12
Conhecimento e informação na atual Reestruturação Produtiva: para uma crítica das teorias da Gestão do Conhecimento César Bolaño 1 e Fernando Mattos 2 A idéia de uma Sociedade Pós-industrial, formulada no início dos anos 70 e que manteve seu vigor até o princípio dos 80, cedendo passo, em seguida, às noções de Sociedade da Informação e, mais recentemen- te, Sociedade do Conhecimento, baseava-se na constatação de mudanças significativas ocorridas na composição setorial do empre- go nos paises capitalistas desenvolvidos (queda do emprego industrial e aumento do peso dos serviços no conjunto dos ocupados), como mostra a tabela 1 e na existência de novas formas de trabalho (especialmente nos setores com alta concentração de atividades intensivas em conhecimento). A perspectiva pós-industrialista nutre-se, portanto, das trans- formações efetivamente promovidas pelo capitalismo contemporâneo sobre a estrutura social, decorrentes, em grande medida, das transformações tecnológicas e as crescentes exigências de conteúdos de conhecimento das tarefas realizadas pelos trabalhadores, num contexto de alterações da estrutura de em- prego e de mudanças estruturais e instituci- onais de ampla magnitude, decorrentes do enfrentamento da crise do padrão de acumu- lação de longo período do pós-guerra. Tendo como referência dados deste tipo, Bell (1973) pôde afirmar, simplesmente, que a sociedade pós-industrial é a sociedade dos serviços – que passam, pois, a dominar a produção nessas economias, assim como, no seu tempo, a indústria veio a suplantar a agricultura como setor fundamental da pro- dução. 3 Mas as atividades reunidas no setor de serviços, como se sabe, são residuais, ou seja, são classificadas por exclusão. São todas aquelas que não podem ser classificadas como agrícolas (que incluem a extração mineral ou vegetal) ou industriais (indústria da transfor- mação e construção civil). Ou seja, no setor de serviços, incluem-se o comércio de mercadorias, os serviços financeiros, aqueles realizados pelo setor público e as profissões liberais. Incluem-se também o serviço domés- tico e os serviços pessoais, esses últimos praticados por empresas ou indivíduos que trabalham por conta-própria. Trata-se, portan- to, de um amplo leque de atividades, com mão-de-obra de diferentes graus de qualifi- cação e de rendimentos, para não dizer das perspectivas de carreiras profissionais. É importante destacar, por exemplo, que muitas vezes atividades que atualmente estão colocadas como serviços, eram, há alguns anos, realizadas no âmbito das empresas do setor industrial. Ou seja, há diversos casos de profissionais que atualmente executam as mesmas tarefas que executavam há alguns anos, mas não as executam mais no espaço do planta produtiva de uma empresa, mas em escritórios ou em casa, com trabalho contratado pela mesma empresa que antes o empregava. Há também casos em que o profissional mantém-se no mesmo espaço físico do tempo em que estava ocupado como assalariado de uma empresa do setor indus- trial, mas seu contrato de trabalho é diferente do caso anterior, ou seja, o trabalhador foi “terceirizado” e sua ocupação, estatisticamen- te, entra na classificação do setor terciário. 4 Muitas profissões ou ocupações, por outro lado, embora claramente definidas como integrantes de atividades do setor de servi- ços, somente existem como conseqüência do desenvolvimento de novas atividades indus- triais ou do avanço tecnológico em atividades industriais já existentes. As insuficiências do conceito de Socie- dade Pós-industrial levaram autores como Manuel Castells a adotar alternativamente a idéia de “sociedade informacional” ou sim- plesmente “informacionalismo”. Assim, “o que é mais distintivo em termos históricos entre as estruturas econômicas da primeira e da segun- da metade do século XX é a revolu- ção nas tecnologias da informação e

Conhecimento e informação na atual Reestruturação ... · redundará, com a retomada da hegemonia norte-americana, no avanço da ortodoxia neo-liberal sobre os escombros do modelo

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65ECONOMIA E POLÍTICAS DA COMUNICAÇÃO

Conhecimento e informação na atual Reestruturação Produtiva:para uma crítica das teorias da Gestão do Conhecimento

César Bolaño1 e Fernando Mattos2

A idéia de uma Sociedade Pós-industrial,formulada no início dos anos 70 e quemanteve seu vigor até o princípio dos 80,cedendo passo, em seguida, às noções deSociedade da Informação e, mais recentemen-te, Sociedade do Conhecimento, baseava-sena constatação de mudanças significativasocorridas na composição setorial do empre-go nos paises capitalistas desenvolvidos(queda do emprego industrial e aumento dopeso dos serviços no conjunto dos ocupados),como mostra a tabela 1 e na existência denovas formas de trabalho (especialmente nossetores com alta concentração de atividadesintensivas em conhecimento). A perspectivapós-industrialista nutre-se, portanto, das trans-formações efetivamente promovidas pelocapitalismo contemporâneo sobre a estruturasocial, decorrentes, em grande medida, dastransformações tecnológicas e as crescentesexigências de conteúdos de conhecimento dastarefas realizadas pelos trabalhadores, numcontexto de alterações da estrutura de em-prego e de mudanças estruturais e instituci-onais de ampla magnitude, decorrentes doenfrentamento da crise do padrão de acumu-lação de longo período do pós-guerra.

