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Entrevista 24 | Avicultura Industrial | nº 05 | 2017 O O novo general Manager da Trouw Nutrition, Stefan Mihailov, discute as transformações no mercado de saúde e nutrição animal, fala sobre a concentração no setor produtivo de aves e suínos e debate a tendência de retirada dos antibióticos como melhoradores de desempenho das rações Por | Humberto Luis Marques e Fernanda Oliva, de Campinas (SP) CONCENTRAÇÃO, RETIRADA DOS ANTIMICROBIANOS E MUDANÇAS NO MERCADO DE SAÚDE E NUTRIÇÃO ANIMAL executivo Stefan Mihailov assumiu recen- temente o cargo de general Manager da Trouw Nutrition, divisão de negócios da Nutreco no Brasil. A Trouw mantém sob o seu chapéu empresas como Selko, BRNova, Fatec, Fri- -Ribe e Bellman, todas ligadas ao segmento de saúde e nutrição animal. Mihailov tem pela frente a missão de acelerar o crescimento da companhia com base em sua proposta de valor: equipes especializadas e um portfolio completo de produtos, modelos e serviços inovadores. “A grande vantagem de se estar dentro do agronegócio, especificamente no setor de proteína animal, é que este é um setor em amplo desenvolvimento. Se pensarmos em crescimento futuro, o mundo sabe que o que norteia o Brasil é a necessidade de alimentar o mundo. O que na verdade é também a missão da Nutreco”, comenta o executivo. Com 25 anos de experiência no mercado de saúde e nutrição animal, Mihailov ocupou cargos de direção- -executiva em várias empresas internacionais no Brasil, Estados Unidos e Europa. Em sua última posição na Phibro Animal Health Corporation, onde estava desde 2010, foi responsável pelas operações no Brasil e Amé- rica Latina. Nessa entrevista exclusiva à redação de Avicultura Industrial, o executivo fala sobre os desafios e oportunidades que terá pela frente ao assumir o novo cargo, comenta sobre a concentração do mercado de proteína animal, indicando os possíveis impactos para as empresas de saúde e nutrição animal, além de abordar também a tendência de retirada dos antimicrobianos como aditivos melhoradores de desempenho das rações de aves e suínos. Confira. AI - O senhor acaba de assumir o cargo de general Mana- ger da Trouw Nutrition, divisão de negócios da Nutreco no Brasil. Quais os grandes desafios que tem pela frente? Stefan Mihailov - Ao mesmo tempo em que existem muitos desafios, há grandes oportunidades. A grande vantagem de se estar dentro do agronegócio, especificamente no setor de proteína animal, é que este é um setor em amplo desenvolvimento. Se pensarmos em crescimento futuro, o mundo sabe que o que norteia o Brasil é a necessidade de alimentar o mundo. O que na verdade é também a missão da Nutreco. Para os próximos dez anos, se de- senha para o Brasil um crescimento em torno de 25% no volume de carne bovina e de 35% em aves e suínos. São setores que mostram uma perspectiva de crescimento muito favorável. Então, temos que focar principalmente em oportunidades. Elas estão disponíveis para quem se organizar melhor e aproveitá-las por meio de um time competente, o que a Trouw Nutrition tem de sobra no Brasil. A qualidade de nossa equipe é muito boa em todas as áreas em que atuamos. AI - No caso das aquisições das empresas BRNova e Fatec, o processo de incorporação delas à Trouw já está totalmente finalizado? Mihailov - Vou comentar antes um pouco sobre a trajetória de aquisições realizadas pela Nutreco. A Nutreco iniciou sua história aqui no Brasil em 2002, quando adquiriu glo- balmente as operações da empresa Selko, especializada em feed additives. Como a Selko já operava no Brasil, acabou sendo a porta de entrada da Nutreco no mercado brasileiro. Em 2009, deu início ao processo de aquisição da Fri-Ribe. Num primeiro momento, adquirindo somente

ConCentração, retirada dos antimiCrobianos e mudanças no ... · “Os fabricantes de premix perderam o mercado das grandes integradoras. Hoje, todas elas são autossuficientes

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Entrevista

24 | Avicultura Industrial | nº 05 | 2017

O

O novo general Manager da Trouw Nutrition, Stefan Mihailov, discute as transformações no mercado

de saúde e nutrição animal, fala sobre a concentração no setor produtivo de aves e suínos e debate

a tendência de retirada dos antibióticos como melhoradores de desempenho das rações

