Curriculo-Conhecimento-Cultura

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    INDAGAESSOBRE CURRCULO

    Currculo, Conhecimentoe Cultura

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    Ministrio da EducaoSecretaria de Educao BsicaDepartamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino Fundamental

    Organizao do DocumentoJeanete BeauchampSandra Denise Pagel

    Ariclia Ribeiro do Nascimento

    Ministrio da Educao

    Secretaria de Educao Bsica

    Esplanada dos Ministrios, Bloco L, sala 500CEP: 70.047-900 Braslia-DFTel. (061) 2104-8612/8613 Fax: (61) 2104-9269http://www.mec.gov.br

    Ficha catalogrca

    [Moreira, Antnio Flvio Barbosa]Indagaes sobre currculo : currculo, conhecimento e cultura / [Antnio

    Flvio Barbosa Moreira , Vera Maria Candau] ; organizao do documento JeaneteBeauchamp, Sandra Denise Pagel, Ariclia Ribeiro do Nascimento. Braslia :Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Bsica, 2007.

    48 p.

    1. Ensino Fundamental - Brasil. 2. Educao Bsica. 3. Currculo. 4.Conhecimento. 5. Cultura. I. Candau, Vera Maria. II. Beauchamp, Jeanete. III.Pagel, Sandra Denise. VI. Nascimento, Ariclia Ribeiro do. V. Brasil. Secretaria deEducao Bsica. VI. Ttulo.

    CDU 37.046.12

    Ficha Catalogrfca elaborada pela Bibliotecria Lcia Helena Alves de Figueiredo CRB 1/1.401

    Impresso no Brasil

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    Ministrio da EducaoSecretaria de Educao Bsica

    INDAGAES

    SOBRE CURRCULO

    Currculo, Conhecimentoe Cultura

    Braslia2007

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    Ministrio da EducaoSecretaria de Educao BsicaDepartamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino Fundamental

    Coordenadores do grupo de trabalho responsvel pela elaborao dodocumento

    Antnio Flvio MoreiraMiguel Gonzles Arroyo

    Jeanete BeauchampSandra Denise Pagel

    Ariclia Ribeiro do Nascimento

    Grupo de trabalhoAriclia Ribeiro do Nascimento

    Ceclia Correia Lima Sobreira de SampaioCleyde de Alencar TormenaEliza Montrezol

    Jane Cristina da SilvaJeanete BeauchampKarina Rizek LopesLuciana Soares SargioLydia BecharaMrcia Helena LopesMaria Eneida Costa dos SantosRoberta de OliveiraRoseana Pereira MendesSandra Denise PagelStela Maris Lagos OliveiraSueli Teixeira de MelloTelma Maria Moreira (in memoriam)

    Vitria Lbia Barreto de Faria

    Equipe de ApoioCristiana Martins de AzevedoLucineide Bezerra DantasMarlene Matos de OliveiraMiriam Sampaio de Oliveiraa

    Reviso de textoMrcia Helena Lopes

    Projeto Grco e Editorao

    Formatos design

    Tiragem500 mil exemplares

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    Indaga

    essobrecurrculo

    APRESENTAO

    Apublicao que o Departamento de Polticas de Educao Inantil e EnsinoFundamental- DPE, vinculado Secretaria de Educao Bsica SEB, desteMinistrio da Educao MEC, ora apresenta, tem como objetivo principal de-fagrar, em mbito nacional, um processo de debate, nas escolas e nos sistemasde ensino, sobre a concepo de currculo e seu processo de elaborao.

    No recente a abordagem curricular como objeto de ateno do MEC.Em cumprimento ao Artigo 210 da Constituio Federal de 1988, que determi-na como dever do Estado para com a educao xar contedo mnimos para

    o Ensino Fundamental, de maneira a assegurar a ormao bsica comum erespeito aos valores culturais e artsticos, nacionais e regionais, oram elabo-rados e distribudos pelo MEC, a partir de 1995, os Reerenciais CurricularesNacionais para a Educao Inantil/RCNEI, os Parmetros Curriculares Nacio-nais/PCNs para o Ensino Fundamental, e os Reerenciais Curriculares para oEnsino Mdio. Posteriormente, o Conselho Nacional de Educao deniu asDiretrizes Curriculares para a Educao Bsica.

    No momento, o que est em discusso a elaborao de umdocumento que, mais do que a distribuio de materiais, promova, por meio

    de uma estratgia dinmica, a refexo, o questionamento e um processode discusso em cada uma das escolas e Secretarias de Educao sobrea concepo de currculo e seus desdobramentos. Para tanto, sugerimosinicialmente alguns eixos que, do nosso do ponto de vista, so undamentaispara o debate sobre currculo com a nalidade de que proessores, gestorese demais prossionais da rea educacional aam refexes sobre concepode currculo, relacionando-as a sua prtica. Nessa perspectiva, pretendemossubsidiar a anlise das propostas pedaggicas dos sistemas de ensino e dosprojetos pedaggicos das unidades escolares, porque entendemos que esta uma discusso que precede a elaborao dos projetos polticos pedaggicos

    das escolas e dos sistemas.Dessa orma, elaboramos (5) cinco cadernos priorizando os seguintes

    eixos organizadores: Currculo e Desenvolvimento Humano; Educandos eEducadores: seus Direitos e o Currculo; Currculo, Conhecimento e Cultura;Diversidade e Currculo; Currculo e Avaliao.

    No momento em que ocorre a implementao do Ensino Fundamentalde nove anos e a divulgao dos documentos consolidados da Poltica Nacionalde Educao Inantil, necessrio retomar a refexo sobre as DiretrizesCurriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e as Diretrizes Curriculares

    Nacionais para a Educao Inantil ao j desencadeada pelo ConselhoNacional de Educao.

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    Apresentao

    A liberdade de organizao conerida aos sistemas por meio dalegislao vincula-se existncia de diretrizes que os orientem e lhespossibilitem a denio de contedos de conhecimento em conormidade base nacional comum do currculo, bem como parte diversicada, como

    estabelece o Artigo 26 da vigente Lei de Diretrizes e Bases da EducaoNacional LDB n 9.394, 20 de dezembro de 1996: Os currculos doensino undamental e mdio devem ter uma base nacional comum, a sercomplementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, poruma parte diversicada, exigida pelas caractersticas regionais e locais dasociedade, da cultura, da economia e da clientela.

    Com a perspectiva de atender aos desaos postos pelas orientaese normas vigentes, preciso olhar de perto a escola, seus sujeitos, suascomplexidades e rotinas e azer as indagaes sobre suas condies concretas,

    sua histria, seu retorno e sua organizao interna.Torna-se undamental, com essa discusso, permitir que todos osenvolvidos se questionem e busquem novas possibilidades sobre currculo:o que ? Para que serve? A quem se destina? Como se constri? Como seimplementa?

    Levando em considerao que o processo educativo complexo eortemente marcado pelas variveis pedaggicas e sociais, entendemos queesse no pode ser analisado ora de interao dialgica entre escola e vida,considerando o desenvolvimento humano, o conhecimento e a cultura.

    Partindo dessa refexo, convidamos gestores, proessores e demais

    prossionais da educao para um debate sobre os eixos organizadores dodocumento sobre currculo. O ato de termos chamado estes estudiosos paraelaborarem os textos signica haver entre eles pontos de aproximao como,por exemplo, escola inclusiva, valorizao dos sujeitos do processo educativo,cultura, conhecimento ormal como eixo undante, avaliao inclusiva. Porprivilegiarmos o pensamento plural, reconhecemos nos textos tambm pontosde aastamento. Assim, ser possvel encontrar algumas concepes sobrecurrculo no necessariamente concordantes entre si. justamente divulgandoparte dessa pluralidade que o MEC contribui com a discusso. H diversidadenas refexes tericas, porque h diversidade de projetos curriculares nossistemas, nas escolas. Esse movimento, do nosso ponto de vista, enriquece odebate.

    Em um primeiro momento, oi solicitado a prossionais, diretamenteenvolvidos com a questo curricular junto aos sistemas de ensino, indicadospelo/a UNDIME, CONSED, SEESP/MEC, SECAD/MEC, CONPEB/MEC,REDE/MEC, que respondessem seguinte questo: que interrogaes sobrecurrculo deveriam constar em um texto sobre esse tema? Posteriormente,esses prossionais eetuaram a leitura dos textos preliminares elaborados pelosautores do GT CURRCULO, visando a responder a uma segunda questo:

    como os textos respondem s interrogaes levantadas? Foi solicitado aindaque apresentassem lacunas detectadas nos textos e contribuies. Coube

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    Indaga

    essobrecurrculo

    equipe do DPE sistematizar e analisar as contribuies, apresentadas pelogrupo anteriormente citado em reunio de trabalho em Braslia, e elaborarum pr-texto para discusso em seminrios a partir da sistematizao daspropostas apresentadas na consulta tcnica.

    Em um segundo momento, visando elaborao nal destedocumento, ocorreu em Braslia um seminrio denominado Currculo emDebate, organizado em duas edies (novembro e dezembro de 2006). Nessaocasio, os textos, ainda em verso preliminar, oram socializados e passarampela anlise refexiva de secretrios municipais e estaduais de educao; deprossionais da educao representantes da UNDIME, do CONSED, doCNE e de entidades de carter nacional como CNTE, ANFOPE, ANPED; deproessores de Universidades que procuraram apresentar as indagaesrecorrentes de educadores, proessores, gestores e pesquisadores sobre

    currculo e realizar um levantamento da potencialidade dos textos junto aossistemas. Esse evento contou com a expressiva participao de representantesdas secretarias estaduais e municipais de educao e da secretaria do DistritoFederal, em um total de aproximadamente 1500 participantes.

    Os textos chegam agora aos proessores das escolas, dos sistemas.Apresentam indagaes para serem respondidas por esses coletivos deproessores, uma vez que a proposta de discusso sobre concepo curricularpassa pela necessidade de constituir a escola como espao e ambienteeducativos que ampliem a aprendizagem, rearmando-a como lugar doconhecimento, do convvio e da sensibilidade, condies imprescindveis para

    a constituio da cidadania. Entendemos, tambm, haver outras perspectivas,ainda no contempladas, a serem consideradas. O objetivo no , portanto,esgotar todas as possibilidades em uma nica publicao.

    Propomos uma refexo para quem, o que, por que e como ensinar eaprender, reconhecendo interesses, diversidades, dierenas sociais e, ainda, ahistria cultural e pedaggica de nossas escolas.

    Posicionamo-nos em deesa da escola democrtica que humanizee assegure a aprendizagem. Uma escola que veja o estudante emseu desenvolvimento criana, adolescente e jovem em crescimentobiopsicossocial; que considere seus interesses e de seus pais, suas necessidades,potencialidades, seus conhecimentos e sua cultura.

