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I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015
Comunicação e participação política: o debate online no Vote na Web sobre o
Programa Mais Médicos1
Camila Lângaro Becker2
Fabiana Flores de Carvalho Galinari3
Resumo
Este artigo pretende discutir as potencialidades e limitações do uso das Tecnologias de Comunicação e Informação (TCIs)
como instrumento de participação dos cidadãos em processos políticos. Assim, o trabalho desenvolve conceitos como
esfera pública e deliberação na web, a fim de compreender a importância da discussão de temas de interesse público no
âmbito social, capazes de constituir as redes de comunicação pública. Para isso, analisa o debate online ocorrido no site
Vote na Web sobre o lançamento do programa Mais Médicos (entre 4 e 5 de julho de 2013) a partir de uma perspectiva
deliberacionista e do entendimento de uma aproximação entre a sociedade civil e a esfera política promovida por
ferramentas de comunicação pública. E, por fim, busca ainda refletir sobre as relações entre dispositivos oferecidos na
internet com práticas de argumentação e inclusão de cidadãos na política e, consequentemente, sobre a importância das
TCIs para a qualificação da democracia.
Palavras-chave: Comunicação Pública, Deliberação online, Esfera Pública, Mais Médicos, Vote na Web.
Introdução
Este artigo propõe uma reflexão acerca das potencialidades e limitações do uso das
Tecnologias de Comunicação e Informação (TCIs) como instrumento de participação dos cidadãos
em processos políticos, tendo em vista a força atual das redes sociais e fóruns na internet como espaço
de aproximação entre a esfera civil e os assuntos políticos. Sendo assim, busca-se problematizar se (e
como) as TCIs vêm servindo à ampliação da conversação cívica sobre assuntos de interesse coletivo,
contribuindo, assim, para se pensar a democracia.
Esse exercício pode ser entendido a partir do conceito de comunicação pública que pretende
definir os modos de comunicação desencadeados pela participação pública, a partir do debate sobre
temas de interesse público. Como exemplo da importância de tal debate para o exercício político,
como decisões de governo e lançamento de políticas públicas, este artigo examina os recursos de
participação e a troca argumentativa presentes no portal Vote na Web entre os dias 4 e 5 de julho de
1 Trabalho apresentado no GT Democracia e Participação Política do I Seminário Internacional de Ciência Política. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (PPGCOM/UFRGS). Bolsista CAPES, e-mail: [email protected]. 3 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (PPGCOM/UFRGS). E-mail: [email protected].
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2013 4– dias que antecedem a segunda-feira, de 8 de julho - data de anúncio do programa Mais
Médicos do Governo Federal como Medida Provisória.
O lançamento do Mais Médicos deu-se em um momento de grande visibilidade política, pós-
manifestações populares em todo o país. As chamadas “Jornadas de junho” levaram milhares de
brasileiros às ruas para reivindicar mudanças estruturais na política do país e protestar contra o
governo em um período de grande tensão política: ano pré-eleitoral e pré-Copa do Mundo. A Lei nº
12.871/2013, que institui o programa no Brasil, se tornou foco de polêmica, ganhando espaço nos
meios de comunicação de massa e temática de debates entre cidadãos em diferentes âmbitos,
incluindo o ciberespaço. O processo da chamada "importação" de médicos tornou-se assunto
controverso e alvo de duras críticas de associações representativas da categoria, de alguns estudantes
da área da saúde e de membros de oposição ao governo.
Nesse contexto, o site Vote na Web apresenta-se como um espaço onde são disponibilizadas
informações de forma interativa para os cidadãos sobre discussões da arena legislativa propostas por
seus representantes. A ideia do portal é viabilizar uma dinâmica de participação, fiscalização e
debates, em que o indivíduo, ao se cadastrar, possa votar de modo simbólico no que acredita ser
relevante ou não para a sociedade.
E, para entender melhor como se relacionam os dispositivos oferecidos na internet para as
práticas de interação e participação de cidadãos em decisões políticas e a importância das TCIs para
a qualificação da democracia, lançamos mão de alguns autores que nos auxiliam na análise de nosso
objetivo. Habermas (1997), Benhabib (1996), Marques (2009), entre outros, nos ajudam a debater
conceitos como esfera pública e deliberação. Já Esteves (2011ab) e Weber (2006, 2007, 2011) nos
servem para a compreensão do papel da comunicação pública e dos tensionamentos relativos à
visibilidade da cena política. Enquanto que a relação entre o engajamento cívico em questões políticas
e a oportunidade de um espaço público de discussão e participação política experimentado pelas TCIs
terão base em autores como Dalhlgren (2005), Maia e Gomes (2008).
Reflexões sobre a esfera pública e a deliberação
A perspectiva deliberacionista nasce como uma opção de reformular uma teoria da democracia
a partir de dois modelos de tradições teóricas: o liberal (centrado em interesses privados, voltado para
um ideal de liberdade individual) e o republicano (assentado na ideia de uma soberania popular).
4 Disponível em: http://www.votenaweb.com.br/projetos/pls-34-2011. Último acesso em: 7 de agosto 2015.
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Habermas (1997) busca conciliar estas duas tradições, propondo um modelo procedimental de
legitimidade democrática.
