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1 Contabilidade de Seguros em Portugal durante o século XX: as primeiras iniciativas de normalização e de harmonização contabilística Introdução Apesar de ser claramente conhecida a noção de que a contabilidade de seguros, tal como a bancária, corresponde a solução diferenciada quando se considera a normalização contabilística em termos globais, é pouco conhecida a razão de ser da diferença verificada no processo de normalização. A referida diferenciação está grandemente relacionada com motivos históricos e, na verdade, com motivos de controlo sobre estas atividades económicas numa fase inicial da implementação das referidas iniciativas de normalização. A questão de investigação considerada neste trabalho prende-se com o facto de compreender porque a Contabilidade de Seguros prosseguiu este caminho, e se a relação entre o Estado e a Contabilidade (Macve, 2002) foi relevante neste âmbito. Uma questão relacionada é a da forma como a organização social e política da envolvente determinaram desenvolvimentos ou recuos na contabilidade no ramo aqui considerado. De uma forma mais concreta, a questão de investigação corresponderá ao seguinte: porque seguiu a Contabilidade de Seguros um percurso diferenciado do dos restantes ramos da Contabilidade e que razões justificam e suportam essa diferenciação? Quanto ao tema considerado parece evidente a existência de uma forte lacuna identificada na literatura contabilística de cariz histórico, pois foram, à partida, identificados escassíssimos trabalhos sobre o tema, apesar de o ramo da contabilidade de seguros constituir uma área da contabilidade com soluções e ferramentas específicas (Horton & Macve, 2005; Macve, 2010;

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Contabilidade de Seguros em Portugal durante o século XX: as primeiras iniciativas de

normalização e de harmonização contabilística

Introdução

Apesar de ser claramente conhecida a noção de que a contabilidade de seguros, tal como a

bancária, corresponde a solução diferenciada quando se considera a normalização contabilística

em termos globais, é pouco conhecida a razão de ser da diferença verificada no processo de

normalização.

A referida diferenciação está grandemente relacionada com motivos históricos e, na verdade,

com motivos de controlo sobre estas atividades económicas numa fase inicial da implementação

das referidas iniciativas de normalização.

A questão de investigação considerada neste trabalho prende-se com o facto de compreender

porque a Contabilidade de Seguros prosseguiu este caminho, e se a relação entre o Estado e a

Contabilidade (Macve, 2002) foi relevante neste âmbito. Uma questão relacionada é a da forma

como a organização social e política da envolvente determinaram desenvolvimentos ou recuos

na contabilidade no ramo aqui considerado. De uma forma mais concreta, a questão de

investigação corresponderá ao seguinte: porque seguiu a Contabilidade de Seguros um percurso

diferenciado do dos restantes ramos da Contabilidade e que razões justificam e suportam essa

diferenciação?

Quanto ao tema considerado parece evidente a existência de uma forte lacuna identificada na

literatura contabilística de cariz histórico, pois foram, à partida, identificados escassíssimos

trabalhos sobre o tema, apesar de o ramo da contabilidade de seguros constituir uma área da

contabilidade com soluções e ferramentas específicas (Horton & Macve, 2005; Macve, 2010;

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Gonçalves, 2011; Carqueja, 2011). A escassez de trabalhos existentes nesta ótica e temática é

ainda referida por Prieto & Gutierrez (2018), numa ampla análise efetuada a publicações no

âmbito da História da Contabilidade durante os últimos 20 anos.

Assim, depois de identificadas a questão de investigação e o gap na literatura, no presente

trabalho serão apresentadas as principais fases que conduziram à génese da contabilidade de

seguros em Portugal, ocorridas durante o século XX, uma vez que foi nesta altura que o processo

de normalização deste ramo da contabilidade foi iniciado e consolidado em Portugal.

Começaremos por um primeiro ponto onde serão explanados os principais antecedentes

relativamente à temática analisada. Passaremos em seguida à definição da metodologia utilizada

e à justificação do enquadramento teórico de referência. Depois, nos pontos três e quatro do

trabalho, iremos analisar os principais momentos correspondentes a iniciativas legislativas

levadas a cabo pelos diferentes regimes e governos, no âmbito da atividade seguradora e em

particular na contabilidade de seguros. Finalizaremos com as conclusões a que a análise efetuada

ao conteúdo identificado nos pontos três e quatro nos induziu.

1. Enquadramento Teórico e Metodológico

Em História da Contabilidade, as etapas podem caracterizar-se pela análise da prática

profissional e do saber (Carqueja, 2011). No entanto, na falta de objetivação de um destes

elementos, nomeadamente o da prática profissional, o qual se encontra ainda muito inexplorado

em Portugal e que representa uma ampla oportunidade de investigação, torna-se aceitável

recorrer à parte sobre a qual existe um maior número de dados e conhecimento disponível.

Assim a presente análise histórica incidiu sobre o período compreendido entre os anos1900 e

2000, essencialmente quanto à legislação que possa ser tomada como referência para a área

deste ramo da Contabilidade.

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Neste trabalho optamos por prosseguir a corrente tradicional da história da contabilidade, tal

como definida por Carmona et al. (2004), dado que a investigação nesta corrente está

principalmente centrada nas origens e evoluções da contabilidade, ao invés da perspetiva crítica

da história da Contabilidade.