Por | Humberto Luis Marques e Fernanda Oliva, de Campinas (SP)

ConCentração, retirada dos antimiCrobianose mudanças no merCadode saúde e nutrição animal

executivo Stefan Mihailov assumiu recen-

temente o cargo de general Manager da

Trouw Nutrition, divisão de negócios da

Nutreco no Brasil. A Trouw mantém sob o

seu chapéu empresas como Selko, BRNova, Fatec, Fri-

-Ribe e Bellman, todas ligadas ao segmento de saúde e

nutrição animal. Mihailov tem pela frente a missão de

acelerar o crescimento da companhia com base em sua

proposta de valor: equipes especializadas e um portfolio

completo de produtos, modelos e serviços inovadores.

“A grande vantagem de se estar dentro do agronegócio,

especificamente no setor de proteína animal, é que este

é um setor em amplo desenvolvimento. Se pensarmos

em crescimento futuro, o mundo sabe que o que norteia

o Brasil é a necessidade de alimentar o mundo. O que

na verdade é também a missão da Nutreco”, comenta

o executivo.

Com 25 anos de experiência no mercado de saúde e

nutrição animal, Mihailov ocupou cargos de direção-

-executiva em várias empresas internacionais no Brasil,

Estados Unidos e Europa. Em sua última posição na

Phibro Animal Health Corporation, onde estava desde

2010, foi responsável pelas operações no Brasil e Amé-

rica Latina. Nessa entrevista exclusiva à redação de

Avicultura Industrial, o executivo fala sobre os desafios

e oportunidades que terá pela frente ao assumir o novo

cargo, comenta sobre a concentração do mercado de

proteína animal, indicando os possíveis impactos para as

empresas de saúde e nutrição animal, além de abordar

também a tendência de retirada dos antimicrobianos

como aditivos melhoradores de desempenho das rações

de aves e suínos. Confira.

AI - O senhor acaba de assumir o cargo de general Mana-

ger da Trouw Nutrition, divisão de negócios da Nutreco

no Brasil. Quais os grandes desafios que tem pela frente?

Stefan Mihailov - Ao mesmo tempo em que existem muitos

desafios, há grandes oportunidades. A grande vantagem

de se estar dentro do agronegócio, especificamente no

setor de proteína animal, é que este é um setor em amplo

desenvolvimento. Se pensarmos em crescimento futuro,

o mundo sabe que o que norteia o Brasil é a necessidade

de alimentar o mundo. O que na verdade é também a

missão da Nutreco. Para os próximos dez anos, se de-

senha para o Brasil um crescimento em torno de 25% no

volume de carne bovina e de 35% em aves e suínos. São

setores que mostram uma perspectiva de crescimento

muito favorável. Então, temos que focar principalmente

em oportunidades. Elas estão disponíveis para quem se

organizar melhor e aproveitá-las por meio de um time

competente, o que a Trouw Nutrition tem de sobra no

Brasil. A qualidade de nossa equipe é muito boa em todas

as áreas em que atuamos.

AI - No caso das aquisições das empresas BRNova e

Fatec, o processo de incorporação delas à Trouw já está

totalmente finalizado?

Mihailov - Vou comentar antes um pouco sobre a trajetória

de aquisições realizadas pela Nutreco. A Nutreco iniciou

sua história aqui no Brasil em 2002, quando adquiriu glo-

balmente as operações da empresa Selko, especializada

em feed additives. Como a Selko já operava no Brasil,

acabou sendo a porta de entrada da Nutreco no mercado

brasileiro. Em 2009, deu início ao processo de aquisição

da Fri-Ribe. Num primeiro momento, adquirindo somente

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dito

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entrevista

um percentual da empresa. Em 2012, comprou o total de

operações, passando a deter 100% do seu capital. Nesse

mesmo ano, adquiriu a Bellman e, dois anos depois,

realizou a aquisição da BRNova e da Fatec, que são dois

negócios fortes em monogástricos, além da Selko, que tra-

balha fundamentalmente com aditivos para aves e suínos.

AI - Então, o processo de integração ainda continua

sendo feito?

