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Contabilidade de Seguros em Portugal durante o século XX: as primeiras iniciativas de
normalização e de harmonização contabilística
Introdução
Apesar de ser claramente conhecida a noção de que a contabilidade de seguros, tal como a
bancária, corresponde a solução diferenciada quando se considera a normalização contabilística
em termos globais, é pouco conhecida a razão de ser da diferença verificada no processo de
normalização.
A referida diferenciação está grandemente relacionada com motivos históricos e, na verdade,
com motivos de controlo sobre estas atividades económicas numa fase inicial da implementação
das referidas iniciativas de normalização.
A questão de investigação considerada neste trabalho prende-se com o facto de compreender
porque a Contabilidade de Seguros prosseguiu este caminho, e se a relação entre o Estado e a
Contabilidade (Macve, 2002) foi relevante neste âmbito. Uma questão relacionada é a da forma
como a organização social e política da envolvente determinaram desenvolvimentos ou recuos
na contabilidade no ramo aqui considerado. De uma forma mais concreta, a questão de
investigação corresponderá ao seguinte: porque seguiu a Contabilidade de Seguros um percurso
diferenciado do dos restantes ramos da Contabilidade e que razões justificam e suportam essa
diferenciação?
Quanto ao tema considerado parece evidente a existência de uma forte lacuna identificada na
literatura contabilística de cariz histórico, pois foram, à partida, identificados escassíssimos
trabalhos sobre o tema, apesar de o ramo da contabilidade de seguros constituir uma área da
contabilidade com soluções e ferramentas específicas (Horton & Macve, 2005; Macve, 2010;
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Gonçalves, 2011; Carqueja, 2011). A escassez de trabalhos existentes nesta ótica e temática é
ainda referida por Prieto & Gutierrez (2018), numa ampla análise efetuada a publicações no
âmbito da História da Contabilidade durante os últimos 20 anos.
Assim, depois de identificadas a questão de investigação e o gap na literatura, no presente
trabalho serão apresentadas as principais fases que conduziram à génese da contabilidade de
seguros em Portugal, ocorridas durante o século XX, uma vez que foi nesta altura que o processo
de normalização deste ramo da contabilidade foi iniciado e consolidado em Portugal.
Começaremos por um primeiro ponto onde serão explanados os principais antecedentes
relativamente à temática analisada. Passaremos em seguida à definição da metodologia utilizada
e à justificação do enquadramento teórico de referência. Depois, nos pontos três e quatro do
trabalho, iremos analisar os principais momentos correspondentes a iniciativas legislativas
levadas a cabo pelos diferentes regimes e governos, no âmbito da atividade seguradora e em
particular na contabilidade de seguros. Finalizaremos com as conclusões a que a análise efetuada
ao conteúdo identificado nos pontos três e quatro nos induziu.
1. Enquadramento Teórico e Metodológico
Em História da Contabilidade, as etapas podem caracterizar-se pela análise da prática
profissional e do saber (Carqueja, 2011). No entanto, na falta de objetivação de um destes
elementos, nomeadamente o da prática profissional, o qual se encontra ainda muito inexplorado
em Portugal e que representa uma ampla oportunidade de investigação, torna-se aceitável
recorrer à parte sobre a qual existe um maior número de dados e conhecimento disponível.
Assim a presente análise histórica incidiu sobre o período compreendido entre os anos1900 e
2000, essencialmente quanto à legislação que possa ser tomada como referência para a área
deste ramo da Contabilidade.
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Neste trabalho optamos por prosseguir a corrente tradicional da história da contabilidade, tal
como definida por Carmona et al. (2004), dado que a investigação nesta corrente está
principalmente centrada nas origens e evoluções da contabilidade, ao invés da perspetiva crítica
da história da Contabilidade.
Por outro lado, optou-se ainda por recorrer à teoria institucional, ao recorrer ao papel assumido
pelas diferentes instituições que acabaram por ter impacto ao nível da evolução das práticas
contabilísticas deste sector, assim como pelo recurso à análise de documentos emanados pelas
entidades públicas de cariz governativo. Desde logo pode ser evidenciado que a solução
prosseguida para este sector de atividade, em Portugal, prossegue uma estratégia semelhante à
que posteriormente foi adotada para a generalidade das organizações que necessitam de efetuar
registos contabilísticos e efetuar relato (Caria & Rodrigues, 2014; Guerreiro et al., 2015; Saraiva
et al., 2015, 2017): a normalização contabilística por via legal e por iniciativa governamental
que carateriza os sistemas continentais de Contabilidade (Nobes, 1981).
Será ainda de relevar que, de acordo com as principais fontes identificadas que permitiram a
realização deste trabalho – as bases legais – a perspetiva de análise teria de enquadrar-se na
teoria institucional, uma vez que aquelas se enquadram no conceito de normas formais
(North,1991). Também a análise das forças institucionais é relevante, pois são estas que
influenciam ações e resultados, assumindo-se neste trabalho como principal força institucional
as agências do Estado e os respetivos propósitos (Miller et al., 1991).
A metodologia prosseguida nesta investigação consistiu numa ampla pesquisa acerca de textos
sobre o tema, assim como em análise documental essencialmente sobre textos e bases legais.