Por outro lado, optou-se ainda por recorrer à teoria institucional, ao recorrer ao papel assumido

pelas diferentes instituições que acabaram por ter impacto ao nível da evolução das práticas

contabilísticas deste sector, assim como pelo recurso à análise de documentos emanados pelas

entidades públicas de cariz governativo. Desde logo pode ser evidenciado que a solução

prosseguida para este sector de atividade, em Portugal, prossegue uma estratégia semelhante à

que posteriormente foi adotada para a generalidade das organizações que necessitam de efetuar

registos contabilísticos e efetuar relato (Caria & Rodrigues, 2014; Guerreiro et al., 2015; Saraiva

et al., 2015, 2017): a normalização contabilística por via legal e por iniciativa governamental

que carateriza os sistemas continentais de Contabilidade (Nobes, 1981).

Será ainda de relevar que, de acordo com as principais fontes identificadas que permitiram a

realização deste trabalho – as bases legais – a perspetiva de análise teria de enquadrar-se na

teoria institucional, uma vez que aquelas se enquadram no conceito de normas formais

(North,1991). Também a análise das forças institucionais é relevante, pois são estas que

influenciam ações e resultados, assumindo-se neste trabalho como principal força institucional

as agências do Estado e os respetivos propósitos (Miller et al., 1991).

A metodologia prosseguida nesta investigação consistiu numa ampla pesquisa acerca de textos

sobre o tema, assim como em análise documental essencialmente sobre textos e bases legais.

A escassa bibliografia a que se recorreu resultou de uma pesquisa em diversas bases de dados, a

partir das expressões: história da contabilidade de seguros, contabilidade de seguros, seguros em

Portugal. As bases de dados consultadas, essencialmente relacionadas com literatura de cariz

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académico, foram maioritariamente a B-on e o RCAAP (Repositório Científico de Acesso

Aberto de Portugal). Recorreu-se também ao Academic Google para alargar o âmbito da procura

e a outros motores de busca mais generalistas.

Em termos globais, no âmbito da História da Contabilidade de Seguros apenas foi identificado

um trabalho (Carrizo, 2013), sobre a temática.

Sobre a história da atividade seguradora, em revistas académicas, foram identificados alguns

trabalhos: Vivian (1996), Laing (1988), Vivian (2002), Benfield & Vivian (2003). No entanto a

perspetiva contabilística não é relevada nestes textos.

Quanto à estruturação do trabalho, a divisão do período de análise durante o século XX, em dois

blocos, tem por base o facto de durante a primeira metade do período analisado se ter dado, a

par das iniciativas normalizadoras identificadas, um período de menor intensidade económica,

que por seu lado não contribuiu para o desenvolvimento cabal da própria atividade. Ainda assim,

foi nesse período que surgiu a primeira iniciativa de normalização associada a este ramo da

Contabilidade.

A partir de, sensivelmente, 1950, com a evolução global da economia nacional verificou-se uma

grande expansão na atividade seguradora. Essa expansão teve algumas consequências ao nível

das entidades reguladoras da atividade. No entanto, em termos de normalização contabilística só

houve alterações relevantes alguns anos após a integração do país na Comunidade Económica

Europeia (CEE).

2. Antecedentes da atividade seguradora em Portugal

De uma forma geral é atribuído a D. Dinis, a primeira forma de seguro, quer em termos nacionais,

quer em termos globais, constante em Carta Régia de 1293, que continha o Regulamento da

Sociedade de Mercadores do Porto.

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Este rei da primeira dinastia estabeleceu assim em 1293 a primeira forma de seguro, dedicada

exclusivamente aos riscos marítimos. Ordenou que fosse celebrado um acordo entre os

mercadores, tendo como objetivo o pagamento de certas quantias sobre as embarcações. O

cálculo das quantias era feito de acordo com o porte da embarcação e o seu tráfego. Estes

montantes serviam para fazer face ao sinistro, por perdas de navios e mercadorias. O sistema

não previa a transferência para outrem da responsabilidade ou risco, mediante um prémio, mas

esta responsabilidade era assumida pelo conjunto dos mercadores que contribuíam para o valor

comum ao qual se recorria em caso de sinistro.

Mais tarde, em 1370, o rei D. Fernando I regulamenta a primeira lei sobre seguros, dizendo

respeito a uma mútua para seguros a navios com carga superior a cinquenta toneladas, sendo

fixado por lei um pagamento de duas coroas por cento sobre o valor dos navios; quando algum

navio se perdesse ou fosse tomado pelo inimigo, essa perda seria repartida por todos os

armadores, caso os fundos existentes nas Bolsas fossem insuficientes. Refira-se que o mesmo

rei mandou constituir as bolsas no Porto e em Lisboa em 1377.

Também este rei, vem a criar novamente por Carta Régia – em 1375 – a Companhia das Naus

(Reis, 2000).

"[...] E querendo tomar alguma providência por ser cada vez maior o número de navios, e para que

os diversos perigos do mar não deitassem em perdição aqueles que suas naus perdessem, determinou fazer uma

associação de todos os donos de naus [...]

Mandou que fossem registados [...] todos os navios de 50 tonéis para cima [...] Que de tudo quanto

ganhassem de idas e vindas pagassem para a Bolsa desta Companhia dois por cento. Que fossem duas Bolsas,

uma em Lisboa e outra no Porto. Com o dinheiro delas comprar-se-iam outros navios para substituir aqueles

que se perdessem.

Quando algum navio se afundasse por tempestade ou outro acidente, ou fosse tomado por corsários,

esta perda se repartisse por todos os donos dos outros navios. E mais mandou El- rei que as suas naus, que

eram doze, entrassem em esta Companhia."

Fernão Lopes, "Crónica de D. Fernando" (Adaptado)

Fonte: http://www.ribatejo.com/hp/base/cgi-bin/ficha_documento.asp?cod_documento=50

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A criação da Companhia das Naus é normalmente referida em 1380; no entanto há autores que

a referenciam mais cedo e integrada numa série de iniciativas relacionadas que conduziram,

finalmente, à sua criação.

