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DA ELABORAÇÃO A ESCOLHA DOS LIVROS DIDÁTICOS DE QUÍMICA:
INFLUÊNCIAS DA POLÍTICA PÚBLICA EDUCACIONAL
Neste painel, pesquisadores do Ensino de Química convidam à discussão dos resultados
da análise de temas atuais sobre as influências da política pública educacional no âmbito
do processo realizado pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD); desde a
elaboração até a escolha dos livros didáticos de Química, pelos professores da educação
básica. Os pesquisadores evidenciam o livro didático como produto das políticas
públicas educacionais brasileiras e, ressaltam o importante papel desse material didático
nas salas de aula, na mediação durante o desenvolvimento da prática pedagógica do
professor, na formação do aluno e nas pesquisas na área de educação, entre as quais, a
de química. Com reflexões subsidiadas por teóricos que discutem as políticas públicas
educacionais (BALL, GOLD e BOWE, 1992; HOFLING, 2000; 2007), e sobre livro
didático e livro didático de Química (BITTENCOURT, 2004; MORTIMER e
SANTOS, 2008), com abordagens metodológicas qualitativas, recorrem a interpretações
de situações vividas por professores da educação básica e por autores das obras
didáticas selecionadas, apontando para limitações e avanços do Programa. As três
pesquisas encontram, respectivamente: a complexidade do Programa e as mudanças
contínuas que as obras didáticas sofrem no decorrer dos processos de seleção, e ainda a
presença das influências envolvidas nesse processo, que não se dá apenas por meio das
especificações do Edital; possíveis influências do mercado tecnológico, com a inclusão
das obras didáticas digitais no PNLD 2015 e as limitações na formação dos professores
para trabalharem com esses novos recursos; e no processo de escolha, como fatores de
influência tem-se a pouca utilização do Guia Didático, as interferências das editoras e,
novamente, os aspectos relacionados à formação docente. Concluem acreditando
potencializar importantes reflexões que transitam por questões culturais implicadas na
seleção das obras didáticas; na interpretação e ressignificação do texto político; e na
prática pedagógica do professor.
Palavras-chave: Livros Didáticos de Química. Livro Didático Digital. PNLD.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
6415ISSN 2177-336X
CURRÍCULO E POLÍTICA PÚBLICA: O ENSINO DE QUÍMICA NO
PROCESSO DE ELABORAÇÃO DOS LIVROS DIDÁTICOS
Gahelyka Aghta Pantano Souza – UFMT
Irene Cristina de Mello – UFMT
Resumo
Este trabalho consiste em um recorte de uma pesquisa maior, desenvolvida no âmbito
de um programa de mestrado. Nosso objetivo é apresentar as relações de influência que
se estabelecem entre Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), como política
pública educacional, e os processos de (re)elaboração de uma obra didática de Química.
Assim como Ball, Gold e Bowe (1992), compreendemos que a política pública se
desenvolve em ciclo, como é chamado pelos autores Ciclo de Políticas. Constituído de
três principais contextos, a saber: contexto de influência, contexto de produção de texto
e contexto da prática. Cada um deles apresentam arenas, lugares, e grupos de interesse
envolvendo disputas e embates. Por isso, toda a política pública que envolve a
(re)elaboração dos livros didáticos brasileiros refletem as características dos contextos
apresentados. Porém, esses três contextos encontram-se inter-relacionados, de maneira
não linear e não apresentam dimensão temporal ou sequencial. Nos moldes de uma
pesquisa de abordagem qualitativa, por meio da análise dos módulos e livros didáticos
que compõem a Coleção Química Cidadã, objeto deste estudo, descrevemos e
analisamos como os autores conduziram as mudanças sofridas na proposta didático-
pedagógica e teórico-metodológica, no decorrer dos processos de seleção realizados
pelo PNLD. Além disso, apresentamos as Mônadas que demonstram a partir da fala dos
colaboradores da pesquisa, se houve ou não transformações nesse aspecto. Os resultados
apontam que apesar das orientações encontradas nos Editais de seleção, os autores
conservem a essência principal da obra, e continuam a propor um livro didático com
perspectiva à formação cidadã dos alunos do ensino médio regular no Brasil, contudo,
situações como a da experimentação investigativa que os autores afirmam existir, na
nossa compreensão não está presente na Coleção.
Palavras-Chave: Livros didáticos de Química. Formação Cidadã. PNLD
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
6416ISSN 2177-336X
INTRODUÇÃO
Objeto de múltiplas faces o livro didático pode vir a assumir diferentes funções,
de acordo com o lugar e o momento em que é elaborado e utilizado. É pesquisado como
produto cultural, como mercadoria (produto do mercado editorial), mas também como
um portador do conhecimento e dos métodos de ensino das diversas disciplinas do
currículo escolar. Assim, compreendemos que o livro didático atua como um dos
parâmetros que influência a formação do currículo escolar.
Para Quadros, Lélis e Freitas (2015), “o livro didático tem sido um dos recursos
mais utilizado pelos professores e também muito discutido na literatura. Em algumas
escolas, inclusive, ele é a base de toda a prática docente” (p. 105). Nesse sentido,
políticas públicas educacionais são continuamente (re)elaboradas, como o Programa
Nacional do Livro Didático, criado com o objetivo de subsidiar o trabalho pedagógico
do professor, selecionando e distribuído gratuitamente livros didáticos para as escolas
públicas brasileiras, atendendo atualmente todas as modalidades de ensino.
Por meio de um Edital especifico realizado para cada processo de seleção das
obras didáticas, o PNLD seleciona, compra e distribui gratuitamente livros didáticos a
estudantes e professores das escolas públicas de educação básica, além de garantir um
material didático nas salas de aula, o Programa proporciona uma melhor qualidade
desse material a professores e alunos.
Há alguns anos, professores universitários, principalmente aqueles dos cursos de
licenciatura, têm direcionado seus esforços para discutirem os currículos que estão em
vigor no país, para que além de compreendê-los eles possam ainda contribuir para sua
qualificação. Encontros, eventos e cursos de formação continuada proporcionam aos
professores de Química um espaço para que discussões que circundam por essa
perspectiva possa ser partilhada, neste momento de reflexão novas ideias e propostas
surgem dos diálogos e discussões coletivas, o que nos permite compreender que a
escolha de um currículo adequado à realidade escolar atual não é apenas decisão pessoal
e pedagógica do professor, mas é também uma decisão política e portanto, deve ser
compreendida como um processo coletivo (RAMOS, FANTINEL e RIBEIRO, 2012).
Para Lopes (1999) “a política curricular trata de um processo de seleção e de
produção de saberes, de visões de mundo, de habilidade, de valores, de símbolos e
significados, portanto, de culturas capazes de instituir formas de organizar o que é
selecionado, tornando-o apto a ser ensinado”. Compreendemos que a elaboração dos
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livros didáticos de Química perpassa por discussões dessa natureza, dessa forma, o
currículo e a proposta do ensino de Química brasileiro se constitui a partir de discussões
realizadas entre os pares de uma mesma comunidade cientifica. Essa movimentação
entre o grupo ocorre de acordo com as necessidades formativas de cada região, bem
como de acordo com a política pública educacional em vigor.
Com base nas experiências adquiridas durante a vida professores, grupos
políticos, alunos e movimentos sociais passam a contribuir para a elaboração de um
livro didático de Química que atenda às necessidades da sociedade atual.
O LIVRO DIDÁTICO COMO PRODUTO DA POLÍTICA PÚBLICA
As pesquisas e grupos de estudos relacionados às políticas públicas educacionais
começaram a se intensificar no final do século XX. Culminando na promoção de um
campo distinto de investigação (BALL e MAINARDES, 2011). As pesquisas
pautavam-se nos Parâmetros e nas Diretrizes Curriculares Nacionais elaborados ao final
da década de 1990 (LOPES e MACEDO, 2011). Segundo Oliveira (2014), essas
pesquisas em sua maioria eram direcionadas à crítica dos documentos e dos resultados
por eles apresentados, em vez de se pautarem em investigações teóricas e empíricas
relacionadas às políticas de currículo da época.
Novas pesquisas têm procurado superar a distinção existente entre proposta e
implementação, dentre elas destaca-se a abordagem formulada pelo sociólogo inglês
Stephem Ball e seus colaboradores, por permitir uma análise crítica e contextualizada de
programas e políticas de educação, considerando os diversos contextos sociais que
envolvem sua elaboração seguindo até a sua implementação no contexto da prática, bem
como seus resultados correspondentes (MAINARDES, 2006).
Ball (1994) assume a política como:
[...] uma “economia de poder”, um conjunto de tecnologias e práticas as quais
são realizadas e disputadas em níveis locais. Política é texto e ação, palavras
e fatos, tanto o que é praticado, quanto o que é pretendido (BALL, 1994,
p.10) [Tradução nossa].
O autor nos direciona a compreensão da política como um processo de
intervenções textuais na prática, ao afirmar a existência de um terceiro espaço, “há
muito mais além da escola e da sala de aula, outras preocupações, demandas, pressões,
propósitos, desejos” (BALL, 1994, p.11) [Tradução nossa].
