CORREA - O sentido da análise musical

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    IntroduoAnlise entendida como o processo de decomposio em partesdos elementos que integram um todo. Esse fracionamento tem como

    objetivo permitir o estudo detido em separado desses elementosconstituintes, possibilitando entender quais so, como se articulame como foram conectados de modo a gerar o todo de que fazemparte. Justifica-se esse procedimento por admitir-se que a explicaodo detalhe sobre o conjunto conduz a um melhor entendimentoglobal. No caso da msica, o processo pode ser compreendido emduas etapas bsicas: identificao dos diversos materiais quecompem a obra em questo e definio (constatao e explicao)da maneira como eles interagem fazendo a obra funcionar.

    Em maior ou menor grau, essa definio de anlise musical encontrada nas grandes obras de referncia sobre msica. HarvardDictionary, The New OxfordCompanion to Music, Science de LaMusique, Dictionnaire de la Musique, Dizionario EnciclopedicoUneversale Della Musica e Dei Musicisti, so alguns exemplos de

    O SENTIDO DA ANLISE MUSICAL

    Antenor Ferreira Corra

    Resumo: Sntese histrico-crtico a respeito da Anlise Musical com objetivo de descrever erefletir sobre os rumos tomados por essa disciplina no sculo XX. Usada, de incio, como suportepara notas de programa, a Anlise Musical torna-se, posteriormente, ferramenta do ensinocomposicional e subsidiria da crtica musical, at consolidar-se enquanto rea autnoma doestudo da msica. Esse percurso relatado, interpretado e avaliado permitindo uma melhorcompreenso do sentido percorrido pela Anlise Musical e dos desdobramentos ocasionadossobre a teoria musical como um todo, sobretudo no sculo XX.

    Palavras-chave:Anlise musical. Composio musical. Teoria musical

    Abstract: Historical and critical summary concerning Musical Analysis. My purpose is to describeand to reflect upon the course taken by Musical Analysis in the twentieth century. This historical

    trajectory is displayed and evaluated in order to make possible a better understanding of theprocess undergone by Musical Analysis, and of the development that took place throughout wholemusical theory, mainly in the twentieth century.

    Key words: Musical Analysis. Musical composition. Music Theory

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    obras que compartilham dessa idia. Entendimento semelhantetambm pode ser encontrado em um dos maiores compndiosexistentes sobre msica, o Groves Dictionary. Todavia, no Grovealgumas curiosidades podem ser notadas. A primeira publicaodo Grove ocorreu em 1878, contudo o verbete sobre anlise musicals foi includo na sua sexta edio, em 1980. At ento, a meno anlise musical era encontrada no verbete distantementeaparentado notas de programa. As notas de programas eramdefinidas como anotaes em programas de concertos sobre amsica a ser interpretada, tambm chamadas de notas analticas(1954, p.941). A edio de 1980 traz o verbete Anlise assinadopor Ian Bent, tpico tambm presente na verso on line de 2001,

    mas com ligeiros acrscimos realizados por Anthony Pople.

    O entendimento da anlise musical como apresentado anteriormente mantido no verbete original de Bent que, dentre outrasconsideraes, apresenta a seguinte definio: decomposio deuma estrutura musical nos seus elementos constitutivos mais simplese a investigao desses elementos no interior dessa estrutura(1980, p.340). Contudo, na publicao de 2001 o peso desse

    aspecto da definio minimizado por meio de uma inverso depargrafos na estruturao do texto.

    Geralmente, os verbetes do Grove obedecem um esquema de iniciarcom um pargrafo introdutrio contendo uma definio genricado termo e depois ampli-los, realizando um aprofundamento doassunto. Nesse pargrafo introdutrio da edio de 1980, Bentcomea com a definio acima citada e termina dizendo que a

    anlise musical pode comportar a definio ampla de ser a partedo estudo da msica que tem como ponto de partida a msica emsi mesma, desvinculada de fatores externos (1980, p.341). Naedio de 2001, os pargrafos so invertidos, iniciando com adefinio mais geral (estudo da msica em si), o que faz com queessa idia adquira maior relevncia em detrimento da definioanterior da decomposio em partes.

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    Embora possa parecer apenas um pormenor, essa referida inversoaponta (propositadamente ou no) para uma das principaisocorrncias presenciadas no campo da anlise musical: suaemancipao e cristalizao enquanto campo autnomo do estudoda msica. Os trs momentos citados do Grove so sintomticosdessa situao: a anlise musical, antes simples apndices em notasde programas, caminha para avaliao da obra por meio dadecomposio de sua estrutura nos seus elementos constituintese, finalmente, adquire autonomia suficiente para poder prescindirdos diversos fatores que compem o fato musical. Seria essepercurso reflexo de uma atitude positivista que ascenderia a anliseao estatuto de cincia? Se o fenmeno musical um produto

    cultural, como consider-lo desvinculado do contexto que o gerou?