Tendo como referência dados deste tipo,Bell (1973) pôde afirmar, simplesmente, quea sociedade pós-industrial é a sociedade dosserviços – que passam, pois, a dominar aprodução nessas economias, assim como, noseu tempo, a indústria veio a suplantar aagricultura como setor fundamental da pro-dução.3 Mas as atividades reunidas no setorde serviços, como se sabe, são residuais, ouseja, são classificadas por exclusão. São todasaquelas que não podem ser classificadas comoagrícolas (que incluem a extração mineral ouvegetal) ou industriais (indústria da transfor-mação e construção civil). Ou seja, no setorde serviços, incluem-se o comércio demercadorias, os serviços financeiros, aquelesrealizados pelo setor público e as profissõesliberais. Incluem-se também o serviço domés-

tico e os serviços pessoais, esses últimospraticados por empresas ou indivíduos quetrabalham por conta-própria. Trata-se, portan-to, de um amplo leque de atividades, commão-de-obra de diferentes graus de qualifi-cação e de rendimentos, para não dizer dasperspectivas de carreiras profissionais.

É importante destacar, por exemplo, quemuitas vezes atividades que atualmente estãocolocadas como serviços, eram, há algunsanos, realizadas no âmbito das empresas dosetor industrial. Ou seja, há diversos casosde profissionais que atualmente executam asmesmas tarefas que executavam há algunsanos, mas não as executam mais no espaçodo planta produtiva de uma empresa, masem escritórios ou em casa, com trabalhocontratado pela mesma empresa que antes oempregava. Há também casos em que oprofissional mantém-se no mesmo espaçofísico do tempo em que estava ocupado comoassalariado de uma empresa do setor indus-trial, mas seu contrato de trabalho é diferentedo caso anterior, ou seja, o trabalhador foi“terceirizado” e sua ocupação, estatisticamen-te, entra na classificação do setor terciário.4

Muitas profissões ou ocupações, por outrolado, embora claramente definidas comointegrantes de atividades do setor de servi-ços, somente existem como conseqüência dodesenvolvimento de novas atividades indus-triais ou do avanço tecnológico em atividadesindustriais já existentes.

As insuficiências do conceito de Socie-dade Pós-industrial levaram autores comoManuel Castells a adotar alternativamente aidéia de “sociedade informacional” ou sim-plesmente “informacionalismo”.

Assim,

“o que é mais distintivo em termoshistóricos entre as estruturaseconômicas da primeira e da segun-da metade do século XX é a revolu-ção nas tecnologias da informação e

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66 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume III

seõigeruosesíaP 0691 5691 0791 5791 0891 5891 0991 5991 0002 1002

AUE

alocírgA 5,8 3,6 5,4 1,4 6,3 1,3 9,2 9,2 6,2 4,2

lairtsudnI 3,53 5,53 4,43 6,03 5,03 0,82 2,62 0,42 9,22 4,22

soçivreS 2,65 2,85 1,16 3,56 9,56 8,86 9,07 1,37 5,47 2,57

latoT 001 001 001 001 001 001 001 001 001 001

AHNAMELA

alocírgA 0,41 9,01 6,8 8,6 3,5 6,4 5,3 2,3 7,2 6,2

lairtsudnI 0,74 4,84 3,94 4,54 7,34 0,14 8,93 5,63 4,33 5,23

soçivreS 1,93 7,04 0,24 8,74 0,15 4,45 7,65 2,06 9,36 8,46

latoT 001 001 001 001 001 001 001 001 001 001

AÇNARF

alocírgA 5,22 8,71 5,31 3,01 7,8 6,7 7,5 7,4 9,3 7,3

lairtsudnI 6,73 1,93 2,93 6,83 9,53 0,23 6,92 5,62 2,42 1,42

soçivreS 9,93 1,34 2,74 1,15 4,55 4,06 7,46 8,86 0,27 2,27

latoT 001 001 001 001 001 001 001 001 001 001

OÃPAJ

alocírgA 2,03 5,32 4,71 7,21 4,01 8,8 2,7 7,5 1,5 9,4

lairtsudnI 5,82 4,23 7,53 9,53 3,53 9,43 1,43 6,33 2,13 5,03

soçivreS 3,14 1,44 9,64 5,15 2,45 4,65 7,85 8,06 7,36 6,46

latoT 001 001 001 001 001 001 001 001 001 001

ODINUONIER

alocírgA 7,4 8,3 2,3 8,2 6,2 3,2 1,2 1,2 5,1 4,1

lairtsudnI 7,74 6,64 7,44 4,04 6,73 8,43 3,23 4,72 4,52 9,42

soçivreS 6,74 6,94 0,25 8,65 7,95 9,26 5,56 5,07 0,37 7,37

latoT 001 001 001 001 001 001 001 001 001 001

7G

alocírgA 3,71 3,31 0,01 8,7 5,6 5,5 5,4 9,3 3,3 2,3

lairtsudnI 7,63 0,83 2,83 7,53 5,43 0,23 3,03 5,82 7,62 1,62

soçivreS 0,64 6,84 8,15 5,65 0,95 5,26 2,56 7,76 0,07 7,07

latoT 0,001 0,001 0,001 0,001 0,001 001 001 001 001 001

51AIÉPORUE.NU

alocírgA 3,12 8,61 5,31 3,11 5,9 4,8 4,6 1,5 3,4 1,4

lairtsudnI 7,93 2,14 4,14 6,93 5,73 2,43 6,23 4,03 7,82 3,82

soçivreS 0,93 9,14 0,54 1,94 0,35 4,75 9,06 5,46 0,76 6,76

latoT 0,001 001 001 001 001 001 001 001 001 001

.airpórpoãçarobalE.evitcAnoitalupoPaledseuqitsitatS.)2002(EDCO:etnoF

Tabela 1Participação setorial do emprego civil em países e regiões selecionados

(em % do emprego civil total)1960-2001

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67ECONOMIA E POLÍTICAS DA COMUNICAÇÃO

