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Projeto de pesquisa para a disciplina de Prática Pedagógica VI Discente: Claudira do Socorro Cirino Cardoso. Docente: José Carlos Raya Nedel. Junho de 2008 A Religião brasileira do Santo Daime e seu conflito constitucional pós Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Objetivos Geral Analisar o conflito existente entre dois instrumentos legais (Constituição da República Federativa do Brasil e o Código Penal Brasileiro), com o intuito de trazer elementos que subsidiem a solução, no futuro, de um impasse criado pelo excesso de normas jurídicas vigentes em nosso país, qual seja a utilização de entorpecente na Religião do Santo Daime. Específicos Verificar na Constituição da República Federativa do Brasil os elementos abordados sobre a liberdade de culto.

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Page 1: DAIME.doc

Projeto de pesquisa para a disciplina de Prática Pedagógica VI

Discente: Claudira do Socorro Cirino Cardoso.

Docente: José Carlos Raya Nedel.

Junho de 2008

A Religião brasileira do Santo Daime e seu conflito constitucional pós Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988.

Objetivos

Geral

Analisar o conflito existente entre dois instrumentos legais (Constituição

da República Federativa do Brasil e o Código Penal Brasileiro), com o

intuito de trazer elementos que subsidiem a solução, no futuro, de um

impasse criado pelo excesso de normas jurídicas vigentes em nosso país,

qual seja a utilização de entorpecente na Religião do Santo Daime.

Específicos

Verificar na Constituição da República Federativa do Brasil os elementos

abordados sobre a liberdade de culto.

Verificar Código Penal Brasileiro os elementos abordados sobre a

utilização de entorpecentes.

Verificar na Jurisprudência Brasileira, bem como na Doutrina Jurídica de

nosso país os elementos abordados sobre a utilização de entorpecentes e a

liberdade de culto.

Justificativa

Sou defensor do jus naturalismo, e, por conseguinte acredito que o excesso de

normas traz um desserviço para a sociedade. Inúmeras vezes o excesso de normas traz

conseqüências pouco profícuas, não atendendo o anseio social. A pesquisa busca

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discutir pontos de fundamental importância para a solução de um impasse criado pelo

positivismo legal. O Código Penal afirma constituir crime o uso de drogas

entorpecentes. A Religião do Santo Daime utiliza Cannabis sativa, mas seu uso gera,

segundo os seus seguidores, um estado alterado de percepção, assim, não sendo

considerado um entorpecente, uma vez que não causa dependência física ou psicológica,

como afirma Alex Polari.

Embora os seguidores afirmem que o Santo Daime não gera dependência, não é

o que se observa em variados estudos científicos da atualidade, cito o do Dr. Luiz

Otávio Zahar, que publicou recentemente o artigo intitulado: O Cérebro e as

experiências místicas:

“Outra droga, a dimetiltriptamina (DMT),

naturalmente excretada pela glândula pineal, e que

desempenha um papel no processo de sonhar e possivelmente

nas experiências próximas à morte e em outros estados

místicos. Encontra-se também em chás alucinógenos utilizados

em seitas religiosas e práticas rituais indígenas (Santo Daime,

União do Vegetal) e também parece provocar experiências

extracorpóreas.

A mistura das duas plantas potencializa a ação das

substâncias ativas, pois o DMT é oxidado pela MAO (enzima

monoaminoxidase), a qual está inibida pela harmina,

acarretando um aumento nos níveis de serotonina, o que causa

impulsão motora para o sistema límbico no sentido de

aumentar a sensação de bem-estar do indivíduo, criando

condições de felicidade, contentamento, bom apetite, impulso

sexual, equilíbrio psicomotor e alucinações.”

Cabe destacar, ainda, que o chá contém dois alcalóides potentes: a harmalina, no

cipó, e a dimetiltriptamina (DMT), que vem da chacrona. O DMT é uma substância

controlada e foi proscrita para uso humano pelo Escritório Internacional de Controle de

Narcóticos, órgão da ONU encarregado de estudar substâncias químicas e aconselhar os

países membros quanto à sua regulamentação. O governo dos EUA afirma que seu uso é

perigoso mesmo sob supervisão médica, e seu uso é proibido em países que possuem

legislação antidrogas.

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Para um aprofundamento do caso em tela temos de ter, de maneira muito clara, a

necessidade de conceituar o termo entorpecente, que segundo a Agência Nacional de

Vigilância Sanitária, é qualquer substância causadora de dependência física ou psíquica.

Na obra Entorpecentes, de João Bernardino Gonzaga, o autor reconhece a

dificuldade e impropriedade de empregar tal termo como conceito operacional, “para

designar certa categoria de substâncias nocivas à saúde”. E admite que o emprego da

“palavra ‘entorpecente’ se adapta mal, ou não se adapta de todo à idéia que ela deve

aqui encerrar”.

No dicionário Antônio Houaiss entorpecente é o que age no sistema nervoso

central, provocando estado de entorpecimento, de embriagues, e que, mesmo tolerado

em doses altas pelo organismo, freqüentemente causa dependência e progressivos danos

físicos e/ou psíquicos.

O vasto ordenamento jurídico brasileiro, que visa normatizar absolutamente

tudo, vive se colocando em contradições. Um desses impasses consiste em que o uso de

substâncias entorpecentes e alucinógenas segundo o Código Penal é considerado crime

de tráfico, o que tornaria proibido e altamente punível a conduta dos praticantes do

Santo Daime, contudo, a Constituição da República Federativa brasileira defende a livre

orientação espiritual.