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Nesse sentido, Ball, Bowe e Gold (1992), propõe um ciclo de políticas, o termo
nada mais é que uma denominação atribuída pelos seus idealizadores, com o intuito de
melhor explicar as políticas educacionais, bem como os processos que envolvem os
profissionais que convivem com as políticas, desde a sua elaboração até a sua execução
na prática.
Para Mainardes (2006), ciclo de políticas é definido como uma abordagem, e:
Essa abordagem destaca a natureza complexa e controversa da política
educacional, enfatiza os processos micropolíticos e a ação dos profissionais
que lidam com as políticas no nível local e indica a necessidade de se
articularem os processos macro e micro na análise de políticas educacionais
(p. 49).
Em entrevista concedida a Mainardes e Marcondes (2009), Ball, denomina o
ciclo de políticas como método e sua referência faz-se no que diz respeito a não
explicação das políticas, convertendo-se em um modo de pesquisar e teorizar as
políticas. De modo que, entende-se que as políticas não podem dizer o que deve ser
feito, mais podem proporcionar situações para serem analisadas e executadas. Por esse
motivo, o autor considera que a política não pode ser implementada de maneira linear,
ou seja, como se existisse alguém para planejar as políticas e alguém para executá-las,
sugerindo um processo linear onde a política segue em direção à prática de maneira
direta e perfeita.
Considerando os três contextos basilares do ciclo de políticas, toda a política
pública que envolve a (re)elaboração dos livros didáticos brasileiros refletem as
características dos contextos apresentados. O contexto de influência articula todas as
relações de poder e influência, posteriormente conjecturadas no contexto da produção
de textos, com a elaboração dos Editais específicos, documentos de cunho nacional que
norteia a realização de cada seleção de livros, e refletido também na elaboração dos
livros didáticos pelos autores, que a partir de suas experiências ressignificam sua prática
docente na elaboração de seus livros didáticos mediante as orientações dos documentos
oficiais.
Aos serem selecionados, os livros didáticos indicam estarem de acordo com as
orientações estabelecidas nos Editais de seleção, bem como com a legislação vigente
atendendo ao currículo estabelecido para cada período escolar. Considerando os livros
didáticos brasileiros como produtos de disputas pautadas nas decisões e ações
curriculares, um currículo escrito como é considerado por Goodson (1995).
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Não se pode negar que os livros didáticos sofrem transformações quando estão
inseridos no contexto da prática, no desenvolvimento da prática escolar, na sala de aula,
seus textos são interpretados e ressignificados com base nas histórias vividas que
acompanham a vida de cada professor, além de suas percepções curriculares e da cultura
escolar da qual fazem parte. Todo esse processo de recontextualização da política
exerce influência na elaboração desses materiais didáticos, como ressalta Abreu, Gomes
e Lopes (2005):
[...] salientamos que uma das ações das políticas de currículo é fazer desses
textos menos polissêmicos, menos abertos a serem reescritos, em virtude dos
discursos que os constituem e das condições de leitura. [...] em função do que
se supõe ser o controle de qualidade da prática curricular. Tal controle é
exercido não apenas pelo contexto de produção das definições curriculares,
mas também pelo mercado editorial, pelos grupos produtores dos Livros
Didáticos, por discursos de valorização do Livro Didático e por mecanismos
de avaliação centralizados dos livros (ABREU, GOMES e LOPES, 2005,
p.407).
Em acordo com os autores supra citados, defendemos que “os Livros Didáticos
são produções recontextualizadas por hibridismo em diferentes contextos e relações
sociais”(idem, p. 407). E assim, ao compreendermos como são elaborados os discursos
híbridos que envolvem esse processo de recontextualização, será possível identificarmos
as relações de poder instituídas pela política.
Como Ball, compreendemos que as políticas públicas educacionais não podem
ser implementadas de maneira linear, por serem produto de um amálgama de interesses
e proposições de organizações, grupos sociais e culturais, empreendimentos privados e
públicos, comunidade acadêmica e escolar, associações, partidos políticos, dentre
outros.
METODOLOGIA
Nessa perspectiva e com o intuito de compreender as mudanças provocadas na
proposta didático-pedagógica e teórico-metodológica da Coleção Química Cidadã, é que
descrevemos e analisamos as obras aprovadas mediante seleção realizada pelo PNLD, e
ainda uma coleção constituída por quatro Módulos Didáticos, elaboradas e impressas
antes do PNLEM 2007, quando surge o primeiro Edital para seleção de livros didáticos
de Química.
Realizamos entrevista com dois dos autores da Obra, depois de transcritas, elas
foram tomadas como narrativas, na perspectiva de Walter Benjamin (2012), para o autor
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“o narrador retira o que ele conta da experiência: de sua própria experiência ou da
relatada por outros. E incorpora, por sua vez, as coisas narradas à experiência dos seus
ouvintes” (p. 217).
A partir das narrativas textualizadas, produziu-se um conjunto de mônadas. Elas
são compreendidas como pequenos fragmentos de história, que juntas conseguem contar
sobre o todo, ainda que esse todo possa ser contado por apenas um fragmento, pois, “em
cada mônada, estão presentes todas as outras”. (PETRUCCI-ROSA et al, 2011, p. 205).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A proposta científico-pedagógica tem como base um conjunto de escolhas
teórico-metodológicas, as quais são responsáveis pela coerência interna da obra e por
sua posição relativa no confronto com outras propostas e/ou possibilidades, portanto,
são aqui definidos como elementos essenciais na instrumentalização do aluno.
De maneira geral a Obra apresenta uma proposta de trabalho associada aos
conceitos químicos e sua aplicação na sociedade, de forma que se bem conduzida pelo
professor, poderá oportunizar ao aluno o desenvolvimento de um pensamento crítico e
autônomo em relação às diversas questões sociais e ambientais apresentadas nos textos
das seções de cada um dos volumes do livro.
Os autores circundam ao redor do tema Meio Ambiente, desde que o livro
didático Química e Sociedade foi selecionado no PNLEM, nos Módulos Didáticos, os
autores transitavam por diferentes situações cotidianas que englobavam tanto os
cuidados com o meio ambiente como os cuidados com a saúde. Nas obras Química
Cidadã PNLD/2012 e Química Cidadã PNLD/2015 os autores enfatizaram mais a
temática Meio Ambiente, no entanto, eles a desenvolvem a partir de situações
coadjuvantes a temática, nesse processo temas como o cuidado com a saúde e a
alimentação, são trabalhados em segundo plano nos livros didáticos.
No decorrer da análise percebe-se que os autores atendem o que é orientado
pelos Editais, como no que se refere à linguagem e a organização do conteúdo Químico,
incentivando principalmente a formação de conceitos que se relacionam com as
vivencias dos alunos do ensino médio, por meio de textos, ilustrações e representações
conforme compreendido no texto da política pública.
Como na fala da professora Marie Curie:
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A linguagem do livro está perfeita, em todo o contexto, apesar de existir
alguns alunos que desconhecem muitas palavras, o interessante é que
dependendo do conteúdo que você está trabalhando e da sua experiência,
você pode trazer para sua aula situações que complemente o que é trabalhado
pelos autores no livro. Além disso, você pode também substituir uma
temática por outra (Marie Curie – Mônada 37)
Para Lopes (2007), o trabalho educativo consiste essencialmente em uma relação
dialógica, na qual não se desenvolvem apenas o intercâmbio de ideias, mas sua
construção (p.58). Em outros termos, o processo de ensino aprendizagem não se
desenvolve apenas pelo ver e ouvir nas aulas de Química, mas também pelas mudanças
que ocorrem nas concepções cidadãs dos alunos, dessa maneira “as informações só se
transformam em conhecimento à medida que modificam o espirito do aprendiz” (idem,
p.58).
Nesse contexto, o livro didático atua como um disseminador dos conceitos e da
linguagem química, por meio dos símbolos, códigos e expressões matemáticas próprias
desta ciência, uma vez que se consideram nessa elaboração os interesses e as
concepções dos autores e editoras. O fato de pouco alterarem a organização dos
conteúdos disciplinares, reforça a ideia da estrutura disciplinar já existente para o ensino
de química, comum no ensino médio.
A proposta de se desenvolver um trabalho por meio de temas principais iniciada
ainda na elaboração dos Módulos Didáticos vem posteriormente de encontro ao que é
solicitado nos Editais de seleção, para a Interdisciplinaridade e Contextualização, que é
prontamente atendido pelos autores, pois além de relacionarem os conteúdos e conceitos
químicos com situações cotidianas dos alunos eles procuram ainda relacionar os
conteúdos químicos entre si e também com aqueles conceitos aprendidos em outras
ciências, por exemplo, a Física, a Biologia e a Matemática.
Os autores tentam articular a interdisciplinaridade e a contextualização à
proposta didático-pedagógica da Coleção, à medida que buscam uma organização
diferenciada dos conteúdos disciplinares no interior das obras, como observado na fala
da professora Marie Curie na Mônada 26.