sua difusão em todas as esferas deatividade social e econômica, inclu-indo sua contribuição no fornecimen-to da infra-estrutura para a forma-ção de uma economia global. Portan-to, proponho mudar a ênfase analí-tica do pós-industrialismo para oinformacionalismo”.

A ênfase de Castells no determinismotecnológico encerra diversos problemas,segundo alerta Garnham (2000), pois o autornão consegue sustentar seu argumento, se-gundo o qual a atual Era da Informaçãoestaria sendo caracterizada por expressivosganhos de produtividade decorrentes do usoda TIC. Comparando-se os dados de ganhosde produtividade média horária do trabalhodos anos 50/60 aos dados correspondentesatuais, percebe-se uma significativa diferen-ça em favor dos indicadores dos AnosDourados, como se poderá notar na tabela2. Independentemente do critério pelo qualse mede a evolução comparativa da produ-tividade dos tempos do “capitalismo indus-trial” aos do atual “capitalismo informa-cional”, os dados revelam que os ganhos deprodutividade eram maiores no passado.

Mas mesmo considerando o fato de quenos últimos anos da década de 1990 tenhasido possível notar aumentos de produtivi-dade, as observações de Garnham colocamem evidência uma lacuna na argumentaçãode Castells: como se opera verdadeiramentea transformação do capitalismo industrial emcapitalismo informacional? E porque essessupostos expressivos ganhos de produtivida-de das novas tecnologias não se espalharampor toda a atividade produtiva de bens e deserviços? Há ainda um outro aspecto que deveser mencionado na crítica ao determinismotecnológico de Castells. O discurso dodeterminismo tecnológico tem efeitodesmobilizador para a ação política concreta.Ao tomar as modificações que têm condu-zido ao chamado capitalismo informacionalmeramente como resultantes de desdobramen-tos tecnológicos, o autor despreza os con-flitos existentes entre o capital e o trabalho(para ele, a figura do empresário se esvaiem favor da sociedade em rede) e entre osdiferentes Estados Nacionais (como se opoder de cada um deles fosse semelhante).

O fato é que a ruptura dos acordos deBretton Woods, ligada aos impactos do avançoindustrial alemão e japonês dos anos 60 sobrea competitividade das empresas dos EUAredundará, com a retomada da hegemonianorte-americana, no avanço da ortodoxia neo-liberal sobre os escombros do modelo deregulação fordista e seu círculo virtuoso.

A ruptura do padrão de acumulaçãovigente em todo o longo período expansivodo pós-guerra, tendo em vista o esgotamentodo potencial dinâmico dos setores que pu-xavam o crescimento e os limites à expansãoimpostos pelo endividamento generalizadodos estados, empresas e famílias, criará ascondições estruturais para umafinanceirização geral, impulsionada pelapolítica econômica da potência hegemônicaa partir do início dos anos 80.

Os impactos mais eloquentes dessas trans-formações, sobre os mercados de trabalho,podem ser avaliados pela evolução recentede seus diversos indicadores, que apontampara o aumento do peso do emprego decaráter temporário e das ocupações em jor-nadas de tempo-parcial, aumento do desem-prego de longa duração, do desemprego dosjovens, etc. e rompimento do padrão dedeterminação salarial que havia sido conso-lidado durante os Anos Dourados. A partirdos anos 80, começa a se consolidar umdistanciamento crescente entre a evolução dossalários reais e da produtividade (tabela 3).Esses resultados revelam a virtual falênciado processo de regulação vigente sob achamada Sociedade da Informação, da qualo modelo japonês, de que trataremos adianteé o exemplo mais propalado.5

A mudança na natureza da concorrênciacapitalista leva a um progressivo ataque daslideranças empresariais (em aliança comfuncionários graduados de ministérios liga-dos à área econômica, com banqueiros cen-trais e demais funcionários graduados deatividades ligadas ao setor financeiro priva-do) ao “contrato social” estabelecido no pós-guerra (Bernard, 1994). Esse “contrato so-cial”, que serviu como principal ponto desustentação da construção macroeconômicadas economias nacionais nos anos 50 e 60,passa a ser interpretado, no contexto dasfinanças desregulamentadas que vigoram apartir do final dos anos 70, como empecilho

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68 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume III