Mihailov - A integração continua em questões relativas à

produção, além do suporte em áreas como finanças e re-

cursos humanos. Mas, os negócios permanecem isolados

e, muito provavelmente, permanecerão dessa forma. As

duas empresas possuem modelos de negócios distintos

e suas fortalezas dependem basicamente do modelo de

negócio. A intenção é realmente permanecer assim no

mercado, apresentando aos clientes as diversas soluções

que cada uma das empresas desenvolveu ao longo dos

anos. A Fatec tem mais de 50 anos de história. A BRNova é

um pouco mais jovem, mas chamou a atenção da Nutreco

pela sua velocidade de crescimento no mercado brasileiro.

AI - No mercado, tanto Fatec quanto BRNova manterão

atuações independentes?

Mihailov - No mercado, sim. São soluções distintas, portfó-

lios de produtos e equipes diferentes. Logicamente iremos

buscar integrar as soluções globais existentes na Nutreco,

principalmente em inovação, e

oferece-las para ambas as equipes

levarem ao mercado. A principal de-

las é um novo conceito que estamos

desenvolvendo em vários países

chamada NutriOpt. Essa tecnologia

envolve um conjunto de soluções

voltadas à nutrição, passando por

equipamentos com validação labo-

ratorial, os quais facilitam o processo

de análise de componentes da ração,

associados a modelos matemáticos.

Essas análises possibilitam ao cliente

escolher a melhor dieta, buscando

maximizar o seu resultado de acordo

com o objetivo traçado, que pode

ser redução do custo da dieta ou

melhoria da conversão alimentar,

por exemplo.

AI - Hoje, a Trouw Nutrition tem algumas marcas sob o

seu chapéu, casos da Selko, Fatec, BRNova e Fri-Ribe.

Poderia falar um pouco sobre essas empresas que

compõem o grupo?

Mihailov - A Trouw Nutrition é composta por várias em-

presas. Nós temos a Bellman, que atua fundamentalmente

no mercado de ruminantes com suplementação mineral. A

Selko é uma empresa posicionada no segmento de aditivos

para alimentação animal, os chamados feed additives, com

foco no mercado de suínos e aves. Dentro da Selko existem

três grandes áreas de negócios: saúde intestinal, feed safety

e trace minerals. Em saúde intestinal temos soluções para

controle de Salmonella em aves, por exemplo. Em feed

safety, o foco é garantir o uso de matéria-prima para rações

dentro dos padrões adequados. Já em trace minerls, traba-

lhamos com minerais, que são importantes nas dietas dos

animais. Recentemente, adquirimos nos Estados Unidos a

Micronutrients. Essa empresa detém a linha IntelliBond,

que é uma solução revolucionária e inovadora em minerais

direcionados à alimentação animal. O seu portfolio será

incorporado pela Selko.

AI - E sobre as outras empresas que compõem o grupo?

Mihailov - A Fri-Ribe tem uma diversificação grande de seus

negócios. Fundamentalmente, fabrica rações para diversas

espécies animais: gado de corte, cavalos, cães, gado de

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leite, peixes, camarões, coelhos, codornas e outras espé-

cies. O negócio da Fri-Ribe está espalhado pelo Brasil todo,

com três plantas industriais uma no Estado de São Paulo e

outras duas no Nordeste. No caso da BRNova e da Fatec,

são duas empresas do segmento de premix, cujo maior

mercado é o de aves e suínos. São as duas aquisições mais

recentes do grupo e temos conseguido ótimos resultados

de performance dessas duas linhas, com crescimento ano a

ano. Temos total confiança de que estamos trazendo tecno-

logias globais da Nutreco para agregar ao já bom trabalho

desempenhado até aqui tanto pela Fatec quanto BRNova.

SI - A Nutreco pretende adquirir outras companhias, seja

no Brasil ou em outros países da América Latina?

