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CYBELE CAROLINA MORETTO EXPERIÊNCIAS DE UMA EQUIPE INTERDISCIPLINAR DE SAÚDE MENTAL: um estudo psicanalítico PUC-CAMPINAS 2008

Cybele Carolina Moretto

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Experiencias de uma equipe

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  • CYBELE CAROLINA MORETTO

    EXPERINCIAS DE UMA EQUIPE INTERDISCIPLINAR DE SADE MENTAL:

    um estudo psicanaltico

    PUC-CAMPINAS 2008

  • CYBELE CAROLINA MORETTO

    EXPERINCIAS DE UMA EQUIPE INTERDISCIPLINAR DE SADE MENTAL:

    um estudo psicanaltico

    Dissertao apresentada ao programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Psicologia do Centro de Cincias da Vida - PUC-Campinas, como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Psicologia como Profisso e Cincia.

    Orientador: Prof. Dr. Antonios Terzis

    PUC-CAMPINAS 2008

  • Ficha Catalogrfica Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e

    Informao - SBI - PUC-Campinas

    t618.928917 Moretto, Cybele Carolina. M845e Experincias de uma equipe interdisciplinar de sade mental: um estudo psicanaltico / Cybele Carolina Moretto. - Campinas: PUC-Campinas, 2008. 123p. Orientador: Antnios I. Trzis. Dissertao (mestrado) - Pontifcia Universidade Catlica de Campinas, Centro de Cincias da Vida, Ps-Graduao em Psicologia. Inclui anexos e bibliografia. 1. Psicanlise infantil. 2. Sade mental infantil. 3. Psicanlise de grupo. 4. Crianas - Problemas emocionais. I. Trzis, Antnios. II. Pontifcia Universidade Catlica de Campinas. Centro de Cincias da vida. Ps-Graduao em Psicologia. III. Ttulo. 22.ed.CDD - t618.928917

  • CYBELE CAROLINA MORETTO

    EXPERINCIAS DE UMA EQUIPE INTERDISCIPLINAR DE SADE

    MENTAL: um estudo psicanaltico

    BANCA EXAMINADORA

    __________________________________________

    Presidente Prof. Dr. Antonios Terzis

    __________________________________________

    Prof. Dr Leopoldo Pereira Fulgncio Junior

    __________________________________________

    Prof. Dra. Vera Lcia Rezende

    PUC-Campinas

    2008

  • "Quando se sonha sozinho apenas um sonho. Quando sonhamos

    juntos o comeo da realidade".

    Dom Quixote

  • AGRADECIMENTOS

    Aos meus amados pais, Dorival e Sonia, pelo exemplo de vida baseado

    no respeito e no amor mtuo. Pelo incentivo constante e por oferecerem

    espao para minha liberdade e escolhas.

    Ao meu irmo e minha cunhada, Marcelo e Eriane, pelo carinho e apoio.

    Ao meu futuro esposo Jorge Flix, pelo amor e companheirismo nos

    momentos mais estressantes deste percurso.

    Aos queridos amigos, profissionais e estagirios da equipe que

    participaram da pesquisa.

    s minhas amigas de mestrado, Carla, Cntia e Ftima, pelas trocas de

    experincia que, por vezes, iluminaram esta caminhada.

    A todos meus amigos, em especial, aqueles com quem compartilho as

    vivncias dirias.

    Ao meu analista, Hang Ly, pela constante disposio em me

    acompanhar na descoberta e compreenso de meu mundo interno.

    Aos professores de todas as disciplinas, por seus ensinamentos

    preciosos, em especial a Helosa Pieri e Leopoldo Fulgncio, que forneceram

    contribuies decisivas para este estudo na qualificao.

    CAPES, pela concesso da bolsa.

    Por fim, ao Professor Antonios Terzis, por ter acompanhado e auxiliado

    meu amadurecimento profissional, a quem devo a entrada na carreira

    acadmica.

  • RESUMO Moretto, C.C. (2008). Experincias de uma equipe interdisciplinar de sade mental: um estudo psicanaltico. Dissertao de Mestrado, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Psicologia do Centro de Cincias da Vida da PUC Campinas.

    O presente estudo foi realizado a partir de um grupo natural e,

    concomitantemente com as atividades que a autora desenvolve numa

    instituio de sade mental infantil, como psicloga. Teve como objetivo geral

    investigar algumas experincias emocionais de uma equipe interdisciplinar,

    com o intuito de compreend-las a partir dos vnculos que se formam. Os

    objetivos especficos foram descrever e compreender alguns fenmenos

    emocionais produzidos no aqui-agora do grupo. Por se tratar de um grupo

    natural, quando a pesquisa foi iniciada j havia um enquadre determinado nas

    reunies da equipe, o qual se assemelhava ao grupo de formao (Anzieu &

    Kas, 1989). Os participantes foram os profissionais e estagirios da equipe,

    totalizando 15 pessoas. Os registros foram realizados da seguinte maneira: em

    cada reunio, um membro do grupo escrevia todo o contedo que, ao final, era

    lido em voz alta para todos os integrantes. Conforme havia a necessidade de

    alteraes, essas eram feitas pelo redator. O procedimento adotado visou

    objetividade no estudo, fidedignidade do registro e iseno da subjetividade do

    redator. A experincia do estudo permaneceu durante seis reunies, com

    durao de duas horas cada, sendo que, dessas, apenas quatro fizeram parte

    da anlise. Utilizamos o modelo qualitativo de pesquisa de anlise do

    contedo proposto por Mathieu (1967) e Kas (1977). Tal anlise visou

    ultrapassar a mera descrio do contedo das mensagens, com aplicao de

    inferncias que possibilitam uma interpretao aprofundada. Conclumos que o

    espao grupal possibilitou a sensibilizao aos fenmenos de grupo e a

    compreenso de certas formulaes psquicas deste, funcionou como um

    facilitador para que os integrantes expressassem tenses e sentimentos e

    proporcionou a reflexo sobre as prticas de trabalho.

    Palavras-chaves: psicanlise de grupos, equipe interdisciplinar, sade mental.

  • ABSTRACT

    Moretto, C.C. (2008). Experiences of a mental health multidisciplinary team: a psychoanalytic study. Dissertation (Master Degree), Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Psicologia do Centro de Cincias da Vida da PUC Campinas.

    The development of this paper was based on a natural group and activities

    performed simultaneously by the author at a child mental health institution, as

    psychologist. This study aimed to investigate some emotional experiences of a

    multidisciplinary team, focusing on understanding of ties formed. The specific

    aims were describing and understanding of some emotional phenomenon

    produced spontaneously on group. Considering it a natural group, when this

    research began, there were some directions already defined on team meetings,

    which were similar to forming group of Anzieu and Kas (1989). Participants

    were the professionals and interns of the team, altogether fifteen people.

    Records were done as following: each meeting, a member written all content

    and, at the end, it was read in a loud voice for everybody. According needs,

    some changes could be done by the speaker. This procedure aimed objectivity

    on study, trust on records and subjectivity free from speaker. The experience of

    study took six meetings, with two hours long. But only four of them were used to

    the analysis. It was used the technique content analyzing of qualitative proof,

    proposed by Mathieu (1967) and Kas (1977). The target was going beyond the

    description of messages content, applying inferences that allowed a deep

    understanding. Concluding, the group made possible the sensitization to the

    phenomenons group and to understanding some psychic formulations of it, it

    worked as an easy way for members to express stress and feelings and

    provided a reflection about practices of work.

    Key words: psychoanalysis groups, multidisciplinary team, mental health.

  • NDICE

    Apresentao...................................................................................................01

    1 Introduo..................................................................................................04 1.1-Contribuies tericas de grupo: uma breve resenha histrica...................05

    1.2-Algumas compreenses psicanalticas sobre os grupos nas instituies...17

    1.3-Perspectiva interdisciplinar no trabalho em equipe.....................................23

    2 Objetivos.....................................................................................................36

    3 Mtodo........................................................................................................37 3.1 - Participantes..............................................................................................39

    3.2 - Campo de Pesquisa..................................................................................40

    3.3 Instrumento...............................................................................................41

    3.4 - Procedimentos ..........................................................................................42

    3.4.1 Funcionamento das reunies da equipe..........................................45

    3.4.2 Registro............................................................................................46

    3.5 - Anlise dos resultados...............................................................................47

    4 Resultados e discusso............................................................................50 4.1 Anlise da primeira reunio..................................................................... 50

    4.2 Anlise da segunda reunio.................................................................... 66

    4.3 Anlise da quarta reunio........................................................................ 76

    4.4 Anlise da sexta reunio...........................................................................91

    4.5 Formulaes psquicas da equipe de trabalho...................................... 104

    4.6 Impresses pessoais da pesquisadora...................................................109

    5 Concluses...............................................................................................111 6 - Referncias...............................................................................................113

    Anexos............................................................................................................120

  • 1

    APRESENTAO

    Inicio esta apresentao relatando a trajetria profissional que me

    conduziu ao tema da pesquisa. Um relato assim sempre uma referncia

    autobiogrfica na medida em que qualquer empreendimento humano, por mais

    formal que sejam as regras que o orientam, tem sempre um fundo existencial

    que, em ltima anlise, o determina.

    As motivaes que me levaram escolha do tema relacionado a grupos

    surgiram durante a graduao em psicologia, quando iniciei, em 1998, um

    estgio extracurricular em uma instituio de sade mental infantil. Desde a

    concluso do curso, em 2002, trabalho nessa instituio como psicloga e fao

    parte da equipe interdisciplinar.

    Nessa instituio, atendo grupos de crianas e adolescentes, na faixa

    etria de 4 a 14 anos de idade, e seus familiares, portadores de diversos tipos

    de transtornos psquicos. O objetivo do atendimento proporcionar o

    desenvolvimento nas reas social, emocional, cognitiva, afetiva e corporal.

    Desde o estgio at o exerccio profissional atual, participo de reunies

    da equipe interdisciplinar para reflexo das prprias prticas. Estas reunies

    pareciam favorecer a sensibilizao aos fenmenos emocionais, tanto dos

    indivduos no grupo, como do grupo como um todo.

    A tarefa de cuidar do outro uma das prticas humanas que colocam o

    indivduo diante de seus mais ntimos conflitos, pois em poucas atividades o

    profissional se encontra to incisivamente sujeito s presses de vrias ordens.