A monarquia portuguesa desde logo percebera a importância dos seguros para as pessoas, para

as organizações e para a economia do reino. Assim em 1383 é publicada em Portugal a primeira

Lei Nacional sobre seguros regulamentando toda a matéria avulsa até aí existente.

Desde o século XII, o país mantinha relações comerciais com outras regiões da Europa, as quais

se intensificaram a partir do século XIII, com o fim da reconquista. Este comércio fazia-se quer

para a Europa do Norte (Inglaterra, Flandres e França), quer para as regiões mediterrânicas (Sul

de Espanha, Itália e Norte de África).

No ano de 1397, já no reinado de D. João I, o “Concelho de homens bons” da cidade do Porto

pede auxílio ao rei para repor as cobranças devidas à bolsa dos mercadores. Assim, o rei D. João

I promulga a Carta Régia de 11 de Julho de 1397, em que mais uma vez o monarca renova,

confirma e amplia a instituição seguradora criada pelos reis que o antecederam.

O primeiro documento sobre a existência concreta de seguros em Portugal é a Carta Régia de

D. João III, de outubro de 1529, que cria o cargo de Escrivão dos Seguros (Mateus, 2007:42),

trata se de uma primeira tentativa de exercer algum controlo, alguma supervisão sobre os

seguros (Carvalho, 2007:17).

Em 1554 foi publicada a obra de Pedro de Santarém, Tractatus Perutilis et Quotidianos de

Asecuratosnitus et Sponsionibus Mercatorum, em Antuérpia. Posteriormente esta obra é

impressa em Lião em 1579 e 1585. Saiu também nas miscelâneas intituladas: De Mercatura,

edição de Lião, 1593; Veneza, 1589; e Colónia em 1609.

Saiu finalmente junto com o Tractactus de Mercatura, de Benvenuto Strach, impresso em

Amsterdão em 1669.

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Na obra referida o autor aporta várias definições importantes para a noção de seguro e

argumenta que o contrato de seguro se assemelha a um contrato de compra e venda, sendo o

preço o que se paga pelo risco (Rossi, 2015).

Esta série de edições demonstra o sucesso daquele que é muito regularmente apontado como o

primeiro tratado sobre Seguros e que Pedro de Santarém foi uma autoridade nesta matéria.

De acordo com Rossi (2015: 333): “(…) Santerna’s treatise was however enormously

influential”. Refere-se neste ponto o autor ao facto de Pedro de Santarém e desta obra em

particular terem desempenhado um papel importantíssimo na destruição do anátema promovido

pelo Direito Canónico relativamente à questão da usura.

A intervenção do Estado continua e durante o reinado de D. Sebastião é criada a figura do

Corretor de Seguros, em 1578, através de Carta Régia.

Em 1648 é instituída a Casa dos Seguros, instituição que adquire as funções de Corretor de

Seguros. Do mesmo modo que já acontecia em relação à necessidade de validação por parte do

corretor, a realização de contratos de seguro fora do âmbito da Casa dos Seguros implicava a

sua anulação.

Fruto das circunstâncias relacionadas com a perda da independência, em 1580, e a decadência

económica que se seguiu, as lutas pela reconquista da independência, a reconstrução

económica, levaram a que só em 1791 surgisse a primeira companhia privada de seguros em

Portugal.

Esta não irá sobreviver às invasões napoleónicas e a atividade seguradora em Portugal

continuará a ser exercida por seguradoras estrangeiras – geralmente inglesas – até 1848, ano

em que é criada a Companhia de Seguros Fidelidade (Guedes-Vieira, 2012).

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Assim, de acordo com Bohrer (2012:49), no final do século XVIII, foi identificada a formação

das primeiras grandes companhias de seguro em Portugal, no entanto não foram encontrados

documentos precisos sobre a escrituração das apólices.

3. O setor segurador na primeira metade do Século XX

A normalização contabilística aplicável ao setor segurador sofreu alguns desenvolvimentos

significativos na primeira metade do século XX. Esses desenvolvimentos serão aqui

apresentados por ordem cronológica.

No início do século XX houve diversas iniciativas legislativas relacionadas com a atividade

comercial, nomeadamente a publicação da Lei das Sociedades por Quotas, de 11 de abril de

1901, a publicação de legislação que efetuou o enquadramento da atividade Seguradora,

contemplando os aspetos fundamentais desta atividade – decreto de 21 de outubro de 1907, que

cria o Conselho de Seguros, o qual era integrado, entre outros elementos, por professores do

Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, especificamente das áreas de contabilidade e de

operações financeiras.

A propósito deste Decreto, “Pode dizer-se que este diploma foi a matriz da atividade seguradora

em Portugal até 1975, não obstante as alterações e acrescentos introduzidos pela legislação

posterior. Com efeito, aquele decreto contemplava os aspetos fundamentais da atividade

seguradora” (Mendes, 2014:19).

Em Portugal o surgir desta legislação, deu-se na sequência de um movimento legislativo que

ocorreu em diversos países europeus e no Brasil. Surge então, em 1907, o Decreto com força

de lei de 21 de Outubro de 1907, que consagra uma fiscalização direta do Estado na

constituição e funcionamento das entidades seguradoras.