A escassa bibliografia a que se recorreu resultou de uma pesquisa em diversas bases de dados, a
partir das expressões: história da contabilidade de seguros, contabilidade de seguros, seguros em
Portugal. As bases de dados consultadas, essencialmente relacionadas com literatura de cariz
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académico, foram maioritariamente a B-on e o RCAAP (Repositório Científico de Acesso
Aberto de Portugal). Recorreu-se também ao Academic Google para alargar o âmbito da procura
e a outros motores de busca mais generalistas.
Em termos globais, no âmbito da História da Contabilidade de Seguros apenas foi identificado
um trabalho (Carrizo, 2013), sobre a temática.
Sobre a história da atividade seguradora, em revistas académicas, foram identificados alguns
trabalhos: Vivian (1996), Laing (1988), Vivian (2002), Benfield & Vivian (2003). No entanto a
perspetiva contabilística não é relevada nestes textos.
Quanto à estruturação do trabalho, a divisão do período de análise durante o século XX, em dois
blocos, tem por base o facto de durante a primeira metade do período analisado se ter dado, a
par das iniciativas normalizadoras identificadas, um período de menor intensidade económica,
que por seu lado não contribuiu para o desenvolvimento cabal da própria atividade. Ainda assim,
foi nesse período que surgiu a primeira iniciativa de normalização associada a este ramo da
Contabilidade.
A partir de, sensivelmente, 1950, com a evolução global da economia nacional verificou-se uma
grande expansão na atividade seguradora. Essa expansão teve algumas consequências ao nível
das entidades reguladoras da atividade. No entanto, em termos de normalização contabilística só
houve alterações relevantes alguns anos após a integração do país na Comunidade Económica
Europeia (CEE).
2. Antecedentes da atividade seguradora em Portugal
De uma forma geral é atribuído a D. Dinis, a primeira forma de seguro, quer em termos nacionais,
quer em termos globais, constante em Carta Régia de 1293, que continha o Regulamento da
Sociedade de Mercadores do Porto.
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Este rei da primeira dinastia estabeleceu assim em 1293 a primeira forma de seguro, dedicada
exclusivamente aos riscos marítimos. Ordenou que fosse celebrado um acordo entre os
mercadores, tendo como objetivo o pagamento de certas quantias sobre as embarcações. O
cálculo das quantias era feito de acordo com o porte da embarcação e o seu tráfego. Estes
montantes serviam para fazer face ao sinistro, por perdas de navios e mercadorias. O sistema
não previa a transferência para outrem da responsabilidade ou risco, mediante um prémio, mas
esta responsabilidade era assumida pelo conjunto dos mercadores que contribuíam para o valor
comum ao qual se recorria em caso de sinistro.
Mais tarde, em 1370, o rei D. Fernando I regulamenta a primeira lei sobre seguros, dizendo
respeito a uma mútua para seguros a navios com carga superior a cinquenta toneladas, sendo
fixado por lei um pagamento de duas coroas por cento sobre o valor dos navios; quando algum
navio se perdesse ou fosse tomado pelo inimigo, essa perda seria repartida por todos os
armadores, caso os fundos existentes nas Bolsas fossem insuficientes. Refira-se que o mesmo
rei mandou constituir as bolsas no Porto e em Lisboa em 1377.
Também este rei, vem a criar novamente por Carta Régia – em 1375 – a Companhia das Naus
(Reis, 2000).
"[...] E querendo tomar alguma providência por ser cada vez maior o número de navios, e para que
os diversos perigos do mar não deitassem em perdição aqueles que suas naus perdessem, determinou fazer uma
associação de todos os donos de naus [...]
Mandou que fossem registados [...] todos os navios de 50 tonéis para cima [...] Que de tudo quanto
ganhassem de idas e vindas pagassem para a Bolsa desta Companhia dois por cento. Que fossem duas Bolsas,
uma em Lisboa e outra no Porto. Com o dinheiro delas comprar-se-iam outros navios para substituir aqueles
que se perdessem.
Quando algum navio se afundasse por tempestade ou outro acidente, ou fosse tomado por corsários,
esta perda se repartisse por todos os donos dos outros navios. E mais mandou El- rei que as suas naus, que
eram doze, entrassem em esta Companhia."
Fernão Lopes, "Crónica de D. Fernando" (Adaptado)
Fonte: http://www.ribatejo.com/hp/base/cgi-bin/ficha_documento.asp?cod_documento=50
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A criação da Companhia das Naus é normalmente referida em 1380; no entanto há autores que
a referenciam mais cedo e integrada numa série de iniciativas relacionadas que conduziram,
finalmente, à sua criação.
A monarquia portuguesa desde logo percebera a importância dos seguros para as pessoas, para
as organizações e para a economia do reino. Assim em 1383 é publicada em Portugal a primeira
Lei Nacional sobre seguros regulamentando toda a matéria avulsa até aí existente.
Desde o século XII, o país mantinha relações comerciais com outras regiões da Europa, as quais
se intensificaram a partir do século XIII, com o fim da reconquista. Este comércio fazia-se quer
para a Europa do Norte (Inglaterra, Flandres e França), quer para as regiões mediterrânicas (Sul
de Espanha, Itália e Norte de África).
No ano de 1397, já no reinado de D. João I, o “Concelho de homens bons” da cidade do Porto
pede auxílio ao rei para repor as cobranças devidas à bolsa dos mercadores. Assim, o rei D. João
I promulga a Carta Régia de 11 de Julho de 1397, em que mais uma vez o monarca renova,
confirma e amplia a instituição seguradora criada pelos reis que o antecederam.
