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Contratos de Comunicação na Era da Interatividade: Uma Análise de Notícias e Informes Publicitários do site Campo Grande News 1 Bruno Navarros 2 Resumo: O artigo visa apresentar conceitos essenciais dos contratos discursivos na perspectiva do teórico francês Patrick Charaudeu, que serve de base para uma análise de notícias e informes publicitários do site Campo Grande News realizada para compor projeto de pesquisa em desenvolvimento no âmbito do Mestrado em Comunicação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O projeto traz um breve histórico sobre a influência da publicidade no fazer jornalístico, divaga sobre o hibridismo existente nos meios de comunicação através de produtos como os Informes Publicitários e leva em consideração os lugares de pertinência (produção-produto-recepção) do que Charaudeau metaforicamente chama de "máquina midiática". Como proposta de estudo, a ser realizado, visa-se identificar em jornalistas e leitores do site Campo Grande News elementos considerados por ambas as partes essenciais a um texto informativo, para então correlacioná-los aos processos de produção e consumo de notícias e informes publicitários do veículo. Pretende-se consequentemente levantar questões sobre os reflexos da hibridização entre jornalismo e publicidade. Recorre-se aos procedimentos metodológicos da análise quantitativa do conteúdo publicado pelo Campo Grande News no site, de materiais compartilhados através de sua página na rede social Facebook; para então propor pesquisa qualitativa com jornalistas do site e leitores (extraídos a partir da interação com postagens) mediante entrevistas. Palavras-chave: hibridização, contratos comunicativos, Informes Publicitários, Jornalismo, Publicidade. 1 Artigo enviado na modalidade Comunicação Oral. 2 Graduado em Jornalismo; Especialista em Administração de Marketing em Propaganda; Mestrando em Comunicação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). E-mail: [email protected] .

Contratos de Comunicação na Era da Interatividade: Uma ...º-Simpósio... · partes essenciais a um texto informativo, ... de Marketing em Propaganda; ... da publicidade ao produto

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Contratos de Comunicação na Era da Interatividade: Uma Análise de Notícias e Informes Publicitários do site Campo Grande News1

Bruno Navarros2

Resumo: O artigo visa apresentar conceitos essenciais dos contratos discursivos na perspectiva do teórico francês Patrick Charaudeu, que serve de base para uma análise de notícias e informes publicitários do site Campo Grande News realizada para compor projeto de pesquisa em desenvolvimento no âmbito do Mestrado em Comunicação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. O projeto traz um breve histórico sobre a influência da publicidade no fazer jornalístico, divaga sobre o hibridismo existente nos meios de comunicação através de produtos como os Informes Publicitários e leva em consideração os lugares de pertinência (produção-produto-recepção) do que Charaudeau metaforicamente chama de "máquina midiática". Como proposta de estudo, a ser realizado, visa-se identificar em jornalistas e leitores do site Campo Grande News elementos considerados por ambas as partes essenciais a um texto informativo, para então correlacioná-los aos processos de produção e consumo de notícias e informes publicitários do veículo. Pretende-se consequentemente levantar questões sobre os reflexos da hibridização entre jornalismo e publicidade. Recorre-se aos procedimentos metodológicos da análise quantitativa do conteúdo publicado pelo Campo Grande News no site, de materiais compartilhados através de sua página na rede social Facebook; para então propor pesquisa qualitativa com jornalistas do site e leitores (extraídos a partir da interação com postagens) mediante entrevistas.

Palavras-chave: hibridização, contratos comunicativos, Informes Publicitários,

Jornalismo, Publicidade.

1 Artigo enviado na modalidade Comunicação Oral.

2 Graduado em Jornalismo; Especialista em Administração de Marketing em Propaganda; Mestrando em

Comunicação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). E-mail: [email protected].

2

1. INTRODUÇÃO

Ao explorar as interfaces entre os campos situacional e linguístico, e macro e

microssocial, o teórico francês Patrick Charaudeau propõe o conceito de contrato de

comunicação, que trata das trocas simbólicas embutidas nos discursos sociais e da relação

contratual implicitamente reconhecida entre os sujeitos enunciador (produtor de conteúdo) e

enunciatário (consumidor). A identidade dos parceiros, os objetivos, o assunto tratado e as

circunstâncias materiais se entrelaçam ao corpo e às estratégias de discurso utilizadas.

