaces.

Good Reason – All things being equal, if an element appears in the blend, there will be pressure to find

significance for this element. Significance will include relevant links to other spaces and relevant functions in

running the blend.” (Fauconnier e Turner, 1998:163)

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“A mente humana está fundamentalmente ligada à experiência e ao desejo."

(Albert Einstein)

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CAPÍTULO 3: A PESQUISA

3.1- Sobre a organização do capítulo

Neste capítulo é apresentado o experimento realizado com o objetivo de verificar

a interferência do formato textual em sua compreensão. Todos os procedimentos

metodológicos são aqui explicitados. O presente capítulo se estrutura da seguinte maneira: Em

primeiro lugar é apresentada a natureza da pesquisa, seguida de sua hipótese. Logo depois,

são apresentados os informantes, as tarefas e todo o material envolvido no experimento: a

crônica, suas versões (hipertextual e contínua), as perguntas e, finalmente, os critérios de

análise dos dados.

3.2 – A natureza da pesquisa A pesquisa aqui apresentada se insere no modelo experimental, uma vez que visa

avaliar a influência de um fator, o formato textual (variável independente), sobre o

processamento da leitura (variável dependente). Em uma primeira abordagem, focalizamos no

experimento sua natureza quantitativa, tendo em vista comparar os resultados obtidos em

questões de interpretação quando da leitura do mesmo texto sob os formatos hipertextual e

contínuo. Em seguida, sob sua natureza qualitativa, avaliamos todas as respostas,

independentemente do fato de terem sido consideradas inadequadas na análise quantitativa,

com o objetivo de mostrar, de acordo com a Teoria da Mesclagem (Fauconnier e Turner,

2002), que todos os informantes operaram cognitivamente de forma hipertextual.

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Este trabalho compõe uma pesquisa maior coordenada por Coscarelli, que visa

verificar a compreensão quando da leitura de textos contínuos e hipertextos. A pesquisa

trabalhou com diferentes gêneros textuais a saber: charge, propaganda, pintura ,gráfico e a

crônica, este último gênero escolhido para ser analisado nesta dissertação.

Ressalvamos que não buscamos, a partir da análise quantitativa, fazer

generalizações dentro de um universo mais amplo. O pequeno número de informantes

utilizado neste experimento leva-nos a não expandir a validade de seus resultados para além

desse conjunto de leitores analisado, dentro do qual verificamos a força de nossa hipótese.

A análise qualitativa adotada neste trabalho, uma vez que busca compreender o

fato em sua particularidade (Martins e Bicudo, 1989), torna possível a observação de aspectos

sutis, mas decisivos ao objetivo a que se propõe esta pesquisa, e que não poderiam ser

salientados em termos apenas quantitativos.

Ainda segundo Martins e Bicudo (1989), podemos dizer que esta pesquisa se

enquadra na modalidade L (Lingüística) de pesquisa qualitativa.

Essa modalidade de pesquisa procura sistematizar as descrições

dos dados verbais de forma a torná-las comparáveis. Ela constitui um

compromisso com o sistema geral de representações e com a tarefa de

encontrar categorias gerais e combinações de categorias que podem, dentro

do sistema, representar os resultados, visando a explorar as análises

interpretativas dos itens dos dados verbais. (Martins e Bicudo, 1989: 30 e

31).

Amparados por essa metodologia de análise, tentaremos levantar similaridades

nas respostas dos nossos informantes, buscando verificar, dessa forma, se as operações

cognitivas realizadas pelos leitores serão as mesmas, independentemente do formato textual.

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Faz-se pertinente retomar os conceitos de hipertexto com os quais trabalhamos e

relacioná-los, neste momento, aos procedimentos metodológicos.

A análise quantitativa nos ajuda a ver a influência do hipertexto enquanto

formato23 de apresentação textual e relaciona-se, principalmente aos conceitos de hipertexto

tratados por Coscarelli (2002), Xavier (2004), dentre outros, já explicitados no capítulo

teórico. A análise qualitativa, por sua vez, nos permite ver com mais clareza a

hipertextualidade nos seus aspectos cognitivos e enunciativos.

3.3– Hipótese

A nossa hipótese inicial é a de que não há diferenças significativas na leitura de

um texto contínuo e de um hipertexto digital.

O argumento que sustenta a nossa hipótese surgiu da premissa que guia este

trabalho, qual seja: assim como todo texto é um hipertexto, toda leitura é um processo

hipertextual. Dessa forma, não acreditamos que o formato do texto possa ser um facilitador ou

um dificultador da compreensão textual.

3.4 – Os informantes

Quinze informantes, cuja idade varia de 17 a 19 anos, forneceram os dados

coletados para esta pesquisa .Desse total, oito eram alunos da 3ª Série do Ensino Médio de

uma escola particular de Belo Horizonte e sete eram alunos do 1º período do curso de

Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais.

23 A análise quantitativa também envolve a compreensão e, portanto, a noção de hipertexto como metáfora da cognição também se faz presente.

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Motivou a escolha dos informantes, em primeiro lugar, o nível educacional: uma

parte já havia concluído o ensino obrigatório e a outra estava por concluir. Acreditávamos que

esses leitores seriam proficientes na leitura dos diversos gêneros que circulam em nossa

sociedade. Outro fator que motivou essa escolha foi o fato de esses leitores possuírem

familiaridade com o computador, suporte em que os textos estavam inseridos.

A colaboração dos informantes foi voluntária, e todos, aparentemente,

demonstraram satisfação em colaborar com a pesquisa.

3.5 – Tarefas

Os experimentos foram realizados em laboratórios que comportavam todo o grupo

de alunos de cada turma. Sendo assim, cada informante realizou o experimento junto com sua

turma; cada um, no entanto, cumpriu suas tarefas em um computador individual. Assim, cada

informante determinou o seu tempo de leitura e a sua navegação no texto. É importante

salientar que, ainda que os informantes tenham determinado o seu próprio tempo de leitura,

eles gastaram tempo semelhante. Acreditamos que a diferença de tempo entre um e outro não

tenha sido significativa para intervir nos resultados deste experimento.

Primeiramente os informantes leram e preencheram, no computador, uma ficha

que lhes requisitava dados pessoais e esclarecia, de forma muito sucinta, o experimento.

Elaboramos essa ficha com o intuito de obtermos informações mais precisas, relacionadas aos

hábitos de leitura dos informantes, sobretudo no computador e na internet.

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Você está contribuindo para uma pesquisa realizada pela equipe do Redigir /

FALE / UFMG.

Antes de começar a pesquisa propriamente dita, precisamos de alguns de seus

dados pessoais. Preencha o questionário a seguir. Consulte o estagiário em caso de dúvida.

Nome completo:

Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino

Idade:

Em que bairro mora?

Com que freqüência usa a Internet?

( ) não usa ( ) raramente ( ) diariamente ( ) semanalmente Observações:

Para que usa a Internet?

O que você costuma ler e com que freqüência?

Agora vamos à pesquisa!

Siga as instruções e consulte o estagiário no caso de dúvida.

Após a leitura e preenchimento dessa ficha, recebiam, na tela do computador,

instruções para começar a leitura dos textos.

Cada informante leu dois textos de dois diferentes gêneros na tela do

computador24: um texto na versão hipertextual e outro na versão contínua. Depois da leitura

de cada um dos textos, os informantes responderam às perguntas propostas.

24 Salientamos que para esta pesquisa foram considerados os experimentos realizados somente com o gênero crônica. Também se faz importante mencionar que a crônica não foi trabalhada (lida) em uma situação natural, mas em ambiente escolar. Entretanto, esse fato, aparentemente, não alterou a percepção dos leitores e os resultados do experimento.

Faculdade de Letras da UFMG

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Os informantes liam as questões e digitavam suas respostas, salvando os arquivos

ao final da produção da resposta.

3.6 – Materiais

3.6.1 – A Crônica A crônica “Os perigos da floresta e outros perigos”, de Moacir Scliar, foi retirada

do jornal Folha de São Paulo do dia 05 de maio de 2003. Ela dialoga com outra matéria

publicada também nesse jornal, cinco dias antes, com o título “Fundo cobra nova rodada de

reformas e diz que Brasil 'ainda tem problemas para resolver'”. Essa matéria relata a cobrança,

feita pelo diretor gerente do FMI, naquela época, Horst Köhler, por novas rodadas de

reformas nos países da América Latina. Um pequeno comentário dessa matéria foi veiculado

junto à crônica no dia de sua publicação, para que o leitor compreenda a relação que existe

entre elas. Esse comentário foi inserido no texto contínuo e nos links elaborados para as duas

versões: hipertextual e contínua.

Esse material foi escolhido por possuir relações que podem ser consideradas

hipertextuais, por exemplo, os dois textos (a crônica e o comentário sobre a matéria) são

apresentados sem que haja uma articulação explícita entre os dois. Outro motivo é o fato de

que, durante a leitura da crônica, é necessário que o leitor faça conexões (links) entre esses

textos para que possa atingir um nível esperado de interpretação.

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Os perigos da floresta e outros perigos

Moacyr Scliar

Lulinha colocou no cestinho o pacote de reformas que tinha de levar para a casa da vovó e se preparou para a difícil tarefa: a velhinha morava longe, e o caminho, deserto, passava pela floresta. Sombria floresta, onde muitos lobos maus vagavam, esfomeados. Dessa floresta teria de sair o quanto antes, para não correr perigos. Assim, adotou precauções: para não chamar a atenção, resolveu não levar o chapeuzinho vermelho que usara no passado. Abriu a porta, respirou fundo e começou a jornada. Assustadora: de trás das enormes árvores, olhos espiavam-no. Mas Lulinha, corajosamente, avançava e ia até cantando baixinho: "Pela estrada afora, eu vou bem sozinho...".

Finalmente chegou à casa da vovó, e aí respirou, aliviado: pelo jeito, o pior tinha ficado para trás. Entrou e foi logo anunciando:

— Vovó, vovó, eu trouxe as reformas!

A velhinha nada disse. Continuou deitada na cama, imóvel. Detalhe intrigante: estava usando uma touca meio estranha, coisa que para Lulinha era desconhecida. Ele continuou explicando que as reformas fariam bem a todo o país e que, portanto, a vovó delas também se beneficiaria. A velha, nada. Nem se mexia. Inquieto, ele se aproximou. A vovó parecia mudada, constatou, surpreso e assustado. Os olhos, grandes, brilhavam como faróis. Uma suspeita se apoderou de Lulinha: seria mesmo a sua vovó? Ele sabia que o Lobo Mau, depois de jantar as vovós, costumava introduzir-se disfarçado na cama delas, na esperança de pegar netinhas e netinhos para a sobremesa.

— Vovó — perguntou, cautelosamente — a senhora por acaso não é o Lobo Mau, é? Aquele Lobo Mau que pega as criancinhas para fazer mingau?

Não — gritou a velha, saltando da cama — não sou o Lobo Mau. Sou até pior que o Lobo Mau. Eu sou a Vovó Radical! Enquanto esperava essas suas reformas, transformei-me por completo. E agora não quero mais nada com você! Saia daqui!

Sem outro remédio, Lulinha teve de deixar a casa. E viu-se de novo no meio da floresta. Mas que fazer? Entre lobos vorazes, capazes de devorar tudo a seu redor, e vovós radicais com seus brados de luta, ele teria de prosseguir seu caminho, por mais arriscado que fosse. Respirou fundo e foi em frente. A floresta é um lugar perigoso — mas onde não existem perigos?

Usando a teoria dos espaços mentais Fauconnier (1994, 1996, 1997) e Fauconnier

e Turner (2002), podemos explicar que, na compreensão dessa crônica, o leitor precisa ativar

pelo menos dois diferentes espaços mentais que juntos geram um terceiro em que esses dois

são mesclados.

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Na crônica, um dos espaços é construído pelos elementos do conto infantil

“Chapeuzinho Vermelho”: Chapeuzinho Vermelho, lobo, vovó, floresta, casa da vovó

cestinha de doces. O outro é construído pelos elementos do governo do presidente Lula: Lula,

Senadores da oposição, ala radical do PT, reformas, Senado Federal. O terceiro será gerado

pelos mapeamentos e projeções feitos entre esses dois espaços. Nele temos um Lula-

Chapeuzinho (Lulinha), a ala radical do PT – Vovó (Vovó Radical), um Senado – floresta,

Senadores - Lobos, pacote de reformas, que mesclam elementos tanto do primeiro quanto do

segundo espaço.

O espaço genérico fornece uma estrutura mais geral, comum aos dois espaços

inputs. Nesta rede, o espaço genérico conteria os elementos de uma narrativa: personagens,

espaço, enredo, tempo, que seriam projetados aos dois espaços de entrada.

A projeção dos elementos dos espaços inputs para o espaço da mescla é seletiva,

ou seja, nem todos os elementos dos espaços inputs estão presentes no espaço mesclado.

Temos no espaço da ficção, a presença da figura do caçador, que não é projetada nesta

integração.

O espaço integrado, ou espaço da mescla, fornece-nos uma estrutura emergente,

impossível de ser vista nos espaços inputs em separado. Temos aqui a personagem Lulinha,

que retoma características do espaço da realidade: Lula/presidente e também do conto

infantil: neta que vai visitar a avó. Interessante notar que temos aqui um novo significante

(Lulinha) que mescla elementos dos dois espaços. O mesmo acontece com a personagem

Vovó Radical, que mescla o elemento Vovó do espaço da ficção com a Ala Radical do PT,

elemento pertencente ao espaço da realidade. O objetivo da história, ou do passeio até a casa

da vovó, também, no espaço mesclado, ganha um novo significante, que mescla elementos

dos dois espaços: levar o pacote de reformas para a vovó. Nas demais projeções, houve uma

manutenção dos significantes do espaço da ficção, entretanto, a construção do significado só é

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possível se levarmos para a mescla também elementos do espaço da realidade. Temos, por

exemplo, o significante lobo no espaço mesclado, que condensa um elemento da realidade,

que seriam os deputados da oposição.

Outras inferências e relações podem ser produzidas a partir dessa integração.

Podemos pensar, por exemplo, no significado de Vovó. A figura da Vovó nos permite pensar

em uma pessoa boa, calma, que, geralmente, aceita que “os netinhos” façam tudo em sua casa.

O que temos, nessa mescla, é uma vovó impiedosa e radical (complemento que ela ganha

inclusive no nome), que expulsa o seu netinho de casa, contrariando as expectativas (ou os

frames) que temos em mente.

Segue, abaixo, a ilustração da rede conceitual integrada da crônica:

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(Figura 8: Rede de Integração Conceitual – Crônica.)

É possível destacar algumas relações vitais25 responsáveis pela conexão entre os

espaços inputs dessa rede de integração conceitual, tais como tempo, espaço, identidade,

analogia e mudança. No espaço integrado, portanto, temos a compressão de algumas dessas

relações vitais.

Há uma fusão dos tempos no espaço mesclado, em que podemos recuperar o

Tempo X dos contos infantis, atuando juntamente com o Tempo Y político presente. Da

25 São constitutivas da estrutura interna dos espaços inputs e também podem ser comprimidas no espaço mesclado.

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mesma forma, temos uma compressão de espaços que inclui o Senado Federal e a Casa da

Vovó.

A relação vital de mudança também se faz fortemente presente no espaço

mesclado. Nele, temos Lulinha, resultado da compressão de relações vitais de analogia de

Lula e Chapeuzinho Vermelho.

3.6.2 – As versões

Foram elaboradas duas versões26 do gênero em questão, uma hipertextual e outra

contínua ou “linear”.

A crônica, junto com o resumo da matéria e alguns comentários analíticos feitos

por nós, foi transportada para uma estrutura hipertextual na qual os leitores tinham links em

certas palavras do texto que levavam a explicações pertinentes àquela passagem. Esses

mesmos links estavam presentes também em um menu, na parte superior do texto. Os links

são os seguintes:

O que é uma crônica?

As crônicas são relatos de fatos do cotidiano. Em geral, são publicadas em jornais ou revistas. Mas o cronista não se limita a trazer notícia, como um repórter, ele expõe seu ponto de vista frente aos acontecimentos. Muitas vezes a estrutura de uma crônica se assemelha à de um conto, e não é muito fácil diferenciarmos um do outro, mas uma das diferenças marcantes entre os dois é que a crônica, diferentemente do conto, se liga fortemente ao tempo e sua compreensão é difícil quando não conhecemos o fato que a originou.