O primeiro documento sobre a existência concreta de seguros em Portugal é a Carta Régia de
D. João III, de outubro de 1529, que cria o cargo de Escrivão dos Seguros (Mateus, 2007:42),
trata se de uma primeira tentativa de exercer algum controlo, alguma supervisão sobre os
seguros (Carvalho, 2007:17).
Em 1554 foi publicada a obra de Pedro de Santarém, Tractatus Perutilis et Quotidianos de
Asecuratosnitus et Sponsionibus Mercatorum, em Antuérpia. Posteriormente esta obra é
impressa em Lião em 1579 e 1585. Saiu também nas miscelâneas intituladas: De Mercatura,
edição de Lião, 1593; Veneza, 1589; e Colónia em 1609.
Saiu finalmente junto com o Tractactus de Mercatura, de Benvenuto Strach, impresso em
Amsterdão em 1669.
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Na obra referida o autor aporta várias definições importantes para a noção de seguro e
argumenta que o contrato de seguro se assemelha a um contrato de compra e venda, sendo o
preço o que se paga pelo risco (Rossi, 2015).
Esta série de edições demonstra o sucesso daquele que é muito regularmente apontado como o
primeiro tratado sobre Seguros e que Pedro de Santarém foi uma autoridade nesta matéria.
De acordo com Rossi (2015: 333): “(…) Santerna’s treatise was however enormously
influential”. Refere-se neste ponto o autor ao facto de Pedro de Santarém e desta obra em
particular terem desempenhado um papel importantíssimo na destruição do anátema promovido
pelo Direito Canónico relativamente à questão da usura.
A intervenção do Estado continua e durante o reinado de D. Sebastião é criada a figura do
Corretor de Seguros, em 1578, através de Carta Régia.
Em 1648 é instituída a Casa dos Seguros, instituição que adquire as funções de Corretor de
Seguros. Do mesmo modo que já acontecia em relação à necessidade de validação por parte do
corretor, a realização de contratos de seguro fora do âmbito da Casa dos Seguros implicava a
sua anulação.
Fruto das circunstâncias relacionadas com a perda da independência, em 1580, e a decadência
económica que se seguiu, as lutas pela reconquista da independência, a reconstrução
económica, levaram a que só em 1791 surgisse a primeira companhia privada de seguros em
Portugal.
Esta não irá sobreviver às invasões napoleónicas e a atividade seguradora em Portugal
continuará a ser exercida por seguradoras estrangeiras – geralmente inglesas – até 1848, ano
em que é criada a Companhia de Seguros Fidelidade (Guedes-Vieira, 2012).
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Assim, de acordo com Bohrer (2012:49), no final do século XVIII, foi identificada a formação
das primeiras grandes companhias de seguro em Portugal, no entanto não foram encontrados
documentos precisos sobre a escrituração das apólices.
3. O setor segurador na primeira metade do Século XX
A normalização contabilística aplicável ao setor segurador sofreu alguns desenvolvimentos
significativos na primeira metade do século XX. Esses desenvolvimentos serão aqui
apresentados por ordem cronológica.
No início do século XX houve diversas iniciativas legislativas relacionadas com a atividade
comercial, nomeadamente a publicação da Lei das Sociedades por Quotas, de 11 de abril de
1901, a publicação de legislação que efetuou o enquadramento da atividade Seguradora,
contemplando os aspetos fundamentais desta atividade – decreto de 21 de outubro de 1907, que
cria o Conselho de Seguros, o qual era integrado, entre outros elementos, por professores do
Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, especificamente das áreas de contabilidade e de
operações financeiras.
A propósito deste Decreto, “Pode dizer-se que este diploma foi a matriz da atividade seguradora
em Portugal até 1975, não obstante as alterações e acrescentos introduzidos pela legislação
posterior. Com efeito, aquele decreto contemplava os aspetos fundamentais da atividade
seguradora” (Mendes, 2014:19).
Em Portugal o surgir desta legislação, deu-se na sequência de um movimento legislativo que
ocorreu em diversos países europeus e no Brasil. Surge então, em 1907, o Decreto com força
de lei de 21 de Outubro de 1907, que consagra uma fiscalização direta do Estado na
constituição e funcionamento das entidades seguradoras.
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Assim, tal como foi já referido, em 1907, através do Decreto do Governo de 21 de outubro é
criado o Conselho de Seguros, sendo as suas atribuições definidas no artigo 38º do seu Capítulo
VII. Nestas atribuições inclui-se o examinar ou inspecionar a escrituração (nº3 do art.58.º).
Relativamente ao funcionamento e à fiscalização das sociedades de seguros, no artigo 36º do
mesmo decreto pode ler-se:
“Nos primeiros seis meses de cada ano social, as sociedades de seguros apresentarão ao
Conselho, com respeito à gerência immediatamente anterior:
1º O inventário do activo e passivo;
2º A conta de ganhos e perdas;
3º O relatório sobre a situação comercial, financeira e económica da sociedade.”
No artigo 38º acresce-se “Deverão as sociedades de seguros prestar ao conselho, no prazo de
oito dias, todas as informações e copias que este requisitar, e facultar-lhe, ou aos peritos por
elle delegados, e em igual prazo, o exame da escrituração e de quaisquer documentos
concernentes às operações sociaes.