    Bent deixa claro, pelos desdobramentos observados no seu texto,que est consciente dessas questes, e eu tambm sou cnscioda quase impossibilidade de realizar uma definio completa eabsoluta do conceito de anlise musical. Todavia, objetivo partir dasntese conceitual lograda por Bent e refletir sobre os fatores quepossibilitaram a elaborao dessa definio. Em que contexto

    histrico foi formulada? Quanto, atualmente, a anlise musicalafastou-se ou no dessa definio? Para tanto, diversos textos derenomados autores sobre anlise musical sero confrontados,servindo de base para as discusses e especulaes aqui tratadasem busca desse sentido trilhado e comportado pela anlise musical.Pretendo assim, um melhor entendimento das ocorrncias edesdobramentos que se deram no campo da anlise musical nosculo XX, realizado por meio de um acompanhamento mais detido

    sobre alguns escritos sobre esse assunto; porm, tendo as duasltimas edies do Groves Dictionary como eixo condutor desteartigo.

    Trs tpicos em destaqueDos trs momentos assinalados na Introduo (a passagem do usoda anlise como auxlio nos programas de concerto, para

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    procedimento de segmentao da msica, e sua posterioremancipao) os dois primeiros so indicadores de instnciasespecficas e podem ser entendidos como provenientes,respectivamente, das atitudes crtica (avaliao ou apreciaoesttica da msica) e pedaggica (ligada ao ensino da composio).O terceiro passo, entretanto, ao colocar relevo na autonomia daanlise musical, possui qual intuito ou provenincia? O que a msicatem a lucrar com isso? Para tentar obter essas respostas retomarei,resumidamente, os dois momentos iniciais.

    Anlise e CrticaBent situa os primrdios da anlise musical na classificao realizada

    pelo clero Carolngio, que consistiu na determinao dos diferentesmodos usados na composio das antfonas de seu repertriolitrgico. Segundo Bent, os grupos de modos tambm recebiamuma subclassificao de acordo com sua finalidade as diferentesaplicaes dos tons da salmodia. Michel Huglo, autor do verbeteTonaryno prprio Grove, ressalta que a compilao dos tonariusfoi freqentemente copiada em outros livros litrgicos, tais comoantifonrios, graduais, troprios, etc., residindo ai a base para o

    vocabulrio da teoria modal, na qual a descrio padro dos modoslitrgicos se desenvolveu (cf: Huglo, 1980, p.55). Vislumbra-se ai, oprimeiro indcio de um procedimento analtico fornecendofundamentos para uma teoria musical (assunto consideradoadiante).

    Dunsby e Whittall (1988) entendem, no entanto, que o tratado deAristoxenos (sculo IV a.C.) j possui caractersticas que poderiam

    ser consideradas analticas. Concordam, porm, que esses marcos(tratado de Aristoxenos e compilao do clero Carolngio)constituem-se de uma forma muito incipiente da anlise musical. Aorigem desta, como a entendemos atualmente, residiria na atitudeesttica de meados do sculo XVIII. Assim admitida, a anliseencontrar-se-ia desde sua origem vinculada apreciao crtica de

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    obras de arte. fato, tambm, que qualquer anlise traz um certojuzo implcito na atitude do analista. Os detalhes e pontos relevantes,a maneira e a extenso da discusso a estes dedicados e sua ordemde apresentao, so decises particulares do analista quesubentendem uma atitude crtica.

    No final do sculo XVIII j possvel observar-se uma pequenaexpanso da anlise musical em razo da multiplicao de jornaise peridicos e com a apario dos programas de concertoscomentados. Um certo pioneirismo pode ser atribudo a J. Fr.Reichardt, um dos fundadores da Sociedade Berlim (1783), cujasnotas sobre os concertos j tratavam de aspectos rtmicos,

    acompanhamento, melodia, harmonia, modulao, esta, muitasvezes abordada sobre os aspectos tcnico e psicolgico. No inciodo perodo romntico a anlise musical continuou a tradio deReichardt, atingindo o apogeu nas crticas escritas por Schumanne Hoffmann. Em seus textos, Hoffmann metodicamente distinguiuentre anlise da tcnica composicional e interpretao do contedomusical, marcando, assim, o fim da doutrina dos afetos. Ele escreveupara a revista AMZ Allgemeine musikalische Zeitung de 1809

    at 1815. Schumann, contemporaneamente a Hoffmann, enumerouos quatro pontos sob os quais uma obra deveria ser considerada:forma (conjunto, partes separadas, perodo, frase); composiomusical (harmonia, melodia, escritura, estilo); de acordo com a idiaparticular que o artista desejou representar; segundo o esprito quesubjaz forma, ao material e idia. Esses so exemplos querefletem o processo realmente compreendido como analtico, noqual o analista se debrua sobre uma obra especfica e estuda

    seus componentes em separado, almejando atingir melhorcompreenso da sua ntegra. (Essa atitude reside at hoje, emborahaja certas controvrsias com relao diviso entre procedimentosanalticos e tericos, que sero comentados adiante). Tambm erapropsito dessa empresa analtica determinar que a natureza deum trabalho completo e a relao entre suas partes podem ser

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    apreciadas esttica e intelectualmente. Transparece, assim, a idiade organicidade, em voga no perodo, princpio que preconizavatratar as obras de arte como organismos, cujas partes constituintesseriam absolutamente interdependentes e integradas.