Sobre o Título

O fato para a construção dessa crônica foi a cobrança do diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Horst Köhler, em relação ao Brasil e de outros países da

26 Ambas as versões estão disponíveis no cd, que acompanha esta Dissertação.

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América Latina, de uma nova rodada de reformas econômicas. "Ainda há um monte de problemas para resolver", afirmou, falando especificamente sobre o Brasil. "O país ainda não conseguiu sair do meio da floresta", declarou. A notícia foi publicada no dia 30 de abril de 2003 na Folha de São Paulo

O FMI é uma espécie de banco mundial, através dele os países podem fazer grandes empréstimos que visam financiar reestruturação de sua economia . Porém, ao liberar esses recursos, é prática comum do FMI impor aos países subdesenvolvidos várias metas que devem cumprir. Muitas dessas metas são consideradas abusivas pelos analistas e, mesmo que colaborem um pouco para o desenvolvimento econômico, acabam por prejudicar o desenvolvimento social.

Lulinha colocou no cestinho...

Durante sua campanha à presidência, Lula ganhou o apelido de Lulinha Paz e Amor, devido à postura menos radical que passou a adotar.

Lulinha colocou no cestinho o pacote de reformas...

Reformas da Previdência e Tributária, as principais propostas de Lula em sua campanha e solicitadas há muito tempo pela esquerda.

Lulinha colocou no cestinho o pacote de reformas que tinha de levar para a casa da vovó...

A casa da vovó parece representar aqui o Senado Federal, onde se iniciam as votações das reformas propostas pelo governo.

Sombria floresta, onde muitos lobos maus vagavam, esfomeados.

Aparentemente Scliar usa “lobos maus” como uma metáfora para representar os senadores.

resolveu não levar o chapeuzinho vermelho que usara no passado.

Existe aqui um intertexto com o conto de fadas “Chapeuzinho Vermelho”, dos irmãos Grimm, mas o abandono do chapeuzinho vermelho, neste caso, parece representar a posição de esquerda que Lula deixou de adotar, pois a cor vermelha é símbolo do comunismo e do próprio partido do presidente, o PT (Partido dos Trabalhadores).

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Eu sou a Vovó Radical!

Lembra-se da ala Radical do PT? Aqueles senadores que pertenceram ao mesmo partido de Lula e não apoiaram as reformas propostas por seu governo, pois afirmaram que elas chocavam-se contra as próprias idéias do PT e por isso foram expulsos do partido.

A floresta é um lugar perigoso — mas onde não existem perigos?

Parodiando os contos de fada, Scliar subentende em sua crônica uma lição que busca ensinar ao leitor qual o comportamento ideal das pessoas na sociedade.

Na versão contínua, que foi apresentada ao outro grupo, os mesmos comentários e

o resumo da matéria, presentes na forma hipertextual, foram articulados de forma a constituir

um texto bem articulado. Abaixo temos um exemplo de como essa articulação foi feita (os

trechos grifados não se encontram em nenhuma parte dos links da forma hipertextual):

“É claro que quase tudo na crônica é dito através de metáforas. A casa

da vovó parece ser uma referência ao Senado Federal, que é onde se iniciam as

votações das reformas da previdência e tributária, as principais propostas de Lula

durante sua campanha, e tanto a vovó quanto os lobos maus são, aparentemente,

referências aos próprios senadores. Já o abandono do chapeuzinho vermelho parece

representar a posição de esquerda que Lula deixou de adotar, pois a cor vermelha é

símbolo do comunismo e do próprio partido do presidente, o PT (Partido dos

Trabalhadores)”.

O texto contínuo foi o seguinte:

As crônicas são relatos de fatos do cotidiano. Em geral, são publicadas em jornais ou revistas. Mas o cronista não se limita a trazer notícia, como um repórter, ele expõe seu ponto de vista frente aos acontecimentos. Muitas vezes a estrutura de uma crônica se assemelha à de um conto, e não é muito fácil diferenciarmos um do outro, mas uma das diferenças marcantes entre os dois é que a crônica, diferentemente do conto, se liga fortemente ao tempo em que foi escrita e sua compreensão é difícil quando não conhecemos o fato que a originou.

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O fato para a construção da crônica “Os perigos da floresta e outros perigos”, de Moacir Scliar, foi a cobrança do diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Horst Köhler, em relação ao Brasil e de outros países da América Latina, de uma nova rodada de reformas econômicas. “Ainda há um monte de problemas para resolver”, afirmou, falando especificamente sobre o Brasil. “O país ainda não conseguiu sair do meio da floresta”, declarou.

O FMI é uma espécie de banco mundial, através dele os países podem fazer grandes empréstimos que visam financiar reestruturação de sua economia. Porém, ao liberar esses recursos, é prática comum do FMI impor aos países subdesenvolvidos várias metas que devem cumprir. Muitas dessas metas são consideradas abusivas pelos analistas e, mesmo que colaborem um pouco para o desenvolvimento econômico, acabam por prejudicar o desenvolvimento social.

Moacir Scliar usou a afirmação feita pelo diretor-gerente do FMI para criar sua crônica e fazer uma crítica ao governo Lula. Parodiando o conto de fadas dos irmãos Grimm, “Chapeuzinho Vermelho”, Scliar coloca Lula no papel de Lulinha, uma referência clara ao apelido que ganhou durante a sua campanha à presidência por ter adotado uma postura menos radical, que vai à casa da vovó para apresentar suas reformas, mas, para chegar lá, deve passar por uma floresta povoada por lobos maus e, por isso, decide não levar seu chapeuzinho vermelho, para não chamar atenção.

É claro que quase tudo na crônica é dito através de metáforas. A casa da vovó parece ser uma referência ao Senado Federal, que é onde se iniciam as votações das reformas da previdência e tributária, as principais propostas de Lula durante sua campanha, e tanto a vovó quanto os lobos maus são, aparentemente, referências aos próprios senadores. Já o abandono do chapeuzinho vermelho parece representar a posição de esquerda que Lula deixou de adotar, pois a cor vermelha é símbolo do comunismo e do próprio partido do presidente, o PT (Partido dos Trabalhadores).

Porém, ao chegar na casa da vovó, Lulinha percebe que ela mudou e, quando pergunta para ela, a velhinha afirma que se transformou na Vovó Radical e não quer mais nada de Lulinha. O que isso poderia representar? Parece que a Vovó Radical representa a ala radical do PT, aqueles senadores que pertenceram ao mesmo partido de Lula e não apoiaram as reformas propostas por seu governo, pois afirmaram que elas chocavam-se com as próprias idéias do PT e por isso foram expulsos do partido.

Para que sua paródia de contos de fada ficasse completa, Scliar subentende em sua crônica uma lição que busca ensinar ao leitor qual o comportamento ideal das pessoas na sociedade.

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3.6.3 – As perguntas

A compreensão da crônica foi verificada por meio de perguntas que visam medir

algumas habilidades de leitura contempladas pelo Programa Internacional de Avaliação de

Estudantes (PISA), exame internacional que busca verificar as habilidades de leitura de alunos

de 15 anos em diversos países, e pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB - que

visa verificar habilidades de leitura de alunos brasileiros no ensino fundamental e médio).

As habilidades de leitura, contempladas neste experimento, consideradas

essenciais pelo PISA podem ser divididas na capacidade de:

recuperar informação,

interpretar e

refletir sobre a leitura.

"Entende-se como recuperar informação o ato de localizar uma ou mais

informações no texto; já a habilidade de interpretar é definida como construir significado,

incluindo a produção de inferências, para uma ou mais partes do texto; e, finalmente,

refletir sobre o texto é relacionar o texto à experiência pessoal, conhecimentos e idéias

próprios." (OECD/PISA 1999. Measuring Student Knowledge and Skills: A New

Framework for Assessment. ).

As habilidades de leitura verificadas neste experimento que também fazem

parte da matriz de descritores do SAEB – Sistema de Avaliação do Ensino Básico

(MEC/INEP 2001. Saeb 2001. Novas perspectivas. Brasília: INEP/MEC, maio de2001.)

são apresentadas a seguir.

Entre as habilidades de recuperação, verificamos a capacidade do leitor de:

(1) localizar informações explícitas no texto.

A interpretação requer do leitor atividades cognitivas que envolvem algum grau

de inferência. Foram verificadas as seguintes habilidades de interpretação:

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(2) reconhecer o tema ou idéia principal do texto / demonstrar uma

compreensão global do texto;

(3) integrar várias partes de um texto, compreendendo as relações

de sentido entre elas;

(4) estabelecer relações de causa e efeito entre partes.

A reflexão envolve o trabalho do leitor de relacionar a informação nova do texto

com suas experiências. Foram verificadas as seguintes habilidades de reflexão:

(5) avaliar criticamente um texto ou uma determinada parte ou

característica dele / refletir sobre o conteúdo do texto.

Essas habilidades estão inter-relacionadas e são interdependentes, mas podem

revelar distinções interessantes na leitura que podem ter sido causadas pela forma “linear” ou

“hipertextual” de apresentação do texto.

Em suma, as habilidades verificadas na leitura da crônica foram inspiradas em

duas avaliações de larga escala, o SAEB e o PISA27, e podem ser resumidas nas seguintes

categorias:

Compreensão global – essa habilidade foi verificada por meio de uma questão que

pedia ao leitor para apresentar o texto para alguém que não o conhecia.

Localização de informação – ou seja, encontrar uma informação apresentada

explicitamente no texto;

Produção de inferência – essas questões verificaram a habilidade dos sujeitos de

produzir informações que não foram apresentadas explicitamente no texto, mas que podem

e/ou devem ser geradas a partir dele. Foi verificada a habilidade dos sujeitos de produzir

inferências causais, relacionais, entre outras. Chamamos de inferências causais a capacidade

dos sujeitos de deduzir a causa de alguma informação apresentada no texto e de inferência

relacional a habilidade de relacionar dois elementos ou duas partes distintas do texto.

27 Maiores informações sobre essas avaliações podem ser encontradas no site do INEP – www. inep.gov.br

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Manifestação de opinião – Os sujeitos deveriam manifestar sua opinião sobre

alguma questão ou elemento do texto.

Temos consciência das limitações impostas por esta pesquisa experimental. Em

primeiro lugar, tem-se o fato de só podermos estudar a leitura através de medidas indiretas.

Em segundo, sabemos que a compreensão não se resume às habilidades expostas acima.

Acreditamos, ainda assim, que esse procedimento pode nos fornecer informações/dados

importantes com relação à leitura de textos e hipertextos.

As perguntas usadas para verificar cada uma dessas habilidades na leitura da

crônica são apresentadas abaixo:

Pergunta Habilidade

Como você contaria essa crônica a alguém que não a leu? Compreensão global

Qual a crítica que Scliar faz ao governo Lula? Inferencial

Quais são as reformas que Lulinha leva à Vovó? Localização de

Informação Explícita

Quem é a Vovó Radical? Qual a sua relação com Lulinha? Localização/Inferencial

Por que o chapeuzinho vermelho que Lulinha usou no passado chama atenção? Inferencial Causal

Em um trecho da paródia Lulinha canta “pela estrada fora eu vou bem sozinho...”, qual a relação desta música com a crítica que Scliar faz ao governo Lula?

Inferencial Relacional

O que você acha da atitude da Vovó Radical? Opinativa

(Figura 9: Quadro de perguntas)

3.7 - Os dados

Primeiramente, foi feita uma análise quantitativa dos dados em que as respostas

de cada informante foram classificadas em três categorias: “adequada”, “não-adequada” e

“sem resposta”. As respostas foram classificadas de acordo com a seguinte grade de respostas

previstas:

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1 - Como você contaria essa crônica a alguém que não a leu? (Compreensão global) Breve descrição e explicação da obra.

2 - Qual a crítica que Scliar faz ao governo Lula? ( Inferencial )

Scliar critica a divisão do PT nas decisões tomadas pelo governo. A crítica se direciona à falta de apoio que os colegas da Ala Radical do PT deram às reformas propostas por Lula.

3 - Quais são as reformas que Lulinha leva à Vovó? ( Informação Explícita) Reformas da Previdência e Tributária

4 - Quem é a Vovó Radical? Qual a sua relação com Lulinha? (Inf. Explícita / Inferencial) A Vovó Radical representa a Ala Radical do PT, partido ao qual pertence Lula.

5 - Por que o chapeuzinho vermelho que Lulinha usou no passado chama atenção? ( Inferencial Causal)

O ‘chapeuzinho vermelho’ representa os ideais socialistas de esquerda que Lula sempre adotou em sua trajetória política. Esses ideais, porém, não são bem aceitos pela maioria da sociedade brasileira e nem pela maioria do senado. Lula teve de abrandar seu discurso para vencer as eleições e conquistar a maioria do senado.

6 - Em um trecho da paródia Lulinha canta “pela estrada fora eu vou bem sozinho...”, qual a relação desta música com a crítica que Scliar faz ao governo Lula? (Inferencial Relacional )

A música explicita a crítica de Scliar ao afirmar que Lula (Lulinha) vai sozinho pela estrada fora, ou seja, que ele não possui apoio dentro do próprio partido e que tem bastante trabalho para conseguir fazer com que suas reformas sejam aprovadas.

7 - O que você acha da atitude da Vovó Radical? (Opinativa)

Como se trata de uma pergunta de opinião, não existe uma resposta esperada. Espera-se, porém, que o sujeito tenha absorvido informações suficientes para se posicionar quanto à pergunta. Relacionando a Vovó Radical à Ala Radical do PT e argumentando contra ou a favor da oposição às reformas e, talvez, também argumentando contra ou a favor da expulsão deles do partido.

Essa classificação foi, quando necessário, seguida de uma observação acerca da

resposta do sujeito:

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Pergunta Objetivo /

habilidade

Adequada

(satisfatória)

Não-

adequada

Sem

resposta

Observações

Como você contaria essa

crônica a alguém que não

a leu?

Compreensão

global

Qual a crítica que Scliar

faz ao governo Lula?

Inferencial

Quais são as reformas que

Lulinha leva à Vovó?

Localização de

informação

explícita

Quem é a Vovó Radical?

Qual a sua relação com

Lulinha?

Localização /

Inferencial

Relacional

Por que o chapeuzinho

vermelho que Lulinha

usou no passado chama

atenção?

Inferencial

Causal

Em um trecho da paródia

Lulinha canta “pela

estrada fora eu vou bem

sozinho...”, qual a relação

desta música com a crítica

que Scliar faz ao governo

Lula?

Inferencial

Relacional

O que você acha da

atitude da Vovó Radical?

Opinativa

(Figura 10: Quadro de respostas)

Esses dados foram agrupados de forma que apresentassem o número de acertos

dos sujeitos para cada uma das perguntas e, portanto, por habilidade de leitura avaliada em

cada uma das questões. A fim de possibilitar uma análise mais global, os dados foram

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reorganizados de forma que habilidades semelhantes estivessem reagrupadas em um mesmo

rótulo.

Em seguida, foi feita uma análise qualitativa, em que todas as respostas foram

analisadas e agrupadas por similaridade. Essa etapa foi amparada pela Teoria da Mesclagem

(Fauconnier e Turner,2002).

O Capítulo seguinte trará os resultados quantitativos desta pesquisa.

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“E,no entanto, ela se move!”

(Galileu-Galilei)

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CAPÍTULO 4: RESULTADOS

4.1 – Como os resultados foram organizados

Este capítulo apresenta os resultados obtidos com a realização do experimento

feito com o gênero textual: crônica com o objetivo de verificar se o formato de apresentação

textual pode interferir/modificar o processamento da leitura. Para tornar possível a

investigação, foram feitas duas versões da crônica: hipertextual e contínua que foram lidas no

computador por Sujeitos considerados por nós leitores proficientes. Depois da leitura do texto,

os sujeitos deveriam responder a um questionário que visava avaliar algumas habilidades de

leitura, a saber: Compreensão Global, Localização de Informação Explícita, Produção de

Inferência e Emissão de Opinião. Os resultados são apresentados aqui de três formas distintas.

Em primeiro lugar, são apresentados os resultados globais deste experimento. Em segundo

lugar, são apresentados os resultados agrupados por habilidade de leitura. Por último, o

capítulo traz os resultados de cada questão em separado.

4.2 – Resultado Global

Os dados deste experimento nos mostram que, ao contrário do previsto por nós, de

forma global, houve uma pequena diferença entre o número de respostas consideradas

adequadas nos dois formatos, revelando uma vantagem do formato hipertextual (75%) sob o

formato contínuo (62,4%). Não esperávamos diferença nos resultados, uma vez que

acreditamos que todo texto é um hipertexto e toda leitura é um processo hipertextual.