Eu trabalho com três terceiros anos, e não tem o livro para todos, só que eles
já foram meus alunos e não querem outros livros, mesmo porque, o livro do
terceiro ano trás conteúdos do primeiro ano, como o atomismo, as ligações
químicas e a tabela periódica. Trás, também, matéria do segundo ano. Então,
não tem como usar o livro anterior e ser a mesma coisa, será completamente
diferente. Por exemplo, eu achei melhor começar a trabalhar com os terceiros
anos, pelos últimos capítulos do livro. (Marie Curie – Mônada 26)
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Nela, a professora identifica conteúdos do primeiro ano, que comumente estão
no primeiro volume também são encontrados no terceiro volume onde se encontram os
conteúdos do terceiro ano para o Ensino Médio. Para os autores essa relação não
acontece apenas com os conteúdos e conceitos de outras áreas, mas com as atividades
de experimentação voltadas para o ensino de Química, que são propostas no decorrer
dos livros.
Por ser a proposta didático-pedagógica da obra, os autores em todo o momento
trabalham os conteúdos e conceitos químicos aglutinados a uma temática principal e na
sua maioria tratam do meio ambiente. Com isso a Coleção acaba por enfatizar
problemas reais, com foco principalmente nas questões ambientais, que são do cotidiano
dos alunos, isso favorece a formação da opinião crítica em relação à influência e
participação dos processos Químicos nessas situações. Procurando romper com
discursos maniqueístas da Química. Nesse caso os autores apresentam pontos de vista
divergente para essas situações como apresentado no Livro Química e Sociedade, onde
eles iniciam a obra exibindo situações para problemas ambientais, de saúde e na
produção de novos materiais, porém no decorrer do texto discutem situações
divergentes a essas, demonstrando tanto benefícios como limitações do
desenvolvimento da Química e como isso tem impactado o ser humano.
Compreendemos que esse posicionamento dos autores é resultado da
compreensão do texto do Edital, no entanto eles não direcionam os alunos para a
construção de uma única opinião a respeito dos benefícios ou malefícios ocasionados
pelo desenvolvimento da Química, mas sim para a existência de dois momentos que
precisam ser desenvolvidos de maneira equilibrada e consciente.
A experimentação tem sido outro item de discussão pois os Editais orientam o
favorecimento de propostas de experimentação que se alinha a perspectiva investigativa,
“que contribua para que os jovens pensem a ciência como campo de construção de
conhecimento permeado por teoria e observação, pensamento e linguagem” (BRASIL,
2015, p. 66).
Ao observarmos as Coleções, consideramos que os experimentos são em sua
maioria adequados à realidade escolar, com alerta aos riscos e cuidados específicos no
roteiro da atividade experimental quando necessário e ao final do livro. Contudo
discordamos dos autores, quando afirmam que os experimentos apresentados nas
Coleções são de caráter investigativo.
Para um dos autores a experimentação mudou:
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Algumas coisas mudaram, como é o caso da experimentação, que no início
estava bem mais presente. Na hora em que você propõe um material que não
é para uso no Distrito Federal, e, sim, a nível Brasil, você acaba por
considerar uma realidade mais diversificada, então algumas como a
experimentação foi diminuindo um pouco, porém, a identidade nós não
perdemos (Pierre Curie – Mônada 38).
Hodson (1994) compreende que as atividades experimentais devem estimular o
desenvolvimento conceitual dos alunos, fazendo com que os mesmos participem
ativamente desse processo. Por isso, compreendemos que a experimentação
investigativa deve permitir a participação ativa dos alunos durante as aulas, de forma
que eles possam propor discussões argumentando sobre a problemática proposta. Os
alunos são os responsáveis por formularem hipóteses, planejarem o experimento, coletar
e analisar os resultados obtidos bem como propor conclusões sobre o fenômeno
estudado.
Considerando a função da experimentação investigativa e analisando as
atividades experimentais dos livros didáticos do aluno, observamos que eles não
atendem aos critérios para o desenvolvimento de uma atividade experimental
investigativa, por orientarem os alunos durante o desenvolvimento da prática, não pelo
roteiro que é proporcionado ao aluno, mas durante o desenvolvimento da atividade,
direcionando os alunos a um resultado já esperado, desfavorecendo a discussão e a
posição de novas conclusões para o fenômeno estudado.
O meio acadêmico é um dos diversos grupos capaz de influenciar a criação das
políticas públicas, inclusive as que versam sobre a produção de livros didáticos de
Química. Nesse sentido, compreendemos que a obra didática Química Cidadã elaborada
no âmbito do PNLD ao ser reformulada assume em cada nova edição, percepções,
legendas, formatos e aspectos recomendados nos documentos oficiais, a fim de justificar
as novas elaborações impressas, evidenciando as características presentes nos contextos
que constituem o ciclo de políticas, essas assimilações se desenvolvem de diferentes
maneiras, de acordo com os atores envolvidos em cada contexto, bem como suas
vivências, o que contribui para uma ressignificação da prática docente em cada contexto
do ciclo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de não ser tão importante ou tão considerado nas salas de aula da
educação básica brasileira, o livro didático continua a ser um material importante na
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formação de estudantes em todo o país. Compreendemos que o processo de seleção
realizado pelo PNLD é complexo e que envolve inúmeros participantes, e entendemos
também que a (re)elaboração dos livros didáticos se constitui em um processo
complexo, envolvendo em alguns casos, um número menor de sujeitos por isso,
consideramos nesta investigação a essência subjetiva, histórica e social dos autores e de
seus conhecimentos. Ressaltamos que no decorrer da elaboração de cada coleção
Química Cidadã, houve mudanças continuas que não se deram apenas por meio das
especificações orientadas nos Editais do PNLEM/PNLD.
Os processos de seleção do PNLEM/PNLD orientam a avaliação dos livros
didáticos prezando principalmente pela qualidade das obras, estabelecendo padrões para
a seleção, compra e distribuição das coleções aos estados brasileiros. Por diversos
momentos os Editais não especificam a fundo alguns dos critérios estabelecidos para as
análises das coleções submetidas às seleções, isso faz com que as interpretações do
texto político pelos autores sejam realizadas conforme suas experiências e vivencias e
assim, a Coleção é elaborada também com traços das concepções desses autores, o que
acaba por caracterizar o livro didático como uma produção cultural (LOPES, 2007).
O Aspecto Teórico-Metodológicos está diretamente aglutinados à Proposta
Didático-Pedagógica que vem se mantendo o mesmo em meio as mudanças sofridas
pela Coleção. Os autores conservam os aspectos metodológicos e pedagógicos da Obra
Química Cidadã, a proposta de se desenvolver um material que trabalhe o ensino de
Química na perspectiva da formação cidadã está presente na Coleção, por meio dos
textos complementares (Tema em Foco) e das discussões que se seguem a partir da
leitura desse material, já situações como a da experimentação investigativa que os
autores afirmam existir, e que na, nossa compreensão não está presente na Coleção.
Esse aspecto é conservado e poucas são as mudanças pois os autores conseguem
manter a cada novo Edital de seleção a mesma proposta didático-pedagógica, de se
trabalhar o ensino de Química voltado a formação cidadã. Isso fica evidente na fala da
autora Irène Curie, para ela o livro possui uma identidade própria, eles apenas faziam as
adaptações “dentro da proposta metodológica desenhada por nós” (IRÈNE CURIE –
MÔNADA 33). A fala de Irène nos permite compreender que os autores conservam esse
aspecto na Coleção, mudando apenas a temática trabalhada de uma coleção para outra,
como diz o outro autor “nós fomos apenas fazendo ajustes” (PIERRE CURIE –
MÔNADA 34).
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6427ISSN 2177-336X
POLÍTICA PÚBLICA EDUCACIONAL: SOBRE OS LIVROS DIDATICOS
DIGITAIS DE QUÍMICA E O PNLD 2015
Edimarcio Francisco da Rocha - IFMT
Irene Cristina de Mello - UFMT
Resumo
Este trabalho apresenta parte de uma pesquisa mais ampla relacionada com as políticas
públicas educacionais voltadas a universalização de livros didáticos para a escola
pública. Pesquisas apontam que é crescente os estudos sobre políticas educacionais no
Brasil, principalmente nas duas últimas décadas e, em se tratando de livros didáticos, os
mesmos podem ser entendidos como produtos dessas políticas educacionais sendo
destacadas nesse trabalho, a que resultou na aprovação de obras digitais de química no
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2015. Como as obras didáticas são
avaliadas a cada três anos pelo Ministério da Educação (MEC) e em cada período
ocorrem avanços nos critérios de avaliação, fazemos uma análise desse programa a
partir do método Ciclo de Políticas proposto por Stephen Ball e colaboradores. O
método descreve que ao analisar uma política educacional, é necessário entender as
diversas faces de três contextos, sendo eles, o da Influência, da Produção de Textos e o
da Prática. Esses contextos atuam de forma não linear e se inter-relacionam de tal modo,
que uma disputa onde envolve grupos diversos, entre eles, políticos, empresários e
pesquisadores, contribui para a reestruturação da política. Dessa forma, em nossa
análise sobre o PNLD 2015, fazemos uma discussão sobre como cada contexto pode ser
empregado para explicar as mudanças no programa, enfatizando a implementação de
recursos digitais nas obras didáticas conforme previsto em edital e que resultou na
aprovação dos livros didáticos digitais de química. Em seguida, fazemos uma síntese de
alguns dos Objetos Educacionais Digitais (OEDs) que acompanham as coleções de
química que foram avaliadas e aprovadas pelo PNLD em relação a proposta desses
objetos como alternativa para o ensino do assunto a que se destinam, abordando
questões de ordem didático-metodológica.