Mihailov - O Brasil é visto pela Nutreco como um dos países

com maior potencial de crescimento ao longo dos próximos

anos. O que é natural. Se

olharmos os números da

FAO [Organização das

Nações Unidas para Agri-

cultura e Alimentação],

eles apontam para uma

necessidade de aumen-

tar a produção mundial

de alimentos em torno

de 70% visando atender

a demanda futura, até

2050, de nove bilhões de

habitantes da Terra. Isso

significa que o Brasil será

o principal player porque

tem potencial para crescer

o dobro da média de todos

os outros países visando

atender essa meta. O país

possui área agricultável,

capacidade de transformação de grãos em proteína, agre-

gando valor ao produto. Não faltam recursos naturais e

temos tecnologias extremamente avançadas para produzir

aves e suínos. Em ruminantes há um espaço enorme de

avanço em produtividade, o que virá com a adoção de

tecnologias. O mercado brasileiro é aberto para empresas

que contribuem para a melhoria dos resultados de campo

e rentabilidade dos produtores. Isso se resume no conceito

de sustentabilidade, que é o tripé ambiental, econômico e

social. Ou seja, envolve crescimento da capacidade pro-

dutiva com respeito ao meio ambiente, aumento da mão de

obra nos segmentos que compõem o agronegócio e também

resultados econômicos para dar longevidade às empresas,

algo que o Brasil está fazendo muito bem há vários anos.

Montei esse cenário para indicar que sim, a Nutreco en-

xerga o Brasil como um dos principais países dentro de

seu plano estratégico e de crescimento futuro. Com isso,

estamos de olho em oportunidades que possam surgir em

todos os segmentos que se mostrarem promissores dentro

de nosso core business, que basicamente é o de produção

de proteína animal.

AI - Recentemente a Trouw inaugurou um centro de pes-

quisas aqui no Brasil. Qual a importância dessa iniciativa?

Mihailov - Globalmente, a Nutreco detém uma marca

de laboratórios chamada Masterlab. Um desses poucos

laboratórios instalados

no mundo passou a ope-

rar no Brasil, em nossa

sede em Arujá, São Pau-

lo. O Masterlab possui

equipamentos de ponta e

know how para o desen-

volvimento de soluções

laboratoriais não só para

uso interno nosso, como

também para controle

de qualidade e outros

serviços oferecidos aos

clientes. Ao todo, são 11

centros de pesquisa e

desenvolvimento espalha-

dos pelo mundo. Estamos

muito contentes com esse

investimento feito pela

Nutreco, colocando a nos-

sa disposição um laboratório da importância do Masterlab.

É um voto de confiança muito grande.

AI - Há uma concentração cada vez maior do mercado de

proteína animal. Como o senhor avalia esse movimento,

ele pode ser entendido como algo natural?

Mihailov - O segmento de aves e suínos já passou por uma

consolidação muito acelerada, culminando com a formação

da BRF e da JBS, no tamanho em que elas estão hoje. Se

olharmos a realidade brasileira, veremos que temos uma

“Os fabricantes de premix

perderam o mercado das grandes

integradoras. Hoje, todas elas

são autossuficientes em premix.

Porém, essas grandes integradoras

e cooperativas passaram a ser

mercado para as empresas de

aditivos para alimentação animal.

É onde existe a possibilidade de

venda direta não só do produto,

mas de todo o expertise em

torno dele”

Entrevista

28 | Avicultura Industrial | nº 05 | 2017

concentração muito elevada em três ou quatro empresas. No

entanto, há outros países com uma consolidação maior ainda.

Então, não é algo que assusta. Ocorre que esse movimento

exige muito mais da área de insumos. Isso porque essas

grandes agroindústrias logicamente se estruturam muito

melhor, tendo seu próprio corpo técnico, fazendo com que

o suporte oferecido no passado deixe de ser um diferencial

competitivo. É preciso buscar realmente linhas bem mais

inovadoras para atender as necessidades desses clientes.

AI - No segmento de saúde e nutrição animal também tem

ocorrido um processo de consolidação, não?

Mihailov - Em nutrição eu não encararia como uma ten-

dência. O fato é que as companhias mundiais que ainda

não atuavam no Brasil passaram a enxergar o país como

fundamental para conti-

nuar crescendo em nível

global. É nítido o cresci-

mento acelerado de várias

empresas europeias e

americanas no país nos

últimos anos. Não é dife-

rente para a Nutreco. Nós

entendemos que o mundo

é dependente do Brasil no

que tange ao atendimento

da crescente demanda

por alimentos. O mercado

da Europa está estabili-

zado há vários anos. Nos

Estados Unidos, há uma

competição pelo uso do milho como etanol ou como matéria-

-prima para rações. A Austrália é outro país com potencial

de produção, mas enfrenta um sério problema de disponibi-

lidade de água. A África também tem enorme potencial, só

que tem questões sociais e políticas bem complexas. Então,

o Brasil é o grande celeiro do mundo atual, e continuará a

ser no futuro. Nesse cenário, é natural que as empresas

internacionais comecem a enxergar oportunidades no país

e a consolidação é um resultado disso, da vinda dessas

empresas para o Brasil, num primeiro momento.