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(Gráfico 11)

4.3 – Resultados por habilidade de leitura

O questionário apresentado aos leitores tinha sete questões. Entretanto, podemos

agrupar essas questões em quatro habilidades de leitura, quais sejam: Compreensão Global,

Produção de Inferência, Localização de Informação Explícita e Emissão de Opinião. As sete

questões foram, dessa forma, agrupadas tendo em vista a similaridade de habilidades. O

resultado obtido a partir desse agrupamento pode ser visualizado no gráfico a seguir:

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(Gráfico 12)

Considerando as respostas por habilidades, percebemos que houve diferença no

desempenho dos sujeitos nos dois formatos apresentados. No que concerne à compreensão

global e à questão opinativa, o formato contínuo apresentou resultados melhores que a versão

hipertextual. Em relação às demais habilidades - produção de inferências e localização de

informação - o formato hipertextual apresentou melhores resultados que a versão contínua.

Esses resultados reforçaram algumas de nossas expectativas. Uma delas é a de que

o formato hipertextual poderia apresentar melhores resultados nas questões de localização de

informação explícita (87,5% x 71,4%), pois uma das vantagens que se espera de um

hipertexto é a facilitação na localização de informações, dado o acesso direto à informação

por meio de links.

Por outro lado, foi contrariada a nossa expectativa de que não haveria diferença

nos dois formatos no que diz respeito às questões de Compreensão Global e Opinião. Nas

duas habilidades, o formato contínuo apresentou um melhor desempenho: 85,7% em ambas as

habilidades contra 75% na Compreensão global e 62,5% na Opinativa do formato

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hipertextual. Esse resultado, de certa forma, parece ser coerente uma vez que a questão

opinativa também pressupõe compreensão sobre o “fato” questionado. Ou seja, pressupõe a

compreensão de um aspecto relacionado à globalidade do texto.

Também não esperávamos diferença tão grande na habilidade de produção de

inferências nos dois formatos. Levantamos a hipótese de que o formato hipertextual, por lidar

com uma “fragmentação” do texto, talvez obrigasse o sujeito a estabelecer, mais ativamente,

conexões entre os elementos do texto durante a leitura. Nessa habilidade, o formato

hipertextual apresentou 71,8% de acertos contra apenas 46,4% do formato contínuo.

Esses resultados serão apresentados a seguir, tendo em vista cada uma das sete

questões individualmente.

4.4 – Resultados apresentados por questão

4.4.1 – Resultado da questão 1

Ao responder a questão 1: Como você contaria essa crônica a alguém que não a

leu?, os sujeitos estariam fornecendo evidências de sua compreensão do texto lido. A

tabela 11 mostra a proporção de acertos dos sujeitos para essa primeira questão que lhes foi

apresentada. Apesar de, em ambos os formatos, a porcentagem de acertos ter sido superior a

70%, acreditávamos que os leitores, uma vez considerados proficientes, não teriam

dificuldade com essa habilidade de leitura.

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Formato Habilidade: Compreensão Global

Hipertextual 75%

Contínuo 85,7%

(Tabela 13: Proporção de acertos (%) na questão 1)

Em números absolutos, tivemos três respostas consideradas erradas. Duas na

versão hipertextual e uma na versão contínua. As respostas inadequadas dadas na versão

hipertextual revelam pontos que não puderam, pelo menos dentro do que prevíamos, ser

confirmados pelo texto. Entretanto, a questão inadequada dada na versão contínua revela uma

ambigüidade na pergunta elaborada por nós. O pronome interrogativo Como foi interpretado

como se referisse a uma estratégia que o leitor usaria em seu reconto, ou seja, relacionado à

performance. Ainda assim, julgamos mais pertinente obedecer à grade de respostas e

considerar a questão incorreta.

4.4.2 – Resultado da questão 2

A questão 2: Qual a crítica que Scliar faz ao governo Lula? está relacionada à

habilidade de se fazer inferências, tendo em vista que a crônica, ao utilizar o recurso da

metáfora, não deixa de forma explícita a crítica objetivada pelo autor. Essa foi a questão que

apresentou o menor índice de acerto, tanto na versão hipertextual quanto na versão contínua.

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Formato Habilidade: Inferencial

Hipertextual 37,5%

Contínuo 0 %

(Tabela 14: Proporção de acertos (%) na questão 2)

Apesar de outras questões também exigirem dos leitores a habilidade de produzir

inferências, elas se apoiavam em dados explícitos no texto, ou fornecidos por nós nos links ou

no texto contínuo. Essa foi, dessa forma, a questão que exigia do leitor uma demanda

cognitiva maior, uma vez que a crítica se dava, de forma sutil, através da metáfora da história

de Chapeuzinho Vermelho.

Também pudemos observar nas respostas consideradas inadequadas a ideologia

do leitor/sujeito desta pesquisa. São respostas possíveis, que demonstraram a mesma riqueza

de operações cognitivas que as consideradas por nós como adequadas. Entretanto, elas não

evidenciavam a crítica do autor da crônica, mas, possivelmente, a crítica dos próprios

sujeitos/leitores.

Outro fator observado nas respostas inadequadas foi a possível interferência da

pergunta na elaboração das mesmas, ou seja, a questão afirma que há uma crítica ao

“governo” Lula no texto de Scliar. Na verdade, a crítica não se dirigia ao governo em si, mas

a uma ala pertencente ao partido do Presidente. Entretanto, essa afirmação, pressuposta na

pergunta, pode ter levado o leitor a não responder da forma prevista em nossa grade de

resposta.

As respostas dadas a essa pergunta deixam bem claro o fato de que os leitores

trazem para o texto a sua cultura, ideologia e crenças. Elas serão analisadas, com mais

detalhes, no capítulo seguinte que cuida da análise qualitativa deste trabalho.

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4.4.3 – Resultado da questão 3

A questão 3: “Quais são as reformas que Lulinha leva à Vovó?” avalia a

capacidade de os leitores localizarem uma informação no texto. A informação pretendida

nessa pergunta se encontrava nos links da versão hipertextual e no texto explicativo da versão

contínua.

A tabela 15, a seguir, traz a proporção de acertos dos sujeitos para essa questão.

Formato Habilidade: Localização de Informação

Hipertextual 87,5 %

Contínuo 57,1 %

(Tabela 15: Proporção de acertos (%) na questão3)

O resultado obtido nessa questão, como já dito anteriormente, corrobora as nossas

expectativas de que o hipertexto favorece a localização de informações em virtude do acesso

direto aos links.

As respostas inadequadas da versão hipertextual indicam, dessa forma, a não

menção às informações apresentadas no link. E as respostas inadequadas na versão contínua,

por sua vez, indicam uma leitura não muito atenta ou cuidadosa do texto explicativo ou,

possivelmente, o fato de o sujeito não ter voltado ao texto para responder a essa questão.

4.4.4 – Resultado da questão 4

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A questão 4: “Quem é a Vovó Radical? Qual a sua relação com Lulinha?” ,

diferentemente das outras perguntas, busca avaliar duas habilidades diferentes, quais sejam

Localização de Informação Explícita e Produção de Inferência. Dessa forma, essas

habilidades foram avaliadas separadamente. As tabelas, 16 e 17, trazem os resultados para

essa questão.

4.4.4.1 – Parte A: Localização de Informação

Os resultados obtidos na primeira parte dessa questão corroboram os resultados

obtidos na questão 3, de mesma habilidade, ao apresentar, embora muito sutilmente, a

superioridade do formato hipertextual em questões de localização de informação.

Formato Habilidade: Localização de Informação

Hipertextual 87,5 %

Contínuo 85,7 %

(Tabela 16: Proporção de acertos (%) na questão 4 – Parte A)

4.4.4.2 – Parte B: Inferencial

Formato Habilidade: Inferencial

Hipertextual 75 %

Contínuo 42,8 %

(Tabela 17: Proporção de acertos (%) na questão 4 – Parte B)

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Os resultados apresentados nessa questão também corroboram o resultado

apresentado por habilidade de leitura, ou seja, nas questões inferenciais reunidas sob o mesmo

rótulo.

Essa questão foi a inferencial considerada por nós como sendo a mais fácil.

Acreditamos que a previsibilidade, ou evidência da resposta, fez com que muitos leitores não

a explicitassem em suas respostas. Mais uma vez, optamos aqui por considerar como

inadequadas as respostas que não explicitaram a relação da Vovó Radical com Lulinha.

4.4.5 – Resultado da questão 5

A questão 5: “Por que o chapeuzinho vermelho que Lulinha usou no passado

chama atenção?” avalia a capacidade do leitor de fazer inferência causal. Nessa questão

tivemos o seguinte índice de acerto:

Formato Habilidade: Inferencial

Hipertextual 87,5 %

Contínuo 42,8 %

(Tabela 18: Proporção de acertos (%) na questão 5)

Mais uma vez, tem-se um melhor resultado do formato hipertextual em questões

inferenciais.

Esta foi uma questão que exigia do leitor inferir a causa para o fato de o

chapeuzinho de Lulinha chamar a atenção. Importante ressaltar que o significado do

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chapeuzinho vermelho “que Lulinha usava no passado” era apresentado no link da versão

hipertextual e no texto explicativo da versão contínua. O que aconteceu nas respostas

consideradas inadequadas foi que os leitores se limitaram a identificar o significado do

chapeuzinho, não explicitando a causa de ele chamar atenção. Essas respostas foram

consideradas inadequadas, apesar de a causa para esse fato poder estar subentendida na

resposta desses leitores.

4.4.6 – Resultado da questão 6

A questão 6: “Em um trecho da paródia Lulinha canta ‘pela estrada fora eu vou

bem sozinho...’, qual a relação desta música com a crítica que Scliar faz ao governo Lula?” ,

também avalia a capacidade do leitor de fazer inferência, neste caso, uma inferência

relacional.

Os resultados dessa questão trazem a mesma diferença a favor do formato

hipertextual, que a questão anterior, também inferencial. Essa diferença pode ser visualizada

na tabela 19 a seguir:

Formato Habilidade: Inferencial

Hipertextual 87,5 %

Contínuo 71,4 %

(Tabela 19: Proporção de acertos (%) na questão 6)

4.4.7 – Resultado da questão 7

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A questão 7: “O que você acha da atitude da Vovó Radical?” é uma questão

opinativa que dependia da compreensão do texto, mais precisamente de o leitor localizar no

texto a que personagem da realidade se referia a Vovó Radical e qual foi a sua atitude de fato.

Apesar de essa questão não ter sido rotulada como inferencial, podemos dizer que o leitor

deveria fazer inferências antes de dar sua opinião. Podemos dizer que se trata então de uma

questão “inferencial avaliativa”, que se distingue das outras inferenciais justamente pelo fato

de apresentar uma avaliação do sujeito/leitor.

Se pensarmos que os leitores deveriam dar a sua opinião, era de se esperar bons

resultados nessa questão, uma vez que essa não parece ser uma habilidade que oferece

dificuldade para leitores considerados maduros (OECD/PISA 1999).

Entretanto, ao levarmos em conta que essa questão dependia de relações que

deveriam ter sido evidenciadas/produzidas anteriormente pelo leitor, podemos chegar na

causa da inadequação dessas respostas.

A porcentagem de acertos para essa questão pode ser vista na tabela 20 a seguir:

Formato Habilidade: Opinião

Hipertextual 62,5 %

Contínuo 85,7 %

(Tabela 20: Proporção de acertos (%) na questão7)

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“Tudo, aliás, é a ponta de um mistério, inclusive os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece há um milagre

que não estamos vendo.”

(Guimarães Rosa)

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95

CAPÍTULO 5: ANÁLISE

5.1 – Sobre a organização do capítulo Com base na Teoria dos Espaços Mentais (Fauconnier, 1994, 1996, 1997) e,

principalmente, na Teoria da Mesclagem (Fauconnier e Turner,2002), este capítulo apresenta

a análise de todas as respostas dos sujeitos desta pesquisa. Esse arcabouço teórico foi

utilizado, uma vez que nos ajuda a compreender a linha de raciocínio que está por detrás das

respostas dadas pelos leitores. O que muitas vezes parece ser uma resposta inadequada pode

ser, no entanto, uma ativação e/ou integração de espaços mentais diferentes daquelas

propostas em nossa grade de resposta. Segundo a Teoria dos Espaços Mentais,

espaços representam coisas diversas como cenários hipotéticos,

crenças, domínios quantificados, domínios tematicamente definidos,

cenários ficcionais e situações localizadas no tempo e no espaço. Na medida

em que um discurso se desdobra, o usuário da língua estende os espaços

existentes adicionando novos elementos e relações aos modelos cognitivos

já evocados. A necessidade de criação de novos espaços pode ser provocada

explicitamente por construtores de espaço ou implicitamente pelo

conhecimento da importância de um domínio alternativo de referência

naquele momento (Coulson, 2001:22).

O nosso objetivo ao apresentar uma análise qualitativa detalhada de todas as

respostas de nossos leitores é avaliar até que ponto elas nos permitem dizer se houve ou não

diferença na compreensão do texto provocada pela diferença no formato de apresentação do

texto. Tentamos mostrar que, independentemente do formato de apresentação textual, todos os

leitores operaram cognitivamente de forma hipertextual através da criação, articulação e

integração de espaços mentais.

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Serão analisadas, a seguir, as sete respostas dos quinze informantes desta

pesquisa. Os textos dos alunos foram aqui transcritos ipis literis, sem nenhuma intervenção da

pesquisadora.

5.2 - Análise da questão 1

A questão 1: Como você contaria essa crônica a alguém que não a leu? avaliou a

compreensão global do texto. Esperava-se como resposta uma paráfrase, um resumo do texto

lido. Era também esperado que os sujeitos explicassem a crônica, detalhando-a ou

explicitando as estratégias utilizadas pelo autor na sua produção.

Tendo em vista as respostas dos quinze informantes, foi possível estabelecer

quatro categorias para essa questão. Essas categorias foram criadas a partir de similaridades

nas respostas, as quais revelam caminhos e estratégias semelhantes usados pelos informantes.

Algumas respostas foram agrupadas em mais de uma categoria por se prestarem a diferentes

categorizações.

Categoria 1: Resumo da história

Suj.5H: Lulinha queria levar até a casa da vovó as reformas que ele tinha proposto a

fazer, porém para chegar até lá ele teria que atravessar uma floresta cheia de lobos maus. Para que

Lulinha não chamasse a atenção desses lobos, ele resolveu abandonar o chapeuzinho vermelho.

Chegando na casa da vovó com cesto de reforma, ele encontra sua vovó um pouco diferente, com

olhos grandes e com uma touca diferente na cabeça. Ela permanece imóvel, até o momento em que

Lulinha pergunta se ela na verdade era o lobo mau. E a falsa vovozinha responde que ela é muito pior

do que o lobo mau, ela era a vovó radical, e que por sinal não queria mais nada com ele. Lulinha volta

sem soluções e tem que voltar pela floresta e passar novamente pelos lobos que ali moravam.

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A resposta do sujeito 5 traz um resumo do texto, em que o autor omite fatos

específicos, como o momento em que Lulinha cantava pela floresta. Temos, aqui, uma

resposta satisfatória, que traz a seqüência dos eventos considerados mais significativos pelo

leitor. O leitor não explicita as estratégias da integração conceitual prevista para essa crônica,

ou seja, não descondensa os espaços mesclados para o seu interlocutor. Descondensar o

espaço de mescla seria retomar os elementos de cada espaço input em separado. No caso

específico da crônica, seria identificar os elementos do conto infantil, relacionando-os aos

elementos do cenário político. Em um momento específico de seu reconto,entretanto, o leitor

parece agir dessa maneira quando, na primeira linha, omite a palavra “pacote” da expressão

original do texto “pacote de reformas”, deixando somente reformas, elemento recrutado do

espaço da realidade.

Ainda, no final de sua resposta, o leitor acrescenta a expressão, “Lulinha volta

sem soluções”, não presente na versão original da crônica, revelando suas inferências e/ou

opinião sobre o episódio político.

Suj.7H: Lulinha era um garotinho muito esperto e corajoso. Um dia sua mãe lhe

pediu para que lê levasse um cesto com reformas para sua vovó, que morava em um lugar distante.

Para chegar até a casa de sua avó, Lulinha precisava percorrer um caminho perigoso, cheio de lobos

maus. Mesmo assim ele se encheu de coragem e decidiu enfrentar o desafio.

E assim ele foi, cantando pelo caminho. Quando chegou na casa de sua avó, Lulinha a

encontrou deitada e imóvel na cama. Inicialmente, ele pensou que aquela figura estirada sobre a cama

poderia ser um lobo mau disfarçado. Ele começou, então, a conversar com aquele ser imóvel, tentando

reconhecer ou não sua avó. Disse que as reformas eram boas para o país e, portanto, benéficas para ela

também.