    Claro est que este intuito crtico, ao usufruir da anlise, comea abuscar elementos objetivos para referendar os julgamentossubjetivos, antecipando a metodologia cientfica que, em meadosdo sculo XX, se pretendeu aplicar msica. mais que adequado msica o pensamento manifestado por Jorge Coli ao comentar acaracterstica presente em apontamentos crticos a respeito dasartes em geral: os discursos sobre as artes parecem, com

    freqncia, ter a nostalgia do rigor cientfico, a vontade de atingiruma objetividade de anlise que lhes garanta as concluses (Coli,1984, p.24). Esta atitude analtica tambm ir revelar a inadequaodo entendimento da msica em si mesma, pois todo o aparatocultural por ela envolvido parte preponderante nas apreciaesrealizadas. difcil para um crtico, por exemplo, na anlise de umaobra, no compar-la com outras que a antecederam. Nesse casoo conhecimento histrico primordial. A importncia da mediao

    histrica pode ser atestada simplesmente pelo fato de que os juzosestticos sempre levam em considerao a tradio ou o desviodesta, avaliando a continuao de um modelo ou a originalidadeda obra. Nos dizeres de Dahlhaus: quando a msica subtradado seu contexto, aspectos como novidade, genuinidade,epigonismo, deixam de existir, e tais critrios so bases para um

    julgamento esttico (cf: Dahlhaus, 1977,passim).

    O teor polmico da ligao entre anlise e crtica se fez sentir, muitasvezes de um modo no muito educado, h pouco tempo atrs, nasrepercusses obtidas pelo artigo de Joseph Kerman: How we gotinto analysis, and how to get out (1980). Sobretudo aps areimpresso deste artigo em 1994, uma enxurrada de respostase respostas das respostas para esse trabalho tomaram conta do

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    ambiente acadmico, principalmente na internet. No seu texto,Kerman tece consideraes sobre a crtica musical como um todo(O artigo foi primeiramente publicado em 1979 sob o ttulo The Stateof Academic Music Criticism) e conclui que a atividade de anlise ,per se, uma atividade crtica. Segundo ele, o que aconteceu queos msicos que lidam com anlise no consideram essa atividadecomo crtica musical por duas razes. A primeira deve-se a umaespcie de preconceito nutrido contra a crtica jornalstica, pois estas,na viso dos msicos, carecem de rigor e de profundidadeintelectual, consistindo somente de um apanhado de impressessubjetivas. Assim, ao permanecerem no plano do juzo de gosto,pouco acrescentam ao leitor. O segundo motivo que os analistas

    deliberadamente evitaram a formulao de juzos de valor (quandoda realizao de anlises) por buscarem uma atitude de iseno,nos moldes das investigaes cientficas. Kerman aponta que asanlises de msicas compostas, principalmente, a partir da dcadade 50 apresentam-se como proposies estritamente corrigveis,equaes matemticas, formulaes da teoria dos conjuntos, etc.(1980, p.312), indicando um esforo para alcanar um estatutocientfico. Exemplificando essa constatao, remete ao livro de Allen

    Forte The Compositional Matrix, no qual o autor dizia termeticulosamente excludo os termos indicativos de quaisquer tiposde valorao, como bom, ruim, legal, etc. Apesar disto, Kermanmantm que a anlise traz consigo algum tipo de apreciao evalorao esttica.

    Contudo, no foi somente pela juno da crtica anlise que esseartigo recebeu contestaes. Outrossim, pelo fato de ter adjetivado

    alguns mtodos de anlise como positivistas e reducionistas,Kerman provocou indignao nos schenkerianos de planto, quepor seu turno, viram-se no direito de rebater essa afronta,promovendo ento a dita enxurrada de respostas contra Kerman.Entre as suas objees, os discpulos de Schenker no queriamque o mtodo analtico de seu mestre fosse tratado como uma

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    dissecao clnica de uma obra de arte viva que emula a metodologiada cincia racionalista (Kinton, 2004). Segundo eles, a anliseschenkeriana possui o grande mrito de ater-se a questesestritamente musicais (passando ao largo de abordagens semiticas,sociolgicas e metafsicas), caracterstica esta essencial compreenso e formulao de uma teoria que demonstre asconexes existentes entre os planos de uma composio. Embates parte, Kerman salienta que os mtodos so produtos da prpriapoca em que surgem e, consequentemente, passveis demodificao e atualizao no decorrer do tempo.

