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1 DIREITO CIVIL - FAMÍLIA PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS CONCEITO DE FAMÍLIA Com a Constituição Federal de 1988, surgiu um novo conceito de direito de família. Este, até então, limitava-se à união, pelo casamento, entre o homem e a mulher. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado e, hoje, é oriunda não apenas do casamento, mas também da união estável entre o homem e a mulher e da comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226 e §§ 3º e 4º da CF). Essa última entidade familiar é chamada família monoparental ou unilinear. A família deve ser protegida pelo Estado (art. 226, caput, da CF). Este concretiza essa proteção editando leis cogentes, que lhe assegurem a harmonia, organização e o bem-estar das pessoas. No Brasil, não prevalece a concepção segundo a qual a família é dotada de personalidade jurídica, tanto é que o Código não a inclui no rol das pessoas jurídicas (art. 41). Ademais, não há lei atribuindo-lhe personalidade jurídica. Vê-se assim que, de acordo com os §§ 3 o e 4 o do art. 226 da Constituição Federal, a família têm três origens: o casamento; a união estável; a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Adotou-se, como se vê, o princípio do pluralismo familiar, acabando com o monopólio do casamento. Discute-se se o rol acima é taxativo ou exemplificativo. Uma primeira corrente sustenta que é numerus clausus, isto é, taxativo, pois à medida que a matéria foi avocada pela Constituição Federal, o conceito não poderia ser ampliado pela lei ordinária ou decisões judiciais. Uma segunda corrente assevera que o rol é numerus apertus, isto é, exemplificativo, podendo existir outras espécies de entidades familiares, inspiradas nos princípios da afetividade, da igualdade e da função social da família. De fato, as normas constitucionais devem ser interpretadas de modo a delas se extrair a maior eficácia possível. E, sendo assim, ingressaria, por exemplo, no conceito de entidade familiar, a comunidade formada por qualquer dos avós e netos. Outro exemplo: a comunidade formada por padrasto e seus enteados ou então por suas irmãs. Maria Berenice Dias, árdua defensora do rol exemplificativo, apoiando-se na função instrumental da família, ou seja, na melhor realização dos interesses afetivos e existenciais da pessoa, considera como sendo família o vínculo afetivo que une as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, invocando, em apoio à sua tese, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), que identifica como família qualquer relação de afeto. A ilustre civilista apresenta as seguintes formas de entidades familiares: a) Família matrimonial: é a que deriva do casamento. b) Família informal: é a derivada da união estável. c) Família homoafetiva: é a derivada da união de pessoas do mesmo sexo. O STF, com base no princípio da isonomia e na proibição do preconceito, equiparou a família homoafetiva à união estável. Isso significa que as ações devem tramitar em vara de família, reconhecendo-se aos companheiros o direito aos alimentos, à sucessão e à meação dos bens. Uma primeira corrente, porém, nega a possibilidade da conversão em casamento, pois a diversidade de

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DIREITO CIVIL - FAMÍLIA PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

CONCEITO DE FAMÍLIA

Com a Constituição Federal de 1988, surgiu um novo conceito de direito de família. Este, até

então, limitava-se à união, pelo casamento, entre o homem e a mulher. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado e, hoje, é oriunda não apenas

do casamento, mas também da união estável entre o homem e a mulher e da comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226 e §§ 3º e 4º da CF). Essa última entidade familiar é chamada família monoparental ou unilinear.

A família deve ser protegida pelo Estado (art. 226, caput, da CF). Este concretiza essa proteção editando leis cogentes, que lhe assegurem a harmonia, organização e o bem-estar das pessoas.

No Brasil, não prevalece a concepção segundo a qual a família é dotada de personalidade jurídica, tanto é que o Código não a inclui no rol das pessoas jurídicas (art. 41). Ademais, não há lei atribuindo-lhe personalidade jurídica.

Vê-se assim que, de acordo com os §§ 3o e 4o do art. 226 da Constituição Federal, a família têm três origens:

o casamento; a união estável; a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Adotou-se, como se vê, o princípio do pluralismo familiar, acabando com o monopólio do

casamento. Discute-se se o rol acima é taxativo ou exemplificativo. Uma primeira corrente sustenta que é numerus clausus, isto é, taxativo, pois à medida que a

matéria foi avocada pela Constituição Federal, o conceito não poderia ser ampliado pela lei ordinária ou decisões judiciais.

Uma segunda corrente assevera que o rol é numerus apertus, isto é, exemplificativo, podendo existir outras espécies de entidades familiares, inspiradas nos princípios da afetividade, da igualdade e da função social da família. De fato, as normas constitucionais devem ser interpretadas de modo a delas se extrair a maior eficácia possível. E, sendo assim, ingressaria, por exemplo, no conceito de entidade familiar, a comunidade formada por qualquer dos avós e netos. Outro exemplo: a comunidade formada por padrasto e seus enteados ou então por suas irmãs.

Maria Berenice Dias, árdua defensora do rol exemplificativo, apoiando-se na função instrumental da família, ou seja, na melhor realização dos interesses afetivos e existenciais da pessoa, considera como sendo família o vínculo afetivo que une as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, invocando, em apoio à sua tese, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), que identifica como família qualquer relação de afeto. A ilustre civilista apresenta as seguintes formas de entidades familiares:

a) Família matrimonial: é a que deriva do casamento. b) Família informal: é a derivada da união estável. c) Família homoafetiva: é a derivada da união de pessoas do mesmo sexo. O STF, com base no

princípio da isonomia e na proibição do preconceito, equiparou a família homoafetiva à união estável. Isso significa que as ações devem tramitar em vara de família, reconhecendo-se aos companheiros o direito aos alimentos, à sucessão e à meação dos bens. Uma primeira corrente, porém, nega a possibilidade da conversão em casamento, pois a diversidade de

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sexo é requisito de existência do matrimônio. Uma segunda admite, porquanto, o Código Civil não prevê a diversidade de sexos como requisito essencial ao casamento.

d) Família Monoparental: é a formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art.226, §4º, da CF). O Código Civil não disciplina o assunto, embora quase um terço das famílias brasileiras sejam monoparentais. É tutelada pela Constituição Federal.