Na deliberação, a competência dos indivíduos para o diálogo é solicitada, num jogo onde as
diferenças têm de ser superadas em prol de um entendimento mais apurado sobre determinada questão
ou problema, ou em alguns casos, com vistas a sua resolução. Desse modo, a deliberação deve
estabelecer formas de comunicação que garanta a legitimidade das políticas públicas, viabilizando
articulações discursivas nos espaços públicos entre o discurso institucional e a conversação cívica
entre os cidadãos, que integram as redes comunicacionais periféricas do espaço público político
(HABERMAS, 1997).
A publicidade, a racionalidade e a igualdade são exigências normativas que definem a
natureza do processo democrático. O estabelecimento de princípios formais de interação busca
garantir a legitimidade de normas e de alternativas capazes de regular os conflitos nas sociedades
pluralistas, marcadas, sobretudo, pelo conflito e pelo choque entre variadas e distintas demandas,
necessidades e identidades (HABERMAS, 1997). E sob essa perspectiva, os problemas sociais ou as
disfunções dos sistemas sociais que se fazem presentes na vida dos sujeitos, nos dá indícios para
pensar a forte influência que a esfera privada mantém sobre a esfera pública. “No início, tais
experiências elaboradas de modo privado, isto é, interpretadas no horizonte de uma biografia
particular, a qual se entrelaça com outras biografias, em contextos de mundo da vida comuns”
(Habermas, 1997, p.98).
Os engajamentos em conversações políticas são essenciais para a absorção e entendimento
mais apurado da informação por parte dos indivíduos. “As pessoas que discutem política com outras
são mais aptas a adquirir uma compreensão mais aprofundada sobre fatos políticos e sobre as
informações que recebem por meio dos media do que aquelas que não o fazem” (Rousiley, 2008,
p.205).
Rousiley (2008) ainda nos alerta para o fato de que o debate entre indivíduos com opiniões
opostas é relativamente comum, no entanto, raramente observamos um esforço argumentativo e
contra argumentativo por parte desses indivíduos de forma sistemática e rigorosa. “A troca
argumentativa, em torno de tópicos sensíveis, como conteúdos relativos a preconceito e injustiça,
pode levar os participantes a suspender o diálogo de forma inesperada. Ainda assim, alguns
indivíduos podem escolher se posicionar de maneira diplomática” (Rousiley, 2008, p.207).
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Habermas (1997) explica que a esfera pública se constitui, na maioria das vezes, a partir da
atividade comunicativa organizada por diferentes pessoas que dialogam sobre assuntos que os afetam,
assumindo posições, trocando argumentos e justificando-os diante das dúvidas dos parceiros de
interação. Para o autor, “a esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a
comunicação de conteúdo, tomadas de posição e opiniões, onde os fluxos comunicacionais são
filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas agrupadas em temáticas
específicos” (Habermas, 1997, p.92).
De modo igualitário, fazem parte de um processo democrático de problematização e de
tratamento público das questões de interesse geral, tanto as deliberações que acontecem nas esferas
públicas parciais articuladas pelas redes comunicativas quanto as deliberações desenvolvidas pelos
atores formais em contextos decisórios (MARQUES, 2006).
Nas deliberações, os sujeitos devem entrar em consenso definindo as dinâmicas, as regras e
os princípios normativos para garantir a validade do processo na deliberação pública. Para tanto,
alguns preceitos específicos devem se fazer valer, tais como: a) igualdade, b) publicidade, c)
reciprocidade, d) reflexividade, e) accountability (prestação de contas), f) autonomia, g) ausência de
coerção e h) respeito mútuo. Assim, o engajamento de participantes na deliberação depende de um
empenho para desenvolver suas razões de modo que elas possam ser entendidas e recebidas, além de
viabilizar debates e compreender suas necessidades num processo de reflexão e análise ampliada de
pontos de vista (MARQUES, 2006).
Sob este ideal deliberativo que prevê critérios para a ocorrência de um processo legítimo,
Esteves (2011b) ainda afirma que, para existência de um público crítico e ativo, a transformação de
um cidadão em ator social teria início através de sua excitabilidade intelectual sobre um tema. E para
fazer o uso público da razão, em conversações e debates sobre temas de interesse público, o papel da
comunicação é essencial, assim a como sua universalização. Isto é, a liberdade na tematização dos
debates e a igualdade na participação dos processos comunicacionais, assim como a garantia da
diversidade de opiniões do processo argumentativo e da valorização da singularidade, são
características essenciais à existência da deliberação e, consequentemente, da comunicação pública.
Perspectivas da comunicação pública
Pensando, então, o espaço público como um lugar de interação de discursos sobre temas que
mobilizam o coletivo, o temos como o cenário em que ocorre a chamada comunicação pública. A
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comunicação pública pode ser entendida como uma rede constituída simbolicamente a partir de temas
relevantes ao interesse público (WEBER, 2011) e que se dá a partir de uma relação comunicacional
entre os diferentes âmbitos social, político e midiático. Incluindo instituições governamentais, civis
e organizações privadas de mercado, é por meio dela que se torna possível um lugar de enfrentamento
de diferentes vozes da sociedade através da articulação e publicização de assuntos e propósitos
comuns apresentados sob distintas estratégias e versões.