SESÍAP)*(odoírepropedadivitudorpedsohnaG

3191/0781 9291/3191 8391/9291 0591/8391 3791/0591 2991/3791

acigléB 2,1 8,1 0,1 2,1 5,4 9,1

ahnamelA 9,1 4,1 1,1 8,0- 0,6 8,1

açnarF 7,1 4,2 9,2 5,0 1,5 8,1

ailátI 7,1 0,2 1,3 0,1 8,5 6,1

adnaloH 3,1 9,2 1,0- 3,0 8,4 4,1

odinUonieR 2,1 5,1 0,1- 7,3 1,3 4,1

ailártsuA 1,1 3,1 1,1 6,1 9,2 0,1

ádanaC 3,2 3,1 1,0 3,5 0,3 0,1

AUE 9,1 4,2 6,1 2,3 7,2 7,0

oãpaJ 9,1 5,3 3,2 6,0- 7,7 0,2

.)5991(nosiddaM:etnoF.odoírepropaidémedadivitudorpadoãçairav)*(

SESÍAP)A()*(edadivitudorP )B()**(laeroirárohoirálaS )***(B/A

3791/4691 2991/3891 3791/4691 2991/3891 3791/4691 2991/3891

AUE 6,3 8,2 3,1 3,0 8,2 2,8

ahnamelA 0,4 4,2 8,4 7,2 8,0 9,0

açnarF 5,5 6,2 8,4 4,1 1,1 9,1

)1(ailátI 1,5 6,2 2,6 1,1 8,0 4,2

odinUonieR 2,4 6,3 9,2 5,2 4,1 5,1

oãpaJ 5,8 42,2 78,31 31,3 6,0 7,0

.sonasoiráv,srotacidnIcimonocEniaM–DCEO:etnoF.odairalassaroplairtsudniotudorp)*(

.rodimusnocoasoçerpedecidníolepadanoicalfed.fsnart.dnianlanimonoirárohoirálasedaxat)**(.odaredisnocodoírepropsiaersiairalassotnemuaeedadivitudorpmesohnagertneoãçaler)***(

.sodíulcnioãtsemébmatoãçurtsnocanogerpmeeoãçudorp,osacetsen)1(

Tabela 2Ganhos médios reais anuais de produtividade do trabalho por período

Diversas fases históricas do capitalismo

Tabela 3Comparação entre evolução da produtividade e dos

salários horários reais na indústria de transformação (manufacturing)Taxa de variação média anual por período (em %)

1964/1973 e 1983-1992

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69ECONOMIA E POLÍTICAS DA COMUNICAÇÃO

para a melhoria das condições de competi-tividade das empresas no mercado interna-cionalizado.

Uma comparação da atual reestruturaçãoprodutiva com a primeira e a segunda re-voluções industriais que marcaram, respec-tivamente, a instauração do modo de produ-ção capitalista e a passagem, grosso modo,do capitalismo concorrencial do século XIXpara o capitalismo monopolista do século XX,permite definir o processo atual como ummomento fundamental de avanço dasubsunção do trabalho intelectual no capital,através da incorporação em larga escala dastecnologias da informação e da comunicaçãono processo produtivo e nas relações dedistribuição e de consumo (Bolaño, 2002).Se, seguindo Marx, podemos dizer que asTIC cumprem hoje para a subsunção dotrabalho intelectual (e a intelectualização geraldos processos de trabalho e de consumo queo acompanham), papel semelhante ao desem-penhado pela máquina-ferramenta na Revo-lução Industrial originária, forçoso é reco-nhecer que ainda não se apresentou clara-mente aquele outro elemento crucial para odesenvolvimento capitalista, qual seja, umcrescimento significativo e sustentado daprodutividade permitindo uma massificaçãoda produção a ponto de garantir um amplomovimento de inclusão social.

Há dois problemas a serem consideradosem relação às atuais dificuldades para oavanço da acumulação: (1) a financeirizaçãoda riqueza e seus efeitos sobre as decisõesde investimento produtivo; (2) o problemade criar as condições concretas para que osistema retome o seu dinamismo, ou seja, quepermitam a estabilização de um novo modode regulação capaz de garantir uma evoluçãoarticulada, de longa duração, entre a lógicada produção capitalista de bens e serviçose os modos de consumo e de vida das maisamplas camadas da população.

Isso não nos permite descartar a possi-bilidade da instalação de um novo modo deregulação inclusivo, como o que antecedeua crise atual. Nesse sentido, poderiam, porexemplo, as biotecnologias preencher aquelanecessidade fundamental de massificação doconsumo para a superação da crise e odeslanche de uma nova onda expansiva delongo prazo? Essa é uma hipótese de traba-

lho a ser explorada, mas cuja resposta nãopode ser dada de forma simples, tendo emvista o fato de que a lógica que governa aprópria produção na atual “economia doconhecimento” é, ela também, problemáticae inerentemente especulativa (Bolaño, 2003).

Não serão, em todo caso, as tecnologiasda informação e da comunicação que garan-tirão o dinamismo do novo modo deregulação. Seu papel na constituição desteé absolutamente crucial, mas em outro sen-tido: são elas que permitem a subsunção dotrabalho intelectual e a intelectualização geralda produção e do consumo (Bolaño, 2002),sem o que as próprias biotecnologias nãopoderiam ter se desenvolvido da forma e naextensão que conhecemos hoje. A lógica daatual expansão das TIC, não obstante, temsido plenamente adequada ao modeloexcludente adotado pelo sistema a partir dacrise do fordismo.