e) Família Anaparental: é a que deriva da convivência, sob o mesmo teto, de parentes, ou não parentes, dentro de uma estrutura com identidade de propósitos. É a família sem pais, já que o prefixo grego “ana” significa privação. Exemplo: lar constituído por duas irmãs. Outro exemplo: família formada por descendentes privados de ambos os pais. A lei é silente, de modo que a família anaparental não passa de uma ideia interessante, que poderá, de lege ferenda, vir a inspirar o legislador, embora haja na jurisprudência alguns julgados estendendo-lhe o benefício do bem de família.

f) Família Eudemonista: é a que deriva do envolvimento afetivo dos seus membros que, através da família, buscam formas de realização pessoal e gratificação profissional.

g) Famílias Pluriparentais ou mosaico: são constituídas depois do desfazimento de relação afetivas pretéritas, constituindo-se pelo matrimônio ou união estável de um casal, no qual um ou ambos de seus integrantes têm filhos provenientes de um casamento ou relação prévia, instaurando-se uma multiplicidade de vínculos. Na verdade, entre o genitor e o filho, essa família é monoparental, diante dos direitos e deveres legais com relação aos filhos. Quanto ao companheiro ou cônjuge, pode adotar o filho do outro (art.41, §1º, da Lei nº 8.069/90). Conforme salienta Maria Berenice Dias, “não é reconhecido ao filho do cônjuge ou companheiro direito a alimentos, ainda que comprovada a existência de vínculo afetivo entre ambos. O que timidamente vem sendo admitido, em nome do princípio da solidariedade, é o direito de visitas. Também é possível ao enteado ou enteada agregar o nome do padrasto ou madrasta, desde que haja concordância destes, sem a supressão dos seus apelidos de família, o que, no entanto, não gera a exclusão do poder familiar do genitor” ( §8º do art.57 da Lei nº 6.015/1973).

h) Família Paralela: é a que deriva do concubinato adulterino, também chamado de impuro, impróprio e espúrio. Com o intuito de preservar a ordem familiar, baseada na monogamia, a lei não atribui efeitos jurídicos a essa união, negando à concubina o direito aos alimentos e à sucessão, reputando ainda inválida a doação e o testamento que o parceiro fez em seu favor (arts. 550, 1.642, V e 1.801, III, do CC). O tema á tratado pela jurisprudência como sociedade de fato, partilhando-se apenas os aquestos, isto é, os bens em que participou efetivamente para a sua aquisição na medida de sua contribuição econômica. Esporadicamente ainda há um ou outro julgado atribuindo-lhe o direito aos alimentos. Se, no entanto, a concubina desconhecia a infidelidade do parceiro, ignorando que ele já fosse casado ou vivesse em união estável, há uma tendência jurisprudencial em protegê-la.

Diante desse rol extenso de famílias, que apresenta multifacetas, Jones Figueiredo Alves, propôs a expressão direito das famílias, em vez de simplesmente direito de família.

CONTEÚDO E CONCEITO DO DIREITO DE FAMÍLIA

Podemos dividir o estatuto do direito de família em sete partes:

1. casamento; 2. união estável; 3. relações de parentesco;

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4. poder familiar; 5. alimentos; 6. bem de família; 7. guarda, tutela e curatela.

Feitas essas considerações, arriscamo-nos a propor a seguinte definição:

“Direito de família é o conjunto de princípios e normas que disciplinam o casamento, a união estável, as relações de parentesco, os alimentos, o bem de família e os institutos de proteção ao incapaz”.

As normas que disciplinam o direito de família, em regra, são cogentes, isto é, de ordem

pública, insuscetíveis de modificação por vontade das partes. O interesse do Estado em manter a organização social, tendo a família como a base da sociedade, sobrepõe-se aos interesses individuais, de modo que no Código, à exceção do regime de bens, não se costuma deparar com normas dispositivas, isto é, derrogáveis por vontade das partes.

Os direitos de família são ainda personalíssimos, isto é, intransferíveis, irrenunciáveis e irrevogáveis. Assim, ninguém pode transferir ou renunciar sua condição de filho. Igualmente é irrenunciável a condição de companheira, revestindo-se de nulidade o contrato de namoro celebrado para ocultar a união estável, pois representa fraude à lei (art.166, VI).

A intervenção do Estado sobre esse ramo do direito é intensa, mas não chega a ponto de interferir no planejamento familiar, sob pena de violação dos princípios da dignidade da pessoa humana e da responsabilidade paternal. O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte das instituições oficiais ou privadas (CF, art. 226, § 7.º). Modernamente entende-se que a função da família é promover o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes, contribuindo assim para a evolução da sociedade e, por consequência, do próprio Estado, razão pela qual este a protege.

NATUREZA E DIVISÃO

Uma primeira corrente sustenta que o Direito de Família pertence ao direito público, porque suas normas são cogentes, incidem independentemente da vontade das partes.

Prevalece, no entanto, a corrente que situa o direito de família no direito privado. Deslocá-la para o Direito Público representaria uma intervenção excessiva do Estado no grupo familiar. Aliás, os sujeitos das relações familiares são particulares e o conteúdo dessas relações atinge a esfera íntima dos envolvidos. É, pois, evidente o seu caráter privado.

DIVISÃO DA MATÉRIA O Direito de Família pode ser dividido em quatro partes:

a) Direito matrimonial: compreende o estudo do casamento e das causas de sua dissolução. b) Direito convivencial: tem por objeto o estudo da união estável e do concubinato. c) Direito parental: abrange o estudo da filiação, adoção, poder familiar e alimentos. d) Direito assistencial ou protetivo: compreende o estudo das relações que substituem às

familiares, ou seja, a guarda, a tutela, a curatela e as medidas de proteção ao menor previstas na Lei nº 8.069/90. Vê-se assim que o Direito de Família abarca também o estudo de institutos onde não se instaura a relação de parentesco.

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Em todos esses aspectos, porém, o direito de família não tem conteúdo econômico, mas

afetivo, distinguindo-se, destarte, do Direito das Obrigações, que tem como marca o conteúdo

econômico da prestação devida. É certo, pois, que há também no direito de família relações patrimoniais, como é o caso do regime de bens, alimentos, usufruto e administração dos pais sobre

os bens dos filhos menores, mas ainda assim, esse ramo jurídico não se confunde com os direitos patrimoniais (direito das obrigações e direitos reais). Com efeito, no direito de família, a proteção

deve recair sempre a favor do organismo familiar em detrimento dos interesses particulares, ao

passo que no Direito Patrimonial a proteção da lei tem o escopo de realizar a Justiça Comutativa, o equilíbrio das prestações assumidas pelas partes envolvidas no negócio jurídico.

EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos constitucionais fundamentais irradiam efeitos no mundo jurídico não só nas relações entre o indivíduo e o Estado (eficácia vertical dos direitos fundamentais), como também

nas relações privadas, travadas entre particulares, que é a denominada eficácia horizontal dos

direitos fundamentais. É, por exemplo, nula a cláusula do pacto antenupcial que afrontar o

princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Assim, os direitos fundamentais vinculam

não apenas os poderes públicos, mas também os próprios particulares quando realizam negócios

jurídicos. Modernamente operou-se a constitucionalização do direito civil, que se transmudou num direito civil constitucional, funcionando a Constituição Federal, sobretudo no que diz respeito aos

seus direitos fundamentais, ao mesmo tempo como limite e garantia dos direitos privados.

Dentre os princípios constitucionais aplicáveis ao direito de família, merecem destaque: a

dignidade da pessoa humana (art.1º, III, da CF), solidariedade social (art. 3º, I, da CF) e igualdade (art. 5º, caput, da CF). O Código Civil, como se sabe, contém inúmeras cláusulas gerais (conceitos

legais indeterminados), como é o caso dos princípios da função social dos contratos e boa-fé

objetiva. Essas cláusulas gerais, conforme observa o Ministro Gilmar Mendes, do STF, são a porta de entrada dos valores constitucionais nas relações privadas, pois estes preenchem aquelas.

Finalmente, convém salientar que enquanto os princípios constitucionais servem para aferir a

validade de toda e qualquer norma jurídica, tendo, pois, incidência imediata, os princípios gerais do

direito, ao lado da analogia e costumes, são mecanismos de integração do ordenamento jurídico,

aplicáveis apenas na ausência ou lacuna de norma ordinária específica. Portanto, os princípios constitucionais distinguem-se nitidamente dos princípios gerais do direito.

PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA

A expressão princípio exprime a noção de mandamento nuclear do sistema. No âmbito do

direito de família, os princípios constituem os preceitos básicos da organização familiar. Os princípios são os postulados fundamentais que inspiram a elaboração das normas

jurídicas. Estas são editadas em consonância com os princípios.

O princípio lança sua força sobre todo o ordenamento jurídico, atuando numa área muito

mais ampla do que a norma, pois esta se limita a regular situações específicas.

Os princípios são as premissas éticas que inspiram a elaboração das normas jurídicas. São mais do que normas, pois sua função primordial é servir como critério de interpretação destas,

devendo ser observados pelo legislador, quando elabora as leis; pelos juízes, quando as aplica; e

pelo cidadão, quando realiza o negócio jurídico.

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Os princípios do Direito de Família são os seguintes:

Princípio da dignidade da pessoa humana; Princípio da solidariedade pessoal; Princípio da igualdade entre os filhos; Princípio da igualdade dos cônjuges; Princípio da não-intervenção ou liberdade; Princípio da proteção integral; Princípio da afetividade; Princípio da função social da família; Princípio da ratio do matrimônio; Princípio da consagração familiar.

Princípio da dignidade da pessoa humana O princípio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa

do Brasil, estatuído no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal. É, pois, missão do Estado velar pela dignidade da pessoa humana. Dignidade é o respeito a si próprio, a decência, o decoro, o brio. Este princípio é cumprido pelo ordenamento jurídico quando este impede a concretização de fatos desrespeitadores dos valores da pessoa. Dentre os direitos sociais da pessoa destaca-se, por exemplo, a moradia, assegurada no art. 6o da Constituição Federal, e, por consequência, alguns autores procuram estender o conceito de bem de família ao imóvel em que reside uma pessoa solteira. Outro exemplo de amplitude do princípio da dignidade da pessoa humana é o direito à indenização pleiteada por filho abandonado afetivamente pelo pai, não obstante este lhe pagasse regularmente a pensão alimentícia. É a chamada Teoria do abandono paterno-filial ou teoria do desamor.

A aplicação desenfreada do princípio da dignidade da pessoa humana ainda não foi injetada pela jurisprudência pátria aos diversos casos concretos, persistindo o dissídio, doutrinário e jurisprudencial, sobre os dois casos citados acima e tantos outros do mesmo quilate.

De acordo com o princípio da convivência das liberdades públicas, nenhum direito é absoluto, só se podendo invocar um preceito constitucional à vista de uma finalidade ética.

No primeiro exemplo, impenhorabilidade do imóvel em que reside uma pessoa solteira, a proteção da Lei n. 8.009/90, a meu ver, só é possível quando a dívida executada houver sido contraída por motivos justos, como, por exemplo, despesas médicas.

Igualmente, no segundo exemplo, creio que a indenização pelos danos morais só será lícita quando a falta de afeto houver sido injustificada.

A dignidade da pessoa humana é um conceito elástico, que deve inspirar o legislador a elaborar as leis e o magistrado em sua função de interpretá-las, sopesando, na balança do direito, com a dignidade da parte adversa.

Princípio da solidariedade pessoal O princípio da solidariedade social é um dos objetivos fundamentais da República Federativa

do Brasil, conforme prevê o art. 3o, inciso I, da Constituição Federal. O solidarismo é um princípio moral, cuja finalidade é o apoio ao próximo. No âmbito do grupo familiar, a solidariedade deve ser mais intensa, constituindo na obrigação de apoio mútuo entre os familiares, mediante a mitigação do sofrimento alheio. A propósito, em cumprimento a esse princípio, dispõe o art. 1.694 do Código Civil que “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros, pedir uns aos outros os alimentos de

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que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”. Aliás, até o cônjuge culpado pela separação judicial tem direito aos alimentos indispensáveis à subsistência, nos moldes do § 2o do art. 1.694 do Código Civil, demonstrando que a solidariedade familiar é uma obrigação jurídica e não simplesmente uma caridade. O princípio da solidariedade familiar é consagrado no art.1.511 do CC ao dispor que o casamento estabelece plena comunhão de vidas. Da solidariedade familiar decorre uma ordem no dever de se assegurar ao menor e idoso os direitos essenciais, e essa ordem é a seguinte: primeiro a família, depois a sociedade e finalmente o Estado (art.227 da CF).