Aspectos circunstanciais e contextuais interagem, em uma espécie de rede de influências,

cujos atributos são condicionados ao reconhecimento recíproco dos interlocutores da

mensagem; ou seja, tanto de quem informa quanto daquele que é informado. Segundo o

teórico, "é o contrato de comunicação midiático que gera um espaço público de informação e

é em seu próprio quadro que se constrói a opinião pública". (CHARAUDEAU, 2006, p.115).

Figura 1 - Estrutura base do Contrato de Comunicação

Fonte: CHARAUDEAU, 2006, p.114

O autor contribui com um pensamento não só interdisciplinar bem como sistêmico, o

qual se leva a refletir quanto à Comunicação sob todos os seus elos, desde a construção

textual até a forma como o objeto informativo é interpretado pelo leitor. Este processo do

discurso informativo passa pelas influências das lógicas econômicas, tecnológicas e simbólicas

(articulação nomeada por Charaudeau de "máquina midiática"), que concomitantemente

fazem com que as partes envolvidas no processo comunicativo carreguem intencionalidades

que irão refletir tanto no material em si quanto no sentido produzido. O autor ilustra os

aspectos que envolvem os lugares de pertinência na relação contratual simbólica da cadeia

midiática, formados pela tríade produção-produto-recepção.

3

Figura 2: Lugares de pertinência da “máquina midiática”

Fonte: CHARAUDEAU, 2003, p. 23

Na realidade contemporânea, materiais híbridos publicados com certa frequência nos

meios de comunicação, e cuja essência é ditada pela lógica econômica, têm se apropriado de

elementos característicos tanto do Jornalismo quanto da Publicidade. A intenção do

enunciador é criar um material com conteúdo informativo, de leitura agradável (ao utilizar

técnicas de construção de narrativas), e menos impositivas, como ocorre em peças

publicitárias tradicionais (ao evitar verbos no imperativo). Esta mutação gera um produto que

carrega um conflito ético e de finalidade.

A finalidade do contrato de comunicação midiática se acha numa tensão entre duas visadas, que correspondem, cada uma delas, a uma lógica particular: uma visada de fazer saber, ou visada de informação propriamente dita, que tende a produzir um objeto de saber segundo uma lógica cívica: informar o cidadão; uma visada de fazer sentir, ou visada de captação, que tende a produzir um objeto de consumo segundo uma lógica comercial: captar as massas para sobreviver à concorrência (CHARAUDEAU, 2006, p.86).

Baseada neste cenário no qual fronteiras jornalísticas e publicitárias se entrelaçam

para construir um novo ponto no mapa da informação, esta proposta de projeto traz um

breve histórico sobre a influência da Publicidade no fazer jornalístico e propõe a análise de

fatores que envolvem os contratos comunicativos, em especial os casos nos quais

predominam discursos híbridos; com embasamento na perspectiva de Charaudeau.

4

Visa-se em etapa posterior identificar em jornalistas que produzem os Informes

Publicitários e leitores do site Campo Grande News características consideradas por ambas as

partes essenciais a um texto noticioso, para então correlacioná-las aos processos de produção

e recepção de notícias e Informes Publicitários do veículo. Pretende-se ainda levantar

questões éticas sobre os reflexos da hibridização entre Jornalismo e Publicidade. Recorre-se

aos procedimentos metodológicos da análise quantitativa do conteúdo dos Informes

Publicitários do site, com comparação a notícias veiculadas na mesma editoria; e qualitativa

do discurso presente nestes materiais; sob a teoria discursiva de Charaudeau.

O primeiro passo da pesquisa será realizar um levantamento bibliográfico referente

aos temas "contratos de comunicação", "hibridização entre Jornalismo e Publicidade",

"discursos publicitário e jornalístico" e "deontologia jornalística"; tomando como ponto de

partida obras de autores como Patrick Charaudeau, Dominique Maingueneau, Nilson Lage,

Ciro Marcondes de Lima e Wilson Gomes. Simultaneamente, será realizada uma pesquisa

exploratória para coletar a quantidade de Informes Publicitários veiculados no site Campo

Grande News. Sugere-se para a análise textual discursiva do conteúdo, a dinâmica da semana

construída, para não haver enviesamentos temáticos. Os Informes Publicitários serão

classificados por data, horário de postagem no site, título e editoria. Para efeito de

comparação com o conteúdo jornalístico, será escolhida a notícia de mesma editoria postada

no site imediatamente após cada Informe Publicitário.

