29
Consumo virtual Consumo nada mais é do que a utilização de mercadorias e serviços para satisfazer as necessidades humanas 1 . O conceito de consumo pressupõe obrigatoriamente, como a outra face, o conceito de cidadania 2 . Consumir é um ato de cidadania, pois é através do consumo que o cidadão contribui sinergicamente para a movimentação da teia existente entre consumidores, empresas e estado. Nunca é demais lembrar que através do consumo as empresas recolhem impostos que se voltam para o Estado que por sua vez dá condições e estimula o consumo, dessa forma, as pessoas tornam a comprar e com isso a máquina gira, configurando-se o ato de consumir como elemento responsável pela movimentação desse interessante mecanismo, tanto que em recente relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) ficou demonstrado que o nosso século é o século do consumo 3 . No entanto nos últimos anos o comportamento do consumidor tem mudado a forma das empresas se relacionarem com as pessoas. O sentimento de insegurança, leva os brasileiros à tendência de retorno ao lar, pois 68% dos entrevistados pela Agência de Marketing, Clinica de Comunicação e ABA, ressaltaram a importância da convivência com a família; 46%, o fato de comer mais seguido em casa; 46% optam por encontrar os amigos mais seguido e 42% confirmam ficar mais em casa. Considerando-se a situação financeira da população, pode-se afirmar que 58% estão contando despesas, 50% estão fortemente endividados e 43% observam uma verdadeira queda no padrão de vida 4 . Essa introspecção social quando conjugada com a necessidade de redução de despesas, fez da internet porto seguro dentro dessa dinâmica. O uso da rede permite a redução substancial de números 5 . As novas tecnologias propiciam uma diminuição dos custos empresariais (despesas de locação, funcionários, estoque e etc...) 1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda . Dicionário Aurélio eletrônico século XXI. São Paulo: Nova Fronteira, 1999. P.533 2 BACCEGA, Maria Aparecida. “Inter-relações comunicação econsumo na trama cultural: o papeldo sujeito ativoPage 108 .” Animus-revista interamericana de comunicação midiática 122, 2011. P.108 3 SODRÉ, Marcelo Gomes. A Construção do Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2009. P.10 4 KARSAKLIAN, Eliane. Comportamento do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008. P.17 5 LORENZETTI., Ricardo L. Comércio Eletrônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. P.50

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Consumo virtual

Consumo nada mais é do que a utilização de mercadorias e serviços para

satisfazer as necessidades humanas1. O conceito de consumo pressupõe

obrigatoriamente, como a outra face, o conceito de cidadania2. Consumir é um ato de

cidadania, pois é através do consumo que o cidadão contribui sinergicamente para a

movimentação da teia existente entre consumidores, empresas e estado.

Nunca é demais lembrar que através do consumo as empresas recolhem

impostos que se voltam para o Estado que por sua vez dá condições e estimula o

consumo, dessa forma, as pessoas tornam a comprar e com isso a máquina gira,

configurando-se o ato de consumir como elemento responsável pela movimentação

desse interessante mecanismo, tanto que em recente relatório do Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) ficou demonstrado que o nosso século é o

século do consumo3.

No entanto nos últimos anos o comportamento do consumidor tem

mudado a forma das empresas se relacionarem com as pessoas. O sentimento de

insegurança, leva os brasileiros à tendência de retorno ao lar, pois 68% dos

entrevistados pela Agência de Marketing, Clinica de Comunicação e ABA, ressaltaram

a importância da convivência com a família; 46%, o fato de comer mais seguido em

casa; 46% optam por encontrar os amigos mais seguido e 42% confirmam ficar mais em

casa. Considerando-se a situação financeira da população, pode-se afirmar que 58%

estão contando despesas, 50% estão fortemente endividados e 43% observam uma

verdadeira queda no padrão de vida4.

Essa introspecção social quando conjugada com a necessidade de

redução de despesas, fez da internet porto seguro dentro dessa dinâmica. O uso da rede

permite a redução substancial de números5. As novas tecnologias propiciam uma

diminuição dos custos empresariais (despesas de locação, funcionários, estoque e etc...)

1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda . Dicionário Aurélio eletrônico século XXI. São Paulo: Nova

Fronteira, 1999. P.533 2 BACCEGA, Maria Aparecida. “Inter-relações comunicação econsumo na trama cultural: o papeldo

sujeito ativoPage 108 .” Animus-revista interamericana de comunicação midiática 122, 2011. P.108 3 SODRÉ, Marcelo Gomes. A Construção do Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2009. P.10 4 KARSAKLIAN, Eliane. Comportamento do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008. P.17 5 LORENZETTI., Ricardo L. Comércio Eletrônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. P.50

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o que desagua em uma redução dos preços dos produtos ou serviços que

consequentemente atende os anseios dos consumidores.

O consumidor atual já é digital. De certo modo, mesmo não realizando a

transação através da internet, isso não quer dizer que a forma de coletar informações

sobre bens e serviços já não ocorra pela web.

Fator interessante dentro dessa estrutura é que desde o advento do

Código de Defesa do Consumidor brasileiro (CDC), em 1990, estamos assistindo, passo

a passo, um amadurecimento das relações de consumo dada a conscientização do

próprio consumidor6. O único problema é que apesar de uma suposta ambiência nata do

consumidor frente a tecnologia, o consumo virtual além de extremamente útil, é terreno

fértil para a objetivação de praticas nem sempre isonômicas, dada a imensa

desproporção dos agentes no momento das contratações. A aquisição de produtos ou

serviços via internet é atualmente uma das questões mais complexas da

responsabilidade civil, sendo que, a aceitação do consumidor à oferta divulgada por essa

via é, a bem da verdade, um dos exemplos mais claros de sua submissão do consumidor

frente ao fornecedor e aos termos predispostos7.

Sabedores disso, fornecedores do produtos ou serviços estimulam desejos

do navegante virtual “guiando-o” dentro de suas próprias convicções, criando situações

ou desenvolvendo cenários que estimulam as vontades daqueles que por muitas vezes

sequer se predispunham a consumir. A professora Cristina Gaulia citando Frei Beto

exemplifica com maestria uma dessas dinâmicas.

“Quase todos os shoppings possuem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas. São os templos do deus mercado. Percorrem-se os seus claustros marmorizados ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Ali dentro, tudo evoca o paraíso: não ha mendigos nem pivetes, pobreza ou miséria. Com olhar devoto, o consumidor contempla as capelas que ostentam, em ricos nichos, os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode pagar a vista, sente-se no céu; quem recorre ao cheque especial ou ao crediário, no purgatório; quem não dispõe de recurso, no inferno. Na saída, todos se irmanam na mesa 'eucarística' do Mcdonald’s” 8.

6 PINHEIRO, Patricia Peck. Direito Digital. São Paulo: Saraiva, 2010. P.115 7 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2006. P.98 8 GAULIA, Cristina Tereza. Revista do direito do consumidor. nº 71. Jul.-set.2009. p.44.

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É através do despertar de emoções, investimento de esforço, de dinheiro

e de lealdade que o profissional do marketing tornar-se-á o “curandeiro” de seu cliente,

leia-se do consumidor da sociedade da sedução9. Dentro deste contexto vislumbra-se

que toda vontade quando muito estimulada se torna um desejo e todo desejo quando

muito estimulado se torna uma necessidade!

Já nos anos 30, o mago do capitalismo Henri Ford resumiu muito bem a

autonomia dos consumidores no momento das contratações quando demonstrou a

estratégia de marketing de massa quando lançou Ford T com seguinte frase “Você pode

ter um carro desde que seja Ford da cor preta”10. Essa afirmação exemplifica muito

bem a ausência de liberdade de escolha do consumidor, já que encontra-se imerso em

uma complexa estrutura que se conjugam Empresas, Estado, Consumidores. Geraldo de

Faria Martins acentua que “os responsáveis do marketing, os publicitários, desde O

Banquete de Platão, que o desejo é falta. Deseja-se o que falta”11.

O que se almeja com este estudo é o equilíbrio pois se não fossem iguais,

os homens não seriam capazes de compreender-se entre si e aos seus ancestrais, nem de

prever as necessidades da gerações futuras. Se não fossem diferentes, os homens

dispensariam o discurso ou a ação para se fazerem entender. A pluralidade humana tem

esse duplo aspecto: o da igualdade e o da diferença12. Dentro dessa dualidade o ser

humano pode ser capaz de equilibrar relações que até um determinado momento e

levando-se em consideração a ótica seriam absolutamente inviáveis do ponto de vista

formal.