Ora, a discussão consiste no âmbito do conflito entre o privado e o social.

Enquanto a Constituição Federal garante os direitos individuais, o Código Penal está a

serviço de proteger a sociedade.

Formulação do problema

A fundamentação teórica desta pesquisa estará alicerçada no ordenamento

jurídico brasileiro e em obras que abordam o nascimento dessa religião, genuinamente

brasileira, bem como a discussão sobre alucinação, percepção e espiritualidade. Autores

como Baudelaire, Aldous Huxley, Timothy Leary, Carlos Castaneda, entre outros são

indispensáveis para que esse projeto de pesquisa seja profícuo.

Charles Baudelaire, poeta parisiense do século XIX, publicou em 1860 Os

paraísos artificiais, em que comenta suas experiências quando participou do famoso

círculo do ópio e haxixe e discorreu, em trabalhos muito bem escritos, sobre os efeitos

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destas drogas, associando as satisfações momentâneas que os homens buscam a uma

fuga da mediocridade existencial a que a grande maioria está condenada. Descreveu

sobre a metafísica da droga, isto é, as profundas motivações que conduzem alguém ao

caminho dos alucinógenos. Na descrição literária que faz sobre os efeitos das drogas,

não deixa de enaltecer aquilo que os místicos e xamãs já sabiam: a descoberta de novas

dimensões perceptivas vivenciadas pelo usuário. Recorre largamente às palavras

associadas ao vocabulário religioso tais como "graça", "gratificação", "elevação",

"forças espirituais" e, até mesmo, "angélico". Expressões que não estavam destituídas

de sentido porque, segundo ele, o que cada um procura com as drogas é atingir o

Nirvana.

A crença nas drogas como elemento de liberação levou Aldous Huxley a

escrever livros que o tornaram um dos mais influentes defensores do uso terapêutico de

drogas. Dentre os inúmeros e importantes trabalhos produzidos por ele, destacam-se

neste tema As portas da percepção, Céu e inferno e A ilha. Em parceria com Timothy

Leary, escreveu um manual de uso adequado do LSD, chamado The psychedelic

experience, tendo como base o livro tibetano dos mortos.

Carlos Castaneda, antropólogo paulista do século XX, publicou em 1968 A Erva

do Diabo, no qual é apresentada a figura de um índio chamado Don Juan Matus, seu

guia espiritual. O trabalho refere-se a plantas alucinógenas, especialmente um cogumelo

do gênero Psylocybe e um cacto chamado peiote (erva do diabo), além da figueira do

inferno ou estramónio, de onde se extraem a psilocilina, a mescalina e a atropina

respectivamente. Essas plantas eram utilizadas pelos índios do Arizona de modo a

auxiliar na aquisição de conhecimento, sabedoria e poder. Seus usuários ancestrais

acreditavam que elas colocavam o feiticeiro em condições de dizer o futuro. Seus

efeitos são descritos por Castaneda como grande excitação cerebral, visões coloridas,

sonhos agradáveis, sensações inusitadas, êxtases profundos, impressão de viver em

outro plano e algum desconforto físico ao retornar à lucidez.

Observamos que tanto as experiências de Baudelaire, quanto as de Huxley e

Castaneda apresentam elementos recorrentes: alteração de consciência, percepção de

realidades indescritíveis à linguagem comum, além da descoberta de níveis de

sensibilidade e espiritualidade acentuadas pelo efeito das “drogas”, contudo jamais

versam sobre dependência física ou psíquica.

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Metodologia

A pesquisa se dará no período compreendido entre 1988, ano da promulgação da

Constituição da República Federativa do Brasil, e os dias atuais, através de revisão

bibliográfica e análise de documentos públicos e entrevistas com seguidores da Religião

do Santo Daime, em acervos que possam conter relatos pessoais de seguidores do Santo

Daime, onde tragam suas percepções, e, análise antropológica de campo e pesquisa de

gravuras e representações de imagens do culto do Santo Daime.

Cabe ressaltar que haverá o cruzamento dos dados obtidos e análise quantitativa

e qualitativa dos mesmos. A coleta de dados será realizada por intermédio de pesquisa

bibliográfica, e, estudo antropológico de campo. A análise dos dados coletados ocorrerá

a partir da leitura do material pesquisado de maneira crítica, primando pela análise de

discurso.

As fontes dessa pesquisa podem ser encontradas na Biblioteca Central do IPA,

na Biblioteca Pública do Estado, na Biblioteca da UFRGS e na Biblioteca da PUCRS.

No Rio Grande do Sul, a igreja do Santo Daime está presente em Viamão (Céu do

Cruzeiro do Sul – Centro Francisco Corrente), Caxias do Sul (Mensageiros da Luz -

Centro Enio Staub), Sapiranga (Céu de São Miguel), e, em Porto Alegre (C.H.A.V.E de

São Pedro - Centro de Harmonia, Amor e Verdade Espiritual), localizado no Bairro

Belém Velho.

Plano de Conteúdo

Na primeira etapa do artigo abordarei, em linhas gerais, o que encontramos na

legislação brasileira sobre a liberdade de culto e a proibição do uso de entorpecentes.

Logo após, serão apresentadas as produções literárias que focam no uso de

entorpecentes como experiência religiosa. Seqüencialmente será apresentada a

discussão com ênfase no excesso legislativo e suas lacunas. E, para concluir, as

informações exibidas anteriormente serão cruzadas a fim de subsidiar uma discussão

mais ampla, que traga a solução para a questão central desta pesquisa.

Page 6: DAIME.doc

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