§ único . O Ministro da fazenda ordenará inspecções à escrituração e documentos das diversas
sociedades de seguros, devendo recair sobre cada sociedade, pelo menos, uma inspecção de
cinco em cinco anos.”
Assim é notório pela análise deste excerto da legislação de 1907, que era já exigida em relação
à atividade das empresas seguradoras a apresentação de contas de forma organizada e
sistemática, nomeadamente ao nível do Balanço e dos Resultados, complementada ainda por
um relatório de cariz económico-financeiro. Releva-se ainda que além da apresentação das
contas, era exigida a realização de inspeções sobre as mesmas, de forma sustentada, em
períodos quinquenais, por um organismo do Estado.
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De uma forma geral, durante a primeira metade do século XX, as disposições do Código
Comercial de 1888 mantiveram-se. No que respeita à informação contabilística existia obrigação,
de acordo com essa base legal, de os comerciantes manterem livros que permitissem conhecer as
suas operações comerciais e património, de forma clara e precisa. De acordo com Carqueja, a
atividade legislativa expandiu-se ainda, em 1924 e 1928, à indústria de moagem e, pontualmente,
impuseram-se a certas atividades normas de informação contabilística, com propósitos de
fiscalização ou de fomento (Carqueja, 2011).
As atividades de seguros, assim como as da banca, estiveram entre aquelas que foram alvo de
legislação específica, dando origem àquilo que entendemos corresponder às primeiras tentativas
bem-sucedidas de normalização contabilística em Portugal.
Após a I Guerra Mundial (1914-1918) e fruto das falências observadas no setor dos Seguros,
efetuou-se a reformulação da legislação existente até à data, através da publicação do decreto
17555 e decreto 17556 de 5 de novembro de 1929, com a finalidade de garantir um maior
controlo na constituição deste tipo de empresas, reforço das reservas técnicas e a fiscalização
da atividade. O referido decreto-lei n.º 17556 veio criar no Ministério das Finanças, a Inspeção
de Seguros, a qual substituiu a figura do Conselho de Seguros instituído no decreto de 1907.
A esta nova entidade foram atribuídas competências ao nível da definição de normas de
contabilidade, a fim de criar condições para fiscalização mais eficaz da situação financeira das
seguradoras. A periodicidade de fiscalização, passou a fixar-se, a partir da emissão deste decreto
(17556), em períodos trienais, por oposição aos quinquénios contemplados no diploma anterior
(Decreto do Governo de 21 de outubro de 1907). Ao nível contabilístico competia-lhe definir
os modelos de Balanços e contas de Ganhos e Perdas a adotar pelas seguradoras, assim como
as normas que enformavam o registo das contas. A regulamentação para a elaboração destes
documentos será emitida posteriormente, em 1930, através das Circulares nº 5, de 16 de Janeiro
de 1930 e nº 40, de 15 de Dezembro do mesmo ano, publicadas no Boletim de Seguros, II série.
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A partir desta altura (1929/30), inicia-se precisamente a publicação do referido Boletim de
Seguros, de acordo com o que fora estipulado no artigo 11 do Decreto 17556, de 5 de Novembro
de 1929.
Os relatórios, balanços e contas de ganhos e perdas das seguradoras eram publicados na
primeira parte deste Boletim, enquanto a segunda apresentava os relatórios e contas das
sociedades estrangeiras autorizadas em Portugal.
Figura 1 – Balanço de uma Seguradora, Boletim de Seguros Nº1, datado de 1930
Fonte: Boletim de Seguros, nº 1, II série, 1930
Aparentemente esta é a primeira forma instituída de apresentação de contas de forma
estruturada em Portugal, em que a Circular nº40 do Boletim de Seguros apresenta mesmo
normas para as contas das seguradoras e um modelo de Balanço, que vigorará a partir de 1930.
Aparentemente, esta atividade normalizadora foi a primeira experiência a este nível em termos
nacionais, constituindo um primeiro passo na normalização contabilística em Portugal, tal como
já foi anteriormente referido. É ainda de relevar que o regime contabilístico que resultou desta
atividade foi sendo sistematizado em disposições emitidas até 1943. O referido regime
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contabilístico manteve-se, embora com algumas alterações, em aplicação até 1994, ano em que
se dá a introdução na legislação nacional das regras comunitárias que permitem a implementação
do mercado único de seguros, através da transposição da diretiva 91/674/CEE.
Por outro lado, a partir de 1929, começou a ser publicado o Boletim de Seguros – figura 2, onde
se incluíam os relatórios e contas das companhias de seguros, o que contribuía para avaliar a
questão da comparabilidade entre as contas das diversas empresas de seguros.
Figura 2 – Boletim de Seguros, Nº1, datado de 1930
Fonte: Boletim de Seguros, nº 1, 1930
As competências da referida Inspeção vêm a ser regulamentadas mais tarde, no Decreto Lei n.º
21977, de 13 de dezembro de 1932 – “Regulamento da Inspecção de Seguros”.
Neste período, as empresas seguradoras passaram a ter um controlo mais rigoroso, integrando-
se no sistema corporativo do Estado Novo (Mendes, 2014). Assim, em 1934 é criado o Grémio
das Seguradoras (cuja atividade foi regulamentada pelo Decreto Lei nº26484, de 31 de março
de 1936) que viria a ser extinto em 1975, apenas após a mudança de regime, pelo Decreto Lei
306/75, criando-se, em sua substituição, em 1976 o Instituto Nacional de Seguros (Decreto-Lei
nº 11-B/76, de 13 de janeiro).