AI - Não é prejudicial ao setor de proteína animal esta

concentração?

Mihailov - O setor de aves e suínos está realmente con-

centrado. No caso de ruminantes, não. É um setor muito

difícil de concentrar devido às características da produção

brasileira, pulverizada em pequenos e médios produtores

com boa representatividade no mercado. Hoje, a agricul-

tura começa a olhar diferente para a pecuária de corte ou

de leite, buscando participar desses mercados, seja por

intermédio da integração lavoura-pecuária ou simples-

mente para diversificar a atividade. Pode até ocorrer um

agrupamento de empresas ou fazendas, formando um

pool de operações maiores. Essa tendência existe, mas

não seria uma concentração realmente. Agora, em aves e

suínos está já é a realidade devido exatamente as grandes

integrações e cooperativas.

AI - Qual o impacto dessa concentração de aves e suínos

para as empresas do setor de saúde e nutrição animal?

Mihailov - O impacto

vai depender muito do

segmento de atuação

de cada empresa. Por

exemplo, os fabricantes

de premix perderam o

mercado das grandes

integradoras. Hoje, todas

elas são autossuficientes

em premix. Porém, essas

grandes integradoras e

cooperativas passaram

a ser mercado para as

empresas de aditivos

para alimentação animal.

É onde existe a possibi-

lidade de venda direta não só do produto, mas de todo

o expertise em torno dele. Caso do NutriOpt [sistema

modular de alimentação de precisão da Trouw Nutrition,

que permite o gerenciamento da eficácia nutricional],

que contribui para um melhor posicionamento junto a

essas grandes empresas. Então, no segmento de aves e

suínos essa concentração exclui alguns mercados em que

essas grandes companhias passam a ser autossuficientes,

abrindo a porta para outros.

AI - Isso não acaba por reconfigurar todo o mercado?

Mihailov - Uma característica interessante desses novos

mercados que se abrem é a exigência por alta tecnologia.

Até pelo nível de tecnificação que essas empresas alcan-

çaram, todas trabalham em duas casas decimais depois

“Nos Estados Unidos ocorreu

um movimento muito rápido de

mudança da opinião pública.

Não estamos livres disso aqui

no Brasil. No caso dos americanos,

o consumidor mudou muito

rapidamente sua postura,

entendendo que não deveria

mais comer carne cuja produção

fosse feita com antibióticos”

nº 05 | 2017 | Avicultura Industrial | 29

da vírgula. Quem pretende ser um de seus fornecedores

precisa observar cada detalhe do produto/serviço ofereci-

do, fornecendo algo que realmente possa fazer diferença

na produção. Isso só é possível com produtos altamente

tecnológicos, o que cria uma excelente oportunidade para

quem realmente investe em pesquisa e desenvolvimento.

AI - Dentro do grupo, a Trouw trabalha com focos

segmentados?

Mihailov - É o caso da Selko, por exemplo. Nós claramente

segmentamos esse mercado de feed additives, que den-

tro do grupo é exatamente representado pela Selko. As

grandes integrações e cooperativas nós tratamos todo o

gerenciamento em torno delas como contas-chave. Como

comentei, elas se tornaram autossuficientes em premix,

passando a serem compradoras de feed additives. As

demais empresas, que ainda demandam premix, temos

um time específico para atendê-las.

AI - A Trouw acaba atendendo a todos, dependendo da

necessidade de cada um?

Mihailov - As grandes companhias já operavam dessa

forma. Sadia e Perdigão, que formaram a BRF, já trabalha-

vam com autossuficiência em premix. Não ocorreu uma

mudança tão radical do dia para a noite nesse mercado.

O que realmente mudou está relacionado à aquisição de

empresas de menor porte por esses grandes grupos. Pode

ser que anteriormente essas menores configuravam um

mercado para premix. Com sua aquisição, elas podem

deixar de ser, passando a comprar feed additives, tal qual

a companhia que as comprou.