    Percebi, a partir da experincia, a necessidade de cuidados com

    aqueles que exercem a tarefa de cuidar e de promover o bem-estar fsico,

  • 2

    psicolgico e social de outro ser humano, com a finalidade de evitar a

    sobrecarga de quem a exera, ou ainda, acarrete aos trabalhadores

    sofrimentos comparveis aos daqueles a quem cuidam.

    importante mencionarmos que nessa experincia, reafirmada atravs

    da literatura pesquisada, observei que nos trabalhos caracterizados por aes

    integradas em sade, so utilizadas terminologias distintas (multiprofissional,

    multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar) para aes similares,

    indicando que no existe um consenso sobre os conceitos. Desse modo,

    consideramos que, diante disso, nesse estudo foi adotado o termo

    interdisciplinar com o intuito de caracterizar um grupo com profissionais de

    diferentes campos de conhecimento e atuao. No entanto, o estudo tambm

    visou levantar a problemtica dos diversos conceitos de trabalhos em equipe.

    Dentre os benefcios do trabalho em equipe, na literatura acadmica,

    encontramos o planejamento de servios, a gerao de intervenes mais

    criativas e a reduo de intervenes desnecessrias pela falta de

    comunicao entre os profissionais.

    Enfim, desde o incio de minha vida profissional, tive a vivncia de que

    as prticas grupais podem ser promotoras de sade mental, tanto dos usurios

    como da equipe de atendimento, o que explica, de certa forma, o interesse de

    pesquisar grupos. As experincias referidas anteriormente suscitaram em mim

    inquietaes e questionamentos sobre quais so os processos emocionais

    vividos pela equipe de atendimento e como favorecem ou comprometem

    negativamente suas atividades. Portanto, a anlise de algumas experincias

    emocionais desse grupo o que esta pesquisa se props a estudar.

  • 3

    Devemos enfatizar a importncia dos estudos com as equipes de

    trabalhadores da rea de sade mental. O presente trabalho insere-se entre

    aqueles realizados em um grupo natural, composto por profissionais, na

    instituio de trabalho e dentro de suas rotinas.

    O levantamento desse tema tem um significado cientfico e social, pois

    suscita e destaca questes dentro de uma perspectiva preventiva. Prevenir

    para que os cuidadores no adoeam das mesmas patologias das quais

    tratam, visando com isso promoo da sade do cuidador e melhorias do

    atendimento aos usurios.

  • 4

    1 - INTRODUO

    Atualmente, observamos um interesse e uma valorizao pelos grupos e

    as relaes entre seus membros. A mdia tem dado mais ateno a assuntos

    sobre trabalho em equipe, importncia das relaes interpessoais para a

    produtividade e motivao dos trabalhadores.

    Observamos, tambm, cada vez mais o interesse pelo estudo dos

    pequenos grupos. O fato de a experincia humana situar-se sempre em

    grupos, como os grupos familiares, os polticos, os religiosos, os teraputicos,

    de trabalho, fomentou a esperana de que o estudo dos grupos nos permitisse

    descobrir as leis do funcionamento mental que regem tanto o indivduo como a

    sociedade.

    A psicanlise de grupo est cada vez mais sendo reconhecida como

    uma forma de compreenso e uma tcnica teraputica significativa para atingir

    aspectos inconscientes do ser humano, levando em considerao a

    grupalidade da mente. Como cincia do homem, tem um importante papel

    quanto possibilidade de oferecer contribuies para o aprofundamento da

    compreenso dos processos grupais, fortalecendo seu lugar na sociedade e no

    desenvolvimento de suas prprias teorias.

    Encontramos na etimologia da palavra grupo, do antigo vocbulo group

    (lao ou n) derivado do germano ocidental kruppa (massa circular), a

    considerao de duas linhas de fora: o lao demonstrando a unio e o crculo

    representando o espao fechado, cuja metfora a envoltura corporal e o

    corpo materno. Dessa forma, uma das caractersticas de um grupo a

  • 5

    possibilidade de oferecer um espao que acolhe seus participantes e tambm

    poder provocar sentimentos de aprisionamento e frustrao (Anzieu, 1966).

    Assim, neste estudo, buscamos compreender alguns fenmenos

    emocionais de uma equipe interdisciplinar, utilizando-se de conhecimentos

    tericos e tcnicos elaborados por autores renomados.

    1.1 - Contribuies tericas de grupo: uma breve resenha histrica

    O grupo objeto de estudo de diversas cincias e tambm da

    psicanlise e ser nessa abordagem, mais precisamente a psicanlise dos

    grupos, em que centraremos nossa discusso, fazendo um breve levantamento

    histrico de seu desenvolvimento, bem como dos principais contedos

    desenvolvidos por esta cincia.

    Em meados do sculo XX, um autor que deu contribuies acerca da

    teoria de grupos foi o psiclogo alemo Kurt Lewin (1978), criador da

    expresso dinmica de grupo, sua teoria influenciou a psicologia social e a

    sociologia. Para o autor, o trabalho com grupos proporcionava a alterao nas

    condutas de um membro e, conseqentemente, a partir das relaes

    estabelecidas, uma transformao em todos.

    A psicanlise clssica, em sua aplicao teraputica, desenvolveu-se

    atravs da dade analista-paciente e assim permaneceu nas primeiras dcadas

    do sculo XX. No entanto, Freud no deixou de considerar a importncia do

    homem enquanto ser social, estudando as origens da sociedade humana, dos

    ritos religiosos e mitolgicos. As teorias elaboradas a partir desta dade teoria

  • 6

    da libido, teoria estrutural, teoria edpica, teoria do superego reportam-se ao

    sujeito relacionado com objetos e a uma psicologia multipessoal (Terzis, 2006).

    Freud, apesar de nunca ter atendido grupos, apresentou importantes

    contribuies tericas psicologia dos grupos humanos em: Totem e Tabu

    (1913), Psicologia das massas e Anlise do Ego (1921) e Mal-estar da

    Civilizao (1930).

    Segundo Freud (1913), a horda primitiva originalmente era dirigida por

    um velho tirano e brutal que se reservava a posse das mulheres e expulsava os

    filhos em idade de se tornarem seus rivais. Os irmos, ento, se unem para

    cometerem juntos o assassinato do pai, partilham e devoram seu corpo. Essa

    comunho totmica produz uma identificao com o pai morto, tornando-se a

    lei simblica. Essa identificao e esse acesso lei fundam a sociedade.

    Assim, os dois primeiros tabus: no matar o totem (substituto do pai), e no se

    casar com os pais (tabu do incesto), constituem a transposio social do

    complexo de dipo. Portanto, na perspectiva freudiana, o complexo de dipo

    o ncleo psquico da cultura e da sociabilidade.

    Freud (1921) assinalou, ainda, que no h diferenas essenciais entre a

    psicologia individual e social. O objetivo de sua teorizao era compreender o

    que mantm um grupo unido. A partir disso, formulou sobre as relaes do

    ideal de ego com o lder e o mecanismo de identificao no grupo. Atravs do

    processo de identificao, as pessoas elegem um lder que se tornar ideal e o

    responsvel por todos e por todas as decises do grupo. Cria-se um

    sentimento de iluso grupal e os membros passam a achar que o lder capaz

    de amar a todos sem distino. Conseqentemente, o indivduo age de forma

  • 7

    impulsiva, atuando mais pela emoo, havendo uma diminuio da

    racionalidade e do senso crtico.

    A respeito das possibilidades de desdobramentos da cincia

    psicanaltica, Freud, em 1919, afirmou:

    Tocarei de relance numa situao que pertence ao futuro . . . Os senhores sabem que

    as nossas atividades teraputicas no tm um alcance muito vasto . . . Vamos presumir

    que, por meio de algum tipo de organizao, consigamos aumentar os nossos nmeros

    em medida suficiente para tratar uma considervel massa da populao . . .. Defrontar-

    nos-emos, ento, com a tarefa de adaptar a nossa tcnica s novas condies (p.180-

    181).

    Tomaremos como referncia a nomenclatura que Kas (1976b)

    apresenta em seu livro Teorias Psicanalticas de Grupo, no qual o autor rene

    autores diversos que, em sua maioria, fundaram escolas independentes de

    pensamento e que, ao mesmo tempo, passam a fazer parte de certo contnuo

    histrico. Nesse estudo, vamos nos reter aos pontos mais importantes das

    teorias dos seguintes autores:

    Anos 40 - escola inglesa: Foulkes e Anthony (1957) e Bion (1961); Anos 50 escola latino-americana: Pichon-Rivire (1980) e

    Bleger (1979);

    Anos 60 escola francesa: Anzieu (1966) e Kas (1976). Dentre as principais contribuies de Foulkes e Anthony (1957)

    destacamos a viso do grupo como totalidade, portanto, mesmo o que ocorre

    em um indivduo dentro de um grupo, pensamentos, falas ou sofrimento e

    adoecimento, tambm resultado das foras em jogo no grupo e constituem

    uma via de acesso s mesmas.

  • 8

    Os autores afirmam que a vida do ser humano processa-se em grupos

    que se transformam continuamente, assim como a concepo do homem, de

    seu grupo e da relao entre ambos est em constante desenvolvimento

    (geogrfico, econmico, histrico, cultural). Assim, para eles, o sentimento de

    fazer parte de algum grupo, de ser seu membro efetivo, e capaz de

    compartilhar, so algumas experincias positivas da vida humana, sem as

    quais nenhuma sade possvel.

    Outro aspecto assinalado pelos autores que em termos de

    desenvolvimento da pessoa, o grupo est primeiro. Antes de o indivduo se

    afirmar como unidade independente, j se encontra modelado pela experincia

    do estar em grupo. Essa posio pode ser reavaliada luz das investigaes

    do desenvolvimento inicial da relao de objeto em que se descobre a

    progressiva diferenciao do Eu a partir da matriz de relao primria.

    No grupo tambm ocorre a funo de espelho, no qual o indivduo entra

    em confronto com vrios aspectos de si mesmo a partir da relao com o outro

    (processo primitivo de diferenciao ocorrendo ao longo da vida). E o

    fenmeno de cadeia que promovido pela associao livre circulante, onde

    cada participante contribui com um elo, principalmente quando algum tema

    coletivamente condensado liberado.