Para uma crítica das teorias da gestão doconhecimento

Foray (2000), ao fazer a apresentação dachamada Economia do Conhecimento, defi-ne a expressão como referindo-se, alterna-damente, a uma importante mudança sociale a uma nova disciplina acadêmica no campoda Ciência Econômica. A concepção de umaCrítica da Economia Política do Conhecimen-to (Bolaño, 2002) refere-se precisamente àarticulação entre esses dois fenômenos e àsua crítica, no sentido marxista do termo,realizando, assim, um trabalho de esclareci-mento das relações essenciais que caracte-rizam o objeto empírico e dos limitesimanentes da consciência burguesa a seurespeito. Tudo o que foi dito no item anteriorserve, em última análise, a este propósito.Neste item, à guisa de conclusão, podemosestender aquele esboço de empreendimentocrítico para o campo da Gestão do Conhe-cimento, área de atuação concreta e deinterface entre Ciências da Informação,Administração e Economia. Dados os limitesde espaço que se nos impõem aqui, limitar-nos-emos à análise do artigo seminal deNonaka e Takeuchi (1986), que dará origem,mais tarde, ao seu mais conhecido livro,campeão de vendas e de citações em todoo mundo (Nonaka e Takeuchi, 1995).

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70 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume III

Embora o artigo se referisse a umapesquisa sobre os métodos de gestão dodesenvolvimento de novos produtos adotadospor importantes empresas do Japão e dosEstados Unidos da América, não há comodesvincular a abordagem de uma visão dosnegócios ligada à inovação empresarial re-presentada pelo chamado “modelo japonês”,vitorioso na concorrência internacional du-rante o período expansivo do pós-guerra nosmais importantes ramos da indústria quemarcaram o período do fordismo. Lojkine(1995, p. 30 a 41) faz uma interessante análisesobre o caráter de “mito mobilizador” dosconceitos de “americanismo” e “niponismo”,à qual não precisamos voltar aqui. Ao invésdisso, vale retomar a contribuição de KamataSatoshi (1980), que nos apresentou “a outraface do milagre” japonês no momento emque a crise que se abateria sobre a economianipônica apenas se insinuava, com o objetivode localizar a nossa questão no seu contextohistórico.

É precisamente na busca obsessiva pelaredução de custos de que se falou no itemanterior que se inserem todos os variadosprojetos de reestruturação, notadamente,através do binômio inovação produtiva-ino-vação organizacional. No caso das inovaçõesprodutivas, busca-se ampliar a incorporaçãode novos equipamentos de alto teortecnológico (em particular as chamadastecnologias da informação), com o intuitode tornar mais flexível tanto o processoprodutivo, quanto o uso da mão-de-obraremanescente nas plantas produtivas, com ofito de ampliar continuamente os ganhos emprodutividade através de tecnologias altamen-te poupadoras de mão-de-obra. Areestruturação produtiva visa, portanto, tor-nar os processos de produção e decomercialização mais ágeis e menos custo-sos6.

Esse processo de reestruturação produti-va vem acoplado a processos recorrentes deinovações organizacionais, que se baseiam emdois fatores principais, superpostos: a redu-ção das escalas hierárquicas na estruturaocupacional das empresas e a ampliação daspossibilidades de uso mais flexível da mão-de-obra. As inovações organizacionais emcurso desde pelo menos o final dos anos 70têm recebido diferentes denominações, que

vão da “reengenharia” ao mais atualdownsizing e atendem especialmente aosobjetivos de intensificação e flexibilização douso do trabalho e de racionalização e redu-ção de custos produtivos, com os impactosjá discutidos sobre os mercados de trabalho,tendo em vista as citadas mudanças nanatureza da concorrência. O caso japonês nãoé diferente.

Francis Ginsbourger apresenta bem aquestão no seu prefácio à edição francesa (de1982) do livro de Satoshi (1980), lembrandoque o sucesso do modelo japonês está re-lacionado não só ao protagonismo do Mi-nistério da Indústria e Comércio Exterior(MITI), às ações seletivas dos bancos ou àestrutura oligopolista dos grandes conglome-rados (zaibatsu) que caracterizam aquelaeconomia, mas também às falências e apo-sentadorias antecipadas como forma deflexibilização do famoso sistema de empregovitalício e do salário por antigüidade (nenko).

O ataque sistemático ao sindicalismocombativo faz parte da história do Japãomoderno, tendo sido peça chave da admi-nistração norte-americana ao final da segun-da guerra mundial: “o Japão, diz-se, superouo risco de se tornar comunista em 1947-1948;para impedir o perigo, foram necessários aproibição geral das greves imposta peloGeneral Mac Arthur, a caça às bruxascomunistas, a eliminação sistemática dosindicalismo de oposição, o fortalecimentodas forças conservadoras ...” (idem, p. 14).Assim, ao lado da estratégia dos 20 grandeszaibatsu, fortemente integrados, cada umdeles incorporando as diferentes etapas doprocesso produtivo, além de uma cabeçafinanceira, permitindo um protecionismo defato do mercado interno, situa-se o sistemade sindicato de empresa obrigatório, impor-tado dos Estados Unidos (os chamados“segundos sindicatos”, que feriram de morteo tradicional sindicalismo combativo, detendência socialista, estruturados segundo omodelo europeu, que haviam sido proibidosdurante a guerra).7 Em 1959 haverá, segundoKamata, uma onda de milhares de demissõesde “perturbadores da ordem”, fenômeno quese repetirá no período da “racionalização”(“aposentadorias antecipadas, falências,diminuição do poder de compra, extensão da

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71ECONOMIA E POLÍTICAS DA COMUNICAÇÃO

área de emprego precário, regressão dascompras de todo tipo, combate às interrup-ções no processo de produção, intensifica-ção do trabalho e aumento do horário detrabalho real” – op. cit., p. 26) que se seguiuà crise de 1974 a 1978. “A depuração e aeliminação dos sindicatos de oposição, doselementos contestadores no seio do aparelhosindical, são as condições sine qua non da‘racionalização’” (ibidem) de 1979.

