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PROF. CLAUDIO LUIZ BUENO DE GODOY Por Giselle Viana Sala 12 Turma 185 2013 F ONTES DAS O BRIGACOES I TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E CONTRATOS DO CÓDIGO CIVIL ~ ,

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PROF. CLAUDIO LUIZ BUENO DE GODOY Por Giselle Viana

Sala 12 Turma 185 2013

FONTES DAS OBRIGACOES I TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E CONTRATOS DO CÓDIGO CIVIL

~ ,

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Índice

O Contrato ........................................................................................................................................ 6 Conceito. .................................................................................................................................................... 6 Conteúdo. ................................................................................................................................................... 7

Princípios contratuais ...................................................................................................................... 10 Princípios Clássicos. .................................................................................................................................. 10

Princípio da Autonomia da Vontade. ................................................................................................................ 10 Força Obrigatória dos Contratos. ...................................................................................................................... 12 Relatividade dos Efeitos do Contrato. ............................................................................................................... 13

Novos princípios contratuais. .................................................................................................................... 14 Função Social dos Contratos. ............................................................................................................................ 16 Equilíbrio Contratual. ........................................................................................................................................ 18 Boa Fé Objetiva. ................................................................................................................................................. 19

Regras Contratuais .......................................................................................................................... 21 Validade .................................................................................................................................................... 21

Capacidade e Legitimação .................................................................................................................................. 21 Objeto ................................................................................................................................................................. 21 Forma ................................................................................................................................................................. 22 Nulidade ............................................................................................................................................................. 22

Interpretação ............................................................................................................................................. 22

Formação dos Contratos .................................................................................................................. 23 Negociações Preliminares. ......................................................................................................................... 23 Proposta e Aceitação. ................................................................................................................................ 24

Proposta. ............................................................................................................................................................. 25 Aceitação. ........................................................................................................................................................... 28

Tipos de Contratos .......................................................................................................................... 30 Principais Classificações ............................................................................................................................ 30

Contrato Típico e Atípico .................................................................................................................................. 30 Contrato Consensual, Formal e Real ................................................................................................................ 31 Contrato Gratuito e Oneroso ............................................................................................................................ 32 Contrato Bilateral e Unilateral .......................................................................................................................... 32 Contrato Comutativo e Aleatório ..................................................................................................................... 33 Contrato Instantâneo e de Duração .................................................................................................................. 34 Contratos Individuais e Coletivos ..................................................................................................................... 36 Contratos Obrigatórios ...................................................................................................................................... 36 Contratos Empresariais e Existenciais ............................................................................................................... 36

Contratos de Adesão .................................................................................................................................. 37 Contratos Preliminares ............................................................................................................................. 38

Execução Coativa ............................................................................................................................................... 39 Circulação dos Contratos ........................................................................................................................... 40 Afetação de Terceiros ................................................................................................................................ 41

Estipulação em Favor de Terceiro ...................................................................................................................... 41 Promessa de Fato de Terceiro ............................................................................................................................ 42 Contrato com Pessoa a Declarar ........................................................................................................................ 43

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Vícios Redibitórios e Evicção ........................................................................................................... 45 Vícios Redibitórios. ................................................................................................................................... 45

Requisitos ........................................................................................................................................................... 45 Fundamento do Regime Protetivo ..................................................................................................................... 47 Medidas de Reclamo .......................................................................................................................................... 49 Prazos .................................................................................................................................................................. 50

Evicção ...................................................................................................................................................... 53 Requisitos ........................................................................................................................................................... 53 Efeitos ................................................................................................................................................................. 54 Denunciação da Lide ......................................................................................................................................... 56 Evicção Parcial .................................................................................................................................................... 59

Extinção dos Contratos .................................................................................................................... 60 Resilição .................................................................................................................................................... 61

Distrato ............................................................................................................................................................... 62 Resilição Unilateral ............................................................................................................................................ 62

Resolução .................................................................................................................................................. 65 Inadimplemento Não Culposo .......................................................................................................................... 66 Inadimplemento Culposo .................................................................................................................................. 66 Efeitos ................................................................................................................................................................. 70 Onerosidade Excessiva ....................................................................................................................................... 71

Introdução ...................................................................................................................................... 84

A Compra e Venda .......................................................................................................................... 86 Características ........................................................................................................................................... 87 Elementos da compra e venda .................................................................................................................... 88

Coisa; .................................................................................................................................................................. 88 Preço; .................................................................................................................................................................. 92 Consenso; ........................................................................................................................................................... 96

Efeitos da compra e venda ........................................................................................................................ 108 Exigibilidade das prestações; ............................................................................................................................ 109 Vícios redibitórios; .......................................................................................................................................... 110 Universalidades; ............................................................................................................................................... 110 Defeito de Quantidade na Venda Imóvel; ...................................................................................................... 111 Riscos da Coisa; ................................................................................................................................................ 116 Débitos da coisa; .............................................................................................................................................. 117

Cláusulas Especiais da Compra e Venda .................................................................................................... 118 Retrovenda; ...................................................................................................................................................... 118 Venda sujeita à Prova e Venda a Contento ..................................................................................................... 124 Pacto de Preferência ou Preempção ................................................................................................................. 126 Reserva de Domínio ......................................................................................................................................... 128 Venda sob Documentos ................................................................................................................................... 131 Pactos Suprimidos no Atual Código ............................................................................................................... 132 Compromisso de Compra e Venda ................................................................................................................. 133

A Permuta .................................................................................................................................... 134

O Contrato Estimatório ................................................................................................................. 135 Distinções. ............................................................................................................................................... 136