    Desse modo comprometemo-nos com a construo de um projetosocial que no somente oerea inormaes, mas que, de ato, construaconhecimentos, elabore conceitos e possibilite a todos o aprender,descaracterizando, nalmente, os lugares perpetuados na educao brasileirade xito de uns e racasso de muitos.

    Os eixos aqui apresentados so constitutivos do currculo, aolado de outros. No pretenso deste documento abranger todas asdemais dimenses. As aqui destacadas convergem, especialmente, para o

    desenvolvimento humano dos sujeitos no processo educativo e procuramdialogar com a prtica dos sujeitos desse processo.

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    Apresentao

    O MEC tem conscincia da pluralidade de possibilidades deimplementao curricular nos sistemas de ensino, por isso insiste emestabelecer o debate dentro de cada escola. Assim, optou por discutir eixosorganizadores do currculo e no por apresentar perspectiva unilateral que

    no d conta da diversidade que h nas escolas, da diversidade de concepestericas deendidas por pesquisadores e estudiosos.

    Proessores do Ensino Fundamental, proessores da Educao Inantil,gestores constituem, inicialmente, o pblico a quem se dirige este documento.Com o objetivo de debater eixos organizativos do currculo, o Ministrioconsidera o texto destinado tambm a todos os envolvidos com o processoeducativo. A discusso, portanto, extrapola a circunscrio do espao escolar.

    Ministrio da Educao

    Secretaria de Educao Bsica

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    essobrecurrculo

    INTRODUO

    Coletivos de educadores e educadoras de escolas e Redes vm expressandoinquietaes sobre o que ensinar e aprender, sobre que prticas educativas

    privilegiar nas escolas, nos congressos de proessores e nos dias de estudoe planejamento. Por seu lado, a teoria pedaggica tem dado relevncia apesquisas e refexo sobre o currculo: h teoria acumulada para reorientaesbem undamentadas, teoria a que tm direito os prossionais da EducaoBsica. Que dilogo possvel entre a teoria acumulada e as propostas eprticas de reorientao curricular?

    A refexo sobre o currculo est instalada como tema central nosprojetos poltico-pedaggicos das escolas e nas propostas dos sistemas deensino, assim como nas pesquisas, na teoria pedaggica e na ormao iniciale permanente dos docentes. Neste perodo de ampliao da durao do ensinoundamental, em que so discutidas questes de tempo-espao, avaliao,metodologias, contedo, gesto, ormao, no seria oportuno repensar oscurrculos na Educao Bsica? Que indagaes motivam esse repensar?

    As Secretarias de Educao Municipais, Estaduais e do DF, o MEC,por meio da Secretaria de Educao Bsica e do Departamento de Polticas

    de Educao Inantil e Ensino Fundamental, assim como os Conselhos deEducao, vm se mostrando sensveis aos projetos de reorientao curricular,s diretrizes e s indagaes que os inspiram.

    Os textos que compem o documentoIndagaes sobre Currculo sepropem a trabalhar concepes educacionais e a responder s questes postaspelos coletivos das escolas e das Redes, a refetir sobre elas, a buscar seus sig-nicados na perspectiva da reorientao do currculo e das prticas educativas.

    As indagaes sobre o currculo presentes nas escolas e na teoriapedaggica mostram um primeiro signicado: a conscincia de que oscurrculos no so contedos prontos a serem passados aos alunos. So

    uma construo e seleo de conhecimentos e prticas produzidas emcontextos concretos e em dinmicas sociais, polticas e culturais, intelectuaise pedaggicas. Conhecimentos e prticas expostos s novas dinmicas ereinterpretados em cada contexto histrico. As indagaes revelam que hentendimento de que os currculos so orientados pela dinmica da sociedade.Cabe a ns, como prossionais da Educao, encontrar respostas.

    A construo desses textos parte dessa viso dinmica doconhecimento e das prticas educativas, de sua condio contextualizada.Da que, quando os sistemas de ensino, as escolas e seus prossionais se

    indagam sobre o currculo e se propem a reorient-lo, a primeira tarea serperguntar-nos que aspectos da dinmica social, poltica e cultural trazem

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    Introduo

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    indagaes mais prementes para o conhecimento, para o currculo e para asprticas educativas.

    Esta oi a primeira preocupao da equipe do Departamento dePolticas de Educao Inantil e Ensino Fundamental e dos autores dos textos.

    Esta poder ser a preocupao dos coletivos prossionais das escolas e Redes:detectar aqueles plos, eixos ou campos mais dinmicos de onde vm asindagaes sobre o currculo e sobre as prticas pedaggicas. Cada um dostextos se aproxima de um eixo de indagaes: desenvolvimento humano,educandos e educadores: seus direitos e o currculo, conhecimento e cultura,

    diversidade e avaliao.

    CADA TEXTO APRESENTA SUAS ESPECIFICIDADES DEACORDO COM O EIXO ABORDADO.

    O texto Currculo e Desenvolvimento Humano, de ElviraSouza Lima, apresenta refexo sobre currculo e desenvolvimentohumano, tendo como reerncia conhecimentos de Psicologia,Neurocincias, Antropologia e Lingstica. Conceitua a culturacomo constitutiva dos processos de desenvolvimento e deaprendizagem. Aborda questes como uno simblica, capacidadeimaginativa da espcie humana e memria. Discute currculo eaquisio do conhecimento, inormao e atividades de estudo

    e a capacidade do ser humano de constituir e ampliar conceitos.O texto az uma abordagem sobre a questo do tempo daaprendizagem, apontando que a construo e o desenvolvimentodos conceitos se realizam progressivamente e de orma recorrente.

    Em Educandos e Educadores: seus Direitos e o Currculo,de Miguel Gonzles Arroyo, h uma abordagem sobre o currculoe os sujeitos da ao educativa: os educandos e os educadores,ressaltando a importncia do trabalho coletivo dos prossionaisda Educao para a construo de parmetros de sua aoprossional. Os educandos so situados como sujeitos de direitoao conhecimento e ao conhecimento dos mundos do trabalho.H nase quanto necessidade de se mapearem imagens econcepes dos alunos, para subsidiar o debate sobre os currculos. proposta do texto que se desconstruam vises mercantilizadas decurrculo, do conhecimento e dos sujeitos do processo educativo. Otexto traz crtica ao aprendizado desenvolvido por competncias ehabilidades como balizadores da catalogao de alunos desejados eaponta o direito educao, entendido como o direito ormao eao desenvolvimento humano pleno.

    O texto Currculo, Conhecimento e Cultura, de Antnio FlvioMoreira e Vera Maria Candau, apresenta elementos para refexo

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    Indaga

    essobrecurrculo

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    sobre questes consideradas signicativas no desenvolvimentodo currculo nas escolas. Analisa a estreita vinculao que hentre a concepo de currculo e as de Educao debatidas emum dado momento. Nessa perspectiva, aborda a passagem

    recente da preocupao dos pesquisadores sobre as relaesentre currculo e conhecimento escolar para as relaes entrecurrculo e cultura. Apresenta a construo do conhecimentoescolar como caracterstica da escola democrtica que reconhece amulticulturalidade e a diversidade como elementos constitutivos doprocesso ensino-aprendizagem.

    No texto Diversidade e Currculo, de Nilma Lino Gomes,procurou-se discutir alguns questionamentos que esto colocados,hoje, pelos educadores e educadoras nas escolas e nos encontros

    da categoria docente: que indagaes a diversidade traz para ocurrculo? Como a questo da diversidade tem sido pensada nosdierentes espaos sociais, principalmente nos movimentos sociais?Como podemos lidar pedagogicamente com a diversidade? Oque entendemos por diversidade? Que diversidade pretendemosque esteja contemplada no currculo das escolas e nas polticasde currculo? No texto possvel perceber a refexo sobre adiversidade entendida como a construo histrica, cultural e socialdas dierenas. Assim, mapear o trato que j dado diversidadepode ser um ponto de partida para novos equacionamentos da

    relao entre diversidade e currculo. Para tanto preciso ter clarezasobre a concepo de educao, pois h uma relao estreita entreo olhar e o trato pedaggico da diversidade e a concepo deeducao que inorma as prticas educativas.

    Em Currculo e Avaliao, de Cludia de Oliveira Fernandese Luiz Carlos de Freitas, a avaliao apresentada como umadas atividades do processo pedaggico necessariamente inseridano projeto pedaggico da escola, no podendo, portanto, serconsiderada isoladamente. Deve ocorrer em consonncia comos princpios de aprendizagem adotados e com a uno que aeducao escolar tenha na sociedade. A avaliao apresentadacomo responsabilidade coletiva e particular e h deesa daimportncia de questionamentos a conceitos cristalizados deavaliao e sua superao. O texto az consideraes no ssobre a avaliao da aprendizagem dos estudantes que ocorrena escola, mas a respeito da avaliao da instituio como umtodo (protagonismo do coletivo de prossionais) e ainda sobre aavaliao do sistema escolar (responsabilidade do poder pblico).

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    Introduo

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    OS TEXTOS EM SEU CONJUNTO APRESENTAMINDAGAES CONSTANTES. Todos constatam as mudanas que vm acontecendo na

    conscincia e identidade prossional dos(as) educadores(as). Todoscoincidem ao destacar as mudanas nas ormas de viver a inncia ea adolescncia, a juventude e a vida adulta. O que h de coincidentenessas mudanas? Educadores e educandos se vendo e sendoreconhecidos como sujeitos de direitos. Esse reconhecimento colocaos currculos, o conhecimento, a cultura, a ormao, a diversidade,o processo de ensino-aprendizagem e a avaliao, os valores e acultura escolar e docente, a organizao dos tempos e espaos emum novo reerente de valor: o reerente tico do direito. Reorientar

    o currculo buscar prticas mais conseqentes com a garantia dodireito educao. Todos os textos recuperam o direito educao entendido

    como direito ormao e ao desenvolvimento humano, comohumanizao, como processo de apropriao das criaes, saberes,conhecimentos, sistemas de smbolos, cincias, artes, memria,identidades, valores, culturas... resultantes do desenvolvimento dahumanidade em todos os seus aspectos.

    Todos os textos coincidem ao recuperar o direito ao conhecimentocomo o eixo estruturante do currculo e da docncia. O

    conhecimento visto como um campo dinmico de produo ecrtica, de seleo e legitimao, de conronto e silenciamento desua diversidade. Conseqentemente, todos os textos repem acentralidade para a docncia e para o currculo dos processos deapreenso do conhecimento, da possibilidade de aprendizagemde todo ser humano, da centralidade dos tempos de aprender, dastenses entre conhecimento, aprendizagem e diversidade etc.