A próxima etapa será definir tanto enunciadores quanto enunciatários, com o objetivo

de, na entrevista direta, identificar critérios e objetivos que envolvem desde o processo de

produção e veiculação dos materiais até a percepção do conteúdo pelos leitores. Os roteiros

semiestruturados para aplicar a técnica de entrevista serão preparados para identificar o

perfil e as preferências do jornalista e do leitor em relação às estruturas das notícias e dos

Informes Publicitários; no caso do público, almeja-se checar também o conhecimento sobre o

caráter comercial dos Informes Publicitários e qual a opinião sobre a credibilidade do

conteúdo e do veículo jornalístico que os veiculam.

Os jornalistas escolhidos serão aqueles que fazem parte da rotina produtiva de

matérias jornalísticas e de Informes Publicitários; já os leitores convidados serão os que

5

interagirem no Facebook (por curtida, comentário ou compartilhamento) com os Informes

Publicitários; maneira considerada mais prática para localizar o enunciatário da mensagem.

2. ROTAS QUE SE CRUZAM

A partir do século XVII, tem-se registro dos primeiros anúncios em jornais. Jornalismo e

Publicidade começam a dividir espaço. No século XIX, com a Revolução Industrial, há a

massificação do consumo, quando essas duas formas de comunicação também passam por

mudanças consideradas revolucionárias. As técnicas tipográficas ganham novos inventos,

como as rotativas de Marinoni, em 1871, que possibilitam a produção de jornais em alta

escala – torna-se possível imprimir 95.000 páginas por hora (TRAQUINA, 2004, p.38).

A Publicidade direciona suas estratégias de persuasão com objetivo de venda para o

coletivo; compradores e vendedores desconhecidos, formados pela massa do proletariado. O

Jornalismo passa a ser tratado como uma atividade que deve gerar lucro e a notícia de

atualidade é sua mercadoria. No último quarto do século XIX, a Imprensa se estabelece como

pleno negócio e a produção jornalística, ao buscar uma forma de se sustentar, foca na

associação de elementos da publicidade ao produto informativo, com a produção e a

circulação de notícias financiadas em grande parte pelos anunciantes.

Mas, é a partir do final do século XX, quando o excesso de informação satura o

mercado e a concorrência torna-se intensa, que a informação recebe tratamento estético

cuidadoso, na intenção de reter a atenção do público por tempo suficiente para que a

mensagem publicitária ou jornalística seja transmitida. O Brasil também segue essa tendência

já consolidada então nos territórios norte-americano e europeu.

A partir da pós-modernidade, a publicidade começa a transpor os limites do jornalismo: a ordem é hibridizar a natureza persuasiva da publicidade, dissolvendo-a no espaço jornalístico, como se fora parte da própria natureza jornalística. É um exercício que inocula o interesse privado no espaço público da imprensa e investe de legitimidade o gene clandestino da lógica publicitária. (MARSHALL, 2003, p.119-120)

Remete-se também ao pensamento de Luiz Gonzaga Godoi Trigo, que aponta a

influência do mercado de bens e serviços na produção de informação e trata do conteúdo

ligado ao entretenimento como um objeto estratégico e visado pelas classes empresarial e

institucional para gerar no público prazer em consumir.

6

Em uma sociedade cuja informação é uma mercadoria valiosa e os fluxos de circulação da informação são controlados por instituições e empresas ligadas aos mais diversos setores produtivos, existe uma intricada rede que agrupa em um mesmo fenômeno atividades que, na origem, são diferentes (esportes, notícias, arte, educação, lazer, turismo, ‘show-business’), mas que se articulam enquanto mercadorias destinadas a um consumo específico caracterizado pelo prazer. (TRIGO, 2003, p. 21-22).

3. INFORMES PUBLICITÁRIOS E A HIBRIDIZAÇÃO

O ambiente digital tem registrado crescente advento das relações comerciais3,

impulsionado pelo desenvolvimento de novas tecnologias para e-commerce e ferramentas

apuradas de métricas e monitoramento na web, que permitem às empresas conhecer melhor

hábitos de consumo e agir de acordo com estas preferências. A consequência é um esforço

maior das marcas em "conversar" com o público-alvo, principalmente através do Facebook4. O

Marketing de Conteúdo ganha cada dia mais importância na visão daqueles responsáveis por

definir as diretrizes de atuação comercial das empresas.