Nesse momento, ao ver os olhos brilhantes da avó (que não era lobo mau), Lulinha se

surpreendeu: a avó pediu para que ele fosse embora, porque ela estava mudada. Ela era, agora, uma

vovó radical. E assim Lulinha se foi, decepcionado. Novamente ele teria que enfrentar os perigos do

caminho pela floresta. Ele concluiu que nenhum lugar é seguro (nem a casa da vovó) e que gente

perigosa e esquisita pode ser encontrada em toda parte.

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A resposta do sujeito 7, além de trazer um resumo da história, este um pouco mais

detalhado que o resumo anterior, do sujeito 5, traz alguns elementos que revelam interessantes

dados sobre a compreensão do leitor. Já na primeira linha, aparece a expressão “Lulinha era

um garotinho muito esperto e corajoso”, que não estava presente na versão original. O leitor

foi coerente, ao incorporar uma nomenclatura comum aos contos infantis, e deixa transparecer

a sua crença e ideologia política. O texto de Scliar não diz, pelo menos de forma explícita,

que Lulinha era esperto. O adjetivo corajoso pode ser justificado, porém, a partir do advérbio

“corajosamente” usado pelo autor. Na última linha, o leitor também acrescenta a seguinte

expressão: “gente perigosa e esquisita”. Aqui, o leitor, diferente do autor, que usa a palavra

“perigos” de forma geral, sem se referir a algo ou alguém especificamente, usa-o como

adjetivo e ainda acrescenta outro: “esquisita” para o referente, aqui pouco determinado,

“gente”. Vemos que esse leitor, de forma sutil, deixa suas impressões pessoais no reconto, o

que pode traduzir talvez a própria ideologia desse leitor.

Além de fornecer indícios textuais que revelam a postura e crença do leitor, temos

em sua resposta uma projeção não estabelecida na versão original da crônica, mas que é

possibilitada pelo espaço input da ficção (conto do Chapeuzinho Vermelho). A expressão

usada no início do texto: “Um dia sua mãe lhe pediu para que lê levasse um cesto” foi

projetada a partir do frame que,certamente, esse leitor acionou da versão de Chapeuzinho

Vermelho. Outro frame acionado por esse leitor é evidenciado na última linha quando ele diz:

“nenhum lugar é seguro (nem a casa da vovó)”. Aqui se invoca a idéia de que a vovó é boa e

cuida e protege como ninguém os seus netinhos.

Suj.9C: Lulinha iria levar seu pacote de reformas à casa da vovó, porém, com medo dos

vários lobos -maus no caminho, deixou em casa seu chapeuzinho vermelho. Chegando na casa da

vovó, Lulinha percebeu que ela estava diferente. Perguntou-lhe se não era o lobo-mau disfarçado,

porém a vovó disse que era ela mesma e que tinha se transformado muito porque cansara de esperar as

reformas do Lulinha.

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A resposta do sujeito 9 omite a expulsão de Lulinha da casa da Vovó.

Consideramos esse fato de fundamental importância para que o leitor construa o(s) sentido(s)

sugerido/almejado pelo autor do texto. Ainda assim, não consideramos a resposta inadequada,

uma vez que essa omissão, em vez de revelar uma má ou desatenta leitura da crônica, nos

revelou, talvez, a própria ideologia do leitor. Pensamos que a omissão desse trecho pode ter

sido intencional, o que poderá ser comprovado, mais adiante, nas outras respostas desse leitor.

Suj.10C: O Lulinha ia sair para uma floresta muito perigosa e ia levar para a casa da

vovó sua cestinha cheia de reformas. Ele preferiu não colocar seu chapéu vermelho para não chamar

atenção. Quando chegou observou que a vovó estava diferente e desconfiou que podia ser na realidade

o lobo mau que ele sabia que tinha o hábito de depois de comer as vovozinhas entrar debaixo das

cobertas. Ele então pergunta a se ela é o lobo e para sua surpresa era a vovó radical que disse que

havia esperado muito pelas reformas e nessa espera ela havia se transformando que não queria mais

nada com ele. Lulinha então vai embora, mesmo sabendo que na floresta também era perigoso. Mas

afinal, que lugar não é perigoso?

Suj.13C: lulinha tinha q levar reformas para a casa de sua avó , porem, teria q passar por

uma floresta cheia de perigos com lobos à espreita. Ao sair de casa ele deixa o seu chapeuzinho

vermelho pra trás afim de que não chamasse atenção. Passou ileso pela amedrontadora floresta e

chegou à casa de sua avó. Lá chegando constatou, após um breve monologo sobre mudanças no Brasil,

uma diferença na velhinha, tinha olhos grandes e sua estética havia mudado. Ao indaga-la, lulinha,

descobre o porque de tanta diferenciação, sua avo havia se tornado uma radical. Daí uma revelação,

essa senhora antes normal, agora radical não queria a presença de seu netinho, restando portanto a

lulinha voltar pela tenebrosa e perigosa floresta, mas onde atualmente se esta livra dos perigos?

As respostas dos sujeitos 10 e 13, acima, assemelham-se, uma vez que trazem o

resumo da história, sem também explicitar as estratégias ou recursos utilizados pelo autor e

também sem, aparentemente, trazer algum dado novo ao reconto. Interessante notar que o

sujeito 13 generaliza a parte, omitida pelo sujeito 10, quando Lulinha explicava sobre as

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reformas. O Sujeito 13 generaliza esse trecho na seguinte expressão: “Lá chegando constatou,

após um breve monologo sobre mudanças no Brasil...”

Suj.3H: Diria que é uma crônica que relata à chegada de Lula à presidência do Brasil.

Consideramos a resposta do sujeito 3 como inadequada, uma vez que a

generalização feita por ele excede em muito aos dados do texto. O leitor recupera o contexto

ou cena política, que serviu de pano de fundo ou de base para o desenrolar dos fatos que são

narrados na crônica. Aqui, o leitor ignora fatos e idéias importantes. O leitor não menciona os

elementos mesclados, nem faz referência a nenhum dos espaços inputs presentes na rede de

integração conceitual da crônica.

Categoria 2: Reprodução da história

As três respostas seguintes trazem um reconto da crônica em que foi mantida a

estrutura da narração: Parágrafos e diálogos. Algumas particularidades podem ser vistas em

cada uma destas respostas:

Suj.1H: Lulinha tinha a missão de levar um pacote de reformas para a casa da

vovozinha, mas deveria atravessar uma floresta cheia de perigos e de lobos maus. Foi caminhando

sozinho pelo caminho deserto. Para chegar com mais segurança, ate mesmo tirou o chapeuzinho

vermelho que antes usava.

Finalmente, quando chegou a casa da vovó , mostrou a ela, feliz, que havia trazido o

pacote de reformas. A vovó, porem, continuou estática na cama, com os olhos vidrados e parados.

Lulinha, então, explicou a ela que todos se beneficiariam com o pacote de reformas, inclusive ela

mesma. A vovó não se mexeu e permanecia com os olhos arregalados. Lulinha, assustado, lembrou-se

de que os lobos maus, depois de comerem as vovozinhas, deitam-se em suas camas e se disfarçam. O

menino ficou com medo de aquela não ser a sua avo e perguntou:

_ E você mesma, vovo

E ela respondeu:

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_ Não! Não sou mais a mesma! Agora eu sou a Vovo Radical! Não quero mais essas

reformas! Saia daqui!

Lulinha, muito decepcionado, foi embora com suas reformas. Agora ele teria que

enfrentar não so os lobos maus, mas também as vovos radicais... A floresta era mesmo um lugar cheio

de perigos. Mas em que lugar não há perigos (interrogação).

O sujeito 1 traz três expressões em seu reconto que, não presentes na versão

original, acabam por revelar a sua opinião sobre o cenário político em questão. A expressão :

“Para chegar com mais segurança” substitui a expressão: “Para não chamar a atenção”, que

aparece na versão de Scliar. Essa substituição junto com os adjetivos “feliz” e

“decepcionado”, que aparecem mais adiante no reconto, parecem funcionar como ativadores

de um espaço em que o Lula é visto como vítima. Se esta também é a visão do autor da

crônica, poderíamos dizer, entretanto, que não foi tão explicitamente marcada no texto

original, como o fez esse leitor nas passagens em questão.

Suj.6H: “Lulinha” era o chapeuzinho vermelho e queria levar “reformas” para sua vovó

mas para conseguir chegar a seu destino ele passa por uma “floresta”e cheia de “lobos” que querem

comer as reformas de e talvez até o próprio Lulinha. Após conseguir chegar a casa da vovó tem duvida

se esta conversando realmente com vovó de sempre então pergunta “- Você é vovó ou o lobo mau?” e

a vovó responde “- Sou a vovó radical!”

A vovó agora era radical e não queria mais as reformas que Lulinha trazia e este teve que

voltar sem deixar suas reformas na casa da vovó.

O sujeito 6 , ao iniciar o seu reconto com : “ ‘Lulinha’ era o chapeuzinho

vermelho e queria levar ‘reformas’ ...”, evidencia a relação vital de analogia em que

Lulinha,personagem da mescla, corresponde à personagem do conto infantil “chapeuzinho

vermelho”. Esse mapeamento instaura a possibilidade do sujeito 6 de se manter no espaço da

ficção em seu reconto, uma vez que ele já assinalou para o seu leitor a correspondência que

irá guiar toda a história. De forma coerente com essa estratégia adotada, o sujeito usa aspas

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para marcar alguns dos elementos que, no espaço mesclado, ganhariam uma nova

significação, como é o caso de “floresta” e “lobos”.

Suj.8H: Lulinha saiu de casa para visitar a sua avó, levando as reformas na cestinha.

Mas pelo caminho teria que passar pela floresta, onde possivelmente o Lobo Mau estaria. Para não

atrair a atenção do Lobo, resolveu não levar a Chapeuzinho Vermelho. Enfrentou o caminho deserto e

até cantarolou. Chegando na casa da avó, respirou aliviado, “o pior já passou”, pensou Lulinha.

Alegremente contou a sua avozinha que trouxera as reformas e que isso beneficiaria a todos, inclusive

a ela, mas a senhora continuava estática em sua cama. Então, ele reparou que ela usava uma touca

diferente do usual, começou a imaginar que o Lobo Mau poderia tê-la comido e agora esperava-o

pacientemente para comê-lo de sobremesa. O corajoso Lulinha perguntou:

— Você é o Lobo Mau que comeu a minha vovó?

— Não, enquanto você não vinha, eu me transformei na vovó radical! –

respondeu a avó.

Lulinha, então, pegou a cestinha e saiu da casa dela, porque era menos perigoso

enfrentar Lobos Maus do que vovós radicais. Voltou para a floresta e pensou: “aqui é perigoso, mas

onde não é?”.

O sujeito 8 também omite a palavra “pacote” da expressão “pacote de reformas”

utilizada no original, recrutando um elemento que possibilita ao futuro leitor acionar o espaço

da realidade no momento da leitura. Acrescenta, também, o adjetivo corajoso, que qualifica

“Lulinha”.

Porém é a parte final desse reconto que julgamos mais interessante. Foi o trecho

destacado por nós nessa resposta que nos levou a considerar a resposta como inadequada. Ao

dizer: “Lulinha, então, pegou a cestinha e saiu da casa dela, porque era menos perigoso

enfrentar Lobos Maus do que vovós radicais.”, o sujeito 8 traz uma informação ao seu

leitor que não pode ser comprovada por elementos da versão original da crônica. Ao omitir o

fato de Lulinha ter sido expulso da casa pela avó, o sujeito guia o seu leitor a construir um

sentido em que Lulinha escolheu sair de lá. Ainda diz que essa escolha se deu por ser “menos

perigoso enfrentar Lobos Maus do que vovós radicais”. Acreditamos que, tendo em vista os

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“arranjos lingüísticos” usados por Scliar, esse sentido não seria facilmente construído.

Entretanto, apesar de termos considerada inadequada a resposta do aluno, não acreditamos

que ele não tenha compreendido a crônica. Muito pelo contrário, acreditamos que o aluno a

entendeu tão bem a ponto de omitir e acrescentar traços que revelariam a sua ideologia,

contrária à ideologia do autor do texto.

Categoria 3: Resumo e explicação das recursos/ estratégias discursivas

As respostas seguintes resumem a crônica, explicando os recursos utilizados pelo

autor em sua construção. Aqui, podemos perceber, com clareza, os movimentos cognitivos

que possivelmente fizeram todos os sujeitos informantes, mesmo aqueles que não os

explicitaram em suas respostas.

Todas as 5 respostas abaixo revelam os mapeamentos vitais entre os elementos do

espaço da ficção e os elementos do espaço da realidade. As relações vitais como as de

analogia, relacionando Lula à Chapeuzinho Vermelho, os lobos aos senadores da oposição, a

vovó radical à ala radical do PT, e as de lugar, em que a Casa da Vovó representaria a Câmara

Federal, são explicitadas nas respostas.

Nas respostas anteriores, em que os informantes não explicitaram as estratégias e

mapeamentos, a descompressão das relações vitais ficaria a cargo de seus leitores. Aqui, os

sujeitos optaram por descomprimir essas relações, na tentativa de serem mais claros para o

seu leitor.

Suj.2H: Eu falaria que era uma crônica parodiando o texto “Chapeuzinho Vermelho” em

que a Chapeuzinho era Lula, nosso presidente. Em vez de ir à casa da vovó ele estaria indo a câmera

levar o seu projeto de reforma, e os perigos da floresta eram os senadores que são contra ele. Ao

chegar a câmera ele não seria aceito nem seus projetos. Mas afinal nem tudo nada vida dá 100% certo.

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Suj.12C: È uma crônica ao governo atual, que utiliza o recurso da paródia. Lula ocupa o

lugar de “chapeuzinho vermelho” e percorre a floresta, chegando à casa da “vovó”. No caminho sente

medo e ao chegar encontra sua vovó que está diferente, se parecendo com o lobo, mas se revela uma

“vovó radical”.

Esta crônica é fundamentada em metáforas: o chapeuzinho vermelho representa o PT; a

floresta representa a oposição; a vovó representa a ex-ala radical do PT. E o tema principal são as

reformas do governo.

Suj.14C: Lulinha queria levar as reformas à casa da vovó (que representa o Senado),

então e as coloca na cestinha e sai de casa. Só que a floresta era muito perigosa e cheia de lobos maus,

então ele decide não ir com o chapeuzinho vermelho para não chamar a atenção (isso representa que

Lulinha “tira” o seu visual de radical – cor do PT). Quando ele chega na casa da vovó, ele percebe que

estava um pouco esquisito, então começa a falar com a vovó que ele tinha trago as reformas (que

representa as reformas que Lula apresentou para o Senado) e que elas são boas e irão fazer bem para

todos. Nessa hora, a vovó se assume como a “vovó radical” (que são do mesmo partido de Lula, mas

que não aprovam suas idéias) e Lulinha vai embora para casa passando pela floresta perigosa

novamente.

Suj.15C: Essa história é uma parodio do conto “Chapeuzinho Vermelho” em que o

presidente Lula é colocado no lugar da Chapeuzinho, mas agora está sem o gorro vermelho o que

simboliza que ele abandonou as idéias do PT. A floresta representa os problemas internos e externo

que ele vai ter que enfrentar.

“Lulinha” vai levar suas reformas para a vovozinha, mas ao chegar lá descobre que ela

virou a “Vovó Radical”, que representa os radicais do PT.

Então “Lulinha” volta para a floresta e descobre que os problemas não terminaram.

As respostas acima apresentam a mesma estratégia. Os leitores identificam os

recursos empregados na paródia e os explicitam em seu reconto. As relações vitais de

analogia, em que “Chapeuzinho Vermelho” representa “Lula”, “Vovó Radical” representa a

“Ala Radical do PT”, a “Casa da Vovó” representa o “Senado” e os “lobos” ou “perigos da

floresta” representam os “Senadores da oposição”, são evidenciadas em todas essas respostas.

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Suj.4H: O presidente Lula teria que levar os seus projetos de reforma ao senado federal.

Mas, para isso, ele teria que enfrentar os senadores que faziam oposição a ele. Depois de enfrentá-los e

chegar com seus projetos aos seus “aliados”, Lula teve uma grande surpresa: seus supostos amigos

tinham se virado contra ele. O presidente então tem agora que se virar sozinho.