Palavras-chave: Livro didático digital. PNLD 2015. Ciclo de políticas.
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Introdução
O livro didático tem sido objeto de estudo em diversas pesquisas na área de
ensino, sendo considerado o material didático mais utilizado por professores e alunos. É
tido como essencial nos processos de mediação pedagógica e ganharam destaque na
política educacional nos últimos dez anos devido, entre outros, a universalização do
acesso e sua inclusão no ensino médio por meio do Programa Nacional do Livro
Didático para o Ensino Médio (PNLEM).
A dinâmica de avaliação trienal de obras didáticas realizada pelo ministério da
educação (MEC), permite discussões constantes acerca da produção de livros didáticos,
levando em consideração todo o contexto que o permeia como, por exemplo, os
documentos curriculares, atualização de conceitos e linguagem e, inovações
tecnológicas.
De acordo com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a
utilização de novas tecnologias na educação escolar torna as aulas mais modernas e
atrativas, permitem a complementação dos estudos e auxiliam a aprendizagem e, assim,
uma questão nova e relevante passou a integrar os documentos oficiais sobre livros
didáticos: a inserção de obras digitais na escola pública brasileira por meio de um
programa oficial do Governo. Este processo teve início em 2012 quando foram lançados
Editais que permitiam a submissão de objetos educacionais digitais (OEDs) para as
obras impressas e, de convocação para a inscrição e avaliação dos livros didáticos
digitais para o Programa Nacional do Livro Didático de 2015 (PNLD 2015).
Diante do exposto, realizamos uma pesquisa documental no âmbito do PNLD
2015, onde analisamos o Edital, os livros didáticos e o Guia de Livros Didáticos (GLD),
tendo como suporte teórico, o Ciclo de Políticas proposto por Stephen Ball e
colaboradores com o objetivo de identificar possíveis influências de grupos diversos na
política pública educacional que inseriu os livros didáticos digitais na escola pública.
Por fim, apresentamos uma análise, ainda que sintética, de alguns OEDs
presentes nas coleções aprovadas referentes as possíveis contribuições didático-
metodológicas.
O PNLD nos Contextos da Influência e Produção de Textos
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A digitalização de livros não é algo novo. Em 1971, o americano Michel Hart
desenvolveu um projeto cujo objetivo era digitalizar livros para a disponibilização ao
público (ALMEIDA e NICOLAU, 2013). Para Lévy (1993), a digitalização surge como
uma evolução da impressão e a disseminação do uso de computadores, permitiriam uma
nova forma de aprendizagem e conhecimento epistemológico. Vários pesquisadores da
área e ensino de química, dentre eles, Giordan (2008), Mello (2009) e Souza e Mol
(2013), apontam que o uso das TIC no ensino de química, podem contribuir de forma
ativa para a aprendizagem.
Por outro lado, Almeida (2009) apresentou um trabalho retrospectivo sobre a
apropriação do uso de TIC na educação brasileira contemporânea, onde esse processo é
impregnado de questões que colocam o uso das tecnologias como uma maneira de
resolver os problemas educacionais e que sua introdução nas escolas remete a situações
de obediência e subordinação ao mercado dominado por empresas estrangeiras em um
contexto político neoliberal, respaldadas por um discurso modernizante, porém,
tecnicista, onde a escola daria formação tecnológica aos alunos sem a devida
preocupação metodológica de construção de conhecimentos.
Ao incluir os livros didáticos digitais no PNLD, o MEC oferece novos meios
(atrativos, dinâmicos e moderno) para que alunos e professores possam desenvolver as
relações existentes no processo de ensino-aprendizagem e, em se tratando de química,
os materiais digitais permitem trabalhar de forma lúdica, questões intrínsecas “à
simulação de fenômenos, à linguagem química, à dinâmica de símbolos e imagens que
contribuem nos processos de construção de modelos e conceitos científicos” (BRASIL,
2014, p. 12).
Contudo, a importância pedagógica do livro didático no contexto da educação
pública brasileira, vai além da filosofia de um material pensado para auxiliar
professores e alunos em seus estudos. Conforme Echeverría, Mello e Gauche (2010), o
livro didático é um produto destinado ao consumo e “tem como finalidade apresentar
uma proposta pedagógica dos conteúdos selecionados no vasto campo do conhecimento
em que se insere a área do saber” (p.267).
Para Choppin (2008), o livro didático é um objeto destinado a atender um
segmento industrial e comercial. Percebemos que este objeto que por um lado atende a
demandas de ordem educacional, sendo um instrumento de alto valor pedagógico, tem
para outros, a finalidade de um produto destinado a gerar lucro e, dessa maneira, deve
ser elaborado considerando o contexto político, social, econômico, científico e
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tecnológico inseridos na realidade a qual ele se aplicará, entretanto, sem desconectá-lo
das propostas oficiais e de toda a história da ciência que ele representa. Portanto, os
livros didáticos são um produto da política educacional estabelecida ao longo de sua
história.
A complexidade que envolve a produção e utilização de livros didáticos, bem
como sua implementação por uma política pública, vai além de uma visão linear sobre
as benfeitorias no processo de ensino-aprendizagem proporcionados pelos livros que
estão disponíveis para os estudantes das escolas públicas. Se faz necessário entender, os
diversos contextos que resultam na política que os institui, na elaboração das obras
didáticas, considerando aspectos políticos curriculares e didático-metodológicos e,
ainda, nas relações de reestruturação tanto das políticas quanto dos próprios livros
didáticos.
Nessa conjuntura, o sociólogo inglês Stephen J. Ball e seus colaboradores
descreveram um método para pesquisar e avaliar políticas educacionais com o objetivo
de entender como essas são pensadas, construídas e executadas. Esse método,
denominado de Ciclo de Políticas (BALL, BOWE e GOLD, 1992), é atemporal, não
linear, de contextos inter-relacionados (MAINARDES, FERREIRA & TELLO, 2011;
OLIVEIRA, 2014) e descreve as relações existentes em três contextos assim
denominados: o Contexto da Influência, o Contexto da Produção de Textos e o
Contexto da Prática. Todos esses contextos constituem-se de um pluralismo de agentes
que sofrem influência de causas mais complexas do que apenas econômicas, em um
ciclo contínuo no qual as políticas são recriadas (MAINARDES, FERREIRA &
TELLO, 2011).
Ball e col. (1992) descrevem que o Contexto da Influência, em geral, é onde a
política se inicia, onde grupos com interesses distintos permeiam e direcionam o texto a
ser escrito. Neste Contexto, a preocupação com fundamentos teóricos, metodológicos e
pedagógicos toma voz por meio de grupos de pesquisa da área de ensino de química, e
de certa maneira, acabam influenciando nas políticas educacionais, atuando inclusive na
maneira de pensar e produzir os livros didáticos (LOPES, 2005) e, por consequência,
fazendo parte do Contexto da Produção de Textos.
Por outro lado, grupos empresariais brasileiros e estrangeiros, agências de
fomento internacionais, como o Banco Mundial (BM) e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), também atuam na produção dessa política, uma vez que são
financiadores de programas destinados a distribuição de livros didáticos não só no
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Brasil, mas também em ouros países da América Latina (CASSIANO, 2007;
ECHEVERRÍA, MELLO e GAUCHE, 2012; OLIVEIRA, 2014).
De acordo com Shiroma, Garcia e Campos (2011), grupos empresariais
ancorados em princípios do BM, tiveram influência na elaboração de uma agenda
política educacional, sobre tudo, no início da década de 1990 com o neoliberalismo em
alta. Echeverría, Mello e Gauche, (2012), descrevem que neste período, a política
neoliberal promoveu a implantação de um projeto liberal-conservador que resultou em
“mudanças profundas nas políticas educacionais” (p. 79) e, dessa forma, permitindo a
influência de grupos externos em todos os níveis políticos relacionados ao meio
educacional.
Esses grupos tinham como objetivo, direcionar os textos políticos de modo a
atender os “interesses privados do grande capital nacional e internacional” (SHIROMA,
GARCIA e CAMPOS, 2011, p. 226). Nesse aspecto, no governo de Fernando Henrique
Cardoso, o então Ministro da Educação Paulo Renato, transitava como membro do BID
e consultor do grupo Espanhol Santillana, que no início da década de 2000, viria a
adquirir a editora Moderna (OLIVEIRA, 2014), até então controlada por Ricardo Feltre,
um tradicional e renomado autor de livros didáticos de química.
O interesse capital pode estar associado aos recursos financeiros destinados aos
programas de livros didáticos. Somente para o PNLD 2015, foram gastos em torno de
R$ 1,33 bilhões (BRASIL, 2015). A editora SM de origem espanhola, por exemplo,
(CASSIANO, 2007) é uma das grandes fornecedoras de livros didáticos para o Governo
brasileiro e, no PNLD 2015, receberam recursos federais na ordem de R$ 95 milhões
(BRASIL, 2015).
