18
183 RESUMO CONHECIMENTOS TÉCNICOS, POLÍTICAS PÚBLICAS E PARTICIPAÇÃO: O CASO DO CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE 1 Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 42, p. 183-198, jun. 2012 Recebido em 13 de dezembro de 2010. Aprovado em 14 de março de 2011. Igor Ferraz da Fonseca Marcel Bursztyn Adriana Maria Magalhães de Moura O artigo explora a relação entre as esferas política e técnica nos conselhos gestores de políticas ambientais no Brasil, com base em pesquisa realizada junto ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). A literatura sobre conselhos enfatiza que a presença dos conhecimentos especializados pode gerar relações assimétricas de poder entre os atores, favorecendo o domínio do processo político e deliberativo por setores mais capacitados. A partir disso, a presença dos conhecimentos técnicos nos conselhos poderia levar a uma despolitização desses espaços, que seria demonstrada pelo uso de termos e expedientes técnico- científicos, jurídicos e burocráticos que esvaziariam a função política dos conselhos. Conforme os obstáculos apontados, a literatura advoga que devem ser feitos esforços no sentido de uma redução dos expedientes técnicos em favor de uma repolitização desses espaços. Os resultados do estudo aqui desenvolvido confirmam parcialmente os elementos presentes na literatura. A conclusão aponta que os conhecimentos especializados são um elemento inerente ao funcionamento dos conselhos ambientais. O esvaziamento do elemento técnico poderia gerar prejuízo no que se refere à qualidade dos atos e deliberações emanadas no Conama, gerando prejuízos para o aparato legal da legislação ambiental brasileira, com reflexos negativos na implementação de políticas públicas. PALAVRAS-CHAVE: participação; conselhos gestores; deliberação; expertise; Conama; política ambiental. I. INTRODUÇÃO 2 A relação entre as esferas técnica e política está no centro do debate sobre a deliberação em arenas participativas compostas de atores do Estado e da sociedade civil. A literatura sobre participação em conselhos gestores freqüente- mente aponta que a utilização de conhecimentos especializados e termos técnicos no processo participativo e decisório pode comprometer a eficácia da participação da sociedade civil. Diversos conselheiros não são especialistas e não dominam o leque de assuntos e o jargão técnico presente nas políticas públicas e no processo deliberativo desses conselhos. A literatura enfatiza que a presença dos conhecimentos e linguagem especializada pode gerar relações assimétricas de poder entre os atores, favorecendo o domínio do processo político e deliberativo por um grupo, em detrimento de outros. Com isso, os múltiplos interesses presentes nessas arenas, cujos conselheiros são porta-vozes, não têm condições de manifestar-se. Além disso, alguns autores advogam que a presença dos conhecimentos especializados nos conselhos pode levar a uma despolitização desses espaços. Essa despolitização, intrinsecamente ligada ao processo de dominação, estaria relacionada ao uso de termos e expedientes técnico-científicos, jurídicos e burocráticos que esvaziariam os conselhos do elemento político, no momento das deliberações. Assim, muitos 1 A pesquisa que deu origem a este trabalho foi desenvolvida no âmbito do projeto “Institucionalização da participação social no Brasil”, coordenado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2010. Mais informações sobre a pesquisa podem ser obtidas no relatório intitulado “Processo Político e Decisório no Âmbito do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA” (IPEA, 2010). 2 Os autores agradecem a Rebecca N. Abers pelos comentários efetuados em versões preliminares deste artigo, bem como aos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política.

CONHECIMENTOS TÉCNICOS, POLÍTICAS PÚBLICAS E … · e os arranjos institucionais criados a partir da Constituição de 1988. Assumindo um caráter ... para diversos desvios na

Embed Size (px)

Citation preview

183

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 42: 183-198 JUN. 2012

RESUMO

CONHECIMENTOS TÉCNICOS, POLÍTICASPÚBLICAS E PARTICIPAÇÃO:

O CASO DO CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE1

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 42, p. 183-198, jun. 2012Recebido em 13 de dezembro de 2010.Aprovado em 14 de março de 2011.

Igor Ferraz da Fonseca Marcel Bursztyn Adriana Maria Magalhãesde Moura

O artigo explora a relação entre as esferas política e técnica nos conselhos gestores de políticas ambientaisno Brasil, com base em pesquisa realizada junto ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Aliteratura sobre conselhos enfatiza que a presença dos conhecimentos especializados pode gerar relaçõesassimétricas de poder entre os atores, favorecendo o domínio do processo político e deliberativo porsetores mais capacitados. A partir disso, a presença dos conhecimentos técnicos nos conselhos poderialevar a uma despolitização desses espaços, que seria demonstrada pelo uso de termos e expedientes técnico-científicos, jurídicos e burocráticos que esvaziariam a função política dos conselhos. Conforme os obstáculosapontados, a literatura advoga que devem ser feitos esforços no sentido de uma redução dos expedientestécnicos em favor de uma repolitização desses espaços. Os resultados do estudo aqui desenvolvido confirmamparcialmente os elementos presentes na literatura. A conclusão aponta que os conhecimentos especializadossão um elemento inerente ao funcionamento dos conselhos ambientais. O esvaziamento do elemento técnicopoderia gerar prejuízo no que se refere à qualidade dos atos e deliberações emanadas no Conama, gerandoprejuízos para o aparato legal da legislação ambiental brasileira, com reflexos negativos na implementaçãode políticas públicas.

PALAVRAS-CHAVE: participação; conselhos gestores; deliberação; expertise; Conama; política ambiental.

I. INTRODUÇÃO2

A relação entre as esferas técnica e políticaestá no centro do debate sobre a deliberação emarenas participativas compostas de atores doEstado e da sociedade civil. A literatura sobreparticipação em conselhos gestores freqüente-mente aponta que a utilização de conhecimentosespecializados e termos técnicos no processoparticipativo e decisório pode comprometer a

eficácia da participação da sociedade civil.Diversos conselheiros não são especialistas e nãodominam o leque de assuntos e o jargão técnicopresente nas políticas públicas e no processodeliberativo desses conselhos.

A literatura enfatiza que a presença dosconhecimentos e linguagem especializada podegerar relações assimétricas de poder entre osatores, favorecendo o domínio do processopolítico e deliberativo por um grupo, emdetrimento de outros. Com isso, os múltiplosinteresses presentes nessas arenas, cujosconselheiros são porta-vozes, não têm condiçõesde manifestar-se. Além disso, alguns autoresadvogam que a presença dos conhecimentosespecializados nos conselhos pode levar a umadespolitização desses espaços. Essa despolitização,intrinsecamente ligada ao processo de dominação,estaria relacionada ao uso de termos e expedientestécnico-científicos, jurídicos e burocráticos queesvaziariam os conselhos do elemento político,no momento das deliberações. Assim, muitos

1 A pesquisa que deu origem a este trabalho foidesenvolvida no âmbito do projeto “Institucionalizaçãoda participação social no Brasil”, coordenado pelo Institutode Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2010. Maisinformações sobre a pesquisa podem ser obtidas norelatório intitulado “Processo Político e Decisório noÂmbito do Conselho Nacional do Meio Ambiente –CONAMA” (IPEA, 2010).2 Os autores agradecem a Rebecca N. Abers peloscomentários efetuados em versões preliminares desteartigo, bem como aos pareceristas anônimos da Revista deSociologia e Política.

184

CONHECIMENTOS TÉCNICOS, POLÍTICAS PÚBLICAS E PARTICIPAÇÃO

conselhos não estariam funcionando como canaisestratégicos na definição e na implementação depolíticas públicas.

Para verificar este argumento e analisar arelação entre técnica e política nos conselhosgestores, este artigo tem como foco o processoparticipativo e deliberativo do Conselho Nacionaldo Meio Ambiente (Conama). Os debates, ali, sãomarcados pela presença constante deconhecimentos técnico-científicos e jurídicos quesão típicos das políticas e do Direito ambientais,tendo em vista que as resoluções oriundas doConama fazem parte do aparato da legislaçãoambiental brasileira. A pesquisa envolveu aaplicação de questionário quali-quantitativo, queobteve resposta de 71% dos 108 conselheiros doConama, a realização de 26 entrevistas comconselheiros e ex-conselheiros e a observação dereuniões do Conselho.