[...] a comunicação pública atua como um medium por excelência da
cidadania, colocando à disposição do conjunto da sociedade – dos
destinatários em geral dos atos de governação, ou seja, de todo e qualquer
indivíduo que apresente condições para fazer uso da sua própria razão
(ESTEVES, 2011b, p. 202).
Tal processo de comunicação serve de instrumento à intervenção dos sujeitos em suas vidas
políticas e à promoção de ações sociais. Para Esteves (2011b), a comunicação pública é compreendida
a partir de um modelo normativo de empoderamento dos cidadãos na estruturação de uma democracia
de caráter deliberativo e da construção da cidadania participativa. Essas redes complexas e sistemas
comunicacionais constituem-se, dessa forma, como elemento fundamental ao funcionamento da vida
democrática, tomando em consideração uma perspectiva de valorização do debate, da argumentação
e discussão racional sobre temáticas relativas ao bem comum e da ação crítica da sociedade civil em
processos políticos.
E compreendendo a esfera pública como “parte de uma engrenagem social voltada para a
solução coletiva” (Gomes, 2008, p.120), percebemos a essencialidade do conhecimento e do acesso
a informações por parte dos cidadãos a assuntos de relevância social. A comunicação pública, nas
dimensões performativa e pragmática, vai além de um processo meramente discursivo, de debate de
assuntos ou temáticas, e tem como ideal central a mobilização social na esfera política e a
transformação, em alguma medida, da realidade dos atores. A ideia desse fluxo de comunicação é
servir ao regime democrático para além do exercício de representação. Através da percepção do
mundo em que os sujeitos se inserem, a prática na vida política se daria como um estilo de vida, que
permeia os modos de ser e agir dos cidadãos no cotidiano, e não somente de ocorrência esporádica,
exercida no momento das eleições (ESTEVES, 2011b).
Ao tratarmos da comunicação como uma dinâmica de trocas e disputas qualificadora dessa
perspectiva democrática, entende-se o papel dos meios de comunicação de massa na
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contemporaneidade como uma importante estrutura simbólica de disseminação de discursos a
respeito da política e da realidade social dos sujeitos. Ao promoverem um fluxo abrangente e de
grandes audiências, os media apresentam-se como centro da circulação de informações sobre o
cotidiano, exercendo, assim, forte influência sobre a percepção dos cidadãos sobre a sociedade em
que vivem. Ao mesmo tempo, constroem uma esfera de visibilidade midiática que “promove uma
complexa relação entre os atores das instâncias formais do sistema político e aqueles da sociedade
civil, bem como entre a política e a cultura” (Maia, 2008, p.165).
Sendo a esfera política cada vez mais atravessada pelos meios de comunicação de massa em
sociedades complexas, questiona-se um tensionamento nos processos de negociação, argumentação
e criação de consensos sobre questões de interesse público e coletivo. Como espaço privilegiado, os
media contribuem à visibilidade e à discutibilidade de temas políticos, “embora marcado por
profundas assimetrias na estruturação da comunicação dos atores sociais” (Maia, 2008, p.167). Sobre
a importância da visibilidade na perspectiva da deliberação, Gomes (2008) afirma:
a) a esfera pública deliberativa precisa da exposição da esfera de visibilidade
pública para cumprir o seu papel de discussão aberta a todos os concernidos.
Numa sociedade de massa, a disponibilidade e a acessibilidade,
características essenciais da esfera do debate público, podem garantir-se
apenas formalmente – o que equivale a perder-se – se não se convertem em
visibilidade; b) a esfera de visibilidade pública torna disponíveis, ainda que
na maior parte das vezes não os produza, os temas de interesse público que
são introduzidos no debate público ou que provocam instalação de debates
públicos, internos ou externos à própria cena pública (GOMES, 2008, p.136).
Sobre a negociação pela visibilidade e repercussão de temas que contribuirão para o debate
público, reforça-se a importância da informação para tal processo. O acesso a ampliado de
informações é entendido como enriquecedor da comunicação pública e da democracia em seu sentido
cívico (ESTEVES, 2011a).
A informação é um recurso indispensável para a normal construção de
práticas discursivas, sendo estas, por sua vez, vitais nos processos
deliberativos: mais informação, informação de melhor qualidade, facilidades
de acesso e processamento de informação, tudo isto são factores de
qualificação das práticas discursivas e, como tal, da deliberação que na sua
base poderá concretizar-se (ESTEVES, 2011a, p.37-38).
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Além da visibilidade de temas proporcionada em grande escala pelos meios de comunicação
de massa, no que toca a visibilidade na esfera política, Weber (2011) afirma a importância da relação
da repercussão de informações em diferentes âmbitos discursivos. Para a autora, a comunicação
pública por parte do Estado também se dá na busca pelo controle da imagem pública de instituições
e atores políticos que “concorrem a comunicação que produzem, a comunicação midiática, as
mediações e as opiniões de indivíduos e grupos” (p. 102). A visibilidade seria, assim, uma das
principais estratégias de sustentação do sistema de comunicação do Estado e de manutenção do
processo de accountability, que se revela através de uma “imperiosa necessidade de tornar visíveis e
acessíveis informações” (Weber, 2011, p.103).