    Segundo Foulkes e Anthony (1957), outro fenmeno encontrado nos

    grupos a ressonncia (termo retirado da fsica) que consiste, a partir dos

    estgios psicossexuais do desenvolvimento, quando algo interfere no processo,

    ocasiona uma regresso a uma fase anterior, deixando o indivduo fixado. No

    grupo cada participante poder apresentar uma tendncia de reverberar a

    situao grupal de acordo com o estgio psicossexual em que se encontra. Ao

  • 9

    conceito de ressonncia, acrescentamos que, como um jogo de diapases

    acsticos, a comunicao que trazida por um membro do grupo ressoa em

    outro, o qual, por sua vez, vai transmitir um significado afetivo equivalente,

    apesar da diferena de contexto narrativo, e assim por diante. A funo do

    coordenador discernir o tema comum, realizar uma sntese, extrair o que

    comum das mensagens emitidas e integr-las em um todo coerente e

    unificado. Consideramos que esses fenmenos podem ser encontrados no

    grupo interdisciplinar da sade mental que foi pesquisado, e em qualquer

    grupo.

    Bion (1961), outro autor da escola inglesa, elaborou seu trabalho sobre

    grupos a partir das suas experincias nos perodos da Segunda Guerra

    Mundial e ps-guerra, representando relevante contribuio para o estudo dos

    grupos humanos num momento de grandes transformaes sociais,

    econmicas e polticas.

    O autor trabalhou em um hospital psiquitrico militar com 400 soldados

    veteranos no qual reinava o no cumprimento dos deveres e a anarquia.

    Comeou a realizar encontros grupais nos quais os internos tinham liberdade

    de expresso das emoes. Aos poucos, observou que os soldados

    apresentavam maior organizao nas atividades cotidianas e cooperao em

    suas condutas. Deste modo, constatou que os grupos proporcionavam relaes

    interpessoais mais satisfatrias e um espao acolhedor e continente das

    angstias.

    Bion (1961) assinala que o grupo cria um campo favorvel de estudo

    para aspectos individuais e coloca em evidncia fenmenos psicolgicos que

  • 10

    no podem ser estudados no contexto individual, revelando algo que no

    visvel de outra maneira.

    importante mencionarmos, nos valendo das idias do autor acima, das

    quais compartilhamos, que os objetivos do grupo so s vezes interrompidos

    ou ocasionalmente promovidos por emoes inconscientes. Para Bion (1961),

    ansiedades psicticas esto presentes nos grupos e os supostos bsicos

    seriam formas do grupo defender-se dessas ansiedades.

    A partir disto, o autor formulou trs suposies bsicas presentes em

    todo grupo humano: o suposto de dependncia, o suposto de luta e fuga e o

    suposto de acasalamento.

    No suposto de dependncia o lder o centro de um culto em pleno

    poder, uma estrutura grupal em que um dos membros um deus, uma

    teocracia em miniatura. esperado de o lder assumir a posio de suprir as

    necessidades e fornecer amparo para o grupo imaturo, o qual permanece na

    posio de ser saciado completamente. Neste grupo, o lder um ser que

    existe para providenciar que nenhum acontecimento desagradvel seja

    causado pelas irresponsabilidades dos membros.

    O suposto de luta ou fuga opera contra algo a que o grupo percebe

    vagamente como tais inimigos. O lder considerado adequado aquele que

    protege e mobiliza o grupo para atacar ou fugir.

    No suposto bsico de acasalamento, surge o sentimento de esperana,

    de que algo est por vir e a ateno se volta para o futuro:

    . . . ser uma pessoa ou uma idia que salvar o grupo na realidade, dos sentimentos

    de dio, destrutividade ou desespero de seu prprio grupo ou de outro mas a fim de

    realizar isso, evidentemente, a esperana messinica nunca deve ser alcanada . . .,

  • 11

    pois apenas enquanto permanece sendo uma esperana, que a esperana persiste

    (Bion, 1961, p.139).

    As suposies bsicas possuem semelhanas mtuas e vo se

    alternando no grupo, denotando um estado primitivo do desenvolvimento. A

    participao instintiva e involuntria e suas caractersticas comuns so a

    dificuldade de colaborao entre os membros e a presena de emoes

    intensas, como ansiedade, medo, dio e amor.

    Bion (1961) tambm formula o conceito de grupo de trabalho (grupo T),

    ou evoludo, que se ope ao grupo (ou momentos do grupo) dominado pelos

    supostos bsicos. Estes fenmenos (grupo T e supostos bsicos) so prprios

    da realidade de grupo. Porm, para o autor, esses fenmenos compem a vida

    cotidiana de todas as pessoas, isto porque estes fenmenos de grupo no se

    do somente em grupos teraputicos, j que no h indivduo que viva fora de

    grupos por mais isolado em tempo e espao que ele esteja.

    O grupo T reconhece a necessidade de compreenso e de

    desenvolvimento e ao longo de seu processo se sobressai, a despeito das

    interferncias das emoes regredidas. O grupo tem como obstculo as

    emoes arcaicas, porm estas so responsveis em auxiliar o

    desenvolvimento maturacional de seus membros.

    Em nosso estudo, investigamos se na reunio de trabalho, a finalidade

    para a qual a equipe fora constituda era coerente com o resultado obtido.

    Investigamos, tambm, se ocorreu dos membros criarem dificuldades onde

    aparentemente no existiam, e no reconhecerem aquelas mais importantes,

    se ignoraram o planejamento do dia, ou discutiram sem rumo e tomaram

    decises que, ao sarem da reunio, logo teriam esquecido.

  • 12

    Pichon-Rivire (1980) tambm ofereceu contribuies relevantes acerca

    do processo grupal. Seus estudos partiram de um trabalho, realizado em 1958,

    denominado Experincia Rosrio. Esse trabalho foi desenvolvido,

    primeiramente, divulgando-se uma pesquisa sob o tema grupos na cidade de

    Rosrio, na Argentina. Foram formados quinze grupos com os interessados e

    estes coordenados de forma a favorecer a comunicao entre os membros. A

    experincia foi realizada por profissionais do Instituto Argentino de Estdios

    Sociales (IADES), com carter interdisciplinar, acumulativo e de ensino

    orientado.

    Concordamos com o autor quando afirma ser impossvel conceber uma

    interpretao do ser humano sem levar em conta seu contexto e sua influncia

    na constituio de diferentes papis que assumimos ao longo da vida. O autor

    desenvolveu o conceito de grupo operativo como um conjunto de pessoas com

    um objetivo comum que procura atingir trabalhando como equipe. O trabalho

    do grupo operativo consiste no treinamento para trabalhar como equipe.

    Pichon entende por grupo operativo aquele centrado em uma tarefa de

    forma explcita (por exemplo: aprendizado, cura, diagnstico de dificuldade), e

    uma outra tarefa de forma implcita, subjacente primeira. O objetivo da

    tcnica abordar, atravs da aprendizagem, os problemas pessoais

    relacionados com a tarefa promovendo a capacidade de pensamento. A esse

    respeito, parece-nos vlido que o grupo operativo uma tcnica de

    investigao que possui, indiretamente, uma funo teraputica.

    Com base na definio de grupo operativo, investigamos se nas

    reunies do grupo interdisciplinar, o objetivo comum era a interao dos

    membros, de modo a refletir sobre as prticas de trabalho e os

  • 13

    relacionamentos interpessoais. Teve por objetivo criar condies para que seus

    membros enfrentassem juntos as angstias e sofrimentos suscitados pelo

    trabalho? Ou foi um grupo que no ofereceu apoio e acolhimento s emoes

    dos participantes? Cumpriu o objetivo para o qual se disps? Tomou as

    reunies um carter administrativo?

    O autor distinguiu trs momentos, como um processo evolutivo,

    presentes no grupo: a pr-tarefa, a tarefa e o projeto.

    Na pr-tarefa ocorrem os mecanismos de defesa, resistncias

    mudana, ansiedades frente ao desconhecido, de perda e ataque, e tem como

    objetivo postergar a elaborao dos medos bsicos. Nessa fase, as defesas

    so de caractersticas esquizoparanide, conforme formulou Klein (1957).

    Observam-se condutas parcializadas e dissociaes entre o pensar, agir e

    sentir. Realizam-se tarefas sem sentido apenas para passar o tempo, o que

    acaba por gerar uma insatisfao entre os integrantes. O que paralisa o

    movimento e bloqueia a tarefa a fantasia inconsciente de angstias

    depressivas e paranides relativas ao processo de mudana, a conseqente

    perda de antigos padres e surgimento de acontecimentos novos para o qual o

    sujeito no se sente preparado.

    necessrio o enfrentamento e a elaborao das ansiedades

    persecutrias para que o grupo entre na tarefa e, conseqentemente, na

    posio depressiva. A noo de tarefa envolve, necessariamente, a

    constituio de vnculos. Desse modo, o termo tarefa exige que, no grupo,

    ocorra uma elaborao psquica concomitante realizao daquela

    explicitamente colocada, pois, para Pichon, no h incompatibilidade entre

    realizar um trabalho e o desenvolvimento psquico. Na tarefa ocorre a

  • 14

    integrao entre o sentir, o pensar e o agir. Segundo o autor, este o conceito

    de sade e d-se na posio depressiva.

    O projeto decorre da tarefa e promove o planejamento para o futuro.

    Nessa fase, ocorre uma ampliao da percepo do indivduo e maior

    possibilidade do situar-se como sujeito e intervir nas situaes. No grupo

    operativo, a comunicao, a aprendizagem, o conhecimento e a realizao de

    tarefas coincidem com a cura.

    Aqui levantamos a hiptese se a equipe interdisciplinar, que foi

    estudada, processou-se em termos de realizao da tarefa, ou seja, cumpriu

    com seus objetivos de reflexo sobre a execuo das atividades profissionais,

    e se teve uma funo teraputica para seus prprios membros.

    Bleger (1979), por sua vez, complementa dizendo que os grupos podem

    proporcionar tanto o adoecimento aos seus membros como a cura, a

    desorganizao e a organizao, o processo de integrao e a desintegrao:

    O grupo operativo nos ensina, que num grupo, pode ocorrer no apenas uma

    degradao das funes psicolgicas superiores e uma reativao de nveis

    regressivos e psicticos . . ., mas tambm pode-se alcanar o mais completo grau de

    elaborao e funcionamento dos nveis mais integrados e superiores do ser humano,

    com um rendimento que no se pode alcanar no trabalho individual (p. 93).

    Anzieu e Kas trouxeram contribuies para o estudo psicanaltico de

    grupos ao estabelecerem que os grupos se constituem dentro de um

    referencial corporal (Terzis, 2006).

    Para Anzieu (1966), o grupo uma colocao em comum das imagens

    interiores e angstias dos integrantes. O autor parte da perspectiva do grupo

    como objeto de investimento pulsional propondo a analogia do grupo com o

    sonho, dizendo que o desejo realizado no grupo e no sonho um desejo

  • 15

    reprimido no dia anterior. No entanto, o desejo realizado no grupo e no sonho

    , tambm, um desejo reprimido de infncia, pois o contexto grupal promove

    uma regresso de seus membros. Alm disso, o desejo, no grupo e no sonho,

    diz mais respeito ao desejo fixado em um sintoma ou uma estrutura patolgica

    que ao desejo emergindo do inconsciente.

