14
Aluno: Fernando Vago Santana Estudo Dirigido sobre o texto: CORRÊA, Antenor Ferreira. O sentido da análise musical. Opus: Revista da Associação Nacional de Pesquisa e Pós- Graduação em Música, Campinas, v. 12, n. 12, p.33-53, dez. 2006. Disponível em: http://issuu.com/anppom/docs/opus_12_full. Acesso em: 18 jul. 2015. 1- Segundo o autor, quais as etapas estão envolvidas no processo da análise musical? Segundo o autor, o primeiro papel cumprido pela análise musical foi o de oferecer suporte para notas de programa, depois se tornou ferramenta para ensino da composição musical e subsidiária da crítica musical, já que seus instrumentos e métodos permitem uma decodificação e tradução lógica das escolhas e procedimentos adotados por um compositor. Eventualmente tornou-se um ramo independente do estudo da música. Até 1980, no dicionário Grove, análise era parte do verbete "notas de programa", fator que por si só ilustra sua dependência em face de outras facetas do estudo consciente e racional da construção das estruturas musicais. Tais notas eram também chamadas de notas analíticas. É boa a definição de Bent de 2001, que considera a análise uma "decomposição de uma estrutura musical nos seus elementos constitutivos mais simples e a investigação desses elementos no interior dessa estrutura" (1980, p. 340). Diz ainda que a análise tem o mérito de estudar a música a partir de si mesma, desvinculada de fatores externos.

Correa O Sentido Da Análise Estudo Dirigido Fernando Vago

Embed Size (px)

DESCRIPTION

resumo

Citation preview

Page 1: Correa O Sentido Da Análise Estudo Dirigido Fernando Vago

Aluno: Fernando Vago Santana

Estudo Dirigido sobre o texto:

CORRÊA, Antenor Ferreira. O sentido da análise musical. Opus: Revista da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música, Campinas, v. 12, n. 12, p.33-53, dez. 2006. Disponível em: http://issuu.com/anppom/docs/opus_12_full. Acesso em: 18 jul. 2015.

1- Segundo o autor, quais as etapas estão envolvidas no processo da análise musical?

Segundo o autor, o primeiro papel cumprido pela análise musical foi o de oferecer suporte para notas de programa, depois se tornou ferramenta para ensino da composição musical e subsidiária da crítica musical, já que seus instrumentos e métodos permitem uma decodificação e tradução lógica das escolhas e procedimentos adotados por um compositor. Eventualmente tornou-se um ramo independente do estudo da música.

Até 1980, no dicionário Grove, análise era parte do verbete "notas de programa", fator que por si só ilustra sua dependência em face de outras facetas do estudo consciente e racional da construção das estruturas musicais. Tais notas eram também chamadas de notas analíticas. É boa a definição de Bent de 2001, que considera a análise uma "decomposição de uma estrutura musical nos seus elementos constitutivos mais simples e a investigação desses elementos no interior dessa estrutura" (1980, p. 340). Diz ainda que a análise tem o mérito de estudar a música a partir de si mesma, desvinculada de fatores externos.

A análise começa então como apêndice, apenas cumprindo papel instrumental nas notas de programa; depois se transforma em uma avaliação da obra por meio da decomposição de sua estrutura nos elementos constituintes e, finalmente, se torna campo autônomo de estudo, com autonomia suficiente para poder prescindir dos diversos fatores que compõem o fato musical.

2- Para Corrêa, a Análise adquiriu independência enquanto linha de estudo devido ao aparecimento de “técnicas próprias” (por exemplo, a Teoria schenkeriana e a Teoria dos conjuntos). Quais são e a quem estão relacionadas as fases anteriores à “autonomia da análise musical”?