No meio jornalístico, debatem-se aspectos que envolvem a publicação dos Informes

Publicitários, pelo fato de o produto informativo se utilizar de artifícios do Jornalismo para

construir um texto de cunho comercial e que pretende convencer o leitor a consumir certo

produto ou serviço. José Antonio Martinuzzo define Informe Publicitário como:

Espaço publicitário, uma vez que é comprado junto às mídias jornalísticas, mas com conteúdo informativo. Geralmente, dialoga com padrões estéticos e estilísticos do veículo jornalístico, o que explica a identificação como 'informe publicitário'. É utilizado para garantir maior formalidade a publicações e posicionamentos organizacionais acerca de temas complexos ou mais densos. (MARTINUZZO, 2013, p.77).

Para Leandro Marshall (2003, p.123), mesmo que obedeça os princípios do jornalismo,

por estar corretamente identificada, "a publicidade acaba obtendo o bônus de uma notícia, já

3 O relatório WebShoppers 2015, elaborado pela E-bit, aponta crescimento de 24% no faturamento do comércio eletrônico brasileiro, que passou de R$ 28,8 bilhões em 2013 para R$ 35,8 bilhões em 2014. 4 A pesquisa "Brazil Digital Future in Focus 2014", da consultoria Comscore, aponta que brasileiros lideram o engajamento online, com usuários que navegam 29,7 horas por mês, sete a mais do que a média mundial. O Brasil possui a 5ª maior audiência do mundo: 68.1 milhões de visitantes únicos registrados em fevereiro de 2014, crescimento de 11% em comparação ao mesmo período de 2013. O Facebook lidera a categoria de Redes Sociais. Os brasileiros passam mais tempo navegando no Facebook do que mexicanos e argentinos passam online por mês. A publicidade digital cresce, com mais de 107.6 milhões de impressões em 2013 (display).

7

que os leitores, majoritariamente, não percebem o aviso de 'informe publicitário' e dão a

credibilidade de notícia ao texto".

Busca-se em Nilson Lage definição para a atividade do profissional de Jornalismo.

Jornalistas devem transformar, processar, codificar informações segundo padrões técnicos consensuais (sem o que as mensagens correriam o risco de não ser aceitas ou compreendidas) e obedecendo a valores éticos admitidos pela sociedade, embora não necessariamente por todos os grupos que a compõem. (LAGE, 1988, p.125).

Ao procurar referências sobre a utilização de elementos do Jornalismo na Publicidade

constata-se que o debate se estende por décadas, perdura e ganha corpo com a

transformação dos meios, indivíduo e sociedade, cada vez mais em rede, interativos. Evoca-se

o conceito de verdade, do qual o trabalho jornalístico busca constante aproximação.

Para Wilson Gomes (2009, p.61), verdadeiros "são os enunciados que descrevem

coisas e fatos e, assim, mostram, revelam como eles são". O autor conclui posteriormente que

"não há apenas fatos; não há tão somente interpretações. Há verdade e há perspectiva. O

importante é não perder de vista a tensão de convivência destes dois termos imprescindíveis.

Verdade na perspectiva, não verdade da perspectiva". (Idem, p.66).

Porém, a hibridização entre Jornalismo e Publicidade torna-se atrativa em um mercado

da Comunicação cada dia mais competitivo. O pensamento de quase meio século de Marshall

Mcluhan estimula a discussão, ao apontar que:

O homem ligado ao livro tem a ilusão de que a imprensa seria melhor sem os anúncios e sem a pressão dos anunciantes. As pesquisas têm espantado até os diretores de jornais ao revelarem que os olhos erráticos dos leitores de jornais se deliciam por igual com os anúncios e os textos noticiosos. (MCLUHAN, 1969, p.237).

O autor pondera que o que há de pejorativo nos conteúdos de cunho publicitário é o

fato de apresentarem sempre notícias positivas.

Patrick Charaudeau concebe as mídias em um complexo campo de poder, cuja

legitimação depende tanto do campo econômico, que busca a captação de um grande

público, quanto do campo da cidadania, no qual adquirem a legitimidade através da

construção de opinião pública que lhes garanta credibilidade.

Na tensão entre os polos de legitimidade e de captação, quanto mais as mídias tendem ao primeiro, cujas exigências são as da austeridade racionalizante, menos tocam o grande público; quanto mais tendem para a captação, cujas exigências são as da imaginação dramatizantes, menos credíveis serão. As mídias não ignoram isso,

8

e seu jogo consiste em navegar entre esses dois polos aos sabor de sua ideologia e da natureza dos acontecimentos. (CHARAUDEAU, 2006, p.93).

O autor descreve expectativas recíprocas de ambas as partes ao explicar a relação

entre enunciador e enunciatário.