Princípio da igualdade entre os filhos O princípio da igualdade entre os filhos está consagrado no § 6o do art. 227 da Constituição

Federal, nos seguintes termos: “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Este princípio, que é também reproduzido no art. 1.596 do Código Civil, consiste na identidade de direitos e qualificações aos filhos, sendo, pois, inconstitucional qualquer lei que estabeleça entre eles direitos e qualificações desiguais. Assim, o legislador não pode usar designações discriminatórias relativas à filiação, como, por exemplo, as expressões: filho adulterino, filho incestuoso, filhos adotivo etc. A igualdade estende-se também aos filhos havidos por inseminação artificial homóloga ou heteróloga. Em homenagem ao princípio da igualdade é que se permite o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento, bem como a proibição de constar no assento de nascimento qualquer informação discriminatória.

Princípio da igualdade dos cônjuges O princípio da igualdade dos cônjuges, previsto no art. 1.511 do Código Civil, consiste na

isonomia de direitos e deveres. Sobre o assunto também dispõe o § 5o do art. 226 da Constituição Federal: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Impõe-se, destarte, a igualdade na chefia familiar, desaparecendo a família patriarcal, em que o marido era chefe da sociedade conjugal. Entre os cônjuges não há mais hierarquia e sim a diarquia, pois a família é governada simultaneamente pelos dois, e, em havendo discordância, a solução competirá ao juiz. O regime democrático, em que todos opinam, inclusive os filhos, compõe, hoje, a chamada família democrática. O princípio da igualdade também vigora entre os companheiros, por força do art. 5o, inciso I, da Constituição Federal. Conforme ensina Maria Helena Diniz, o poder do marido é substituído pela autoridade conjunta e indivisa, não mais se justificando a submissão legal da mulher. Há uma equivalência de papéis, de modo que a responsabilidade pela família passa a ser dividida igualmente entre o casal. O novo Código Civil dá a ambos os consortes o poder de decisão, podendo qualquer deles recorrer ao juiz para fazer prevalecer a sua vontade quanto às questões do interesse do casal e dos filhos, desde que não se trate de matéria personalíssima. A fixação do domicílio do casal, por exemplo, deve ser fruto do consenso entre os cônjuges, e, no caso de divergência, o juiz decide.

Princípio da não-intervenção ou liberdade O princípio da não-intervenção ou liberdade, estampado no § 7o do art. 226 da Constituição

Federal, é o que proíbe a submissão da família a qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. O controle de natalidade, por exemplo, não pode ser ordenado pelo Estado,

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mas apenas estimulado. O planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito. O Estado deverá, ainda, assegurar assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (§ 8o do art. 226 do Constituição Federal). Referido princípio consiste no livre poder de constituir uma comunhão de vida familiar por meio do casamento ou união estável, sem qualquer imposição ou restrição de pessoa jurídica de direito público ou privado (art.1.513 do CC). Ninguém pode interferir na convivência conjugal, na aquisição e administração dos bens, na liberdade de escolha do regime de bens, na liberdade de escolha do modelo de educação e religião da prole etc.

Princípio da proteção integral O princípio da proteção integral é o que impõe com absoluta prioridade a efetivação dos

direitos da criança, do adolescente e do idoso. Assegurar os direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, é um dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público (art. 4o Lei n. 8.069/90). Em matéria de guarda de filhos, por exemplo, será ela atribuída a quem melhor atender aos interesses da criança ou adolescente, pouco importando de quem foi a culpa pela separação (art. 1.583, §2º do Código Civil). Já se decidiu que em processo de adoção não há nulidade sem prejuízo, ainda que falte a intimação do Ministério Público, pois o que importa é que tenha sido preservado o interesse do menor.

Princípio da afetividade O princípio da afetividade é o que atribui vínculo jurídico de parentesco pela dedicação

amorosa à pessoa tratada como filho, a despeito da inexistência de vínculo biológico. Decorre dos princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da igualdade entre os filhos. O parentesco civil não restringe apenas à adoção, estendendo-se também à parentalidade socioafetiva, pois a paternidade, a rigor, não é fato da natureza e sim um fato cultural, oriundo do afeto, conforme ensina João Baptista Villela. O Enunciado 339 do CJF/STJ prevê que: “A paternidade socioafetiva, calcada na vontade livre, não pode ser rompida em detrimento do melhor interesse do filho”. Conforme ensina José Luiz Gavião de Almeida, “a assunção do vínculo parental não pode ser afastada simplesmente. Se alguém assume o papel de pai, não pode, mais tarde, dele desistir sob a alegação de que não o é biologicamente. Nem sempre a paternidade jurídica está respaldada por uma paternidade biológica”. O Enunciado 256 do CJF/STJ reza que: “A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil”. Já o Enunciado 341 dispõe: “Para os fins do art.1.696, a relação socioafetiva pode ser elemento gerador da obrigação alimentar”. A admissão da paternidade socioafetiva é o caminho da evolução espiritual do homem.

Princípio da função social da família O princípio da função social da família consiste no fato de que, sendo a família a base da

sociedade, conforme preceitua o art. 226 da Constituição Federal, a sua constituição deve ser para fins lícitos e socialmente úteis.

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Princípio da ratio do matrimônio e da união estável O princípio da ratio do matrimônio e da união estável é o que apregoa que a afeição é o

fundamento básico do casamento e da união estável. Toda pessoa tem o direito de afeiçoar-se a alguém e, ao mesmo tempo, o direito de por fim ao relacionamento quando sobrevier a extinção da affectio. Referido princípio, que também é chamado de princípio da vontade contínua, revela que a manutenção do casamento ou união estável depende do querer dos cônjuges ou companheiros, prova disso é a facilitação para o divórcio no direito brasileiro. Não basta, porém, como observa Carlos Dias Motta, para a dissolução do casamento a ausência deste querer, pois são exigidos o atendimento a algumas hipóteses legais e a intervenção judicial. Quanto à união estável, há possibilidade do repúdio, com a dissolução pela vontade de um só dos companheiros, prescindindo-se da intervenção judicial. O afeto, para muitos civilistas, com destaque para Maria Berenice Dias, constitui no principal critério para se reconhecer a validade jurídica de entidades familiares não previstas em lei.