O marco iniciatório, para o autor, que se apoia em Bent, das tentativas em torno de alguma descrição analítica da música remetem ao tratado de

Page 2: Correa O Sentido Da Análise Estudo Dirigido Fernando Vago

Aristóxenos (século IV a. C.) e nas classificações realizadas pelo clero carolíngio, que determinou as diferentes utilizações de modos na composição de antífonas, diferentes aplicações de tons de salmodia, As compilações de diversos cantos litúrgicos demonstram uma preocupação em estabelecer fundamentos para uma teoria musical. Desde o início a análise está vinculada à apreciação crítica de obras de arte.

No séc. XVIII há uma expansão devido a multiplicação de jornais e periódicos, com a aparição de programas de concerto comentados. J. Fr. Reichardt, um dos fundadores da Sociedade Berlim (1783) fez notas de programa preocupadas com aspectos rítmicos, acompanhamento, melodia, harmonia, modulação. No Romantismo Schumann e Hoffmann continuaram essa tradição (p. 37 aborda sobre quais enfoques tal análise era levada a efeito). Em suma trata-se de uma busca por elementos objetivos que vêm referendar julgamentos subjetivos. No séc. XX é que se inicia a tentativa de aplicação de uma metodologia científica na análise musical.

. 3- Conforme Corrêa, o que a crítica (ou o crítico) busca estabelecer quando

analisa uma obra musical? Quais as implicações que decorrem deste viés? O que visa alcançar tal tipo de análise?

Kerman (1979) conclui que a análise é sempre uma atividade crítica, mas, segundo ele, os músicos não consideram uma atividade crítica por duas razões. A primeira, um preconceito nutrido contra a crítica jornalística, considerada de baixo rigor intelectual, demasiadamente subjetiva, juízo de gosto. O segundo motivo é pela tentativa de rigor científico, isenção de juízo de valor, a partir da década de 50 beirando mesmo equações matemáticas, particularmente a partir de Forte. Kerman sustenta que a análise sempre traz algum tipo de apreciação e valoração estética.

Os schenkerianos não queriam que seu método fosse comparado a uma dissecação científica racionalista. Possui o mérito de ser estritamente musical ,a fim de demonstrar as conexões existentes entre os planos de uma composição.

A crítica visa estabelecer um juízo estético, sobre a viabilidade ou não de uma determinada obra musical. Sempre precisa combinar um elemento subjetivo, o sujeito-apreciador da obra, com um elemento objetivo, a coerência estrutural da obra, legitimada por uma autoridade crítica, cujo veredito tem o viés de muitas vezes modificar a impressão estética tida a priori. Em particular o séc. XVIII vive um renascimento da poiésis aristotélica, teoria do fazer e do produzir. Os tipos e gêneros servem como padrões formais e estéticos, ou seja, a apreciação e

Page 3: Correa O Sentido Da Análise Estudo Dirigido Fernando Vago

julgamento de uma obra dava-se ao referenciá-la a um tipo específico. Quanto menos a música se afasta do modelo, melhor. A análise passa, pois, a ser uma ferramenta para a prática composicional.

4- O que um compositor busca estabelecer quando analisa uma obra musical, segundo o autor? O que visa alcançar tal análise?

Análise é um procedimento de descoberta. Centra-se a atenção nos procedimentos composicionais. A análise caminha do particular para o geral. Da micro estrutura para a macro estrutura. Cook já ensina análise através da composição. Composição é o meio, não o fim do aprendizado em Cook. Cook reclama que a análise está muito afastada da prática.

Muitos dos cursos de composição ainda têm a prática da análise e reprodução de estilos de outros períodos. Descobertos os padrões, eles podem ser copiados. O compositor busca entender esses padrões, esses caminhos bem sucedidos trilhados por outros. E a tarefa não cessa porque todas as obras possuem características peculiares, nunca são receitas prontas e copiadas.

O compositor analisa para entender o que outros que o precederam fizeram, para que seja capaz de se alimentar dessas possibilidades e posteriormente desenvolver sua própria abordagem composicional. A análise, nesse contexto, possui uma finalidade didática, de ensino-aprendizagem de composição musical.