Apresenta-se daí a necessidade da vinculação do estudo das relações de

consumo tradas via web por crianças, jovens e adolescentes com a produção de um

arcabouço de regras mais protetivas para estes, que além de mais vulneráveis, sob o

ponto de vista técnico, ainda se apresentam com uma forte debilidade natural frente a

sua própria condição de existência.

9 BERTONCELLO, Karen Rick Denilevicz. Superendividamento e Dever de Renegociação. Rio de Janeiro: GZ, 2010. P.143 10 KOTLER, Philip. e KELLER, Kevin, Lane. Administração de Marketing. São Paulo: Pearson, 2007.

P.54 11 COSTA, Geraldo de Faria Martins. O direito do consumidor endividado e a técnica do prazo de reflexão. Revista direito do Consumidor, São Paulo, n.43, pp.258-272, jul./set.2002, p. 258. 12 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana - Uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. P.76

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Este tratamento não é novo, pois desde tempos antigos sempre se cogitou

quanto a proteção das categorias menos favorecidas em relações de caráter jurídico,

conforme fica demonstrada a doutrina em institutos como a resolução do contrato (actio

redibitória, actio estimatoria e etc...) e em outras medidas desse norte de

conhecimento13.

Não deve ser olvidado que as normas de direito do consumidor são de

ordem pública e interesse social, despidas de modificação pela vontade das partes. O

princípio da igualdade pretende, pois, garantir que o contrato seja executado de modo a

evitar que uma das partes labore em excessiva desvantagem14.

Visando atingir condições isonômicas de convivência, o professor titular

da cadeira de Direito do Consumidor da UNIEVANGÉLICA de Anápolis doutor

Marcus da Costa Ferreira traduziu com maestria que lhe é peculiar.

“Necessário é, que se busque a equidade da relação com o tratamento

diferenciado por parte daqueles que flagrantemente encontram-se em

desvantagem no início da relação jurídica de consumo, posto que, tomou-se

consciência da absoluta necessidade de proteger a vítima da moderna

sociedade de consumo, em face das situações de desigualdade que esta

inevitavelmente gera, representada pela criação de necessidades inexistentes

criadas pelas modernas técnicas de marketing, dos abusos do poder

econômico, da falta de qualidade dos produtos e serviços produzidos,

comercializados e prestados em massa”15.

Sendo assim, no intuito da busca pela equidade nas relações de consumo

virtual, sobretudo no que diz respeito á criança, é imperiosa a detecção dos elementos

constitutivos da relação jurídica para a devida qualificação daqueles que são alvo de

técnicas virtuais de consumo, bem como, do(s) objeto(s) responsáveis pela reunião dos

agentes, para que, a partir dessa verificação, o resultado possa ser utilizado como fio

condutor do estudo ora proposto.

13 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. P.8 14 RODRIGUES, Lisia Carla Vieira. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor e o Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2008. P.56 15 FERREIRA, Marcus da Costa. “Serviços Públicos Essenciais e a Proteção dos Consumidores.” Revista Luso-Brasileira de Direito de Consumo, 2011. P.41

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Relação de Consumo Virtual

Para que seja identificada uma relação de consumo virtual, antes de tudo

é necessário pontuar a existência de uma relação jurídica que, para autores como Miguel

Reale, é conceito fundamental, imprescindível para uma boa compreensão do fenômeno

do direito16.

A conceituação da relação jurídica é elemento básico do estudo, sendo o

entendimento de suas raízes, atividade fundamental para o bom entendimento da ciência

do direito. Para sua conceituação, parte-se da atividade social do homem. Vivendo em

sociedade, necessariamente nos relacionamos com nossos semelhantes, ensejando

relações sociais. Muitas dessas relações são de natureza afetiva, cultural, religiosa,

recreativa, vale dizer, sem relevância jurídica; outras, entretanto, tem natureza

econômica, familiar, funcional, pública e etc., exigindo, pela sua relevância social,

disciplina jurídica. As relações sociais reguladas pelo direito tornam-se relações

jurídicas17.

A experiência jurídica tem como um de seus elementos fundantes a

relação jurídica, cujo conceito foi pontuado, de maneira definitiva, por Saviny no século

passado18. Pode-se dizer então em linhas bem gerais, que o Direito reconhece de plano a

prevalência do interesse de um indivíduo, relativo a determinado bem jurídico destinado

a satisfazer certa necessidade, sobre o interesse de outro ou de outros indivíduos, daí o

resultando duas posições distintas que correspondem às situações de vantagem e de

subordinação entre os integrantes da relação jurídica aqui denominados de sujeito ativo

e o(s) sujeito(s) passivo(s), respectivamente19.

Relação jurídica então pode ser conceituada como toda relação civil que

é disciplinada pelo direito. Tal relação possui elementos que a integram que são

considerados como elementos subjetivos e elementos objetivos. Os elementos

subjetivos são relacionados ao(s) sujeito(s) da relação jurídica (sujeito ativo e sujeito

passivo), já o(s) elemento(s) objetivo(s) são relacionados ao(s) objeto(s) da relação

jurídica.

16 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 1990. P.218 17 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2011. P.57 18 LEÃES, Luis Gastão Paes de Barros. “as Relações de Consumo e o Crédito ao Consumidor.” Revista de Direito Mercantil n.82, 1991. P.15 19 LUCCA, Newton de. Direito do Consumidor. São Paulo: Quartier Latin, 2008. P.83

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É interessante observar que de acordo com o ramo do direito abordado,

as denominações dos elementos objetivos e subjetivos vão sofrendo mutações e aquela

relação jurídica primária se amolda ao campo do direito, essa construção produz laços

simbióticos que proporcionam uma denominação própria ligada ao campo do direito

proposto, perceba que dentro do campo do direito ora estudado, quando o elemento

subjetivo ativo é denominado de consumidor (sujeito ativo), o elemento subjetivo

passivo é denominado de fornecedor (sujeito passivo) e o elemento objetivo é

denominado de produto ou de serviço (objeto), aquela relação jurídica passa a ser

denominada de relação de consumo20.

Para caracterizar uma relação de consumo, não basta apenas adquirir

produtos ou serviços. É necessário que se identifique inicialmente os sujeitos que devem

intervir: fornecedor e consumidor. Assim, para que haja relação de consumo, devem

estar ligados pela relação negocial de um lado um fornecedor, que com habitualidade

ofereça produtos ou serviços ao mercado, e, de outro, uma pessoa que possa ser

identificada como consumidora, que seja destinatária final de produtos e serviços.

Assim, para caracterizar relação de consumo, temos três elementos: fornecedor,

consumidor e um bem de consumo que pode ser um produto ou um serviço21.

A identificação da relação de consumo e seus elementos é critério básico

para determinar o âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor e, portanto

as normas de direito do consumidor.22 Para Roberto Senise Lisboa relação de consumo

é “ o vínculo por meio do qual se verifica a aquisição, pelo consumidor, de um produto

ou de um serviço junto ao fornecedor”23. Já para o professor Newton de Lucca24 o

mesmo deixa claro em sua obra que “relação jurídica de consumo é aquela que se

estabelece necessariamente entre fornecedores e consumidores, tendo por objeto a oferta

de produtos ou serviços no mercado de consumo. ”

20 Note que se o estudo estivesse dentro do campo do direito das obrigações, o sujeito ativo receberia a

denominação de credor, e o sujeito passivo de devedor, e aquela relação base receberia a denominação de relação obrigacional. Isso serve de caixa de ressonância para todos os campos do direito. (contratante/contratado, Reclamante/Reclamado e etc...).

21 MELO, Nehemias Domingos de. Da Defesa do Consumidor em Juízo: por danos causados em acidentes de consumo . São Paulo: Atlas, 2010. P.12 22 MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. P.80 23 A relação de consumo e seu alcance no direito brasileiro, p. 6. 24 LUCCA, Newton de. Direito do Consumidor. São Paulo: Quartier Latin, 2008. P.108

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Verifica-se que essa singela noção remete o pensar aos conceitos de

consumidor, de fornecedor, de oferta, de produto, de serviço e, finalmente, de mercado

de consumo. Somente após da análise de todos esses elementos constitutivos é que se

pode realmente se chegar a uma perfeita delimitação do tema. Passemos, pois, a tal

exame25.