    Este universo da realizao do desejo est em estreita relao com

    aquilo que o autor identificou como iluso grupal que para ele um estado

    psquico particular que se observa tanto nos grupos naturais quanto nos grupos

    teraputicos e que os integrantes expressam como um sentimento de

    integrarem um bom grupo e terem um bom lder. Anzieu (1966) especifica as

    condies para a iluso grupal, dizendo que poderia ser compreendida como

    defesa contra as ansiedades despertadas pela situao de grupo.

    Os estudos psicanalticos feitos sobre grupos, depois de Freud,

    organizam-se sob a hiptese de que o grupo, enquanto conjunto intersubjetivo

    o lugar de uma realidade psquica prpria (Kas, 1976).

    Kas (1976), por sua vez, formulou o projeto de uma metapsicologia

    psicanaltica dos conjuntos intersubjetivos, propondo a hiptese de um

    aparelho psquico grupal. O autor explicita a idia de que o grupo o lugar de

    uma realidade psquica prpria, realidade esta que seria produzida, contida,

    transformada e gerada pelo que ele chamou de aparelho psquico grupal. A

    relao entre este aparelho psquico grupal e o aparelho psquico proposto por

    Freud torna-se uma questo fundamental para Kas. Segundo Terzis (2005),

    esta questo contm em si uma dimenso epistemolgica relativa s

    possibilidades de trnsito entre diferentes contextos tericos, contendo uma

    investigao sobre a constituio do sujeito em sua relao ao grupo e uma

  • 16

    preocupao indita de compreender e nomear as modalidades e formas de

    relao entre o sujeito e o grupo.

    Para Kas (1976), grupo tambm designa a forma e a estrutura de uma

    organizao de vnculos intersubjetivos, sob o prisma de que as relaes entre

    vrios sujeitos do inconsciente produzem formaes e processos psquicos

    especficos. Uma teoria restrita do grupo descreve o grupo familiar, uma

    equipe de trabalho (itlicos nossos), um bando, etc (p.18), e estabelece

    classificaes de acordo com as variveis e distingue as organizaes e os

    efeitos de subjetividade prpria.

  • 17

    1.2 - Algumas compreenses psicanalticas sobre os grupos nas

    instituies

    Nesta parte pensamos ser importante trazer algumas concepes

    psicanalticas sobre as relaes grupais estabelecidas no contexto das

    instituies. Baseamo-nos no pressuposto de que a instituio, ainda que seja

    um campo heterogneo ao da psicanlise tradicional, constitui-se um

    dispositivo capaz de manifestar os efeitos do inconsciente, tornando possvel

    um trabalho de inspirao psicanaltica.

    Bleger (1979) foi um dos autores que desenvolveu estudos voltados

    compreenso dos grupos nas instituies. O Diccionario de psicologa y

    psicoanlisis, citado pelo autor, define instituio como uma organizao

    permanente de algum aspecto da vida coletiva, regulada por normas,

    costumes, ritos ou leis. Afirma que o termo pode ser usado de forma abstrata

    (por exemplo, a instituio do matrimnio) ou especfica (um clube local, um

    estado ou governo, uma priso, uma igreja). Autores como Bleger e Kas

    ocuparam-se em discriminar essas duas acepes do termo, diferenciando-as

    em instituio e organizao. Para Bleger (1979), a instituio refere-se ao

    conjunto das normas, regras e atividades agrupadas em torno dos valores e

    funes sociais. J para o termo organizao, o autor reserva aquela

    disposio hierrquica das funes que geralmente ocorrem no interior de uma

    rea delimitada, como um edifcio, por exemplo.

    Bleger (1979) afirmou, ainda, que os grupos so instituies complexas.

    Se por um lado cada grupo constitudo por um conjunto de instituies, por

    outro, ele tem a tendncia de se estabelecer como uma organizao. Em

  • 18

    outras palavras, um grupo tem a tendncia de passar a existir por si mesmo,

    tornando o objetivo inicial cada vez mais marginalizado. Uma instituio pode

    cristalizar-se e as relaes interpessoais passam a causar uma reao

    teraputica negativa, gerando um grupo antiteraputico. No s os grupos, mas

    toda organizao corre o risco de ter seus objetivos primrios deixados em

    segundo plano, submetidos a uma ordem e normatizao alienantes.

    O autor ocupou-se em descrever o conceito de sociabilidade, sendo o

    primeiro nvel de identidade e funcionamento de um grupo, o da sociabilidade

    por interao, que se baseia no nvel consciente, dos dilogos manifestos, dos

    indivduos relacionando-se discriminadamente e comunicando-se verbalmente.

    Num segundo nvel, inconsciente, Bleger chamou de sociabilidade

    sincrtica ou simbitica, quando ocorre a interao indiscriminada entre seus

    membros, a linguagem no-verbal e a comunicao onipresente que transita

    por todos e pertence a todos:

    Essa sociabilidade muito particular, que se caracteriza por uma no-relao e por uma

    indiferenciao, na qual cada indivduo no se diferencia do outro ou no se acha

    discriminado do outro, e na qual no existe discriminao estabelecida entre eu e no-

    eu, nem entre corpo e espao, nem entre eu e o outro (Bleger,1979, p.105).

    As instituies no servem apenas de defesa contra as angstias

    psicticas, mas so depositrias da sociabilidade sincrtica dos indivduos e,

    por isso, tm uma tendncia para a burocratizao e resistncia mudana. O

    autor acrescenta que as equipes administrativas de um hospital, por exemplo,

    (e aqui incluiramos as instituies de sade mental) tm esta tendncia de se

    estabelecerem como organizaes em que os meios superam os fins. E que as

    dificuldades e resistncias mudana encontradas nestas instituies no

  • 19

    provm somente dos pacientes e de suas famlias, mas tambm do prprio

    corpo de trabalhadores.

    O autor ainda afirma que o grupo e a organizao so a personalidade

    de seus membros. Da se compreende a necessidade de um trabalho

    desenvolvido com a equipe tcnica das instituies. Ao mesmo tempo, fica

    clara a sua importncia: se o grupo e a organizao so a personalidade de

    seus membros, as tentativas de mudanas nas organizaes podem produzir

    mudanas drsticas, levando possivelmente desagregao da personalidade

    (Bleger, 1979).

    Bleger (1979) prope que seja realizada uma quarta revoluo

    psiquitrica que esteja orientada para o desenvolvimento de trabalhos de

    preveno. Afirma que temos conhecimentos e tcnicas muito desenvolvidas,

    mas necessitamos de estratgias diferentes na atuao institucional, seja nas

    instituies de sade mental, hospitalares, ou demais organizaes. Em suas

    palavras: . . . possvel que a melhor gesto dos nossos meios no seja a de

    organizar grupos teraputicos, mas de dirigir os nossos esforos e os nossos

    conhecimentos para a prpria organizao (p. 70).

    A esse respeito, Schneider (1997) tambm aponta para a questo das

    equipes de atendimento nas instituies. Assinala que para que haja mudanas

    no ambiente institucional e, conseqentemente, no atendimento oferecido

    populao, necessrio trabalhar as equipes:

    Reforar aos membros dos grupos, em suas instituies, a possibilidade de tomar suas

    prprias decises, respeitar suas diferenas e compreender seu processo, para que

    possam se desenvolver com suas caractersticas e foras inerentes sua realidade,

    a parte mais importante e complexa do trabalho de atendimentos a grupos em

    instituies (p. 411).

  • 20

    Kas (1988) tambm assinala que os grupos nas instituies podem ser

    um palco para possveis discusses que so meras repeties de idias,

    bloqueio da capacidade de pensamento, surgimento de sentimentos

    poderosos, dios incontrolveis, ataques contra a inovao e contra processos

    de diferenciao de seus participantes. Ao mesmo tempo, o grupo um local

    frtil para a criao e o desenvolvimento de seus membros, local que oferece

    vitalidade e dinamismo.

    Para o autor, o sofrimento institucional provm de diferentes fontes: do

    prprio fato institucional, das caractersticas e estrutura inconsciente de uma

    instituio especfica, assim como da configurao psicolgica do prprio

    sujeito. Ele identifica ainda o sofrimento oriundo das prprias vicissitudes da

    vida, das limitaes, desiluses e renncias enfrentadas por cada um e,

    tambm, dentro da instituio.

    O sofrimento ocorrido pelo fato institucional em si seria aquele

    decorrente dos contratos, acordos e pactos estabelecidos consciente e

    inconscientemente, das relaes que necessariamente implicam dissimetria e

    desigualdade, das exigncias recebidas em comparao com os benefcios,

    pelas falhas institucionais, especialmente em garantir os termos contratados.

    Kas afirma que uma instituio pode falhar por excesso, por falta ou por

    inadequao das formas contratuais. Uma das formas dessa falha o no-

    fornecimento de uma iluso que garanta os investimentos imaginrios,

    identificaes narcsicas e sentimentos de filiao que possibilitem a realizao

    de seu projeto.

    A iluso importante porque sustenta o risco e os sacrifcios produzindo

    o resultado almejado. Uma instituio nova no pode dispensar a iluso de ser

  • 21

    inovadora e conquistadora. As equipes de um novo centro de tratamento so

    recrutadas na esperana de participar dessa aventura. (Kas, 1988, p. 53).

    Quando isto no ocorre, h ataques dos sujeitos para a instituio e dela para

    eles. Os fracassos decorrentes podem ser compreendidos como sofrimentos

    advindos da funo instituinte, que pode estabelecer desejos de realizao

    inacessveis, ausncia de leis ou leis parciais impostas a seus membros.

    H que se considerar tambm os entraves para a realizao da tarefa

    primria e o surgimento de tarefas paralelas, concorrentes e at contraditrias,

    que em muitos casos assumem a supremacia. Um ponto importante a ser

    avaliado nestes casos que a natureza dos investimentos psquicos

    mobilizados na tarefa primria interfere nos resultados. Em instituies ligadas

    formao ou tratamento humano, por exemplo, o tipo de vinculao com a

    tarefa mobiliza partes psquicas e exige investimentos para os quais o sujeito

    no necessariamente est estruturado, podendo gerar defesas que traro

    ainda mais sofrimento. Esta distncia que se cria entre a tarefa primria e o

    funcionamento psquico institucional que ela causa, dificultam a criao de um

    espao psquico de conteno, ligao e transformao na instituio.