A resposta do sujeito 4, acima, explica a crônica, mantendo-se exclusivamente no

espaço da realidade, do cenário político. Podemos perceber que, ainda que não tenha feito

referência explícita ao espaço da ficção, ele conseguiu descomprimir as relações estabelecidas

no espaço de mescla, uma vez que o seu reconto apresenta-se de maneira coerente.

Categoria 4: Estratégia de apresentação da crônica

As 3 respostas seguintes revelam uma ambigüidade presente no enunciado da

questão. O pronome “como” na questão: “Como você contaria essa crônica a alguém que não

a leu?” funcionou nesses casos como um ativador de espaço de “performance”, o que pode ser

comprovado no início de cada uma das respostas:

Suj.2H: Eu falaria que era uma crônica parodiando o texto “Chapeuzinho Vermelho”

em que a Chapeuzinho era Lula, nosso presidente. Em vez de ir à casa da vovó ele estaria indo a

câmera levar o seu projeto de reforma, e os perigos da floresta eram os senadores que são contra ele.

Ao chegar a câmera ele não seria aceito nem seus projetos. Mas afinal nem tudo nada vida dá 100%

certo.

A ativação de um espaço “performático” pelo sujeito 2 não fez com que a sua

resposta fosse inadequada, uma vez que ela traz informações detalhadas sobre o texto. Ou

seja, ele ativa os espaços da ficção (conto infantil) e da realidade (cenário político), mostrando

ao leitor como eles estão relacionados.

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Suj.3H: Diria que é uma crônica que relata à chegada de Lula à presidência do Brasil.

A resposta do sujeito 3, entretanto, foi considerada inadequada, uma vez que este

generaliza por demais o texto. É certo que o contexto político geral que norteou a produção da

crônica está diretamente relacionado à chegada de Lula à presidência do Brasil. Entretanto,

episódios mais específicos de seu governo foram os responsáveis pela paródia de Scliar. E

esses, no entanto, foram omitidos na resposta desse informante.

Suj.11C: Faria um paralelo entre as questões políticas que originaram a crônica e a

história de Chapeuzinho Vermelho, tentando explicar ambos simultaneamente.

É o mesmo o caso da resposta do sujeito 11 acima. A sua resposta ainda é mais

direta e mais clara que a resposta do sujeito 3. Entretanto, esperávamos que o leitor

efetivamente explicasse o paralelo sugerido em sua resposta. Dessa forma, a sua resposta

também foi classificada como inadequada.

Balanço geral da questão:

Os leitores, de maneira geral, demonstraram compreensão do texto, mostrando ter

percebido a articulação entre os espaços mentais que o texto nos possibilita construir. Essa

ativação e articulação entre espaços mentais podem ser percebidas em várias respostas que

revelaram as projeções entre esses espaços feitas pelos leitores.

Um dos obstáculos enfrentados em pesquisas sobre leitura e compreensão de

textos é a impossibilidade de acesso direto ao que aconteceu na mente do informante. A

obrigatoriedade do uso de medidas indiretas (off-line) não nos permite ter certeza do que

realmente gerou aquela resposta. Em número absoluto, tivemos 3 respostas consideradas

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inadequadas dentro do nosso corpus de 15 informantes. Entretanto, a análise qualitativa

apresentada nos permite afirmar que esses leitores compreenderam o texto, operaram de

forma hipertextual, produzindo inferências e outras relações e até emitiram opinião em alguns

casos. Nesses três casos de respostas inadequadas, fatores como: ativação de outros espaços

mentais (possibilitada pelo próprio enunciado da questão) e influência da crença e ideologia

do leitor foram os responsáveis por respostas insuficientes que, entretanto, não,

necessariamente, revelam a não compreensão do texto,o que pode não fazer justiça ao que

realmente aconteceu durante a leitura.

Dessa forma, não nos é permitido afirmar que o formato de apresentação textual

(hipertexto ou contínuo) tenha influenciado as respostas dos leitores ou, em outras palavras,

tenha atuado na adequação ou inadequação dessas respostas.

5.3 - Análise da questão 2

Na questão 2: Qual a crítica que Scliar faz ao governo Lula?, relacionada à

habilidade de se produzir inferências, esperávamos que os sujeitos leitores relacionassem o

propósito do autor ao modo como a história se desenrolou. Ou seja, esperávamos que os

informantes relacionassem a ruptura no enredo da história tradicional de Chapeuzinho

Vermelho com a crítica do autor. Na crônica, a Vovó não é boazinha com o seu netinho. Ela o

desampara, expulsando-o da própria casa. Dessa forma, Scliar critica a divisão do PT nas

tomadas de decisão governamentais, mais especificamente, critica a falta de apoio por parte

dos aliados às reformas propostas pelo presidente.

As respostas a essa pergunta foram agrupadas em 3 categorias:

Categoria 1: Crítica à postura dos aliados

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Suj.4H: Lula não está tendo o apoio de nenhum partido. Está tendo que trabalhar sozinho.

E todos eles criticam seu governo ao invés de ajudarem a mudar o que não está bom.

Suj.6H: Scliar critica a falta de governabilidade a qual o governo de Lula se deparou

quando os próprios companheiros de partido não aprovavam as medidas que o presidente julgava

necessárias e as dificuldades de se levar medidas até o Senado brasileiro.

As respostas dos sujeitos 4 e 6, acima, foram consideradas satisfatórias uma vez

que eles conseguiram inferir a crítica sugerida pelo autor através da metáfora de Chapeuzinho

Vermelho. Os mapeamentos e projeções feitos por esses dois leitores foram aqueles previstos

por nós em nossa grade de resposta. Ou seja, os leitores conseguiram mapear, do espaço da

ficção, o fato de a “Vovó” expulsar “Chapeuzinho Vermelho”, ao fato de a “Ala Radical do

PT” não ter apoiado “Lula” em suas reformas, elemento contido no espaço input da realidade.

Scliar deixa marcas no texto que evidenciam a sua crítica em direção,

principalmente, aos aliados que não apoiaram o presidente no seu plano de reformas. O fato

de “Lulinha” ter sido expulso da “casa da Vovó” é a maior marca da posição do autor do

texto. Outros elementos também servem como espécies de ativadores de um espaço em que

Lula seria, digamos, vítima, e não vilão da história. Apresentar os Senadores da Oposição

como lobos maus, dizer que a floresta é perigosa, usar o advérbio “corajosamente” na

passagem: “Mas Lulinha, corajosamente, avançava e ia até cantando baixinho: ‘Pela estrada

afora, eu vou bem sozinho...’”. , entre outras marcas, também seriam estratégias do autor para

marcar a sua posição.

Esses elementos funcionariam como espécies de âncoras materiais, “estímulos

que nos obrigam a construção de espaços nos quais serão alocados elementos a eles

relacionados. Esses elementos também se relacionam entre si.” (Militão,2005:99). Na crônica,

algumas palavras ou expressões, dessa forma, podem funcionar como ativadores de espaço,

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como espécies de indicadores, para os leitores, dos espaços ou sentidos que o autor pretende

que sejam ativados ou construídos.

As respostas acima evidenciam a ativação do espaço pretendido pelo autor.

Espaço em que Lula aparece como vítima da história. A divisão do PT não é, pelo menos

aparentemente, atribuída ao presidente e sim aos antigos aliados, que se mostraram radicais.

Essas respostas mostram, ainda, compressão, em que lobos maus (oposição) e

Vovó Radical (Ala Radical do PT) aparecem mesclados como os responsáveis pela falta de

apoio de Lula.

Categoria 2: Crítica à postura do presidente e dos aliados

Suj.8H: Lula, durante a sua campanha presidencial, afirmou que conseguiria a aprovação

das reformas da previdência e tributaria rapidamente. Mas, durante seu mandato, ele foi “perdendo” as

características do seu partido, sendo influenciado pelos “Lobos Maus”. E quando finalmente foi

entregar o pacote de reformas, viu-se em meio a críticas duras de radicais do próprio PT. A crítica de

Scliar é exatamente a mudança de comportamento, tanto de Lula, quanto dos radicais, e que em meio a

Lobos Maus e Vovós Radicais, Lulinha teve que seguir seu caminho, preferindo, até, os animais da

floresta.

A resposta acima também foi considerada satisfatória apesar de ser mais enfática

no que diz respeito à postura do presidente e não dos aliados. Entretanto, ainda que de forma

mais sutil, a resposta também menciona o comportamento da Ala Radical do partido.

Interessante notar o percurso feito por esse leitor para responder a questão. Ele

acessa informações não presentes no texto, mas inferidas através de seus elementos. Ou seja,

esse informante ativa elementos pertencentes a frames políticos, relacionados à campanha

eleitoral do presidente e também ao contexto inicial de seu mandato. Acaba usando, em

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detrimento das informações do próprio texto, os seus conhecimentos prévios acessados na

leitura para inferir a crítica feita pelo autor.

Categoria 3: Crítica à postura do presidente

Suj.1H: O autor da crônica, ao dizer que Lulinha resolveu “não levar o chapeuzinho

vermelho que usara na passado” critica a própria postura política do presidente, que passou de um

radical militante do PT, a favor de reformas profundas e revoluções, para uma posição moderada,

mais leve, a fim de resguardar-se e garantir sua permanência e sucesso no governo. Justamente por

causa das reformas, o PT, partido do presidente, partiu-se em dois e o governante agora deve enfrentar,

alem da oposição, os radicais esquerdistas.

Suj.2H: A crítica que ele faz ao governo, é que antes das eleições Lula se mostrava

forte e cheio de ideais. Mas depois que ele conseguiu ser eleito, ficou impotente diante tantas

oposições, e aceitou a situação sem maiores reivindicações.

Suj.3H: Lula chegou à presidência com muita expectativa de mudar o Brasil, vendo que

só com as reformas o país melhoraria. Porém, o povo não concordou muito, vendo que tais mudanças

eram muito radicais e não favorecem (aparentemente) o desenvolvimento do país. Lula só quer

consertar o foi deixado por FHC em total desordem, para que isso seja possível é necessário cortes,

reajustes...Levando a crítica de todos

Suj.5H: As propostas do governo Lula foram esquecidas ao longo do mandato como a

reforma tributaria e a reforma previdência.

Lula parece ter abandonado os ideais políticos do partido, escondendo o radicalismo

para assumir uma postura mais sociável com os demais políticos.

Integrantes do PT que não apoiaram as reformas do governo Lula porque não condizia

com o idealismo do partido foram mandados embora do partido, sendo visto como a ala radical e

imaleável do PT.

Suj.9C: Lulu abandonou sua postura esquerdista, enquandrando-se, após a eleição,

ao sistema neoliberal. Cedeu, pois, às pressões internacionais que sempre criticou. Os votos de

confiança depositados em Lula se tornaram uma ilusão, pois a população acreditava que seriam

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realizadas mudanças estruturais no país. As reais necessidades do Brasil foram relegadas por Lula ao

segundo plano para diminuir sus conflitos políticos, assegurando-lhe certa estabilidade.

Suj.10C: Ao dizer que ele tirou a toquinha vermelha o autor critica a perda de

identidade do governo Lula como um governo do PT

Suj.11C: Scliar critica o governo Lula por ter cedido às condições impostas pelo FMI

para que pudesse ser realizado o empréstimo necessário.

Suj.12C: A principal crítica feita ao governo Lula se refere às contradições entre o

“discurso” do PT e de Lula antes das eleições e ao atual posicionamento do partido.

Suj.13C: Scilar ataca o governo lula com essa crônica no que diz respeito à mudança de

atitude do presidente antes e durante sua canditadura.

Suj.14C: Scliar critica Lula em relação à postura assumida no seu governo, pois Lula

está assumindo uma postura menos radical da que apresentou em sua campanha.

Suj.15C: Scliar critica as atitudes que Lula tomou ao ir contra a ideologia do PT que ele

mesmo pregava a pouco tempo atrás. Critica também a mudança de comportamento do

presidente.

As onze respostas apresentadas acima foram classificadas como insatisfatórias.

Ao responderem a essa questão, todos os informantes ignoraram as âncoras textuais, que

deveriam funcionar como ativadores de um espaço em que o presidente era alvo, vítima, e não

o vilão da história. A expulsão de “Lulinha” da “Casa da Vovó” seria uma importante âncora

textual ou ativador de espaço. Esse fato deveria possibilitar ao leitor a construção de um

espaço em que “Lula” é visto como vítima da situação e não o contrário. O fato de a “Vovó”

ter mudado de atitude (uma vez que é paciente,compreensiva com os seus netos) pode ser

mapeado com a mudança de atitude dos aliados (“Ala Radical”) do PT. Ao inverter essa

posição, enfatizando a mudança de atitude do presidente e não da Ala Radical do Partido, os

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leitores mostram não terem levado em consideração essas marcas deixadas pelo autor (ainda

que intencionalmente).

Entretanto, as respostas são coerentes, pois os sujeitos souberam buscar amparo,

argumento, em seus próprios conhecimentos prévios do cenário político em questão.

Deixaram evidenciar o pensamento próprio perante os fatos ocorridos e não o pensamento do

autor.

Como estratégia, a maioria dos informantes enfatizou a relação vital de mudança,

em que o presidente muda a sua postura. Antes das eleições, apresenta-se como radical,

coerente com o discurso do PT, partido ao qual pertence. Depois das eleições, porém, o

presidente se vê obrigado a ponderar o seu radicalismo para que se enquadre ao sistema

econômico. Essa relação pode ser representada no diagrama abaixo:

(Figura 21: Diagrama de mudança)

Categoria 4: Crítica à falta de agilidade do governo

Suj.7H: O autor critica a falta de agilidade do governo Lula frente às necessidades

emergenciais do país.

O sujeito 7, acima, ao apontar a crítica do autor para a falta de agilidade do

governo, além de ignorar as marcas deixadas no texto, acessa os seus conhecimentos sobre o

Mudança

Presidente Radical

Presidente Moderado

Antes da eleição

Depois de eleito

Identidade

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contexto em questão. Este traz em sua resposta referência ao fato de que as reformas

demoraram a acontecer. Apesar de esse fato ter sido referenciado na crônica, através da fala

da Vovó: “Enquanto esperava essas suas reformas, transformei-me por completo.”, ele não se

configura como tema central do texto.

Dessa forma, essa resposta também foi considerada inadequada.

Balanço geral da questão:

Essa foi a questão que apresentou o menor índice de acerto. Em números

absolutos, apenas 3 dos 15 informantes responderam de forma adequada. Acreditamos que,

apesar de haver outras questões inferenciais no experimento, esta foi a que exigiu dos leitores

uma maior demanda cognitiva. A crítica se apresentou de forma bastante sutil através da

metáfora da história de Chapeuzinho Vermelho. Além disso, as respostas consideradas

inadequadas poderiam ter revelado a ideologia/opinião do leitor, que se deixou envolver ao

responder a questão, apresentando a sua crítica frente aos fatos em vez da crítica do autor.

Podemos concluir, também nessa questão, diante das análises feitas acima, que o

formato textual – hipertextual ou contínuo – não foi o facilitador ou dificultador das respostas.

5.4 - Análise da questão 3

A questão 3: Quais são as reformas que Lulinha leva à Vovó? envolve a

habilidade de localizar informações explícitas no texto. Esperava-se que os leitores voltassem

ao texto, uma vez que a resposta para essa questão estava explicitamente apresentada no texto

que acompanha a versão contínua e nos links da versão hipertextual:

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Reformas da Previdência e Tributária, as principais propostas de Lula em sua campanha (..)

(...) as votações das reformas da previdência e tributária, as principais propostas

de Lula durante sua campanha (..)

Há sempre, no entanto, a possibilidade de o leitor formular uma resposta para uma

questão como essa sem fazer uma busca no texto. Acreditamos que isso tenha ocorrido nas 4

respostas que consideramos inadequadas por não evidenciarem uma volta ao texto. Faz-se

importante destacar, portanto, que nesta questão foi avaliada a habilidade de o leitor localizar

informação no texto e não apenas a qualidade ou adequação da resposta.

O desempenho dos Sujeitos que leram na versão hipertextual foi melhor do que o

desempenho daqueles que leram o texto na versão contínua (87,5 e 57,1% de acertos

respectivamente). Esses resultados corroboram nossa hipótese de que o formato hipertextual

ajudaria o leitor na solução de questões que lidam com localização de informações, uma vez

que os hiperlinks favorecem a volta ao texto, facilitando a busca de informação explícita

específica.