[...] toda troca linguageira se realiza num quadro de co-intencionalidade, cuja garantia são as restrições da situação de comunicação. O necessário reconhecimento recíproco das restrições da situação pelos parceiros da troca linguageira nos leva a dizer que estão ligados por uma espécie de acordo prévio sobre os dados desse quadro de referência. (2006, p. 68).

Sob um vértice normativo do impacto do conteúdo publicitário disfarçado de

Jornalismo, é comum afirmações em artigos e obras literárias de que estes modelos adotados

para a transmissão de conteúdo confundem o leitor.

Os publicitários veem na apresentação jornalística de seus anúncios, isto é, no desfiguramento do caráter de anúncio de sua publicidade (por meio da mistura da parte publicitária com a redacional), um aumento da eficiência propagandística desta. A qualidade da parte noticiosa que pode aumentar o poder do anúncio apresenta-se para os editores como fonte especial de lucros (MARCONDES FILHO, 1984, p. 72).

De acordo com Leandro Marshall (2003, p.122), o “jornalismo cor-de-rosa”, aquele

influenciado por elementos do discurso publicitário, pode ser identificado em 25 variações ou

gêneros. Um deles é o Desfiguramento: “publicidade paga, disfarçada de notícia, com

identificação de Informe Publicitário”.

Uma pesquisa5 divulgada em julho de 2014 pela empresa de marketing e conteúdo

Contently mostra que 54% dos consumidores norte-americanos não confiam no conteúdo

patrocinado; outros 59% acreditam que um veículo jornalístico perde a credibilidade quando

publica um conteúdo patrocinado por uma marca. A Contently entrevistou 542 usuários de

internet entre 18 e 65 anos nos Estados Unidos, de diferentes classes sociais, e constatou

ainda que 48% dos entrevistados acreditam que 'Conteúdo Patrocinado' significa que "um

anunciante paga para o artigo ser criado e teve influência sobre o conteúdo"; porém, mais de

metade (52%) acha que isso significa algo diferente. O estudo também revela que quanto

5 LAZAUSKAS, Joe. Study: Sponsored Content Has a Trust Problem. Disponível em <http://contently.com/strategist/2014/07/09/study-sponsored-content-has-a-trust-problem-2/>. Acesso em: 21 nov. 2014.

9

maior o nível educacional dos consumidores, mais eles declaram se sentir enganados quando

se deparam com uma reportagem patrocinada.

É justamente a análise destes contratos comunicativos estabelecidos entre quem

produz e aqueles que recebem a mensagem contida nos Informes Publicitários do site Campo

Grande News a que se propõe este projeto de pesquisa; com o objetivo de se aprofundar na

observação dos três lugares de pertinência da cadeia midiática, descrita por Charaudeau:

condições de produção (instância de enunciação); construção do discurso propriamente dito;

e condições de interpretação (instância de recepção).

Segundo dados do Alexa Analytics6, serviço gerenciado pela Amazon, que analisa e

elabora rankings dos sites mais acessados do mundo com base na ferramenta, o site Campo

Grande News é o mais acessado de Mato Grosso do Sul, com média de 111.230 mil visitantes

diários únicos e 627.272 mil páginas visualizadas. De acordo com a Pesquisa Brasileira de

Mídia7 2015, no estado, 44% por cento da população acessa à internet todos os dias.

Fato é que, em um cenário em que a publicidade tradicional já dá indícios de ter

saturado o público em geral8, constantemente profissionais da área buscam novas

alternativas para levar a mensagem publicitária de forma mais informativa e provocar maior

engajamento do público-alvo.

4. INTERATIVIDADE

O pesquisador dinamarquês Jens F. Jensen define interatividade como “uma medida

do potencial de habilidade de uma mídia permitir que o usuário exerça influência sobre o

conteúdo ou a forma da comunicação mediada" (JENSEN, 2008, p.201, tradução nossa).

6 Alexa Analitycs. http://www.alexa.com/siteinfo/campograndenews.com.br. Acesso em 10 de outubro de 2014.

7 Presidência da República, Secretaria de Comunicação Social (SECOM), 2014. Pesquisa Brasileira de Mídia

2015. <http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de-contratos-

atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2015.pdf>.

8 Vale destacar que um outro modelo adotado atualmente por grandes veículos como o The New York Times é o da "Publicidade Nativa", na qual uma equipe de jornalistas, geralmente não integrante da redação, produz materiais relacionados a temas de interesse das empresas patrocinadoras, mas que não necessariamente as citam no texto (diferenciando-se por estes aspectos do Informe Publicitário). Há os dizeres "Patrocinado por" na matéria acompanhados da logomarca da empresa patrocinadora. .