    Encontramos em Osrio (1997) a afirmao, assim como para Bleger,

    de que todo grupo humano tende a institucionalizar-se e criar uma identidade

    prpria. O autor descreve os mecanismos obstrutivos nos grupos e nas

    instituies que manifestam-se de forma insidiosa, latente e contnua,

    debilitando os grupos e minando seus objetivos.

    O autor utiliza o conceito de pulso de morte de Freud para analisar a

    forma de inrcia ao movimento em direo vida, ao desenvolvimento, a

    diferenciao e a considerao pelo outro. Nos grupos podem surgir obstculos

  • 22

    s interaes afetivas, menos considerao pelo outro, ausncia da

    cooperao. Os processos obstrutivos podem ser exteriorizados tambm como

    florescimento da inveja, da arrogncia, do servilismo, da hipocrisia, e sabotam

    o desenvolvimento de um grupo e destruir seus princpios fundamentais,

    trazendo como conseqncia, a inrcia e a estagnao (Osrio, 1997).

  • 23

    1.3 - Perspectiva interdisciplinar no trabalho em equipe

    Nesta parte, trataremos de algumas questes da sade pblica no Brasil

    e trabalhos em equipes multiprofissionais.

    A histria da sade e da doena mental passa por explicaes mgicas

    e msticas, percorre a excluso, encarceramento e explorao econmica.

    Deflagra a luta antimanicomial e a reforma do modelo assistencial, at chegar

    ao processo atual de busca pela humanizao em seu tratamento (Coga &

    Vizzotto, 2002-2003).

    A legislao brasileira que organiza o Sistema nico de Sade (SUS)

    orientada pela Constituio Federal de 1988, as leis federais n 8.080, de 19 de

    setembro de 1990, e n 8.142, de 28 de dezembro de 1990, as quais visam

    incorporar aes de promoo, proteo e recuperao da sade,

    fundamentando um conceito de sade que deixa de ser centrado na doena, e

    visa um novo modelo de ateno integral em sade.

    A constituio de 1988 props diretrizes polticas inovadoras a fim de

    melhorar a qualidade da ateno sade no pas. Dentre elas, destacamos: o

    conceito abrangente de sade considerando o meio fsico, socioeconmico e

    cultural, fatores biolgicos e o acesso aos servios de preveno e cura; o

    direito de todos s aes de sade, sendo do poder pblico o dever de prover

    tal direito; e o estabelecimento do SUS.

    Desta forma, o conceito de sade, segundo o Ministrio da Sade (MS,

    2007), amplo e deve ser definido como um fator resultante de condies de

    alimentao, habitao, educao, renda, meio ambiente, trabalho, transporte,

    lazer, liberdade e acesso a servios de sade. Este processo aponta para uma

  • 24

    concepo em que sade no se reduz ausncia de doenas, e sim a uma

    vida com qualidade.

    A busca da conquista da sade enquanto direito, com um novo modelo

    de assistncia s pessoas, foi, e ainda articulada por trabalhadores da sade

    mental, usurios e seus familiares, que reivindicaram, principalmente a partir

    dos anos 1980, a garantia dos direitos das pessoas com sofrimento psquico, e

    que, amparados pelos princpios e diretrizes do SUS, de universalidade,

    integralidade, igualdade, eqidade, descentralizao e participao da

    comunidade, tm mais argumentos legais para enfrentar este desafio (Coga &

    Vizzotto, 2002-2003).

    Podemos acompanhar que desde 1992, o MS (2007), prev em sua

    portaria n 224/92 servios condizentes com a nova poltica de sade mental.

    Essa portaria regulamenta os seguintes atendimentos em regime ambulatorial:

    a Oficina Teraputica (OT) que se caracteriza por ser um espao onde se

    desenvolvem atividades grupais de expresso e insero social (a equipe que

    foi alvo dessa pesquisa presta esse atendimento); o Centro de Ateno

    Psicossocial (CAPS), que utilizado como intermedirio entre o hospital

    psiquitrico e o atendimento no ambulatrio; a Sade Mental em Unidade

    Bsica de Sade (UBS), que exige uma equipe mnima composta por:

    psiclogo, assistente social e psiquiatra; o Ambulatrio de Especialidade que

    exige a composio completa de equipe multidisciplinar; e a Residncia

    Teraputica, para pacientes que receberam alta do hospital psiquitrico.

    Em 2001, foi aprovada a lei 10.216, conhecida como a lei da reforma do

    modelo assistencial, a qual dispe sobre a proteo e os direitos das pessoas

    portadoras de transtornos mentais, e ainda, redireciona o modelo assistencial

  • 25

    em sade mental. Essa lei e as portarias subseqentes do MS (2007)

    determinam a progressiva desinstitucionalizao e desospitalizao das

    pessoas com sofrimento psquico, levando os antigos manicmios a serem

    substitudos por servios de sade mental, os quais devem seguir a lgica da

    descentralizao e da territorializao do atendimento em sade, prevista na lei

    federal que instituiu o SUS.

    Apesar de ser um processo lento e com desafios e dificuldades, h

    conquistas, que tm estimulado a constituio de redes de ateno

    psicossocial de base comunitria, substitutivas ao modelo centrado na

    internao hospitalar, como forma de garantir os direitos dos usurios com

    transtornos mentais (MS, 2007). Neste novo modelo de cuidado, h mudanas

    no tratamento dos usurios, o qual: passa a ser humanizado; h a disposio

    de equipes multidisciplinares para o acompanhamento teraputico; os usurios

    adquirem tambm o papel de agentes no prprio tratamento; e conquistam o

    direito de se organizar em associaes e cooperativas, promovendo a insero

    social de seus membros.

    Para acompanhar o processo da sade em geral foi criada a Poltica

    Nacional de Humanizao (PNH) de ateno e gesto no SUS, conhecida

    como Humaniza SUS. De acordo com essa diretriz, a humanizao na rea da

    sade se remete s seguintes propostas: tica - todos passam a ser co-

    responsveis, trabalhadores e usurios, pelas aes em sade; esttica -

    busca abranger o sistema de produo de sade de pessoas vistas

    subjetivamente como autnomas e protagonistas desse processo; poltica -

    organizao social e institucional das prticas de ateno e gesto do SUS.

  • 26

    O processo de humanizao deve ser orientado pelos seguintes valores:

    autonomia, co-responsabilidade, protagonismo dos sujeitos envolvidos,

    solidariedade entre os vnculos estabelecidos, respeito aos direitos dos

    usurios e participao coletiva no processo de gesto (MS, 2007).

    A construo desse processo foi possibilitada pela evoluo social,

    mudanas culturais, evoluo na formao dos profissionais e avano para

    uma medicao mais eficaz. Segundo Antunes e Queiroz (2007) o processo de

    humanizao da sade originou-se nos movimentos de reformas sanitrias,

    pela conquista de uma ampliao no conceito de sade, que passou a

    incorporar entre seus determinantes, as condies de vida e a deslocar no

    sentido da comunidade, a assistncia que era focada como mdico-hospitalar,

    no processo de ateno sade.

    A reflexo constante por parte daqueles que atendem uma clientela

    carente de recursos emocionais e financeiros corresponde PNH do SUS em

    sade mental que prope transformar o modelo assistencial e construir um

    novo estatuto social. A garantia dos direitos das pessoas com sofrimento

    psquico, levando em conta os princpios e diretrizes do SUS, supe a criao

    de uma rede de servios de ateno psicossocial, de base comunitria (MS,

    2007).

    Quando se pensa em humanizao na sade h a valorizao de

    diferentes sujeitos: usurios, familiares, trabalhadores e gestores, que esto

    envolvidos num contexto maior que a comunidade. Esse processo de

    humanizao passa por todos os sujeitos e, tambm, pela construo de trocas

    solidrias e comprometidas com a dupla tarefa de produo de sade e

    produo de sujeitos.

  • 27

    Portanto, de acordo com a PNH, para que ocorra, de fato, a

    humanizao na sade, necessrio que se construam e se mantenham

    espaos de reflexo e de transformao constantes das prticas profissionais e

    que por meio de decises compartilhadas, a equipe possa se nutrir para novos

    desafios. Um dos princpios norteadores dessa poltica , justamente, o

    fortalecimento do trabalho em equipe multiprofissional e a gesto do trabalho

    em sade. O Ministrio prope a promoo de aes que assegurem a

    participao dos trabalhadores nos processos de discusso e deciso,

    fortalecendo-os e valorizando-os na sua motivao, no autodesenvolvimento e

    no crescimento profissional.

    A questo do trabalho em equipe multiprofissional, por sua vez, j era

    enfatizado por Basaglia (1985) em suas crticas instituio manicomial. A

    nfase de sua proposta envolvia a diminuio de leitos nos hospitais

    psiquitricos e o desenvolvimento de servios compostos por equipes

    multiprofissionais, capazes de responder s necessidades de ser e de

    integridade dos seres humanos.

    Sade um fenmeno integral que s pode ser acessvel a um conjunto

    de especialidades em constante interao e dilogo. Por isso, cada vez mais

    crescente a necessidade e a busca por abordagens humanizadas s pessoas

    em sofrimento por parte dos profissionais de sade que as assistem. Portanto,

    a abordagem multidisciplinar a que mais se aproxima da viso da

    complexidade que caracteriza os cuidados em sade, numa tentativa de

    superao do enfoque biomdico, remediativo e fragmentado.

    Para Toledo (2004) e Oliveira e Alessi (2003), a justificativa fundamental

    do trabalho em equipe multidisciplinar a busca do reconhecimento do ser

  • 28

    humano em sua totalidade. Essa viso global do indivduo confirmada no

    processo de humanizao proposto pelo SUS, o qual prope a constituio dos

    profissionais da sade como co-responsveis por um trabalho coletivo de

    superao das prticas hegemnicas biolgicas. A atuao conscientizada do

    tcnico de seu papel profissional e social, inserido em um contexto social e

    poltico, possibilita a escolha por prticas de trabalho que visem, tambm, ao

    resgate desta condio ao usurio.

    Scherer et al. (2007) definem que o trabalho em equipe tem como ideal

    a ao integrada e complementar de cuidados com o intuito de oferecer um

    atendimento humanizado ao usurio. Observam que so fatores determinantes

    no trabalho em equipe, a distribuio e articulao das tarefas tcnicas, a

    clareza do papel profissional de cada um, bem como do outro, os limites e a

    responsabilidade de cada rea de atuao.