Após a introdução, a primeira seção do artigopercorre um conjunto de estudos ligados àparticipação e conselhos gestores. A segundaseção apresenta uma breve revisão da literaturaque trata da presença de linguagem técnica e deconhecimentos especializados em arenasparticipativas brasileiras, focando em suasprincipais conclusões. A terceira seção apresentaa metodologia e os principais resultados dapesquisa empírica realizada no Conama. Com basenos resultados da pesquisa de campo, a quartaseção discute a relação entre a questão técnica,as políticas públicas e a deliberação em conselhosgestores. A quinta seção foca a necessidade decapacitação técnica dos conselheiros para que osmesmos possam participar de modo igualitárionessas arenas, e que, assim, o processodeliberativo dos conselhos seja fortalecido.

Por fim, a conclusão ressalta que, embora apresença dos conhecimentos especializados possaconstituir obstáculo para a participação ampliadade todos os conselheiros, não há como esvaziarou reduzir o espaço dos conhecimentos técnicosno Conama. O esvaziamento do elemento técnicopoderia gerar prejuízo no que se refere à qualidadedos atos e deliberações emanadas no Conselho.

II. PARTICIPAÇÃO E CONSELHOS GESTORES

A idéia de participação social é amplamentedifundida como elemento necessário a uma melhorformatação e implementação de políticas públicas.Em âmbito internacional, a partir da década de

1980, a idéia de participação difundiu-se e tornou-se quase consensual, tendo em vista umaconfluência do pensamento da esquerda e dadireita neoliberal que, por motivos distintos,assumiram o conceito de participação comoessencial para a eficiência na implementação depolíticas (MOHAN & STOKKE, 2000; SANYAL,2005).

O discurso internacional sobre participaçãoteve forte reflexos em âmbito nacional. Alémdisso, a idéia de participação, no Brasil, ganhagrande impulso devido a característicasendógenas, tais como o ativismo dos movimentossociais na redemocratização (AVRITZER, 2002)e os arranjos institucionais criados a partir daConstituição de 1988. Assumindo um caráterformal, e congregando a presença e atuação degrupos do Estado e da sociedade civil, uma novainstitucionalidade foi criada, com a finalidade deaperfeiçoar, sob o signo da participação social, oprocesso de implementação de políticas públicas:os conselhos gestores. Os conselhos, em todosos níveis (nacional, regionais, estaduais emunicipais) multiplicaram-se e disseminaram-sepelo Brasil, sendo que, em 1999, já constituíamnada menos que 39 mil instâncias destinadas àexpressão da participação social (IPEA, 2005).

Após 30 anos do boom das experiênciasparticipativas em nível mundial, a euforia inicialsobre o sucesso de tais experiências é abalada evárias críticas são feitas à forma como a idéia departicipação foi promovida nos diversos contextosnacionais e locais. Alguns autores afirmam que aparticipação foi promovida de modo esvaziado edescolado das realidades específicas em que taisexperiências foram implementadas. Para essesautores, a idéia de participação tornou-se umabuzzword3 (CLEAVER, 2001; CORNWALL &BROCK, 2005; FONSECA, 2010).

As críticas direcionadas à participação emnível mundial também se expressaram nas análisessobre a eficácia dos conselhos de políticas emâmbito nacional. Dessa forma, imperfeições nofuncionamento de arranjos participativos foram

3 Buzzword é uma expressão em língua inglesa querepresenta uma palavra ou expressão que estaria na moda,mas cujo significado original foi perdido e cujo uso correntefoi banalizado. A utilização de uma buzzword tem maisefeito no nível da retórica do que na aplicação prática.

185

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 42: 183-198 JUN. 2012

percebidos por diversos autores, cada qualenfocando uma ou mais dimensões. Comoexemplos, podemos citar: a fraca e descontínua“participação” da população local (MANOR,2004; PEREIRA, 2008; SOUZA, 2008); a faltade acesso à informação e à educação(WENDHAUSEN & CAPONI, 2002; TONI,MACHADO & PINTO, 2006; SAYAGO, 2007);o baixo “empoderamento” e “controle social” dapopulação; a não alteração do status quo local(HAYWARD, SIMPSON & WOOD, 2004;MILANI, 2006); a não alocação de social capitalpara grupos com menor poder político; a nãorepresentatividade dos representantes (DINO,2003; OLIVAL, SPEXOTO & RODRIGUES,2007); o controle das elites locais sobre o processo(TATAGIBA, 2005; FUKS & PERISSINOTTO,2006) e a desigualdade nas relações de poder(MOHAN & STOKKE, 2000; EVERSOLE, 2003;CLEAVER, 2005), entre outros.

Existem várias críticas à materialização daparticipação nos conselhos gestores no Brasil, dasquais as características acima são apenas algumasdas passíveis de serem encontradas na literatura.Este trabalho se concentrará em uma delas: aquestão da linguagem técnica, presente nosprocessos decisórios no âmbito dos conselhos.

III. A QUESTÃO DA LINGUAGEM TÉCNICA

O debate sobre linguagem técnica econhecimentos especializados enquanto fatores deimpacto no processo decisório e deliberativo éamplo. Um dos fatores que contribuem para talfato é que, no Brasil, os conselhos gestoresgeralmente são definidos por meio de um recortesetorial (meio ambiente, saúde, assistência social,educação, desenvolvimento rural etc.). Dessaforma, a linguagem utilizada nos documentos,debates e deliberações são comumente eivadas determos técnicos, específicos de cada setor.

Em alguns casos, como em conselhos de meioambiente e saúde, há um predomínio da linguagemtécnico-científica; em conselhos onde são geridosfundos e recursos orçamentários para a definiçãode programas e políticas, a linguagem financeirae contábil é usual; em conselhos que realizam umafunção normativa, por meio de resoluções quedispõem sobre leis e regulamentos, termosjurídicos são comuns; os termos utilizados naadministração pública também são freqüentes, poisas atribuições dos conselhos geralmente têm efeito

sobre políticas governamentais, sejam elasmunicipais, regionais, estaduais ou federais.

Amplamente presente na literatura sobreconselhos gestores, a interpretação sobre o papelda linguagem técnica e dos conhecimentosespecializados no processo político de decisórionos conselhos apresenta duas vertentes distintas,que por vezes aparecem de maneira conjunta naliteratura: a linguagem técnica como fator dedominação do processo político por grupos ouatores que possuem tais conhecimentos e atendência à despolitização do papel dos conselhosgestores. A partir da identificação dessesobstáculos, a literatura apresenta duas propostasde solução para esses dilemas: a capacitaçãotécnica e política dos conselheiros e a revitalizaçãodo papel político-estratégico dos conselhosgestores. Na seqüência, esses pontos serãodiscutidos.

III.1. Linguagem técnica como fator dedominação

Para os autores que apresentam esseargumento (WHENDHAUSEN, 2002;WENDHAUSEN & CAPONI, 2002; FUKS,PERISSINOTTO & RIBEIRO, 2003; OLIVEIRA,2004; FUKS & PERISSINOTTO, 2006;GUIZARDI & PINHEIRO, 2006; TONI,MACHADO & PINTO, 2006; OLIVAL,SPEXOTO & RODRIGUES, 2007; SAYAGO,2007), o envolvimento de termos técnicos podedificultar a compreensão do que está sendodiscutido no processo decisório, contribuindopara diversos desvios na idéia de controle socialdas políticas públicas. A idéia central é que osgrupos detentores do saber técnico utilizam odiscurso especializado para legitimar seusinteresses, pelo motivo que, por meio dalinguagem técnica, “se conseguia o silêncio damaioria dos conselheiros” (WENDHAUSEN &CAPONI, 2002, p. 1 625).

A valorização do discurso técnico enquantomais legítimo e competente está associada àdificuldade de atuação dos conselheiros commenor grau de instrução ou que não tenhamconhecimento dos termos técnicos setoriais. Issofaz que, no âmbito dos conselhos gestores, sejaestabelecida uma relação de dominação de um oumais grupos sociais sobre outros.