10

A evolução tecnológica, com máquinas gradativamente mais potentes, softwares

inteligentes e maior velocidade na transmissão de sinal da internet, somados ao

fortalecimento das redes sociais, elimina barreiras e torna a comunicação mais rápida, com

interações instantâneas. "A nova mídia é interativa. Ao contrário da mídia tradicional onde a

ordem de apresentação era fixa, o usuário pode agora interagir com o objeto da mídia"

(MANOVICH, 2001, p.66, tradução nossa). Ao encontro deste pensamento, Santaella (2004,

p.160) afirma que “a comunicação interativa pressupõe que haja intercâmbio e mútua

influência do emissor e do receptor na produção de mensagens transmitidas”.

A audiência está ávida por opinar e participar do processo de produção de conteúdo e

não só ser um mero espectador9. A maioria das empresas jornalísticas se incorpora às redes

sociais, em especial ao Facebook, com canal oficial para divulgação do conteúdo do site. Este

cenário oportuniza ao profissional da área de Comunição ter maior percepção sobre como o

material publicado repercute entre o público, além de permitir diálogo permanente com o

leitor. Este ambiente em rede possibilita a formação de comunidades virtuais e promove

maior proximidade entre fontes, profissionais e leitores; e, na maioria das vezes, é local para

expor opiniões e debater pontos de vistas distintos.

Em geral entende-se que comunidade virtual, segundo a argumentação de Rheingold, é uma rede eletrônica autodefinida de comunicações interativas e organizadas ao redor de interesses ou fins em comum, embora às vezes a comunicação se torne a própria meta. Tais comunidades podem ser relativamente formalizadas, como no caso dos fóruns patrocinados ou sistemas de BBS ou formadas por redes sociais que se conectam à rede para enviar e receber mensagens no padrão de horário escolhido (com atraso ou em tempo real (CASTELLS, 1999, p.443)

Ao divagar sobre o caso de Netville, subúrbio de Toronto, onde um estudo identificou

maior interesse por parte dos moradores usuários de internet pelas relações sociais e para as

notícias locais, Castells (2003, p.102) observa que "a Internet parece ter um efeito positivo

sobre a interação social, e tende a aumentar a exposição a outras fontes de informação".

Segundo o autor, nesta nova noção de espaço, físico e virtual se influenciam, "lançando as

9 Em sua obra Cultura da Convergência, Jenkins (2008) trata sobre os conceitos de Inteligência coletiva (nova forma de consumo; fonte de poder que se dá por processo conjunto) e Cultura participativa (comportamento do consumidor midiático contemporâneo, distante da condição receptor passivo). Os consumidores aprendem a utilizar diferentes tecnologias para ter controle sobre o fluxo da mídia e interagir com outros consumidores. Eles ocupam espaços e exigem o direito de participar da produção do conteúdo.

11

bases para a emergência de novas formas de socialização, novos estilos de vida e novas

formas de organização social" (CARDOSO apud CASTELLS, 2003, p.110).

O formato digital abre uma gama de possibilidades interativas e permite, no mínimo,

que o profissional tenha como base os comentários da rede social para, hipoteticamente,

corrigir erros em dados divulgados ou de escrita. Ademais, estabelece nova dinâmica aos

contratos comunicativos, principalmente nas condições de produção, ao permitir que o

jornalista elabore textos com base nestes feedbacks e interações do público leitor.

Uma postagem de Informe Publicitário pela página do Campo Grande News no

Facebook torna-se prova da participação ativa do leitor e também serve para exemplificar o

que presume-se ser uma desarmonia entre os efeitos propostos (e esperados) pelo

comunicador e os efeitos produzidos nos leitores. Ao elaborar o texto sobre um restaurante, o

profissional faz uso do termo "periferia", que carrega significado pejorativo, com o objetivo de

destaca o fato de o estabelecimento vender frutos do mar fora da área central.

Figura 02 - Comentários sobre o termo "periferia" em postagem na página do Campo Grande News.