As respostas de vários dos informantes que leram a versão hipertextual

apresentam uma proximidade maior com relação ao conteúdo dos hiperlinks do que as

respostas fornecidas pelos Sujeitos que leram o texto no formato contínuo, como se pode ver

nas respostas abaixo. Parece ter havido, de fato, volta ao texto e localização de informação

explícita, naqueles casos.

As respostas a essa pergunta foram agrupadas em duas categorias: de respostas

específicas, iguais ou similares à informação dos links e do texto contínuo e a de respostas

gerais, que não demonstram uma volta ao texto.

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Categoria 1: Respostas específicas

Suj.1H: Lulinha carrega as reformas previdenciária e tributaria.

Suj.2H: Reformas da previdência e tributária, as principais propostas de Lula em sua

campanha e solicitadas há muito tempo pela esquerda.

Suj.3H: Lulinha propõe a vovó reformas econômicas, da Previdência e Tributária

Suj.4H: Reformas da Previdência e Tributária, os principais projetos do governo Lula.

Suj.5H: Reformas da previdência e tributária.

Suj.6H: As reformas que Lulinha estava levando a Vovó eram a da Previdência e

Tributária

Suj.8H: As reformas que Lulinha leva em sua cestinha são as reformas tributária e da

previdência.

Suj.9C: As reformas tributária e previdenciária

Suj.11C: Reformas Tributárias e da Previdência

Suj.14C: As reformas que Lulinha leva para a vovó são as da Previdência e a Tributária.

Suj.15C: Reforma da previdência e reforma tributária.

Todas as repostas acima evidenciam uma proximidade muito grande com o

conteúdo disponibilizado por nós em ambas as versões, por isso foram consideradas corretas.

Categoria 2: Respostas Gerais

Suj.7H: Ele leva reformas administrativas, políticas, econômicas e sociais: reformas

fundamentais e urgentes, que a sociedade há muito aguarda.

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Suj.10C: A Reforma da Previdência e do Judiciário.

Suj.12C: As reformas levadas à vovó são de âmbito econômico e têm o objetivo de

seguir às propostas do FMI, mesmo sendo em parte contraditórias ao discurso petista.

Suj.13C: Reformas nas tributações e no social para que se possa pegar dinheiro

emprestado do fmi.

As respostas, acima, consideradas insatisfatórias parecem revelar que esses

estudantes não voltaram ao texto, confiando mais em sua memória e conhecimentos prévios.

Essa constatação pode ser evidenciada nas respostas em que os Sujeitos leitores invocam

elementos como o FMI, presente no cenário das reformas. Invocam, ainda, outros elementos

do frame de reformas, que era o fato de a população ter aguardado, ansiosa, por elas.

Balanço geral da questão:

A questão de localização de informação – Quais são as reformas que Lulinha leva

à Vovó? – pressupunha, no caso da versão hipertextual, uma consulta ao link e, na versão

contínua, pressupunha a busca da resposta no texto. Apesar de se tratar de uma habilidade de

leitura simples, a análise das respostas não foi uma tarefa fácil. Uma das polêmicas na

classificação das respostas em adequadas e inadequadas foi decidir o que fazer com as

respostas satisfatórias que não revelavam consulta ao texto. Decidimos por computar essas

respostas como sendo insatisfatórias uma vez que não atendiam à habilidade prevista para

essa questão.

É importante que reflitamos também sobre o fato de o tema do texto ser conhecido

pela maioria (senão todos) dos informantes. O conhecimento prévio, nesse caso, pode ter

atuado “negativamente” no desempenho dos sujeitos nessa questão, uma vez que os sujeitos

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podem ter julgado desnecessária a consulta ao texto ou podem ter preferido não “colar” a

mesma resposta uma vez que as “cópias” nunca foram vistas com bons olhos pelos

professores.

Nesta questão, temos evidenciada a influência do formato de apresentação do

texto nas respostas dos leitores. Como era previsto, a disponibilização de informações em

links possibilita um rápido e fácil acesso aos leitores, fazendo com que estes acabem voltando

mais vezes ao texto.

5.5 - Análise da questão 4

A questão 4: Quem é a Vovó Radical? Qual a sua relação com Lulinha? avaliou

duas habilidades de leitura, quais sejam: a habilidade de localizar uma informação no texto e a

habilidade de relacionar informações. Esperávamos, dessa forma, duas respostas para essa

pergunta. A primeira, relacionada à capacidade de localizar informação no texto, seria dizer

que a Vovó Radical representa a Ala Radical do PT. A segunda, relacionada com a habilidade

de relacionar informações, é mencionar que a Vovó Radical, pertencia ao PT, mesmo partido

de Lulinha.

As repostas foram agrupadas tendo em vista as duas perguntas. Dessa forma, a

mesma resposta se prestou a duas diferentes categorias.

A seguir, as categorias que foram traçadas tendo em vista a primeira parte da

questão: Quem é a Vovó Radical?

Categoria 1:Ala Radical

Suj.1H: A Vovo Radical representa a ala radical que pertencia ao PT, hoje expulsa do

partido. Essa facção do partido, que contava com Heloisa Helena, Baba, Luciana Genro, era contra as

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reformas da maneira que estavam sendo conduzidas por Lula, do próprio governo exercido pelo

presidente. Queriam instalar um modelo político voltado para o socialismo. Votaram contra essas

reformas no Congresso, contrariando o presidente e o partido ao qual pertenciam. Na crônica, a

relação entre vovo e Lulinha e mostrada como conflituosa, estranha e a avo parece um tanto quanto

fanática.

Suj.2H: A vovó é a ala radical do PT aqueles senadores que pertenceram ao mesmo

partido de Lula e não apoiaram as reformas propostas por seu governo, pois afirmaram que elas

chocavam-se com as próprias idéias do PT. Por isso foram expulsos do partido.

Suj.3H: A vovó radical são todos do opositores do governo de Lula, que pertencem ao

mesmo partido. Anteriormente as propostas de Lula, eles eram seus aliados e agora seus opositores,

por isso foram expulsos do partido.

Suj.4H: Os políticos mais da esquerda. Eram antes os aliados de Lula. Agora o

consideram conservador demais e, por isso, o abandonaram.

Suj.5H: A vovó radical representa aqueles senadores que foram expulsos do PT, ao

debaterem e não apoiar as reformas pretendidas pelo governo, visto como a ala radical do partido

Suj.6H: A vovó radical é a ala do PT que continuam com as mesmas idéias sem pensar

que no contexto de se estar no poder medidas mais brandas devem ser tomas para conseguir atingir a

maioria dos cidadãos. A relação de Lulinha com a vovó é que estes que são radicais pertencem ao

mesmo partido que Lulinha (PT).

Suj.8H: A Vovó Radical está representando a ala radical do PT, partido político do qual

Lula sempre fez parte, cuja história se confunde com a própria história do atual presidente da

República. Esses senadores criticaram as reformas propostas por Lula, por acharem que essas não

correspondem às idéias do partido.

Suj.9C: A Vovó Radical são os deputados expulsos do PT por manterem-se íntegros em

sua posição esquerdista. Esses deputados se chocaram com o Lula principalmente na votação das

reformas propostas pelo governo em 2003, pois essas reformas se enquandravam no modelo exigido

pelos organismos internacionais neolibarais (FMI, Banco Mundial).

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Suj.10C: Babá, Heloisa Helena, a filha do Tarso Genro e todos aqueles ex-filiados ao PT,

partido do presidente, que cobram atitudes que estejam de acordo com o que ele dizia nas suas

campanhas nos anos anteriores.

Suj.11C: A Vovó Radical é a ala radical do PT, e possui uma relação conflituosa com o

governo Lula, já que o discorda da posição mais “amena” adotada pelo presidente apos ser eleito.

Suj.12C: A vovó radical representa a ex-ala radical do PT, que fazia oposição ao próprio

partido por considerar as reformas propostas por ele, contraditórias ao “discurso” petista. Esta ala foi

desligada do PT.

Suj.14C: A Vovó Radical representa a parte mais radical do PT e que não aprovaram as

reformas propostas pelo governo, por isso foram expulsos do partido.

Suj.15C: A Vovó Radical representam os radicais do PT. Eles pertenciam ao mesmo

partido que o presidente e comungavam das mesmas idéias, mas agora estão contra eles por causa de

seu comportamento passivo.

Todos os sujeitos acima identificaram a informação de que a Vovó Radical

representava a Ala Radical do PT. Alguns ainda acessaram informações de seus

conhecimentos prévios, ao especificaram os nomes dos políticos que representavam a Ala

Radical do partido e ao trazerem informações sobre o contexto político das reformas de 2003

ao fazerem menção ao FMI.

A grande maioria dos informantes (87,5%) parece ter acessado os links e o trecho

do texto contínuo, que traziam a informação solicitada na pergunta, que, por sua vez,

descomprime a informação presente na seguinte rede de integração conceitual:

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(Figura 22: Diagrama de Desempacotamento)

Para dizer que a Vovó Radical representa a Ala Radical do PT, foi necessário que

os sujeitos fizessem um processo de desempacotamento, em que os mapeamentos e projeções,

anteriores ao significado emergente do espaço mesclado, foram recuperados. Ou seja, o leitor

recuperou o mapeamento do elemento “Vovozinha”, presente no espaço input da ficção, com

o elemento “Ala Radical do PT”, presente no espaço input da realidade e também a projeção

desses elementos, fundidos em “Vovó Radical”, elemento resultante da integração.

Categoria 2: Senado

Suj.13C: Provavelmente o senado. O senado vota medidas que o presidente pode ou não

ratificar.

Ao dizer que o a Vovó Radical representa o Senado o sujeito traça um

mapeamento que não foi legitimado pelo texto. O mapeamento que resultaria na mescla

“Vovó Radical” deveria ser feito entre os elementos “Ala Radical do PT” (espaço da

realidade) e “Vovozinha” (espaço da ficção). A mescla “Vovó Radical” traz, inclusive, esse

Espaço de mescla

Ala Radical do PT

Vovozinha

Espaço da realidade Espaço da ficçãoVovó Radical

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mapeamento marcado em seu significante, que resulta dos significantes dos dois elementos

mapeados: Vovó (ficção)+ Ala Radical (realidade).

(Figura 23: Diagrama de mapeamento não-legitimado)

Categoria 3: Sociedade

Suj.7H: A Vovó Radical é a sociedade, que, na qualidade de boa avó, que ama e protege

seus netos, colocou Lula no poder e depositou confiança e esperança em suas idéias, tal como faz uma

avó ao planejar um futuro glorioso para seus netos. Ela se tornou “radical” porque se cansou de

esperar pelas promessas do neto Lulinha e decidiu declarar “seu brado de guerra”.

Apesar de também produzir uma integração não prevista pelo texto, como o

sujeito 13, o sujeito 7 apresenta argumentos coerentes que possibilitariam a construção de sua

rede conceitual integrada.A resposta, entretanto, não foi considerada adequada, uma vez que a

informação solicitada estava presente no texto.

O diagrama seguinte ilustra o percurso cognitivo feito pelo sujeito 7, ou seja, o

mapeamento e a projeção estabelecidos nesta resposta:

Espaço de mescla

Senado Vovozinha

Espaço da realidade Espaço da ficçãoVovó Radical

?

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(Figura 24: Diagrama de mapeamento pertinente)

Em seguida, a categorização relacionada à segunda parte da questão: Qual a sua

relação com Lulinha?

Categoria 1: Relação explicitada

Suj.1H: A Vovo Radical representa a ala radical que pertencia ao PT, hoje expulsa do

partido. Essa facção do partido, que contava com Heloisa Helena, Baba, Luciana Genro, era contra as

reformas da maneira que estavam sendo conduzidas por Lula, do próprio governo exercido pelo

presidente. Queriam instalar um modelo político voltado para o socialismo. Votaram contra essas

reformas no Congresso, contrariando o presidente e o partido ao qual pertenciam. Na crônica, a

relação entre vovo e Lulinha e mostrada como conflituosa, estranha e a avo parece um tanto quanto

fanática.

Suj.2H: A vovó é a ala radical do PT aqueles senadores que pertenceram ao mesmo

partido de Lula e não apoiaram as reformas propostas por seu governo, pois afirmaram que elas

chocavam-se com as próprias idéias do PT. Por isso foram expulsos do partido.

Espaço de mescla

Sociedade Vovozinha

Espaço da realidade Espaço da ficçãoVovó Radical

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123

Suj.3H: A vovó radical são todos do opositores do governo de Lula, que pertencem ao

mesmo partido. Anteriormente as propostas de Lula, eles eram seus aliados e agora seus opositores,

por isso foram expulsos do partido.

Suj.4H: Os políticos mais da esquerda. Eram antes os aliados de Lula. Agora o

consideram conservador demais e, por isso, o abandonaram.

Suj.6H: A vovó radical é a ala do PT que continuam com as mesmas idéias sem pensar

que no contexto de se estar no poder medidas mais brandas devem ser tomas para conseguir atingir a

maioria dos cidadãos. A relação de Lulinha com a vovó é que estes que são radicais pertencem ao

mesmo partido que Lulinha (PT).

Suj.8H: A Vovó Radical está representando a ala radical do PT, partido político do qual

Lula sempre fez parte, cuja história se confunde com a própria história do atual presidente da

República. Esses senadores criticaram as reformas propostas por Lula, por acharem que essas não

correspondem às idéias do partido.

Suj.10C: Babá, Heloisa Helena, a filha do Tarso Genro e todos aqueles ex-filiados ao PT,

partido do presidente, que cobram atitudes que estejam de acordo com o que ele dizia nas suas

campanhas nos anos anteriores.

Suj.12C: A vovó radical representa a ex-ala radical do PT, que fazia oposição ao próprio

partido por considerar as reformas propostas por ele, contraditórias ao “discurso” petista. Esta ala foi

desligada do PT.

Suj.15C: A Vovó Radical representam os radicais do PT. Eles pertenciam ao mesmo

partido que o presidente e comungavam das mesmas idéias, mas agora estão contra eles por causa de

seu comportamento passivo.

Todas as respostas acima, consideradas adequadas, especificam a relação da Vovó

Radical com Lulinha, em que foi estabelecida uma relação vital de analogia:

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(Figura 25: Diagrama da relação vital de analogia)

O diagrama acima ilustra o fato de Lulinha e a Vovó Radical pertencerem ao

mesmo partido político. A relação vital de analogia é estabelecida na medida em que o leitor

deve atribuir à “Vovó Radical” e a “Lulinha” características atribuídas aos seus

correspondentes no espaço input da realidade: “Ala Radical” e “Lula”.

Categoria 2: Relação não especificada

Esta categoria agrupa as respostas que não evidenciaram a relação entre Lulinha e

a Vovó Radical. Dentre essas respostas, temos aquelas em que os informantes acertaram a

primeira parte da questão ao dizerem que a Vovó Radical representa a Ala Radical do PT. São

elas as seguintes respostas:

Suj.5H: A vovó radical representa aqueles senadores que foram expulsos do PT, ao

debaterem e não apoiar as reformas pretendidas pelo governo, visto como a ala radical do partido

Suj.9C: A Vovó Radical são os deputados expulsos do PT por manterem-se íntegros em

sua posição esquerdista. Esses deputados se chocaram com o Lula principalmente na votação das

Espaço de mescla

Espaço da realidade Vovó Radical - PT Lulinha - PT

Ala Radical - PT Lula - PT

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reformas propostas pelo governo em 2003, pois essas reformas se enquandravam no modelo exigido

pelos organismos internacionais neolibarais (FMI, Banco Mundial).

Suj.14C: A Vovó Radical representa a parte mais radical do PT e que não aprovaram as

reformas propostas pelo governo, por isso foram expulsos do partido.

Ainda que os informantes acima não tenham explicitado a relação entre Lulinha e

a Vovó Radical, acreditamos que ela possa ser subentendida de suas respostas. Somos levados

a pensar que essa relação pode não ter sido explicitada nas respostas acima, uma vez que é

muito previsível ou conhecida. Dessa forma, os sujeitos podem ter achado desnecessário

evidenciá-la em seu texto.

Para que mantivéssemos coerência em nossas análises, optamos, entretanto, por

considerá-las inadequadas, ainda que essa relação possivelmente tenha sido cognitivamente

produzida, uma vez que esses leitores atribuíram o sentido pretendido para a “Vovó Radical” .

Categoria 3: Relação inadequada

As duas respostas seguintes também não satisfizeram a habilidade prevista:

Suj.7H: A Vovó Radical é a sociedade, que, na qualidade de boa avó, que ama e protege

seus netos, colocou Lula no poder e depositou confiança e esperança em suas idéias, tal como faz uma

avó ao planejar um futuro glorioso para seus netos. Ela se tornou “radical” porque se cansou de

esperar pelas promessas do neto Lulinha e decidiu declarar “seu brado de guerra”.