Na maior parte dos casos, os gruposidentificados como “dominantes” são os setores

186

CONHECIMENTOS TÉCNICOS, POLÍTICAS PÚBLICAS E PARTICIPAÇÃO

governamentais, em geral detentores de maiorescolaridade, maior renda e maior domínio dosconhecimentos técnicos e burocráticos do queos grupos identificados como “sociedade civil”.Contudo, também há casos em que outros gruposfazem-se dominantes por serem conhecedores determos técnicos setoriais. Esse é o caso dosprestadores de serviço nos conselhos de saúde ede profissionais das áreas das ciências naturais ede engenharia, no caso dos conselhos de meioambiente e de recursos hídricos.

III.2. Linguagem técnica como despolitização

Outro aspecto freqüente na literatura sobreparticipação e conselhos gestores está relacionadoà contribuição da linguagem e conhecimentosespecializados para a despolitização dos conselhos.Autores que levantam essa interpretação(ACSELRAD, 1996; TATAGIBA, 2005; COHN,2009; OLIVEIRA & ALMEIDA, 2009; KLEBA etalii, 2010) afirmam que o foco nas atribuiçõestécnicas e burocráticas nos conselhos gestoresimpede que os mesmos possam agir na definiçãoestratégica de rumos das políticas públicas. Opapel assumido pela linguagem e conhecimentosespecializados neste contexto é de reforçar asatribuições técnico-burocráticas, por manter empauta questões setoriais demasiado específicas e,por vezes, pontuais.

Autores como Acselrad (1996) percebem queos conselhos se perdem em um “labirinto denormas” e tratam de assuntos específicos,“tecnificados” e com pouca relação com o pensarpolítico-estratégico. Nessas interpretações, oconceito de “tecnificação da política”(ACSELRAD, 1996; COHN, 2009) é central. Aidéia por trás desse conceito é que a técnica fazque questões políticas e estratégicas sejam(falsamente) reduzidas a debates sobre qual aalternativa técnica viável ou mais eficiente,mascarando os interesses sociais distintos, decaráter subjetivo e passíveis de uma decisãopolítica (e não técnica).

III.3. A capacitação técnica dos conselheiros

A percepção de que os conselheiros –sobretudo aqueles identificados como “sociedadecivil” muitas vezes têm dificuldades nacompreensão dos assuntos debatidos nosconselhos, faz que diversos autores enfatizem queações de capacitação técnica podem auxiliar na

melhoria do processo decisório e deliberativo dosconselhos (ABRAMOVAY, 2001; GERSCHMAN,2004; PRESOTO & WESTPHAL, 2005;TATAGIBA, 2005; WENDHAUSEN &CARDOSO, 2007; SALIBA et alii, 2009).

Ações de capacitação técnica visam substituirgargalos identificados na literatura. Em primeirolugar, é apontado que os conselheiros com menorgrau de escolaridade apresentam dificuldades nacompreensão de documentos importantes parauma participação informada e qualificada. Emsegundo lugar, os termos técnicos setoriais –utilizados tanto em documentos quanto nosdebates nos conselhos – dificultam a compreensãodos conselheiros que não atuam profissionalmentena área técnico-setorial do tema específico doconselho em questão. Um terceiro ponto refere-se aos termos derivados do linguajar da gestãopública, em que termos oriundos da práxisburocrática e da gestão administrativa,orçamentária e financeira fazem-se presentes. Porfim, em alguns conselhos – especialmente aquelesque exercem funções de normatização legal – odomínio de termos e do processo jurídico érelevante.

Uma capacitação com foco na instrução e nacompreensão das linguagens técnicas setoriais temo potencial de contribuir para uma participaçãomais qualificada e consciente dos conselheiros –com foco na qualidade do processo decisório edeliberativo dos próprios conselhos. Por outrolado, a capacitação também teria o potencial deprevenir o estabelecimento de dinâmicas dedominação de técnicos sobre leigos, conformemencionado anteriormente.

III.4. O papel político-estratégico dos conselhosgestores

O diagnóstico de que as questões técnicasdominam certos conselhos, por meio datecnificação da política, gera a reação de que opapel político-estratégico dos conselhos gestoresdeva ser revitalizado. Para alguns autores, o foconas atribuições técnico-burocráticas e seudescolamento do debate estratégico das políticaspúblicas “domesticam” os conselhos e esvaziam-nos de seu cunho político. Assim, os conselhospassam a ser instâncias secundárias na arenapolítica. Nesse sentido, pela sua inserção noprocesso decisório, os atores da sociedade civilteriam capacidade para a decisão política, mas

187

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 42: 183-198 JUN. 2012

não estariam, por sua natureza, preparados paraenfrentar o discurso técnico (ACSERLRAD,1996).

A repolitização dos conselhos (idem;TATAGIBA, 2005; OLIVAL, SPEXOTO &RODRIGUES, 2007; COHN, 2009; OLIVEIRA& ALMEIDA, 2009; KLEBA et alii, 2010) podeenvolver uma “capacitação política” dosconselheiros, em que estes seriam preparados parao controle “estratégico” das políticas públicas.Mas também abre espaço para o questionamentodo próprio papel e atribuição dos conselhos, nosentido de reduzir as atribuições técnico-burocráticas e focar nas decisões de definiçãodos rumos da política. Além disso, há argumentosque indicam que muitos conselhos têm assumidoum papel reativo frente às políticas públicas, emmodelos de ação tipicamente de “apagarincêndios” (KLEBA et alii, 2010). Dessa forma,simultaneamente à repolitização dos conselhos,há argumentos que sustentam que deve haveruma promoção (ou revitalização) do papelpropositivo dos conselhos, para que estesassumam um papel de vanguarda na definição depolíticas públicas.

III.5. Para além da crítica da técnica

Com raras exceções, os estudos sobreconselhos gestores que abordam a questão dalinguagem e do conhecimento técnico fazem-nocom foco nos efeitos negativos gerados pelapresença da questão técnica. Seja por efeitosnegativos na atuação efetiva de conselheiros, sejana atuação do próprio Conselho em si, a questãotécnica é vista como obstáculo para a efetividadedemocrática dessas instâncias.

Contudo, argumentamos que existe um deficitinterpretativo na literatura sobre conselhosgestores no Brasil, que não aprofunda a seguintehipótese: para que o processo deliberativo dosconselhos gestores produza deliberações depolíticas e normas que tenham qualidadesatisfatória e aplicabilidade prática, a qualificaçãotécnica necessita estar presente no interior doprocesso político dos conselhos. Dagnino (2002,p. 284) afirma que a qualificação técnica é umdesafio importante para a sociedade civil não sóporque ela é condição necessária para umaparticipação efetiva, mas também pelasimplicações práticas que ela tem assumido. Emum mundo em que a técnica permeia e constitui apolítica, esvaziar os conselhos da dimensão técnica

não faz que a dimensão política predomine. Aocontrário, o esvaziamento do caráter técnicotambém pode esvaziar, simultaneamente, oconteúdo político.

A hipótese apresentada acima será discutidacom base em um estudo de caso sobre o processopolítico-deliberativo do Conama.

IV. LINGUAGEM TÉCNICA E NORMATIZA-ÇÃO: A EXPERIÊNCIA DO CONAMA

IV.1. O Conama

Para analisar como a linguagem técnica érefletida no processo decisório de instânciasparticipativas, realizou-se um estudo de casotendo como objeto o Conama. O Conama foicriado pela Lei n. 6 938/81, que instituiu a PolíticaNacional do Meio Ambiente e criou o SistemaNacional do Meio Ambiente (Sisnama), queestrutura a gestão ambiental em nível nacional.Com quase 30 anos de funcionamento, o Conamaé o órgão central do Sisnama4.

O Conama possui 108 conselheiros, é presididopelo Ministro do Meio Ambiente (MMA) e suaSecretaria Executiva é exercida pelo Secretário-Executivo do MMA. Constitui um colegiadorepresentativo de cinco setores, desigualmenterepresentados quanto ao número de conselheiros:governo federal (39 conselheiros), governosestaduais (27 conselheiros), governos municipais(oito conselheiros), entidades empresariais (oitoconselheiros), entidades de trabalhadores e dasociedade civil (22 conselheiros) e conselheirossem direito a voto (três conselheiros). A complexae substantiva estrutura do Conselho é compostapor Plenário (que realiza reuniões ordinárias a cadatrês meses, no Distrito Federal, e reuniõesextraordinárias, requeridas por iniciativa própriaou por iniciativa de 2/3 de seus membros), onzeCâmaras Técnicas (CTs), Grupos de Trabalho(GTs) e Comitê de Integração de PolíticasAmbientais (Cipam).