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Assim, tal como foi já referido, em 1907, através do Decreto do Governo de 21 de outubro é

criado o Conselho de Seguros, sendo as suas atribuições definidas no artigo 38º do seu Capítulo

VII. Nestas atribuições inclui-se o examinar ou inspecionar a escrituração (nº3 do art.58.º).

Relativamente ao funcionamento e à fiscalização das sociedades de seguros, no artigo 36º do

mesmo decreto pode ler-se:

“Nos primeiros seis meses de cada ano social, as sociedades de seguros apresentarão ao

Conselho, com respeito à gerência immediatamente anterior:

1º O inventário do activo e passivo;

2º A conta de ganhos e perdas;

3º O relatório sobre a situação comercial, financeira e económica da sociedade.”

No artigo 38º acresce-se “Deverão as sociedades de seguros prestar ao conselho, no prazo de

oito dias, todas as informações e copias que este requisitar, e facultar-lhe, ou aos peritos por

elle delegados, e em igual prazo, o exame da escrituração e de quaisquer documentos

concernentes às operações sociaes.

§ único . O Ministro da fazenda ordenará inspecções à escrituração e documentos das diversas

sociedades de seguros, devendo recair sobre cada sociedade, pelo menos, uma inspecção de

cinco em cinco anos.”

Assim é notório pela análise deste excerto da legislação de 1907, que era já exigida em relação

à atividade das empresas seguradoras a apresentação de contas de forma organizada e

sistemática, nomeadamente ao nível do Balanço e dos Resultados, complementada ainda por

um relatório de cariz económico-financeiro. Releva-se ainda que além da apresentação das

contas, era exigida a realização de inspeções sobre as mesmas, de forma sustentada, em

períodos quinquenais, por um organismo do Estado.

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De uma forma geral, durante a primeira metade do século XX, as disposições do Código

Comercial de 1888 mantiveram-se. No que respeita à informação contabilística existia obrigação,

de acordo com essa base legal, de os comerciantes manterem livros que permitissem conhecer as

suas operações comerciais e património, de forma clara e precisa. De acordo com Carqueja, a

atividade legislativa expandiu-se ainda, em 1924 e 1928, à indústria de moagem e, pontualmente,

impuseram-se a certas atividades normas de informação contabilística, com propósitos de

fiscalização ou de fomento (Carqueja, 2011).

As atividades de seguros, assim como as da banca, estiveram entre aquelas que foram alvo de

legislação específica, dando origem àquilo que entendemos corresponder às primeiras tentativas

bem-sucedidas de normalização contabilística em Portugal.

Após a I Guerra Mundial (1914-1918) e fruto das falências observadas no setor dos Seguros,

efetuou-se a reformulação da legislação existente até à data, através da publicação do decreto

17555 e decreto 17556 de 5 de novembro de 1929, com a finalidade de garantir um maior

controlo na constituição deste tipo de empresas, reforço das reservas técnicas e a fiscalização

da atividade. O referido decreto-lei n.º 17556 veio criar no Ministério das Finanças, a Inspeção

de Seguros, a qual substituiu a figura do Conselho de Seguros instituído no decreto de 1907.

A esta nova entidade foram atribuídas competências ao nível da definição de normas de

contabilidade, a fim de criar condições para fiscalização mais eficaz da situação financeira das

seguradoras. A periodicidade de fiscalização, passou a fixar-se, a partir da emissão deste decreto

(17556), em períodos trienais, por oposição aos quinquénios contemplados no diploma anterior

(Decreto do Governo de 21 de outubro de 1907). Ao nível contabilístico competia-lhe definir

os modelos de Balanços e contas de Ganhos e Perdas a adotar pelas seguradoras, assim como

as normas que enformavam o registo das contas. A regulamentação para a elaboração destes

documentos será emitida posteriormente, em 1930, através das Circulares nº 5, de 16 de Janeiro

de 1930 e nº 40, de 15 de Dezembro do mesmo ano, publicadas no Boletim de Seguros, II série.

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A partir desta altura (1929/30), inicia-se precisamente a publicação do referido Boletim de

Seguros, de acordo com o que fora estipulado no artigo 11 do Decreto 17556, de 5 de Novembro

de 1929.

Os relatórios, balanços e contas de ganhos e perdas das seguradoras eram publicados na

primeira parte deste Boletim, enquanto a segunda apresentava os relatórios e contas das

sociedades estrangeiras autorizadas em Portugal.

Figura 1 – Balanço de uma Seguradora, Boletim de Seguros Nº1, datado de 1930

Fonte: Boletim de Seguros, nº 1, II série, 1930

Aparentemente esta é a primeira forma instituída de apresentação de contas de forma

estruturada em Portugal, em que a Circular nº40 do Boletim de Seguros apresenta mesmo

normas para as contas das seguradoras e um modelo de Balanço, que vigorará a partir de 1930.

Aparentemente, esta atividade normalizadora foi a primeira experiência a este nível em termos

nacionais, constituindo um primeiro passo na normalização contabilística em Portugal, tal como

já foi anteriormente referido. É ainda de relevar que o regime contabilístico que resultou desta

atividade foi sendo sistematizado em disposições emitidas até 1943. O referido regime

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contabilístico manteve-se, embora com algumas alterações, em aplicação até 1994, ano em que

se dá a introdução na legislação nacional das regras comunitárias que permitem a implementação

do mercado único de seguros, através da transposição da diretiva 91/674/CEE.

Por outro lado, a partir de 1929, começou a ser publicado o Boletim de Seguros – figura 2, onde

se incluíam os relatórios e contas das companhias de seguros, o que contribuía para avaliar a

questão da comparabilidade entre as contas das diversas empresas de seguros.