5- Corrêa reconhece que a análise musical é “uma importante ferramenta auxiliar da performance” (p. 47), chegando a afirmar que “É raro o trabalho acadêmico, sobretudo nas áreas de performance e composição, que não dedique várias páginas a considerações analíticas, e mesmo trabalhos teóricos, estéticos e históricos por vezes apresentam essa característica” (p. 52). Em que medida, na sua opinião, a “Análise musical” se justifica como parte essencial em uma pesquisa na área das práticas interpretativas?

A relevância principal da análise musical em trabalhos sobre práticas interpretativas consiste na demonstração do rigor aplicado pelo intérprete no processo de estudo e apreensão de sentido de uma obra musical. Ao analisar, é possível demonstrar entendimento da coerência interna das estruturas, e dessa forma justificar escolhas interpretativas no tocante a organização fraseológica, distribuição de dramaticidade entre as seções, ênfase em determinados aspectos da textura em detrimento de outros, unicidade e organicidade na conexão dos diferentes gestos musicais, dentre outros aspectos.

Page 4: Correa O Sentido Da Análise Estudo Dirigido Fernando Vago

Serve ainda a análise para tornar inteligível a terceiros os principais aspectos da obra musical em estudo segundo a perspectiva do analista (haja vista uma certa subjetividade inerente aos procedimentos analíticos). Um trabalho sem análise faz parecer que não houve debruçamento suficiente sobre a partitura na tentativa, ainda que ilusória, de compreendê-la em sua essência intramolecular. Serve, pois, a análise para explicar melhor o texto, dissecá-lo, torná-lo melhor deglutível pelos ouvintes, estudiosos e pelos próprios intérpretes.

Penso ser a análise parte fundamental de um trabalho que verse sobre práticas interpretativas.

6- Qual a crítica do autor em relação às “dissertações na área da performance”? De que maneira, em sua pesquisa, você pretende superar tal problema?

A queixa do autor é no sentido de que muitas das análises são meramente descritivas, isto é, apenas dizem os eventos, como numa narrativa de futebol, sem depois inter-relacionar esses aspectos com seus efeitos na performance. Essas análises tautológicas revelam muito acerca da teoria e quase nada acerca da performance da obra. É preciso articular os elementos descritos com a interpretação e realização do texto. Quando desenvolvendo trabalhos que envolvam análise e performance, espero ter a capacidade de não apenas descrever objetivamente os fenômenos musicais que ocorrem, mas de justificar as minhas escolhas interpretativas a partir de como esses fenômenos ocorrem, uma vez que a estrutura harmônica e organização fraseológica de uma obra são sempre peculiares, nunca idênticas, portanto sempre inéditas.

7- Corrêa se pergunta “a música em si é aquela ouvida por um sujeito [ouvinte, compositor ou intérprete] ou trata-se daquela fabricada pelo compositor e impressa no papel?” (p. 50). Discuta tal questão, abordando análises que levam em consideração outros suportes (gravações, por exemplo), além da partitura.

Essa questão surge da pretensão que a análise musical tem de analisar racional e objetivamente um fenômeno emocional e subjetivo. Além disso, a música está inserida em um grande aparato cultural, que compreende sua matéria prima, seus meios de produção e divulgação, sua linguagem própria, seus locais de transmissão e representação, etc. Os elementos culturais são tão imprescindíveis quanto os elementos materiais. Se tentarmos ampliar a complexidade da questão incluindo a análise no processo, ainda teremos que lidar com a subjetividade do

Page 5: Correa O Sentido Da Análise Estudo Dirigido Fernando Vago

próprio analista, que pode ser um musicólogo, compositor, crítico, intérprete ou historiador, cujas visões seguramente enfatizarão aspectos distintos a partir da perspectiva subjetiva do analista. Eis pois a fragilidade de tentar abordar o fenômeno musical desvinculando-o de fatores externos.

Onde está, pois, a música?Na cabeça do compositor que a idealiza? Está no registro escrito na partitura? Está na realização processada por meio da performance? Ou está nos ouvidos, afetos e filtros psicológicos dos seus ouvintes no ato da execução? Essa questão é demasiadamente complexa, porque multifacetada.