As competências do Conama5 enfatizam opapel do Conselho no estabelecimento de normas,critérios e padrões técnicos para a gestãoambiental nacional. Assim sendo, a presença de

4 Para o detalhamento da composição e estruturação doSisnama, ver MMA (2010).5 Para uma lista das competências do Conama, ver MMA(2010).

188

CONHECIMENTOS TÉCNICOS, POLÍTICAS PÚBLICAS E PARTICIPAÇÃO

assuntos que envolvem conhecimentos técnicossetoriais é constitutiva de tal conselho. NoConama, para que os conselheiros possamparticipar de maneira livre e capacitada, énecessário que os mesmos tenham conhecimentosespecíficos da área ambiental e das variadassubdivisões temáticas dentro dessa área, que porvezes são profundamente distintas (ex.: resíduossólidos, gestão da biodiversidade, políticaenergética etc.). Além disso, os conselheirosdevem dominar a linguagem técnica utilizada noscampos das ciências biológicas, das engenharias,das relações internacionais e do direito ambiental,entre outros, conforme o assunto tratado. Porúltimo, conforme acentuado por Acselrad (1996),a deliberação de resoluções6, como atos principaisdo Conama, requer o domínio da linguagemjurídica e do conhecimento setorialcorrespondente, já que as resoluções têm forçade lei e fazem parte do aparato normativo da gestãoambiental brasileira.

IV.2. Metodologia utilizada

Este trabalho é parte de um amplo projeto deanálise do processo participativo e decisório doConama, em que o estudo sobre o papel dalinguagem técnica é parte desse projeto maisamplo. Dessa forma, os dados utilizados referem-se a: a) Análise de quatro questões relacionadas àlinguagem técnica, presentes em questionárioquali-quantitativo com 32 questões fechadasaplicado a 76 dos 108 conselheiros do Conama(71% dos conselheiros); b) entrevistas baseadasem roteiro semiestruturado com 25 questõesabertas realizadas com 26 conselheiros e/ou ex-conselheiros do Conama, escolhidos segundotempo de permanência no Conselho e equilíbrioda composição setorial; c) observações in locode reuniões do Conama, realizadas pelospesquisadores, consistindo em: quatro reuniõesplenárias (ordinárias e extraordinária); quatroreuniões de CTs; duas Reuniões da Câmara técnica

de Assuntos Jurídicos; duas Reuniões da CâmaraEspecial Recursal; quatro reuniões de GTs e trêsreuniões do Cipam. Nessa etapa do trabalho decampo, além de observações das dinâmicas dasreuniões, foram realizadas diversas conversasinformais com os conselheiros sobre suapercepção do processo político-decisório doConselho.

A aplicação dos questionários, realização deentrevistas e observações de reuniões foramrealizadas no período compreendido entre 17 demarço de 2010 e 29 de setembro de 2010.

Para fins do presente texto, foram analisadasas questões relacionadas à linguagem econhecimentos técnicos, em sua influência noprocesso decisório do Conselho, bem como àsdiscussões que envolvem medidas que incidemsobre o objeto aqui analisado, como a capacitaçãode conselheiros.

IV.3. Resultados

Como conselho nacional consolidado e quetrata diretamente da formulação e reformulaçãode instrumentos normativos de gestão ambientalno Brasil, é esperado que o Conama tenhaconselheiros qualificados e com alto índice deescolaridade. Essa expectativa é confirmada pelosdados coletados nesta pesquisa.

O Gráfico 1 apresenta a distribuição percentualdo nível de escolaridade dos conselheiros. Nota-se que há uma escolaridade elevada dentre osconselheiros, considerando que 94% possuem aomenos o Ensino Superior completo. Observa-seainda uma forte presença de conselheiros comalguma modalidade de pós-graduação emandamento ou já concluída (20% comespecialização, 10% com mestrado incompleto e23% com mestrado concluído, 5% comdoutorado incompleto e 13% com doutoradocompleto, totalizando 71%).

6 Na maior parte dos casos, as resoluções do Conamaconsistem em “deliberação vinculada a diretrizes e normastécnicas, critérios e padrões relativos à proteção ambientale ao uso sustentável dos recursos ambientais”(ACSELRAD, 1996). Para uma contextualização maiordas resoluções e dos demais atos do Conama – moções,proposições, recomendações e decisões, ver MMA (2010).

189

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 42: 183-198 JUN. 2012

GRÁFICO 1 – ESCOLARIDADE DOS CONSELHEIROS

GRÁFICO 2 – OS ASSUNTOS TRATADOS NO CONSELHO SÃO FACILMENTE COMPREENDIDOS PORTODOS OS CONSELHEIROS?

FONTE: os autores.

Contudo, essa alta escolaridade dos conse-lheiros não implica, necessariamente, o domíniodos conhecimentos setoriais e da linguagemtécnica exigida para uma participação capacitada

nas deliberações do Conselho. Nas questõesobjetivas, percebe-se que tanto os assuntostratados no Conselho quanto a linguagem utilizadanão são plenamente compreendidos pelosconselheiros (gráficos 2 e 3).

FONTE: os autores.

Observa-se no Gráfico 2 que, para a grandemaioria dos conselheiros (85%), os assuntostratados no Conama não são plenamente

compreendidos por todos os conselheiros, sendoque 73% afirmam que os conselheiros apresentamcompreensão parcial dos assuntos tratados e 15%

190

CONHECIMENTOS TÉCNICOS, POLÍTICAS PÚBLICAS E PARTICIPAÇÃO

que consideram que os assuntos tratados noConselho não são facilmente compreendidos portodos os conselheiros. De modo semelhante

(Gráfico 3), a linguagem utilizada no Conama nãoé plenamente compreendida pela maioria (74%)dos conselheiros.

GRÁFICO 3 – A LINGUAGEM UTILIZADA É FACILMENTE APROPRIADA POR TODOS OS CONSELHEIROS?

FONTE: os autores.

Essa aparente contradição entre altaescolaridade e falha na compreensão da linguageme dos assuntos tratados é creditada, pelosentrevistados, a dois fatores essenciais: i) àmultiplicidade de assuntos díspares tratados sobo guarda-chuva denominado “questão ambiental”e ii) à necessidade de os conselheiros dominaremconhecimentos técnico-científicos e jurídicos, queseriam de suma importância para a participaçãoplena nas atividades do Conselho. A amplitudetemática da área ambiental e a necessidade de osconselheiros dominarem diversos campos deconhecimento técnicos, científicos e jurídicos éde fato um obstáculo para a participação amplados conselheiros e pode levar aos problemasapontados pela literatura, que foram expostosanteriormente.

De acordo com entrevistados, diversosconselheiros não são versados na ampla gama deassuntos tratados no Conselho. Um conselheiroque atua na área de energia, por exemplo, podenão ser capacitado para deliberar em assuntos queenvolva biodiversidade pesqueira, ou disposiçãode resíduos sólidos da construção civil, entreoutros. Ao mesmo tempo, para deliberar sobreparâmetros de controle do uso de pesticidas, énecessário compreender o jargão científicoenvolvido, bem como ter uma mínima capacitaçãona área, o que não ocorre com a maioria dosconselheiros, já que cada um é geralmente

especializado em poucos temas na amplitudedaquilo que é considerado gestão ambiental. Ouseja, uma atuação eficiente no Conama exigirianão apenas um conhecimento genérico do amploespectro de questões ambientais, mas também umnível aprofundado e especializado deconhecimento dessas questões.

A questão da linguagem utilizada é outroobstáculo. Conselheiros entrevistados afirmamque há, em geral, uma dificuldade emcompreender quais são os interesses políticos emmeio a uma pauta tecnificada científica ejuridicamente. Quais são os interesses por trásda definição da quantidade de emissão dedeterminado poluente? Quem ganha e quem perdecom determinados resultados da deliberação? Osinteresses políticos e estratégicos são camufladospela tecnificação.