    Todos os textos coincidem ao recuperar o direito cultura, odever do currculo, da escola e da docncia de garantir a cultura

    acumulada, devida s novas geraes. O direito de se apropriaremdas prticas e valores culturais, dos sistemas simblicos e dodesenvolvimento da uno simblica to central na construo designicados, na apreenso do conhecimento e no desenvolvimentopleno do ser humano etc. Recuperar o direito cultura, tosecundarizado nos currculos, uma das indagaes maisinstigantes para a escola e a docncia. Recuperar os vnculos entrecultura, conhecimento e aprendizagem.

    Todos os textos tm como reerente a diversidade, as dierenas eas desigualdades que conguram nossa ormao social, poltica e

    cultural. Diversidades que os educadores e educandos levam paraas escolas: scio-tnico-racial, de gnero, de territrio, de gerao

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    essobrecurrculo

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    etc. Ver a diversidade como um dado positivo, liber-la de olharespreconceituosos: superar prticas classicatrias uma indagaonuclear dos currculos. Reconhecer e respeitar a diversidade indagaconcepes generalistas de conhecimento, de cultura, de saberes e

    valores, de processos de ormao, socializao e aprendizagens. Todos os textos coincidem ao destacar os currculos como uma

    organizao temporal e espacial do conhecimento que se traduzna organizao dos tempos e espaos escolares e do trabalho dosproessores e alunos. Por outro lado, todos os textos constatamas mudanas que vm ao longo dos tempos sociais, de trabalho,de vida e sobrevivncia dos educandos e educadores. Essasmudanas condicionam os tempos de socializao e ormao, deaprendizagem. Conseqentemente interrogam as lgicas temporais

    e espaciais de organizao escolar e curricular. Ver o currculo comouma opo especca por uma organizao temporal e espacial,que condiciona a organizao da escola, dos processos de ensinar-aprender e do trabalho dos educadores e educandos, nos leva arepensar essa organizao nas propostas de reorientao curricular.

    Todos os textos, de alguma maneira, abordam a questo daavaliao. O que se avalia e como se avalia est condicionado pelascompetncias, habilidades, conhecimentos que o currculo privilegiaou secundariza. Os valores e as lgicas de avaliao reproduzemos valores, lgicas e hierarquias que selecionam, organizam os

    conhecimentos nos currculos. Por sua vez, o que se privilegianas avaliaes escolares e nacionais determina as competnciase conhecimentos privilegiados ou secundarizados no currculo.Reorientar processos e critrios de avaliao implica em reorientar aorganizao curricular e vice-versa.

    Este conjunto de indagaes toca em preocupaes que ocupam osprossionais da educao bsica: qual o papel da docncia, da pedagogiae da escola? Que concepes de sociedade, de escola, de educao, deconhecimento, de cultura e de currculo orientaro a escolha das prticaseducativas?

    Sabemos que esse conjunto de questes tem sido objeto de debatenas escolas e no cenrio educacional nas ltimas dcadas. A uno da escola,da docncia e da pedagogia vem se ampliando, medida que a sociedade e,sobretudo, os educandos mudam e o direito educao se alarga, incluindoo direito ao conhecimento, s cincias, aos avanos tecnolgicos e s novastecnologias de inormao. Mas tambm o direito cultura, s artes, diversidade de linguagens e ormas de comunicao, aos sistemas simblicose ao sistema de valores que regem o convvio social, ormao como sujeitosticos.

    Os textos coincidem ao pensar a educao, o conhecimento, a escola, ocurrculo a servio de um projeto de sociedade democrtica, justa e igualitria.

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    Introduo

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    Um ideal de sociedade que avana na cultura poltica, social e tambmpedaggica. Uma sociedade regida pelo imperativo tico da garantia dosdireitos humanos para todos.

    Diante do ideal de construir essa sociedade, a escola, o currculo e

    a docncia so obrigados a se indagar e tentar superar toda prtica e todacultura seletiva, excludente, segregadora e classicatria na organizao doconhecimento, dos tempos e espaos, dos agrupamentos dos educandose tambm na organizao do convvio e do trabalho dos educadores e doseducandos. preciso superar processos de avaliao sentenciadora queimpossibilitam que crianas, adolescentes, jovens e adultos sejam respeitadosem seu direito a um percurso contnuo de aprendizagem, socializao edesenvolvimento humano.

    O sistema escolar, assim como a nossa sociedade, vai avanando

    para esse ideal democrtico de justia e igualdade, de garantia dos direitossociais, culturais, humanos para todos. Mas ainda h indagaes que exigemrespostas e propostas mais rmes para superar tratos desiguais, lgicas eculturas excludentes. Todos os textos, em seus vrios ngulos, destacam essasindagaes no apenas sobre o currculo, mas sobre a escola, a docncia e seusesoros por construir estruturas mais igualitrias, menos seletivas.

    A quem cabe a tarea de captar essas indagaes e trabalh-las? Atodo o coletivo de prossionais do sistema escolar, proessores, coordenadorespedaggicos, diretores, dirigentes municipais e estaduais, prossionais dasSecretarias e do MEC. Planejar encontros, espaos para estudo, debates,

    pesquisar prticas educativas que se indagam e buscam respostas azem partedessa tarea.

    Em cada um dos textos e no seu conjunto, as indagaes apontame sinalizam atividades que j acontecem em muitos coletivos, escolas eRedes tempos de estudo, organizao de ocinas, congressos, debatesde reorientaes curriculares, de reinveno de processos de apreenso doconhecimento e de organizao de convvios; trato de dimenses da ormaoem projetos; reinveno das avaliaes por valores igualitrios e democrticos;respeito diversidade e superao das desigualdades etc. atividades quegarantem o direito dos prossionais da Educao Bsica ormao e a seremmais sujeitos de seu trabalho.

    AsIndagaes sobre Currculo esperam contribuir com a dinmicapromissora que vem da riqueza das teorias sobre o currculo e sobre aormao humana, e que vem das prticas pedaggicas das escolas e dasRedes. Contribuir com o prossionalismo das proessoras e dos proessores daEducao Bsica.

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    COMO LER E TRABALHAR OS TEXTOS?

    Na especicidade de cada coletivo, escola e sistema, esses eixospodero ser desdobrados, alguns sero mais enatizados. Outras indagaes

    podero ser acrescentadas. Esse poder ser um exerccio dos coletivos. Noconjunto de textos, prevalece um trato dialogal, aberto, buscando incentivaresse exerccio de cultivar sensibilidades tericas e pedaggicas para identicare ouvir as indagaes que vm das teorias e prticas e para apontarreorientaes.

    Cada texto pode ser lido e trabalhado separadamente e sem umaordem seqenciada. Cada eixo tem seus signicados. Entretanto, ser cilperceber que as indagaes dos diversos textos se reoram e se ampliam. Naleitura do conjunto, ser cil perceber que h indagaes que so constantes,

    que azem parte da dinmica de nosso tempo. Um exerccio coletivo poder serperceber essas indagaes mais constantes e instigantes, ver como se articulame se reoram entre si. Perceber essas articulaes ser importante para tratar ocurrculo e as prticas educativas das escolas como um todo e como propostascoesas de ormao dos educandos e dos educadores. Captar o que h de maisarticulado no conjunto de indagaes auxiliar a superar estilos recortados eragmentados de propostas curriculares, de abordagens do conhecimento e dosprocessos de ensino-aprendizagem.

    Departamento de Polticas de Educao Infantil e

    Ensino Fundamental

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    CURRCULO, CONHECIMENTOE CULTURA

    Antonio Flavio Barbosa Moreira

    Vera Maria Candau2

    Este texto tem por objetivo oerecer aos proessores e proessoras, assimcomo aos prossionais de educao em geral, alguns elementos que permi-

    tam a refexo e a discusso de questes que consideramos signicativas para odesenvolvimento do currculo em nossas escolas, na perspectiva da promoode uma educao de qualidade para todos e todas, democrtica, relevante doponto de vista da construo do conhecimento escolar e multiculturalmenteorientada.

    . Os estudos de currculo:desenvolvimento e preocupaes

    Questes reerentes ao currculo tm-se constitudo em reqente alvoda ateno de autoridades, proessores, gestores, pais, estudantes, membros dacomunidade. Quais as razes dessa preocupao to ntida e to persistente?Ser mesmo importante que ns, prossionais da educao, acompanhemostoda essa discusso e nela nos envolvamos? No ser suciente deixarmos queas autoridades competentes tomem as devidas decises sobre o que deve serensinado nas salas de aula?

    Para examinarmos possveis respostas a essas perguntas, talvez sejanecessrio esclarecer o que estamos entendendo pela palavra currculo, to

    amiliar a todos que trabalhamos nas escolas e nos sistemas educacionais. Porcausa dessa amiliaridade, talvez no dediquemos muito tempo a refetir sobreo sentido do termo, bastante reqente em conversas nas escolas, palestrasa que assistimos, textos acadmicos, notcias em jornais, discursos de nossasautoridades e propostas curriculares ociais.

    palavra currculo associam-se distintas concepes, que derivamdos diversos modos de como a educao concebida historicamente, bemcomo das infuncias tericas que a aetam e se azem hegemnicas em umdado momento. Dierentes atores scio-econmicos, polticos e culturais

    contribuem, assim, para que currculo venha a ser entendido como:1 Doutor em Educao Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Universidade Catlica de Petrpolis.2 Doutora - Universidade Catlica do Rio de Janeiro.

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    (a) os contedos a serem ensinados e aprendidos;(b) as experincias de aprendizagem escolares a serem vividas pelos

    alunos;(c) os planos pedaggicos elaborados por proessores, escolas e

    sistemas educacionais;(d) os objetivos a serem alcanados por meio do processo de ensino;(e) os processos de avaliao que terminam por infuir nos contedos

    e nos procedimentos selecionados nos dierentes graus daescolarizao.

    Sem pretender considerar qualquer uma dessas ou de outrasconcepes como certa ou como errada, j que elas refetem variadosposicionamentos, compromissos e pontos de vista tericos, podemos armar

    que as discusses sobre o currculo incorporam, com maior ou menor nase,discusses sobre os conhecimentos escolares, sobre os procedimentos eas relaes sociais que conormam o cenrio em que os conhecimentos seensinam e se aprendem, sobre as transormaes que desejamos eetuar nosalunos e alunas, sobre os valores que desejamos inculcar e sobre as identidadesque pretendemos construir. Discusses sobre conhecimento, verdade, poder eidentidade marcam, invariavelmente, as discusses sobre questes curriculares(Silva, 1999a).

    Como estamos concebendo, ento, a palavra currculo neste texto?Procurando resumir os aspectos acima mencionados, estamos entendendo

    currculo como as experincias escolares que se desdobram em torno doconhecimento, em meio a relaes sociais, e que contribuem para a construodas identidades de nossos/as estudantes. Currculo associa-se, assim, aoconjunto de esoros pedaggicos desenvolvidos com intenes educativas.Por esse motivo, a palavra tem sido usada para todo e qualquer espaoorganizado para aetar e educar pessoas, o que explica o uso de expressescomo o currculo da mdia, o currculo da priso etc. Ns, contudo, estamosempregando a palavra currculo apenas para nos reerirmos s atividadesorganizadas por instituies escolares. Ou seja, para nos reerirmos escola.