(Fonte: www.facebook.com/cgnews. Acessado em 06/04/2015 e editado para fins deste artigo)

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Baseado nos diferentes tipos de interatividade expostos por Pierre Lévy (1999, p.83),

sugere-se que o ambiente virtual representado pela página do site Campo Grande News no

Facebook funciona como dispositivo de comunição que promove o diálogo entre vários

participantes. Ora é suporte para debates realizados pela comunidade virtual, que interage

através dos comentários (interrupção e reorientação do fluxo informacional em tempo real);

ora permite a implicação do participante na mensagem, que influencia na construção do

conteúdo (comunicação no mundo virtual, negociação contínua dos participantes sobre suas

imagens e a imagem de sua situação comum).

Na postagem de uma notícia que faz parte de série sobre a temática de diversidade

sexual, verifica-se o debate entre leitores do veículo; uma leitora e colaboradora (possui

coluna no site, mas não está no "Expediente") rebate comentários contestadores à pauta.

Figura 03 - Interação e debate de ideias em postagem na página do Campo Grande News.

(Fonte: www.facebook.com/cgnews. Acessado em 06/04/2015 e editado para fins deste artigo)

13

Na última reportagem da mesma série, um personagem, que escreve em primeira

pessoa e assume assim papel de articulista, responde a alguns questionamentos dos leitores

em relação à escolha do tema que se transformou em uma sequência de notícias. A matéria

começa com texto introdutório feito por um jornalista do site, que explica que as perguntas

escolhidos foram feitas com frequência pelos leitores.

Figura 04 - Trecho da última matéria da série "Saindo do Armário" no site Campo Grande News.

(Fonte: www.campograndenews.com.br)

Já postagem feita por um leitor em sua página pessoal na rede social Facebook é

utilizada para demonstrar a confusão que pode ser causada pelo hibridismo em produtos

informativos. O caráter comercial do Informe Publicitário publicado no site Campo Grande

News é contestado pelo leitor, que obtém resposta de uma das jornalistas da empresa.

14

Figura 01 - Postagem de leitor no Facebook com resposta de jornalista.

(Fonte: www.facebook.com. Editado para fins deste artigo)

Tais evidências justificam a importância dos estudos das relações entre enunciador e

enunciatário pela perspectiva dos contratos comunicativos, que refletem na elaboração do

produto informativo.

5. PESQUISA QUANTITATIVA

Observa-se que os Informes Publicitários são publicados atualmente com maior

frequência no site Campo Grande News, com espaço de destaque; inseridos em formato

quase idêntico às matérias jornalísticas, à exceção da identificação no lugar do nome do

repórter e através de tarja na imagem.

15

Figura 03 - Comparativo Notícia/Informe Publicitário no 'Lado B'

(Fonte: www.campograndenews.com.br)

Figura 04 - Comparativo Notícia/Informe Publicitário em editoria do site

(Fonte: www.campograndenews.com.br)

Através de uma pesquisa feita pela ferramenta de busca do próprio site Campo Grande

News, constata-se que, desde 2011, os Informes Publicitários apresentam aumento

considerável nas inserções a cada ano.

16

Tabela 01 - Informes Publicitários do Campo Grande News, por ano e editoria.

(Fonte: levantamento realizado para as finalidades deste artigo a partir da ferramenta de busca do site Campo

Grande News)

Percebe-se que os Informes Publicitários têm crescimento considerável a partir de

2013 e se consolidam como produto comercial do site em 2014, quando são produzidos 128

materiais; o que representa aumento de 132% em inserções quando comparado ao ano

anterior. Até o mês de março de 2015 já estão publicados 60 Informes Publicitários, ou seja,

quase a metade do total realizado no ano de 2014; o que reforça a percepção de que este tipo

de conteúdo ganha maior notoriedade como estratégia para captação de recursos financeiros

por parte do veículo de comunicação.

Fica evidenciado no levantamento quantitativo que as editorias com maior número de

inserções de Informes Publicitários são 'Empregos', 'Consumo' e 'Sabor' (estas duas últimas,

integrantes do canal "Lado B"). Os gráficos abaixo mostram, respectivamente, a evolução da

quantidade de Informes Publicitários nestas editorias durante os últimos anos e o total

produzido até agora, com um comparativo entre a quantidade de notícias e de Informes

Publicitários publicados em 2015 no site Campo Grande News.