    Antunes e Queiroz (2007) tambm descrevem que a perspectiva

    multiprofissional reside na concepo de que o conhecimento sobre o ser

    humano se processa em campos ampliados, e no em mundos particulares e

    isolados. Desse modo, a proposta de um novo paradigma assistencial conduz o

    profissional a reflexes sobre a prtica, estimula novas formas de pensar, fazer

    sade e trabalhar a sade mental.

    A respeito das distintas terminologias utilizadas na denominao de

    trabalhos em equipe, como assinalado no incio dessa pesquisa, os estudos de

    J.P.L. da Silva e Tavares (2003) consideram que, embora a literatura assinale a

    existncia de diferenas entre tais termos, h uma carncia de anlise quanto

    s relaes estabelecidas nessas prticas. Alguns autores, como Crevelin e

    Peduzzi (2005), reforam a importncia de que a perspectiva de aes

  • 29

    integradas, independente da denominao que recebem, tem-se constitudo

    em indicativos para a organizao da assistncia em sade.

    As definies para trabalho em equipe destacam uma concordncia em

    relao aos aspectos significativos sua construo, estrutura e composio, e

    esto em consonncia com os pressupostos presentes nas equipes em geral,

    no pertencentes ao setor da sade. Os pontos cruciais que esto na base de

    formao de qualquer equipe podem ser identificados como: desempenho,

    responsabilidade e tomada de deciso coletiva, e uso de habilidades e

    conhecimentos complementares. Em contrapartida, nas equipes,

    especificamente, de sade verificamos a existncia de situaes especficas ao

    setor, que impactam a sua estruturao, tais como: relaes de poder e

    dominncia de um discurso particular, resultando na excluso de outro, e falta

    de confiana interprofissional (Pinho, 2006).

    Dentre as definies dos termos sobre trabalho em equipe, no estudo de

    Waidman e Elsen (2005), o termo multidisciplinaridade empregado quando a

    soluo de um problema necessita da obteno de contribuies de duas ou

    mais cincias sem que as disciplinas envolvidas no processo sejam

    enriquecidas mutuamente. J a interdisciplinaridade considerada pelos

    autores, como o nvel em que a interao entre vrios conhecimentos conduz a

    uma reciprocidade no intercmbio e a um enriquecimento.

    Os estudos de Almeida Filho (1997) tambm sugerem algumas

    definies de trabalho em equipe:

    Multidisciplinar: a agregao de duas ou mais reas do conhecimento, sem que os profissionais implicados com um mesmo tema

  • 30

    estabeleam entre si efetivas relaes tcnicas. Funciona com a justaposio

    de disciplinas, sem cooperao sistemtica entre si.

    Pluridisciplinar: processam-se as relaes entre as disciplinas, com algum grau de cooperao, mas sem ocorrer coordenao comum de

    aes.

    Interdisciplinar: processo de aes recprocas, enriquecimento mtuo e tendncia a horizontalizao das relaes de poder entre os campos.

    Transdisciplinar: integrao das disciplinas, implicando na criao de um campo novo que desenvolver uma autonomia perante as disciplinas

    que o compem.

    Peduzzi (2001) observa que os estudos sobre equipes abordam a

    questo estritamente tcnica, em que o trabalho de cada profissional

    apreendido como conjunto de atribuies e tarefas, sem se considerar a

    articulao dos trabalhos. Dessa forma, o trabalho em equipe multiprofissional

    tomado como uma organizao a priori, j dada, devido ao fato de existirem

    profissionais de diferentes reas atuando conjuntamente.

    A partir disso, a autora desenvolve um conceito e uma tipologia de

    trabalho em equipe e os critrios de reconhecimento de seus tipos, analisando

    aspectos de complementaridade, articulao das aes, comunicao entre os

    agentes, questionamento das desigualdades estabelecidas entre os diversos

    trabalhos e o reconhecimento do carter interdependente da autonomia

    profissional.

    A tipologia de trabalho em equipe multiprofissional distinguida, por

    Peduzzi (2001), como equipe agrupamento e equipe integrao. A equipe

    agrupamento seria caracterizada pela fragmentao, ocorrendo a justaposio

  • 31

    das aes e o agrupamento dos agentes e uma maior nfase na especificidade

    dos trabalhos. Ocorre, tambm, a complementaridade objetiva dos trabalhos

    especializados, convivendo com a independncia do projeto assistencial de

    cada rea tcnica, denotando uma concepo de autonomia plena dos

    agentes. A equipe integrao, por sua vez, definida pela articulao das

    aes e a interao de seus agentes e flexibilidade da diviso do trabalho. H

    complementaridade e colaborao no exerccio da autonomia tcnica e no h

    independncia dos projetos de ao de cada profissional (Peduzzi, 2001).

    Concordamos com a autora quando refere que o trabalho em equipe

    uma modalidade de trabalho coletivo que se configura na relao recproca

    entre as intervenes tcnicas e a interao dos diferentes profissionais. A

    partir da relao estabelecida entre trabalho e interao, os profissionais

    podem construir consensos que configuram um verdadeiro projeto assistencial

    comum, em torno do qual se d a integrao da equipe de trabalho.

    Por isso, a elaborao de um projeto assistencial comum trata-se de um

    plano de ao para uma situao concreta de trabalho coletivo em equipe. Os

    agentes partem de uma realidade dada, que toma em considerao o projeto

    assistencial hegemnico, biomdico, e dentro de certo campo de

    possibilidades, constroem, por meio de suas atividades tcnicas cotidianas, um

    projeto pertinente s necessidades de sade, com base no dilogo e no

    reconhecimento intersubjetivo, investindo na construo conjunta de um projeto

    assistencial que abarque a complexidade e a multidimensionalidade da sade.

    importante mencionarmos, ainda nos valendo das idias da autora

    acima, das quais compartilhamos, a questo das diferenas ou desigualdades

    das diversas categorias profissionais. As diferenas tcnicas de trabalho

  • 32

    acabam por configurarem-se, desnecessariamente, desiguais quanto a sua

    valorizao social:

    As diferenas tcnicas transmutam-se em desigualdades sociais entre os agentes de

    trabalho, e a equipe multiprofissional expressa tanto s diferenas quanto as

    desigualdades entre as reas, e concreta e cotidianamente, entre os agentes-sujeitos

    do trabalho. (Peduzzi, 2001, p. 107).

    Em nossa experincia profissional, observamos que, na situao de

    trabalho coletivo em que h menor desigualdade entre os diferentes trabalhos e

    agentes, ocorre maior integrao na equipe, pois medida que o trabalho em

    equipe construdo em uma relao de interao, maiores as possibilidades

    dos profissionais interagirem em situaes livres de coao e de submisso.

    A autora, finalmente, destaca a necessidade de se preservar as

    especificidades de cada trabalho, assim como a flexibilizao da diviso de

    cada rea profissional. Os profissionais realizam atividades prprias de suas

    reas, mas tambm podem executar aes comuns, nas quais esto

    integrados campos distintos. Os dois tipos de intervenes, as especficas e as

    comuns, compe o projeto assistencial construdo, de fato, pela equipe como

    um todo (Peduzzi, 2001).

    Devemos mencionar, tambm, a existncia de algumas dificuldades no

    trabalho em equipe, como a questo da diviso social e tcnica do trabalho,

    resultado de um processo de especializao do saber na formao acadmica

    dos profissionais, acabando por gerar uma viso reducionista e fragmentada do

    ser humano. Alm disso, concordamos com Pinho (2006) quando afirma que

    h, ainda, muita confuso acerca dos conhecimentos, habilidades e atitudes

    que compreendem a prtica desse trabalho.

  • 33

    Por isso, nos valendo das idias de Scherer et al. (2007), das quais

    compartilhamos, enfatizamos a importncia da implementao de estratgias

    para amenizar os conflitos, exigindo a criao de um espao para a reflexo

    acerca da prtica direta junto ao usurio, bem como da busca de coeso.

    Coeso entendida como o oferecimento de apoio e formao de vnculos,

    favorecendo a integrao da equipe e das aes, ou seja, as reunies

    sistemticas dos profissionais que compem a equipe surgem como recurso

    para integrar as diversas formas de sentir, pensar e agir.

    Especificamente a respeito das reunies de equipe, encontramos

    diversos estudos que ressaltam sua importncia. Dentre os quais, citamos o

    estudo de Matumoto et al. (2005) que considera as reunies de equipes como

    promotoras da construo da grupalidade e de um projeto de trabalho na

    perspectiva de possibilitar que as prprias equipes analisem suas prticas e

    reflitam sobre como trabalhar (p.10).

    Para tanto, necessria a criao e a manuteno de um espao

    continente, onde todos se sintam predispostos s trocas mtuas sobre as

    vivncias de seu dia-a-dia profissional, bem como a refletir sobre maneiras de

    atenu-las. Um ambiente favorvel aos relacionamentos equipe-equipe e

    equipe-usurio que proporcione a tolerncia s frustraes; o suporte das

    ansiedades, das impotncias e dos conflitos decorrentes de rivalidades

    profissionais; a convivncia com as diferenas de atuao profissional; e,

    principalmente, o trabalho em equipe.

    Sobre isso, L. M. Silva e Santos (2006) acrescentam que somente um

    trabalho de efetiva integrao e o estabelecimento de inter-relaes entre as

    diversas disciplinas proporcionar a criao de condies propcias para

  • 34

    enfrentar a complexidade do cuidar. Nesse sentido, a busca de aes

    integradas na prestao de servios e a associao entre assistncia, ensino e

    pesquisa so estratgias importantes para a construo de uma prtica

    assistencial comprometida com as reais condies de vida da populao.

    Esses autores relatam a experincia de reunies semanais da equipe e

    enfatizam a importncia da comunicao entre os membros. H uma . . .

    preocupao de se fomentar condies propcias para que se crie a

    possibilidade de se perceberem as falhas e lacunas nas condutas da equipe,

    sendo que dificuldades podem ser gradualmente repensadas e reavaliadas

    (p.418). Enfatizam, ainda, que devido s peculiaridades enfrentadas no

    cotidiano profissional, muitas vezes surgem questionamentos sobre a

    necessidade de a prpria equipe tambm ser cuidada:

    O exerccio da interdisciplinaridade muito exigente. O momento do encontro no

    resultado de um desdobramento natural, mas deve ser pacientemente construdo pela

    equipe interdisciplinar . . .. aprender a observar a si mesmo enquanto se olha para o

    outro. E aprender tambm a olhar para o outro ao olhar para si. Atuar enquanto equipe

    integrada e afinada com os mesmos pressupostos terico-clnicos exige muito trabalho,

    dedicao e f na capacidade coletiva de gerir problemas humanos (L.M.Silva &

    Santos, 2006, p.419).