    Cabe destacar que a palavra currculo tem sido tambm utilizadapara indicar eeitos alcanados na escola, que no esto explicitados nosplanos e nas propostas, no sendo sempre, por isso, claramente percebidospela comunidade escolar. Trata-se do chamado currculo oculto, que envolve,dominantemente, atitudes e valores transmitidos, subliminarmente, pelasrelaes sociais e pelas rotinas do cotidiano escolar. Fazem parte do currculooculto, assim, rituais e prticas, relaes hierrquicas, regras e procedimentos,modos de organizar o espao e o tempo na escola, modos de distribuir osalunos por grupamentos e turmas, mensagens implcitas nas alas dos(as)proessores(as) e nos livros didticos. So exemplos de currculo oculto: a

    orma como a escola incentiva a criana a chamar a proessora (tia, Fulana,Proessora etc); a maneira como arrumamos as carteiras na sala de aula (em

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    crculo ou alinhadas); as vises de amlia que ainda se encontram em certoslivros didticos (restritas ou no amlia tradicional de classe mdia).

    Que conseqncias tais aspectos, sobre os quais muitas vezes nopensamos, podem estar provocando nos alunos? No seria importante

    identic-los e vericar como, nas prticas de nossa escola, poderamos estarcontribuindo para um currculo oculto capaz de oprimir alguns de nossos(as)estudantes (por razes ligadas a classe social, gnero, raa, sexualidade)?

    Julgamos importante ressaltar que,qualquer que seja a concepo de currculoque adotamos, no parece haver dvidasquanto sua importncia no processoeducativo escolar. Como essa importnciase evidencia? Pode-se armar que por

    intermdio do currculo que as coisasacontecem na escola. No currculo sesistematizam nossos esoros pedaggicos.O currculo , em outras palavras, o coraoda escola, o espao central em que todosatuamos, o que nos torna, nos dierentes

    nveis do processo educacional, responsveis por sua elaborao. O papel doeducador no processo curricular , assim, undamental. Ele um dos grandesartces, queira ou no, da construo dos currculos que se materializamnas escolas e nas salas de aula. Da a necessidade de constantes discusses

    e refexes, na escola, sobre o currculo, tanto o currculo ormalmenteplanejado e desenvolvido quanto o currculo oculto. Da nossa obrigao, comoprossionais da educao, de participar crtica e criativamente na elaborao decurrculos mais atraentes, mais democrticos, mais ecundos.

    Nessas refexes e discusses, podemos e devemos recorrer aosdocumentos ociais, como a Lei de Diretrizes e Bases, as DiretrizesCurriculares Nacionais, as Propostas Curriculares Estaduais e Municipais.Neles encontraremos subsdios undamentais para o nosso trabalho. Podemose devemos tambm recorrer aos estudos que vm sendo eitos, em nosso pas,por pesquisadores e estudiosos do campo. Tais estudos tm-se intensicado,principalmente a partir da dcada de 1990, tm sido apresentados eminmeros congressos e seminrios, bem como publicados em peridicos deexpressiva circulao nacional.

    Recentes anlises desses estudos destacam como as preocupaes dospesquisadores tm-se deslocado das relaes entre currculo e conhecimentoescolar para as relaes entre currculo e cultura (Moreira, 2002a). Queaspectos tm provocado essa virada? Por que o oco to orte em questesculturais? Resumidamente, cabe reconhecer, hoje, a preponderncia da eseracultural na organizao de nossa vida social, bem como na teoria social

    contempornea.

    O papel do educador no

    processo curricular ,

    assim, fundamental. Ele

    um dos grandes artces,

    queira ou no, da construodos currculos que se

    materializam nas escolas e

    nas salas de aula.

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    Stuart Hall (1997, p.97), conhecido intelectual caribenho radicadona Gr-Bretanha e um dos undadores do centro de pesquisas que oi obero dos Estudos Culturais, naUniversidade de Birmingham (Inglaterra), especialmente incisivo nessa perspectiva.

    Por bem ou por mal, a cultura agora um dos elementos maisdinmicos e mais imprevisveis da mudana histrica nonovo milnio. No deve nos surpreender, ento, que as lutas pelo

    poder sejam, crescentemente, simblicas e discursivas, ao invsde tomar, simplesmente, uma orma sica e compulsiva, e que as

    prprias polticas assumam progressivamente a eio de umapoltica cultural.

    Ainda, inegvel a pluralidade cultural do mundo em que vivemos eque se maniesta, de orma impetuosa, em todos os espaos sociais, inclusivenas escolas e nas salas de aula. Essa pluralidade reqentemente acarretaconrontos e confitos, tornando cada vez mais agudos os desaos a seremenrentados pelos prossionais da educao. No entanto, essa mesmapluralidade pode propiciar o enriquecimento e a renovao das possibilidadesde atuao pedaggica.

    Antes, porm, de analisarmos as relaesentre currculo e cultura, examinaremos o outrotema central das discusses sobre currculo

    o conhecimento escolar. Procuraremosrealar sua importncia para todos osque se envolvem no processo curricular edestacaremos o processo de sua elaboraoem dierentes nveis do sistema educativo.Subjacente aos nossos comentrios est acrena de que a escola precisa preparar-se parabem socializar os conhecimentos escolares e acilitar o acesso do(a) estudantea outros saberes. Subjacente aos nossos comentrios est a crena de que osconhecimentos que se constroem e que circulam nos dierentes espaos sociaisconstituem direito de todos (Arroyo, 2006).

    ... A escola precisa

    preparar-se para

    bem socializar osconhecimentos escolares

    e facilitar o acesso do(a)

    estudante a outros

    saberes.

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    2. Esclarecendo o que entendemos porconhecimento escolar

    Que devemos entender por conhecimento escolar? Reiteramos que ele um dos elementos centrais do currculo e que sua aprendizagem constitui

    condio indispensvel para que os conhecimentos socialmente produzidospossam ser apreendidos, criticados e reconstrudos por todos/as os/as estu-dantes do pas. Da a necessidade de um ensino ativo e eetivo, com um/aproessor/a comprometido(a), que conhea bem, escolha, organize e trabalheos conhecimentos a serem aprendidos pelos(as) alunos(as). Da a importn-cia de selecionarmos, para incluso no currculo, conhecimentos relevantes esignicativos.

    Mas, para que nossos pontos de vista sejam bem compreendidos, preciso esclarecer o que estamos considerando como qualidade e relevncia

    na educao e no currculo. A nossover, uma educao de qualidade devepropiciar ao() estudante ir alm dosreerentes presentes em seu mundocotidiano, assumindo-o e ampliando-o, transormando-se, assim, em umsujeito ativo na mudana de seucontexto. Que se az necessrio paraque esse movimento ocorra? A nosso

    ver, so indispensveis conhecimentosescolares que acilitem ao() aluno(a)uma compreenso acurada da realidade

    em que est inserido, que possibilitemuma ao consciente e segura no mundo

    imediato e que, alm disso, promovam aampliao de seu universo cultural.

    Entendemos relevncia, ento, como o potencial que o currculo possui

    de tornar as pessoas capazes de compreender o papel que devem ter namudana de seus contextos imediatos e da sociedade em geral, bem como deajud-las a adquirir os conhecimentos e as habilidades necessrias para queisso acontea. Relevncia sugere conhecimentos e experincias que contribuampara ormar sujeitos autnomos, crticos e criativos que analisem como ascoisas passaram a ser o que so e como azer para que elas sejam dierentes doque hoje so (Avalos, 1992; Santos e Moreira, 1995).

    Que implicaes esses pontos de vistas tm para a prtica curricular?Julgamos que uma educao de qualidade, como a que deendemos,requer a seleo de conhecimentos relevantes, que incentivem mudanasindividuais e sociais, assim como ormas de organizao e de distribuio dosconhecimentos escolares que possibilitem sua apreenso e sua crtica. Tais

    Entendemos relevncia, ento,

    como o potencial que o currculo

    possui de tornar as pessoas

    capazes de compreender o papel

    que devem ter na mudana

    de seus contextos imediatos eda sociedade em geral, bem

    como de ajud-las a adquirir os

    conhecimentos e as habilidades

    necessrias para que isso

    acontea.

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    processos necessariamente implicam o dilogo com os saberes disciplinaresassim como com outros saberes socialmente produzidos.

    Reerimo-nos a conhecimentos escolares relevantes e signicativos.Mas talvez no tenhamos, at o momento, esclarecido sucientemente o que

    estamos denominando de conhecimento escolar. Que aspectos o caracterizam?Quem o constri? Onde? Inicialmente,cabe ressaltar que concebemos oconhecimento escolar como umaconstruo especca da esera educativa,no como uma mera simplicao deconhecimentos produzidos ora daescola. Consideramos, ainda, que oconhecimento escolar tem caractersticas

    prprias que o distinguem de outrasormas de conhecimento. Ou seja, vemoso conhecimento escolar como um tipode conhecimento produzido pelo sistemaescolar e pelo contexto social e econmicomais amplo, produo essa que se d emmeio a relaes de poder estabelecidas noaparelho escolar e entre esse aparelho e a sociedade (Santos, 1995).

    O currculo, nessa perspectiva, constitui um dispositivo em que seconcentram as relaes entre a sociedade e a escola, entre os saberes e as

    prticas socialmente construdos e os conhecimentos escolares. Podemos dizerque os primeiros constituem as origens dos segundos. Em outras palavras, osconhecimentos escolares provm de saberes e conhecimentos socialmenteproduzidos nos chamados mbitos de reerncia dos currculos. Que soesses mbitos de reerncia? Podemos consider-los como correspondendo:(a) s instituies produtoras do conhecimento cientco (universidades ecentros de pesquisa); (b) ao mundo do trabalho; (c) aos desenvolvimentostecnolgicos; (d) s atividades desportivas e corporais; (e) produo artstica;() ao campo da sade; (g) s ormas diversas de exerccio da cidadania; (h) aosmovimentos sociais (Terigi, 1999).

    Nesses espaos, produzem-se os dierentes saberes dos quais derivamos conhecimentos escolares. Os conhecimentos oriundos desses dierentesmbitos so, ento, selecionados e preparadospara constituir o currculoormal, para constituir o conhecimento escolar que se ensina e se aprende nassalas de aula. Ressalte-se que, alm desses espaos, a prpria escola constituilocal em que determinados saberes so tambm elaborados, ensinados eaprendidos. Exemplique-se com a gramtica escolar, historicamente criadapela prpria escola, na escola e para a escola (Chervel, 1990).