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A referida entidade – Inspeção de Seguros – foi mais tarde substituída pela Inspeção Geral de
Crédito e Seguros, através da publicação do decreto-lei n.º 37470, de 6 de julho de 1949. Neste
decreto estipula-se que a partir dessa data esta Inspeção Geral passe a abranger quer a Inspeção
de Crédito, quer a Inspeção de Seguros, reunificando, assim, as duas entidades sob a mesma
égide. A questão da reunificação dos dois tipos de serviços já vinha a ser considerada
anteriormente, estando mesmo prevista no decreto-lei n.º 36542, de 15 de outubro de 1947,
onde surge o anúncio dessa intenção.
A partir desta reunificação, inicia-se um processo de regulamentação que conduz a um avanço na
normalização contabilística nacional.
Conforme preambulo do Decreto-Lei 37470 de 6 de julho de 1949, “Pelo Decreto-Lei 36542,
de 15 de Outubro de 1947, foi aprovado o quadro da Inspecção do Comércio Bancário,
prevendo-se no respetivo relatório que nela viessem a ser oportunamente integrados os serviços
de Inspecção de Seguros. Na verdade, mostrava-se necessário que aqueles dois serviços
formassem uma única organização, com a categoria de Inspecção-Geral, não só para lhes dar a
categoria correspondente à importância das funções exercidas, como ainda pela conexão das
funções que exercem e interesses que fiscalizam”.
Assim, resumindo esta primeira metade do Século XX as entidades ligadas à definição das
práticas da Contabilidade de Seguros, confundem-se também com as entidades que efetuam a
sua Supervisão e são todas de caráter estatal (Quadro 1).
Quadro 1 – Entidades que regulamentaram a atividade das empresas Seguradoras e a
respetiva apresentação de Contas – primeira metade do Século XX:
Entidades Conselho de Seguros Inspeção de Seguros
Período em que essas
entidades vigoraram
1907-1929 1929-1949
Ferramentas legais
principais
Decreto de 21 de outubro de 1907 Decreto-Lei n.º 17556, de 5 de
novembro de 1929
Fonte: elaboração própria
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Embora a banca e os seguros tenham funcionado no passado de forma independente, sendo esta
segregação justificada por razões de tradição, uma vez que se considerava que os negócios do
dinheiro e os da cobertura de risco tinham características especificas distintas, que convinha
não confundir, mostrava-se no final da década de quarenta do século XX, necessário que estas
duas áreas fossem supervisionadas por uma única entidade, com a categoria de inspeção geral,
a Inspecção-Geral de Créditos e Seguros, procedendo-se assim à junção das duas, mas
mantendo se os serviços separados (Mateus, 2007).
Aliás as diferenças já existentes entre as duas atividades, quer em termos contabilísticos, quer
em termos económicos e de funcionamento dos negócios, fizeram com que, na prática, a
diferenciação tivesse persistido até voltar a ser formalmente separada, depois da mudança de
regime político.
Muito relevante foi também a aparição do Boletim de Seguros, que se mantém até aos anos
noventa, embora o seu papel normalizador fosse sendo alterado ao longo do tempo. Numa fase
inicial, esta publicação assumiu um papel de extrema relevância na definição das práticas
contabilísticas e de relato no sector.
4. O setor na segunda metade do Século XX
Da década de 1950 ao início dos anos de 1970, a atividade seguradora sofreu um forte
crescimento e nasceram em Portugal novas companhias e importantes grupos seguradores
beneficiando do contexto dos chamados anos de ouro da economia portuguesa (Mendes, 2014;
Mateus, 2007).
Em 1954, o processo de regulamentação originado pelo Decreto-Lei 37470 de 6 de julho de
1949, dá origem à fixação dos modelos de balanços, balancetes e conta de ganhos e perdas para
a atividade bancária, através do decreto-lei n.º 39525, de 2 de fevereiro de 1954. Este último vem
autorizar a Inspeção-Geral de Crédito e Seguros a fixar os modelos oficiais referenciados que os
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institutos de crédito são obrigados a remeter à referida Inspeção Geral. De acordo com este
decreto, a normalização contabilística deveria ser eficiente e flexível, sem que a preocupação da
fiscalidade pudesse constituir limite à mesma. Posteriormente, a portaria n.º 18178, de 31 de
dezembro de 1960, vem apresentar os modelos que as instituições bancárias teriam de apresentar
à Inspeção Geral de Crédito e Seguros. É assim reforçada a existência de uma normalização
sectorial associada à actividade bancária, com definição de modelos para apresentação de contas
e curiosamente, pela primeira vez, com o objectivo primordial de avaliar a performance das
entidades e não tanto com a preocupação das finalidades associadas à fiscalidade.
Esta, aparentemente, é a segunda iniciativa legal de normalização a obter sucesso em Portugal.
Neste sentido, alguns autores identificam, a partir de meados da década de cinquenta do século
XX, a existência de pressões conducentes à implementação de práticas normalizadas ao nível
da contabilidade pública e privada, com o objetivo não só da normalização contabilística em si,
mas também da relação desta com o sistema fiscal (Caria e Rodrigues, 2014). Aparentemente
a questão da normalização na atividade bancária será das poucas, se não a única, que, neste
aspeto, se distingue das restantes iniciativas.