Se a música está na cabeça do compositor, não pode ser acessada por ninguém, que não ele próprio. Portanto, é necessário um registro por escrito para que haja comunicação entre pares. Mas se o compositor registra na partitura a música, cuja natureza ontológica é metafísica, ficará limitado pelas possibilidade oferecidas em termos de notação musical. Então estaria a música no papel? Se a música está no papel, como explicar tantas diferentes edições, revisões de obra, dubiedades de interpretação da caligrafia do compositor, etc? A notação musical não dá conta de expressar a totalidade de uma concepção sonora.

Se a música está no ato da performance, significa que o intérprete tem grande relevância, tão importante quanto a do compositor que escreve a obra. Mas então como explicar os excessos de diferenças nas leituras e comunicações performáticas? Resta-nos acreditar que a música se realiza no ouvinte, porque é a instância última de atingimento do discurso musical. O ouvinte é o destinatário final dessa cadeia de comunicação sonora. O ouvinte é quem considera e reflete sobre a música e dela adquire reações e afetos. Mesmo o intérprete, quando realiza a obra, também se porta como ouvinte (ainda que também seja executante).

Parece-nos bastante relevante a discussão proposta por Domenici sobre o conflito de subjetividades que se observa na interação compositor-intérprete-ouvinte. Há uma polifonia densa produzida pelo acúmulo de visões analíticas, interpretações distintas e ouvintes inseridos em diferentes contextos culturais. O processo é demasiadamente complexo.

Nesse ponto convém defender a participação da análise e dos teóricos na construção da polifonia do discurso musical. Em havendo diversas possibilidades de se analisar uma obra, sob diferentes perspectivas e abordagens, a partir de diversos olhares epistemológicos, quanto mais visões há disponíveis para reflexão, mais enriquecido fica o processo de

Page 6: Correa O Sentido Da Análise Estudo Dirigido Fernando Vago

se tentar materializar o arquétipo musical. Mais próximo ficamos do modelo estruturante do que venha ser a música, a obra musical, que nunca pode ser completamente expressa seja na partitura, seja na performance, seja na análise. Todos os nossos esforços são no sentido de descrever o indescritível, porque a experiência musical transcende a mera lógica da conexão das estruturas. Ela nos fala aos afetos, e afetos não podem ser completamente racionalizados.

8- Considerando as reflexões até aqui realizadas, faça uma crítica do conteúdo do vídeo “Um Toque de Classe - Análise Musical” (em https://www.youtube.com/watch?v=h5T5tCLAd8s).

As considerações feitas no vídeo são todas bem coerentes e estruturadas, especialmente no que tange à conexão que se impera entre o bom entendimento da obra musical sob a ótica de sua construção com a sua aplicabilidade em termos da realização musical enquanto performance. De fato, especialmente uma análise musical bastante pragmática, tendo como finalidade a performance, poderá conferir ao intérprete bem maior segurança e certeza sobre suas intenções interpretativas, de modo a construir uma interpretação racionalmente convincente.

Entretanto, com a devida vênia, pensamos ser conveniente levantar uma discussão. Há um pressuposto por parte dos autores do vídeo, que consiste em vincular o sucesso da interpretação ao bom entendimento intelectual da obra, dos procedimentos composicionais levados a efeito pelo compositor no exercício de seu ofício. Dessa forma, a interpretação pode ser feita de modo racionalmente convincente, já que, entendida a obra, fica muito mais simples explicá-la aos ouvintes.

Como intérprete e como ouvinte (compositor não sou), penso que esse pressuposto assumido pelo vídeo desconsidera o papel fundamental que a espontaneidade analítica possui no processo de construção da organicidade dos elementos musicais constituidores de uma obra. Esse é um fator de subjetividade que está presente na realização de cada intérprete e também de cada ouvinte, que mistifica e desorganiza a completa estruturação analítica feita pela interpretação racional. Dito de maneira simples, existem elementos afetivos, emocionais, contidos na performance e na escuta que não podem, de forma alguma, ser racionalizados e tampouco descritos via elementos linguísticos ou equações matemáticas teóricas.