Figura 2 – Boletim de Seguros, Nº1, datado de 1930

Fonte: Boletim de Seguros, nº 1, 1930

As competências da referida Inspeção vêm a ser regulamentadas mais tarde, no Decreto Lei n.º

21977, de 13 de dezembro de 1932 – “Regulamento da Inspecção de Seguros”.

Neste período, as empresas seguradoras passaram a ter um controlo mais rigoroso, integrando-

se no sistema corporativo do Estado Novo (Mendes, 2014). Assim, em 1934 é criado o Grémio

das Seguradoras (cuja atividade foi regulamentada pelo Decreto Lei nº26484, de 31 de março

de 1936) que viria a ser extinto em 1975, apenas após a mudança de regime, pelo Decreto Lei

306/75, criando-se, em sua substituição, em 1976 o Instituto Nacional de Seguros (Decreto-Lei

nº 11-B/76, de 13 de janeiro).

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A referida entidade – Inspeção de Seguros – foi mais tarde substituída pela Inspeção Geral de

Crédito e Seguros, através da publicação do decreto-lei n.º 37470, de 6 de julho de 1949. Neste

decreto estipula-se que a partir dessa data esta Inspeção Geral passe a abranger quer a Inspeção

de Crédito, quer a Inspeção de Seguros, reunificando, assim, as duas entidades sob a mesma

égide. A questão da reunificação dos dois tipos de serviços já vinha a ser considerada

anteriormente, estando mesmo prevista no decreto-lei n.º 36542, de 15 de outubro de 1947,

onde surge o anúncio dessa intenção.

A partir desta reunificação, inicia-se um processo de regulamentação que conduz a um avanço na

normalização contabilística nacional.

Conforme preambulo do Decreto-Lei 37470 de 6 de julho de 1949, “Pelo Decreto-Lei 36542,

de 15 de Outubro de 1947, foi aprovado o quadro da Inspecção do Comércio Bancário,

prevendo-se no respetivo relatório que nela viessem a ser oportunamente integrados os serviços

de Inspecção de Seguros. Na verdade, mostrava-se necessário que aqueles dois serviços

formassem uma única organização, com a categoria de Inspecção-Geral, não só para lhes dar a

categoria correspondente à importância das funções exercidas, como ainda pela conexão das

funções que exercem e interesses que fiscalizam”.

Assim, resumindo esta primeira metade do Século XX as entidades ligadas à definição das

práticas da Contabilidade de Seguros, confundem-se também com as entidades que efetuam a

sua Supervisão e são todas de caráter estatal (Quadro 1).

Quadro 1 – Entidades que regulamentaram a atividade das empresas Seguradoras e a

respetiva apresentação de Contas – primeira metade do Século XX:

Entidades Conselho de Seguros Inspeção de Seguros

Período em que essas

entidades vigoraram

1907-1929 1929-1949

Ferramentas legais

principais

Decreto de 21 de outubro de 1907 Decreto-Lei n.º 17556, de 5 de

novembro de 1929

Fonte: elaboração própria

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Embora a banca e os seguros tenham funcionado no passado de forma independente, sendo esta

segregação justificada por razões de tradição, uma vez que se considerava que os negócios do

dinheiro e os da cobertura de risco tinham características especificas distintas, que convinha

não confundir, mostrava-se no final da década de quarenta do século XX, necessário que estas

duas áreas fossem supervisionadas por uma única entidade, com a categoria de inspeção geral,

a Inspecção-Geral de Créditos e Seguros, procedendo-se assim à junção das duas, mas

mantendo se os serviços separados (Mateus, 2007).

Aliás as diferenças já existentes entre as duas atividades, quer em termos contabilísticos, quer

em termos económicos e de funcionamento dos negócios, fizeram com que, na prática, a

diferenciação tivesse persistido até voltar a ser formalmente separada, depois da mudança de

regime político.

Muito relevante foi também a aparição do Boletim de Seguros, que se mantém até aos anos

noventa, embora o seu papel normalizador fosse sendo alterado ao longo do tempo. Numa fase

inicial, esta publicação assumiu um papel de extrema relevância na definição das práticas

contabilísticas e de relato no sector.

4. O setor na segunda metade do Século XX

Da década de 1950 ao início dos anos de 1970, a atividade seguradora sofreu um forte

crescimento e nasceram em Portugal novas companhias e importantes grupos seguradores

beneficiando do contexto dos chamados anos de ouro da economia portuguesa (Mendes, 2014;

Mateus, 2007).

Em 1954, o processo de regulamentação originado pelo Decreto-Lei 37470 de 6 de julho de

1949, dá origem à fixação dos modelos de balanços, balancetes e conta de ganhos e perdas para

a atividade bancária, através do decreto-lei n.º 39525, de 2 de fevereiro de 1954. Este último vem

autorizar a Inspeção-Geral de Crédito e Seguros a fixar os modelos oficiais referenciados que os

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institutos de crédito são obrigados a remeter à referida Inspeção Geral. De acordo com este

decreto, a normalização contabilística deveria ser eficiente e flexível, sem que a preocupação da

fiscalidade pudesse constituir limite à mesma. Posteriormente, a portaria n.º 18178, de 31 de

dezembro de 1960, vem apresentar os modelos que as instituições bancárias teriam de apresentar

à Inspeção Geral de Crédito e Seguros. É assim reforçada a existência de uma normalização

sectorial associada à actividade bancária, com definição de modelos para apresentação de contas

e curiosamente, pela primeira vez, com o objectivo primordial de avaliar a performance das

entidades e não tanto com a preocupação das finalidades associadas à fiscalidade.