Elementos Integrantes da Relação de Consumo

A individualização dos elementos integrantes da relação de consumo

trata-se de tarefa de forte relevância, pois somente a partir deste esforço se torna

possível traçar com exatidão o campo de atuação do tema abordado no presente

trabalho.

A professora Claudia Lima Marques, dissocia de forma lúdica a figura do

consumidor (sujeito ativo) e do fornecedor (sujeito passivo).

“Imaginemos uma figura com três círculos. Temos de um lado um círculo, e

neste círculo um civil(um leigo), que seria protegido exclusivamente pelo

direito civil (este primeiro circulo). Temos do outro um outro circulo, dentro

dele está um comerciante, um profissional, um fornecedor de produtos e

serviços, que seria protegido pelo direito de empresa ou comercial. O direito

do consumidor é o círculo do meio, que envolve os outros dois, pois, no

momento em que este civil adquire ou usa como destinatário final um

produto ou um serviço de outro fornecedor, ele se torna consumidor, e este

ato misto, entre um civil e um comerciante, é regulado pelo direito do

consumidor, o círculo maior que envolve e é especial em relação a ambos

neste momento relacional. Daí o desafio a distinguir. O direito do

consumidor é um direito para os desiguais, forte, protetor, e assim, tem um

campo de aplicação subjetivamente especial26.”

Em outras palavras, o CDC protege situações de vulnerabilidade

inerentes ao mercado de consumo, o que significa em regra, a proteção da pessoa

natural que não atua profissionalmente e, eventualmente, a proteção da pessoa jurídica

que, por razões diversas, apresenta-se vulnerável em face de determinada atividade.

25 Ibidem, p.109 26 BENJAMIN, Antônio Herman V., Claudia Lima Marques, Leonardo Roscoe Bessa. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P.67

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Existem atividades, vinculadas ao mercado de consumo, que são potencialmente

ofensivas a legítimos interesses existenciais e materiais, em que há preponderância e

poder social de quem exerce a atividade, ainda que inexistente qualquer aquisição, nem

mesmo eventual, de produto ou serviço27.

A defesa é do consumidor vulnerável, por isso, é importante oferecer a

distinção entre direito do consumidor e “direitos dos consumidores”. Estes últimos

correspondem a um prisma individual daquele primeiro e a uma expressão já existente

antes do surgimento do direito do consumidor. Já o direito do consumidor desponta para

solucionar os problemas gerados na relação de consumo, á qual pertencem tanto

fornecedores quanto consumidores. Quanto aos direitos dos consumidores, não obstante

alguns fossem previstos anteriormente ao efetivo surgimento do direito do consumidor,

dele renascem, visto que este comporta não só os direitos, mas também os deveres dos

consumidores. Portanto o direito do consumidor pretende dar tratamento especial á

relação jurídica de consumo, além de regrá-la devido a extensão social que alcança.28

Partindo-se deste pressuposto o estudo das relações virtuais que

envolvem crianças deve ser tratado de forma mais especial ainda, pois o público infantil

é dotado de uma extra vulnerabilidade natural frente àqueles que venham a se

caracterizar como sujeitos ativos da relação jurídica virtual.

Conceito de Consumidor

Inicialmente, fica destacado que os conceitos preceituados no Código de

Defesa do Consumidor, se apresentam como perfeitas definições, como pode ficar

demonstrado através da leitura dos artigos 2° e 3°. Neste sentido, a iniciativa do

legislador é louvável, já que a adoção de tal medida facilita a compreensão da norma

por parte de seu intérprete29.

Por isso Antônio Carlos Efing citando o jurista Thierry Bourgoignie

constata que “examinando-se a legislação de diversos países, constata-se a obscuridade

do conceito do consumidor e as distintas formas de abordagem do direito positivo, o que

impulsiona a polêmica instalada em torno do tema, inexistindo pacífica definição no

27 BESSA, Leonardo Roscoe. Relação de Consumo e Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. P.53 28 BENJAMIN, Antônio Herman. O direito do Consumidor. Revista dos tribunais, 1991, vol.670, P.60 29 EFING, Antonio Carlos. Fundamentos do Direito das Relações de Consumo. Curitiba: Juruá, 2008. P.48

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plano internacional. Desta forma, tendo o sistema jurídico de proteção do consumidor,

adotado pelo Brasil, trazido de forma clara o enquadramento das conceituações que

compõem as relações de consumo, repercutiu diretamente numa melhor assimilação de

suas normas pela população”30.

Consumidor sob o ponto de vista da codificação consumerista, pode ser

considerado como o sujeito concreto vulnerável que encontra-se em estado de

debilidade fática frente ao(s) fornecedor(es) de produto(s) ou serviço(s). A debilidade

ora narrada resulta da evidenciação de um ambiente hostil, fruto de uma sociedade

impulsionada sob o ponto de vista econômico pelo consumo. Assim, comenta-se que o

mero caminhar através do universo consumerista já pode ser considerado como um ato

de coragem fazendo-se merecedor de uma proteção legal que além de eficaz que seja

capaz de devolver o equilíbrio ao viver.

Esse estado permanente de vulnerabilidade ganha corpo na segunda

metade do século XX, quando o desenvolvimento das empresas, a complexidade dos

produtos e dos serviços, a onipresença da publicidade, o desenvolvimento do crédito, a

ciência do marketing são conjugadas com a debilidades das pessoas frente aos inúmeros

profissionais captados pelas empresas para o bom andamento de sua atividade

empresarial, tal fato evidencia um desequilíbrio natural que nos dias atuais pode ser

considerado como traço marcante da sociedade de consumo31.

Por isso consumidor é o sujeito da relação jurídica de consumo que está

em posição de inferioridade diante do fornecedor e a quem é destinada a proteção legal.

A definição de consumidor apresenta diversas vertentes e está diretamente ligada à

extensão do próprio subsistema jurídico denominado Direito do Consumidor32.

Interessante observar que a figura do consumidor não reside tão somente

na pessoa do adquirente direto do produto, mas também na pessoa que utiliza o produto

ou absorve o serviço, como no caso em que uma determinada pessoa é presenteada por

outra33.

30 Ibidem, p.48 31 AULOY, Jean Calais. Droit de la consommation. Paris: Éditions DALLOZ, 2000. —. “Un Code, Un Droit.” Après Le Code de La Consommation, Grands Problèmes Choisis. Reims: Litec, 1994. P.13. 32 SANTANA, Héctor Valverde. Dano Moral no Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. P.56 33 GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor: Código Comentado e Jurisprudência. Niteroi: Impetus, 2011. P.12

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Consumidor “standard” ou “destinatário final”

Definir é enunciar, tendo como elemento fundante os dados obtidos

através da experiência, as características invariáveis que identificam um conjunto de

coisas, de seres ou de qualidades34. O Código de Defesa do Consumidor em seu art.2°

corajosamente define consumidor como:

“toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como

destinatário final”.

Partindo-se da visão literal da norma, bastará que em uma determinada

relação jurídica travada com um fornecedor, uma pessoa seja ela física ou até mesmo

jurídica, ocupe o lugar de destinatário final, para que possa alçar o patamar de

consumidora35.

Sob este aspecto até mesmo o Estado, empresas ou um só cidadão,

quando assumirem integralmente o posto de destinatários finais, absorvendo para uso

próprio produtos ou serviços, serão considerados como consumidores36.

Para José Geraldo Brito Filomeno “o conceito de consumidor adotado

pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em

consideração tão-somente o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou

então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que

assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o

desenvolvimento de uma atividade negocial.”37

O legislador parece ter, inicialmente, preferido uma noção mais objetiva

da pessoa do consumidor, pois necessário se faz a interpretação da expressão

destinatário final, para que só a partir daí se identifique o consumidor final, podendo

este ser considerado como aquele que retira o produto do mercado ao adquirir ou

34 SAAD, Eduardo Gabriel. Código de Defesa do Consumidor Comentado: Lei 8078/90. São Paulo: LTr, 2006. P.53 35 GAMA, Helio Zaghetto. Curso de direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2006. P.38 36 Ibidem, p.38 37 FILOMENO, José Geraldo Brito. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. P.28

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simplesmente utilizá-lo, ou seja aquele que coloca um fim na cadeia de produção e não

aquele que utiliza o bem para continuar a produzir ou na cadeia de serviço38.

Rizzato Nunes, exemplifica:

“ Não se duvida do fato de que, quando uma pessoa adquire um automóvel

numa concessionária, estabelece-se uma típica relação regulada pelo CDC.

De um lado, o consumidor; de outro, o fornecedor.