Suj.13C: Provavelmente o senado. O senado vota medidas que o presidente pode ou não

ratificar.

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As respostas dos sujeitos 7 e 13, acima, foram consideradas inadequadas uma vez

que evidenciam uma relação baseada em uma referenciação equivocada feita na primeira

parte da questão. Ao atribuírem outros referentes à “Vovó Radical”: “sociedade” e “senado”,

respectivamente, os sujeitos identificaram outra relação diferente da prevista em nossa grade

de resposta.

O Sujeito 7, ao dizer que a Vovó Radical representa a sociedade, parece

estabelecer a seguinte relação:

(Figura 26: Diagrama da mescla Vovó/Sociedade)

O diagrama acima mostra os possíveis percursos cognitivos do sujeito 7 ao dizer

que a “Vovó Radical” corresponde à “sociedade”. Há, além da relação de analogia entre os

dois elementos (Vovó – ficção e sociedade- realidade), relações de mudança evidenciadas

através da mudança de comportamento dos dois elementos. Em um primeiro momento, temos

uma sociedade confiante (espaço input da realidade), que colocou Lula no poder e tem

Mudança Mudança Identidade

Identidade

Espaço de mescla

Sociedade – Confiou em Lula e o colocou no poder.

Espaço da realidade Espaço da ficção

Vovozinha: paciente compreensiva e boa com os netos

Sociedade - Cansou de esperar pelas promessas de Lula.

Vovozinha – Não é mais compreensiva, impaciente.

Vovó Radical

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esperança. Análoga a esse elemento, temos a Vovó, que é paciente, ama e protege seus netos.

Há, então, uma mudança de postura desses dois elementos: a sociedade cansou de esperar

pelas promessas do presidente e a Vovozinha não é mais paciente e compreensiva com seus

netos. A mudança de comportamento é evidenciada na mescla, com a fusão desses elementos

em um novo: a “Vovó Radical”.

O sujeito 13, ao dizer que a Vovó Radical representa o senado, traça o seguinte

paralelo entre este e o presidente:

(Figura 27:Diagrama da mescla Vovó/Senado)

O diagrama acima estabelece uma relação de analogia entre o “senado” e a “Vovó

Radical” e entre o presidente Lula e “Lulinha”, relação não autorizada pelo texto.

Categoria 4: Diferente espaço mental acionado

Suj.11C: A Vovó Radical é a ala radical do PT, e possui uma relação conflituosa com o

governo Lula, já que o discorda da posição mais “amena” adotada pelo presidente apos ser eleito.

Espaço de mescla

Espaço da realidade Vovó Radical Lulinha

Senado – Vota medidas Lula – Aprova novas medidas

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A resposta do sujeito 11, acima, mostra que o substantivo “relação” na pergunta:

Qual a sua relação com Lulinha? funcionou como construtor de um espaço não previsto por

nós. Ao dizer que a Ala Radical do PT “possui uma relação conflituosa com o governo

Lula”, o sujeito aciona um espaço em que o substantivo se configura como vínculo e não

como uma consideração resultante da comparação entre duas pessoas.

Da mesma forma, se portou o sujeito 1, no final de sua reposta, ao dizer que “Na

crônica, a relação entre vovo e Lulinha e mostrada como conflituosa, estranha e a avo parece um tanto

quanto fanática.”. A resposta do Sujeito 1, entretanto, também revela a relação pretendida na

resposta, por isso foi agrupada em outra categoria.

Balanço geral da questão:

A primeira parte da questão, relacionada à habilidade de localização de

informação explícita, corrobora os resultados apresentados na questão 3, que buscava verificar

a mesma habilidade. As respostas inadequadas a essa questão podem evidenciar que os

leitores não leram o link ou texto contínuo com atenção, resolvendo, assim, inferir a resposta a

partir de dados do texto e de seus próprios conhecimentos. Nesse caso, podemos observar

interferência do formato de apresentação do texto (hipertextual e contínuo) nas respostas dos

informantes.

A segunda parte da questão foi um pouco problemática, em parte em razão de a

resposta ser bastante conhecida pelos informantes, que não julgaram necessário explicitá-la e

também em função da ambigüidade do enunciado, que possibilitou a ativação de outro espaço

mental, que não aquele previsto em nossa grade de resposta. Não houve, dessa forma,

interferência aparente do formato na adequação ou inadequação das respostas.

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5.6 - Análise da questão 5

A pergunta 5: Por que o chapeuzinho vermelho que Lulinha usou no passado

chama atenção? está relacionada à habilidade do leitor de produzir uma inferência causal.

Como resposta a essa questão, esperávamos que os leitores fossem capazes de apontar o

motivo pelo qual o chapeuzinho vermelho de Lulinha chamaria atenção. Ou seja,

esperávamos que os sujeitos não só dissessem que o chapeuzinho representava os ideais

socialistas, de esquerda, que Lula sempre adotou em sua trajetória política, mas,

principalmente, evidenciassem o motivo que o levou a abandonar tal postura. Eles teriam que

dizer, principalmente, que esses ideais não eram bem vistos pela maioria da população ou

pelos partidos políticos de direita, mais conservadores.

Duas categorias foram estabelecidas a partir das respostas a essa pergunta:

Categoria 1:Causa do abandono do chapeuzinho vermelho

As respostas abaixo foram consideradas satisfatórias uma vez que apontaram a

causa do abandono do chapeuzinho vermelho por Lulinha. De forma geral, a partir dessas

respostas, foi possível a construção do seguinte diagrama que representa o percurso cognitivo

feito pelos sujeitos:

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(Figura 28: Diagrama de frame político)

O diagrama acima mostra que o leitor deveria relacionar o “chapeuzinho

vermelho”, presente no espaço da ficção, com elementos como: idéias socialistas, de

esquerda, representadas pela cor vermelha, e também com o PT, elementos presentes (ou

inferidos) no espaço da realidade. A causa do abandono do chapeuzinho vermelho, entretanto,

só é evidenciada se convocarmos um frame político que mostra que os valores comunistas e

de esquerda são contrários aos interesses da direita, do FMI e, por isso, não são vistos com

“bons olhos” pela maioria da população.

As respostas seguintes trazem essa relação:

Suj.1H: O chapeuzinho vermelho chamaria a atenção por ser um tanto quanto radical,

representando a posição esquerdista e socialista de Lula no passado. Com o chapeuzinho, seriam

gerados grandes conflitos com os mais conservadores na sociedade e os pertencentes à direita.

Suj.2H: A cor vermelha chama atenção por representar o comunismo e até mesmo o

partido de Lula o PT. Usar este chapéu seria como retomar uma posição de esquerda.

Suj.3H: Porque vermelha é a cor da bandeira de seu partido, que era de esquerda, tendo

de deixar essa posição por algumas imposições que o próprio governo exige.

Suj.4H: Por que o governo do passado era de direita, mais conservador, baseado nos

princípios capitalistas. O Chapeuzinho Vermelho de Lula mostrava sua oposição a esse tipo de

Frame político

Espaço da realidade Espaço da ficção

Ideais Socialistas De esquerda

Cor vermelha, PT

Chapeuzinho Vermelho

Ideais socialistas, ideologia petista ≠ ideologia de direita, FMI.

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governo. Seu partido era de esquerda, baseado nos princípios socialistas, o que, naquela época, era

considerado muito radical.

Suj.6H: Porque o vermelho é associado ao PT partido extremamente radical e de

oposição quando Lulinha assume o poder tem que abandonar algumas idéia mais radicais do seu

partido o que muitos falam que ele se afastou das origens e objetivos do partido

Suj.7H: O chapéu de cor vermelha se tornou uma marca característica de Lula, (no tempo

em que ele era um sindicalista ativo). Em diversos momentos da história, o vermelho foi usado como

bandeira para revoluções. Lula mudou. Já não é mais aquele “garotinho rebelde e contestador” de

antes. Não é bom que ele continue usando um chapéu vermelho com aquele, até porque, se usasse,

seria presa fácil para “os lobos maus devoradores”, já que hoje ele está sozinho no jogo (perdeu a

credibilidade de boa parte daqueles que o elegeram).

Suj.8H: Antigamente, Lula usava a bandeira do partido de esquerda para angariar votos.

Só que agora, baseado no neoliberalismo, no medo que os investidores estrangeiros têm em relação a

um governo comunista, ele foi maquiado por Duda Mendonça para não afastar investimentos, ganhar

credibilidade de intelectuais (antes ele fazia o tipo de radical) e, portanto, parecer estar pronto para

governar o Brasil. Se ele se apresentasse, mais uma vez, como o torneiro mecânico que não sabe falar

corretamente, talvez, ele não ganhasse as eleições.

Suj.9C: Lula sempre apresentou uma postura política radical de esquerda, representada

na crônica como o “chapeuzinho vermelho”; criticava duramente os governos anteriores à sua eleição,

que seguiam o modelo econômico neolibaral. Assim, Lula sempre foi visto como um candidato de

oposição e , portanto, precisou romper com seu passado radical para não chamar muito a atenção

daqueles que defendem o atual sistema econômico.

Suj.11C: As idéias extremistas adotadas no passado, geralmente associadas ao

comunismo, causam medo na população.Assim o chapeuzinho vermelho é , na crônica, uma referencia

ao comunismo, e por isso chama atenção.

Suj.12C: O chapeuzinho vermelho representa as propostas de esquerda defendidas pelo

PT antes de este se tornar o partido do governo. Ele chama a atenção por ser mais radical e

contraditório às propostas atuais. O discurso que antes era radical, agora é moderado.

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Suj.15C: Porque ele é o símbolo do comunismo, do radicalismo e do próprio partido do

presidente que era de esquerda.

Categoria 2: Significado do chapeuzinho vermelho

As respostas abaixo apenas apresentaram o significado do “chapeuzinho

vermelho”, ou seja, só localizaram uma informação que estava presente no texto (versão

contínua) ou no link (versão hipertextual),deixando a inferência causal por parte do leitor.

Suj.5H: Porque vermelha é a cor da bandeira do PT e também simboliza o comunismo.

Partidos de esquerda que usam a cor vermelha na bandeira

Suj.10C: O chapeuzinho representa a cor do seu partido e remonta as antigas campanhas

do presidente, nas quais ele tinha atitudes bem diferentes.

Suj.13C: Pois representa a época comunista e sedenta por mudanças sociais que seu

´partido nutria no passado.

Suj.14C: Porque a cor vermelha representa a cor do comunismo e a do PT.

Balanço geral da questão:

Nem todos os leitores produziram a inferência causal pretendida na questão.

Todos, entretanto, conseguiram recuperar o significado do “chapeuzinho vermelho” na

crônica. Faltou em algumas respostas relacionar esse significado a um frame político, não

explicitado no texto, mas sugerido a partir do “abandono” desse “chapeuzinho vermelho”.

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Mais uma vez, não acreditamos que o acionamento ou não desse frame político tenha alguma

relação direta com o formato de apresentação textual.

5.7 - Análise da questão 6

A questão 6: Em um trecho da paródia Lulinha canta “pela estrada fora eu vou

bem sozinho...”, qual a relação desta música com a crítica que Scliar faz ao governo Lula?

avaliava a capacidade do aluno de produzir uma inferência relacional. Em sua resposta,

esperávamos que fosse apontado o fato de Lulinha ter perdido o apoio do seu próprio partido,

tendo de governar sozinho, já que também não tinha o apoio da oposição, relacionado,

especificamente, com o adjetivo “sozinho” da música.

As respostas a essa pergunta geraram as duas categorias seguintes:

Categoria 1: Relação adequada

As respostas abaixo foram consideradas adequadas uma vez que apresentam uma

relação pertinente entre o fato de Lulinha seguir sozinho e a crítica feita pelo autor. Todos os

sujeitos retomaram a crítica já identificada na questão 2. Alguns não explicitaram o trecho da

música, mas entendemos que essa referência estaria subentendida nas respostas dos alunos.

Algumas particularidades podem ser percebidas nas respostas seguintes:

Suj.1H: Lula perdeu respaldo de seu próprio partido, já que uma determinada facçao

posicionou-se veementemente contra as reformas, e, obviamente, não contava com o apoio da

oposição, também contra as reformas realizadas pelo presidente. Assim, a musica utilizada na crônica

mostra a falta de suporte, sustento e apoio ao pacote efetivado por Lula. O presidente estava “sozinho”

em suas reformas.

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Suj.4H: A crítica do autor é justamente ao fato de Lula ter que governar sozinho, sem

apoio de ninguém. E é exatamente o que ele canta no trechinho acima.

Os sujeitos 1 e 4, acima, trazem uma resposta bastante adequada a essa questão.

Primeiramente, eles retomam a crítica feita pelo autor. Em seguida, eles relacionam, de forma

explícita, a crítica com a música.

Entretanto, essa relação não se dá de forma explícita em todas as repostas. Os

sujeitos abaixo se restringem em apresentar o significado, tanto da crítica quanto da música,

mas sem fazer referência explícita a nenhum deles. Alguns alunos retomam o adjetivo

“sozinho”, recuperando a música, ainda que de forma indireta:

Suj.2H: Lula está governando sozinho, sem apoio, sem ajuda.

Suj.3H: Lula está sozinho porque ninguém o apoia nas decisões que está tomando para a

melhoria do Brasil.

Suj.7H: Ao eleger Lula, milhões de brasileiros depositaram nele todas as suas esperanças

em um país mais igualitário. Porém, observa-se uma relativa inércia na administração do país. Em um

ano e seis meses de governo, pouca coisa mudou. Para piorar a situação, os recentes escândalos

envolvendo importantes parceiros do governo Lula contribuíram ainda mais para o descrédito popular

na eficiência do atual governo. Hoje Lula caminha sozinho, precisa recuperar o apoio do povo e de

seus aliados políticos.

Suj.10C: As atitudes de Lula estão deixando ele cada vez mais sem apoio.

As respostas, abaixo, recuperam de alguma forma parte do enunciado, ou a crítica,

ou a própria solicitação de identificar a “relação”. Veja:

Suj.5H: A crítica feita, é que Lula está sozinho, foi “abandonado” pelo próprio partido

por não corresponder aos ideais primários.

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Suj.6H: A critica é sobre o fato de Lulinha ter perdido a governabilidade nesse momento

e ter quer conseguir as mudanças sozinho sem apoio até mesmo da sua própria chapa

Suj.12C: A paródia se refere ao fato de Lula ter perdido apoio e estar sofrendo forte

oposição e recebendo muitas críticas.

Suj.13C: Que partidários do presidente o estão deixando na mão ao não auxilia-lo nas

questões políticas por motivos meramente idologicos.

Suj.14C: Que Lula está sozinho com suas reformas pois ninguém o apóia.

As respostas 13 e 14, acima, recuperam a palavra “relação” do enunciado, ao

iniciarem suas respostas com o pronome “que”, ainda que de forma subentendida.

Suj.15C: Lula não teve o apoio nem de seu próprio partido, aí está a crítica.

Categoria 2: Relação inadequada

As respostas abaixo foram consideradas inadequadas, apesar de percebermos que

os sujeitos relacionaram o conteúdo da música com a crítica do autor. De certa forma, os

alunos atenderam à habilidade prevista pela questão, que era a de relacionar partes ou fatos do

texto. Entretanto, não apontaram a crítica feita pelo autor como prevíamos em nossa grade de

resposta, assim também o fizeram na questão 2, que solicitava a identificação dessa crítica.

Suj.8H: Scliar critica a posição de Lula de “seguir sozinho” em suas metas, deixando

para trás ideais e partidários de seu governo.

Suj.9C: O autor critica Lula por ter abandonado sua postura política tradicional,

esquerdista. Portanto, Lula estaria sozinho, como afirma na música, por ter perdido os companheiros

que mantiveram a postura de esquerda.

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Suj.11C: Embora tenha se aliado a vários partidos antes de ser eleito, Lula parece tentar

governar sozinho, excluindo até mesmo seu partido.

Balanço geral da questão:

Todos os alunos atenderam a habilidade solicitada. Todas as respostas

evidenciaram relações entre o trecho da música e a (possível) crítica do autor, ainda que essas

relações não tenham sido aquelas previstas por nós em nossa grade de resposta. A habilidade

de produzir uma inferência relacional evidencia um movimento cognitivo hipertextual, em

que o leitor terá que relacionar dois fatos que não apresentam aparentemente nenhuma

relação. Esse movimento cognitivo fez-se presente em todas as respostas de ambos os

formatos, de modo que, também aqui, descartaremos a influência do formato no desempenho

de nossos leitores.