É sobre este pano de fundo que se devepensar o sucesso do modelo de gestão ja-ponês, que incorporou e aperfeiçoou meca-nismos originalmente desenvolvidos nosEstados Unidos, transformando-os em modocomum de operação da empresa capitalistano momento da crise do fordismo, emparticular, no que nos interessa mais de perto,os mecanismos da chamada gestão do co-nhecimento que, ao lado das inovações naorganização dos processos industriais, comoos conhecidos sistemas kanban e a produçãojust in time, constituem uma inovação orga-nizacional maior, inserida no conjunto dasgrandes transformações trazidas pela Tercei-ra Revolução Industrial. A gestão do conhe-cimento em especial está diretamente ligadaà subsunção do trabalho intelectual e àrenovada importância que adquire a inova-ção tecnológica na concorrência capitalistaentre os grandes blocos de capital produtivono momento da crise do padrão de desen-volvimento do pós-guerra, quando as estra-tégias de diferenciação, segmentação,flexibilização, vão no sentido de dinamizaro consumo de camadas restritas da popula-ção, num ambiente de exclusão crescente.

Esse é claramente o pressuposto dosnovos métodos gerenciais, que pode serencontrado nas entrelinhas do trabalho deNonaka e Takeuchi (1986), dedicado justa-mente às inovações na área do desenvolvi-mento de novos produtos no âmbito dasgrandes empresas.

Trata-se, portanto, de uma mudança sig-nificativa no modo de regulação (ou de nãoregulação, se se preferir) e, agora sim, épreciso reconhecer, o modelo japonês apre-senta inovações importantes, ligadas em boamedida às especificidades culturais do seumundo empresarial, com raízes mais oumenos remotas.

Os autores enfatizam o caráter de agentede mudanças no interior da organização queeste novo modelo assume, ao estimular novasformas de pensamento e aprendizagem emtodos os seus diferentes níveis e funções, enão mascaram o papel central da alta gerên-cia em todo o processo. A primeira das seiscaracterísticas do novo modelo, descritas aolongo do artigo, é justamente o que eleschamam de built-in instability. Através dadefinição de metas extremamente desafiantes,a alta gerência evita a “anarquia” que po-deria decorrer de um dos atributos das equipesde trabalho, ligado à segunda característica(self-organizing project teams): a autonomia.O segundo atributo (auto-transcendência) nãoé mais do que a internalização, pelo grupo,do “elemento de tensão” criado pela altagerência ao dar a este uma grande liberdadepara desenvolver um projeto de importânciaestratégica para a companhia, definindo, aomesmo tempo, metas extremamente ambici-osas. Auto-transcendência é, não apenas aaceitação dessas metas, mas”a never-endingquest for”‘the limit’, pela própria equipe, queeleva recorrentemente os próprios desafios.O terceiro atributo (cross-fertilization), en-fim, refere-se ao aproveitamento de sinergiascaracterístico da ação de equipes formadaspor indivíduos com especializações variadas.

A quinta característica (subtle control),para não perdemos a linha de raciocínio,é precisamente definida nesse mesmo sen-tido:

Although project teams are largely ontheir own, they are not uncontrolled.Management establishes enoughcheckpoints to prevent instability,ambiguity, and tension from turninginto chaos. At the same time,management avoids the kind of rigidcontrol that impairs creativity andspontaneity. Instead, the emphasis ison ‘self-control’, ‘control through peerpressure’, and ‘control by love’, whichcollectively we call’‘subtle control’(Nonaka e Takeuchi, 1986, p. 143).

Ora, estamos precisamente nos aproxi-mando do que caracteriza a dominaçãocapitalista do trabalho intelectual, a qual não

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pode operar através de formas de coerçãopuramente físicas. A idéia foucaultiana dapassagem da sociedade disciplinar à socie-dade de controle encontra aqui a sua expres-são mais adequada, referida à mudançafundamental do capitalismo da segunda parao da terceira revolução industrial, conformetivemos a oportunidade de mostrar acima,como em outros lugares (Bolaño, 2002).Podemos expressar o problema também naperspectiva daquela capacidade do pensamen-to oriental, enfatizada por Pierre Fayard, de“perceber imediatamente, não somente pelaintuição, mas também de agir sem passarpela lentidão de um processo consciente ...A educação para a sensibilidade aos sinaisestá inscrita na cultura japonesa. A comu-nicação no Japão é não somente dependentedo contexto, mas baseada sobre um não ditodecodificado na recepção” (Fayard, 2002, p.132).8 Assim, “as palavras não são osmelhores veículos de comunicação: elas sãomuito lentas e específicas, muito limitadasem seus significados. O componente tácito,ao contrário, está em seu mais alto grau dedesenvolvimento” (idem).9