Princípio da consagração do poder familiar O princípio da consagração do poder familiar é o que consagra o conjunto de direitos e

deveres de ambos os pais em relação aos filhos menores (arts. 1.630 a 1.638). Quanto ao poder marital, foi abolido pela Constituição de 1988, igualmente o poder paterno, reinando a igualdade entre o homem e a mulher.

CASAMENTO

CONCEITO

Casamento é o vínculo entre o homem e a mulher, firmado perante o Estado, com o intuito

de constituição de uma família. A satisfação sexual e a prole comum são apenas consequências do casamento, e, por isso, não

devem integrar o seu conceito. São pois requisitos de existência do casamento: diversidade de sexos; consentimento; celebração.

A tendência moderna é admitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, de modo que o

casamento passaria a ser a união entre duas pessoas, não figurando mais a diversidade de sexos entre os seus requisitos de existência.

NATUREZA JURÍDICA

Segundo a doutrina contratual ou individualista, o casamento é um contrato, porque emana

de um acerto de vontades. Esse ponto de vista não pode prevalecer, porque realça apenas o aspecto econômico do matrimônio. Ademais, enquanto o contrato é regido pela autonomia da vontade, o casamento é disciplinado por normas cogentes, impostas pelo Estado.

Uma outra doutrina, chamada institucionalista, vislumbra no casamento uma instituição social do

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Estado, porque regida por normas de ordem pública, cabendo às partes aderirem ou não; mas, uma vez dada a referida adesão, a vontade dos cônjuges não tem o condão de alterar-lhe os efeitos.

A meu ver, deve prevalecer a doutrina eclética ou mista, segundo a qual o casamento é simultaneamente instituição e contrato. No que tange à constituição de família, trata-se de verdadeira instituição, porque regida por normas cogentes, mas, no atinente ao regime de bens, prevalece o caráter contratual, tendo em vista a predominância da autonomia da vontade.

Sobre a distinção entre contrato e instituição, cumpre esclarecer que no contrato as vontades se direcionam em sentido contrário uma da outra, na instituição as vontades convergem para o mesmo fim. O contrato só produz efeitos entre as partes; a instituição é uma entidade que também atinge terceiros; o contrato é transitório, extingue-se, dentre outras causas, pelo pagamento; a instituição é feita para ser permanente.

O contrato e o casamento não se confundem. O contrato se forma com o simples acordo de vontades, sendo lícito às partes inserirem termos e condições, as cláusulas contratuais são estipuladas livremente pelas partes e ainda pode ser dissolvido pelo distrato, prescindindo-se de sentença judicial. Já o casamento, para se formar, além do acordo de vontades, ainda exige a presença da autoridade celebrante, sendo vedado aos nubentes a fixação de termos, condições ou de outras cláusulas para disciplinar a relação, só podendo ser dissolvido por ato do Estado (sentença judicial ou escritura pública de divórcio lavrada pelo notário).

PRINCÍPIOS DO CASAMENTO

Princípio da livre união dos futuros cônjuges

“O vínculo matrimonial há de resultar do consentimento livre dos nubentes. Pressupõe, por conseguinte, capacidade para manifestá-lo. O consentimento dos contraentes não pode ser substituído, nem se admite seja a vontade autolimitada pela condição ou por termo” (Orlando Gomes). Não há casamento compulsório, coativo, sob pena de invalidade. Há, pois, liberdade na escolha do cônjuge, desde que este também queira. Os impedimentos e causas suspensivas do matrimônio só são admissíveis nos casos expressos em lei e devem ser fundados na ordem pública, moral, bons costumes, dignidade da pessoa humana, monogamia, eticidade e boa-fé.

Princípio da diversidade de sexo O casamento entre pessoas do mesmo sexo é inexistente. O código civil não coloca a

diversidade de sexo como requisito de validade do casamento, justamente porque o ato é inexistente, mas o cônjuge de boa-fé, conforme observa Carlos Dias Motta, pode ter seus direitos preservados pela aplicação analógica da putatividade nos arts.1.561 e 1.564 do Código Civil. O casamento do hermafrodita ou pessoa de sexo dúbio, que reúne dois sexos no mesmo organismo, não é inexistente, mas pode ser anulado por impotência copular, se a houver. Se não, o casamento, conforme ensina Eduardo dos Santos, não só não é inexistente, mas também é válido. Acerca do casamento de transexuais, homens que mudaram de sexo, não há no direito brasileiro uma proibição expressa e por isso, a meu ver, deve ser admitido, pois é incoerente e desumano autorizar-se a mudança de sexo sem franquear-lhe o matrimônio, mas o tema é polêmico e a maioria proclama a inexistência desse casamento ou a sua anulabilidade por erro essencial quanto à pessoa. A tendência moderna é admitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, de modo que o casamento passaria a ser a união entre duas pessoas, não figurando mais a diversidade de sexos entre os seus requisitos de existência.

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Princípio da monogamia É o que proíbe o casamento de pessoas casadas (art.1.548, II, do CC). Além de o segundo

casamento ser nulo, ainda haverá crime de bigamia (art.235 do CP). De acordo com Maria Berenice Dias, não há como considerar a monogamia como princípio constitucional, até porque a Constituição não a contempla e ainda tolera a traição ao reconhecer direitos iguais aos filhos havidos fora do casamento. No Código Civil, porém, a monogamia é tida como princípio, inspirando diversas normas jurídicas que sancionam a sua violação. Exemplo: é anulável a doação feita pelo adúltero a seu cúmplice (art.550). Outro exemplo: O legislador não atribui efeitos jurídicos ao concubinato adulterino, isto é, entre o homem e a mulher impedidos de casar (art.1.727).

Princípio da secularização do matrimônio É a submissão às leis civis do que estava sob o direito canônico. O Brasil é um Estado laico,

garantindo-se a todos a liberdade religiosa e a liberdade de não professar nenhuma religião. Logo após a Proclamação da República, o Decreto nº 181, de 24.01.1890, instituiu no Brasil o casamento civil. O casamento meramente religioso é união estável, mas pode ter efeitos civis se inscrito no Registro Civil das Pessoas Naturais (arts.1.515 e 1.516 do CC).