Esta, aparentemente, é a segunda iniciativa legal de normalização a obter sucesso em Portugal.

Neste sentido, alguns autores identificam, a partir de meados da década de cinquenta do século

XX, a existência de pressões conducentes à implementação de práticas normalizadas ao nível

da contabilidade pública e privada, com o objetivo não só da normalização contabilística em si,

mas também da relação desta com o sistema fiscal (Caria e Rodrigues, 2014). Aparentemente

a questão da normalização na atividade bancária será das poucas, se não a única, que, neste

aspeto, se distingue das restantes iniciativas.

Esta iniciativa parece ter sido no sentido de impulsionar a normalização no sector bancário, à

imagem do que já existia no sector dos seguros. A Inspeção de Seguros tinha quadro de pessoal

constituído e efetivo funcionamento desde 1929, enquanto que no sector bancário a questão da

Inspeção era muito incipiente. Na verdade o quadro da Inspeção de Seguros foi integrado nesta

nova Direção Geral, e na prática o Director Geral funcionava como coordenador de duas

inspeções gerais diferenciadas que desenvolviam atividade com autonomia e formas de

intervenção diferentes.

A Inspeção Geral de Crédito e Seguros foi reorganizada em 1965, através do decreto lei 46493

de 18 de agosto.

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Nesta base legislativa reconhecia-se o crescimento havido à época, nomeadamente a “acentuada

expansão de atividade nos mercados monetário, financeiro e segurador verificada nos últimos

anos correspondeu a atribuição de novas funções à Inspecção-Geral cujos meios se tornaram

não apenas insuficientes como também inadequados para responder às necessidades suscitadas

pelo novo condicionalismo económico e financeiro” (segundo parágrafo da introdução ao

decreto lei 46493 de 1965).

Assim é reforçado o quadro de pessoal da Direção Geral, reservando os lugares de inspetor

superior aos licenciados pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, pela

Faculdade de Economia do Porto e em Direito e o lugar de auditor jurídico de entre licenciados

em Direito. Quanto aos inspetores técnicos de segunda classe deveriam também ser recrutados

entre licenciados pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras ou pela

Faculdade de Economia do Porto, no caso da Inspeção de Crédito; relativamente à Inspeção de

Seguros era requerido que os inspetores técnicos de segunda classe fossem licenciados pelo

Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, com as quatro secções ou com o curso

superior de Finanças, podendo, todavia, dois dos inspetores técnicos de primeira e segunda

classes ter o curso superior de Economia ou ser licenciados pela Faculdade de Economia do

Porto e um deles em Direito.

Ou seja, a estrutura da Direção geral teria de continuar a ser assegurada por quadros formados

na área das ciências económicas e em escolas com tradição no ensino da contabilidade.

Assim, até à década de 70, altura em que se iniciaram as iniciativas de normalização de âmbito

geral em Portugal, apenas as seguradoras e os bancos tinham a obrigação de utilizar um quadro

geral de contas, regras de contabilização, critérios de apuramento de resultados e de publicação

das demonstrações financeiras.

No período pós-25 de abril de 1974 assinalam-se duas fases distintas, marcadas pelas

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17

nacionalizações e pelas reprivatizações; fases essas que promoveram a concentração de

empresas (Mendes, 2014).

As nacionalizações surgiram com a publicação do Decreto-Lei 135-A/75, que procede à

nacionalização das companhias de seguros de capital português.

Assim, em substituição do Grémio das Seguradoras, foi criado através do Decreto lei n.º 11-

B/76, de 13 de janeiro, o Instituto Nacional de Seguros (INS) que tinha como objetivo a

coordenação e normalização técnica e administrativa de toda a atividade seguradora (alínea m

do artigo 9º).

No seu artigo sétimo é dito que “Até à entrada em funcionamento do INS, as companhias de

seguros (nacionalizadas, mistas, estrangeiras ou mútuas) manterão os direitos e deveres

referidos pelo artigo 7.º do Decreto-Lei 306/75, de 21 de junho”. Ou seja, mantinha-se em vigor

a regulamentação anterior.

Posteriormente, o Decreto-Lei 72/76 de 27 de janeiro, vem estabelecer as normas de

fiscalização das companhias de seguros, agora nacionalizadas. No artigo 27º do Capítulo VII

intitulado “Orçamento, balanço e contas” são referidos os seguintes procedimentos:

“1. Até 31 de Março, com referência ao último dia do ano anterior, as companhias enviarão ao

Ministro das Finanças, para aprovação, o relatório, o balanço e contas anuais de gerência, depois

de discutidos e apreciados pelo conselho de gestão e com o parecer da comissão de fiscalização.

2. Na falta do despacho do Ministro das Finanças, o relatório, balanço e contas consideram-se

aprovados decorridos trinta dias após a data do seu recebimento.

3. A publicação do relatório, balanço e contas é feita no Boletim de Seguros, no prazo de trinta

dias após a sua aprovação.

4. Mantêm-se em vigor as restantes obrigações que, nesta matéria, impendem sobre as

companhias de seguros.”

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Porém, o INS tinha sido criado como um órgão de cúpula das empresas seguradoras, numa ótica

estatizante. A reconversão para uma economia de mercado impunha a recriação de um órgão

regulador e não de um órgão que promovesse uma gestão centralizada do sistema (Mateus,

2007).