5.8 - Análise da questão 7

A questão 7: O que você acha da atitude da Vovó Radical? é opinativa, ou seja, é

uma questão em que os leitores deveriam expressar uma opinião sobre uma parte ou assunto

tratado no texto. Por ser uma questão opinativa, não havia motivo para acreditarmos na

influência do formato de apresentação do texto – contínuo ou hipertextual. Essa pergunta, no

entanto, foi feita a fim de que pudéssemos obter mais informações sobre a compreensão do

texto. Entretanto, ainda que seja avaliativa, essa questão também pode ser considerada

inferencial uma vez que o leitor precisa lançar mão dos seus conhecimentos (prévios e

também os conhecimentos adquiridos na leitura do texto) a respeito do cenário político em

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questão para elaborar sua resposta. Esperávamos, nesta pergunta, que os leitores

apresentassem sua opinião com relação à falta de apoio dos Radicais do PT ao Presidente

Lula.

Algumas respostas foram consideradas inadequadas em virtude da produção de

inferências e relações que não são legitimadas pela crônica e, ainda, em virtude de problemas

com a escrita, que acabaram por interferir na qualidade das respostas.

Categoria 1: Respostas adequadas

As respostas seguintes foram consideradas adequadas uma vez que apresentam

argumentos coerentes com os fatos retratados no texto. Elas demonstram, mais uma vez, que

os alunos operaram de forma hipertextual, relacionando e articulando elementos entre os

espaços, além de terem retomado a integração conceitual produzida em resposta a questões

anteriores:

Suj.1H: Vovo Radical tam uma postura extremista e não reconhece que, de fato, as

reformas podem trazer algum bem ao pais ou, pelo menos, significar um passo inicial para mudanças

mais efetivas no Brasil. Não são ideais ou perfeitas, mas um impulso e etapa inicial para que outras

reformas sejam iniciadas e o pais possa deslanchar e tornar-se socialmente mais justo.

Suj.4H: É uma atitude extremamente errada. Se os radicalistas acham que o governo não

está bom, eles deviam ajudar a achar o erro e ajudar a consertar. Virar as costas a um antigo aliado é

uma atitude de muita covardia.

Suj.5H: Políticos que foram expulsos do partido por serem radicais, e por não aprovar

reformas que não “batiam” com os ideais políticos a atitude seria de não apoiar o governo. Porém

como bons políticos deveriam estar trabalhando juntos para tentar achar soluções para o caos social

que estamos vivendo junto ao governo.

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Suj.6H: A atitude da Vovó Radical é errada pois se pertencem ao mesma “ família “

deveriam estar lutando por um mesmo ideal

Suj.8H: Eu acho que a Vovó Radical está certa ao agir dessa forma, porque Lulinha não

pode ir mudando o seu posicionamento quando bem entender. Quando ele entrou para o PT, ele era tão

radical quanto a tal “ala radical”. Essa ala, na verdade, está defendendo os seus ideais, que são, muitas

vezes, os mesmos de muitos brasileiros, como, por exemplo, a da rápida reforma agrária.

Suj.9C: Dentro do atual sistema de governo não há espaço para as verdadeiras

transformações que precisam ocorrer no Brasil, apenas para reformas que obedecem às exigências dos

órgãos neoliberais internacionais, como as reformas previdenciária, tributária e universitária. Assim, é

preciso manter-se íntegro quanto às posturas políticas, como se mantiveram as “Vovós Radicais”, para

que sejam reais as possibilidades de transformações no Brasil.

Suj.10C: Extremada, assim como agem os radicais.

Suj.11C: E necessário adotar posições mais flexíveis ao se tratar de governar um país

com tantos problemas econômicos e sociais

Suj.12C: Eu concordo com a atitude da “Vovó Radical” pois ela se sente traída pelo

próprio neto, no caso. Foi assim com a ala radical do PT, que não concordou com a mudança de

posicionamento e das propostas do partido após a eleição.

Suj.14C: Eu acho que pessoas de um mesmo partido deveriam está em comunhão com

suas idéias, por isso eles deveriam apoiar o Lula.

Suj.15C: É uma atitude ridícula. Os radicais do PT se preocupam mais com sua imagem

de “revolucionários” do que com o próprio futuro e com as necessidades do país.

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Categoria 2: Respostas inadequadas

Suj.2H: A atitude dela foi a mais esperada possível. Mesmo antes de Lula ser eleito ela já

era contra a ele, não seria depois dele estar no governo que ela iria ficar a favor.

A resposta apresentada pelo sujeito 2, acima, foi considerada inadequada uma vez

que, nos pareceu apresentar uma informação não confirmada pelo texto e, talvez, que

contradiga o próprio texto. O sujeito 2 faz movimentos anafóricos um pouco confusos, o que

nos permite concluir que a Ala Radical do PT estava contra Lula, quando este ainda não era

presidente. Essa informação não encontra respaldo nem no contexto político a que se refere e

nem na crônica de Scliar. Uma das falas da “Vovó Radical” no texto indica que a “Vovó”

acreditava em “Lulinha”: “Enquanto esperava essas suas reformas, transformei-me por

completo. E agora...” e só se “transformou diante da demora das reformas.

Suj.3H: A vovó radical foi realmente radical, por não apoiar mais o governo de Lula. Ele

só quer consertar os problemas que o FHC deixou, e contava com o apoio do povo que não vê que é

necessário tais reformas para o desenvolvimento do país. Se a vovó radical parasse um pouco para

olhar o que Lula realmente está fazendo, veria que o Brasil só tem a crescer com ele no governo.

Suj.7H: Acredito que, realmente, a atitude da vovó tenha sido um pouco“radical”. Um

ano e meio de governo, para alguém que estréia na carreira política, em um cargo de responsabilidade

extrema como a presidência da república, é um período relativamente curto. Mas as urgências sociais

são gritantes e realmente é preciso que o povo faça ouvir a sua voz, até porque vivemos em um

regime democrático. Acredito que a revolta social exista, mas também acredito que o governo Lula

ainda pode presentear o povo com reformas de qualidade.

Os sujeitos 3 e 7, acima, apresentam seu ponto de vista com clareza, mas, ainda

assim, as respostas foram consideradas inadequadas. Os alunos apresentam seus argumentos

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baseados em uma informação que não pode ser confirmada pelo texto. Ao dizer que a Vovó

Radical representa o povo, eles constroem uma mescla diferente daquela prevista pelos

elementos da crônica. A “vovó” do espaço da ficção deveria ser mapeada com o elemento

“Ala radical do PT” do espaço da realidade e não com o “povo”, mapeamento apresentado por

esses leitores.

Suj.13C: Acho errada pois um pais so pode crescer com a mutua ajuda de todos da

nação. Não pode haver desavenças , principalmente entre o presidente e o senado.

A resposta 13 foi considerada inadequada pela mesma razão das duas respostas

anteriores, com a diferença de que, nesse caso, o aluno constrói a mescla, tendo o senado

como um dos espaços de input.

Balanço geral da questão:

De maneira geral, podemos dizer que os leitores perceberam o uso de metáforas

no texto, ativaram espaços diferentes na construção do sentido, gerando interpretações

elaboradas e que revelam a ativação e integração de diferentes espaços mentais.

Algumas respostas foram consideradas inadequadas em virtude da produção de

inferências e de relações que não são legitimadas pela crônica e, ainda, em virtude de

problemas com a escrita, que acabaram por interferir na qualidade das respostas.

De maneira geral, não podemos atribuir ao formato (com exceção da questão de

localização de informação) influência sob a qualidade das respostas. As respostas foram

fortemente influenciadas, mas por fatores relacionados aos conhecimentos prévios e ideologia

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dos leitores e pelo próprio material textual (nas vezes em que elementos do próprio texto

possibilitavam a criação de espaços mentais não previstos em nossa grade de resposta).

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CITAÇÃO ORIGINAL

(11) “Spaces represent such diverse things as hypothetical scenarios, beliefs, quantified domains, thematically defined domains, fictional scenarios, and situations located in time and space. As discourse unfolds, the language user extends existing spaces by adding new elements and relations to the cognitive models already evoked. The need for new spaces can be prompted either explicitly by space builders or implicitly by the knowledge of the current importance of an alternative domain of reference.” (Coulson,2001:22)

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"Um passo à frente... e você não está mais no mesmo lugar."

(Chico Science)

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CAPÍTULO 6: CONSIDERAÇÕES FINAIS

6.1 – Sobre a organização do capítulo

Os resultados e as análises apresentados nos capítulos anteriores sugerem algumas

respostas às perguntas feitas no capítulo de Introdução, mas também suscitam outras questões.

Apresentamos, neste capítulo final, uma síntese de nosso trabalho e algumas considerações

sobre perspectivas teóricas e práticas, que decorrem das observações realizadas aqui.

6.2 – A pesquisa

A fim de verificar se o formato de apresentação textual interfere no

processamento da leitura, foi feito um experimento em que duas versões da mesma crônica

foram criadas: uma hipertextual e outra contínua. Os informantes dessa pesquisa deveriam ler

os textos e responder a um questionário que visava avaliar as seguintes habilidades de leitura:

compreensão global, localização de informação, produção de inferência e manifestação de

opinião.

A hipótese que guiava este trabalho era a de que não haveria diferenças

significativas na leitura dos diferentes formatos, uma vez que acreditamos que todo texto e

toda leitura são hipertextuais.

Tendo em vista os resultados quantitativos desta pesquisa, podemos dizer que o

formato hipertextual gerou alguma vantagem na leitura da crônica. O resultado global desta

pesquisa apresenta 75% de acertos para a versão hipertextual contra 58,9% da versão

contínua. Os resultados globais encontrados nesta Dissertação são corroborados pelos

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resultados globais encontrados nos experimentos (gêneros com imagem) realizados por

Coscarelli (2005c). Neles, o hipertexto apresentou 86% de acertos, contra 78% da versão

contínua.

Os resultados obtidos, tendo em vista o agrupamento das questões de mesma

habilidade, apresentam uma variação do desempenho entre um formato e outro. Nas

habilidades de compreensão global e opinativa, o formato contínuo apresentou um melhor

desempenho: 85,7% x 75% e 85,7% x 62,5%, respectivamente. Já nas habilidades de localizar

informação e de produzir inferência, o formato hipertextual foi o que apresentou vantagem:

87,5% x 71,4% e 71,8% x 39,25, respectivamente.

Desses resultados, esperávamos vantagem para o formato hipertextual apenas na

questão de localização explícita, uma vez que esse formato tende a favorecer a localização de

informações específicas que estão dispostas nos links do texto. O acesso rápido e fácil à

informação é um dos aspectos positivos do hipertexto já apontado por teóricos como Rouet et

al (1996) e Landow (1992). Os links facilitam o acesso (Landow, 1992:225) a informações

específicas, fazendo com que os leitores recorram ao texto para localizar uma informação com

maior freqüência do que o fariam no texto contínuo, em que essa busca requer que todo o

texto ou muitas partes dele sejam percorridos.

A análise qualitativa, porém, fornece evidências para que afirmemos que a

adequação ou inadequação das respostas não apresenta uma relação direta com o formato

hipertextual, com exceção da questão que avaliava a habilidade de localização de

informação.Esse resultado também é corroborado pelos resultados gerais da pesquisa

realizada por Coscarelli (2005c). Com relação às outras habilidades de leitura, não nos é

permitido afirmar, tomando como base a análise qualitativa, que qualquer um dos dois

formatos exerça alguma influência sobre elas. Todas as respostas, sejam elas adequadas ou

não, evidenciam um processo cognitivo hipertextual, com produção de ricas inferências e

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analogias, criação, articulação e integração de diferentes espaços mentais. A inadequação de

algumas respostas apenas evidencia a construção de relações (hipertextuais) diferentes

daquelas previstas por nós. Essa diferença foi provocada por fatores extralingüísticos, tais

como acionamento de frames, conhecimento prévio, ideologia, que sabemos ser decisivos em

todo processo de leitura.

Sendo assim, nos é permitido afirmar que a análise qualitativa comprova a nossa

premissa de que a leitura é um processo hipertextual, uma vez que evidencia a produção e

integração de espaços mentais (Fauconnier e Turner, 2002), possibilitadas, inclusive, pelos

conhecimentos prévios dos informantes. Acreditamos que o fato de a crônica versar sobre um

tema político, e polêmico, fez com que os informantes desconsiderassem algumas marcas

textuais deixadas pelo autor para que fosse(m) construído(s) o(s) sentido(s) pretendidos por

ele, possibilitando acionamentos e integrações de diferentes espaços, que iriam evidenciar,

por sua vez, o pensamento e a ideologia dos leitores informantes desta pesquisa. Ainda que

muitos leitores não tenham respondido a todas as questões da maneira como prevíamos em

nossa grade de resposta (o que já era esperado), eles operaram cognitivamente de forma

hipertextual, revelando a produção de outras igualmente ricas redes de relações de sentido.

Os resultados encontrados nesse experimento nos permitem fazer algumas

considerações e questionamentos que serão apresentados nas próximas seções.

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6.3 – Considerações teóricas

Em se tratando, principalmente, dos resultados obtidos na análise qualitativa desta

pesquisa, podemos dizer que o arcabouço teórico empregado possibilitou-nos evidenciar que

o processo de construção de sentido é um processo complexo, que envolve inúmeras

operações cognitivas, culturais e sociais. Acreditamos que essa teoria pode ser usada para

explicar como (e por que) os nossos alunos nem sempre respondem da maneira que

gostaríamos/ esperávamos.

A Teoria dos Espaços Mentais e a Teoria da Mesclagem se mostraram eficientes

na lide com o hipertexto, apesar de não mencionarem todos os processos envolvidos na

leitura. É nesse sentido que julgamos coerente, no capítulo teórico, também apresentar o

Modelo Reestruturado de Leitura (Coscarelli,1999) que, ao nosso ver, vai ao encontro da

perspectiva dessas teorias. Não é possível, através da análise das respostas, comprovar se os

processos anteriores àqueles que são explicados pela Teoria dos Espaços Mentais e da

Mesclagem ocorrem de forma hipertextual. Entretanto, acreditamos que o Modelo

Reestruturado de Leitura, ao propor o processamento em paralelo dos domínios (lexical,

sintático, semântico) junto com a Teoria dos Espaços Mentais e da Mesclagem, nos forneça

um arcabouço teórico consistente e coerente com a nossa crença de que operamos de forma

hipertextual na leitura.

6.4 – Considerações práticas

Algumas questões práticas podem ser levantadas a partir deste trabalho. Uma

dessas questões está relacionada à necessidade de novas pesquisas que tenham o hipertexto

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como objeto de estudo, uma vez que ainda são poucos os que se ocupam deste tema. Podemos

nos perguntar se os resultados encontrados nesta pesquisa, decorrentes tanto da análise

quantitativa como da qualitativa, seriam os mesmos se lidássemos com

diferentes objetivos de leitura;

leitores não proficientes;

leitores não familiarizados com o computador;

outras habilidades de leitura.

Outra importante questão estaria relacionada com o ensino: as novas tecnologias

já estão na escola, mas até que ponto elas favorecem o processo de ensino-aprendizagem? Em

que aspectos e como o formato hipertextual pode ser mais eficaz em situações de ensino

aprendizagem?

Essas são questões importantes e que precisam ser respondidas para que o

hipertexto possa ser utilizado de maneira ainda mais proveitosa, principalmente, nas

instâncias educacionais, através de uma prática efetiva que proporcione aos nossos alunos um

maior desenvolvimento cultural e cognitivo.

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ANEXOS

Os anexos (arquivos de respostas dos informantes desta pesquisa) estão presentes

em CD, que acompanha esta Dissertação.

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ABSTRACT

This work is guided by the hypothesis that we have no reason to believe that

reading hypertexts could be different from reading a linear text. We consider every text as

hypertext and every reading act as a hipertextual process. In order to verify whether the

format of the text interfere on reading, an experiment was elaborated using a chronicle. Two

versions of the chronicle was created: a hipertextual and a continuum one. Both were read by

the students that took part as subjects of this research. After reading the texts, the readers

answered a questionnaire with questions elaborates in order to evaluate the following reading

abilities: global understanding, finding explicit information, produce inference, and give an

opinion. The results were compared and all the answers were analyzed taking the Blending

Theory of Fauconnier e Turner (2002) as support, in order to show that we deal with mental

spaces, establishing relations and connections between them to built meaning.

Key Words: Hipertext, Reading, and Conceptual Blending.

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