    Que importncia tem para ns, proessores e gestores, compreender o

    que se chama de conhecimento escolar? De que modo conhecer essa noomodica nossa prtica? Cienticamo-nos de que os conhecimentos ensinados

    ... concebemos o conhecimento

    escolar como uma construo

    especca da esfera educativa,

    no como uma mera

    simplicao de conhecimentos

    produzidos fora da escola.

    Consideramos, ainda, que oconhecimento escolar tem

    caractersticas prprias que o

    distinguem de outras formas de

    conhecimento.

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    na escola no so cpias exatas de conhecimentos socialmente construdos.Assim, no h como inserir, nas salas de aula e nas escolas, os saberes e asprticas tal como uncionam em seus contextos de origem. Para se tornaremconhecimentos escolares, os conhecimentos de reerncia sorem uma

    descontextualizao e, a seguir, um processo de recontextualizao. A atividadeescolar, portanto, supe uma certa ruptura com as atividades prprias doscampos de reerncia.

    Essa constatao certamente aeta o trabalho pedaggico. Como?Cientes das transormaes por que passam os conhecimentos de reernciaat se tornarem conhecimentos escolares, no iremos mais supor que a escolapossa ser organizada, para o ensino de Cincias, por exemplo, como umpequeno laboratrio, similar aos que existem em outros locais. A investigaocientca, tal como se desenvolve em um laboratrio de pesquisas, bem

    distinta da seqncia de passos estipulados em um manual didtico deexperincias cientcas escolares.Outro exemplo pode ser encontrado no campo das atividades

    desportivas. A prtica do desporto apresenta, em locais de treinamentode atletas prossionais, caractersticas bem dierenciadas das experinciasoerecidas ao() estudante nas aulas de Educao Fsica. Torna-se sem sentido,portanto, qualquer tentativa de transormar tais aulas em momentos depreparao de uturos atletas.

    Os dois exemplos citados permitem-nos perceber como a concepo deconhecimento escolar que propomos pode infuir na seleo e na organizao

    das experincias de aprendizagem a serem vividas por estudantes e docentes.Em sntese, a viso de conhecimento escolar por ns adotada, bem como oreconhecimento de que devemos trabalhar com conhecimentos signicativose relevantes, tero certamente eeitos no processo de elaborao do projetopoltico-pedaggico da escola.

    Mas em que consistem os mencionados processos dedescontextualizao e recontextualizao do conhecimento escolar? Queprocessos so empregados na abricaodos conhecimentos escolares?Mencionaremos alguns deles, apoiando-nos em Terigi (1999). Em primeirolugar, destacamos a descontextualizao dos saberes e das prticas, que costumaazer com que o conhecimento escolar d a impresso de pronto, acabado,impermevel a crticas e discusses. O processo de produo, com todos osseus confitos e interesses, tende a ser omitido. Qual a conseqncia dessaomisso? O estudante acaba aprendendo simplesmente o produto, o resultadode um longo trajeto, cuja complexidade tambm se perde.

    Ao observarmos com cuidado os livros didticos, podemos vericarque eles no costumam incluir, entre os contedos selecionados, os debates,as discordncias, os processos de reviso e de questionamento que marcam osconhecimentos e os saberes em muitos de seus contextos originais. Dicilmen-

    te encontramos, em programas e em materiais didticos, menes s disputasque se travam, por exemplo, no avano do prprio conhecimento cientco.

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    Devemos avaliar o processo de descontextualizao que vimosdiscutindo como totalmente nocivo ao processo curricular? A nosso ver, certograu de descontextualizao se az necessrio no ensino, j que os saberes eas prticas produzidos nos mbitos de reerncia do currculo no podem ser

    ensinados tal como uncionam em seu contexto de origem. Todavia, precisamosestar atentos para o risco de perda de sentido dos conhecimentos, possvel deacontecer se trabalharmos com uma orte descontextualizao (Terigi, 1999).Conhecimentos totalmente descontextualizados, aparentemente puros,perdem suas inevitveis conexes com o mundo social em que so construdose uncionam. Conhecimentos totalmente descontextualizados no permitemque se evidencie como os saberes e as prticas envolvem, necessariamente,questes de identidade social, interesses, relaes de poder e confitosinterpessoais. Conhecimentos totalmente descontextualizados desavorecem,

    assim, um ensino mais refexivo e uma aprendizagem mais signicativa.No seria oportuno, ento, que buscssemos, na escola, vericar se ecomo tais questes se expressam nos livros didticos com que trabalhamos?Como, tendo em vista o que vimos apresentando, poderamos pensar emnovas estratgias de crtica e de utilizao dos livros? Como poderamospreencher algumas das lacunasneles observadas? No seria pertinenteprocurarmos complementar os conhecimentos includos nos livros cominormaes e discusses reerentes aos processos de construo dosconhecimentos de reerncia, tais como ocorrem em outros espaos sociais?Que interesses, confitos e disputas os tm marcado? Como podemos nos

    inormar melhor sobre tais processos? A quem podemos recorrer? Julgamosque o debate dessas e de outras questes similares pode, na escola, estimularnovas e criativas ormas de se trabalhar tanto o livro didtico quanto outrosmateriais e outras ontes que nos auxiliam no complexo processo de avorecera aprendizagem de nossos(as) estudantes.

    Em segundo lugar, ressaltamos a subordinao dos conhecimentosescolares ao que conhecemos sobre o desenvolvimento humano. Ou seja, osconhecimentos escolares costumam ser selecionados e organizados com basenos ritmos e nas seqncias propostas pela psicologia do desenvolvimento. bastante comum, em nossas salas de aula, o esoro do(a) proessor(a)por escolher atividades e contedos que se mostrem adequados etapado desenvolvimento em que supostamente se encontra o(a) aluno(a). Emmuitos casos, a conseqncia ignorarmos o quanto muitos(as) de nossos(as)estudantes conseguem queimar etapase aprender, de modo que nossurpreende, conhecimentos que julgvamos acima de seu alcance. Para oadolescente amiliarizado com as inmeras possibilidades oerecidas pelainternet, o acesso a inormaes e saberes se az, reqentemente, de modo nolinear e no gradativo. Ser que, na escola, estamos sabendo tirar sucienteproveito das vantagens resultantes do uso de novas tecnologias? Como

    poderamos aproveit-las melhor?

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    Em terceiro lugar, os conhecimentos escolares tendem a se submeteraos ritmos e s rotinas que permitem sua avaliao. Ou seja, tendemos aensinar conhecimentos que possam ser, de algum modo, avaliados. Mas, claro, nem todos os contedos so avaliados da mesma orma. Os que

    historicamente tm sido vistos como os mais importantescostumam seravaliados segundo padres vistos como mais rigorosos, ainda que nose problematize quem ganha e quem perde com essa hierarquia. Chega-se mesmo a aceitar, sem questionamentos, que as vozes de docentes dedeterminadas disciplinas sejam ouvidas, nos Conselhos de Classe, com maisintensidade que as de docentes de disciplinas em que o processo de avaliaono se centra em provas ou testes escritos.

    Em quarto lugar, o processo de construo do conhecimento escolarsore, inegavelmente, eeitos de relaes de poder. Recorrendo mais uma

    vez ao Conselho de Classe: a hierarquiaque se encontra no currculo,com base na qual se valorizam dierentementeos conhecimentos escolares e se justicaa prioridade concedida matemtica emdetrimento da lngua estrangeira ou da geograa,deriva, certamente, de relaes de poder. Nessahierarquia, se supervalorizam as chamadasdisciplinas cientcas, secundarizando-se ossaberes reerentes s artes e ao corpo. Nessahierarquia, separam-se a razo da emoo, a

    teoria da prtica, o conhecimento da cultura.Nessa hierarquia, legitimam-se saberes socialmente reconhecidos eestigmatizam-se saberes populares. Nessa hierarquia, silenciam-se as vozesde muitos indivduos e grupos sociais e classicam-se seus saberes comoindignos de entrarem na sala de aula e de serem ensinados e aprendidos.Nessa hierarquia, reoram-se relaes de poder avorveis manuteno dasdesigualdades e das dierenas que caracterizam nossa estrutura social.

    De que modo a compreenso dos processos de construo doconhecimento escolar til ao() proessor(a)? Se o(a) proessor(a) entendecomo o conhecimento escolar se produz, saber melhor distinguir em quemomento os mecanismos implicados nessa produo esto avorecendo ouatravancando o trabalho docente. Em outras palavras, a compreenso doprocesso de construo do conhecimento escolar acilita ao proessor umamaior compreenso do prprio processo pedaggico, o que pode estimularnovas abordagens, na tentativa tanto de bem selecionar e organizar osconhecimentos quanto de conerir uma orientao cultural ao currculo.

    Vejamos, ento, como abordar, nas decises curriculares, a diversidade culturalque marca nossa sociedade.

    ... O processo de

    construo do

    conhecimento escolar

    sofre, inegavelmente,

    efeitos de relaes de

    poder.

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    3. Cultura, diversidade cultural e currculo

    Que entendemos pela palavra cultura? Talvez seja til esclarecermos, ini-

    cialmente, como a estamos concebendo, j que seus sentidos tm variadoao longo dos tempos, particularmente no perodo da transio de ormaessociais tradicionais para a modernidade (Bocock, 1995; Canen e Moreira, 2001).

    Acreditamos que tal esclarecimento pode subsidiar a discusso das relaesentre currculo e cultura.

    O primeiro e mais antigo signicado de cultura encontra-se naliteratura do sculo XV, em que a palavra se reere a cultivo da terra, deplantaes e de animais. nesse sentido que entendemos palavras comoagricultura, foricultura, suinocultura.

    O segundo signicado emerge no incio do sculo XVI, ampliando aidia de cultivo da terra e de animais para a mente humana. Ou seja, passa-se aalar em mente humana cultivada, armando-se mesmo que somente algunsindivduos, grupos ou classes sociais apresentam mentes e maneiras cultivadase que somente algumas naes apresentam elevado padro de cultura oucivilizao. No sculo XVIII, consolida-se o carter classista da idia de cultura,evidente na idia de que somente as classes privilegiadas da sociedadeeuropia atingiriam o nvel de renamento que as caracterizaria como cultas.O sentido de cultura, que ainda hoje a associa s artes, tem suas origens nessasegunda concepo: cultura, tal como as elites a concebem, corresponde ao

    bem apreciar msica, literatura, cinema, teatro, pintura, escultura, losoa. Serque no encontramos vestgios dessa concepo tanto em alguns de nossosatuais currculos como em textos que se escrevem sobre currculo? Para algunsdocentes, o estudo da literatura, por exemplo, ainda tende a se restringir aescritores e livros vistos como clssicos. Para alguns estudiosos da cultura e daeducao, os grandes autores, as grandes obras e as grandes idias deveriamconstituir o ncleo central dos currculos de nossas escolas.