A ruptura de fronteiras econômicas e mercantis, também colaboram com a
reestruturação das políticas educacionais. Rodrigues, Chimenti e Nogueira (2014)
descrevem a necessidade de um modelo de mercado para o processo de inovação que
atingiu as obras didáticas, sobretudo, a digitalização dos livros didáticos que concorrem
aos editais do FNDE para avaliação e aquisição pelo PNLD. Essa inovação promovida
não somente por questões pedagógicas, mas também por modelos de mercado
tecnológico fora da indústria editorial impressa, está sob forte influência de
conglomerados empresariais ligados a empresas de tecnologia da informação.
Empresas como a Google e a Apple, investem de forma maciça na produção de
materiais digitais que possam ser empregados na educação. Ainda conforme esses
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autores, editoras de didáticos norte-americanas gastaram bilhões de dólares na compra
de companhias de softwares com o intuito de produzir livros didáticos digitais.
Entretanto, no mercado brasileiro, editores questionam a inclusão de obras
digitais no PNLD, alegando que a estrutura das escolas brasileiras não suporta tais
tecnologias, que os professores não possuem formação para lidarem com esse tipo de
material e, que essa ação do governo, reduz os lucros e gera incertezas quanto ao futuro
da indústria de didáticos impressos (RODRIGUES, CHIMENTI e NOGUEIRA, 2014).
A empresa norte-americana Amazon, que atua no segmento de comércio
eletrônico e e-books, firmou acordos com o MEC para digitalização de obras a serem
distribuídas nas escolas públicas (GOMES et al., 2014) e de acordo com Pinsky (2013,
p. 43), a Amazon “vende mais livros digitais do que livros físicos”.
Observa-se uma disputa de mercado entre empresas ligadas ao desenvolvimento
de materiais digitais e a indústria de didáticos impressos. Essa disputa sob a ótica de
Ball (1992), promove embates na arena política e movimenta o ciclo político em torno
do PNLD.
Ao fazer essa análise, consideramos que não só a importância social que recai
sobre os livros didáticos contribuiu para as reformulações no PNLD, mas também,
contextos políticos (por exemplo, política externa e influências partidárias),
mercadológicos e econômicos. Esses fatores fazem parte de uma agenda política que
influencia diretamente a produção dos textos políticos, “envolve intenções e
negociações dentro do Estado” (MAINARDES, FERREIRA e TELLO, 2011, p. 157).
Esses cenários descritos, convergem para o Contexto da Influência descrito por
Ball, em relação a reelaboração de uma política, estabelecendo ligações com o Contexto
da Produção de Textos. É neste último que a política pensada se transforma em texto,
que nem sempre é consenso entre os grupos envolvidos. É onde surgem os documentos
oficiais que direcionarão por exemplo, o PNLD. Esses dois Contextos, segundo
Mainardes (2006), são simbióticos, um interfere no outro e, a política do PNLD, passa a
ser reescrita a cada Edital.
Dessa maneira, o poder econômico de grandes empresas, a oportunidade de
negócios existentes entre o mercado didático e a indústria tecnológica, as pesquisas que
apontam que o uso de TIC podem melhorar a aprendizagem e, em uma projeção futura,
a redução de custos para o Estado, são fatores que podem ter influenciado as
reestruturações nas políticas educacionais, resultando na inclusão dos livros didáticos
digitais no Edital referente ao PNLD 2015.
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O PNLD no Contexto da Prática: O livro didático digital de química como produto
dessa política
Consideramos aqui, o livro didático digital como produto da política educacional
e a comunidade escolar como agentes do Contexto da Prática, representada
principalmente pelos professores.
No Contexto da Prática, Ball coloca os sujeitos da ação, neste caso os
professores, como atores essenciais na implementação das políticas. Suas histórias e
experiências, sua identidade social e coletiva, seu conhecimento e capacidade crítica,
influenciam suas leituras e por consequência, na interpretação da política criada e
escrita nos outros dois Contextos (BALL, BOWE e GOLD, 1992; BALL, 2011).
Para Oliveira (2014, p. 46), “o cotidiano escolar, prenhe de invenções, carrega
também intensas potencialidades de produção de políticas que são mobilizadas não só
no contexto da prática, mas em outros também” e, assim, se estabelece relações entre os
três Contextos, conforme é mostrado na figura 1.
Figura 1: representação das inter-relações entre o Ciclo de Políticas proposto por Ball e colaboradores e a
política educacional direcionada aos livros didáticos digitais.
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Fonte: Elaborado pelos autores.
Na prática, a adoção dos livros didáticos digitais dependerá da interpretação e
significação sobre os documentos oficiais a respeito do PNLD que será dada pelos
professores que trabalharão na escolha das obras didáticas e sua utilização nas aulas.
Echeverría, Mello e Gauche (2012), apontam que estas questões também se relacionam
com a formação docente. Há ainda que ser considerado, o suporte tecnológico
necessário para o funcionamento desses recursos e na disponibilidade dos alunos em
utilizá-los.
Discussões e Resultados
No PNLD 2015, a inclusão de livros didáticos digitais de química veio ao
encontro do que dizem diversas pesquisas, dentre as quais destacamos os trabalhos de
Giordan (2008), Mello (2009) e Souza e Mól (2013), com relação as potencialidades
que o uso de ferramentas tecnológicas no ensino de química podem agregar ao
conhecimento e, “nesse sentido, os objetos educacionais digitais servem não apenas
para acionar a dimensão lúdica da aprendizagem, mas também para apresentar situações
significativas de interação com vistas à reconstrução de conhecimentos científicos”
(BRASIL, 2014, p. 12), uma vez que estes recursos permitem simulações de fenômenos,
trabalhos interativos relacionados a linguagem química, que são questões primordiais
para o desenvolvimento de modelos e conceitos pertencentes a química.
De acordo com o edital de convocação 01/2013 (BRASIL, 2012) que trata sobre
o processo de inscrição e avaliação de obras didáticas para o PNLD 2015, autores e
editoras poderiam concorrer com suas obras em duas categorias, a saber: Tipo 1 - Obra
Multimídia composta de livros digitais e livros impressos; Tipo 2 - Obra Impressa
composta de livros impressos e PDF.
A avaliação das obras inscritas, seguiram critérios estabelecidos pelo edital,
considerando aspectos curriculares contemporâneos condizentes a realidade do ensino e
da educação brasileira, sendo que havia uma ficha de avaliação para obra impressa e
outra para a digital, onde foi considerado, questões relacionadas a abordagem teórico-
metodológica, princípios éticos, atualização e contextualização de conceitos,
interdisciplinaridade, novas tecnologias, as orientações no manual do professor, entre
outros, além de critérios específicos do componente curricular Química (BRASIL,
2014).
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Assim, das quatro coleções aprovadas no PNLD 2015 (tabela 1), três possuem
obras do tipo 1 que apresentam o mesmo conteúdo da versão impressa, com a mesma
paginação e que incluem OEDs.
Tabela 1: Obras aprovadas pelo PNLD 2015
Coleção Autores Editora Tipo
Química Martha Reis Marques da Fonseca Ática 1
Química Eduardo Fleury Mortimer e Andréa Horta Scipione 1
Química Cidadã
Eliane N. F. de Castro, Gentil de S. Silva
Gerson de S. Mól, Roseli T. Matsunaga, Sálvia B. Farias
Sandra M. de O. Santos, Siland M. França Dib.
AJS
2
Ser Protagonista Murilo T. Antunes SM 1
Fonte: Brasil, 2014. Química: Guia de livros didáticos, PNLD 2015.
De acordo com o Edital, “entende-se por objetos educacionais vídeos, imagens,
áudios, textos, gráficos, tabelas, tutoriais, aplicações, mapas, jogos educacionais,
animações, infográficos, páginas web e outros elementos” (BRASIL, 2012, p. 3) e os
três volumes de cada coleção do tipo 1, possuem OEDs estando assim, de acordo com o
previsto em edital como um dos critérios para aprovação da obra.
A ideia de inovação, modernidade e dinamismo trazidas como avanço no PNLD
referente aos OEDs (representados pelas figuras 2 e 3) das obras digitais, pelo menos na
área de química, em nossa análise demonstrou-se pouco satisfatória considerando as
potencialidades que esses recursos podem oferecer.
Figura 2: OED sobre grandezas. O texto apresentado no material possui narração, entretanto, a
interatividade permitida ao usuário é restrita em clicar em „Avançar‟. Em caso de dúvida, não é possível
retornar a tela anterior.
Fonte: Coleção Ser protagonista. Química, volume 1.
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Para Giordan (2008), a simulação computacional é um meio distinto de
mediação que permite construir conceitos de modo a estabelecer relações entre os
mundos macro e microscópico do fenômeno observado. No entanto, o OED
representado na figura 2, apenas reproduz o que está no livro impresso, demonstrado o
mal aproveitamento da ferramenta para, pelo menos, amenizar um problema escolar que
é a falta de recursos laboratoriais e, ainda, a não linearidade na apresentação dos
conteúdos é um ponto forte para que o processo se torne dinâmico, característica que
não é permitida no material exposto pela figura.