O impacto da questão técnica na atuação dosconselheiros varia de acordo com o segmento aoqual esse ator pertence. Em órgãosgovernamentais intimamente relacionados ao meioambiente – tais como o Ministério do MeioAmbiente – esse problema é minimizado na medidaem que o MMA mobiliza diretores, coordenadorese técnicos que atuam especificamente no temaque está sendo tratado em uma resolução. Assim,em um debate sobre recuperação de Áreas deProteção Permanente (APPs), por exemplo,sempre haverá um técnico capacitado que atua

191

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 42: 183-198 JUN. 2012

na área. De modo semelhante, os conselheirosdo chamado “setor produtivo”, contam comespecialistas de empresas e consultoresespecializados na área em questão, muitas vezescontratados para tal fim.

Enquanto alguns setores, valendo-se de recursoshumanos e/ou financeiros, conseguem minimizaro problema da perícia (“expertise”), outros setoresnão possuem a mesma condição de fazê-lo. Esseparece ser o caso das organizações detrabalhadores e da sociedade civil. Nas entrevistasrealizadas, percebe-se uma quase unanimidade –inclusive entre os conselheiros desses setores – deque tais segmentos são os menos preparados equalificados tecnicamente para participar dosdebates no Conama. Mesmo que haja uma altaescolaridade entre os conselheiros, o perfil“generalista” e ativista desses conselheiros geradesvantagens na discussão de minúcias técnicas.Ainda que sejam especialistas em algumastemáticas, os mesmos não conseguem cobrir adiversidade de temas tratados no Conselho. Comoentre essas organizações não há tantadisponibilidade de recursos humanos e financeiros,os representantes dessas entidades por vezes nãoparticipam desses espaços como seria esperado.

Tais resultados corroboram a percepção departe da literatura que percebe a questão da técnicacomo obstáculo para a participação plena de umaparcela dos conselheiros, podendo resultar empreponderância de setores mais qualificados sobresetores menos qualificados, conforme discutidona seção IV.1.

Quanto aos argumentos apresentados naliteratura com referência à relação entre linguagemtécnica e despolitização (explicitados na seçãoIV.2), alguns conselheiros advogam que a pautaextremamente tecnificada do Conama dificultouque o Conselho deliberasse sobre questõesestratégicas da política ambiental brasileira,prendendo-se a minúcias de normas técnicas ede legislação ambiental. Como conseqüência, oConama teria menor impacto político-estratégicona macro-orientação das políticas públicas.Contudo, a indicação de que o Conama devia terum papel mais ativo na definição estratégica dapolítica não é consenso entre os entrevistados,que possuem opiniões díspares e, por vezes,ambíguas quanto a essa questão.

Muitos conselheiros consideram que asatribuições do Conama estão primordialmente

relacionadas à definição de padrões técnicos paraa gestão ambiental. Esses conselheiros consideramque a discussão puramente estratégica deveria serrealizada por outra instância (como o Conselhode Governo) e que o Conama já se manifestasobre tais questões estratégicas quando acionadopor meio de moções, recomendações eproposições. Há de considerar-se, contudo, queesse debate sobre o papel do Conama nas questõesestratégicas, mesmo entre aqueles que criticam apostura do Conselho, não implica umadespolitização, já que a disputa política é inerenteaos próprios instrumentos técnicos, comoapresentado anteriormente.

Os dados obtidos na pesquisa e aquiapresentados confirmam os resultadosencontrados na literatura sobre participação elinguagem técnica, com a ressalva de que adespolitização pregada por alguns autores nãoocorre no caso do Conama, na medida em quequestões políticas estão imbricadas nasdeliberações de caráter técnico. Dessa forma,considera-se que as resoluções do Conama têmum caráter técnico-político. Essa primeiraconclusão não entra no mérito das atribuições noConama, no que se refere às atribuiçõesrelacionadas à presença do debate macro-estratégico das questões ambientais e à atribuiçãode deliberar sobre padrões e normas para a gestãoambiental. Esse é um debate importante, comamplo espaço para abordagens acadêmicas e paradiscussões entre os próprios conselheiros. O quese acentua aqui, no caso do Conama é que odebate sobre padrões e normas, apesar de pautadopor conhecimentos técnicos, continua tendo forteconteúdo político.

Um fator mencionado nas entrevistas revelaum dado interessante, que será desdobrado nodecorrer deste trabalho. Os obstáculos resultantesda carência de conhecimento especializado e dalinguagem técnica identificados pelos conselheirosna resposta ao questionário e nas entrevistascontribuem para que algumas resoluções doConama apresentem baixa qualidade técnica. Essabaixa qualidade técnica está geralmente refletidano estabelecimento de padrões técnicos muitasvezes inaplicáveis ou que geram conflito ouinterpretações dúbias quanto ao aparato dalegislação ambiental brasileira. Como exemplo deresoluções que conselheiros acreditam ter impactonegativo para a gestão ambiental brasileira, aTabela 1 apresenta as que foram majoritariamente

192

CONHECIMENTOS TÉCNICOS, POLÍTICAS PÚBLICAS E PARTICIPAÇÃO

apontadas, em livre resposta. Além das cincoresoluções dispostas na Tabela 1, outras 13resoluções e uma recomendação foram citadasuma única vez cada pelos conselheiros

(Resoluções n. 412/09, 307/02, 315/02, 308/02,341/03, 409/09, 413/09, 423/10, 425/10, 435/10,237/97, 279/01, 357/09; Recomendação n. 10/09sobre o zoneamento da BR-163).

TABELA 1 – RESOLUÇÕES COM MAIOR IMPACTO NEGATIVO NA POLÍTICA/GESTÃO AMBIENTAL BRASILEIRA

Assim sendo, a “questão da técnica” noConama não só pode gerar obstáculos àparticipação dos conselheiros, mas pode ter efeitosdiretos nos resultados da atuação do Conselho(principalmente elaboração de resoluções) e,conseqüentemente, na implementação de políticaspúblicas ambientais em nível nacional.

As análises presentes na literatura brasileirasobre participação e conselhos gestores estãogeralmente referidas ao dilema de como oconselheiro pode ter voz e participar de modo livree independente no âmbito desses fóruns. Demaneira oposta, são poucos os estudos que focamo impacto formal e a qualidade final dasdeliberações dos conselhos gestores, bem comoo impacto que a participação tem, em tais arenas,na implementação de políticas públicas.

No âmbito teórico, a participação em conselhosgestores é vista como tendo o potencial de permitirque as políticas públicas atendam aos múltiplosinteresses da sociedade brasileira, incluindo osgrupos tradicionalmente excluídos do processo.Tal processo também favoreceria umaaccountability maior da parte dos cidadãos, bemcomo uma maior legitimidade das políticaspúblicas formuladas no âmbito de tais conselhos.

FONTE: os autores.

Sem desconsiderar esses potenciais efeitos daparticipação nessas arenas, este trabalho foca qualé o impacto da participação em conselhos gestoresna qualidade e na efetividade das própriaspolíticas. Para analisar a pertinência dessepressuposto, examinaremos, na seção seguinte,a relação entre técnica e política na sociedademoderna.

V. A TÉCNICA COMO FATOR CONSTITUINTEDAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Há um relativo consenso entre os estudiososda Sociologia da Ciência de que a técnica ésocialmente construída e não é neutrapoliticamente (KNORR-CETINA, 1982;BOURDIEU, 1983; HABERMAS, 1994; LATOUR,2000). Dessa forma, a questão técnica não é, demodo algum, imparcial, tendo, na sua própriaconstituição, questões de ordem cultural, social epolítica.

Por outro lado, as questões de cunho técnicopassaram a ser parte central de uma sociedadepautada pelo paradigma da modernidade reflexiva(GIDDENS, 1991). Em uma sociedade de riscoque desafia a legitimidade da racionalidade dosespecialistas, a ciência não é mais detentora de

RESOLUÇÕES

193

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 42: 183-198 JUN. 2012

verdades universais e os especialistas perdem omonopólio do conhecimento técnico-científico(BECK, 2002). A técnica, portanto, passa a serquestionada socialmente, pois os rumos de umasociedade industrial não podem ser decididosapenas por critérios técnicos, mas necessitamtambém de decisões políticas, sociais e éticas.

Contudo, conforme asseveram Silva (2009) eBeck (2002), ao mesmo tempo em que osespecialistas e a técnica perdem o monopólio naprodução de verdades na modernidade, osespecialistas, a linguagem técnico-científica e osconhecimentos especializados tornam-se partesindispensáveis em disputas de interesses de cunhopolítico. Assim sendo, ao passo em que a técnicanão pode prescindir da política, as decisõespolíticas passam a depender dos conhecimentose da linguagem técnica para a sua legitimamanifestação no espaço público (GIDDENS,1991; TURNER, 2001; BECK, 2002; COLLINS& EVANS, 2002; SILVA, 2009), pois as questõestécnicas estão profundamente imbricadas napolítica moderna (ROSE & MILLER, 1992;OLIVEIRA, 2008).