Em 1979 é criada a Inspeção-Geral de Seguros através do Decreto-Lei n.º 513-B1/79, de 27 de

dezembro. As suas atribuições incluem a realização de auditorias contabilísticas das empresas

de seguros e resseguros (alínea a artigo 2º). Estas auditorias são posteriormente definidas no

número 1 do artigo 10º: “A auditoria contabilística das empresas de seguros e resseguros e a

fiscalização das actividades do sector de seguros e resseguros, mediação respectiva e

actividades relacionadas com aquelas serão exercidas, de forma sistemática, junto das entidades

ou pessoas de que se tratar e em presença da documentação disponível ou outros elementos que

devam ser exibidos ou enviados à Inspecção-Geral, ou esta solicite, e mediante inspecções.”

A década de oitenta foi caracterizada pela atualização do quadro institucional, pelo incremento

da iniciativa privada associada com as privatizações e pela adesão de Portugal à União Europeia

(Mendes 2014).

Foi apenas em 1982, e com a extinção da Inspeção-Geral de Seguros e do Instituto Nacional de

Seguros que foi criado o atual Instituto de Seguros de Portugal (ISP), pela publicação do

decreto-lei n.º 302/82, de 30 de julho. Entre as diversas atribuições do ISP destaca se na alínea

g) do Art. 4.º “Apreciar e emitir parecer acerca das contas de exercício das empresas de seguros

e resseguros;”.

No quadro 2 apresentam-se as entidades reguladoras da atividade das Empresas de Seguros, na

segunda metade do Século XX.

Quadro 2 – Entidades que regulamentaram a atividade das empresas Seguradoras e a

respetiva apresentação de Contas – segunda metade do Século XX:

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Entidades Inspeção Geral

de Crédito e

Seguros

Instituto

Nacional de

Seguros

Inspeção Geral

de Seguros

Instituto de

Seguros de

Portugal

Período em que essas

entidades vigoraram

1949-1975 1975/76-1979 1979-1981 1981/82-2015

Ferramentas legais

principais

Decreto-Lei n.º

37470, de 6 de

julho de 1949

Decreto-Lei n.º

301/75, de 20 de

junho de 1975;

Decreto-Lei nº

11-B/76, de 13 de

janeiro de 1976

Decreto-Lei n.º

513-B1/79, de 27

de dezembro de

1979

Decreto-Lei n.º

302/82, de 30 de

julho de 1982

Fonte: elaboração própria

Já com o intuito da adesão de Portugal à CEE e contando com a necessidade de adaptar a

legislação portuguesa às diretivas comunitárias foi publicado o Decreto-lei nº98/82, de 7 de

abril que vem exigir às seguradoras a constituição de provisões técnicas que segundo o artigo

quarto “devem corresponder, nas seguradoras sediadas em Portugal, ao conjunto das

responsabilidades assumidas no exercício da sua actividade em Portugal e no estrangeiro e, nas

agências gerais de seguradoras estrangeiras, às responsabilidades decorrentes do exercício da

sua actividade em Portugal.” E, a Portaria 683/85, de 12 de setembro, que vem estabelecer a

forma de constituição dos ativos representativos das provisões técnicas das seguradoras, uma

vez que essa constituição tem de ser dinâmica, correspondendo aos diversos tipos de

investimentos que podem ser efetuados pelas seguradoras.

O decreto-lei nº 85/86, de 7 de maio e o decreto-Lei 125/86, de 2 de junho vêm permitir a

harmonização das disposições legais em vigor, no setor dos seguros, com a legislação

comunitária. Aqui se inicia o processo de harmonização, embora de forma incipiente, com as

práticas estabelecidas nos países da União Europeia (à data Comunidade Económica Europeia).

Até 1994, ano em que foi aprovado o Plano de Contas para as Empresas de Seguros (PCES),

publicitado pela Norma Regulamentar nº 07/94, de 27 de abril, não existia um verdadeiro plano

de contas para este ramo de atividade. Na Circular n.º 10/96, de 12 de fevereiro, são publicados

os modelos do Balanço e da Conta de Ganhos e Perdas.

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A partir desta altura (1994), surge claramente a segunda fase da normalização contabilística no

setor segurador em Portugal.

O decreto-lei n.º 94-B/98, de 17 de abril, que vem regular as condições de acesso e de exercício

da atividade seguradora e resseguradora no território da Comunidade Europeia estabelece no

seu artigo 242.º intitulado “Normas de contabilidade” que “compete ao Instituto de Seguros de

Portugal, sem prejuízo das atribuições da Comissão de Normalização Contabilística,

estabelecer as regras de contabilidade aplicáveis às empresas de seguros ou de resseguros

sujeitas à sua supervisão, bem como definir os elementos que as referidas empresas lhe devem

remeter e os que devem obrigatoriamente publicar, mantendo-se em vigor, até à sua publicação,

as regras actualmente existentes em matéria de contabilidade, apresentação e publicação de

contas”. Assim, a solução encontrada continua a ser a da regulação direta do ISP relativamente

às Normas de Contabilidade aplicáveis ao sector, apesar da ressalva da referência à Comissão

de Normalização Contabilística.

De acordo com Mateus (2007), este decreto “constitui o primeiro importante diploma que

estabelece as condições de acesso ao exercício da atividade seguradora e resseguradora em toda

a união Europeia” (Mateus, 2007:51).

Neste período o reforço de supervisão foi acompanhado por uma lógica de reforço da

comparabilidade das contas, com a transposição da Diretiva nº 91/674/CEE, relativa às contas

anuais e consolidadas, e a publicação do PCES, e consonante alteração dos elementos de

reporte, para efeitos da supervisão prudencial, a remeter ao ISP (Henriques, 2007).

Até à emissão do regulamento (CE) n.º 1606/2002, do parlamento Europeu e do Conselho, não

houve outras alterações relevantes no setor. No entanto, a partir desta base legislativa de cariz

europeu, é possível, desde já, identificar uma fase diferenciada relativamente à que se inicia

com a legislação de 1994.