    O acordo ou correspondncia entre o artista e seu tempo permite

    aos elementos de sua tcnica de composio serem interpretadoscomo sinais histricos. A leitura de obras de arte enquanto evidnciashistricas fez surgir em cena mais uma personagem do julgamentoesttico. De um lado apresenta-se o sujeito fruidor, a quem seprescinde a existncia de um conhecimento tcnico prvio, poisbastam formulao de juzo esttico suas impresses. Na outraponta, o julgamento histrico demanda a existncia de umaautoridade competente para a avaliao da obra de arte, na qual o

    conhecimento tcnico indispensvel para a realizao dainterpretao dos documentos histricos. Assim, anlise e crticaassociam-se. Isso conduziu ao entendimento de que aargumentao racional poderia modificar uma primeira impressoesttica, o que tambm implicou em admitir que uma anlise permitefundamentar um juzo artstico. Apesar do teor altamente tcnicotransparecer uma tendncia moderna (especialmente sculos XIXe XX), a manifestao do juzo esttico baseada em caractersticas

    internas da obra (sua estrutura formal e disposio de elementosestruturantes) remonta Antigidade Clssica com a poticaaristotlica, na qual apoisis era uma teoria do fazer e do produzir,atenta, portanto, a questes tcnicas e alheia, em certo grau, ametforas metafsicas e transcendentais. Essa idia depoisis serrevivida no sculo XVIII com a associao, viabilizada pela anlise,

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    entre esttica e produo artstica. Nesta poca os tipos e gnerosserviam tanto como parmetros formais e estticos, ou seja, aapreciao e julgamento de uma obra davam-se ao referenci-la aum tipo especfico. Quanto menos a msica se afastasse do modelo,maior sua adequabilidade e melhor sua avaliao. Assim, acompreenso desses cnones tornava-se fundamental para oscompositores. Dessa maneira a anlise passa a ser uma ferramentapara a prtica composicional.

    Anlise e o ensino da composioAnlise um procedimento de descoberta (...) um meio deresponder diretamente questo como isto funciona (Bent, 2001).

    As afirmaes so claras: o analista trabalha com o produto final(composio) e centra ateno na explorao da tcnicacomposicional. A anlise parte da obra e tenta compreender osartifcios do compositor que permitiram terminar com xito suaempreitada. Pode-se dizer, ento, que a anlise caminha doparticular para o geral. Da micro estrutura da obra so deduzidosos procedimentos tcnico-composicionais utilizados pelo autor. possvel tambm afirmar que a coerncia interna da composio

    desvelada pela anlise.

    Curiosamente, esse entendimento simples tambm pode serinvertido, isto , compreender a anlise por meio da composio.Essa a proposta de Nicholas Cook no seu Analysis ThroughComposition. Cook enftico em seu objetivo: neste livro, no sepretende ensinar composio, mas planeja-se ensinar anliseatravs da composio. Em outras palavras, composio o meio

    e no o fim dessa proposta de aprendizado (Cook, 1996, vii). Ainteno didtica de Cook baseia-se na sua concepo de que aanlise tem recebido uma abordagem demasiadamente afastadada prtica, fazendo com que os estudantes, cuja vivncia musicalpode ser de fato limitada, tambm adotem uma abordagemsupercerebral para com a anlise, tendendo a enxerg-la como um

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    tipo de atividade matemtica sem vnculos diretos com a experinciade fazer ou ouvir msica (Cook, 1996, vii). Novamente, possvelvislumbrar uma inverso de papis no decurso da histria dadisciplina anlise musical. A anlise, que foi de incio utilizada comoferramenta auxiliar da composio, vale-se desta para ser mais bemcompreendida.

    A anlise consolida-se como estudo disciplinar no momento em queos compositores (professores) foram requisitados a lecionar seuofcio. Cook descreve esse momento da seguinte maneira:

    Durante o sculo XIX tornou-se normal que a composio fosse

    ensinada em classes nas escolas de msica, ao invs de lies particulares como havia at ento. Nesse sentido, o ensino dacomposio significou que professores confiassem cada vez mais aoslivros a tarefa de guiar os estudantes nas suas experincias emcomposio. (Cook, 1987, p.10).

    Cook assinala, tambm, que os modelos formais clssicos estavamcontidos nesses livros, o que faz com que a origem desses modelosformais no pertena primordialmente ao orbe da anlise musical,mas sim histria do ensino da composio. Com base nos livros,os alunos eram direcionados a compor de acordo com algum padroformal. Da mesma maneira que um estudante de pintura aprendiacopiando os mestres do passado, o aluno de msica tambm deveriatentar reproduzir uma obra musical similar de um grandecompositor. Este sentido eminentemente aplicado da anlise aservio da composio conservado at hoje, pois a metodologiade muitos cursos de composio tem por base a anlise ereproduo de estilos de outros perodos.