    A busca de suporte emocional para a equipe implica no reconhecimento

    da necessidade dos profissionais envolvidos manterem um constante dilogo

    entre si (nvel interpsquico) e consigo mesmos (nvel intrapsquico), com o

    intuito de assegurar qualidade ao atendimento. Desse modo, pode-se melhorar

    no somente a qualidade de vida de quem cuidado, como tambm a de quem

    cuida.

    Diante deste contexto da sade mental pblica no Brasil, a escolha de

    uma equipe interdisciplinar em sade mental, pareceu-nos uma oportunidade

  • 35

    para compreender algumas experincias emocionais da mesma, tendo como

    pano de fundo esse cenrio.

  • 36

    2 - OBJETIVOS

    2.1 - Objetivo Geral

    O presente trabalho foi realizado, concomitantemente, com as atividades

    que a autora desenvolve numa instituio de sade mental infantil, como

    psicloga. Teve como objetivo geral investigar algumas experincias

    emocionais de uma equipe interdisciplinar, da qual a mesma faz parte, com o

    intuito de compreend-las a partir dos vnculos que se formam.

    2.2 - Objetivos Especficos

    Descrever alguns fenmenos e processos emocionais que foram produzidos no aqui-agora do grupo;

    Compreender os fenmenos emocionais ocorridos nas relaes interpessoais e na execuo das tarefas profissionais da equipe.

  • 37

    3 - MTODO

    O mtodo cientfico consiste em uma tentativa de desenvolver

    concepes sobre o homem, a natureza e o conhecimento segundo o momento

    histrico e as convices da comunidade cientfica (A.C.B. da Silva, 2003).

    Essa pesquisa seguiu uma abordagem qualitativa sob orientao do

    mtodo psicanaltico de grupos, mais especificamente, os conceitos de Freud e

    os autores Anzieu e Kas para compreenso da experincia grupal. Teve como

    objeto de investigao as produes do inconsciente; nesse caso, da equipe

    interdisciplinar. Para Anzieu (1966), esse mtodo o nico mtodo cientfico

    utilizvel para o estudo das manifestaes do inconsciente, e que no h

    nenhum campo no qual o mtodo geral da psicanlise seja inaplicvel.

    Tal mtodo permite ainda, observar, descrever e compreender em

    profundidade os fenmenos humanos a partir de uma relao entre o

    pesquisador e o objeto de estudo. a postura de considerar o particular, com a

    intencionalidade de compreender o que est acontecendo.

    A psicanlise chamada de aplicada um conjunto de prticas do

    mtodo geral com as devidas transposies necessrias do mtodo tradicional

    de acordo com o campo, com a natureza dos sujeitos envolvidos e com o

    objetivo do trabalho.

    Anzieu (1966) procurou:

    . . . aplicar a teoria e a clnica psicanaltica compreenso no somente dos grupos

    ditos ocasionais ou artificiais . . ., mas dos grupos sociais ditos reais ou naturais

    (associaes, organizaes de todas as espcies, equipes de trabalho, reunies

    profissionais, etc. [itlicos nossos]) (p. 48).

  • 38

    No entanto, coloca que para isto preciso admitir a tese segundo a qual

    o essencial o inconsciente, tanto nos grupos naturais como artificiais. O autor

    afirmou que sua metodologia operativa, tanto para a compreenso

    psicanaltica, quanto para a interveno nos grupos.

    Para Anzieu (1966), h duas maneiras diferentes de estudar o grupo de

    acordo com o objetivo desejado: 1 o grupo humano como uma sociedade em

    miniatura objeto de estudo da sociologia; e 2 o grupo humano como um

    encontro de pessoas, local de confronto e de laos, fora de qualquer referencial

    social. Essa segunda perspectiva a do estudo psicanaltico dos grupos, quer

    sejam ocasionais como os grupos de . . . psicoterapia quer se trate de grupos

    sociais reais (p.62). O autor tambm apresentou os seguintes critrios de

    cientificidade os quais devem ser submetidas s hipteses sobre os processos

    inconscientes a qualquer que seja o campo onde se aplicar a psicanlise:

    - a cada tipo de fato observado deve corresponder uma hiptese que o

    justifique, e cada hiptese deve se apoiar num material clnico significativo e

    preciso;

    - cada hiptese deve caber num corpo coerente de hipteses prprias a

    esse campo, bem como ligar-se ou ser deduzida de hipteses j estabelecidas

    em psicanlise geral;

    - cada hiptese tem de confirmar sua verdade por sua fecundidade em

    outro domnio que no aquele sobre o qual foi estabelecida.

    Anzieu (1966) retoma as regras reguladoras descritas por Ezriel no que

    diz respeito interpretao (no caso da pesquisa, o que a particulariza o

    aspecto de ficar reservada compreenso e anlise dos resultados obtidos):

  • 39

    - deve configurar-se uma interpretao no-histrica, de modo a

    evidenciar angstias, defesas e desejos inconscientes atuais;

    - deve ser endereada ao conjunto dos participantes.

    Kas (1976) tambm estabeleceu algumas condies em que o grupo

    pode constituir um paradigma metodolgico apropriado a anlise. Para ele,

    enquanto mtodo, o grupo uma construo, um artifcio, regulado por um

    objetivo, o inconsciente, que no pode ser atingido de outra maneira com os

    mesmos efeitos.

    Segundo o autor, a utilizao do grupo como mtodo tornou possvel a

    emergncia de processos psquicos, permitindo por em suspenso seus

    vnculos com as formaes que funcionam nos grupos empricos. Desse modo,

    no so as formaes sociais, culturais, polticas que so objeto da anlise,

    mas seus efeitos psquicos. No caso de nossa pesquisa, no foram as

    questes sociais envolvidas no trabalho da equipe, o objeto preferencial da

    investigao, mas seus efeitos, na medida em que foram traduzidos no campo

    da realidade psquica do grupo interdisplinar.

    3.1 - Participantes

    Os participantes da pesquisa foram os profissionais e estagirios da

    equipe. O grupo com o qual trabalhamos foi um grupo natural, que constitui

    uma equipe interdisciplinar de uma instituio de sade mental infantil.

    A equipe foi composta por 15 pessoas, incluindo a pesquisadora-

    participante, sendo 8 profissionais de nvel superior e 7 estagirios

    universitrios, 12 mulheres e 3 homens, na faixa etria entre 20 e 34 anos, das

    reas de Psicologia, Terapia Ocupacional, Servio Social, Fonoaudiologia e

  • 40

    Educao Fsica (anexo I). Os participantes tm suas horas de trabalho

    distribudas durante a semana. Os profissionais formados apresentam

    graduao entre 6 meses e 10 anos e o subgrupo de estagirios esto entre o

    5 e 9 perodo de curso universitrio.

    Os membros da equipe enfrentam dificuldades emocionais dirias, como

    angstias, inseguranas, rivalidades, impotncias, desencontros,

    desentendimentos e conflitos nas relaes entre si, diante das necessidades

    dos usurios e das limitaes com o trabalho de sade mental no pas.

    Todos os nomes dos participantes, com exceo do nome da

    pesquisadora-participante, foram excludos e mantidos em sigilo atravs de sua

    substituio por nomes fictcios aleatrios, bem como o nome das crianas

    atendidas na instituio que foram citadas pelos participantes ao longo das

    reunies.

    3.2 - Campo de Pesquisa

    A pesquisa foi realizada em uma instituio de sade mental infantil em

    uma cidade do interior do estado de So Paulo. uma instituio filantrpica

    de utilidades pblicas federal, estadual e municipal que est instalada em uma

    chcara com 12 mil m2.

    A instituio supracitada foi fundada em 1968, por psiquiatras infantis

    engajados no movimento da reforma psiquitrica brasileira. Na poca, o

    atendimento era voltado a crianas e adolescentes portadores de transtornos

    psquicos graves, os quais recebiam um tratamento psiquitrico sob regime de

    internao hospitalar integral, nos moldes de comunidade teraputica. Em

    1994, os atendimentos foram reformulados, tendo como alicerce a atual poltica

  • 41

    de sade mental, oferecendo, desde ento, um acompanhamento ambulatorial

    multidisciplinar, em regime de Oficina Teraputica (OT) e Centro de Ateno

    Psicossocial da Infncia (CAPSi) tendo participado da pesquisa apenas os

    componentes do primeiro grupo (OT).

    Para realizar seus atendimentos, a instituio recebe verba por meio de

    convnio firmado com o SUS pela Prefeitura do municpio, alm da ajuda da

    comunidade.

    O espao utilizado para o fim da pesquisa foi o mesmo em que a equipe

    costumava se reunir, sendo uma sala com cadeiras iguais, dispostas em

    crculo, e com uma mesa ao centro. um ambiente arejado, bem iluminado, e

    que por vezes foi interrompido pelos demais funcionrios da instituio em

    situaes emergenciais.

    3.3 - Instrumento

    Grupo de Formao surgiu em 1965, quando Anzieu e Kas (1989)

    ministraram um curso de psicanlise de grupo. A tcnica grupo de formao foi

    desenvolvida num campo de relaes institucionais e grupais dos profissionais

    envolvidos com o curso.

    Segundo os autores, essa experincia estimulou o estudo sobre o

    mtodo e a teoria de grupo, como exemplo, os conceitos de imaginrio e iluso

    grupal, a transferncia e a liderana como expresso da resistncia, o

    processo ideolgico, a regresso, o aparelho psquico grupal e a anlise

    intertransferencial.

    O grupo de formao, proposto por eles, tem por objetivo a reflexo

    sobre as prticas de trabalho de seus membros visando o amadurecimento

  • 42

    pessoal e profissional. Para os autores, o grupo permite tambm a investigao

    cientfica sobre o campo do comportamento humano e grupal. Alm disso,

    favorece aos participantes meios apropriados para resolver alguns dos

    problemas que acometem todo o grupo. No prev uma estruturao rgida, os

    temas e assuntos so trazidos espontaneamente pelos integrantes, pois seu

    objetivo permitir que cada um viva e compreenda uma experincia de grupo

    e, com isso, possa compreender seu prprio modo de ser em grupo, assim

    como o do outro.

    No livro Crnica de un grupo, o qual relata essa experincia, Anzieu e

    Kas (1989) frisaram que pretendiam tecer comentrios e no fazer anlise das

    pessoas. Os apontamentos se centraram na anlise das formaes psquicas,

    nos processos revelados, atuantes e ativos na construo do grupo.