    J no sculo XX, a noo de cultura passa a incluir a cultura popular,hoje penetrada pelos contedos dos meios de comunicao de massa.

    Dierenas e tenses entre os signicados de cultura elevada e de culturapopular acentuam-se, levando a um uso do termo cultura que se marca porvalorizaes e avaliaes. Ser que algumas de nossas escolas no continuama echar suas portas para as maniestaes culturais associadas culturapopular, contribuindo, assim, para que saberes e valores amiliares a muitos(as)estudantes sejam desvalorizados e abandonados na entrada da sala de aula?Poderia ser dierente? Como?

    Um terceiro sentido da palavra cultura, originado no Iluminismo, aassocia a umprocesso secular geral de desenvolvimento social. Esse signicado comum nas cincias sociais, sugerindo a crena em um processo harmnico

    de desenvolvimento da humanidade, constitudo por etapas claramentedenidas, pelo qual todas as sociedades inevitavelmente passam. Tal processo

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    acaba equivalendo, por coincidncia, aos rumos seguidos pelas sociedadeseuropias, as nicas a atingirem o grau mais elevado de desenvolvimento.H ainda refexos dessa viso no currculo? Parece-nos que sim. Em algunscursos de Histria, por exemplo, as reerncias se azem, dominantemente, s

    histrias dos povos desenvolvidos, o que nos aliena dos esoros e dos rumosseguidos na maioria dos pases que ormam o chamado Terceiro Mundo

    Em um quarto sentido, a palavra culturas(no plural) corresponde aosdiversos modos de vida, valores e signicados compartilhados por dierentesgrupos (naes, classes sociais, grupos tnicos, culturas regionais, geracionais,de gnero etc) e perodos histricos. Trata-se de uma viso antropolgica decultura, em que se enatizam os signicados que os grupos compartilham, ouseja, os contedos culturais. Cultura identica-se, assim, com aorma geral devida de um dado grupo social, com as representaes da realidade e as vises

    de mundo adotadas por esse grupo. Aexpresso dessa concepo, no currculo,poder evidenciar-se no respeito eno acolhimento das maniestaesculturais dos(as) estudantes, por maisdesprestigiadas que sejam.

    Finalmente, um quintosignicado tem tido considervelimpacto nas cincias sociais e nashumanidades em geral. Deriva da

    antropologia social e tambm sereere a signicados compartilhados.Dierentemente da concepo anterior,porm, ressalta a dimenso simblica, oque a cultura az, em vez de acentuar oque a cultura . Nessa mudana, eetua-

    se um movimento do que para o como. Concebe-se, assim, a cultura comoprtica social, no como coisa (artes) ou estado de ser (civilizao).

    Nesse enoque, coisas e eventos do mundo natural existem, mas noapresentam sentidos intrnsecos: os signicados so atribudos a partir dalinguagem. Quando um grupo compartilha uma cultura, compartilha umconjunto de signicados, construdos, ensinados e aprendidos nas prticasde utilizao da linguagem. A palavra cultura implica, portanto, o conjuntode prticas por meio das quais signicados so produzidos e compartilhadosem um grupo. So os arranjos e as relaes envolvidas em um evento quepassam, dominantemente, a despertar a ateno dos que analisam a culturacom base nessa quinta perspectiva, passvel de ser resumida na idia de quecultura representa um conjunto de prticas signicantes. No ser pertinenteconsiderarmos tambm o currculo como um conjunto de prticas em que

    signicados so construdos, disputados, rejeitados, compartilhados? Comoentender, ento, as relaes entre currculo e cultura?

    Quando um grupo compartilha

    uma cultura, compartilha

    um conjunto de signicados,

    construdos, ensinados e

    aprendidos nas prticas de

    utilizao da linguagem.

    A palavra cultura implica,

    portanto, o conjunto deprticas por meio das quais

    signicados so produzidos e

    compartilhados em um grupo.

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    Se entendermos o currculo, como prope Williams (1984), comoescolhas que se azem em vasto leque de possibilidades, ou seja, comouma seleo da cultura, podemos conceb-lo, tambm, como conjunto deprticas que produzem signicados. Nesse sentido, consideraes de Silva

    (1999b) podem ser teis. Segundo o autor, o currculo o espao em que seconcentram e se desdobram as lutas em torno dos dierentes signicados sobreo social e sobre o poltico. por meio do currculo que certos grupos sociais,especialmente os dominantes, expressam sua viso de mundo, seu projetosocial, sua verdade. O currculo representa, assim, um conjunto de prticasque propiciam a produo, a circulao e o consumo de signicados no espaosocial e que contribuem, intensamente, para a construo de identidadessociais e culturais. O currculo , por conseqncia, um dispositivo de grandeeeito no processo de construo da identidade do(a) estudante.

    No se mostra, ento, evidente a ntima relao entre currculo ecultura? Se, em uma sociedade cindida, a cultura um terreno no qual seprocessam disputas pela preservao ou pela superao das divises sociais, ocurrculo um espao em que esse mesmoconfito se maniesta. O currculo umcampo em que se tenta impor tanto adenio particular de cultura de um dadogrupo quanto o contedo dessa cultura.O currculo um territrio em que setravam erozes competies em torno dos

    signicados. O currculo no um veculoque transporta algo a ser transmitido eabsorvido, mas sim um lugar em que,ativamente, em meio a tenses, se produze se reproduz a cultura. Currculo reere-se,portanto, a criao, recriao, contestao etransgresso (Moreira e Silva, 1994).

    Como todos esses processos se concretizamno currculo? Pode-sedizer que no currculo se evidenciam esoros tanto por consolidar as situaesde opresso e discriminao a que certos grupos sociais tm sido submetidos,quanto por questionar os arranjos sociais em que essas situaes se sustentam.Isso se torna claro ao nos lembrarmos dos inmeros e expressivos relatosde prticas, em salas de aulas, que contribuem para cristalizar preconceitose discriminaes, representaes estereotipadas e desrespeitosas de certoscomportamentos, certos estudantes e certos grupos sociais. Em Conselhos deClasse, algumas dessas vises, lamentavelmente, se refetem em rases como:vindo de onde vem, ele no podia mesmo dar certo na escola!.

    Ao mesmo tempo, h inmeros e expressivos relatos de prticasalternativas em que proessores(as) desaam as relaes de poder que tm

    justicado e preservado privilgios e marginalizaes, procurando contribuirpara elevar a auto-estima de estudantes associados a grupos subalternizados.

    O currculo um campo em

    que se tenta impor tanto

    a denio particular de

    cultura de um dado grupo

    quanto o contedo dessa

    cultura. O currculo um

    territrio em que se travam

    ferozes competies em

    torno dos signicados.

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    Ou seja, no processo curricular, distintas e complexas tm sido as respostasdadas diversidade e pluralidade que marcam de modo to agudo opanorama cultural contemporneo.

    Cabe tambm ressaltar a signicativa infuncia exercida, junto s

    crianas e aos adolescentes que povoam nossas salas de aula, pelos currculospor eles vividosem outros espaos scio-educativos (shoppings, clubes,associaes, igrejas, meios de comunicao, grupos inormais de convivnciaetc), nos quais se azem sentir com intensidade muitos dos complexosenmenos associveis ao processo de globalizao que hoje vivenciamos.Nesses outros espaos extra-escolares, os currculos tendem a se organizarcom objetivos distintos dos currculos escolares, o que az com que valorescomo padronizao, consumismo, individualismo, sexismo e etnocentrismopossam entrar em acirrada competio com outras metas, visadas por escolas

    e amlias. Vale perguntar: como temos, nas salas de aula, reagido a esseconusopanorama em que a diversidade se az to presente? Como temosnos esorado para desestabilizar privilgios e discriminaes? Como temosbuscado neutralizar infuncias indesejveis? Como temos, na escola,dialogado com os currculosdesses outros espaos?

    Em resumo, o complexo, variado e confituoso cenrio cultural em queestamos imersos se refete no que ocorre em nossas salas de aula, aetandosensivelmente o trabalho pedaggico que nelas se processa. Voltamos a

    perguntar: como as dierenas derivadasde dinmicas sociais como classe social,

    gnero, etnia, sexualidade, culturae religio tm contaminadonossocurrculo, tanto o currculo ormalquanto o currculo oculto? Comotemos considerado, no currculo, essapluralidade, esse carter multiculturalde nossa sociedade? Como articularcurrculo e multiculturalismo? Queestratgias pedaggicas podem serselecionadas? Temos, proessores egestores, reservado tempo e espao

    sucientes para que essas discusses aconteam nas escolas? Como nossosprojetos poltico-pedaggicos tm incorporado tais preocupaes? Comotemos atendido ao que determina a Lei n 10639/2003, que torna obrigatrio,nos estabelecimentos de ensino undamental e mdio, o ensino sobre Histriae Cultura aro-brasileira? De que modo os proessores se tm inteirado daslutas e conquistas dos negros, das mulheres, dos homossexuais e de outrosgrupos minoritrios oprimidos?

    Sem pretender oerecer respostas prontas a serem aplicadas em

    quaisquer situaes, move-nos a inteno de apresentar alguns princpiosque possam nortear a construo coletiva, em cada escola, de currculos que

    Como temos considerado, no

    currculo, essa pluralidade,

    esse carter multicultural

    de nossa sociedade?

    Como articular currculo

    e multiculturalismo? Que

    estratgias pedaggicas

    podem ser selecionadas?

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    4. Princpios para a construo de currculosmulticulturalmente orientados

    Passemos aos nossos princpios. Insistimos, inicialmente, na necessidadede uma nova postura, por parte do proessorado e dos gestores, no esoro

    por construir currculos culturalmente orientados. Propomos, a seguir, que sereescrevam os conhecimentos escolares, que se evidencie a ancoragem socialdesses conhecimentos, bem como que se transorme a escola e o currculo emespaos de crtica cultural, de dilogo e de desenvolvimento de pesquisas. Es-peramos que nossos princpios possam nortear a escolha de novos contedos,a adoo de novos procedimentos e o estabelecimento de novas relaes naescola e na sala de aula.

    4. A necessidade de uma nova postura

    Elaborar currculos culturalmente orientados demanda umanova postura, por parte da comunidade escolar, de abertura s distintasmaniestaes culturais. Faz-se indispensvel superar o daltonismo cultural,ainda bastante presente nas escolas. O proessor daltnico cultural aqueleque no valoriza o arco-ris de culturasque encontra nas salas de aulas ecom que precisa trabalhar, no tirando, portanto, proveito da riqueza que

    marca esse panorama. aquele que v todos os estudantes como idnticos,no levando em conta a necessidade de estabelecer dierenas nas atividadespedaggicas que promove (Stoer e Corteso, 1999).