    Analisar uma obra musical consistia em abordar seus aspectos microe macroscpico. O primeiro centrava-se na observao do contedomusical: melodia, harmonia, ritmo, etc. O segundo enfatizava a formaglobal da obra. A questo da forma revestiu-se como ncleo principalda investigao analtica, pois os tericos partiam do princpio que

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    uma obra musical podia ser segmentada em partes, e que essasdivises se articulariam no todo segundo certas caractersticascomuns. Assim, uma pea musical conteria certos padres deconstruo similares que, depois de descobertos, podiam sercopiados. A idia de que a verificao da ocorrncia de padrescomuns de artifcios composicionais teria impulsionado a atividadeanaltica sobrevive atualmente, embora autores como Dunsby eWhittall ponderem que a emergncia da anlise enquanto disciplinaremonta ao gradual desenvolvimento da composio criada por umindivduo, emancipada dos padres de gneros e tipos, ou seja,possuidora de caracteres particulares.

    A partir do momento em que as tcnicas dos compositoresestivessem reveladas, no haveria necessidade de continuaranalisando, bastaria reproduzi-las como na aplicao de uma receitade bolo. Porm, o fato das peas apresentarem qualidadespeculiares exige a continuidade da tarefa analtica, pois toda novaobra conteria novas informaes a serem descobertas. Ao encontrodesse entendimento junta-se a opinio de Kerman, ao parafrasearo verbeteAnalysis do Havard Dictionary, dizendo que o verdadeiro

    foco da anlise o elemento sinttico e a significao funcional dodetalhe musical (1980, p.313). Essa particularidade, em mdioprazo, levou criao de diversos mtodos de trabalho.

    Assim, o incio de nossa discusso neste tpico pode ser retomado:a inverso de papis preconizada no mtodo de Cook. possvelpensar, inicialmente, na anlise como ferramenta do ensino da teoriacomposicional. A metodologia dos professores era comparativa, ou

    seja, era solicitado aos alunos que analisassem as obras para que,a partir delas, pudessem desvendar e reproduzir as tcnicasutilizadas pelos compositores. Com o passar do tempo, devido aoforte carter pessoal das obras, mas, tambm, ao constante aumentoda especificidade tcnica contida nos textos sobre msica, aempresa analtica perde esse contedo pedaggico, adquire um

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    carter especializado e desvincula-se da teoria, tornando-se umramo autnomo de estudos.

    A autonomia da anlise musicalPrincipalmente no sculo XX, diversas maneiras de se estudar aestrutura musical foram propostas, originando ento vrias tcnicasde anlise. Dentre as especificadas por Bent, em 1980, esto asanlises: schenkeriana, temtica, formal, funcional, da estruturafraseolgica, de categoria, caracterstica, distributiva e teoria dainformao. Certamente, o mtodo de Schenker foi o mais influenteentre os analistas, sobretudo nos Estados Unidos. Inicialmenteintencionado para tratar de obras da prtica comum, encontrou

    desdobramentos na msica contempornea. Griffiths assinala queo pensamento de Schenker afetou at mesmo os compositores damsica atonal nos EUA, e Babbitt buscou precisa e conscientementeimplantar o modelo dos nveis schenkerianos em suas obras, demodo que, em seu caso, a anlise antecede a composio (Griffiths,1995, p.5). No entanto, o tematicismo de Rudolph Rti e a Teoriados Conjuntos de Allen Forte tambm se tornaram importantesferramentas analticas para a msica tonal e ps-tonal.

    Dessa proliferao de modelos de anlise musical resultaram duasconseqncias: a ascenso da primazia da tcnica sobre a prpriaobra e o definitivo, embora confuso, distanciamento entre teoria eanlise.

    Schenker j havia reclamado, quando tratando da dissociao entreprtica e teoria, que a teoria da harmonia tornara-se to sem efeito

    que era ensinada com exemplos criados especialmente paraadequar sua proposta. Os analistas, na inteno de desvendar ossegredos da estrutura da obra, no raro centraram mais interesseno modelo de anlise que na prpria realidade musical. Ocorrnciasdesta espcie levaram Cook a lamentar que o analista vem aacreditar que o propsito de uma pea musical provar a validez

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    do mtodo analtico que aplica, ao invs de crer que a funo domtodo esclarecer a msica; em outras palavras, quando ele torna-se mais interessado na teoria do que na aplicao prtica. (Cook,1987, p.2). Em outra passagem confirmar: basta dar uma olhadanos jornais atuais especializados em anlise para descobrir que agrande relevncia posta sobre a formulao de modelos analticoscada vez mais precisos e incrivelmente sofisticados, mais ou menoscomo um fim em si mesmos (idem, p.3). Ainda com relao proliferao de modelos analticos, Kerman menciona o discursode Wallace Berry em sua posse na Sociedade para Teoria Musical(1980), no qual reclamava uma mudana de postura por parte dosautores de artigos sobre teoria musical, cujo teor havia se convertido

    em uma verdadeira torre de babel, alm de assumirem um carterobscuro e dogmtico. Esse estado de coisas ainda notrioatualmente, pois se pode perceber uma persistncia entre setoresda vanguarda em dedicar maior nfase no discurso sobre o mtodoenvolvido na composio do que no prprio produto final. No rarome parece que, aps ter explanado sobre seu projeto composicional,o autor dispensa a prpria audio da pea.