De fato, a interdependência entre política etécnica está presente na própria raiz da formamoderna de governo. O surgimento e alegitimação da configuração moderna de Estadosó foram possíveis devido às possibilidadesemanadas pelo cálculo, pela estatística e por outrasformas de mensuração e sistematização dos dadose demandas sociais (ROSE & MILLER, 1992). Aracionalidade política moderna e as tecnologiasgovernamentais são moralmente construídas combase no conhecimento e na linguagem técnica(idem; BECK, 2002). Dessa forma, as políticaspúblicas são intrinsecamente ligadas e dependentesdos conhecimentos técnicos e especializados paraa sua legitimação e posterior implementação.

Em um conselho gestor que pauta sua atuaçãopela deliberação no âmbito das políticas públicas,o papel da técnica é constituinte das próprias basesde deliberação dessas arenas participativas. Osatores sociais atuantes nesses espaços devem sercapazes de decidir e deliberar tendo como base,simultaneamente, os critérios técnico-científicose políticos. A alternativa apresentada por parcelada literatura em reduzir a presença da deliberaçãotécnica em favor de um maior papel políticodessas arenas mostra-se inviável, uma vez que aprópria deliberação política, para ser legitima no

âmbito das políticas públicas resultantes dessesconselhos, deve estar assentada nos critériostécnicos que fundamentam essas políticas.

Esse argumento pode ser explicitado com basenos resultados da pesquisa realizada no Conama.As entrevistas e observações mostraram que,mesmo quando pautada pela deliberação técnica,a questão política não está ausente do processoparticipativo-decisório do Conselho. Na verdade,cada uma das deliberações técnicas refletedisputas de interesses defendidos por grupospolíticos específicos no âmbito da arena. O fatode alguns conselheiros não estarem capacitadospara identificar o elemento político naquilo quepode aparentar ser apenas técnico não significauma despolitização do conselho, mas um debatepolítico camuflado pela técnica. Ademais, osconselheiros não especialistas têm consciênciaque existem interesses políticos por trás dasdeliberações técnicas, ainda que alguns delesafirmem não estar capacitados para distingui-loscom clareza.

VI. O TRADE-OFF ENTRE PARTICIPAÇÃOAMPLIADA E CAPACIDADE DELIBE-RATIVA

As conclusões ressaltadas no trabalho decampo realizado no Conama seguem confirmandoo que sustenta a literatura que foca na capacitaçãotécnica dos conselheiros. Sem prejuízo a umaeventual capacitação política dos conselheiros, acapacitação dos conselheiros no que tange aosconhecimentos especializados e à linguagemtécnica é fundamental. Isto é, já que o elementotécnico é constituinte das políticas públicas, nãohá como abdicar de uma capacitação técnica se oobjetivo é fomentar a adequada gestão dessaspolíticas.

Entretanto, de modo geral, os programas decapacitação até agora implantados não obtiveramos resultados esperados em sua proposta inicial,não provocando modificações profundas no papeldesses conselhos. É claro que esses programasde capacitação ainda foram pouco avaliados e nãohá estudos intensivos e abrangentes sobre essatemática. Além disso, tais programas ainda sãorecentes e sua forma e conteúdo ainda sãobastante fluídos e expostos a constantesreformulações e redefinições. Não obstante o fatode que afirmar categoricamente que taisprogramas não estão obtendo o êxito planejado

194

CONHECIMENTOS TÉCNICOS, POLÍTICAS PÚBLICAS E PARTICIPAÇÃO

ainda seja prematuro, há uma percepção crescentena literatura sobre conselhos gestores quecorrobora essa idéia.

Múltiplos fatores explicam esse deficit nosprogramas de capacitação e que devem seridentificados e aprofundados em pesquisasposteriores. No entanto, uma característica pareceser um dos fatores principais que explicam taldeficit: a alta rotatividade dos conselhos gestores.Como a composição do conselho geralmente évulnerável a mudanças de governo ou mesmo aprocessos eletivos internos, os conselheirostendem a ser periodicamente alterados.Conseqüentemente, os conselheiros capacitadosdeixam seus mandatos e cedem lugar para quenovos atores – possivelmente não capacitados –tornem-se conselheiros. O grande paradoxo portrás desse deficit é que essa rotatividade dosconselheiros é inerente aos processosdemocráticos e – em princípio – benéfica para ademocracia no âmbito dessas arenas, pois fomentaa ampliação da participação e a expressão dosmúltiplos interesses presentes na sociedade.

Dessa forma, a ampliação da participação emconselhos gestores – pela rotatividade dosrepresentados e pela incorporação de novos atoresao processo participativo – pode refletir-se,contrariamente, em uma redução da capacidadedeliberativa de tais conselhos, já que os(constantemente) novos conselheiros nãoestariam preparados para a plena participaçãonesses espaços. O resultado disso tende amanifestar-se pela assimetria de poder e dominaçãode especialistas sobre leigos – como apontado naliteratura – ou no risco do estabelecimento denormas e padrões técnicos de baixa qualidade –como notado em algumas resoluções deliberadasno Conama, como a resolução n. 401/2008,referente a resíduos de pilhas e baterias(MILANEZ & BÜHRS, 2009).

VII. CONCLUSÕES

Este artigo explorou a relação entre política etécnica nos conselhos gestores de políticaspúblicas no Brasil, com base em trabalho de camporealizado com conselheiros do Conselho Nacionaldo Meio Ambiente (Conama).

A literatura sobre conselhos no Brasil tende aconsiderar que a presença de conhecimentosespecializados e linguagem técnica no âmbitodessas arenas é um obstáculo ao processo

democrático-participativo. Questões comoassimetrias de poder e dominação de especialistassobre leigos são exemplos de como a questãotécnica poderia constituir obstáculo nesses fóruns.Uma parcela da literatura vai além, enfocando alinguagem técnica como fator de despolitizaçãodos conselhos gestores.

A argumentação e os resultados empíricosdesenvolvidos neste trabalho com base em estudode caso sobre o Conama confirmam que alinguagem técnica é amplamente presente nessasarenas participativas, podendo levar a situaçõesde exclusão e dominação, como apresentado naliteratura. Contudo, o estudo aqui desenvolvidopercebe a questão técnica não apenas comoobstáculo à efetiva participação dos setores sociaisali representados, mas também como elementointrínseco ao funcionamento dos conselhosgestores.

O elemento técnico é um fator constituinte daspolíticas públicas e um item necessário àlegitimação dessas políticas em espaços públicosda sociedade moderna. Na deliberação de políticaspúblicas, o elemento técnico e o político são inter-relacionados e interdependentes. Dessa forma,esvaziar os conselhos gestores do elementotécnico com o objetivo de fortalecer o elementopolítico nessas arenas torna-se inviável. Umaparticipação igualitária de todos os atores éfundamental, mas, como órgãos que deliberamsobre políticas públicas, os conselhos necessitammanejar a questão técnica para que taisdeliberações possam ter qualidade técnica ecapacidade de aplicação na realidade empírica. Nocaso do Conama, um “esvaziamento técnico”poderia gerar prejuízos para o aparato legal dalegislação ambiental brasileira, com reflexosnegativos na implementação de políticas públicasambientais.

Este estudo segue a literatura que entende acapacitação técnica dos conselheiros como umaforma de promover a participação igualitária dosdiversos atores sociais, bem como para fortalecero papel deliberativo dessas instânciasinstitucionais. Contudo, essas capacitações devemser cuidadosamente desenhadas, para evitar oparadoxo existente na relação entre conhecimentostécnicos, democracia e participação social noâmbito dessas arenas. Esse paradoxo pode serformulado como um trade-off entre participaçãoampliada e capacidade deliberativa; ou seja, uma

195

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 42: 183-198 JUN. 2012

ampliação da participação social acabardificultando a participação igualitária etecnicamente capacitada dos conselheiros. Aanálise detalhada desse paradoxo parece ser umbom ponto de partida para estudos eaprofundamentos posteriores. Entender esseefeito colateral da democracia participativa pode

ajudar a minimizar problemas de efetividade darepresentação de interesses de grupos nãoinstruídos tecnicamente em processosparticipativos. E pode, sobretudo, servir decontraponto a decisões tomadas com base em umteor de legitimidade social que nem sempre condizcom a real participação social.