Princípio da solenidade O casamento é o ato mais solene do Código Civil, exigindo-se, para sua celebração, um

procedimento de habilitação. Não há casamento livre, ao contrário da união estável que se forma pela simples convivência duradoura com o escopo de constituir família, independentemente de forma escrita.

Princípio da Gratuidade É gratuita, a qualquer pessoa, pobre ou rica, a celebração do casamento (art.226, §1º, da CF).

Quanto ao procedimento de habilitação, o registro e a primeira certidão são onerosos com selos, custas e emolumentos, salvo para os que se declararem pobres (parágrafo único do art.1.512 do CC).

Princípio da Publicidade A celebração do casamento deve ser pública, o eventual pacto antenupcial é registrado no

Registro de Imóveis e qualquer interessado pode obter certidão do matrimônio. No Brasil, não há casamento secreto, a publicidade é sempre observada, exigindo-se sempre a presença de testemunhas durante a celebração, que se realiza a portas abertas (art.1.534), franqueando-se o acesso ao local da cerimônia a qualquer pessoa. Portanto, o casamento não pode ser realizado no fundo do mar ou por paraquedistas no céu, pois compromete a publicidade.

Princípio da dissolubilidade controlada do casamento O casamento pode ser dissolvido por consenso entre os cônjuges ou contra a vontade de um

deles, mas sempre exige a presença do Estado, representado pelo juiz ou notário. A dissolução

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consensual pode ser feita em processo judicial ou escritura pública lavrada pelo notário (art.1.124-A do CPC). A dissolução litigiosa é sempre judicial. Já a união estável pode ser dissolvida por distrato, escrito, verbal ou tácito, entre os companheiros ou pelo repúdio de um deles que abandona o lar, prescindindo-se de ação judicial, que se houver, será meramente declaratória, pois a dissolução ocorre no momento em que não houver mais a situação fática de união estável.

Princípio da responsabilidade com culpa É o que prevê a imposição de sanções ao cônjuge responsável pela dissolução do casamento.

Em contraposição, há o princípio da ruptura, que analisa as causas de dissolução do casamento de forma objetiva, sem perquirição da culpa, valorizando-se a solidariedade familiar, abolindo as sanções.

Há uma tendência de abolição, ou pelo menos amenização, do princípio da culpa, pois como observa Fábio Siebeneichler de Andrade, não se pode simplesmente transportar para o Direito de Família conceito do Direito das Obrigações sem que sejam realizadas as necessárias adequações.

A relevância da culpa ainda se encontra presente nos seguintes institutos do Direito de Família:

1) Anulação do casamento. O culpado perde as vantagens havidas do cônjuge inocente e é obrigado a cumprir as promessas feitas no pacto antenupcial (art.1.564 do CC);

2) Separação litigiosa. O culpado perde o direito de usar o nome do outro, se este requerer, salvo se a mudança lhe acarretar evidente prejuízo para sua identificação, manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos ou dano grave assim reconhecido pelo juiz. Há, no entanto, quem sustente que a perda do nome viola o princípio da dignidade da pessoa humana. Saliente, outrossim, que é forte a corrente que, diante da Emenda Constitucional nº66/2010, sobre o divórcio, proclama a não recepção do instituto da separação judicial;

3) Alimentos. O culpado só tem direito aos alimentos indispensáveis à sobrevivência e, para tanto, ainda precisa comprovar que não tem aptidão para o trabalho e também que não existe qualquer parente em condição de socorrê-lo (art.1.704 do CC);

4) Sucessão: a ausência de culpa traz benefícios sucessórios. Com efeito, o cônjuge sobrevivente separado de fato há mais de dois anos não tem direito sucessório, salvo prova de que essa convivência se tornara insuportável sem culpa sua (art.1.830).

Princípio da igualdade dos cônjuges Previsto no art.226, §5º da CF e art.1.511 do CC, é o que proíbe o tratamento diferenciado

dado ao marido ou à mulher, salvo se houver a hipossuficiência de um deles. Quanto à Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), que prevê sanções para prevenir a

violência contra a mulher, não é inconstitucional, pois há uma desigualdade material entre o homem e a mulher; elas estão mais expostas à violência doméstica, até porque, via de regra, são mais frágeis fisicamente.

Princípio da comunhão indivisa É o que ordena a colaboração mútua entre os cônjuges pelos encargos da família, nos

aspectos pessoais e materiais. Com efeito, dispõe o art.1.565: “Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família”.

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Desse princípio decorre o princípio da solidariedade espiritual e o princípio da moral conjugal, que justificam a existência dos deveres conjugais.

Princípio da solidariedade espiritual É a mútua assistência e o respeito e consideração mútuos (art.1.566, III e V, do CC). Princípio da moral conjugal É o que fundamenta os deveres conjugais explícitos e implícitos. Os deveres implícitos não

constam expressamente na lei, mas decorrem da moral conjugal. Exemplos: dever de sinceridade, de tolerância etc.

Princípio do domicílio conjugal É a vida sob o mesmo teto. O domicílio será escolhido por ambos os cônjuges, mas um e outro

podem ausentar-se do domicílio conjugal para atender a encargos públicos, ao exercício de sua profissão, ou a interesses particulares relevantes (art.1.569).

A fixação do domicílio, como se vê, segue o princípio da isonomia, não sendo mais uma imposição do marido. Em caso de divergência, o juiz fixará o domicílio. A moradia em casas diferentes, que é admitida na união estável (súmula 382 do STF), não pode ser convencionada no pacto antenupcial, sob pena de nulidade dessa cláusula, por violar art.1.566, II, do CC, que consagra o princípio do domicílio conjugal.

Princípio da comunhão sexual É o débito conjugal, o dever de manter conjunção carnal. O dever de coabitação abrange a

moradia sob o mesmo teto e o débito conjugal. Todavia, os cônjuges podem dormir em camas separadas. A conjunção carnal, porém, não pode ser obtida coativamente, sob pena de violação do princípio da liberdade e da dignidade da pessoa humana. O débito conjugal, porém não é requisito de existência nem de validade do casamento. A lei faculta, como observa Carlos Dias Motta, o casamento de pessoas idosas e até mesmo o casamento in extremis, sem possibilidade de ser praticada a conjunção carnal.