Em contrapartida, é evidente que não há relação protegida pelo Código

quando a concessionária adquire o automóvel da montadora como

intermediária para posterior venda ao consumidor.

Nos dois quadros anteriores as situações jurídicas são simples e fáceis de

serem entendidas. Numa ponta da relação está o consumidor (relação de

consumo). Na outra estão fornecedores (relação de

intermediação/distribuição/comercialização/produção). O Código de Defesa

do Consumidor regula o primeiro caso; o direito comum o outro.

Mas o que acontece se a concessionária se utiliza do veículo como

“destinatária final”, por exemplo, entregando-o para seu direito de usar?

A resposta a essa questão é fácil: para aquele veículo a concessionária não

aparece como fornecedora, mas como consumidora, e a relação está

tipicamente protegida pelo Código.”39

Correntes (finalista, maximalista e finalista mitigada)

A questão mais importante consiste em se determinar a mens legis da

expressão ‘destinatário final”. Entram aí relevantes pontos como bens de consumo, de

capital, a possibilidade da pessoa jurídica figurar nesse pólo da relação etc40.

Sob este aspecto ressalte-se que a comunidade jurídica iniciou profundo

debate acerca da busca pela conceituação mais precisa do termo fazendo estampar

entendimentos diversos no que tange a referida denominação tanto na doutrina quanto

na jurisprudência.

38 MARQUES, Claudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2010. P.105 39 NUNES, Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2009. P.97 40 JUNIOR, Vidal Serrano Nunes. Código de defesa do Consumidor Interpretado. São Paulo: Editora Verbatin, 2011. P.37

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Logo que o Código de Defesa do Consumidor entrou em vigor, havia

aqueles que davam ampla interpretação à expressão destinatário final, a mais extensiva

possível. Viam no CDC um código geral de consumo, o novo regulamento do mercado

contendo normas para todos seus agentes, tanto consumidores quanto fornecedores. Tal

entendimento, entretanto estava em rota de colisão com a finalidade do CDC, contra a

sua própria razão de ser, que, como já vimos, é proteger a parte vulnerável nas relações

de consumo. E transformar o direito do consumidor em direitos do consumo importa em

retirar dele toda a sua função protetiva. Na realidade ele protege a todas as partes das

relações de consumo – consumidor e fornecedor – acaba não protegendo ninguém.

“Todos são especiais” é o mesmo que dizer ninguém o é41.

Surgem assim, 2 correntes que visavam determinar com precisão a

referida expressão. Corrente finalista ou minimalista (subjetiva) e Maximalista

(objetiva). Nesta trilha Felipe Peixoto Braga Netto, entende que “ A partir do

surgimento do CDC, e com o posterior aprofundamento das discussões, esboçou-se na

doutrina – com reflexos jurisprudenciais – uma disputa entre maximalistas e

minimalistas (finalistas). Os primeiros diziam que a aplicação do CDC deveria ser mais

ampla possível, incluindo as pessoas jurídicas e os empresários, que deveriam se

beneficiar com a nova lei de consumo. Os segundos, também chamados de finalistas,

diziam que a interpretação, para preservar o espírito do código, deveria proteger os

efetivamente mais fracos, sob pena de banalizar o CDC e esvaziar seu alcance. Esta

segunda é considerada, digamos assim, a opção “politicamente correta”, e conta com o

apoio de considerável parcela dos chamados ‘consumeristas”42.

Os finalistas podem ser considerados como pioneiros na defesa do

consumidor no Brasil, pois defendiam a aplicação restritiva do direito do consumidor,

pois só entendiam como consumidores aqueles sujeitos que encontravam-se

intimamente ligados a um estado de vulnerabilidade e hipossuficiência, excluindo-se

portanto, as pessoas jurídicas de tal aplicação, ou seja, seriam destinatários fáticos e

econômicos dos bens de consumo, já que encerraria em si a atividade lucrativa do

mesmo.

41 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2011. P.60 42 NETTO, Felipe Peixoto Braga. Manual de Direito do Consumidor: á luz da jurisprudência do STJ. Salvador: Edições Juspodivm, 2008. P.73

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Em síntese pode-se dizer que pela visão finalista, consumidor é aquele

não profissional que adquire produto ou serviço para uso próprio, de sua família ou

excepcionalmente por uma pessoa jurídica sem fins lucrativos. Assim, todas as pessoas

jurídicas ou profissionais que possuam a intenção de utilizar produtos ou serviços não

podem ser amparados pela proteção consumerista porquanto, ao adquirirem bens, de

insumo e custeio, eles passam a incorporar o processo produtivo, seja de forma direta

(insumo), seja de forma indireta (custeio)43.

Pela corrente maximalista ou objetiva entende-se que o Código de defesa

do Consumidor quando cuidou da definição de consumidor, apenas exigiu que para a

sua caracterização, era necessária a realização de um ato de consumo. Ocorre, que a

expressão destinatário final trazida no bojo do código pela ótica maximalista deve ser

interpretada de maneira mais ampla, bastando-se a configuração do consumidor que a

pessoa, física ou jurídica, se apresente como destinatário fático do bem ou do serviço,

ou seja, retire do mercado, encerrando definitivamente a cadeia produtiva em que

inseridos o fornecimento de produtos ou serviços44.

Sergio Cavalieri Filho adjetivou que “Não é preciso perquirir a finalidade

do ato de consumo, ou seja, é totalmente irrelevante se a pessoa objetiva a satisfação de

necessidades pessoais ou profissionais, se visa ou não lucro ao adquirir a mercadoria ou

usufruir do serviço. Dando ao bem ou ao serviço uma destinação fática, a pessoa, física

ou jurídica, profissional ou não, caracteriza-se como consumidora, pelo que dispensável

cogitar acerca de sua vulnerabilidade técnica (ausência de conhecimentos específicos

quanto aos caracteres do bem ou serviço consumido), jurídica (falta de conhecimentos

jurídicos, contábeis ou econômicos) ou socioeconômica (posição contratual inferior em

virtude da magnitude econômica da parte adversa ou do caráter essencial do produto ou

serviço por ela oferecido)”45.

Fato instigante ocorreu na França onde uma manifestação jurisprudencial

que visava tratar os inúmeros casos de contratos firmados entre pequenos empresários

ou profissionais liberais e fornecedores de bens, em que os primeiros não possuíam o

conhecimento técnico adequado. Em 1987 em um caso que envolvia a instalação de um

alarme em uma agência imobiliária, ocorreu uma total revitalização do conceito de

43 MELO, Nehemias Domingos de. da defesa do consumidor em juízo: por danos causados em acidentes

de consumo . São Paulo: Atlas, 2010. P.16 44 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2011. P.60 45 Ibidem, p.60

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consumidor, pois o tribunal francês entendeu que embora se trate de utilização de

produto para fins profissionais, neste tipo de situação, aquele que contrata esta espécie

de prestação, também merece a atenção de lei especial dada a flagrante vulnerabilidade

existente entre as partes46.

O elemento rompe com a definição tradicional do modelo europeu de

defesa do consumidor, onde todo aquele não profissional não pode ser considerado

como consumidor, sendo este o critério essencial para uma boa apreciação de uma

relação consumerista, pois consumidor só pode ser considerado como tal, aquele que

utilize produto ou serviço para um uso não profissional47.

Decorre desse pensamento uma figura hibrida formada de um viés

teleológico em que a vulnerabilidade passa ser a zona neural das discussões relativas a

conceituação da figura do consumidor, diante desse quadro, a renomada autora Claudia

Lima Marques se manifesta neste sentido:

“Por vezes o profissional é um pequeno comerciante, dono de bar, mercearia,

que não pode impor suas condições contratuais para o fornecedor de bebidas,

ou que não compreende perfeitamente as remissões feitas a outras leis no

contexto do contrato, ou que, mesmo sendo um advogado, assina o contrato

abusivo do único fornecedor legal de computadores, pois confia que nada

ocorrerá de errado. Nestes três casos pode haver uma exceção à regra geral, o

profissional pode também ser “vulnerável”, ser “mais fraco” para se proteger

do desequilíbrio contratual imposto48.”

A corrente finalista mitigada ou por muitos denominada de aprofundada

e madura, que merece ser melhor apreciada. Em situações difíceis, pequenas empresas

que utilizam insumos para sua produção, mas a aplicação destes não se dá de maneira a

conflitar com sua área de expertise, ou através de uma utilização mista, quando restar

demonstrada a vulnerabilidade, conclui-se pela destinação final de consumo prevalente.