    3.4 - Procedimentos

    A experincia que realizamos no foi planejada para ser um objeto de

    pesquisa. Foi e continua sendo uma experincia normal de trabalho da

    pesquisadora. Entretanto, a questo do trabalho de grupo tema freqente de

    sua inquietao e questionamento. Assim, desde o incio do mestrado, o tema

    a ser pesquisado era esse.

    Considerando que se trata de um grupo natural, uma questo que se

    imps logo de incio era quanto ao tipo de procedimentos que deveramos

    utilizar. Torna-se importante ressaltar que no tivemos a meta de dar aos

    dados que sero relatados um carter imparcial, mas pelo contrrio,

    pretendemos aproveitar-nos da condio da pesquisadora ser membro do

  • 43

    grupo de profissionais, de forma a ampliar o campo da observao, trazendo

    diversas possibilidades de olhares para os fenmenos observados.

    importante salientar que, como a pesquisadora trabalha nessa

    instituio, quando a pesquisa iniciou j havia um enquadre determinado nas

    reunies da equipe, com regras estabelecidas, que foi mantido ao longo do

    estudo, j que essa a prtica (de reunies de equipe) que diferencia a

    instituio e a de seu maior interesse. O enquadre das reunies apresenta

    caractersticas bastante particulares, no encontradas na literatura

    especializada, mas se assemelha ao grupo de formao (Anzieu & Kas,

    1989), conforme descrito no item anterior.

    Outro aspecto importante que tambm foi considerado era o fato dos

    componentes da equipe no participarem das reunies espontaneamente, pois

    estas fazem parte da carga horria estabelecida pela instituio a cada

    funcionrio. No entanto, foi confirmado pelo grupo que os espaos de

    discusso so valorizados e considerados importantes para a manuteno dos

    atendimentos.

    Uma vez que a funo da pesquisadora tambm era a de participante da

    equipe, seu papel durante o estudo foi no s de observar, mas tambm de

    intervir, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento do grupo,

    pautando-se por uma disposio afetiva de estar em grupo, conforme era a

    postura nas reunies antes mesmo do estudo. Acreditamos, ainda, que a

    prtica das reunies prvias pesquisa no interferiu em nossa anlise, visto

    que nosso objetivo era apresentar e analisar o aqui-agora do grupo.

    Inicialmente, foi solicitada permisso direo da instituio para a

    participao dos profissionais e estagirios interessados em colaborar com a

  • 44

    pesquisa (anexo II). Aps a autorizao da direo, levei para a reunio da

    equipe informaes sobre a mesma. Todos os participantes tinham o

    conhecimento sobre a pesquisa de mestrado que a autora estava

    desenvolvendo. No entanto, de modo formal, nessa reunio, receberam

    esclarecimentos acerca dos seus objetivos.

    Retomei com o grupo o enquadre das reunies (conforme ser

    detalhado no prximo item), que era de conhecimento de todos. Ressaltei que

    o prvio funcionamento da reunio foi o fator decisivo para a utilizao da

    mesma para o fim desse estudo. Expliquei tambm como seriam realizados os

    registros das reunies (conforme item 3.4.2). Finalmente, coloquei que a

    experincia de pesquisa permaneceria durante seis reunies.

    Surgiram algumas dvidas em relao anlise dos resultados, as

    quais foram esclarecidas pela pesquisadora. Aps toda a explanao, os

    integrantes do grupo receberam com interesse e aceitaram prontamente

    participar da pesquisa. Cada membro assinou um Termo de Consentimento

    Livre e Esclarecido (anexo III) que assegura aos participantes de pesquisa

    envolvendo seres humanos. Foram recolhidos alguns dados de identificao

    como: idade, rea e tempo de graduao ou perodo em que se encontra

    graduando.

    Algumas pessoas expressaram verbalmente que consideravam

    importante a pesquisa: a pesquisa poder contribuir para o crescimento da

    equipe, em particular, e para a instituio como um todo; muito bom a

    instituio contar com uma profissional que est estudando, fazendo

    mestrado; ser bom saber o resultado da pesquisa; o trabalho em equipe

  • 45

    sempre foi o forte da instituio, pois sempre tivemos como preocupao as

    reunies.

    Aps esta primeira etapa, combinei com os participantes de que

    iniciaramos a tarefa na prxima reunio da equipe.

    3.4.1- Funcionamento das reunies da equipe

    A pesquisa utilizou-se de um grupo fechado (com tempo de durao e

    freqncia pr-determinado e sem mudana dos integrantes) e homogneo

    (somente profissionais e estudantes das reas de sade e educao). As

    reunies ocorreram semanalmente, sempre s sextas-feiras, das 8 s 10 horas

    (com exceo da primeira que foi realizada das 9 s 12 horas). A metodologia

    adotada pela instituio determina que as reunies da equipe tenham como

    objetivo:

    - proporcionar aos integrantes a vivncia de participarem como

    membros de um grupo;

    - permitir a elaborao das tenses e ansiedades geradas no trabalho

    com os pacientes e nas diversas atividades profissionais, e no cumpre

    funes teraputicas;

    - no ter temas prefixados e as pautas das reunies serem construdas

    por todos, pois a temtica depender da livre participao dos membros. Em

    sntese, o grupo tinha um objetivo consistente: refletir sobre as prticas

    profissionais diversas e os relacionamentos interpessoais estabelecidos entre

    os membros do grupo.

  • 46

    Dessa forma, as reunies da equipe, em consonncia com o grupo de

    formao, proposto por Anzieu e Kas (1989), reservam-se s manifestaes

    da capacidade de pensar dos integrantes.

    3.4.2- O registro

    Os registros foram realizados da seguinte maneira: em cada reunio, um

    membro do grupo escrevia todo o contedo discutido que, ao final, era lido em

    voz alta para todos os integrantes. Conforme havia a necessidade de

    alteraes, essas eram feitas pelo redator. Aps estar em comum acordo para

    o grupo, ento o material foi utilizado para o fim da pesquisa. O procedimento

    adotado visou objetividade no estudo, fidedignidade do registro e iseno da

    subjetividade do redator.

    Devido ao fato dos prprios integrantes registrarem as reunies,

    pudemos observar os diferentes estilos encontrados nos registros, enquanto

    uns foram mais detalhistas, anotando as falas literais dos participantes, outros

    foram mais concisos. Algumas anotaes tambm foram feitas pela prpria

    pesquisadora-participante do grupo e referiram-se a aspectos que, no

    transcorrer das reunies, lhe chamaram a ateno de um modo particular.

    O material anotado pelos participantes e as impresses da autora

    possibilitaram o trabalho de anlise e interpretao. No foi realizado, de modo

    geral, um registro exaustivo e minucioso das reunies, conforme modelo

    proposto por Anzieu e Kas (1989). Entretanto, entendemos que isso no

    diminui o valor do mesmo (Faria, 2003).

    Anzieu e Kas (1989) discutem a questo do registro no grupo:

  • 47

    1 o suposto registro completo da reunio envolveria o uso de

    equipamentos como, por exemplo, aparelho de mp3 e filmadora. Entretanto, a

    simples presena dos mesmos constituiria um elemento artificial e

    possivelmente perturbador para o grupo;

    2 o registro detalhado habitualmente utilizado como revestimento

    para uma tentativa de demonstrar um aparato tecnolgico considerado neutro.

    Porm, a dificuldade de esclarecer o sentido dos registros no se resolve

    somente a partir do acmulo pretensamente objetivo dos dados;

    3 por mais que se tente realizar um registro completo de uma reunio

    de equipe, impossvel obt-la, uma vez que as variveis presentes so

    diversas: verbalizao, gestos, silncios, manipulao de objetos, tom de voz,

    pessoas falando ao mesmo tempo e o clima emocional do grupo;

    4 por mais que se acumulem os registros, o processo de transcrio

    para a linguagem escrita transforma necessariamente a situao. As regras da

    escrita interferem nas transcries das falas e das cenas vivenciadas. Portanto,

    no podemos reduzir a experincia ao que dela se consegue registrar e

    transcrever.

    Desse modo, os registros a partir dos quais esse estudo foi

    desenvolvido contm lacunas, mas compreendemos que poco importa en tal

    caso que el registro no sea exhaustivo: notas precisas y pertinentes bastan . . .

    (Anzieu & Kas, 1989, p. 13)

    3.5 - Anlise dos resultados

    A anlise do material teve como base o modelo qualitativo de pesquisa,

    de modo que foram estudadas as experincias emocionais no processo do

  • 48

    grupo. Baseamo-nos na tcnica de Anlise do Contedo, conforme proposto

    por Mathieu (1967) e Kas (1977). Tal anlise visou ultrapassar a mera

    descrio do contedo das mensagens, com aplicao de inferncias que

    possibilitam uma interpretao aprofundada e apontou os temas-chaves de

    cada reunio do grupo. A anlise interpretativa dos contedos foi realizada

    concomitantemente por dois psiclogos com conhecimento sobre psicanlise

    de grupo, utilizando-a como referencial terico. As leituras das reunies

    permitiram descrever em detalhes, os fenmenos recorrentes, que apareceram

    na situao do grupo, resultantes do processo reflexivo. Mathieu (1967)

    considera que a organizao dos temas de um relato mostra a maneira pela

    qual o inconsciente se revela e o sentido surge quando se considera o conjunto

    dos temas de um relato, denotando o material das produes emocionais.

    Tendo esse enfoque como norte, foi, a princpio, definido que

    utilizaramos seis reunies em nossa anlise. Entretanto, levando em

    considerao a densidade e riqueza do material, optamos por utilizar apenas

    quatro reunies, deciso que tambm foi tomada por acreditarmos que essas

    seriam suficientes para responder aos nossos objetivos. Para que pudssemos

    acompanhar o desenvolvimento do grupo, utilizamos: a primeira e a segunda

    reunio; a quarta que representou praticamente o meio do processo; e a ltima

    o que possibilitou acompanhar a trajetria percorrida pelo grupo (Auko, 2007;

    Cociuffo, 2001; Terzis, 2005b).

    Inicialmente, foi realizada uma anlise vertical, a partir da qual cada

    reunio foi analisada, discutida e interpretada, por meio das falas apresentadas

    pelos participantes, bem como das suas comunicaes no-verbais, buscando

    desvelar significados simblicos. Em seguida, realizamos uma anlise

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    horizontal, procurando discutir resultados, baseando-nos nas teorias

    psicanalticas de grupo.

    Construmos nossa experincia com o intuito de obter uma visualizao

    do funcionamento e das transformaes ocorridas no grupo, at