Princípio da preservação do matrimônio “Constituída uma família, matrimonial, ou não, é função do direito preservá-la, em benefício

de seus membros e ainda em virtude de sua relevante função social” (Carlos Dias Motta). Referido princípio incide na ação declaratória da existência do casamento, que é cabível quando, por alguma razão, não é possível provar-se a existência do matrimônio pela certidão do registro civil (exemplo:incêndio no cartório). Tal ação, desde que haja ou tenha havido posse do estado de casados, na dúvida, é julgada procedente (art.1.547 do CC).

Já ação de nulidade ou anulação de casamento, na dúvida, é julgada improcedente. Outro aspecto é que a violação da causa suspensiva do matrimônio não invalida o casamento, impondo-se apenas o regime da separação de bens (arts. 1.523 e 1.641, I, do CC).

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Princípio da autonomia dos cônjuges “Cada um dos cônjuges mantém o poder de livre disposição sobre assuntos de caráter

estritamente pessoal, contanto que não prejudique, na gestão deles, a colaboração própria de marido e mulher, a comunhão de vida matrimonial” (Antunes Varella). Assim, com o casamento, a liberdade sofre restrições de ordem pessoal e patrimonial, em nome do interesse da família, mas a liberdade de cada cônjuge, de tomar decisões individuais, é preservada, desde que não ofenda os princípios matrimoniais.

PROCESSO DE HABILITAÇÃO

O processo de habilitação é a fase preliminar na qual se verifica se os nubentes preenchem os

requisitos para o ato nupcial. Por meio da habilitação visa-se evitar a realização de casamentos vedados pela lei. São seis as funções do processo de habilitação: 1) Identificação dos contraentes. A identificação é pela certidão de nascimento ou

documento equivalente. Tratando-se de estrangeiros, o passaporte é documento hábil para identificá-lo. Estando o estrangeiro em situação irregular, prevalece o entendimento de que ele não pode se casar no Brasil, mas, de acordo com Washington de Barros Monteiro o casamento seria permitido, pois a lei não proíbe o matrimônio. O estrangeiro, ainda que turista, estando em situação regular, pode se casar no Brasil.

2) Averiguar a capacidade das partes. Conquanto a nulidade do matrimônio seja relativa, compete ao oficial do registro civil examinar de ofício a capacidade matrimonial dos contraentes, porquanto os serviços de registros públicos têm a função de garantir a autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, conforme art.1º da Lei nº 6.015/1973. O oficial deve barrar o casamento dos incapazes de contrair matrimônio, ainda que não interditados, obstando também o casamento de pessoas patentemente coagidas ou embriagadas.

3) Averiguar a inexistência de impedimentos matrimoniais. Tanto o juiz de casamento quanto o oficial de registro civil podem suscitar a oposição de impedimentos matrimoniais.

4) Averiguar a validade das cláusulas relativas ao regime de bens. Com efeito, dispõe o art.1.528 do CC: “É dever do oficial do registro esclarecer os nubentes a respeito dos fatos que podem ocasionar a invalidade do casamento, bem como sobre os diversos regimes de bens”. O casamento gera consequências patrimoniais. Se os nubentes optarem pelo regime da comunhão parcial, basta que o oficial reduza a termo esta vontade, sendo desnecessário o pacto antenupcial. Se optarem por outro regime, que não seja a comunhão parcial ou a separação legal, é obrigatória a lavratura de escritura pública de pacto antenupcial. Referida escritura é lavrada no Cartório de Notas e juntada no processo de habilitação. Nada obsta o pacto antenupcial no regime da comunhão parcial, mas é facultativo.

5) Verificar a regularidade da mudança dos nomes. É facultado à mulher acrescer o patronímico do marido, igualmente, o marido pode adotar o patronímico da mulher. Tanto um quanto o outro não pode suprimir totalmente os seus apelidos de família. Tratando-se de patronímico composto, admite-se a supressão de um deles para se acrescentar o do cônjuge.

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6) Dar publicidade à pretensão de os nubentes se casarem. Com efeito, dispõe o art.1.527 do CC: “Estando em ordem a documentação, o oficial extrairá o edital, que se afixará durante 15 (quinze) dias nas circunscrições do Registro Civil de ambos os nubentes, e, obrigatoriamente, se publicará na imprensa local, se houver. A autoridade competente, havendo urgência, poderá dispensar a publicação”. Os editais de proclamas visam dar publicidade ao casamento. Esses editais são registrados no livro D no Cartório de Registro Civil, se os nubentes residirem em circunscrições diferentes, os editais devem ser publicados (afixados) e registrados em ambos os cartórios. Sobre a contagem do prazo de 15 dias, segue a regra geral do Código Civil: exclui-se o dia do começo e computa-se o último dia (art. 132). Se este cair em dia não útil, prorroga-se a afixação do edital até o primeiro dia útil seguinte. Se na circunscrição houver imprensa, é obrigatória que nela se publique os proclamas, cujas despesas serão pagas pelo interessado; se os nubentes forem pobres e no local houver imprensa, a publicação será no diário oficial. Se um dos nubentes residir no exterior, os editais não são afixados no cartório estrangeiro, pois essa imposição violaria a soberania do respectivo país.

COMPETÊNCIA PARA O PROCESSO DE HABILITAÇÃO Sobre a competência para o processo de habilitação, cumpre salientar que o requerimento é

dirigido ao oficial do registro civil das pessoas naturais do distrito da residência de um dos nubentes, conforme art.67 da Lei nº 6.015/1973. Note-se que a competência não é do domicílio e sim da residência.

A habilitação será feita pessoalmente perante o oficial do registro civil da residência dos noivos, ou em qualquer deles se residentes em distritos distintos, instruída com os documentos elencados no art. 1.525, sendo necessária ainda a audiência do Ministério Público (art. 1.526). Logo, como se vê, não há, em regra, necessidade de intervenção judicial. Excepcionalmente, porém, a habilitação deve ser submetida à homologação judicial. Tal ocorre quando houver impugnação do oficial, do Ministério Público ou de terceiro, conforme parágrafo único do artigo 1.526 do C.C., com redação dada pela Lei 12.133/2009. O requerimento de habilitação deve ser subscrito (de próprio punho) pelos nubentes ou por procurador com poderes especiais. Esta procuração pode ser por instrumento particular com firma reconhecida, pois o art.1.542 do CC só exige instrumento público na procuração outorgada para contrair casamento e não para dar início ao processo de habilitação. Se um ou ambos for analfabeto, a jurisprudência exige assinatura a rogo, com duas testemunhas.