Essa visão inovadora, em especial do STJ, tem utilizado, sob o critério finalista e

subjetivo, expressamente a equiparação do art.29 do CDC, quando tratar-se de uma

pessoa jurídica que demonstre ser flagrantemente vulnerável, frente a figura do

46 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. P.256 47 AULOY, Jean Calais. Droit de la consommation. Paris: Éditions DALLOZ, 2000. P.8 48 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. P.268-269

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fornecedor principal, desde que atue fora do âmbito de sua especialidade, como no caso

de um hotel que adquire gás. O conceito chave será o da vulnerabilidade49.

Pela corrente finalista mitigada um destinatário fático do produto, desde

que fique demonstrada sua vulnerabilidade frente ao fornecedor do bem jurídico de

consumo poderá invocar as benesses do Código de defesa do Consumidor, como na

hipótese de um proprietário de um pequeno bar que se submete á pratica de venda

casada com seu fornecedor principal de refrigerantes.

O STJ nesse sentido resolveu tratar o assunto e cuidou de denomina-lo de

finalismo aprofundado:

“ a pessoa jurídica com fins lucrativos caracteriza-se como consumidora

intermediária porquanto se utiliza do serviço de energia elétrica prestado pela

recorrente, com o intuito de viabilizar sua própria atividade produtiva.

Todavia, cumpre consignar a existência de certo abrandamento na

interpretação finalista, na medida que se admite, excepcionalmente, desde

que demonstrada, in concreto, a vulnerabilidade técnica jurídica ou

econômica, a aplicação das normas do CDC. Quer dizer, não se deixa de

perquirir acerca do uso, profissional ou não, do bem ou serviço; apenas,

como exceção a à vista da hipossuficiência concreta de determinado

adquirente ou utente, não obstante seja um profissional, passa-se a considera-

lo consumidor”50

Desde a vigência do CC/2002, parece crescer essa tendência da noção do

consumidor final imediato (Endverbraucher) e do estudo ligado ao termo

vulnerabilidade. E, como fruto dessa simbiose, o finalismo mitigado ou aprofundado

encontra seu nascedouro. A assertiva ora trazida parte da observação do conjunto de

decisões do STJ a partir do ano de 2003 onde, através da análise das decisões, a corte

entendeu por bem adotar o finalismo porém abrandando sua aplicação diante de

situações complexas com um tratamento diferenciado, como no caso de pequenas

empresas que utilizam insumos para sua produção, mas não em sua área de expertise ou

como uma utilização mista, pois ao se provar a vulnerabilidade conclui-se pela

destinação final de consumo prevalente51.

49 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos e. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. P.73 50 STJ, REsp 661145-ES, rel.Min. Jorge Scartezzini, j. 22.05.2005, DJU 28.03.2005. 51 MARQUES, Claudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2010. P.107

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Portanto, o STJ na vanguarda do direito visou temperar a discussão

existente entre finalistas e maximalistas trazendo de maneira extremamente apropriada o

elemento vulnerabilidade que passa a figurar como eixo das discussões envolvendo

consumidores e fornecedores.

“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONDEFEITO. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. INDENIZAÇÃO. INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO DO QUANTUM. PRECEDENTES DESTA CO

1. Aplicável à hipótese a legislação consumerista. O fato de o recorrido adquirirtaxi - não afasta a sua condição de hipossuficiente na relação com a empresa-redas normas protetivas do CDC.

2. Verifica-se, in casu, que se trata de defeito relativo à falha na segurança, de vício intrínseco que potencializa um acidente de consumo, sujeitando-se o con(defeito na mangueira de alimentação de combustível do veículo, propiciando vaAplicação da regra do artigo 27 do CDC.

3. O Tribunal a quo, com base no conjunto fático-probatório trazido aos autopublicamente reconhecido pela recorrente, ao proceder ao "recall" com vistas alimentação do combustível. A pretendida reversão do decisum recorrido analisadas nas instâncias ordinárias. Óbice da Súmula 07/STJ.

4. Esta Corte tem entendimento firmado no sentido de que "quanto ao dano moradeve-se, sim, comprovar o fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntifato, impõe-se a condenação" (Cf..AGA. 356.447-RJ, DJ 11.06.01).

5. Consideradas as peculiaridades do caso em questão e os princípios de moderafixado pelo Tribunal a quo, a titulo de danos morais, em 100 (cem) salários mínse limitando à compensação dos prejuízos advindos do evento danoso, pelo que quantia certa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

6. Recurso conhecido parcialmente e, nesta parte, provido.

Acórdão Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. MinistrSuperior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficaconhecer parcialmente do recurso e, nessa parte, lhe dar provimento, nos teRelator, com quem votaram os Srs. Ministros BARROS MONTEIRO, CESAR AGONÇALVES e ALDIR PASSARINHO JÚNIOR.”52

A corte superior com essa interpretação moderada do sujeito ativo da

relação de consumo, valeu-se métodos isonômicos para o tratamento de relação tão

delicada por sua própria essência, devolvendo assim o equilíbrio almejado nas relações

jurídicas.

52 STJ, REsp 575469-RJ, rel.Min. Jorge Scartezzini, j. 18.11.2004, DJU 06.12.2004.

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Consumidor por equiparação

Embora o Código tenha conceituado consumidor como aquele que utiliza

o produto para uso próprio na qualidade de destinatário final, o legislador entendeu por

bem proteger as pessoas que de uma forma ou de outra possam sofrer efeitos

decorrentes de uma relação jurídica base.

O Código de Defesa do Consumidor faz referência expressa da figura do

consumidor em quatro oportunidades (art.2 caput, art.2 p. u., art.17 e art.29). Após

analisar a figura do consumidor destinatário final “standard” (art.2 caput), verificaremos

as hipóteses seguintes:

Consumidor por equiparação – art.2 p.u.(coletividade de consumo)

A primeira delas é a que trata o art.2 p. u. onde o Código de Defesa do

Consumidor:

“ art°2 p. u. - Equiparam-se a consumidor a coletividade de

pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas

relações de consumo”.

O século XX, sobretudo em sua segunda metade foi capaz de produzir

uma grande modificação do ordenamento jurídico mundial, sobretudo no campo do

processo civil, tendo em vista que em sua origem o instituto foi concebido para

propiciar o exercício individual do direito de ação. Nesse período, a tutela dos interesses

da sociedade e de grupos representativos de grandes parcelas de aglomerado social

passaram a figurar como uma das protagonistas da nova ordem jurídica53.

Esse movimento da ordem jurídica para o social não se deu tão somente

no campo do direito processual civil, mas também dentro do estudo da defesa dos

interesses do consumidor que não poderia deixar de observar os interesses da

coletividade, assim, mereceu a libertação da concepção individualista que prevalecia em

53JÚNIOR, Humberto Theodoro. Direitos do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2000. P.107

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nosso direito civil e processual civil, criando assim, a possibilidade da defesa dos

interesses da massa de consumidores em juízo. Essa equiparação é de suma importância,

pois permite que os legitimados do art.82 possam ingressar em juízo em nome próprio

porém para a defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Frise-

se que não fosse essa previsão legal, o sistema de proteção e controle das relações de

cunho consumerista restaria prejudicada54.

É a possibilidade de amparar a coletividade das inúmeras intempéries

evidenciadas no mercado de consumo. Trata-se de um reforço bastante próprio ao

art°129, III, IX da CF, além dos dispositivos contidos na Lei da Ação Civil Pública (Lei

7.347/1985) e nas leis orgânicas do MP, pois dada a diferença entre as partes envolvidas

no cerne da relação jurídica nunca é demais repisar nesse sentido55.

Consumidor por equiparação – art.17 (bystander)

A segunda hipótese presente no art.17 (bystander) institui como

consumidor todos aqueles que venham a sofrer dano em razão de uma relação de

consumo, caracterizando assim, a responsabilidade extracontratual no CDC, mais

especificamente aquelas decorrentes da pratica de um ato ilícito, pois o art.17 assevera

que “Para efeitos desta Seção equiparam-se a consumidores todas as vítimas do evento.”

O código com este dispositivo vinculou o fornecedor à todos aqueles que de alguma

forma venham a ser alvo de um ato ilícito proporcionado pelo mesmo, ainda que de

forma indireta.