A grande contribuição de Nonaka e seuscolegas reside justamente na concepção quedesenvolverão da separação entre conhecimen-to tácito e codificado, elemento chave daEconomia do Conhecimento (Foray, 2000) eda subsunção do trabalho intelectual, comojá tivemos a possibilidade de discutir (Bolaño,2002). As características citadas da culturajaponesa terão sem dúvida contribuído, no seumomento, para o sucesso da economianipônica na concorrência internacional, masdo que estamos tratando, afinal das contas,é de uma característica fundamental da eco-nomia do conhecimento em qualquerquadrante. O “controle pelo amor”, na ver-dade, não é outra coisa senão a forma degarantir a exploração capitalista do trabalhointelectual, pois a mais valia já não advémprioritariamente da extração das energiasfísicas, mas mentais do trabalhador. Asubsunção do trabalho intelectual é, portanto,a explicação marxista, no concernente aoprocesso de trabalho sob o capitalismo avan-çado, da passagem para a sociedade de con-trole, o que exige a atividade intelectual cons-tante dos trabalhadores e a recorrente conver-são do conhecimento tácito em codificado.

O que Nonaka (2001) designa comosaber tácito é yin (70% da informa-ção, individual, invisível) em relaçãoao yang explícito (30% da informa-ção, coletivo, visível). Por ser indi-vidualizado e não expresso, para queele possa se adaptar, prepara-lhe umamargem de manobra, uma liberdadede ação, uma plasticidade e umafluidez. O saber tácito, tornando-seexplícito, coletivo e visível pela suasocialização e combinação, volta a setornar tácito pela sua internalizaçãoque lhe permite ser fértil ... (Fayard,2002, p. 134).

A terceira característica do novo modelo(overlapping development phases) é defini-do como a construção, pela equipe, de umritmo ou dinâmica unitária, uma sincroniza-ção de todos os tempos de trabalho dosdiferentes elementos do grupo, com suasdiferentes funções, de modo que “the teambegins to work as a unit. At some point, theindividual and the whole becomeinseparable” (Nonaka e Takeuchi, 1986, p.140). Qualquer semelhança com a discussãomarxiana sobre a constituição do trabalhadorcoletivo no período da subsunção do traba-lho manual não é mera coincidência. As novasformas de gestão do conhecimento não fa-zem senão criar as condições para a orga-nização do trabalho intelectual coletivo,ampliando a sua produtividade, num sentidosemelhante (mas não idêntico) ao que fez achamada “organização científica do trabalho”anteriormente com o trabalho manual na linhade montagem fordista. A quarta caracterís-tica (multilearning) é decorrência dasespecificidades do trabalho intelectual, quedeve estar constantemente envolvido comprocessos de aprendizagem. O mesmo podeser dito para a sexta e última característica(transfer of learning). Toda a discussão émuito interessante, remetendo ao conceitoneo-shumpeteriano de learning by doing, masnão poderá ser retomada aqui. Nosso objetivo,nesta parte, é apenas ilustrar as possibilida-des de crítica das teorias da gestão doconhecimento que a matriz teórica brevemen-te exposta antes oferece.

Apenas algumas observações precisam serfeitas ainda. Em primeiro lugar, os autores

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não se iludem, em nenhum momento, como alcance de sua teoria. Deixam claro, pelocontrário, ao final do artigo, os limites deaplicabilidade do novo modelo, entre os quais,vale destacar que “it may not apply tobreakthrough projects that require arevolutionary innovation. This limitation maybe particularly true in biotechnology orchemistry” (idem, p. 145). Estamos falando,portanto, da inovação corrente, rotinizada,aquela justamente incapaz de produzir adinâmica shumpeteriana clássica. Não vamosentrar em detalhes aqui, mas é preciso dizerque isso terá conseqüências fundamentais paraa crítica da Economia Política do Conheci-mento, nos dois sentidos mencionados an-teriormente.

Em segundo lugar, vale registrar o carátercoletivo e multi-funcional do processo deconhecimento no novo modelo, o que re-mete para a nossa discussão (Bolaño, 2003)sobre a constituição hoje de uma esferapública produtiva, que problematiza profun-damente a determinação do valor na Eco-nomia do Conhecimento. Os autores, evi-dentemente, não chegam sequer a colocaro problema, mas o conceito de ba, desen-volvido por Kitaro Nishida (1990) e utili-zado por Nonaka (1998) em outra ocasião,representa uma interessante intuição doproblema. Fayard resume assim o conceitoque, segundo afirma, está na base de todasas estratégias de criação do conhecimentono Japão: “lugar, espaço dividido, campomagnético que é possível traduzir por cír-culo de convivência, ou ainda por comu-nidade de práticas ... Em qualquer nível daorganização tanto interno quanto externo,a organização dos espaços vazios – espaçosde tensão, de convivência e de relações –

torna-se prioridade” (Fayard, 2002, p.135).”Nas palavras do próprio Nonaka:

Ba could be thought as a shared spacefor emerging relationships. This spacecan be physical (e.g., office, dispersedbusiness space), mental (e.g., sharedexperiences, ideas, ideals) or anycombination of them. Whatdifferentiates ba from ordinary humaninteractions is the concept ofknowledge creations. Ba provides aplatform that a transcendentalperspective integrates all informationneeded. Ba may alsobe thought asthe recognition of self in all.According to the theory ofexistentialism, ba is a context whichharbors meaning. Thus, we considerba to be shared space that serves asa foundation for knowledge creation(Nonaka, 1998, apud Fayard, 2002,p. 135).