Esta iniciativa parece ter sido no sentido de impulsionar a normalização no sector bancário, à
imagem do que já existia no sector dos seguros. A Inspeção de Seguros tinha quadro de pessoal
constituído e efetivo funcionamento desde 1929, enquanto que no sector bancário a questão da
Inspeção era muito incipiente. Na verdade o quadro da Inspeção de Seguros foi integrado nesta
nova Direção Geral, e na prática o Director Geral funcionava como coordenador de duas
inspeções gerais diferenciadas que desenvolviam atividade com autonomia e formas de
intervenção diferentes.
A Inspeção Geral de Crédito e Seguros foi reorganizada em 1965, através do decreto lei 46493
de 18 de agosto.
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Nesta base legislativa reconhecia-se o crescimento havido à época, nomeadamente a “acentuada
expansão de atividade nos mercados monetário, financeiro e segurador verificada nos últimos
anos correspondeu a atribuição de novas funções à Inspecção-Geral cujos meios se tornaram
não apenas insuficientes como também inadequados para responder às necessidades suscitadas
pelo novo condicionalismo económico e financeiro” (segundo parágrafo da introdução ao
decreto lei 46493 de 1965).
Assim é reforçado o quadro de pessoal da Direção Geral, reservando os lugares de inspetor
superior aos licenciados pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, pela
Faculdade de Economia do Porto e em Direito e o lugar de auditor jurídico de entre licenciados
em Direito. Quanto aos inspetores técnicos de segunda classe deveriam também ser recrutados
entre licenciados pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras ou pela
Faculdade de Economia do Porto, no caso da Inspeção de Crédito; relativamente à Inspeção de
Seguros era requerido que os inspetores técnicos de segunda classe fossem licenciados pelo
Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, com as quatro secções ou com o curso
superior de Finanças, podendo, todavia, dois dos inspetores técnicos de primeira e segunda
classes ter o curso superior de Economia ou ser licenciados pela Faculdade de Economia do
Porto e um deles em Direito.
Ou seja, a estrutura da Direção geral teria de continuar a ser assegurada por quadros formados
na área das ciências económicas e em escolas com tradição no ensino da contabilidade.
Assim, até à década de 70, altura em que se iniciaram as iniciativas de normalização de âmbito
geral em Portugal, apenas as seguradoras e os bancos tinham a obrigação de utilizar um quadro
geral de contas, regras de contabilização, critérios de apuramento de resultados e de publicação
das demonstrações financeiras.
No período pós-25 de abril de 1974 assinalam-se duas fases distintas, marcadas pelas
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nacionalizações e pelas reprivatizações; fases essas que promoveram a concentração de
empresas (Mendes, 2014).
As nacionalizações surgiram com a publicação do Decreto-Lei 135-A/75, que procede à
nacionalização das companhias de seguros de capital português.
Assim, em substituição do Grémio das Seguradoras, foi criado através do Decreto lei n.º 11-
B/76, de 13 de janeiro, o Instituto Nacional de Seguros (INS) que tinha como objetivo a
coordenação e normalização técnica e administrativa de toda a atividade seguradora (alínea m
do artigo 9º).
No seu artigo sétimo é dito que “Até à entrada em funcionamento do INS, as companhias de
seguros (nacionalizadas, mistas, estrangeiras ou mútuas) manterão os direitos e deveres
referidos pelo artigo 7.º do Decreto-Lei 306/75, de 21 de junho”. Ou seja, mantinha-se em vigor
a regulamentação anterior.
Posteriormente, o Decreto-Lei 72/76 de 27 de janeiro, vem estabelecer as normas de
fiscalização das companhias de seguros, agora nacionalizadas. No artigo 27º do Capítulo VII
intitulado “Orçamento, balanço e contas” são referidos os seguintes procedimentos:
“1. Até 31 de Março, com referência ao último dia do ano anterior, as companhias enviarão ao
Ministro das Finanças, para aprovação, o relatório, o balanço e contas anuais de gerência, depois
de discutidos e apreciados pelo conselho de gestão e com o parecer da comissão de fiscalização.
2. Na falta do despacho do Ministro das Finanças, o relatório, balanço e contas consideram-se
aprovados decorridos trinta dias após a data do seu recebimento.
3. A publicação do relatório, balanço e contas é feita no Boletim de Seguros, no prazo de trinta
dias após a sua aprovação.
4. Mantêm-se em vigor as restantes obrigações que, nesta matéria, impendem sobre as
companhias de seguros.”
18
Porém, o INS tinha sido criado como um órgão de cúpula das empresas seguradoras, numa ótica
estatizante. A reconversão para uma economia de mercado impunha a recriação de um órgão
regulador e não de um órgão que promovesse uma gestão centralizada do sistema (Mateus,
2007).
Em 1979 é criada a Inspeção-Geral de Seguros através do Decreto-Lei n.º 513-B1/79, de 27 de
dezembro. As suas atribuições incluem a realização de auditorias contabilísticas das empresas
de seguros e resseguros (alínea a artigo 2º). Estas auditorias são posteriormente definidas no
número 1 do artigo 10º: “A auditoria contabilística das empresas de seguros e resseguros e a
fiscalização das actividades do sector de seguros e resseguros, mediação respectiva e
actividades relacionadas com aquelas serão exercidas, de forma sistemática, junto das entidades
ou pessoas de que se tratar e em presença da documentação disponível ou outros elementos que
devam ser exibidos ou enviados à Inspecção-Geral, ou esta solicite, e mediante inspecções.”