Outro OED (Figura 3), traz o assunto chuva ácida apenas com a reprodução de
imagens estáticas e com texto sobre o assunto. O usuário interage apenas avançando ou
trocando a imagem apresentada. Essa característica apresentada de pouca interatividade
exemplificada aqui pelas figuras 2 e 3 aparece em diversos outros OEDs presentes nas
coleções.
Figura 3: A esquerda, a tela do livro digital que dá início ao assunto chuva ácida. No destaque, a seta
amarela indica o ícone que dá acesso ao OED. A direita, a tela do OED que demonstra efeitos da chuva
ácida em estátuas, reduzido apenas a reproduzir o que está descrito no livro impresso.
Fonte: Coleção Química, editora Ática, volume 1.
As obras também apresentam OEDs em formato de vídeo, simulações, links
para páginas de internet e infográficos. Ressaltamos que muitos desses recursos apenas
apresentam o conteúdo de maneira diferente ao que está proposto no livro impresso
devido a suas limitações didático-metodológicas.
Uma outra questão que merece atenção, é o fato de que os livros didáticos
digitais apresentam o mesmo layout de página em relação ao livro impresso. Esta
característica que está prevista no item 4.2.16 do Edital (BRASIL, 2012, p. 3) acaba
tornando a leitura do conteúdo no livro digital muito cansativa devido ao tamanho da
fonte utilizada. Ainda, conforme o Edital, o acesso ao conteúdo digital deve ser possível
em múltiplas plataformas e em diversos sistemas operacionais, inclusive Android e IOS,
que estão presentes em smartphones e tablets, logo, o tamanho da fonte e o layout
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dificultam a leitura e a navegação nesses equipamentos, podendo se tornar fatigante,
levando ao desinteresse pelo material.
Nos limitamos a esses exemplos de OEDs uma vez que a proposta central deste
trabalho é trazer para o debate as políticas públicas educacionais que incluíram as obras
digitais, sendo que as questões pedagógicas merecem uma análise mais detalhada e com
maior aprofundamento teórico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A breve análise de alguns itens dos livros didáticos digitais, direcionam para
uma arena repleta de complexidade em relação as políticas educacionais. O material que
chega nas escolas, muitas vezes não compreendidos pelos docentes devido a falhas em
sua formação, é produto de uma política ampla e complexa, elaborada em ocasiões onde
o interesse de grupos ligados ao mercado capital e político prevalece sobre aqueles que
enfatizam a importância social e democrática dos livros didáticos.
A inclusão de obras digitais no PNLD, demonstra que outras influencias, por
exemplo, a do mercado tecnológico, provavelmente interferiu nessa política, e,
consequentemente, na produção das obras didáticas, além do amparo de pesquisas que
apontam para possíveis melhoras na aprendizagem de conceitos científicos mediados
pelo uso de tecnologias digitais.
Dessa forma, a compreensão dos contextos que cercam a política educacional,
permite entender para além dos problemas e resultados de um programa tão essencial
para que o Estado brasileiro garanta o que está determinado na constituição. Permite
compreender que a política educacional deve ser pensada e reelaborada não só pela
figura do Governo, mas também por aqueles que irão colocá-la em prática.
Esses materiais como produtos dessa política, sob influência de diversos
contextos, ainda carecem de melhorias e, sob a ótica do Ciclo de Políticas, as
caracterizações aqui dadas para esses OEDs, mesmo que de forma sintética, permitem
novas ressignificações sobre como a política textualizada é compreendida na prática e,
dessa forma, como o PNLD pode ser reestruturado a cada ano.
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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
6440ISSN 2177-336X
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ESCOLHA DO LIVRO DIDÁTICO DE QUÍMICA PELOS
PROFESSORES DA REDE PÚBLICA DE ENSINO DE CURITIBA
Jussara Turin – UFPR
Joanez Aires – UFPR
Resumo
O Livro Didático continua sendo a principal referência para a prática pedagógica do
professor, conforme afirmam Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2007) e com este
mesmo argumento Selles e Ferreira (2004) observam que as concepções teóricas e
metodológicas presentes nos livros didáticos acabaram por condicioná-los na seleção e
organização, tanto dos conteúdos quanto das atividades e métodos de ensino. Tendo em
vista a importância do Livro Didático na educação brasileira e, os altos investimentos
do Governo Federal na operacionalização do Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD), esta pesquisa teve como objetivo conhecer e analisar os fatores que
influenciaram os professores da rede pública de ensino de Curitiba na escolha do Livro
Didático de Química (PNLD/2012). Os dados foram produzidos a partir de documentos
acerca do Livro Didático, aplicação de questionário para cento e trinta e dois
professores e entrevista com dez desses professores, docentes da disciplina escolar
Química da Educação Básica da rede estadual do Paraná. As reflexões foram
subsidiadas por teóricos que discutem o Livro Didático (FREITAG, 1997;
BITTENCOURT, 2004; MORTIMER E SANTOS, 2008), as Políticas Públicas
Educacionais (HOFLING, 2000, 2007; LAJOLO, 2006) e, particularmente a Política do
PNLD (TOLENTINO NETO, 2003; FRACALANZA E MEGID NETO, 2003). Os
resultados apontam como fatores de influência no processo de escolha, a pouca
utilização do Guia Didático, as interferências das editoras e aspectos relacionados à
formação do professor. Concluímos que o PNLD necessita de uma adequação no que se
refere à etapa final do Programa, o qual envolve justamente o processo de escolha nas
escolas.
Palavras-chave: Políticas Educacionais. Programa Nacional do Livro Didático. Livro
Didático de Química.
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INTRODUÇÃO
O PNLD é uma política pública de avaliação, aquisição e distribuição de livros
didáticos que têm como principal objetivo subsidiar o trabalho pedagógico dos
professores por meio da distribuição destas obras didáticas aos alunos da educação
básica (BRASIL, 2001). É um programa de grande porte no qual o Governo Federal
dispõe de um alto investimento financeiro, que envolve diferentes instâncias, tais como
o Fundo Nacional de Desenvolvimento Educacional (FNDE), Instituto Nacional de
Pesquisas Tecnológicas (IPT), Secretaria da Educação Básica (SEB), escolas de
Educação Básica estaduais, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP), e a Empresa de Correios e Telégrafos (ECT).
Essas instâncias são responsáveis pelas várias etapas do PNLD, que se inicia
com a publicação do edital, inscrição e posterior seleção dos livros didáticos, avaliação
e elaboração do Guia PNLD pelos especialistas e, por fim, a compra dos livros, e o
envio destes para as escolas da Educação Básica do Brasil.
Dada a importância do Livro Didático no sistema educacional brasileiro pelo
exposto acima, este trabalho traz uma reflexão sobre o Livro Didático, no que se refere
à definição, funções, importância, seleção, uso e toda a complexidade que envolve o
tema e apresenta o processo de escolha do Livro Didático de Química, no âmbito do
PNLD/2012 na cidade de Curitiba e as reflexões obtidas em relação aos fatores que
influenciaram/interferiram na escolha desses livros pelos professores e o impacto do
PNLD 2012 na rede pública de ensino desta cidade.
LIVRO DIDÁTICO
Influências sobre produção do Livro Didático
Choppin (2004) concebe o livro didático como produto de relações pedagógicas,
sociais e políticas de um país ou região. Corroboram com esta afirmação Fracalanza e
Megid Netto (2003) que apontam para adequações realizadas sem aprofundamento
teórico, apenas para apresentarem esteticamente de acordo com os padrões oficiais
existentes naquele dado momento.
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Fracalanza e Megid Netto (2003) assinalam que no Brasil pelo menos quatro
Instituições influenciam o livro didático, sendo elas: as Instituições Públicas Executivas
e Legislativas, o Mercado Editorial, as Escolas e as Instituições de Pesquisa.
As Instituições Públicas são responsáveis pela elaboração e execução dos
programas que avaliam os livros didáticos, tendo como primazia uma educação de
qualidade.
O Mercado Editorial envolve autores e editores de livros didáticos. As editoras
inscrevem as obras didáticas no PNLD e atuam nas escolas promovendo suas
respectivas obras.
As Escolas constituem-se pelos professores, técnicos, alunos e pais e estes são
responsáveis pelas ações que tratam da escolha dos Livros Didáticos sua utilização e de
produzir propostas para o Livro Didático.
As Instituições de Pesquisa executam ações ligadas a novas metodologias e
materiais didáticos diferenciados, discussões curriculares, atualização dos professores e
divulgação de análises realizadas sobre o Livro Didático (FRACALANZA e MEGID
NETO, 2003). Entretanto, no que se refere especificamente às pesquisas:
(...) poucas das informações assentadas pelas investigações chegam aos
professores, pois muitos dos trabalhos circulam quase que exclusivamente na
própria academia ou, então, não são convenientemente divulgados
(FRACALANZA e MEDIG NETO, 2003, p.18).
O excerto acima permite uma reflexão acerca da relação entre as pesquisas
referentes ao Livro Didático, neste caso referindo-se especificamente ao PNLD e a
formação do professor. Tagliani (2009) corrobora esta afirmação quando se refere a
falta de embasamento teórico de muitos dos professores da Educação Básica,
decorrentes desse distanciamento entre a produção teórica da academia e os professores
da Educação Básica. O resultado desse distanciamento entre as pesquisas sobre livros
didáticos, bem como a falta desse tipo de reflexão durante a formação dos professores,
acaba contribuindo para que estes estejam mais vulneráveis ao marketing das editoras,
no processo de escolha dos livros. Por estas razões é que um dos aspectos que
defendemos é de que o PNLD precisa adequar o momento final do Programa, no sentido
de dar maior suporte aos professores para que possam realizar a escolha de modo mais
consciente e crítico, minimizando tais interferências.