AI - Há uma tendência mundial pela retirada dos anti-

bióticos como aditivos melhoradores de desempenho

das rações. É algo forte na Europa, mas já começa a

haver pressões também no Brasil. Como o senhor avalia

essa questão?

Mihailov - Eu venho de uma empresa que era extrema-

mente focada no segmento de antimicrobianos para ali-

mentação animal. Hoje, estou à frente de uma companhia

que possui um claro posicionamento global visando o uso

racional dos antimicrobianos. Em algumas linhas, caso da

Skretting [divisão de aquicultura da Nutreco], as rações

são totalmente livres de antibióticos. Inclusive, destinamos

linhas de produção exclusivas para a Skretting garantindo

que a ração fornecida a nossos clientes, seja de peixe ou

camarão, não tenha traço algum de antibiótico. Nos demais

mercados aqui no Brasil, ainda se utilizam os melhoradores

de desempenho. Na minha compreensão, tecnologias

comprovadas cientificamente com relação à análise de

risco devem ser mantidas, desde que não exista legislação

contrária. A tendência mundial é realmente o que você

mencionou. A União Europeia baniu completamente os

antibióticos melhoradores de desempenho já há alguns

anos. Os Estados Unidos também o fizeram, só que mais

recentemente.

Entrevista

30 | Avicultura Industrial | nº 05 | 2017

AI - Os Estados Unidos baniram todos os antimicrobia-

nos da produção animal?

Mihailov - O governo dos Estados Unidos proibiu o uso

de todos os antibióticos com importância para a saúde

humana com indicação de melhorador de desempenho na

produção animal. A regra passou a valer a partir de janeiro

desse ano. Só permaneceu o uso terapêutico mediante

prescrição veterinária. Ou seja, dentro do conceito que

integra a linha do uso racional de antimicrobianos.

AI - Como está o Brasil nessa questão?

Mihailov - No nosso entendimento, o Brasil adota uma

postura bem madura. O Ministério da Agricultura sem-

pre se posicionou a favor do uso de tecnologias que

contribuam para a produtividade, desde que se mostrem

seguras. Não acredito em uma mudança dessa direção

por parte do Ministério da Agricultura, assim como o

setor produtivo também entende que deva ser mantido

o uso dessa solução tecnológica devido às vantagens

econômicas que proporcionam para a produção de aves

e suínos e também em relação a segurança do alimento

e a segurança alimentar. Segurança do alimento no

sentido de ser um alimento seguro em que a utilização

de algumas substâncias previne o risco de infecções

alimentares no consumidor. E segurança alimentar no

sentido em que auxiliam na maior produtividade de

aves e suínos, consequentemente, disponibilizando mais

alimentos para o mundo.

AI - Não pode acontecer aqui no Brasil o mesmo ocor-

rido nos Estados Unidos?

Mihailov - Nos Estados Unidos ocorreu um movimento

muito rápido de mudança da opinião pública. Não esta-

mos livres disso aqui no Brasil. No caso dos americanos,

o consumidor mudou muito rapidamente sua postura,

entendendo que não deveria mais comer carne cuja pro-

dução fosse feita com antibióticos. Só ressaltando que não

ficam resíduos na carne se observado todo o período de

carência. Ocorre que na cabeça do consumidor se criou

uma imagem de que se houver antibiótico na produção

pode existir resíduo na carne. Caso o meu filho consuma

essa carne, poderia criar resistência e quando precisar

tomar um antibiótico, esse medicamento não fará mais

efeito. Ainda que seja uma teoria que não possa ser com-

pletamente descartada, é algo bastante complexo para

que realmente ocorra.

AI - Não seria um processo simples de ocorrer?

Mihailov - Para começar, a bactéria teria de apresentar re-

sistência em primeiro lugar. Segundo, o animal seria abatido

e teria todo o trajeto até a casa do consumidor. Ainda assim,

ele teria de comer a carne mal cozida, já que a cocção em

geral elimina as bactérias. E sem a bactéria, não há mais

problema de resistência. Mas, se esta ainda assim entrar

no organismo da pessoa, a própria defesa do organismo

atua para eliminá-la. Então, não é um processo tão simples.