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Esta ultima alteração legislativa, que só tem início no século seguinte, encontra-se já fora do

nosso período de análise. No entanto surge aí claramente uma outra vaga normalizadora ao

nível da contabilidade de seguros em território nacional.

Discussão e Conclusões

De uma forma geral, pode ser afirmado que o desenvolvimento da contabilidade de Seguros em

Portugal esteve relacionado com a questão da confiança do público num sector que estava em

crise. Este era um sector essencial ao desenvolvimento económico do país, mas a crise

relacionada com as falências de muitas empresas seguradoras conduziu a que fossem levadas a

cabo iniciativas governamentais (as leis emanadas sobre a atividade do sector no princípio do

século XX), que criaram um sistema legal que tinha por objetivo repor a confiança pública

nesse sector. De facto, neste âmbito, o desenvolvimento de práticas e de relato normalizadas

veio contribuir para a promoção de uma avaliação económica que proporciona e aporta

confiança, o que permite criar organizações sofisticadas e desenvolvimento dos mercados

(Waymire & Basu, 2008)

Atenção deve ser dada ao facto de nos sistemas anglo-saxónicos, desde o início do século XX,

se fazer uma supervisão privada, mas em Portugal se ter optado por uma supervisão pública

(Conselho de Seguros). Assim podemos considerar que desde o início das iniciativas de

organização do setor e do consequente processo de normalização contabilística, preside, tal

como no processo de normalização de características globais em Portugal, uma preponderância

do sistema de Direito Romano e de influência continental da contabilidade também no ramo da

contabilidade de seguros.

A questão da supervisão acaba por desenvolver as práticas contabilísticas – pois a nomeação

dos quadros superiores é feita inicialmente entre os formados do ISCEF, durante muitos anos

(uma das escolas, onde tradicionalmente a Contabilidade fazia parte dos temas estudados), e

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posteriormente alargada à Faculdade de Economia da Universidade do Porto (escola com as

mesmas características). Ou seja, exigiam-se quadros com conhecimento na área contabilística,

o que contribui para a manutenção e desenvolvimento das práticas contabilísticas dentro do

setor.

De seguida, quanto às principais contribuições, podemos apontar que, tradicionalmente, em

história da Contabilidade são consideradas contribuições quer a descoberta de novos factos,

quer a identificação das datas em que as práticas iniciais de novas técnicas contabilísticas

surgiram (Miller et al., 1991). Neste sentido, as principais contribuições deste trabalho passam

por identificar claramente as duas primeiras iniciativas bem sucedidas de normalização

contabilística em Portugal, respetivamente na Contabilidade de Seguros e na Contabilidade

Bancária. Curiosamente, a segunda iniciativa parece ter sido inspirada na primeira, ao tentar

reunificar as duas atividades sob a égide da mesma Inspeção Geral, a partir de meados do século

XX. Aparentemente essa reunificação teve bons resultados ao nível dos objetivos pretendidos.

Identificou-se ainda a possibilidade de que a normalização da atividade bancária tenha sido

talvez uma das poucas (ou única) situações em que os objetivos relacionados com a arrecadação

de impostos não estivessem entre os mais relevantes. Esta possibilidade necessita ainda de

desenvolvimento em futuros trabalhos dedicados à normalização contabilística no setor

bancário.

Outra contribuição importante é a identificação de três diferentes fases na normalização

contabilística no sector dos seguros:

- a primeira fase que se inicia em 1907, mas na realidade se consolida em 1929 e 1930 (ligar à

fase pré Estado Novo); nesta fase foi de extrema relevância a questão da solvabilidade tal como

acontecia já noutros países (Preâmbulo do Decreto de 21 de outubro de 1907), nomeadamente

no Reino Unido (Horton e Macve, 2005; Preâmbulo do Decreto de 21 de outubro de 1907),

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assim como finalidades de caráter fiscal;

- a segunda fase, correspondente às adaptações e alterações realizadas como consequência da

adesão de Portugal à CEE e que tem efeito na legislação contabilística em 1994;

- finalmente, uma terceira fase, que não foi alvo de análise no presente trabalho, mas que se

relaciona com a adoção das IAS pela União Europeia e com a entrada em vigor do Regulamento

1606/2002, do parlamento Europeu e do Conselho.

Esta ultima fase será também uma das oportunidades de investigação futura, agora

identificadas.

Ainda outra contribuição a poder ser considerada no âmbito deste trabalho, prende-se da

identificação das fases de harmonização contabilística, quer de âmbito regional, convergente

com as práticas da União Europeia (U.E.), numa fase inicial, quer de âmbito global, numa fase

posterior:

- primeira fase de harmonização – convergência incipiente com as práticas da U.E. – com base

nos decretos-lei nº 85/86, de 7 de maio e 125/86, de 2 de junho;

- segunda fase de harmonização – convergência de âmbito mais alargado com normas

contabilísticas, por via da estratégia implementada na U.E., através do decreto-lei n.º 94-B/98,

de 17 de abril.

O Processo de harmonização, num sentido mais estrito, é posteriormente conduzido durante o

período seguinte – século XXI.

A última contribuição que pretendemos apontar é o facto de esta revisão contribuir para

começar a ser colmatada uma lacuna ao nível da literatura contabilística em Portugal, pois a

escassez de trabalhos sobre a temática do processo histórico da normalização contabilística no

setor das empresas de seguros impõe uma resposta por parte dos investigadores em

contabilidade.

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