As Políticas Educacionais e o Livro Didático de Química
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As Políticas Educacionais Brasileiras voltadas para a disciplina de Química são
delimitadas a partir da Reforma Francisco Campos (1931), implantado no currículo
escolar o qual visava despertar o interesse nas Ciências a partir da vida cotidiana
(LOPES e MACEDO, 2002).
Nos anos de 1950 a 1971, o ensino de Química/Ciências é determinado pelo
método científico positivista, pela descoberta e redescoberta, tendo por influencia os
programas norte-americanos para o ensino de Química (MORTIMER e SANTOS,
2008).
Após a LDB 5692/71 nos livros didáticos de Química os conteúdos pertinentes à
disciplina foram reduzidos drasticamente, pois a mesma tinha por pressuposto a
profissionalização obrigatória no ensino secundário, como uso da pedagogia tecnicista a
qual é fundamentada na aprendizagem por estímulo e resposta. Essa concepção
pedagógica é consolidada no Brasil, principalmente porque as instituições federais
passam a utilizar como método de admissão, o vestibular unificado, tendo por base as
questões de múltipla escolha (MORTIMER, 1988).
A partir dos anos de 1990 o Ensino de Química passa por um diferencial, pois se
incluem disciplinas específicas nos cursos de licenciatura em Química, apontando para
uma formação de professores qualificados (MORTIMER e SANTOS, 2008, p.99).
A partir de 1993 são disponibilizados recursos para o PNLD, programa este
responsável pela distribuição de livros didáticos para os alunos da rede pública de
ensino (BRASIL, 2007), porém somente para o ensino fundamental. Apenas no ano de
2004, os livros didáticos foram distribuídos para o Ensino Médio, todavia de forma
gradual, iniciando por Português e Matemática, sendo que em 2007 ocorre a
universalização do PNLD, a qual permite que toda a Educação Básica se beneficie com
os livros, com ampliação de distribuição de livros didáticos gratuitos para todas as
disciplinas (BRASIL, 2007).
METODOLOGIA
No questionário aplicado a 132 professores de Química da rede pública de
Curitiba, foram abordados aspectos relacionados à atuação profissional, conhecimento
sobre o PNLD, no que tange à estrutura do Programa, acesso ao Guia do Livro Didático
PNLD 2012 e às resenhas dos livros aprovados para a escolha; pressupostos teórico-
metodológicos do Livro Didático de Química e a influência do mercado editorial no
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processo de escolha do Livro Didático. Após a aplicação do questionário foram
selecionados 10 professores para serem entrevistados tendo como critérios para a
seleção, os professores deveriam pertencer ao quadro próprio do magistério (QPM) e
possuir mais de 5 anos de magistério na rede pública estadual, o que os classifica numa
situação estável no estabelecimento de ensino que trabalha, como também confirma sua
participação no programa anterior (PNLEM/2008).
Na análise dos dados foram utilizados elementos da metodologia da Análise
Textual Discursiva (MORAES e GALIAZZI, 2011), na qual o corpus da pesquisa
corresponde aos textos provenientes da transcrição das entrevistas com os professores, a
partir dos quais foram elencadas as categorias emergentes, seguida da elaboração de
metatextos, categorização e posterior construção de proposições que são “teses parciais”
para as categorias definidas, construídas a partir dos metatextos.
Serão apresentadas e discutidas a seguir as cinco categorias desenvolvidas na
dissertação, quais sejam: Processo de escolha do PNLD 2012; Critérios de seleção;
Uso do Livro Didático; Interferências no Processo de escolha do livro didático de
Química no âmbito do PNLD 2012 e Relevâncias do Manual do Professor.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No que diz respeito à categoria Processo de escolha do livro no PNLD 2012
na escola, foram construídas três preposições, tendo por base as questões do
questionário referentes ao conhecimento do Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD), tanto no que se refere a sua estrutura e meio de informação do professor da
existência do PNLD.
Proposição I: na maioria das escolas de Curitiba faltam informações sobre as etapas
do PNLD e, principalmente, faltam momentos específicos para que os professores
discutam, reflitam e realizem escolhas mais conscientes do Livro Didático de Química.
A partir dos depoimentos dos professores, foi possível observar que não houve
momentos destinados especificamente para a escolha do Livro Didático PNLD/2012.
Verificou-se que algumas escolas realizaram apenas uma reunião dos professores com a
equipe pedagógica e direção e, em outras escolas a direção fez contato com os
professores de modo individualizado, desta forma o professor não tem clareza do
processo de escolha.
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Conforme os dados obtidos pelo questionário aplicado aos professores, embora
nossa pesquisa aponte que 68% destes conheceram os livros aprovados pelo PNLD na
escola, consideramos que este conhecimento ocorreu de modo superficial, quando
observamos os depoimentos dos professores nas entrevistas:
“(…) já veio determinado opções e dentre as opções que foram
poucas do universo total de livros, só quatro opções e nós temos
várias e já veio meio direcionado (...)” (Professor Cláudio).
Outro problema relativo à escolha do Livro Didático nas escolas, diz respeito ao
fato de a maioria dos encontros entre os professores ocorreram na hora-atividade ou no
intervalo das aulas, como pode ser observado a seguir:
“(...) na hora atividade, ou na hora que a gente se encontrava na escola
conversava. - Você já viu tal livro eu gostei de tal coisa, (...) então o
outro dizia: - vou olhar” (Professora Soraia).
A partir das falas, foi possível observar que o processo de escolha do Livro
Didático nas escolas se caracteriza como apenas mais uma das muitas atividades que o
professor necessita desenvolver, não sendo promovidos pela escola momentos
específicos para a entrega do material para a escolha (Guia PNLD e livros selecionados)
e para a discussão entre os professores.
Em relação a esta questão, Miranda (2009) também aponta em seus trabalhos a
necessidade de maior envolvimento da escola no processo de escolha do Livro Didático,
em especial no que se refere à disponibilidade de tempo dos professores para realizar as
discussões e conhecer os livros e Guia.
A Proposição a seguir teve por base a pergunta do questionário referente ao
acesso ao Guia PNLD 2012. Primeiramente foi questionado se os professores tiveram
conhecimento do mesmo e em caso afirmativo, como foi tal acesso, se por iniciativa
própria, encaminhamento da Secretaria de Educação, encaminhamento da escola, outras
formas. Também foi questionado se os professores leram as resenhas dos livros,
presentes no Guia.
Na entrevista foi dada ênfase a primeira questão, ou seja, foi perguntado se o
professor entrevistado teve acesso ao Guia PNLD/2012 e como teve acesso a este.
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Proposição II: A falta de divulgação do Guia PNLD/2012, como material para a
escolha do Livro Didático de Química resulta no desconhecimento ou desinteresse de
consulta por parte dos professores.
Os dados obtidos pelos questionários indicam que 75% dos professores tiveram
acesso ao Guia PNLD/ 2012, sendo que a maioria teve acesso a este por intermédio da
escola. Entretanto, ao realizar o cruzamento de dados entre os resultados obtidos nos
questionários e nas entrevistas, grande número de professores que disseram conhecer o
Guia PNLD/2012 remetem a provável confusão entre o Guia e os catálogos
provenientes das editoras.
Dos 10 professores entrevistados, apenas 2 afirmaram que leram as resenhas do
Guia PNLD/2012. Inclusive quando da ocasião das entrevistas, foi mostrado pela
pesquisadora o Guia PNLD/2012 impresso e 3 dos 10 professores entrevistados
apresentaram total desconhecimento sobre o material, como pode ser verificado nos
depoimentos transcritos a seguir:
“(...) a única coisa que tinha eram os panfletos das editoras, mas esse
Guia de análise, não vi” (Professora Soraia).
“(...) o que veio foi o que as editoras mandaram livros para as escolas
(...) Guia PNLD? Não cheguei a ver isso” (Professora Rita).
Esta situação de desconhecimento do Guia PNLD, por grande parte dos
professores evidencia a necessidade da divulgação ampla deste, uma vez que o
conhecimento do conteúdo do Guia pelo professor é essencial para o bom
desenvolvimento do processo de escolha (TOLENTINO NETO, 2003).
As falas dos professores também apontaram atraso na chegada dos Guias PNLD
na escola. Este atraso é mais um fator que contribui para que os professores
desconheçam o material que foi cuidadosamente elaborado por uma equipe para ser
utilizado como instrumento para auxiliar na escolha do Livro Didático.
Para a Proposição III foram utilizados os dados obtidos a partir da pergunta do
questionário referente ao critério utilizado pelo professor para a escolha, se esta se deu a
partir da leitura das resenhas, da análise da obra ou do conhecimento do autor.