Como se executar um rubato em Chopin, se sabemos ser o rubato necessário mas não estando ele em muitas situações objetivamente

Page 7: Correa O Sentido Da Análise Estudo Dirigido Fernando Vago

descrito na partitura? Como executar ritardandos, affretandos, scherzandos e tantas outras indicações musicais imprecisas que dependem da subjetividade? Por mais que os teóricos tentem descrever ou uniformizar o que se fez e faz até o presente momento, existe uma esfera de incognoscibilidade no ato de fazer música do qual a análise não dá conta. Porque esse elemento incognoscível, metafísico, afetivo, não pode ser descrito em equações matemáticas, gráficos de Schenker, matrizes de Forte, etc.

E ainda questiono: como explicar tantos intérpretes intuitivos, que nunca sentaram em bancos escolares para aprender análise musical? A metodologia acadêmica se pretende tão universal e indispensável, mas é um fator muito curioso e provocante saber que a maioria dos grandes intérpretes (pelo menos pianistas) teve bem pouca formação escolar. Claudio Arrau, Martha Argerich, Nelson Freire, Daniel Barenboim, Richter, Horowitz, Rubinstein, dentre tantos outros, foram em grande medida auto-didatas. São pessoas que possuem um grande entendimento das obras musicais, sem no entanto necessariamente terem o hábito de se assentar e analisar profundamente as partituras que executam.

Lembro-me de ter lido por mais de uma vez pianistas como Richter e Arrau, ao serem indagados sobre como e porque tocam determinadas coisas de determinada maneira, responderem: "eu toco o que eu sinto". Arrau dizia que se o intérprete tem uma mensagem individual, particular, sincera, na qual acredita, ele deve proferi-la, sem se preocupar com o que os outros dirão. A dimensão da subjetividade na performance de sucesso é algo que não pode ser ignorado. Embora seja necessário que a subjetividade do intérprete se comunique com a dos seus pares e ouvintes, não se pode anular o efeito psicológico que possui e acarreta.

Sempre considerei errada a pressuposição, a ingênua crença de que, simplesmente por ter analisado bem uma obra, o intérprete a executará bem. Da mesma forma, sempre considerei equivocada a ideia de que um intérprete que não entende bem a obra não pode, de nenhuma maneira, executá-la bem. Desde que a obra faça sentido para o intérprete, subjetivamente, não há a necessidade de descrevê-la analiticamente para que a interpretação tenha sucesso. Basta tocar. E tocar bem. Grandes intérpretes foram muito intuitivos e tiveram a audácia de confiar sobremaneira em suas intuições.

É claro que a análise ajuda muito, sobretudo a comunicação entre pares. Quando alguém analisa a partitura, e sobretudo compartilha sua visão sobre a obra, muitos outros podem se beneficiar do procedimento.

Page 8: Correa O Sentido Da Análise Estudo Dirigido Fernando Vago

Entretanto, não se pode colocar a técnica da análise musical em um trono sagrado, onde ela reine como uma rainha cujos súditos são os intérpretes, os quais sempre devem tributo de reverência à realeza. A análise é um excelente recurso, útil, convincente, muitas vezes bastante didático. Mas penso ser um exagero elevá-la à condição de essencialidade, requisito obrigatório para uma realização musical convincente.

9- No “III Encontro Internacional de Teoria e Análise Musical, ETAM3” você encontra uma multiplicidade de abordagens analíticas (em http://iptv.usp.br/portal/video.action?idItem=20151 e demais links relacionados). Escolha um tópico e comente.