Trata-se, portanto, de lugares físicos oumentais, reais ou virtuais, compartilhados.Infelizmente, não há lugar aqui para entrar emdebate sobre esse conceito, que poderia serfacilmente aplicado, por exemplo, àquela “es-fera pública produtiva” inerente ao funciona-mento da Economia do Conhecimento muitoconcretamente observada na pesquisa sobre oProjeto Genoma Humano do Câncer daFAPESP (Bolaño, 2003). Para finalizar, lem-bremos que os autores consideram o novomodelo como um agente em si de reestruturaçãoempresarial e, portanto, podemos dizer, dequebra das resistências dos trabalhadores in-telectuais no momento do avanço fundamentalda sua subsunção no capital.

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_______________________________1 Universidade Federal de Segipe (UFS),

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da PUC de Campinas, Brasil.3 O autor argumenta ainda que na sociedade

pós-industrial, fundada nos serviços, o motorbásico da economia seria a informação e não maiso trabalho produtivo, o trabalho braçal do setorindustrial. Para Bell, a sociedade pós-industrialrepresentaria a superação da habilidade (o saber-fazer) por uma (suposta) ciência abstrata.

4 Mas não é apenas por causa desses movi-mentos de “terceirização” da força de trabalho queo peso relativo do setor de serviços aumentou.Muitas pessoas, premidas pelo desemprego, oupela expulsão de atividades em empresasmanufatureiras industriais, buscam formas de auto-ocupação no setor terciário como forma de so-brevivência, “inchando” as atividades não-indus-triais dos mercados de trabalho, especialmente empaises como o Brasil.

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5 No Japão, os ganhos de produtividade, emtodos os períodos, foram ainda maiores, duranteos Anos Dourados, do que nos demais países, emgrande parte devido ao processo de reconstrução,seguido do chamado Milagre Japonês. A trajetóriarevelada pelo período 1983-1992, ao contrário, éde queda da produtividade. Como se observa naúltima coluna, repete-se o mesmo fenômenoocorrido nos demais países, ou seja, diminuiçãoda diferença entre ganhos salariais reais e ganhosde produtividade, provavelmente já revelando aperda do poder de barganha dos trabalhadores apartir dos 80. É importante destacar, ademais, que,diferentemente de alguns países europeus, osganhos de salário real na indústria do Japãoestiveram sempre abaixo dos ganhos de produ-tividade industrial, reflexo das condições políticaslocais a que nos referiremos adiante, que reduzemdrasticamente o poder de negociação dos sindi-catos.

6 Coutinho (1995) sublinha que uma dasprincipais características do atual estágio deinternacionalização da economia capitalista residena “forte aceleração da mudança tecnológica,caracterizada pela intensa difusão das inovaçõestelemáticas e informáticas e pela emergência deum novo padrão de organização da produção eda gestão na indústria e nos serviços; padrão essecaracterizado pela articulação das cadeias desuprimento e de distribuição através de redes queminimizam estoques, desperdícios, períodos deprodução e tempos-de-resposta, tornando os pro-cessos mais rápidos e eficientes” (p. 21)

7 A estas condições deve-se acrescentar ocaráter reconhecidamente dual da economia japo-nesa: “um setor industrial muito produtivo econcentrado, ao lado de uma multidão de peque-nas e médias empresas; emprego estável e ga-rantido para um terço da população ativa, en-quanto a maioria trabalha nas pequenas empre-sas, têm ocupações temporárias, como diaristas,

trabalhadores a domicílio, ou são dekasagi (tra-balhadores rurais que deixam a fazenda paratrabalhar na cidade durante o período daentressafra agrícola)” (Ginsbourger, 1982, p. 15).A origem social dos dekassegui, sabemos, mudaráposteriormente, passando a incluir essencialmentetrabalhadores estrangeiros imigrados, provenien-tes da Coréia e outros países asiáticos, mas tambémdo Brasil em anos mais recentes, sem que ascaracterísticas do modelo se alterem em essência,antes aprofundando-se.

8 Assim, citando Junichiro (1993), afirma oautor: “uma formulação por demais explícitaprovoca a perda de prestígio, pois ela aparececomo a demonstração da incapacidade dosinterlocutores de compreender por si próprios ossinais, que lhe são enviados, por mais tênues quesejam ... Resultam, então, capacidades de obser-vação muito sutis e perigosas para fazer falaros sinais, sem que a necessidade de demonstra-ção clara e distinta se imponha e interponha”(Fayard, 2002, p. 132). Segundo Fayard, umaexplicação para este fenômeno, parte essencial doconceito de sen no sen (iniciativa pela iniciativa),estaria na necessidade de procurar no tempo, “pormeio da antecipação baseada ao mesmo tempono conhecimento, na sensibilidade e na excelên-cia prática” (idem, p. 131), um paliativo para oslimites à ação impostos pelo reduzido espaço físicodo arquipélago.

9 A utilização, no Japão, de várias escritas,misturando-as em função das necessidades do textoe, em particular, a presença dos ideogramaschineses kanji, mais conceituais, está ligada a essarelação entre sutileza, intuição e velocidade. Oleitor pode levar em conta apenas os ideogramasem kanji, como sinais chave para a compreensãodo texto, sem necessidade de ler os outros, aocontrário da leitura alfabética, que passa neces-sariamente pela reprodução sonora do conjuntodas palavras e das frases (idem, p. 136).