Este requerimento deve ser instruído com os seguintes documentos: a) Certidão de nascimento ou documento equivalente. Não se aceita a certidão de batismo.

Entende-se por documento equivalente a carteira de identidade, carteira profissional, título de eleitor etc.

b) Autorização por escrito do representante legal (pais, tutores e curadores). Assim, o processo de habilitação do menor de 18 anos deve ter a prova da emancipação ou a anuência de seus pais ou tutor. É exigível a autorização de ambos os pais (art.1.517), com reconhecimento de firma, sendo que a dita autorização deverá ser transcrita integralmente na escritura antenupcial (art.1.537). Se os pais forem analfabetos, a anuência deles deve ser dada por assinatura a rogo na presença de duas testemunhas, colhendo-se ainda a impressão digital, reduzindo tudo isso a termo subscrito pelo oficial de registro civil e juiz de paz. Os pais analfabetos podem também constituir procurador por instrumento público. Se houver divergência entre os pais quanto à concessão ou não

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de autorização, o juiz decidirá pela expedição ou não de alvará de suprimento de consentimento. Silvio Rodrigues ensina que se comprovar a ausência prolongada do marido por vários anos, a mulher poderá autorizar sozinha. Na hipótese de morte do pai, ou falta de reconhecimento da paternidade, o consentimento será dado exclusivamente pela mãe. O representante legal pode, desde que motivadamente, revogar a autorização até a celebração do casamento, mediante requerimento escrito dirigido ao oficial do registro. Esclarece Maria Helena Diniz que essa revogação poderá ser verbal quando se der no instante da celebração do ato nupcial, constando a retratação no termo de casamento. O nubente, que não obteve do representante legal a autorização, pode mover ação ordinária de suprimento judicial do consentimento. O representante será citado para apresentar defesa em 5 dias úteis, sob pena de revelia, isto é, de ser deferido o alvará. Após a apresentação da defesa, o juiz designa audiência de instrução e julgamento, proferindo sentença, da qual cabe apelação, com efeito suspensivo.

c) Declaração de duas testemunhas maiores, parentes ou não, que atestem conhecê-los e afirmem não existir impedimento que os iniba de casar. As testemunhas não precisam declarar a inexistência de causa suspensiva do casamento

d) Declaração por escrito do estado civil, do domicílio e da residência atual dos contraentes e de seus pais, se forem conhecidos. O Ministério Público, se houver motivos para desconfiar da veracidade da declaração, pode exigir que os contraentes juntem atestado de residência firmado pela autoridade policial (art.1.218, IX do CPC).

e) Certidão de óbito do cônjuge falecido, de sentença declaratória de nulidade ou de anulação de casamento, transitada em julgado, ou de registro da sentença de divórcio. Estas exigências visam evitar a bigamia, isto é, o casamento de pessoas casadas. Tratando-se de estrangeiro residente fora do Brasil, é preciso apresentar a certidão da sentença de divórcio proferida no estrangeiro, homologada pelo STJ. O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, também deverá ser homologado pelo STJ (§6º do art.7º da LINDB). Se o estrangeiro ou brasileiro for domiciliado no Brasil não se admite, em homenagem à soberania nacional, sentença de divórcio de outro país.

f) Certificado de exame pré-nupcial quando o casamento for entre colaterais até terceiro grau (tio com sobrinha ou tia com sobrinho). Conforme Decreto-lei nº 3.200/1941.

O casamento é regido pelo princípio da gratuidade. Dispõe o art.226, §1º da CF: “O

casamento é civil e gratuita a celebração”. O parágrafo único do art.1.512 do CC acrescenta que “a habilitação para o casamento, o registro e a primeira certidão serão isentos de selos, emolumentos e custas para as pessoas cuja pobreza for declarada, sob as penas da Lei”.

As irregularidades no processo de habilitação não invalidam o casamento, a não ser nas hipóteses em que a lei prevê expressamente que a sanção é a nulidade ou anulabilidade do matrimônio.

Estando em ordem a documentação, o oficial lavrará os proclamas de casamento, que se afixará em quinze dias nas circunscrições do Registro Civil da residência de ambos os nubentes, e, obrigatoriamente, publicar-se-á na imprensa local, se houver (art. 1.527). Não há necessidade de se publicar proclamas no local de nascimento dos nubentes.

O parágrafo único do art. 1.527 dispõe que a autoridade competente, havendo urgência, poderá dispensar a publicação dos proclamas. A autoridade competente é o juiz de direito (art. 69 da Lei 6.015/73). A lei não especifica os casos de urgência, mas a doutrina costuma citar a moléstia grave de um dos nubentes, que está prestes à morte; a necessidade de viagem inadiável etc. Antes de deferir o requerimento, o juiz deve ouvir o outro nubente e o Ministério Público.

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Verificada a inexistência de fato obstativo, o oficial extrairá o certificado de habilitação (art. 1.531), cuja eficácia será de noventa dias, a contar da data em que foi extraído o certificado (art. 1.532). Note-se que o casamento não precisa realizar-se no local da habilitação ou da residência de um ou ambos os nubentes. Após o decurso desse prazo, que é decadencial, o casamento só poderá ser realizado se houver renovação do processo da habilitação.

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PERGUNTAS:

1) Qual a amplitude do conceito de família? 2) A família é dotada de personalidade jurídica? 3) As normas de direito de família são cogentes ou dispositivas? 4) O Estado pode interferir no planejamento familiar? 5) O que é o Direito de Família Constitucional? E qual é o seu principal princípio? 6) O que é o princípio da solidariedade social? 7) O que é o Princípio da igualdade entre filhos? 8) O que é o Princípio da igualdade entre os cônjuges? 9) O que é o Princípio da não intervenção? 10) O que é o Princípio da proteção integral à criança e ao adolescente? 11) O que é o Princípio da afetividade? 12) O que é o Princípio da função social da família? 13) Por que o casamento é simultaneamente contrato e instituição? 14) O juiz intervém em todos os procedimentos de habilitação? E o MP? 15) Quando é possível dispensar a publicação de proclamas? Qual é a autoridade competente

para tanto? 16) Qual o tempo de eficácia do certificado de habilitação?