    A referida separao de domnios entre teoria e anlise pode servista como o ltimo passo na cristalizao da anlise como campoautnomo dos estudos musicais. Anlise seria uma parte da teoriamusical? Ou so os procedimentos analticos viabilizadores daedificao de uma teoria? A bem da verdade, as duas coisasocorreram durante a histria da msica, embora essa nomenclaturano seja estritamente correta. Por teoria entende-se, strictu senso,uma proposio para organizao de dados observados, cuja

    interpretao permitiria a formulao das leis que regeriam estesmesmos fatos. Observa-se que em se tratando da msica no h oestabelecimento de leis, no mximo os estudos revestem-se decarter descritivo dos fenmenos observados, de modo que adefinio rigorosa de teoria no se aplicaria neste caso. MesmoClaude Palisca, no seu verbete para o Grove, ressaltaria que a

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    teoria musical constitui-se como o estudo das estruturas da msica,o que denota o aspecto no cientfico da realidade musical. Todavia,o uso desta terminologia encontra-se por demais arraigado tantoao senso comum quanto em setores acadmicos, de modo quecontinuarei a empreg-la, ressalvando que teoria no subentendeexplicao, mas apenas compreenso dos fenmenos musicais.

    No ano de 1967, Edward Cone publicou na Perspectives of NewMusicum artigo intitulado Beyond Analysis. Embora o teor principaldo seu texto versasse sobre as impossibilidades inerentes aosmodelos de anlise, passagens referentes a concepes sobre anatureza da anlise e da teoria musical incomodaram alguns

    tericos, especialmente David Lewin, que em 1969 publicaria, namesma revista, uma resposta ao artigo de Cone, sob o ttulo deBehind the Beyond. Neste trabalho, Lewin ofereceu uma boadiferenciao entre os conceitos de anlise, teoria e crtica musicais,delimitando o campo de estudo de cada uma destas reas, bemcomo, seus pontos de interseo; alm de reafirmar o papelfundamental que teoria e anlise tm na didtica composicional.Para Lewin, a anlise no pode fundamentar uma apreciao crtica

    em um sentido quantitativo, mas apenas ampli-la qualitativamente.Com relao diferenciao entre anlise e teoria, Lewin atestaque a teoria musical examina, a princpio, abstraes musicais decarter geral. As estruturas consideradas pela teoria so anterioress obras, existem a priori, independentes at da prpriamaterializao na obra consumada. A anlise, por sua vez, trabalhacom composies especficas, com o produto final, investigandoseus componentes e suas articulaes. O interesse de um terico

    est direcionado, sobretudo, a conceitualizaes genricas; oanalista, por sua vez, tende ao particular e pontual, ou seja,compreende as especificidades de cada pea em questo.

    Embora toda definio seja passvel de correes, o embate entreesses dois autores conduziu ao estabelecimento dos domnios

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    relativos a cada um desses campos de estudo, alm de atestar oque Cook chamaria de profissionalizao da anlise musical aosentenciar que nos ltimos vinte anos a anlise musical tornou-seprofissionalizada (Cook, 1987, p.3). Essa profissionalizao podeser entendida, segundo Kerman, como tendo seu ponto de partidadesde a dcada de 50, com os avanos da indstria eletrnica.Esses avanos facilitaram o acesso msica de concerto pela suadisponibilizao em discos, com isso, houve um aumento geral dointeresse por informaes musicais, incentivando o aumento depublicaes especializadas no assunto. Kerman refere-se a umaexploso de artigos analticos a partir da dcada de 60. Esseincremento pode ser constatado na bibliografia utilizada por Bent

    no seu verbete para o Grove. Como notado por Duprat (1996), onmero de publicaes contendo a palavra anlise, na referidabibliografia de Bent, contm 18 entradas na dcada de 50 e 80entradas na dcada de 60; um acrscimo, de fato, relevante.

    Ao lado desses aspectos tericos, a referida autonomia adquiridapela anlise musical tambm notada no que diz respeito desvinculao do ato analtico para com os aspectos crticos,

    composicionais e interpretativos (pois se admitia, e ainda admite-se, que a anlise uma importante ferramenta auxiliar daperformance). Pode-se observar que cada vez mais as anlisesapontam aspectos diversos das composies sem preocupar-secom a sua aplicabilidade pragmtica. No estou afirmando que oestudo de qualquer objeto deva ter obrigatoriamente uma utilidadeprtica. Todo conhecimento vlido em si mesmo. Todavia, fcilobservar (sobretudo em dissertaes na rea da performance

    musical) que algumas anlises apenas descrevem osacontecimentos, como se fora uma narrativa futebolstica (saiu datnica, passou pelo segundo grau, cruzou pela tonalidade relativae chegou regio da dominante), sem apresentar posterioresconcluses a respeito de como aquela anlise afetou ou influiu namaneira de tocar a pea. Ao que parece, faz-se uma anlise tendo

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    a inteno de descobrir a coerncia interna de uma obra que j sesabia coerente. Este aspecto comentado por Dahlhaus quandoele trata de anlises do tipo descritiva, ou seja, anlisestaxionmicas. Apontando para a inutilidade destas tautologias,argumenta que estas revelam muito acerca da teoria e quase nadaa respeito da obra. Segundo ele, no basta apenas isolar (abstrairde elementos rtmicos, por exemplo) e enumerar os acordes,outrossim, preciso que o carter individual da estrutura harmnicae suas relaes seja expressamente demonstrado e articulado poruma interpretao da anlise: uma anlise de segunda ordem(1983, p. 9. Grifo meu).