A década de oitenta foi caracterizada pela atualização do quadro institucional, pelo incremento
da iniciativa privada associada com as privatizações e pela adesão de Portugal à União Europeia
(Mendes 2014).
Foi apenas em 1982, e com a extinção da Inspeção-Geral de Seguros e do Instituto Nacional de
Seguros que foi criado o atual Instituto de Seguros de Portugal (ISP), pela publicação do
decreto-lei n.º 302/82, de 30 de julho. Entre as diversas atribuições do ISP destaca se na alínea
g) do Art. 4.º “Apreciar e emitir parecer acerca das contas de exercício das empresas de seguros
e resseguros;”.
No quadro 2 apresentam-se as entidades reguladoras da atividade das Empresas de Seguros, na
segunda metade do Século XX.
Quadro 2 – Entidades que regulamentaram a atividade das empresas Seguradoras e a
respetiva apresentação de Contas – segunda metade do Século XX:
19
Entidades Inspeção Geral
de Crédito e
Seguros
Instituto
Nacional de
Seguros
Inspeção Geral
de Seguros
Instituto de
Seguros de
Portugal
Período em que essas
entidades vigoraram
1949-1975 1975/76-1979 1979-1981 1981/82-2015
Ferramentas legais
principais
Decreto-Lei n.º
37470, de 6 de
julho de 1949
Decreto-Lei n.º
301/75, de 20 de
junho de 1975;
Decreto-Lei nº
11-B/76, de 13 de
janeiro de 1976
Decreto-Lei n.º
513-B1/79, de 27
de dezembro de
1979
Decreto-Lei n.º
302/82, de 30 de
julho de 1982
Fonte: elaboração própria
Já com o intuito da adesão de Portugal à CEE e contando com a necessidade de adaptar a
legislação portuguesa às diretivas comunitárias foi publicado o Decreto-lei nº98/82, de 7 de
abril que vem exigir às seguradoras a constituição de provisões técnicas que segundo o artigo
quarto “devem corresponder, nas seguradoras sediadas em Portugal, ao conjunto das
responsabilidades assumidas no exercício da sua actividade em Portugal e no estrangeiro e, nas
agências gerais de seguradoras estrangeiras, às responsabilidades decorrentes do exercício da
sua actividade em Portugal.” E, a Portaria 683/85, de 12 de setembro, que vem estabelecer a
forma de constituição dos ativos representativos das provisões técnicas das seguradoras, uma
vez que essa constituição tem de ser dinâmica, correspondendo aos diversos tipos de
investimentos que podem ser efetuados pelas seguradoras.
O decreto-lei nº 85/86, de 7 de maio e o decreto-Lei 125/86, de 2 de junho vêm permitir a
harmonização das disposições legais em vigor, no setor dos seguros, com a legislação
comunitária. Aqui se inicia o processo de harmonização, embora de forma incipiente, com as
práticas estabelecidas nos países da União Europeia (à data Comunidade Económica Europeia).
Até 1994, ano em que foi aprovado o Plano de Contas para as Empresas de Seguros (PCES),
publicitado pela Norma Regulamentar nº 07/94, de 27 de abril, não existia um verdadeiro plano
de contas para este ramo de atividade. Na Circular n.º 10/96, de 12 de fevereiro, são publicados
os modelos do Balanço e da Conta de Ganhos e Perdas.
20
A partir desta altura (1994), surge claramente a segunda fase da normalização contabilística no
setor segurador em Portugal.
O decreto-lei n.º 94-B/98, de 17 de abril, que vem regular as condições de acesso e de exercício
da atividade seguradora e resseguradora no território da Comunidade Europeia estabelece no
seu artigo 242.º intitulado “Normas de contabilidade” que “compete ao Instituto de Seguros de
Portugal, sem prejuízo das atribuições da Comissão de Normalização Contabilística,
estabelecer as regras de contabilidade aplicáveis às empresas de seguros ou de resseguros
sujeitas à sua supervisão, bem como definir os elementos que as referidas empresas lhe devem
remeter e os que devem obrigatoriamente publicar, mantendo-se em vigor, até à sua publicação,
as regras actualmente existentes em matéria de contabilidade, apresentação e publicação de
contas”. Assim, a solução encontrada continua a ser a da regulação direta do ISP relativamente
às Normas de Contabilidade aplicáveis ao sector, apesar da ressalva da referência à Comissão
de Normalização Contabilística.
De acordo com Mateus (2007), este decreto “constitui o primeiro importante diploma que
estabelece as condições de acesso ao exercício da atividade seguradora e resseguradora em toda
a união Europeia” (Mateus, 2007:51).
Neste período o reforço de supervisão foi acompanhado por uma lógica de reforço da
comparabilidade das contas, com a transposição da Diretiva nº 91/674/CEE, relativa às contas
anuais e consolidadas, e a publicação do PCES, e consonante alteração dos elementos de
reporte, para efeitos da supervisão prudencial, a remeter ao ISP (Henriques, 2007).
Até à emissão do regulamento (CE) n.º 1606/2002, do parlamento Europeu e do Conselho, não
houve outras alterações relevantes no setor. No entanto, a partir desta base legislativa de cariz
europeu, é possível, desde já, identificar uma fase diferenciada relativamente à que se inicia
com a legislação de 1994.