    O daltonismo cultural a que nos reerimos expressa-se, por exemplo, naviso da proessora de uma escola normal que desencoraja uma pesquisadorainteressada em compreender o tratamento dado, na escola, a questes reeren-tes a racismo na ormao docente. Lamento, mas aqui voc no ter materialpara seu estudo. No temos problema nenhum de racismo aqui. Eu, por exem-plo, ao entrar em sala, trato todos os meus alunos como se ossem brancos

    (Paraso, 1997). O daltonismo to intenso que chega a impedir que a proes-sora reconhea a presena da diversidade (e de suas conseqncias) na escola.Em casos como esse, pode ser til, em um primeiro momento, buscar-

    mos sensibilizar o corpo docente para a pluralidade e para a diversidade. Comoaz-lo? Que estratgias empregar nessa tarea, para que se possa ter a maioradeso possvel dos que ainda no perceberam a importncia de tais aspectos?

    Nessa perspectiva, importante articular o aproundamento tericocom vivncias de experincias em que os/as prossionais da educao soconvidados/as a se colocar em situaoe analisar as suas prprias reaes.Como se sentiriam e reagiriam, por exemplo, se, como algumas pessoas negras

    ainda tm sido, ossem impedidos(as) de entrar pela porta da renteem umedicio residencial ou em um hotel de luxo?

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    Outra estratgia possvel diz respeito ao resgate de histrias de vidae anlise de estudos de caso reais, trazidos pelos prprios educadores ouregistrados em pesquisas realizadas sobre tal temtica. Talvez alguns docentesse estimulem a apresentar e a discutir situaes em que se viram, eles

    prprios, discriminados, ou em que presenciaram pessoas sendo depreciadas edesrespeitadas. Como se comportaram nesses momentos?

    Em resumo, a ruptura do daltonismo cultural e da viso monoculturalda dinmica escolar um processo pessoal e coletivo que exige desconstruir edesnaturalizar esteretipos e verdadesque impregnam e conguram a culturaescolar e a cultura da escola.

    Aps a adoo de uma nova postura rente pluralidade, outrosprincpios e propsitos podem mostrar-se teis na ormulao dos currculos.

    Vejamos alguns deles.

    4.2 O currculo com um espao em que se reescreve oconhecimento escolar

    Sugerimos que se procure, no currculo, reescrever o conhecimentoescolarusual, tendo-se em mente as dierentes razes tnicas e os dierentespontos de vista envolvidos em sua produo. No processo de construodo conhecimento escolar, que j abordamos, se retiramos interesses e osobjetivos usualmente envolvidos na pesquisa e na produo do conhecimento

    de origem (Terigi, 1999). O conhecimento escolar tende a car, em decorrnciadesse processo, assptico, neutro, despido de qualquer corou sabor.O que estamos desejando, em vez disso, que os interesses ocultados sejamidenticados, evidenciados e subvertidos, para que possamos, ento, reescreveros conhecimentos. Desejamos que o aluno perceba o quanto, em Geograa,os conhecimentos reerentes aos diversos continentes oram construdos emntima associao com o interesse, de certospases, em aumentar suas riquezas pelaconquista e colonizao de outros povos.

    Em conormidade com essaproposta, encontram-se j numerosos(as)proessores(as) de Histria que no mais secontentam em ensinar aos(s) estudantesapenas a viso do dominante, do vencedor. Jse azem reqentes, em suas aulas na escolaundamental, discusses como: o Brasil oidescoberto ou invadido pelos portugueses?

    A Lei urea, assinada pela Princesa Isabel,pretendeu de ato beneciar os escravos? Domingos Fernandes Calabar deve

    ser mesmo considerado um traidor? Em 1964 houve uma revoluo ou umgolpe? Esses e outros inmeros pontos controversos de nossa Histria so

    Sugerimos que se procure,

    no currculo, reescrever

    o conhecimento escolarusual, tendo-se em mente

    as diferentes razes tnicas

    e os diferentes pontos de

    vista envolvidos em sua

    produo.

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    discutidos por docentes e alunos(as), o que az brotar uma anlise bem maislcida dos dierentes e confitantes motivos implicados nos atos histricos,antes vistos como objetivose tratados com base em uma nica verso, aceitasem questionamento. A conseqncia que a anlise se amplia e se enriquece

    pelo conronto de pontos de vista.Alm dessa ampliao da anlise, muitos docentes tm tambm

    procurado incluir no currculo outras Histrias: a das mulheres, a dos povosindgenas, a dos negros, por exemplo. Tais incluses preenchem algumasdas lacunas mais encontradas nas propostas curriculares ociais, trazendo cena vozes e culturas negadas e silenciadas no currculo. Segundo TorresSantom (1995), as culturas ou vozes dos grupos sociais minoritrios e/ou marginalizados que no dispem de estruturas de poder costumamser excludas das salas de aula, chegando mesmo a ser deormadas

    ou estereotipadas, para que se dicultem (ou de ato se anulem) suaspossibilidades de reao, de luta e de armao de direitos.Cabe evitar atribuir qualquer carter extico s maniestaes culturais

    de grupos minoritrios. Ademais, sua presena no currculo no deve assumir otom ortuito, turstico, to criticado por Torres Santom (1995). preciso queos estudos desenvolvidos venham a catalisar, junto aos membros das culturasnegadas e silenciadas, a ormao de uma auto-imagem positiva.

    Para esse mesmo propsito, pode ser til a discusso, em dierentesdisciplinas, dos rumos de dierentes movimentos sociais (negros, mulheres,indgenas, homossexuais), para que se compreendam e se acentuem avanos,

    diculdades e desaos. Lderes desses grupos podem ser convidados aparticipar das atividades. Exposies e cartazes podem ilustrar trajetrias econquistas.

    Cabe esclarecer que no estamos argumentando a avor do eeitoRobin Hood (McCarthy, 1998), segundo o qual se tira de um para dar aooutro, ou seja, no estamos recomendando que simplesmente se substituaum conhecimento por outro. O que estamos sugerindo que se explorem ese conrontem perspectivas, enoques e intenes, para que possam vir tonapropsitos, escolhas, disputas, relaes de poder, represses, silenciamentos,excluses.

    O trabalho com notcias diundidas pela mdia, reqentementederivadas de leituras distintas e at mesmo contraditrias dos atos, assimcomo com msicas, vdeos e outras produes culturais, permite ilustrarcom clareza os conrontos que pretendemos ver explicitados. Examinandodierentes interpretaes, os(as) alunos(as) podero melhor perceber, porexemplo, os objetivos e os jogos, por vezes escusos, implicados em muitasmedidas de nossos polticos e governantes. Certamente a anlise atenta e adiscusso crtica de notcias reerentes deciso de invadir o Iraque, tomadapelo presidente George Bush, aps os ataques terroristas de 11 de setembro de

    2001, podero ajudar o(a) aluno(a) a contrapor verso ocial norte-americanauma outra verso dos acontecimentos em pauta.

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    A leitura crtica de jornais permite tambm vericar como, na Frana, setenta impedir que meninas muulmanas reqentem as salas de aula usandoseus vus. A justicativa que as escolas rancesas so seculares e que ossmbolos religiosos, portanto, devem ser banidos de suas prticas. Proibies

    similares tm ocorrido tambm na Alemanha, vetando-se s proessoras o usodo vu. O que no se divulga como tal medida acaba por solapar importanteelemento da identidade dessas jovens, desrespeitando o direito dierenaque deve pautar toda sociedade quese quer democrtica, plural e inclusiva.Ou seja, a compreenso dos dierentespontos de vista envolvidos na contendapermite que o(a) aluno(a) desconstruao olhar do poder hegemnico e inra

    que outros olhares descortinam outrosngulos, outras razes, outros interesses.Leva-o(a) a compreender melhoralguns dos elementos que promovem apersistncia, no mundo de hoje, do dio,da violncia, do racismo, da xenoobia, doundamentalismo. No ser indispensvelque a escola procure denunciar e colocarem xeque essa persistncia?

    Proessores dos primeiros anos do ensino undamental podem

    tambm estimular o(a) aluno(a) a reescrever conhecimentos, saberes, mitos,costumes, lendas, contos. Inmeras histrias inantis, por exemplo, tm sidoreescritas com base no emprego de pontos de vista distintos dos usuais. Ocaso dos Trs Porquinhos pode surpreender se a gura do Lobo representaro especulador imobilirio que to bem conhecemos. As atitudes da Cigarrae da Formiga podem ser reavaliadas, tendo-se em mente a orma como seconcebem e se organizam trabalho e lazer na sociedade contempornea. Odesecho do passeio de Chapeuzinho Vermelho casa da av pode ser outro,caso imaginemos novos pers e novas relaes para os personagens da histria(Garner, 1996, 1999). Ou seja, de novos patamares podemos perceber novoshorizontes, novas trajetrias, novas possibilidades.

    O que estamos sugerindo que nos situemos, na prtica pedaggicaculturalmente orientada, alm da viso das culturas como inter-relacionadas,como mutuamente geradas e infuenciadas, e procuremos acilitar acompreenso do mundo pelo olhar do subalternizado. No currculo, trata-se dedesestabilizar o modo como o outro mobilizado e representado. O olhar dopoder, suas normas e pressupostos, precisa ser desconstrudo(McCarthy, 1998,p. 156).

    Ou seja, trata-se de desaar a tica do dominante e de promover

    o atrito de dierentes abordagens, dierentes obras literrias, dierentesinterpretaes de eventos histricos, para que se avorea ao() aluno(a)

    ... Trata-se de desaar a tica

    do dominante e de promover o

    atrito de diferentes abordagens,

    diferentes obras literrias,

    diferentes interpretaes de

    eventos histricos, para que

    se favorea ao() aluno(a)

    entender como o conhecimento

    socialmente valorizado tem sido

    escrito de uma dada forma e

    como pode, ento, ser reescrito.

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    entender como o conhecimento socialmente valorizado tem sido escritode uma dada orma e como pode, ento, ser reescrito. No se espera, cabereiterar, substituir um conhecimento por outro, mas sim propiciar aos(s)estudantes a compreenso das relaes de poder envolvidas na hierarquizao

    das maniestaes culturais e dos saberes, assim como nas diversas imagens eleituras que resultam quando certos olhares so privilegiados em detrimentode outros.

    Nessa perspectiva, importante que consideremos a escola comoum espao de cruzamento de culturas e saberes. A escola deve ser concebidacomo um espao ecolgico de cruzamento de culturas (Prez Gmez, 1998). Aresponsabilidade especca que a distingue de outros espaos de socializaoe lhe conere identidade e relativa autonomia exatamente a possibilidadede promover anlises e interaes das infuncias plurais que as dierentes

    culturas exercem, de orma permanente, sobre as novas geraes.