O tópico escolhido para comento é a comunicação oral relacionada a gestos musicais no trio para cordas de H. Villa-Lobos (localizada aos 122 min no vídeo). Interessante a abordagem do pesquisador, que foca os gestos musicais muito mais do que cada procedimento composicional isoladamente considerado. O trio é de 1945, uma peça lembra ligeiramente as Bachianas. Tarasti observa que a obra reúne muitas ideias muito contrastantes, criam um ambiente dinâmico, diverso e interessante.

O pesquisador define gestos musicais a partir de Zbikolwski e Kuhl. Entende que os gestos são organizados em grupos e sequências que levam à narrativa e à forma musical. Hatten diz que é um delineamento energético significativo através do tempo. Gesto pode ser tematizado de maneira ampla. Trabalha em seguida com o que sejam gestos motívicos, temáticos, cadenciais, texturas, gestos harmônicos.

Em seguida ele apresenta uma análise formal. Diz ser uma forma-sonata e apresenta os principais elementos da exposição, mostrando como no desenvolvimento isso se reafirma. A abordagem é bastante descritiva, apenas considerando elementos da escrita musical, como tessitura dos instrumentos, aparecimento de gestos de um instrumento em outros, bem como considerações harmônicas sobre a peça.

Bem pouca ou nenhuma consideração é feita no sentido de integrar os aspectos estruturantes da obra com suas implicações na performance. Trata-se de uma abordagem analítica isenta de juízos valorativos, apenas tecendo considerações sobre a estrutura da peça de Villa-Lobos. Tem como mérito o trabalho o fato de analisar uma obra importante da literatura da música de câmara brasileira, certamente pouco explorada e talvez não analisada até então. O autor delimita muito bem os aspectos formais da obra, mostra alguma coerência interna em sua construção nas diferentes seções, mas não faz considerações sobre aspectos da performance ou sobre a inteligência e

Page 9: Correa O Sentido Da Análise Estudo Dirigido Fernando Vago

relevância dessa obra para o repertório. O enfoque se dá apenas em torno dos gestos musicais e da construção formal da peça. O autor se surpreende com a coerência formal da obra, embora use uma quantidade muito grande de elementos aparentemente desconexos.

O mais interessante se dá em torno da discussão, no momento aberto para perguntas, em que a metodologia do autor é questionada, especialmente por sua opção de emprego da expressão "gesto" onde seria mais apropriado empregar outros termos, como motivos, elementos, eventos. Gesto implica uma direcionalidade, e por isso talvez o termo não seja tão apropriado para a descrição da obra de Villa-Lobos em estudo, onde os eventos acontecem de forma aparentemente não-direcional, ainda que sejam eventualmente recapitulados. Não há o rigor de tratamento motívico ou temático que há, em, por exemplo, Brahms ou Beethoven.

A situação da comunicação oral serve bem para ilustrar a problemática existente entre tentar conciliar as ferramentas metodológicas da análise musical com a performance. Em se tratando do efeito como obra, sabe-se que o trio de cordas é bastante interessante, apreciado e difundido. Sabe-se ao tocar a peça que existe alguma coerência estrutural, em face da repetição de elementos constituintes. Entretanto, poucos são os que se debruçam e tentam explicar os procedimentos composicionais de Villa-Lobos, particularmente nessa obra. O autor da pesquisa em comento fez isso, e encontrou dificuldades para explicar alguns dos eventos. Particularmente foi confrontado por seus pares no que diz respeito à nomenclatura adotada, mais apropriada a um estudo de obras de origem alemã, que não seriam apropriadas para explicar a obra de um Villa-Lobos, muitos mais oriundo da tradição francesa.

A análise consegue descrever todos os eventos importantes da obra, mas muitas vezes tem dificuldade em dar coerência à totalidade da estrutura, porque pressupõe obras completamente planejadas e organizadas cerebralmente. Tem suas limitações metodológicas, que só podem ser supridas pela contribuição do analista, que tenta (nas palavras do próprio apresentador do trabalho) "forçar a barra" em termos de análise para imprimir algum sentido teórico a uma obra que foi concebida em parte intuitivamente.