Agora, não é 100% descartado. O que é preciso colocar nes-

sa discussão são pesos adequados na balança. Nem oito,

nem oitenta. Nos Estados Unidos, houve inicialmente uma

pressão do público consumidor sobre o Congresso, que por

sua vez pressionou o FDA [Food and Drug Administration],

o qual determinou junto as empresas do setor a retirada,

feita em três anos, o que culminou agora em dezembro de

2016. Foi muito rápido. Portanto, a partir desse ano é um

mercado que mudou completamente a sua dinâmica. Isso

também pode ocorrer no Brasil? Naturalmente que sim.

Por isso é algo que temos de acompanhar bem de perto.

AI - Isso não acaba sendo uma ferramenta de marketing

para a empresa diferenciar o seu produto nas gôndolas

dos supermercados?

Mihailov - Isso é algo que ocorre. Antes dessa proibição nos

Estados Unidos, a Tyson e a Perdue tinham um forte posi-

cionamento no mercado americano com a venda de frangos

produzidos sem o uso de antibióticos. Há três anos era co-

mum ver nos supermercados produtos dessas duas marcas,

com esse perfil, ocupando as gôndolas dos supermercados

com um preço bastante diferenciado. Eram produtos com um

premium price muito significativo. Hoje, praticamente todo o

frango americano é produzido sem antibióticos. Então, o que

era um diferencial se transformou em commodity.

AI - O preço do frango caiu nas gôndolas dos supermer-

cados americanos?

Mihailov - O preço está acomodado um pouco para

baixo. Logicamente, a retirada dos antibióticos acarreta

consequências nos custos de produção, além de os

resultados zootécnicos não serem os mesmos. Há já

soluções disponíveis, mas em algumas situações essa

substituição não é 100% em nível de resultado. Tem outro

aspecto ainda. Mesmo sem usar os antimicrobianos como

melhoradores de desempenho, caso haja enfermidade no

plantel, é necessário aplicar o medicamento. Só que essas

nº 05 | 2017 | Avicultura Industrial | 31

aves tratadas com antibióticos não podem ser destinadas

ao mesmo mercado das chamadas livres de antibióticos.

Isso é algo que ainda ocorre nos Estados Unidos, diferen-

ciando dois mercados.

AI - No ano passado o Ministério da Agricultura baniu

o uso da colistina na produção animal, cerca de quatro

meses depois de divulgado um estudo apontando o

risco de desenvolvimento de resistência bacteriana. O

governo brasileiro está atento a essas questões?

Mihailov - Nesses últimos anos tenho acompanhado de

perto as ações do Ministério da Agricultura nessa área,

seja por iniciativa própria ou por intermédio de acordos

globais dos quais o Brasil faz parte, como é o caso do

Codex Allimentarius. Há uma linha de pensamento e de

direcionamento estratégico da Organização Mundial da

Saúde [OMS] e da Organização Mundial de Saúde Animal

[OIE] para realmente reduzir o uso de antimicrobianos

na produção animal. O Brasil sendo um país signatário,

evidentemente tem de aderir a esses planos. Muita coisa

vem sendo feita em relação à conscientização, etapas de

controle, fiscalização, análise de risco das moléculas apro-

vadas etc. Você citou a colistina, mas o mesmo já ocorreu

com a espiramicina há uns dois anos. Enfim, o Ministério

da Agricultura trabalha rotineiramente nessas questões.

Quando surgiram dados novos relacionados à colistina, o

Ministério se posicionou. Enquanto os dados disponíveis

demonstravam não haver risco, o uso dela estava mantido.

A base científica é o fator de tomada de decisão nessa área.

Tem que ser assim, indiscutivelmente.

AI - As empresas de saúde e nutrição animal estão pre-

paradas para essas mudanças?

Mihailov - Há uma tendência futura muito clara, que é o

aumento do uso de vacinas e soluções nutricionais acom-

panhado da redução da aplicação de medicamentos.

Isso já é percebido ao longo dos anos e continuará a se

consolidar de forma acelerada na medida em que novas

vacinas e alternativas aos antibióticos cheguem ao mercado

oferecendo soluções para as questões de saúde animal. A

saúde animal migra cada vez mais para a área preventiva,

e menos para a curativa. O que é certo do ponto de vista da

produção. O custo é muito mais alto para tratar os animais.

Não só de medicamentos, mas pelo prejuízo causado pela

enfermidade, que muitas vezes demora a ser detectada.

Independente de ser uma tendência mundial, o certo é,

em qualquer tipo de produção, trabalhar preventivamente

com todas as soluções disponíveis.