21
Esta ultima alteração legislativa, que só tem início no século seguinte, encontra-se já fora do
nosso período de análise. No entanto surge aí claramente uma outra vaga normalizadora ao
nível da contabilidade de seguros em território nacional.
Discussão e Conclusões
De uma forma geral, pode ser afirmado que o desenvolvimento da contabilidade de Seguros em
Portugal esteve relacionado com a questão da confiança do público num sector que estava em
crise. Este era um sector essencial ao desenvolvimento económico do país, mas a crise
relacionada com as falências de muitas empresas seguradoras conduziu a que fossem levadas a
cabo iniciativas governamentais (as leis emanadas sobre a atividade do sector no princípio do
século XX), que criaram um sistema legal que tinha por objetivo repor a confiança pública
nesse sector. De facto, neste âmbito, o desenvolvimento de práticas e de relato normalizadas
veio contribuir para a promoção de uma avaliação económica que proporciona e aporta
confiança, o que permite criar organizações sofisticadas e desenvolvimento dos mercados
(Waymire & Basu, 2008)
Atenção deve ser dada ao facto de nos sistemas anglo-saxónicos, desde o início do século XX,
se fazer uma supervisão privada, mas em Portugal se ter optado por uma supervisão pública
(Conselho de Seguros). Assim podemos considerar que desde o início das iniciativas de
organização do setor e do consequente processo de normalização contabilística, preside, tal
como no processo de normalização de características globais em Portugal, uma preponderância
do sistema de Direito Romano e de influência continental da contabilidade também no ramo da
contabilidade de seguros.
A questão da supervisão acaba por desenvolver as práticas contabilísticas – pois a nomeação
dos quadros superiores é feita inicialmente entre os formados do ISCEF, durante muitos anos
(uma das escolas, onde tradicionalmente a Contabilidade fazia parte dos temas estudados), e
22
posteriormente alargada à Faculdade de Economia da Universidade do Porto (escola com as
mesmas características). Ou seja, exigiam-se quadros com conhecimento na área contabilística,
o que contribui para a manutenção e desenvolvimento das práticas contabilísticas dentro do
setor.
De seguida, quanto às principais contribuições, podemos apontar que, tradicionalmente, em
história da Contabilidade são consideradas contribuições quer a descoberta de novos factos,
quer a identificação das datas em que as práticas iniciais de novas técnicas contabilísticas
surgiram (Miller et al., 1991). Neste sentido, as principais contribuições deste trabalho passam
por identificar claramente as duas primeiras iniciativas bem sucedidas de normalização
contabilística em Portugal, respetivamente na Contabilidade de Seguros e na Contabilidade
Bancária. Curiosamente, a segunda iniciativa parece ter sido inspirada na primeira, ao tentar
reunificar as duas atividades sob a égide da mesma Inspeção Geral, a partir de meados do século
XX. Aparentemente essa reunificação teve bons resultados ao nível dos objetivos pretendidos.
Identificou-se ainda a possibilidade de que a normalização da atividade bancária tenha sido
talvez uma das poucas (ou única) situações em que os objetivos relacionados com a arrecadação
de impostos não estivessem entre os mais relevantes. Esta possibilidade necessita ainda de
desenvolvimento em futuros trabalhos dedicados à normalização contabilística no setor
bancário.
Outra contribuição importante é a identificação de três diferentes fases na normalização
contabilística no sector dos seguros:
- a primeira fase que se inicia em 1907, mas na realidade se consolida em 1929 e 1930 (ligar à
fase pré Estado Novo); nesta fase foi de extrema relevância a questão da solvabilidade tal como
acontecia já noutros países (Preâmbulo do Decreto de 21 de outubro de 1907), nomeadamente
no Reino Unido (Horton e Macve, 2005; Preâmbulo do Decreto de 21 de outubro de 1907),
23
assim como finalidades de caráter fiscal;
- a segunda fase, correspondente às adaptações e alterações realizadas como consequência da
adesão de Portugal à CEE e que tem efeito na legislação contabilística em 1994;
- finalmente, uma terceira fase, que não foi alvo de análise no presente trabalho, mas que se
relaciona com a adoção das IAS pela União Europeia e com a entrada em vigor do Regulamento
1606/2002, do parlamento Europeu e do Conselho.
Esta ultima fase será também uma das oportunidades de investigação futura, agora
identificadas.
Ainda outra contribuição a poder ser considerada no âmbito deste trabalho, prende-se da
identificação das fases de harmonização contabilística, quer de âmbito regional, convergente
com as práticas da União Europeia (U.E.), numa fase inicial, quer de âmbito global, numa fase
posterior:
- primeira fase de harmonização – convergência incipiente com as práticas da U.E. – com base
nos decretos-lei nº 85/86, de 7 de maio e 125/86, de 2 de junho;
- segunda fase de harmonização – convergência de âmbito mais alargado com normas
contabilísticas, por via da estratégia implementada na U.E., através do decreto-lei n.º 94-B/98,
de 17 de abril.
O Processo de harmonização, num sentido mais estrito, é posteriormente conduzido durante o
período seguinte – século XXI.
A última contribuição que pretendemos apontar é o facto de esta revisão contribuir para
começar a ser colmatada uma lacuna ao nível da literatura contabilística em Portugal, pois a
escassez de trabalhos sobre a temática do processo histórico da normalização contabilística no
setor das empresas de seguros impõe uma resposta por parte dos investigadores em
contabilidade.
24
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