    Entretanto, o outro lado da moeda pode ser representado pelavontade dos msicos em aterem-se a questes musicais, ou seja,tratar a msica primordialmente em seus prprios termos, ao invsde relevar abordagens paralelas. Kinton resume esse estado decoisas da seguinte maneira: ns temos uma crtica musicalideolgica, uma crtica musical feminista, uma crtica musicalhermenutica, porm, no temos uma crtica musical musical(Kinton, 2004). Mas mesmo esse af em falar da msica na msica

    conduziria sobrevalorizao das ferramentas analticas, pois aanlise parece muito ocupada com suas prprias tcnicas internas,muito fascinada pela sua lgica peculiar e extremamente tentadapor seus prprios pedantismos privados para confrontar a obra dearte sob seus prprios termos estticos (Kerman, 1980, p. 312). Eesta constatao pode explicar a citada independncia adquiridapela disciplina anlise musical.

    Existe a msica em si mesma? A msica considerada em si mesma refere-se anlise doselementos que integram sua estrutura, como motivos, frases,perodos, sees, escalas, tonalidade, modulaes, regies,aspectos meldicos, harmnicos, polifnicos, texturais, rtmicos,entre uma srie de outros componentes que poderiam tambm ser

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    mencionados. Vale lembrar que nem todos os elementos podemser percebidos apenas com a escuta, pois se assim fosse, nohaveria necessidade da anlise. exatamente a existncia departicularidades ocultas na msica e no reveladas durante suaaudio que propicia e origina as vrias abordagens analticas. Emrazo disto, a anlise no pode tratar-se de um processo intuitivo.O analista deve basear-se em tcnicas ou mtodos que o permitamdecidir seguramente sobre os parmetros musicais postos em jogo,bem como, as funes que estes adquirem no discurso musical.Deste modo, a anlise apresenta-se como uma atividadeessencialmente intelectual, possibilitando ao analista abster-se depreocupaes de sentimento ou expresso em termos

    extramusicais.

    No entanto, consideraes sobre msica em si mesma necessitamde um agente externo para interpretar o fenmeno, o analista. Estaexigncia aumenta o problema da restrio do processo analtico msica nela mesma, j que a msica age no intelecto do ser humanoque a recebe. Essa caracterstica possibilita a quem interpreta ofenmeno confront-lo de duas maneiras: psico-sensria e

    funcionalmente. O aspecto psico-sensrio tratar de como a msica percebida pela mente humana, remetendo a questes cognitivas,psicolgicas, neurolgicas, estticas, entre outras. O funcionaltender a tratar de sua utilidade e/ou finalidade, o que implicariaem acolher estudos ligados sociologia, histria, antropologia,filosofia, etc. Assim, valeria a questo: a msica em si aquelaouvida por um sujeito ou trata-se daquela fabricada pelo compositore impressa no papel? Consciente dessas implicaes, Bent admite

    que a anlise musical engloba um amplo nmero de atividadesdiversas, que representam diferentes vises da natureza da msica,dificultando uma definio dentro de seus prprios limites (2001,p. 1). Essa situao aponta para o paradoxo da anlise musical:pretender analisar racional e objetivamente um fenmeno emocionale subjetivo.

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    Ao lado destas colocaes, vale ressaltar que a msica enquantomanifestao artstica est envolta em um grande aparato cultural,compreendendo sua matria prima, seus meios de produo edivulgao, sua linguagem prpria, seus locais de transmisso e/ou representao, etc. Essa arte constituda, portanto, porelementos culturais to imprescindveis quanto os prprioselementos materiais. Nas palavras de Jorge Coli no h dvidaque o trabalho sobre a matria, a habilidade artesanal, o domniosobre o fazer so elementos constitutivos essenciais da arte, maseles repousam sobre um pressuposto anterior: o da transformaoda matria numa expresso cultural especfica (Coli, 1984, p.118).Some-se a isso o fato de que uma anlise ser influenciada pela

    prpria caracterstica do analista, quer seja este um musiclogo,compositor, crtico, intrprete ou historiador, que podem enfatizarou minimizar aspectos da obra de acordo com seus prpriosinteresses. Estas consideraes refletem a fragilidade da tentativade abordar o fenmeno musical desvinculado de fatores externos.