ABRAMOVAY, R. 2001. Conselhos além doslimites. Estudos Avançados, v. 15, n. 43, p.121-140. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v15n43/v15n43a11.pdf. Acesso em:9.maio.2012.

ACSELRAD, H. 1996. Política ambiental ediscurso democrático. O caso do ConselhoNacional de Meio Ambiente. Trabalhoapresentado no XX Encontro Anual daAssociação Nacional de Pós-Graduação ePesquisa em ciências sociais, realizado emCaxambu (Minas Gerais), de 22 a 26 deoutubro. Digit.

AVRITZER, L. 2002. Democracy and the PublicSpace in Latin America. Princeton: PrincetonUniversity.

BECK, U. 2002. La sociedad del riesgo global.Madrid: Siglo XXI.

BOURDIEU, P. 1983. O campo científico. In:ORTIZ, R. (org.). Pierre Bourdieu: Sociologia.São Paulo: Ática.

CLEAVER, F. 2001. Institutions, Agency and theLimitations of Participatory Approaches toDevelopment. In: COOKE, B. & KOTHARI,U. (eds.). Participation: The New Tyranny?New York: Zed.

_____. 2005. The Inequality of Social Capital andthe Reproduction of Chronic Poverty. World

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Igor Ferraz da Fonseca ([email protected]) é doutorando em Política e Gestão Ambiental pelaUniversidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

Marcel Bursztyn ([email protected]) é Doutor em Desenvolvimento Econômico e Social pelaUniversidade de Paris I, Panthéon-Sorbonne (França) e Professor da Universidade de Brasília (UnB).

Adriana Maria Magalhães de Moura ([email protected]) é Doutora em DesenvolvimentoSustentável pela Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisadora do Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (IPEA).

Development, Kidlington, v. 33, n. 6, p. 893-906, June.

COHN, A. 2009. A reforma sanitária brasileiraapós 20 anos do SUS: reflexões. Cadernos deSaúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 7, p.1614-1619. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v25n7/20.pdf. Acessoem: 9.maio.2012.

COLLINS, H. & EVANS, R. 2002. The ThirdWave of Science Studies: Studies of Expertiseand Experience. Social Studies of Science,Thousand Oaks, v. 32, n. 2, p. 235–296, Apr.

CORNWALL, A. & BROCK, K. 2005. What doBuzzwords do for Development Policy? ACritical Look at ‘Participation’,‘Empowerment’ and ‘Poverty Reduction’.Third World Quarterly, Abingdon, v. 26, n. 7,p. 1043-1060, Oct.

DAGNINO, E. 2002. Sociedade civil, espaçospúblicos e a construção democrática no Brasil:limites e possibilidades. In: _____. (org.).Sociedade civil e espaços públicos no Brasil.São Paulo: Paz e Terra.

DINO, K. 2003. Cultura política local comodimensão da sustentabilidade na gestão derecursos hídricos: o caso do Comitê da Sub-Bacia Hidrográfica Mineira do Rio Paracatu.Brasília. Dissertação (Mestrado em

196

CONHECIMENTOS TÉCNICOS, POLÍTICAS PÚBLICAS E PARTICIPAÇÃO

Desenvolvimento Sustentável). Universidadede Brasília.

EVERSOLE, R. 2003. Managing the Pitfalls ofParticipatory Development: Some Insightsfrom Australia. World Development,Kidlington, v. 31, n. 5, p. 781-795.

FONSECA, I. 2010. Participação, buzzwords epoder. In: Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (org.). Estado, instituições edemocracia. V. 2. Brasília: IPEA.

FUKS, M. & PERISSINOTTO, R. 2006.Recursos, decisão e poder: ConselhosGestores de Políticas Públicas de Curitiba.Revista Brasileira de Ciências Sociais, SãoPaulo, v. 21, n. 60, p. 67-81. Disponível em:h t t p : / / r e d a l y c . u a e m e x . m x / p d f / 1 0 7 /10706004.pdf. Acesso em: 9.maio.2012.

FUKS, M.; PERISSINOTTO, R. & RIBEIRO,E. 2003. Cultura política e desigualdade: o casodos conselhos municipais de Curitiba. Revistade Sociologia e Política, Curitiba, n. 21, p.125-145. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n21/a09n21.pdf. Acesso em:9.maio.2012.

GERSCHMAN, S. 2004. Conselhos Municipaisde Saúde: atuação e representação dascomunidades populares. Cadernos de SaúdePública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 6, p. 1670-1681, nov.-dez. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v20n6/26.pdf. Acessoem: 9.maio.2012.

GIDDENS, A. 1991. As conseqüências damodernidade. São Paulo: UNESP.

GUIZARDI, F. & PINHEIRO, R. 2006. Dilemasculturais, sociais e políticos da participaçãodos movimentos sociais nos Conselhos deSaúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio deJaneiro v. 11, n. 3, p. 797-805. Disponível em:h t tp : / /www.sc ie lo .b r /pdf /csc /v11n3/30994.pdf. Acesso em: 9.maio.2012.

HABERMAS, J. 1994. Ciencia y técnica como“ideologia”. In: _____. Ciencia y técnica como“ideología”. 2ª ed. Madrid: Tecnos.

HAYWARD, C.; SIMPSON, L. & WOOD, L.2004. Still Left Out in the Cold: ProblematisingParticipatory Research and Development.

Sociologia Ruralis, Exeter, v. 44, n. 1, p. 95-108, Jan.

KLEBA, M.; MATIELO, A.; COMERLATTO,D.; RENK, E. & COLLISELLI, L. 2010. Opapel dos conselhos gestores de políticaspúblicas: um debate a partir das práticas emConselhos Municipais de Chapecó (SC).Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.15, n. 3, p. 793-802. Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/csc/v15n3/v15n3a22.pdf. Acesso em: 9.maio.2012.

KNORR-CETINA, K. 1982. ScientificCommunities or Transepistemic Arenas ofResearch? A Critique of Quasi EconomicModels of Science. Social Studies of Science,Thousand Oaks, v. 12, p. 101-130, Feb.

LATOUR, B. 2000. Ciência em ação: comoseguir cientistas e engenheiros sociedadeafora. São Paulo: UNESP.

MANOR, J. 2004. User Committees: a PotentiallyDamaging Second Wave of Descentralization?The European Journal of DevelopmentResearch, Bonn, v. 16, n. 1, p. 192-213.

MILANEZ, B. & BÜHRS, T. 2009. Capacidadeambiental e emulação de políticas públicas: ocaso da responsabilidade pós-consumo pararesíduos de pilhas e baterias no Brasil.Planejamento e Políticas Públicas, n. 33, p.257-289.

MILANI, C. 2006. Políticas públicas locais eparticipação na Bahia: o dilema gestão versuspolítica. Sociologias, Porto Alegre, v. 8, n. 16,p. 180-214, jul.-dez. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/soc/n16/a08n16.pdf.Acesso em: 14.maio.2012.

MOHAN, G. & STOKKE, K. 2000. ParticipatoryDevelopment and Empowerment: The Dangersof Localism. Third World Quarterly, Abingdon,v. 21, n. 2, p. 247-268, Apr.

OLIVAL, A.; SPEXOTO, A. & RODRIGUES,J. 2007. Participação e cultura política: osConselhos Municipais de DesenvolvimentoRural Sustentável no Território Portal daAmazônia. Revista de Sociologia e EconomiaRural, Brasília, v. 45, n. 4, p. 1013-1035, out.-dez. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/

197

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 42: 183-198 JUN. 2012

resr/v45n4/a09v45n4.pdf. Acesso em:9.maio.2012.

OLIVEIRA, M. & ALMEIDA, E. 2009. Controlesocial e gestão participativa em saúde públicaem unidades de saúde do município de CampoGrande, MS, 1994-2002. Saúde e Sociedade,São Paulo, v. 18, n. 1, p. 141-153. Disponívelem: http://repositorio.cbc.ufms.br:8080/jspui/bitstream/123456789/1015/1/Controle%20social%20e%20gestao%20 participativa.pdf.Acesso em: 9.maio.2012.