Tal necessidade de dar a ver ações e discursos da esfera política indicam a importância da
visibilidade nos processos de construção de legitimidade e credibilidade das políticas de Estado, do
modo de governar e de representar. Segundo Weber (2011, p. 113), revelar ações e amplificar temas
e informações de interesse público “permite ocupar espaços no debate público e disputar
credibilidade”. Na promoção e divulgação de projetos e atores políticos, está em jogo o
reconhecimento das instituições governamentais e sua imagem pública, a partir da formação da
opinião pública dos cidadãos. Sobre o reconhecimento político, “a imagem pública tem como estatuto
as disputas e os pactos estratégicos em busca de credibilidade dependente da ação política, da
visibilidade pública e dos complexos processos de recepção individuais e coletivos” (Weber, 2011,
p. 115).
Sendo assim, sob a perspectiva da comunicação pública, entende-se que, nessa relação em que
se sobrepõem interesses públicos e privados, há uma constante negociação da ocupação do imaginário
social. Essa disputa se torna possível quando o Estado estabelece, através de seus sistemas de
comunicação, a comunicação com o cidadão, o que “viabiliza um salutar enfrentamento simbólico
com as informações e notícias circulantes na esfera midiática” (Weber, 2011, p. 115). A partir da
contestação de diferentes discursos e verdades expostos no espaço público, abre-se, assim, a
possibilidade de participação do cidadão-eleitor na política, subsidiado com informações para o
debate público e para a deliberação a respeito de temas e questões que tocam o coletivo.
A comunicação da internet: um espaço público para a deliberação política?
O armazenamento de notícias, debates políticos, propagandas eleitorais e as ações do poder
público constituem o caráter democratizante da internet que, ao dar voz e oportunidades ao cidadão,
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apura sua compreensão sobre decisões governamentais. Para alguns, a internet assume uma função
complementar da democracia representativa, enquanto para outros, seu potencial pode viabilizar
muitos dos problemas que fizeram da democracia direta um ideal impraticável. Para além do modelo
de transmissão de mensagens dos media tradicionais, as relações entre esfera política e esfera civil
pode ser, de alguma forma, facilitada no ambiente online.
A partir dos anos 1990, a internet trouxe consigo enormes expectativas no que diz respeito à
renovação das possibilidades de participação democrática. De acordo Gomes (2008), a esperança era
de uma internet como ideal de renovação da esfera pública e da democracia participativa, onde quase
todas as formas de ação política por parte da esfera civil, pudessem ser realizadas na rede.
De acordo com Gomes (2008), são dois os temas que recebem maior enfoque pela literatura
da internet no que se refere a extensão das possibilidades de participação política. O primeiro, seria
o revigoramento da esfera da discussão pública como efeito direto da entrada em cena de um novo
meio de comunicação política. O outro, estaria ligado ao potencial da internet de superar o déficit
democrático dos tradicionais meios de comunicação de massa (GOMES, 2008).
Na perspectiva primeira, os requisitos básicos da teoria normativa de Habermas sobre a esfera
pública democrática seriam atendidos. A ampliação ao acesso, a comunicação não-coercitiva, a
liberdade de expressão, a agenda irrestrita, a participação para além das instituições políticas
tradicionais e a constituição da opinião pública mediante processo de debate. Estes requisitos apontam
a internet como situação ideal de comunicação.
O segundo ponto de vista trata da limitação dos media tradicionais em contraste com o
potencial interativo da internet. A edição jornalística filtra e controla os conteúdos antes que estes
cheguem aos destinatários, já na internet se faz possível um diálogo de mão dupla. Além disso, fatores
como a redução de custos para o recebimento e propagação de informações garante uma aproximação
entre agentes políticos e eleitores.
Sobre a relação dos media com o que chama de uma crise atual da comunicação pública,
Esteves (2005) indica ainda um fechamento dos media em relação ao espaço público e à participação
cívica, através de uma luta simbólica de recursos (técnicos de difusão, redes de informação) desiguais
pelas palavras, pelas imagens e pela produção de sentidos.
A mudança em causa permite-nos identificar uma situação de verdadeira crise
ao nível da comunicação pública, cujo traço mais marcante se poderá definir
deste modo: os media organizados em função de interesses particulares e um
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universo de comunicação cada vez menos livre e autônomo, limitado na sua
capacidade de exprimir as dinâmicas sociais e apresentando-se com um
caráter técnico-instrumental cada vez mais marcante (ESTEVES, 2005, p.
14).
Gomes (2008) também aponta alguns problemas e restrições que a internet enfrenta em seus
limites, no que se refere a sua contribuição às democracias modernas. São estas: i) a falta de
informação política qualificada, ii) a desigualdade de acesso, iii) a cultura política que reflete apatia
e a falta de interesse dos cidadãos sobre conteúdos de cunho político, iv) o fato de a mudança do
ambiente da comunicação não reconfigurar automaticamente o ambiente político nem as convicções
que o acompanham, v) o anonimato que em muitas situações promove o ódio e a discriminação, vi)
além da perspectiva panóptica, que coloca nas mãos de Estados e instituições privadas, o controle de
dados de milhares de pessoas.