Proposição III: Os professores, em sua maioria, escolhem o Livro Didático de Química
utilizando como material para tal escolha apenas os exemplares das obras didáticas
enviadas pelas editoras, as quais realizam uma análise rápida, apenas folheando os
mesmos.
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A partir dos questionários aplicados aos professores, pode ser observado que a
maioria dos professores (79,2%) respondeu que o critério que utiliza para a escolha dos
Livros Didáticos, consiste em “folhear o livro”. Poucos (8,4%) leem as resenhas e
outros poucos (8,4%) escolhem livros de autores e/ou livros conhecidos.
Tais critérios apontados nos questionários pelos professores foram corroborados
nas entrevistas como observado no trecho a seguir:
“(...) recebemos os livros, cada um foi avaliando, olhando
particularmente um” (Professora Eloisa).
Estes dados corroboram o estudo de Miranda (2009), o qual também aponta que
dos professores participantes da sua pesquisa, 81% informou que apenas folheou o livro
e que somente 16% dos professores leu o Guia PNLD antes da escolha.
Conforme demonstrado, o critério mais utilizado pelos professores para a
escolha dos livros parece consistir em um “folhear” pouco crítico das obras que chegam
as escolas. Foi possível diagnosticar que alguns dos fatores que levam a esta situação
está relacionado tanto ao acesso ao Guia PNLD/2012, pelo atraso em chegar às escolas,
quanto pelo desconhecimento por parte dos professores desse material, bem como, e
talvez, principalmente, pela falta de um momento específico para as discussões,
análises, reflexões.
Com relação à categoria que corresponde aos critérios de seleção, foram
construídas três proposições:
Proposição I: Os professores em sua maioria escolhem livros que apresentam uma
concepção de ensino tradicional.
Pelos relatos apresentados pelos professores, 7 dos professores buscam uma
concepção conteudista, tradicional, conforme o exposto a seguir:
“(...) a concepção é a conteudista mesmo, que o livro traz de conteúdo
(...) gente olhou aquele que tinha mais conteúdo” (Professora Bianca).
Segundo Giani (2004), a escolha por um livro tradicional reflete a concepção
arraigada de um ensino tradicional, portanto o professor não se sente à vontade para
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escolher um Livro Didático que tenha uma abordagem inovadora, embora tenham
consciência de que é preciso modificar a sua prática pedagógica.
Proposição II: Os professores possuem critérios específicos individuais relevantes na
escolha do Livro Didático, muitos deles são semelhantes aos utilizados pelo MEC/SEB,
entretanto existem outros que não são levados em conta pelo professor.
A partir dos dados obtidos e que podem ser visualizados no Quadro 1, todos os
professores apontaram como concepção de conteúdo e apresentação os principais itens a
serem analisados, seguido do critério de maior importância para menor importância, o
aprofundamento teórico, exercícios, experimentação e diagramação.
Quadro 1 – Grau de relevância dos aspectos individuais de escolha
Concepção
de ensino
Apresentação
de conteúdos
Aprofundamen
to teórico
Exercícios Experimentaçã
o
Diagramaçã
o
1º 2º 3º 4º e 5º 6º 7º
Fonte: Elaborado pelos autores.
Tais critérios apontados como principais pelos professores apontam que a
maioria prefere um livro com características tradicionais, nas quais a disposição dos
conteúdos nos Livros Didáticos facilite os encaminhamentos metodológicos. SANTOS
(2007).
Proposição III: Os professores em sua maioria escolhem livros que apresentam
exercícios de vestibular e ENEM.
No que se referem aos Livros Didáticos que apresentam exercícios de vestibular
e ENEM, as falas dos professores remetem a preocupação com os estes exercícios,
“visando pré-vestibular, pra fazer o aluno ficar concorrente a uma
vaga numa universidade federal, estadual tem um nível bom, tem
textos, mas não sufoca o aluno. Não adianta colocar texto, texto, e não
se trabalha pra uma preparação futura para ENEM, vestibulares”
(professora Rita).
Os professores apontam que em sua maioria o vestibular está presente de modo
indireto nos seus encaminhamentos metodológicos (MIRANDA, 2009), porém estão
conscientes da importância de livros que contenham exercícios de vestibulares e ENEM.
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A categoria que corresponde às Interferências no Processo de escolha do livro
didático de Química no âmbito do PNLD/2012. Para a construção da proposição
referente a esta categoria, utilizou-se a pergunta do questionário relacionada ao contato
dos professores com as editoras, enquanto que na entrevista se a fato de alguns autores
de livros proferirem palestras, interferiu nas escolhas dos professores de modo geral e
na sua própria escolha.
Proposição Única: A presença das editoras dentro das escolas da cidade de Curitiba,
bem como as palestras proferidas pelos autores dos livros, tem interferido no processo
de escolha do Livro Didático pelos professores.
De acordo com os dados obtidos, referente ao contato da editora com a escola,
51% professores que responderam ao questionário, respondeu que esta presença
interferiu na suam escolha e 49% respondeu que não interferiu. Esses dados
representam que a metade dos professores que participou do processo de escolha do
PNLD teve contato direto com as editoras.
Segundo depoimento dos professores, o acesso das editoras nas escolas pode,
muitas vezes, induzi-los a optar por determinado Livro Didático, conforme as falas a
seguir:
“(...) algumas editoras vieram na escola, apresentaram os livros,
fizeram a propaganda (...) o que foi crucial mesmo pra despertar a
escolha foi a visita das editoras na escola” (Professor Pedro).
Esses resultados são corroborados em vários estudos entre eles o de Mantovani
(2009), nos quais também observaram a interferência das editoras.
Em relação à essa interferência das editoras e autores na escolha dos livros, se
faz necessário lembrar que este ato é proibido pela Portaria MEC nº 7 de 2007.
Portanto, editoras e autores que realizam tais ações devem ser punidos nos termos da
lei, cabendo a todos nós, envolvidos com educação denunciar os casos de que tivermos
conhecimento.
Também salientamos que se o professor tem como material para a escolha do
Livro Didático apenas os exemplares de livros encaminhados pelas editoras, e se os
Guias nem sempre chegam em tempo hábil em todas as escolas, é muito provável que as
editoras que estão cumprindo a lei, ou seja, aquelas que não fazendo este marketing
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forte nas escolas, não tenham seus livros escolhidos pelos professores, muito embora
possam, eventualmente, serem estes os melhores livros selecionados pelo PNLD.
CONCLUSÕES
O levantamento desses principais fatores serviu de base para se traçar um perfil
da escolha dos Livros Didáticos de Química na cidade de Curitiba. Tal perfil demonstra
que na maioria das escolas de Curitiba faltaram informações sobre as etapas do PNLD
e, principalmente momentos específicos para que os professores discutissem,
refletissem e realizassem escolhas mais conscientes do livro. Faltou divulgação do Guia
PNLD/2012, os professores, em sua maioria, escolheram o livro utilizando apenas os
exemplares das obras didáticas enviadas pelas editoras, realizando uma análise rápida,
apenas folheando os mesmos. E, finalmente, a presença das editoras nas escolas da
cidade de Curitiba, bem como as palestras proferidas pelos autores dos livros, tem
interferido no processo de escolha do Livro Didático de Química pelos professores
desta cidade.
Os professores não se sentem parte do processo, pois em geral ocorrem rápidas
reuniões e, quando estas acontecem, é somente para o repasse do material (entrega do
Guia PNLD e exemplares dos Livros Didáticos selecionados, enquanto que as
discussões sobre os livros entre os professores são normalmente realizadas em hora-
atividade ou nos intervalos das aulas).
As falas dos professores da cidade de Curitiba demonstraram que estes são
fortemente assediados pelas estratégias de marketing das editoras, por meio de
distribuição de brindes, palestras com autores dos livros selecionados, os quais têm seus
nomes conhecidos pelos professores, e acaba influenciando na decisão de escolha pelo
professor. Também foram distribuídos catálogos de propaganda de livros que não foram
selecionados pelo PNLD, o que pode confundir os professores com relação às obras
didáticas que efetivamente participaram do processo de seleção, além da presença dos
representantes das editoras visitarem as escolas e distribuírem livros, fato que, conforme
já foi salientado, é proibido pela Portaria MEC nº 7 de 5 de abril de 2007.
No que se refere às propostas de ensino/aprendizagem, os professores, na sua
maioria, optam por propostas mais tradicionais, em detrimento daquelas mais
inovadoras, pois se sentem mais seguros com metodologias tradicionais e sistemáticas.
Este fato pode se dar pela fragilidade na sua formação acadêmica e pela falta de
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investimentos em formação continuada. Os professores compreendem a importância de
escolherem o livro que será trabalhado na escola pelos próximos três anos, têm
seriedade, comprometimento, entretanto, é necessário que ocorra um processo de
escolha em que o professor se sinta também envolvido e realize uma escolha com olhar
crítico, que atenda ao projeto político pedagógico da escola.
Todos esses fatores têm grande influência/interferência no processo de escolha
dos livros, fazendo com que parte da operacionalização do PNLD seja prejudicada, o
que leva a consideração de que este Programa parece estar sendo eficaz no que diz
respeito à melhoria da qualidade dos livros, porém, ainda é preciso rever este momento
final e crucial que é a escolha dos livros pelos professores, fato este que aponta para o
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