OLIVEIRA, V. 2004. Comunicação, informaçãoe participação popular nos conselhos de saúde.Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 13, n. 2, p.56-69. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v13n2/06.pdf. Acesso em:9.maio.2012.

OLIVEIRA, W. J. F. 2008. Engajamento político,competência técnica e elites dirigentes domovimento ambientalista. Revista deSociologia e Política, Curitiba, v. 16, n. 30,p. 167-186. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v16n30/11.pdf.Acesso em: 9.maio.2012.

PEREIRA, M. C. 2008. Composição do Comitêda Bacia Hidrográfica do Rio Paraguassu:análise da origem geográfica e do setoreconômico representado por seus membroscomo fatores intervenientes na gestãoparticipativa de recursos hídricos. Brasília.Dissertação (Mestrado em DesenvolvimentoSustentável). Universidade de Brasília.

PRESOTO, L. & WESTPHAL, M. 2005. Aparticipação social na atuação dos conselhosmunicipais de Bertioga – SP. Saúde eSociedade, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 68-77.Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v14n1/08.pdf. Acesso em:9.maio.2012.

ROSE, N. & MILLER, P. 1992. Political Powerbeyond the State: Problematics ofGovernment. The British Journal ofSociology, London, v. 43, n. 2, p. 173-205.

SALIBA, N.; MOIMAZ, S.; FERREIRA, N. &CUSTÓDIO, L. 2009. Conselhos de Saúde:conhecimento sobre as ações de saúde.Revista de Administração Pública, n. 43, n.6, p. 1369-1378. Disponível em: http://

www.scielo.br/pdf/rap/v43n6/07.pdf. Acessoem: 9.maio.2012.

SANYAL, B. 2005. Planning as Anticipation ofResistance. Planning Theory, Thousand Oaks,v. 4, n. 3, p. 225-245. Disponível em: http://web.mit.edu/sanyal/www/articles/PlanningTheory-PlanningAnticipationofResistance.pdf.Acesso em: 9.maio.2012.

SAYAGO, D. 2007. Os Conselhos deDesenvolvimento Territorial: entre aparticipação e a representação. RevistaBrasileira de Gestão e DesenvolvimentoRegional, Taubaté, v. 3, n. 4, p. 9-21.

SILVA, G. 2009. Expertise e participação dapopulação em contexto de risco nuclear:democracia e licenciamento ambiental deAngra 3. Dados, Rio de Janeiro, v. 52, n. 3, p.771-805. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/dados/v52n3/07.pdf. Acesso em:9.maio.2012.

SOUZA, L. 2008. Desafios da implementação daPolítica Nacional de Recursos Hídricos: ocaso da Bacia do São Francisco. Brasília.Dissertação (Mestrado em DesenvolvimentoSustentável). Universidade de Brasília.

TATAGIBA, L. 2005. Conselhos gestores depolíticas públicas e democracia participativa:aprofundando o debate. Revista de Sociologiae Política, Curitiba, n. 25, p. 209-213.Disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/rsp/article/view/7077/5049. Acessoem: 9.maio.2012.

TONI, F.; MACHADO, L. & PINTO, M. 2006.Políticas públicas e participação social: análisedas demandas da sociedade civil na construçãodo Plano BR-163 Sustentável. ProjetoDiálogos. Brasília: UNB.

TURNER, S. 2001. What is the Problem withExperts? Social Studies of Science, ThousandOaks, v. 31, n. 1, p. 123-149, Feb. Disponívelem: http://engl.iastate.edu/programs/rhetoric/areas/rst/readinggroup/pdf/turner2001.pdf.Acesso em: 9.maio.2012.

WENDHAUSEN, A. & CAPONI, S. 2002. Odiálogo e a participação em um Conselho deSaúde em Santa Catarina, Brasil. Cadernos deSaúde Pública, Rio de Janeiro, v. 18, n. 6, p.1621-1628.

198

CONHECIMENTOS TÉCNICOS, POLÍTICAS PÚBLICAS E PARTICIPAÇÃO

WENDHAUSEN, A. & CARDOSO, S. 2007.Processo decisório e Conselhos Gestores deSaúde: aproximações teóricas. RevistaBrasileira de Enfermagem, Brasília, v. 60, n.

5, p. 579-584. Disponível em: http://w w w. s c i e l o . b r / p d f / r e b e n / v 6 0 n 5 /v60n5a18.pdf. Acesso em: 14.maio.2012.

IPEA. 2005. Brasil: o Estado de uma nação.Brasília: Ministério de Planejamento,Orçamento e Gestão. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/bd/pdf/2006/Resumo_MercadodeTrabalho.pdf. Acesso em:9.maio.2012.

OUTRAS FONTES

_____. 2010. Processo político e decisório noâmbito do Conselho Nacional do MeioAmbiente – Conama. Relatório de pesquisa.Brasília: IPEA.

MMA. 2010. O que é o Conama? Disponível em:http: / /www.mma.gov.br/port /conama/estr.cfm. Acesso em: 9.maio.2012.

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 42: 215-219 JUN. 2012

TECHNICAL KNOWLEDGE, PUBLIC POLICY AND PARTICIPATION: THE CASE OF THENATIONAL COUNCIL ON THE ENVIRONMENT

Igor Ferraz da Fonseca, Marcel Bursztyn and Adriana Maria Magalhães de Moura

This article explores the relationship between the political and technical spheres within environmentalpolicy management councils in Brazil, based on research carried out by the National Council of theEnvironment (Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)). Literature on the council showsthat the presence of specialized knowledge can generate assymetrical power relations among actors,permitting the more skilled sectors control over political and deliberative processes. . This enables usto see how the presence of theoretical knowledge within the councils can lead to their depolitization,demonstrated by the use of technical, scientific, juridical and bureaucratic terms and procedures thatempty the councils of their political functions. According to the obstacles we have pointed out,existing literature advocates efforts toward a reduction in technical management in favor of arepolitization of these spaces. . The results of the study we have developed here partially confirmelements present within the literature. Our conclusions indicate that specialized knowledge is anelement that is inherent to the functioning of environmental councils. Furthermore, reduction oftechnical elements may prove harmful in terms of the quality of acts and deliberations that emergefrom the Conama, with onus for the legal apparatus of Brazilian environmental legislation and negativeimpact on the implementation of public policy.

KEYWORDS: Participation; Management Councils; Deliberation; Expertise; Conama;Environmental Policy.

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 42: 223-228 JUN. 2012

LES CONNAISSANCES TECHNIQUES, LES POLITIQUES PUBLIQUES ET LAPARTICIPATION : LE CAS DU CONSEIL NATIONAL DE L’ENVIRONNEMENT

Igor Ferraz da Fonseca, Marcel Bursztyn et Adriana Maria Magalhães de Moura

L’article explore la relation entre les sphères politique et technique dans les conseils gestionnaires depolitiques environnementales au Brésil, basé sur une recherche réalisée auprès du Conseil Nationalde l’Environnement (Conama). La littérature sur les conseils souligne que la présence desconnaissances spécialisées peut produire des relations asymétriques de pouvoir entre les acteurs, cequi favorise le domaine du processus politique et délibératif par des secteurs plus préparés. À partirde cela, la présence des connaissances techniques dans les conseils pourrait entrainer une dépolitisationde ces espaces, qui serait démontrée par l’utilisation de termes et ressources techno-scientifiques,juridiques et bureaucratiques qui videraient la fonction politique des conseils. Selon les obstaclessoulignés, la littérature soutient que des efforts dans le sens d’une réduction des ressources techniquesen faveur d’une repolitisation de ces espaces doivent être faits. Les résultats de l’étude ici développéeconfirment partiellement les éléments présents dans la littérature. La conclusion souligne que lesconnaissances spécialisées sont un élément inhérent au fonctionnement des conseilsenvironnementaux. Le videment de l’élément technique pourrait produire un préjudice en ce quiconcerne la qualité des actes et délibérations disséminées dans le Conama, engendrant des préjudicespour l’appareil légal de la législation environnementale brésilienne, avec des réflexes négatifs dansl’application de politiques publiques.

MOTS-CLÉS : participation ; conseils gestionnaires ; délibération ; expertise ; Conama;politique environnementale.

* * *