O acesso a informação, de certa forma ampliado pela internet, é um dos elementos
fundamentais para promoção da democracia deliberativa pois qualifica as práticas discursivas. “Os
limites a uma maior democraticidade do digital não são propriamente de ordem tecnológica, mas
política: não é a internet a grande ameaça à nossa democracia, mas muito mais uma dada ordem social
e política – a nossa – que cria, por vezes, grandes limitações à Internet” (Esteves 2011b, p.36).
Dahlgren (2005) vê a internet como uma influência importante no fomento de uma nova
esfera pública, pois ela viabiliza o aumento da capacidade de discussão, de interação e participação
cívica, mas não poderá de forma alguma consertar os “erros” da democracia desenvolvidos no mundo
offline. O autor acredita que a internet deve ser analisada num contexto de crise da democracia e,
especialmente, dos mecanismos de comunicação política. Independentemente dos problemas que
possam advir da introdução da internet na esfera pública, ela já tem produzido um impacto positivo,
na medida em que leva à sua ampliação e pluralização.
É preciso, no entanto, ponderar, com base no fato de que o uso da internet para fins políticos
é claramente menor em comparação a outros fins a que se destina. A deliberação democrática é
completamente ofuscada pelo consumismo e entretenimento. Além disso, o caráter comunicativo da
discussão política nem sempre promove o ideal cívico (DAHLGREN, 2005).
Para Dahlberg (2007), a internet proporciona um espaço de discussão em que os atores
articulam e criticam a validade das informações, de modo local, nacional e internacionalmente. A
multiplicidade de comentários e pontos de vista online se cruzam, formando enclaves deliberativos,
onde as posições dos grupos e as práticas podem ser reforçadas e abertamente criticadas.
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O autor acredita ainda, que a mídia massiva tem falhado em contraste com a internet, que
promove e oferece aos cidadãos a oportunidade de um encontro interativo e o envolvimento com
diversas posições, alargando a esfera pública. Fatores importantes que limitam o debate online
reflexivo e aberto, incluindo as desigualdades no acesso e na participação, bem como a dominação
corporativa online e a censura, atenção e vigilância do Estado, tem de ser levados em consideração
(DAHLBERG, 2007).
O debate sobre o Mais Médicos no portal Vote na Web
Considerando esses diversos olhares sobre as possíveis contribuições e limitações da internet
na ampliação de espaços de envolvimento político nas democracias, propomos a análise dos processos
de interação e deliberação ocorridos no site Vote na Web. Criado no final do ano de 2009 pela
empresa Webcitizen2, o portal se declara apartidário na pretensão de facilitar a compreensão do
cidadão sobre as políticas públicas do poder legislativo propostas por seus representantes. O site
viabiliza uma dinâmica de participação, fiscalização e debates, em que o indivíduo, ao se cadastrar, é
capaz de votar de modo simbólico no que acredita ser relevante ou não para a sociedade. Após a
coleta de opiniões, o Vote na Web compara os votos dos usuários com os dos políticos, além de deixar
disponível informações sobre quem são os parlamentares, o que propuseram e de que região são.
Da mesma forma, entendendo a internet também como uma ferramenta que serve à rede de
comunicação pública quanto à propagação de assuntos de interesse público, escolhemos para a análise
manifestações e discussões de usuários do Vote na Web a respeito do projeto de lei que instituiu o
Mais Médicos no Brasil. A Medida Provisória que criou o programa foi anunciada no dia 8 de julho
de 2013 pela presidente Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), e fez parte de um
conjunto de políticas públicas para a área da saúde. O plano trazia determinações como a ampliação
do tempo de formação em curso superiores de medicina, a obrigatoriedade do trabalho no Sistema
Único de Saúde (SUS) para os estudantes da área e a contratação de médicos estrangeiros para o
trabalho em áreas remotas do país.
O Mais Médicos foi anunciado após a divulgação de sucessivas pesquisas feitas por órgãos
oficiais que apontavam a desigual demografia médica no Brasil, indicando a carência de profissionais
em diversas regiões do país. O objetivo, assim, era abrir cerca de 10 mil vagas para atuação exclusiva
na área de atenção básica no Norte e Nordeste, periferias de grandes cidades e municípios do interior
em todo o país. A medida foi lançada junto ao “Pacto Nacional pela Saúde” e tais vagas seriam
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destinadas, inicialmente, a profissionais com diploma obtido no Brasil ou certificados pelo Revalida,
exame necessário aos médicos formados no exterior que desejam praticar a medicina no país.
Até o projeto tornar-se lei, em 22 de outubro de 2013, foram expostos nas ruas e no palco
midiático paralisações, protestos e boicotes da classe médica em resposta a algumas medidas,
denúncias de ações de racismo e xenofobia sofridas pelos médicos estrangeiros, além de acusações
ao governo do PT a respeito de irregularidades na contratação dos profissionais cubanos e
investigações do Ministério Público do Trabalho. Nesse cenário, se construiu o embate central de
disputas de versões e estratégias discursivas entre as esferas política, social e midiática.