O art.17 do CDC institui hipótese de consumidor-equiparado, referindo-

se a responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto ou fato do serviço, valendo

dizer, que é o dever do fabricante, produtor, construtor e, em alguns casos, o

comerciante de indenizar os danos materiais e morais causados por produtos ou serviços

que não ofereçam a segurança que deles se espera56.

Ilustre-se o tema com o caso de um consumidor que encontra-se parado

em uma calçada mas que é atingido por uma roda que se desprende de um automóvel

54 MELO, Nehemias Domingos de. Da Defesa do Consumidor em Juízo: por danos causados em

acidentes de consumo . São Paulo: Atlas, 2010. P.21 55 BESSA, Leonardo Roscoe. Relação de Consumo e Aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. P.69 56 BESSA, Leonardo Roscoe. Relação de Consumo e Aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. P.69

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por uma imperfeição técnica do auto. Ou ainda, de uma pessoa que tem sua residência

atingida por estilhaços de um avião que cai no momento em que transportava diversos

passageiros. É interessante que na mesma relação existam espécies distintas de

consumidores, posto que, aqueles que se encontravam na aeronaves seriam

caracterizados como consumidores mas na modalidade do art.2, porém as vítimas dos

estilhaços seriam consumidores por equiparação do art.17.

As cortes superiores já se manifestaram inúmeras vezes nesse sentido,

senão vejamos:

“CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ACIDENTE AÉREO. TRANSPORTE DE MALOTES. RELAÇÃO DE CONSUMO. CARACTERIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO. VÍTIMA DO EVENTO. EQUIPARAÇÃO A CONSUMIDOR. ARTIGO 17 DO CDC. I - Resta caracterizada relação de consumo se a aeronave que caiu sobre a casa das vítimas realizava serviço de transporte de malotes para um destinatário final, ainda que pessoa jurídica, uma vez que o artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor não faz tal distinção, definindo como consumidor, para os fins protetivos da lei, "... toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final". Abrandamento do rigor técnico do critério finalista. II - Em decorrência, pela aplicação conjugada com o artigo 17 do mesmo diploma legal, cabível, por equiparação, o enquadramento do autor, atingido em terra, no conceito de consumidor. Logo, em tese, admissível a inversão do ônus da prova em seu favor . Recurso especial provido”57.

Os consumidores equiparados não necessitam ser destinatários finais de produtos ou serviços, esse elemento axiológico compõe apenas a figura do consumidor strictu sensu do art.2, não integrando o conceito de consumidor do art.17, pois nesse caso, a norma vaticina no sentido de resguardar terceiros, que passam a ter o direito de não serem expostos a perigos que venham a atingir a sua incolumidade física por ocasião do estabelecimento de uma relação de consumo58. Em outra decisão semelhante, o ministro Castro Filho reiterou:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPLOSÃO DE LOJA DE FOGOS DE ARTIFÍCIO. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNIOS. LEGITIMIDADE ATIVA DA PROCURADORIA DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO. VÍTIMAS DO EVENTO. EQUIPARAÇÃO A CONSUMIDORES. I – Procuradoria de assistência judiciária têm legitimidade ativa para propor ação civil pública objetivando indenização por danos materiais e morais decorrentes de explosão de estabelecimento que explorava o comércio de fogos de artifício e congêneres, porquanto, no que se refere à defesa dos interesses do consumidor por meio de ações coletivas, a intenção do legislador pátrio foi ampliar o campo

57 STJ, REsp 540235-TO, rel.Min. Castro Filho, j. 07.02.2006, DJU 06.03.2006. 58 OLIVEIRA, James eduardo. Código de Defesa do Consumidor: Anotado e Comentado. São Paulo: Atlas, 2007. P.155

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da legitimação ativa, conforme se depreende do artigo 82 e incisos do CDC, bem assim do artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal, ao dispor expressamente que incumbe ao “Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor”. II – Em consonância com o artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas que, embora não tendo participado diretamente da relação de consumo, vem a sofrer as conseqüências do evento danoso, dada a potencial gravidade que pode atingir o fato do produto ou do serviço, na modalidade vício de qualidade por insegurança. Recurso especial não conhecido.”59

Consumidor por equiparação – art.29 (bystander)

Em algumas circunstâncias, porém a proteção do consumidor alcança

até mesmo pessoas que não sejam efetivamente contratantes, mas que estejam sob a

ação do fornecedor, ou seja, todos os clientes, como tal entendidas as pessoas que

compõe, constante ou eventualmente, as relações empresariais do fornecedor. O

exemplo de pessoas que por apenas ouvir os reclamos do fornecedor (publicidade) se

vinculam contratualmente é bastante elucidativo60.

O consumidor por equiparação do art.17 necessariamente vem a sofrer

um prejuízo decorrente da relação de consumo base, o que funciona de forma diferente

na hipótese do art.29.

“art.29 - Para fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos

consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às praticas nela

previstas.”

A abrangência da equiparação prevista no art29, é bem maior que os

equiparados já tratados anteriormente, porquanto, basta que a relação seja de consumo,

para que a proteção consumerista seja estendida a qualquer pessoa, pouco importando

que a mesma esteja enquadrada na definição legal de consumidor, sendo necessário tão

somente que fique configurada a presença de um fornecedor, seja de produtos, seja de

serviços e, de outro, um consumidor como alvo a ser atingido pelo fornecedor61.

São as pessoas expostas ás praticas comerciais, são vulneráveis

informacionais, pois tornam-se frágeis no momento da formação do contrato,

constituindo uma mácula á autonomia da vontade. Imagine o caso de uma pessoa que

59 STJ, REsp 181580-SP, rel.Min. Castro Filho, j. 09.12.2003, DJU 22.03.2004. 60 MAMEDE, Gladston. Direito do Consumidor no Turismo: Código de Defesa do Consumidor Aplicado aos Contratos, aos Serviços e ao Marketing do Turismo. São Paulo: Atlas, 2004. P.29 61 MELO, Nehemias Domingos de. Da Defesa do Consumidor em Juízo: por danos causados em

acidentes de consumo . São Paulo: Atlas, 2010. P.23-24.

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absorve uma publicidade de um veículo que se apresenta com um valor abaixo da média

do mercado, e ao chegar na sede do fornecedor constata que aquele veículo nunca

existiu? Não é incomum que fornecedores aos serem interpelados para cumprir o que foi

ofertado afirmem que, como a pessoa ainda não adquiriu o produto ou ainda não

absorveu o serviço, e que dessa maneira a mesma não possa ser caracterizada como

consumidora. Este dispositivo, traduz na pratica que em sede de direito do consumidor a

expectativa de direitos já é capaz de produzir direitos, posto que, a oferta também é uma

das modalidades de fontes das obrigações (manifestação unilateral de vontade).

Embora de grande abrangência, o art°29 vem sendo esquecido de

maneira sistemática por parte de nossos julgadores. O professor Leonardo Roscoe Bessa

há muito já se manifestava acerca dessa omissão.

“Poucas são as decisões que debatem o alcance do disposto no art.29 do

CDC. A maioria dos acórdãos, ao decidir se determinada situação fática está

sob a regência da Lei 8.078/90, apenas se refere ao art.29, sem analisar a

necessidade ou não do elemento teleológico (destinação final) ou da

verificação em concreto da vulnerabilidade quando se trata de empresários ou

consumidores intermediários. No segundo semestre de 2005, o Núcleo de

Estudo de Direito do Consumidor (UNICON), existente a partir do convênio

firmado entre o BRASILCON – Instituto Brasileiro de defesa do Consumidor

(www.brasilcon.com.br) e o Centro Universitário de Brasília – INICEUB,

por intermédio do Grupo de Trabalho (GT) de jurisprudência, estabeleceu

como meta realizar pesquisa de jurisprudência sobre o conceito de

consumidor equiparado constante no art.29 do CDC. O GT foi dividido em

sete grupos de quatro alunos. Cada grupo se dedicou a realizar a pesquisa em

tribunal previamente indicado (TJDF, TJRJ, TJSP, TJRS, TJMG, TJBA,

TJPE0. Como resultado, constatou-se um número reduzido de acórdãos que

enfrentaram o sentido e o alcance do art.29 da Lei 8078/90. Em regra, há

invocação correta do dispositivo, mas não se discute a necessidade ou não do

elemento teleológico (destinação final) ou da verificação em concreto da

vulnerabilidade quando se trata de empresários ou consumidores

intermediários.62”

O interessante é que o art.29 supera os limites estabelecidos pela

definição jurídica de consumidor, para imprimir uma definição de politica-legislativa, e

ao que parece, para que se harmonizem todos os interesses do mercado de consumo e

62 BESSA, Leonardo Roscoe. Relação de Consumo e Aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. P.74

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para que seja garantida a repressão dos abusos do poder econômico dos consumidores

finais, o legislador concebeu um poderoso instrumento nas mãos daquelas pessoas

expostas ás praticas abusivas63.