    ConclusoA partir das primeiras dcadas do sculo XX j pode ser vislumbrado

    uma espcie de fechamento de foco na objetiva terica, pois osestudiosos gradativamente afastam-se dos assuntos globais ecentram-se em questes direcionadas aos atributos especficos dedeterminada composio musical, impondo um elevado grau deespecializao em seus estudos em detrimento da reduo daabrangncia do campo terico. Conseqentemente, v-se aascenso da anlise face ao eclipse das teorias globais, apontando,a princpio, para um maior interesse em assuntos composicionais,

    ou seja, no que diz respeito produo artstica. Uma frasesintomtica de Kerman sintetiza este estado de coisas: quandochegamos a nos interessar pela arte moderna necessrio oenvolvimento com os problemas ligados sua criao (1987). Ainsero de novas propostas de reflexo e de especulao acercada sintaxe musical, em ltima instncia, conduziu discusso sobre

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    os processos norteadores da produo musical, seu modusoperandi. A reformulao ou reorganizao da sintaxe musicalreivindicou por parte dos tericos e crticos o domnio dosprocedimentos tcnicos que se cristalizaram ao longo do sculo,fato que alm de projetar a necessidade do conhecimento deprocessos de anlise ampliou o leque de possibilidades depesquisas sobre a linguagem musical. Vislumbra-se, assim, comesta passagem do macro para o microscpico, a gradual primaziaobtida pelas ferramentas de anlise.

    No obstante, como apontado por Duprat, em meados da dcadade 70 o nmero de publicaes sobre anlise decresceu, fato

    constatado na observao do nmero de entradas com a palavraanlise no verbete homnimo do Grove. Contudo, preciso lembrarque no seu artigo Duprat desconsidera as reedies e publicaesrevisadas da literatura anterior. O fato de haver publicaesrevisitadas de trabalhos anteriores indica a manuteno de interessepelo assunto. Essa condio pode ser facilmente constatadaatualmente. Em uma simples consulta internet, no stio da livrariavirtualAmazon (www.amazon.com), realizada dia 22 de abril de 2006

    s 19:00 horas, indicou a existncia de 349 ttulos de msica coma palavra anlise; destes, mais de 200 foram publicados a partir de1990. Essa srie de novas bibliografias sobre o assunto demonstraque este mercado continua em alta.

    Nesse decurso, vrias vezes teoria e anlise musicais confundiram-se e misturaram seus limites. Kerman, por exemplo, afirma: teoriaconsiste na investigao daquilo que faz a msica funcionar (1987,

    p.3). Bent ir contrapor: anlise o meio de responder diretamente questo como isto funciona? (2001, p.5). Sobre composioKerman ir dizer: o alinhamento mais fundamental da teoria musical com a composio musical (1987, p.5). E como pode serconstatado nos expostos anteriores, a composio aprendida einvestigada principalmente por meio da anlise.

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    Por fim, uma espcie de opinio comum o fato da anlise musicalter se revestido de um teor positivista, funcionando como espciede comprobatrio das pesquisas realizadas no campo musical. Essedomnio analtico foi visto, por muitos, como uma tentativa detransferncia de um modelo cientfico para um campo cultural.Entretanto, vale ressaltar que ao denominar a anlise musical comoo lado positivista da msica, Kerman referia-se a uma atitudepositivista, ao processo de conduo de uma apreciao musical.Isto pode ser inferido, por exemplo, quando ele (argumentando sobrea separao existente entre anlise e crtica musical) rebate aobjeo de que a anlise musical lida com metodologias objetivas,enquanto a crtica opera somente com juzos subjetivos, pois na

    literatura possvel perceber que os crticos de msica (Schenkere Tovey so por ele mencionados) valeram-se da anlise enquantocritrio de valorao da obra. O que aconteceu que recentementeos analistas conscientemente evitaram a emisso de juzos de valorcom a inteno de lograrem uma anlise o mais isenta possvel;consequentemente, o foco principal foi projetado sobre a prpriatcnica. Cook, por sua vez, comenta: pessoalmente eu desaprecioa tendncia da anlise converter-se em uma disciplina quase

    cientfica em seu direito prprio, essencialmente independente deinteresses prticos da performance, composio ou educaomusicais (Cook, 1987, p.3). Este estado de coisas pode serfacilmente verificado observando-se artigos e trabalhos de mestradoe/ou doutorado na rea de msica. raro o trabalho acadmico,sobretudo nas reas de performance e composio, que nodedique vrias pginas a consideraes analticas, e mesmotrabalhos tericos, estticos e histricos por vezes apresentam essa

    caracterstica.

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    ________________Antenor Ferreira - Mestre em Msica (Unesp), autor de Estruturaes Harmnicas Ps-tonais (Edunesp-2006); Bacharel em Composio e Regncia (Unesp); Percussionista daOrquestra Sinfnica de Santos. Sob orientao do Prof. Dr. Amlcar Zani, desenvolve projeto deDoutorado na ECA-USP, tendo por objetivo a criao de um modelo para a composio ps-tonalpor meio da integrao de tcnicas analticas.

    e-mail: [email protected]

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