A partir disso, a breve análise realizada neste artigo baseou-se em duas perspectivas: da
comunicação pública e da deliberação. O material empírico usado é parte de uma seleção prévia de
comentários inseridos no portal Vote na Web, entre os dias 4 e 5 de julho de 2013. O período em
questão foi considerado relevante, pois é relativo à semana do anúncio do programa Mais Médicos
pelo Ministério da Saúde, em meio a protestos e manifestações, e nele foi identificado um grande
número de trocas de mensagens entre os participantes.
Recursos para a participação e o diálogo
A análise do portal Vote na Web parte da compreensão da internet e das TCIs como parte de
uma rede de canais de comunicação, sejam governamentais, civis e de organizações privadas, em sua
potencialidade de integração social em relação a decisões da esfera política. E considerando a
oportunidade de aproximações entre cidadãos e legisladores através de uma possível democracia
digital, apontamos alguns recursos utilizados pelo site em questão na publicização de temas e projetos
políticos e promoção de debates, essenciais à prática da comunicação pública.
A frase da página inicial do site “Vote nos projetos de lei do Congresso e influencie as
decisões que afetam a todos nós” apresenta a aposta de seus criadores na ampliação do diálogo e da
interação entre políticos e eleitores, a partir de uma conexão facilitada e mediada pelo portal. A
reflexão das limitações do sistema representativo atual é preocupação de muitos autores que apontam
para um desestímulo e uma descrença dos cidadãos na efetividade dos seus votos e de seu exercício
político após o término das eleições. Essa preocupação indica a importância da discussão sobre o
papel da comunicação como mecanismo de viabilização do compartilhamento de informações e
estímulo ao debate e da internet como um novo espaço às práticas democráticas.
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Tendo em vista as oportunidades de conexão proporcionadas pela disseminação no uso das
TCIs como ferramentas de aproximação da sociedade ao universo da política, o Vote na Web propõe
como um de seus recursos a verificação por parte dos usuários dos perfis de parlamentares em áreas
específicas do portal. Além disso, propõe uma troca de mensagens entre eles a respeito de projetos
de lei já em votação ou a serem criados a partir de sugestões de pautas. A possibilidade de
comunicação e envio de mensagens diretas aos políticos do Legislativo permite aos participantes no
site uma possível avaliação de sua afinidade com políticos e partidos. Sobre a importância da relação
de visibilidade e participação entre eleitores e o Legislativo, Matos (1999) afirma:
O Legislativo é, ao mesmo tempo, limite do poder individual e/ou
unidirecional, praça de exercício das vivências democráticas e porta-voz dos
múltiplos interesses cidadãos. Desse modo, a comunicação do Legislativo,
para realizar-se plenamente, necessita de uma relação íntima com a prática da
cidadania. Os debates e as decisões do Legislativo são objetos de cobertura
da mídia e de pressões advindas da sociedade civil, representada em suas
múltiplas facetas em cada debate parlamentar (MATOS, 1999, p.34).
Ainda como recursos de participação oferecidos pelo site, vemos a sondagem de opinião a
respeito da implementação do programa Mais Médicos e a projeção de votação dos usuários de acordo
com as diferentes áreas e regiões do país. O site apresenta parte do texto do projeto de lei e, em
seguida, é oferecida aos participantes a possibilidade de votarem na aceitação ou não da proposta
clicando nos botões “VOTAR SIM” ou “VOTAR NÃO”. Tal sondagem dá origem a um gráfico em que
pode visualizada a percentagem de votos e também o perfil dos votantes quanto à idade, gênero e
estado de origem.
A página sobre a criação do Mais Médicos resume o tema central do projeto como “Permitirá
a contratação pelo governo brasileiro, de profissionais de saúde estrangeiros para trabalharem em
regiões carentes desses profissionais”. O tópico havia recebido, até o dia 7 de agosto de 2015, um
total de 2.345 votos, sendo 721 a favor e 1.624 contrários à medida (ver Figura 1).
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O site oferece acesso também ao texto completo da lei em pdf, a partir de um link indicado ao
usuário (ver Figura 2). Na mesma seção, é possível obter também informações sobre o parlamentar
responsável pela proposta de lei e a etapa em que ela se encontra: em tramitação ou já com votação
encerrada. Ao clicar na foto e no nome do parlamentar em questão, o site envia o usuário a uma
página exclusiva com dados do político como partido de filiação, quantidade de projetos aprovados
e aceitação geral de outros cidadãos que utilizam o portal em relação aos projetos criados por ele.
Outra forma de participação dá-se pela avaliação dos cidadãos quanto à classificação de cada
projeto. Isto é, a partir de aspectos como urgência, relevância e até mesmo viabilidade da prática da
lei, os participantes podem indicar o quanto acreditam ser importante o projeto proposto (ver Figura
2). A partir dessas informações, o usuário pode, assim, munir-se de conteúdo para iniciar um processo
de argumentação e troca de ideias na seção “Comentários”, processo que analisaremos a seguir.