17

Gráfico 01 - Quantidade de Informes Publicitários nas editorias com maior frequência de publicação

(Fonte: levantamento realizado para as finalidades deste artigo a partir da ferramenta de busca do site Campo

Grande News)

Gráfico 02 - Comparativo entre Notícias e Informes Publicitários publicados de janeiro a março de 2015 nas três editorias com maior frequência de publicação

(Fonte: levantamento realizado para as finalidades deste artigo a partir da ferramenta de busca do site Campo

Grande News)

Na editoria 'Consumo', 21,3% do conteúdo em 2015, de janeiro a março, são formados por

Informes Publicitários. Em 'Sabor' alcança 15,3%, enquanto na editoria 'Empregos' o

18

percentual é de 7,4%;. Conclui-se que, nas duas editorias ligadas ao canal "Lado B", os

Informes Publicitários representam número expressivo do conteúdo do site.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na pesquisa sobre os Informes Publicitários do site Campo Grande News é possível

identificar a ascensão das inserções deste tipo de conteúdo; crescimento acentuado em 2014

e nos primeiros meses de 2015. O formato híbrido de informação mescla recursos jornalísticos

e publicitários e se consolida como ferramenta comercial deste que é o site com maior

número de acessos do estado de Mato Grosso do Sul.

Ao contrário de revistas e jornais impressos, que na diagramação de página buscam

diferenciar a propaganda da linha editorial, a coleta de Informes Publicitários no site Campo

Grande News e posterior comparação com notícias publicadas nas respectivas editorias revela

que esta distinção neste veículo online está restrita à identificação com as palavras "Informe

Publicitário" abaixo do título da matéria e também à tarja com os mesmos dizeres em uma

das fotos do material. É necessário em estudos futuros saber se a diferenciação mais

contundente não ocorre por complexidade em modificar o layout de páginas internas do site

ou por conveniência, com intencionalidade de gerar conteúdo semelhante ao jornalístico.

Ainda é uma tarefa desafiadora para os veículos de comunicação encontrar modelos

comerciais que não conflitem com a ética jornalística, principalmente quando se propõem,

através de formatos híbridos de comunicação, a vender um produto ou serviço ao mesmo

tempo em que levam informação ao público. Na realidade dos meios online, na qual está

saturada a cada dia a disposição do leitor para clicar em banners de site, modelo de

Publicidade que tradicionalmente era responsável pela maior parte das receitas, profissionais

das áreas ligadas ao marketing têm buscado e testado outras soluções. Desponta-se como

estratégia recente associar à marca do patrocinador conteúdo relevante por meio de

narrativas, dados e contextualização, para promover a interação com o público e tentar ao

mesmo tempo entender melhor suas necessidades.

No caso do Campo Grande News, a constatação é de que o Informe Publicitário

aparece como alternativa para geração de receita, já que a incidência é crescente ao longo

dos últimos meses. Os materiais com maior número de inserção encontram-se nas editorias

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de ´Consumo´, ´Sabor´ e ´Empregos´, com dicas de serviços para usufruir na cidade,

estabelecimentos para se conhecer; entre outros. Seja no layout semelhante, quase gêmeo,

ou nos títulos e no corpo de texto, os informes e as notícias convivem de maneira

harmoniosa, principalmente nestas três editorias cuja finalidade é aguçar a vontade de

consumir, seja um bem material (calçados, alimentação, etc) ou conhecimento, no caso da

oferta de cursos de aperfeiçoamento profissional.

Quanto à utilização das redes sociais, a página do site no Facebook desponta como

ambiente para promover a interatividade, além de ser elemento aos jornalistas que desejam

conhecer melhor o público e aprender com suas opiniões sobre o conteúdo compartilhado.

Esta relação pode interferir diretamente na construção dos contratos comunicativos ao

permitir maior diálogo entre as pontas da cadeia informativa e potencialmente serve para

avaliar e qualificar tanto a produção de notícias quanto a de Informes Publicitários.

Este artigo marca o início de uma pesquisa em nível de pós-graduação sobre os

Informes Publicitários no site Campo Grande News; torna-se um ensaio que se propõe a partir

de então à maior análise e levantamento de questões sobre o uso de conteúdos híbridos no

meio digital, do processo envolvido na elaboração deste produto que agrega elementos do

Jornalismo e da Publicidade e, principalmente, dos contratos de comunicação que se

estabelecem entre enunciador (quem escreve o texto; muitas vezes, jornalistas do veículo que

produzem notícias para as mesmas editorias) e enunciatário (o público leitor).

No contexto atual, no qual debatem-se temas como consumismo, geração de

conhecimento na internet, cultura participativa e também os modelos de negócio para a

sobrevivência dos veículos jornalísticos, analisar e problematizar a forma como a mensagem

publicitária hibridizada é produzida e chega ao público, além da relação entre produtores de

conteúdo e leitores, torna-se relevante; com presença necessária em trabalhos científicos.

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