    O responsvel denitivo da natureza, do sentido e da consistnciado que os alunos e as alunas aprendem em sua vida escolar este vivo, fuido e complexo cruzamento de culturas que se produzna escola, entre as propostas da cultura crtica, alojada nasdisciplinas cientcas, artsticas e loscas; as determinaesda cultura acadmica, refetidas nas denies que constituem ocurrculo; os infuxos da cultura social, constituda pelos valoreshegemnicos do cenrio social; as presses do cotidiano da cultura

    institucional, presente nos papis, nas normas, nas rotinas enos ritos prprios da escola como instituio especca; e ascaractersticas da cultura experiencial, adquirida individualmente

    pelo aluno atravs da experincia nos intercmbios espontneoscom seu meio (Prez Gmez, 1998, p.17).

    Conceber a dinmica escolar nesse enoque supe repensar seusdierentes componentes e romper com a tendncia homogeneizadora epadronizadora que impregna suas prticas. Para Moreira e Candau (2003,p.161),

    a escola sempre teve diculdade em lidar com a pluralidade ea dierena. Tende a silenci-las e neutraliz-las. Sente-se maisconortvel com a homogeneizao e a padronizao. No entanto,abrir espaos para a diversidade, a dierena e para o cruzamentode culturas constitui o grande desao que est chamada aenrentar.

    A escola precisa, assim, acolher, criticar e colocar em contato

    dierentes saberes, dierentes maniestaes culturais e dierentes ticas. Acontemporaneidade requer culturas que se misturem e ressoem mutuamente,

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    que convivam e se modiquem. Que se modiquem modicando outrasculturas pela convivncia ressonante. Ou seja, um processo contnuo, que nopare nunca, por no se limitar a um dar ou receber, mas por ser contaminao,ressonncia (Pretto, 2005).

    4.3 O currculo como um espao em que se explicita aancoragem social dos contedos

    Sugerimos, como outra estratgia (intimamente relacionada anterior),que se desenvolva nos(as) estudantes a capacidade de perceber o que tem sidodenominado de ancoragem social dos contedos (Moreira, 2002b).Pretendemosque se propicie uma maior compreenso de como e em que contexto social umdado conhecimento surge e se diunde. Nesse sentido, vale examinar comoum determinado conceito oi proposto historicamente, por que se tornou ouno aceito, por que permaneceu ou oi substitudo, que tipos de discussesprovocou, de que orma promoveu o avano do conhecimento na rea empauta e, ainda, como esse avano propiciou benecios (ou no) humanidade(ou a certos grupos da humanidade). No seria estimulante envolvermosnossos(as) estudantes nas lutas travadas em torno da aceitao do modeloheliocntrico do universo? No seria enriquecedor acompanharmos esituarmos na histria o surgimento e as transormaes dos modelos de tomo,discutindo suas contribuies para o avano da cincia e da tecnologia?

    O que estamos propondo que se evidenciem, no currculo, aconstruo social e os rumos subseqentes dos conhecimentos, cujas razeshistricas e culturais tendem a ser usualmente esquecidas, o que az com quecostumem ser vistos como indiscutveis, neutros, universais, intemporais. Trata-se de questionar a pretensa estabilidade e o carter aistrico do conhecimentoproduzido no mundo ocidental, cuja hegemonia tem sido incontestvel. Trata-se, mais uma vez, de caminhar na contramo do processo de transposiodidtica, durante o qual usualmente se costumam eliminar os vestgios daconstruo histrica dos saberes.

    Procurando ilustrar nosso ponto de vista com outros exemplos,sugerimos perguntas que, no ensino das Cincias Naturais, podem se revelarbastante pertinentes. Eis algumas delas: (a) onde situar as origens da cincia:em culturas europias ou culturas no europias?; (b) em que medida acincia moderna pode ser considerada ocidental?; (c) existem ou podem vir aexistir cincias, elaboradas em outras culturas, que tambm uncionem, quetambm expliquem a realidade?; (d) por que a escola insiste em apresentar acincia ocidental como a nica possibilidade?; (e) que confitos se encontramsubjacentes aos processos de construo e de diuso do conhecimentocientco?; () que debates tm sido gerados pela introduo, na comunidade

    cientca, de novas teorias?; (g) por que a escola insiste em apresentar umateoria consensual da cincia, subestimando as divergncias reerentes a

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    temticas priorizadas, metodologias, undamentos tericos, objetivos? (Apple,1982; Harding, 1996). Acreditamos que a explorao de questes comoessas, em um curso de Cincias Naturais, tanto ajuda a desaar a supostaneutralidade cultural da cincia quanto a iluminar perspectivas e possibilidades

    insuspeitadas de desenvolvimento cientco.O princpio que estamos deendendo nos instiga tambm a relacionar

    os contedos curriculares s experincias culturais dos(as) estudantes e aomundo concreto, o que permite analisar quem lucra e quem perde com asormas de emprego desses conhecimentos. Experincia desenvolvida porum pesquisador canadense, John Willinsky (2004), pode ser associada a esseenoque. Bastante crtico da orma como habitualmente se analisam obraspoticas nas salas de aula, despindo-as de seus propsitos culturais e estticos,o autor, ao ser desaado por um estudante para dar uma unidade de Literatura

    em uma turma de ensino mdio, abandonou a antologia tradicionalmenteempregada.Optou, ento, por ormular, com os(as) alunos(as), uma antologia

    alternativa que abrigasse as dierentes vozes e identidades que hoje povoamo Canad e que pudesse trazer cena cultura, vida, dor, sangue, paixo,sensibilidade, assim como desaar relaes de poder que garantem acontinuidade de dierenas e desigualdades no mundo contemporneo(Moreira, 2004). O que os(as) estudantes escolheram para compor a novaantologia abriu as portas da sala de aula para suas posies histricas,experincias, vises de mundo. Ainda: denunciou a persistente hegemonia

    da cultura de origem europia, claramente expressa na herana colonial quecontinua a se inltrar no currculo. No se est diante de uma conrmao deque vises da cultura como mente cultivada ou como desenvolvimento socialatrelado aos padres europeus continuam presentes nos currculos escolares?

    O mesmo autor (Willinsky, 2002) nos oerece outro exemplo quetambm se harmoniza com o princpio que estamos deendendo. Pergunta-nos se possvel dividirmos a realidade humana em culturas, raas, histrias,tradies e sociedades claramente dierentes e conseguirmos suportar,com dignidade, as conseqncias dessas classicaes. Insiste, ento, noquestionamento do carter aparentemente natural, cientco mesmo, dessasdivises. Para isso, acrescenta, h que se compreender a dinmica histrica dascategorias por meio das quais temos sido rotulados, identicados, denidose situados na estrutura social. Para isso, h que se ocalizar, no currculo, aconstruo dessas categorias. Somente assim iremos desaar seus signicadose abrir espao, na escola e na sala de aula, para a diversidade.

    Ou seja, Willinsky rejeita a idia de que existe uma verdade, umaessncia ou um ncleo em qualquer categoria. Incentiva-nos, nas dierentesdisciplinas curriculares, a tornar evidente e a desestabilizar a construohistrica de categorias que nos tm marcado, tais como raa, nao,

    sexualidade, masculinidade, eminilidade, idade, religio etc. Com essaestratgia, pretende explicitar como o mundo tem sido dividido.

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    Aceitando e seguindo a orientao de Willinsky, poderamos planejarcoletivamente, na escola, nas distintas disciplinas, a anlise, durantedeterminado perodo de tempo, de como a idia de raa, por exemplo, vemsendo empregada para garantir privilgios e legitimar atos de opresso.

    Exempliquemos. Em Cincias, poderamos problematizar o cartersupostamente cientco da categoria, at hoje evocado em muitos textos. EmHistria, poderamos examinar como a categoria tem justicado processosde colonizao, de rotulao, de hierarquizao de grupos e culturas, deescravido, de restrio a migraes. Em Geograa, poderamos explicitarcomo a categoria raa se tem acrescentado, de modo harmnico, s razesapresentadas para conquistas, novas distribuies de espaos, novos mapas.Em Literatura, a discusso de representaes das raas em dierentes textosliterrios propiciaria vericar o que essas representaes tm valorizado,

    distinguido, includo e excludo. Em Educao Fsica, poderamos desmisticara imagem do negro como o atleta pereito, como o corpo que melhor sepresta para o salto, a corrida, o jogo, a dana, o movimento.

    4.4 O currculo como espao de reconhecimento denossas identidades culturais

    Um aspecto a ser trabalhado, que consideramos de especial relevncia,diz respeito a se procurar, na escola, promover ocasies que avoream a

    tomada de conscincia da construo da identidade cultural de cada um dens, docentes e gestores, relacionando-a aos processos scio-culturais docontexto em que vivemos e histria de nosso pas. O que temos constatado a pouca conscincia que, em geral, temosdesses processos e do cruzamento deculturas neles presente. Tendemos a uma

    viso homogeneizadora e estereotipadade ns mesmos e de nossos alunos ealunas, em que a identidade cultural muitas vezes vista como um dado, comoalgo que nos impresso e que perdura aolongo de toda nossa vida. Desvelar essarealidade e avorecer uma viso dinmica,contextualizada e plural das identidadesculturais undamental, articulando-se as dimenses pessoal e coletivadesses processos. Constitui um exerccioundamental tornarmo-nos conscientesde nossos enraizamentos culturais, dos processos em que misturam ou se

    silenciam determinados pertencimentos culturais, bem como sermos capazesde reconhec-los, nome-los e trabalh-los.

    Constitui um exerccio

    fundamental tornarmo-

    nos conscientes de nossos

    enraizamentos culturais, dos

    processos em que misturamou se silenciam determinados

    pertencimentos culturais,

    bem como sermos capazes

    de reconhec-los, nome-los e

    trabalh-los.

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    Como avorecer essa tomada de conscincia? Alguns exercciospodem ser propostos, buscando-se criar oportunidades em que o prossionalda educao se estimule a alar sobre como percebe a construo de suaidentidade. Como vm sendo criadas nossas identidades de gnero, raa,

    sexualidade, classe social, idade, prosso? Como temos aprendido a ser quemsomos, como prossionais da educao, brasileiros(as), homens, mulheres,casados(as), solteiros(as), negros(as), brancos(as), jovens ou idosos(as)?Nesses momentos, tem sido bastante reqente a armao nunca pensei naormao da minha identidade cultural, ou ento me considero uma r doponto de vista cultural, expresso usada por uma proessora jovem, querendose reerir diculdade de nomear os reerentes culturais conguradores de suatrajetria de vida.

    A socializao em pequenos grupos, entre os(as) educadores(as), dos

    relatos sobre a construo de suas identidades culturais pode se revelar umaexperincia proundamente vivida, muitas vezes carregada de emoo, quedilata tanto a conscincia dos prprios processos de ormao identitria doponto de vista cultural, quanto a sensibilidade para avorecer esse mesmodinamismo nas prticas educativ