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O fórum e a troca argumentativa
Nos interessa, para este campo de análise, o espaço (fórum) para debate disponibilizado pelo
site Vote na Web, onde os participantes expõem suas perspectivas e argumentam sobre o projeto de
lei de forma interativa. Regras e princípios normativos são utilizados por alguns pesquisadores para
analisar se o processo de legitimidade deliberação pública é atendido (Marques, 2009; Benhabib;
1996; Cohen, 1997; Cooke, 2000). Para tanto, eles propõem alguns princípios específicos para esta
verificação tal como: igualdade, publicidade, reciprocidade, reflexividade, accountability, autonomia,
ausência de coerção e respeito mútuo.
Propomos a abordagem de 2 eixos analíticos, incluindo uma perspectiva voltada para a
comunicação pública, que acreditamos ser um ponto importante para reflexão destes debates. Dessa
forma, busca-se verificar nesta análise: 1) abordagens sobre temas de interesse público e a
retroalimentação dos sistemas de informação 2) o potencial deliberativo do fórum de discussão.
A amplificação da discussão: os temas de interesse público e o fluxo de informações
Dentre os que votaram a favor ou contra a medida no portal, alguns apontam como benéfica
a vinda dos médicos estrangeiros para o país, considerando que o déficit de profissionais no interior
e nas áreas remotas precisa ser solucionado. Para esses participantes, o Mais Médicos contribuiria
para a diminuição da precariedade do atendimento médico no Brasil. Já outros que votaram contra,
justificam sua escolha por acreditarem que o Brasil necessita de uma reforma interna com iniciativas
que priorizem as condições e infraestruturas adequadas de trabalho dos médicos brasileiros.
A partir da dinâmica de interação e argumentação, percebemos que, mesmo sendo a saúde a
temática central de problematização, muitos outros temas de interesse público acabam citados no
debate, provocando discussões a respeito de diferentes questões dos âmbitos político e social.
Assuntos como educação, segurança, corrupção, direitos humanos, relações entre o público e o
privado, como o corporativismo, entram em pauta nas argumentações, ampliando o debate a diversas
outras áreas (ver Figura 3).
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Outra característica identificada na troca de comentários é o uso de referências de outros
canais de informações utilizados para justificar pontos de vista apresentados pelos participantes. No
processo argumentativo, são citados programas televisivos como Jornal Hoje e Fantástico, revistas
informativas como a Exame, assim como sites e veículos do Poder Executivo e Legislativo como
fontes para obtenção de dados que alimentam o debate. As versões dos meios de comunicação de
massa são apropriadas por muitos e contestadas por informações oficiais no processo de
argumentação, exemplificando o processo de disputa de versões que tocam a visibilidade e a
credibilidade. Assim como em um processo de escolha ocorrido na hora do voto, a partir da difusão
de temas relativos à política e a políticas públicas, o participante toma posição após as filtragens dos
assuntos de interesse público abordados pelos sistemas de comunicação midiática, sistemas de
comunicação do governo, da sociedade organizada, partidos e das instituições privadas” (Weber,
2007, p. 31).
Além disso, são compartilhados entre os usuários links para conteúdos diversos publicados na
web que tratam das polêmicas que envolveram o lançamento do Mais Médicos que provocam a
propagação das informações e diferentes versões sobre o tema (ver Figura 4).
Dentre os recursos interativos, o site ainda possui um dispositivo posicionado logo abaixo da
caixa de diálogo do fórum de discussão, chamado “Saiu na Mídia”. Além das referências que os
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usuários buscam por conta própria para construir seus argumentos no debate, são disponibilizados
links que direcionam os usuários para outras mídias com conteúdos noticiosos sobre os projetos de
lei em discussão no Vote na Web.
O potencial deliberativo do fórum de discussão
Na internet e especificamente no fórum de onde essas manifestações discursivas emergem,
observamos alguns dos princípios normativos requeridos para a legitimidade da democracia
deliberativa serem atendidos, tais como respeito, reflexividade, provimento de razões e justificação
argumentativa.
A deliberação valoriza as dimensões reflexivas do uso da linguagem pois considera a voz do
outro, em uma troca que envolve questionamento, convencimento e persuasão. Os indivíduos devem
levar em conta todos os argumentos apresentados, refletir sobre suas necessidades e justifica-las para
o parceiro de interação. O respeito mútuo no diálogo pode ser percebido entre os sujeitos, que expõem
ideias, dúvidas e refletem sobre o próprio argumento na interação (ver Figura 5):
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Usuários do portal também lançam mão de recursos para apresentar pontos de vista. As
narrativas de histórias de vida são usadas como justificação dos argumentos no debate. De acordo
com Marques (2009), a deliberação é também um processo poroso às contribuições específicas de
cada participante. Além dos argumentos racionais, são inseridos nos debates formas de comunicação
mais afetivas e estéticas. Alguns participantes apresentam suas identidades, fatos do cotidiano e
realidade social para legitimar suas posições ideológicas (ver Figura 6):
O debate sobre temas sensíveis, que influem na vida privada dos sujeitos de forma expressiva,
também pode suscitar desentendimentos, interrompendo o dialogo racional e a construção negociada
de uma melhor compreensão do problema público, muitas vezes devido a manifestações ofensivas.