O Código de Defesa do Consumidor também conseguiu traduzir em

termos práticos todas as modalidades de fontes das obrigações, quais sejam, o contrato

(art.2), o ato ilícito (art.17) e as manifestações unilaterais de vontade (art.29).

Fornecedor

O conceito de fornecedor se apresenta no art.3° do CDC. Trata-se do

sujeito que ocupa o pólo oposto da relação de consumo. Sob o ponto de vista do

elemento pessoal, trata-se de conceito de grande extensão, posto que, abrange até

mesmo os entes despersonalizados. O elemento objetivo do conceito é a noção de

atividade. Fornecedor é a pessoa física ou jurídica ou mesmo os entes

despersonalizados, que venham a desempenhar quaisquer atividades trazidas no art.3°,

desde que se faça de forma profissional, na medida que a eventualidade afasta o

enquadramento do conceito, e a lei fala explicitamente quanto àqueles que desenvolvem

atividades, e não dos que praticam atos eventuais. A própria noção de atividade

pressupões habitualidade, para sua devida caracterização64.

Para Claudia Lima Marques a definição é ampla:

“Quanto ao fornecimento de produtos ou serviços o critério caracterizador é

desenvolver atividades tipicamente profissionais, como a comercialização, a

produção, a importação, indicando também a necessidade de uma certa

habitualidade, como a transformação e a distribuição de produtos. Estas

características vão excluir da aplicação das normas do Código todos os

contratos firmados entre dois consumidores, não-profissionais. A exclusão

parece-me correta, pois o código ao criar direitos para os consumidores, cria

deveres, e amplos, para os fornecedores.”65

63 MARQUES, Claudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2010. P.294 64 JACOBINA, Paulo Vasconcelos. A Publicidade no Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1996. P.60 65 MARQUES, Claudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2010. P.326

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O legislador nem mesmo distingue a natureza, regime jurídico ou

nacionalidade do fornecedor. Pelo conceito do CDC, tanto empresas estrangeiras quanto

ás multinacionais, e até mesmo o Estado em algumas hipóteses (serviço público uti

singuli) pode ser considerado como fornecedor. Neste sentido é correto afirmar que são

fornecedores todos os membros da cadeia de fornecimento, o que será relevante ao

definir-se a extensão de seus deveres jurídicos, sobretudo em matéria de

responsabilidade civil nas relações de consumo66.

Em outros países a amplitude do conceito também atinge um

contorno diferenciado. Assim, a lei de proteção do consumidor Belga refere-se ao

consumidor como toda pessoa física ou jurídica que vende produtos ou serviços em

uma atividade profissional ou em vista da realização de um objetivo estatutário, os

órgãos públicos ou pessoas jurídicas em que o Poder Público possui interesses

preponderantes, que exercem uma atividade comercial, financeira ou industrial, e que

ofereçam venda de produtos ou serviços. Por fim ainda indica como fornecedores

pessoas que exercem com ou sem finalidade lucrativa atividade de caráter comercial,

financeiro ou industrial, em nome próprio ou de terceiros, dotados ou não de

personalidade jurídica que ofereça ou realize a venda de produtos ou serviços67.

Ou seja, o protagonista das relações de consumo responsável pela

colocação de produtos ou até mesmo serviços á disposição do consumidor.68

Assim, fornecedor deve ser considerado como todo aquele que

possui o animus de ofertar com habitualidade. Note que é na habitualidade que o

elemento diferenciador se apresenta, pois em momento algum o legislador trata daquele

que desenvolve atividade esporádica, e mais, a própria expressão “atividades” no caput

do art.3 ao que parece possui claramente o condão de ressaltar tal critério. É importante

ressaltar no entanto, que tal figura é imprescindível para a devida caracterização da

pessoa física fornecedora, posto que, a pessoa jurídica ao nosso sentir não pode se

esquivar de responsabilidade ao argumento de que sua atividade deu-se de maneira não

habitual.

66 MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. P.92 67 Ibidem, p.92-93 68 FILOMENO, José Geraldo Brito. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. P.47

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Finalmente o conceito de fornecedor é traduzido nas palavras de José

Geraldo Brito Filomeno da seguinte forma:

“Fornecedor é qualquer pessoa física, que seja, qualquer um que, a título

singular, mediante desempenho de atividade mercantil ou civil de forma

habitual, ofereça no mercado produtos ou serviços, e a jurídica, da mesma forma,

mas em associação mercantil ou civil ou de forma habitual.”69

De forma diferenciada da média o professor Leonardo Roscoe Bessa,

apresenta a figura do Fornecedor Equiparado.

“As dificuldades apontadas de definição do âmbito de incidência de leis para o

vulnerável no mercado de consumo, com reflexos nos conceitos legais de

consumidor e fornecedor, exigem uma nova perspectiva em relação as atividades

em que estão, única ou preponderantemente, disciplinadas pela lei 8078/1990.

O CDC, ao lado do conceito genérico ou padrão do fornecedor (caput, art.3),

indica e detalha, em outras passagens, atividades que estejam sujeitas ao CDC.

Talvez o melhor exemplo seja o relativo aos bancos de dados e cadastro de

consumidores (art.43).

Até a edição da lei 8078/90, as atividades desenvolvidas pelos bancos de dados

de proteção ao crédito (SPC, SERASA, CCF) não possuíam qualquer disciplina

legal. A regulamentação de tais atividades surgiu com o CDC. Portanto não há

como sustentar, ou ainda que se verifique que a entidade arquivista não atenda

todos os pressupostos do conceito de do fornecedor do caput do art.3, que não se

aplica o CDC. Ora, a lei surgiu justamente para disciplinar a atividade! Pouco

importa se a atividade dos bancos de dados de proteção ao crédito seja

remunerada (direta ou indiretamente), vez que o art.43, ao contrário do §2 do

art.3, não existe a presença de tal pressuposto.”

Produto

Após a análise dos sujeitos da relação de consumo, ingressa-se na

apreciação do objeto (bem da vida) da relação. Antes de tudo é imperioso ressaltar que o

legislador entendeu por bem dividir o objeto da relação em duas espécies (produto e

69 Ibidem, p.47

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serviço), razão pela qual evidencia-se a necessidade preliminar de estabelecer a

distinção de ambos70.

A definição dos termos “produto” e “serviço” simplifica a aplicação

da lei, pois elimina, na medida do possível, dúvidas que poderiam pairar sobre o correto

entendimento do conteúdo de cada termo71.

O CDC estabeleceu no §1 do art.3:

“Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”

Utilizando-se de termos de larga acepção tencionou o legislador a

insculpir no texto maior número de condutas positivas que porventura viesses a implicar

relação umbilical com os polos da questão72.

Produto por definição, pode após esta explanação ser conceituado

como qualquer bem corpóreo ou incorpóreo suscetível de apropriação que tenha valor

econômico, destinado a satisfazer uma necessidade do consumidor73. Sendo assim,

também pode se considerar produto como tudo aquilo que existe no universo capaz de

despertar desejos no ser humano.

O conceito de produto se completa com a distinção de “produto

durável” e “produto não durável” (art.26, I e II). Durável é aquele bem que não se perde

completamente logo na primeira utilização, podendo ser novamente utilizado por

inúmeras vezes sem que o mesmo perca sua essência. Já o produto não durável se esgota

absolutamente ou parcialmente na primeira sequencia de utilizações.74

Como se pode notar a área que se refere a “produto” parece não

comportar maiores indagações, pois, mesmo a grosso modo, entende-se que fornecedor

70 SANTANA, Héctor Valverde. Dano Moral no Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. P.80 71 ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2008. P.46

72 JUNIOR, Vidal Serrano Nunes. Código de defesa do Consumidor Interpretado. São Paulo: Editora Verbatin, 2011. P.47 73 DENSA, Roberta. Direito do Consumidor. São Paulo: ATLAS, 2007. P.17 74 MELO, Nehemias Domingos de. da defesa do consumidor em juízo: por danos causados em acidentes de consumo . São Paulo: Atlas, 2010. P.28

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é todo aquele que “fornece” produtos75, ou seja, tudo aquilo que um fornecedor se

dispuser a inserir no mercado de consumo, que seja capaz de despertar o interesse de

alguém pode ser considerado como produto.

Serviço

Juridicamente o Código de Defesa do Consumidor definiu serviço no

art.3, §2 da seguinte forma:

“Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante

remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e

securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”

Existe uma gama de serviços que vão desde atividades intelectuais,

de consultoria a trabalhos braçais. O serviço nada mais é do que a execução de uma

ação humana, que na economia apresenta-se como um setor distinto e bastante lucrativo,

pois influencia na criação de empresas que interagem com atividades específicas de

atuação no mercado de consumo que possuem o claro objetivo de servir de ferramenta

para suprir as necessidades humanas76.

É importante ressaltar logo de início a diferença existente entre

contribuinte e consumidor, pois não se inserem neste estudo os tributos, taxas ou

contribuições de melhoria em geral, posto que, estas são de natureza tributária e cuidam

especificamente da pessoa do contribuinte, fato que não ocorre de maneira semelhante

naqueles serviços prestados diretamente pelo poder público, ou através de permissão da

iniciativa privada como nos casos de preços públicos ou tarifas onde aí sim aparece a

figura do consumidor77.

O fato é que não se é mais concebível viver em uma sociedade

moderna sem a presença emblemática dos prestadores de serviços e, por esta razão, o

75 ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2008. P.46

76 ANDRADE, Ronaldo Alves de. Curso de Direito do Consumidor. Barueri, SP: Manole, 2006. P.42-43 77 FILOMENO, José Geraldo Brito. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do

anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. P.53

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desenvolvimento da atividade econômica é tão essencial quanto a atividade produtora,

pois ambas integram o mercado de consumo78.

No entanto, devemos fracionar o conceito em três partes para uma

perfeita compreensão, posto que, o dispositivo legal deixa para a doutrina, bem como,

para a jurisprudência o encargo de tratar inicialmente do critério de remuneração ou não

do prestador do serviço, em segundo lugar da verificação das hipóteses específicas de

aplicação do CDC em relação ás instituições bancárias, financeiras e de seguro, e,

finalmente a verificação de vínculo laboral e a possibilidade da aplicação do Código de

Defesa do Consumidor nesses casos.

Quanto ao primeiro critério, quando o legislador refere-se a serviço,

como qualquer atividade desenvolvida no mercado de consumo mediante remuneração,

a tendência natural é da pressuposição de que se não houve remuneração, não houve

prestação de serviço e como consequência não se aplica o CDC. No entanto, muitos

serviços prestados no mercado de consumo aparentam ser gratuitos, mas na verdade há

uma remuneração, ainda que indireta, como ocorre por exemplo nos shoppings centers

em que o estacionamento é gratuito mas que trata-se tão somente de uma aparência de

gratuidade naquela prestação, tendo em vista, que os custos com o estacionamento

estarão obviamente sendo cobertos pelos adquirentes de produtos ou serviços prestados

naquele centro de compras79.

Com relação ao segundo critério, onde bancos, financeiras e

companhias de seguro são expressamente mencionadas como fornecedores de serviço

para que não restassem dúvidas acerca da aplicação do CDC nas referidas relações.

Aliás não poderia ocorrer de forma diferente até mesmo porque tais atividades

constituem verdadeiro pilar da sociedade moderna.

A atividade bancária em específico é essencial para qualquer

economia e, no mercado de consumo, os bancos acabam por atuar como financiadores

de todo o sistema, propiciando ao cidadão condições financeiras de consumir. Tal

atividade pode constituir fornecimento de produto, como acontece naqueles casos em

que a instituição bancária empresta dinheiro ao tomador, já que dinheiro nada mais é do

que um bem material, ou seja, um produto; além disso o banco também presta serviços,

78 ANDRADE, Ronaldo Alves de. Curso de Direito do Consumidor. Barueri, SP: Manole, 2006. P.43 79 MELO, Nehemias Domingos de. Da Defesa do Consumidor em Juízo: por danos causados em

acidentes de consumo . São Paulo: Atlas, 2010. P.28.

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como ocorre no caso das cobranças de dívidas, impostos, taxas e etc. Assim, não se

pode negar que a atividade bancária seja alvo da aplicação do código dada a típica

atuação no mercado de fornecedor de produtos ou serviços80.

Em que pese a clareza, muito se argumentou em contrário conforme

Bruno Miragem esclarece:

“Fez questão o legislador, igualmente, de incluir sob o conceito de serviços

objeto de relação de consumo, os “serviços bancários, financeiros, de crédito e

securitários”. A referência expressa tem razão de ser em face de discussão

original do direito brasileiro, se poderiam os correntistas ou investidores que

para tais fins realizassem contratos bancários, serem considerados consumidores.

Isto porque, dentre os argumentos contrários à aplicação do CDC aos titulares de

contas correntes aos bancos, argumentava-se que nesta condição não se

encontravam na qualidade de destinatário final, uma vez que realizavam em

verdade um depósito, cujos recursos deixados sob a guarda do banco seriam

todos devolvidos ao próprio correntista, ou a quem este determinasse. Com

relação aos que encontravam com as instituições bancárias na qualidade de

investidores (sob as diversas modalidades admitidas, desde a caderneta de

poupança a fundos de investimento de risco), o argumento principal contrário à

aplicação do CDC e, portanto, à qualificação destes contratos como relações de

consumo, era o fato de que tais operações caracterizam-se em razão de sua

finalidade típica (aumento patrimonial), a qual não se adequava à noção de

destinatário final indicada à figura típica de consumidor.”81

Apesar disso, a evolução da doutrina, bem como, da jurisprudência

brasileira, orientou-se em sentido contrário, ou seja, na consideração dos serviços

bancários, financeiros, de crédito e securitários como verdadeiras relações de consumo

nos moldes do dispositivo legal (art.3§2)82.

Frise-se, que apesar de tal discussão o assunto hoje encontra-se

pacificado no STF (informativo n.430)83, e no STJ (súmula n.297)84.

80 ANDRADE, Ronaldo Alves de. Curso de Direito do Consumidor. Barueri, SP: Manole, 2006. P.44 81 MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. P.101 82 Ibidem, p.101 83 Aplicação do CDC aos Bancos – Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro - CONSIF contra a expressão constante do § 2º do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor - CDC (Lei 8.078/90) que inclui, no conceito de serviço abrangido pelas relações de consumo, as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária (Lei 8.078/90: "Art. 3º ... § 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive

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Finalmente, resta analisar o último elemento, qual seja, existência de

vínculo laboral entre os integrantes da relação e a possibilidade da aplicação do Código

de Defesa do Consumidor nesses casos.

A prestação de serviço de caráter trabalhista põem termo a relação

especializada de cunho consumerista e envereda por outros meandros que não

contemplam a proteção específica do consumidor, pois trata-se de atividade subordinada

realizada pessoalmente pelo empregado sob os domínios de direção do empregador, este

sempre mediante remuneração, e, como consequência o tratamento será atento aos

meandros da justiça do trabalho, conforme competência previamente fixada pelo art.114

da CF/198885.

as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.") - v. Informativos 264, 417 e 425. Entendeu-se não haver conflito entre o regramento do sistema financeiro e a disciplina do consumo e da defesa do consumidor, haja vista que, nos termos do disposto no art. 192 da CF, a exigência de lei complementar refere-se apenas à regulamentação da estrutura do sistema financeiro, não abrangendo os encargos e obrigações impostos pelo CDC às instituições financeiras, relativos à exploração das atividades dos agentes econômicos que a integram - operações bancárias e serviços bancários -, que podem ser definidos por lei ordinária. Vencidos, em parte, os Ministros Carlos Velloso e Nelson Jobim, que julgavam o pedido parcialmente procedente para emprestar interpretação conforme a CF ao § 2º do art. 3º da Lei 8.078/90, respectivamente, no sentido de excluir da sua incidência a taxa dos juros reais nas operações bancárias, ou a sua fixação em 12% ao ano, e no de afastar da sua exegese as operações bancárias. ADI 2591/DF, rel. orig. Min. Carlos Velloso, rel. p/ o acórdão Min. Eros Grau, 7.6.2006. (ADI-2591) 84 STJ Súmula nº 297 - 12/05/2004 - DJ 09.09.2004 - Código de Defesa do Consumidor - Instituições Financeiras – Aplicação – “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.” 85 SANTANA, Héctor Valverde. Dano Moral no Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2009. P.89-90