Apesar da constatação de um debate entre os indivíduos com opiniões divergentes neste fórum,
percebe-se que o esforço argumentativo e contra argumentativo pode ser interrompido de forma
abrupta (ver Figura 7):
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Outro fator que observamos no conteúdo desses argumentos é a apatia política. Em alguns
casos, participantes expressam posições desfavoráveis ao projeto, ao relaciona-lo a interesses
políticos, desacreditados de uma melhoria na saúde a partir desta política pública ou de qualquer outra
(ver Figura 8):
Nesta análise, podemos perceber que o papel da comunicação no processo deliberativo não se
limita apenas a ação dos media na coordenação de diferentes perspectivas, que determinam discussões
e debates que estão em foco na sociedade. A troca de ideias em espaços como o Vote na Web, permite
que os participantes, para além da exposição de argumentos, que de modo geral, são incorporados
através dos meios de comunicação de massa, possam solicitar explicações dos parceiros de
comunicação com concepções distintas e desenvolvam reflexões acerca de conteúdos de interesse
público.
Como aponta Marques (2009), a deliberação não pode estar limitada às trocas argumentativas
vinculadas a regras e princípios discursivos ideais. Para a autora, devemos percebê-la como uma
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prática de compreensão mútua, por meio da qual as pessoas aprendem a verificar problemas,
reivindicar direitos e buscar saídas que atenda ao coletivo.
A maneira como o portal dispõe as informações, com gráficos e adaptação da linguagem
formal dos projetos de lei de forma clara e resumida, aponta a uma facilitação à participação dos
cidadãos que, muitas vezes, se tornam apáticos em relação à política. Da mesma forma, nos
comentários avaliados, também é possível perceber as limitações de tais ferramentas que não são
capazes de criar por si só um engajamento civil. A existência de um espaço para informação além dos
meios de comunicação de massa pode ampliar a pluralidade de opiniões e discussões, mas não são
capazes de provocar de imediato uma participação e a busca pelo esclarecimento de assuntos de
políticos do cotidiano.
Percebemos, em muitos casos, que há um esforço na apresentação de pontos de vista de
maneira racional, demonstrando respeito no diálogo. Como foi exposto nesta análise, a partir da
interação e dialogo no fórum, verificamos também que opiniões foram alteradas e pontos de vista,
reformulados, mostrando a importância do pensamento de Dahlgren (2001) ao afirmar que “a questão
maior hoje não é o modo como a internet vai transformar a vida política, mas o que pode motivar
mais pessoas a ver-se como cidadãos de uma democracia, a evolver-se na política e, para aqueles que
tem acesso, a empregar as possibilidades que a rede oferece” (p.53).
Considerações finais
A partir do material analisado no portal Vote na Web sobre a criação da Lei do Mais Médicos
e das discussões teóricas propostas anteriormente, buscamos contribuir para a reflexão a respeito das
expectativas em relação ao ambiente virtual como espaço possível para uma redução no déficit de
participação civil nos assuntos políticos em democracias contemporâneas. A intenção, a exemplo das
dinâmicas de interação e deliberação ocorridas no portal, foi discutir o potencial e as limitações das
TCIs para a circulação de informações a respeito de temas de interesse público. O papel exercido por
esse espaço, de encontros de opiniões e de um possível estímulo ao envolvimento na política, nos faz
compreender que a dinâmica da comunicação não se dá à margem dos indivíduos, mas “cada um de
nós só pode assumir-se como agente de comunicação/sujeito de discurso a partir do que se encontra
inserido numa dada rede de sociabilidade” (Esteves, 2011b, p.41).
Como parte da rede simbólica que compõe a chamada comunicação pública, as TICs
afirmam sua função de publicização de questões e medidas que tocam o âmbito político e social. A
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troca de razões nos espaços concedidos para os participantes deliberarem funciona apesar de algumas
limitações, como a apatia política e a falta de responsividade nos argumentos que se mostram algumas
vezes ofensivos. Dessa forma, a configuração da internet como arena de diálogo entre atores
desconhecidos nem sempre garante o debate crítico e reflexivo. Além disso, não promove
automaticamente uma ação política imediata por parte dos cidadãos ou uma articulação direta com
seus representantes.
Contudo, mesmo levando em conta as limitações desse novo espaço de manifestação
democrática, vemos o potencial no uso de tais plataformas, já que proporciona a conexão de sujeitos
em redes de interação. A participação mais plural que atenta à relação entre a esfera social e a política
torna-se possível mesmo que ainda em um exercício de experimentações e amadurecimento que
merece ser continuamente explorado e compreendido. Se usada de forma responsiva, não apenas por
cidadãos, mas também por governos, instituições públicas e privadas, entende-se ser possível a
construção coletiva de novos caminhos na relação entre as TCIs e a política. Sendo assim, refletir
sobre as possíveis apropriações dos sujeitos sociais em suas capacidades de promover um uso cívico
e engajado desses espaços faz-se fundamental para que tais aparatos tecnológicos possam enriquecer
as práticas democráticas.
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