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Características. ......................................................................................................................................... 137 Real; .................................................................................................................................................................. 137 Unilateral; ......................................................................................................................................................... 138 Oneroso ............................................................................................................................................................ 139 Aleatório ........................................................................................................................................................... 140 Temporário ....................................................................................................................................................... 140

A Doação ...................................................................................................................................... 141 Características .......................................................................................................................................... 141

Gratuito; ........................................................................................................................................................... 142 Unilateral; ......................................................................................................................................................... 142 Formal; ............................................................................................................................................................. 142

Elementos Constitutivos ........................................................................................................................... 143 Transferência Patrimonial; ............................................................................................................................... 144 Consenso; ......................................................................................................................................................... 144 Objeto ............................................................................................................................................................... 153

Classificação ............................................................................................................................................. 154 Doação Pura ..................................................................................................................................................... 155 Doação Onerosa ............................................................................................................................................... 155 Doação Meritória ............................................................................................................................................. 156 Doação Condicional ........................................................................................................................................ 156 Doação Mista .................................................................................................................................................... 158

Efeitos da Doação. .................................................................................................................................... 159 Efeitos Básicos .................................................................................................................................................. 159 Efeitos Particulares ........................................................................................................................................... 160

Revogação da Doação ............................................................................................................................... 161 Revogação por Ingratidão ................................................................................................................................ 161 Revogação por Inexecução do Encargo ........................................................................................................... 162

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PARTE I TEORIA GERAL DOS CONTRATOS

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O CONTRATO Como vimos na Teoria Geral das Obrigações, o contrato é uma das fontes obrigacionais, e portanto leva

ao nascimento de uma obrigação.

CONCEITO.

Retrocedendo na classificação, vemos que antes de tudo o contrato é um fato, pois altera a realidade. Essa

alteração enseja consequências jurídicas, daí constituir um fato jurídico. Esse fato, que tem consequências

jurídicas, é também fruto de uma conduta voluntária, diferindo portanto de outros fatos jurídicos involuntários

(como o nascimento, a morte, etc.). É, portanto, um ato.

Dentre os atos jurídicos, há aqueles atos em sentido estrito1 e os negócios jurídico. Estes se diferenciam pois

neles a conduta externada pelas partes tem por propósito específico alcancar aquele efeito jurídico de natureza

obrigacional.

Por fim, essa obrigação nasce a partir de um negócio jurídico bilateral, em contraposição aos negócios

unilaterais (como o testamento). É um negócio jurídico bilateral pois o efeitos jurídicos desejados dependem de

um consenso, e portanto de mais de uma declaração de vontade2. Diante disso, do ponto de vista estrito é possível

1 Um exemplo de ato jurídico em sentido estrito seria o de um roubo – é um ato voluntário, acarreta consequências jurídicas, mas o efeito alcançado não é condizente com o desejado pelo agentee (no campo civil, o efeito é a responsabilidade civil). 2 Não confundir a bilateridade do negócio jurídico dessa classificação com a classificação que contrapõe contratos bilaterais e unilaterais! Aqui, o critério remete ao nascimento da obrigação: em qualquer contrato, exige-se uma dupla manifestação de vontade para que nasça o vínculo entre as partes. A figura dos contratos unilaterais, como será explicado adiante, baseia-se na classificação cujo critério remete ao desenvolvimento da relação contractual, e não seu nascimento.

Fato

Não Jurídico

Jurídico

Involuntário

Voluntário (ato)

Ato jurídico estrito sensu

Negócio Jurídico

Unilateral

Bilateral Contrato!

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definir o contrato como sendo um negócio jurídico bilateral que impõe uma vinculação obrigacional aos

contratantes.

Tradicionalmente o contrato sempre foi entendido como um negócio jurídico que tinha como escopo dar

nascimento a uma obrigação. Hoje em dia não é raro que essa concepção tradicional de contrato seja extendida pra

abranger situações em que as partes contratantes modificam, e até mesmo extinguem, obrigações já existentes. É o

caso do nosso direito.

De fato, no Capítulo dos contratos há, por exemplo, os institutos da transação e do compromisso. Neles, as

partes que já têm entre si uma obrigação acertam, ajustam, resolvem uma incerteza obrigacional, por meio de

transações específicas ou por meio de um árbitro.

A opção do legislador pátrio, portanto, foi extender a concepção tradicional de contrato, entendendo-no

não apenas como um negócio jurídico bilateral que cria uma obrigação, mas como um negócio que também pode

partir de uma obrigação já existente, modificando-a ou extinguindo-a.

CONTEÚDO.

As obrigações, classicamente, revelam sempre um vínculo de ordem econômico-patrimonial, mesmo que

não imediatamente pecuniário.

Cabe ressalvar que há situações excepcionais que não correspondem à tradução de um vínculo econômico

mas que, não obstante, têm sido tratadas como obrigações. É o exemplo da cessão de uso de parte do próprio

corpo, que são negócios necessariamente gratuitos, mas tratados por muitos no campo dos direitos obrigacionais.

Esses casos, todavia, são exceções à regra. Em geral, se o contrato é uma obrigação, e se uma obrigação traduz um

vínculo via de regra dotado de conteúdo econômico patrimonial, então o contrato também possui tal conteúdo.

O contrato, como previsto na própria Constituição Federal, é um dos dois veículos de exercício da livre

iniciativa, sendo o outro a empresa. É um instrumento de transferência de riqueza, é a veste jurídica de uma

operação econômica.

Esse vínculo econômico que dá conteúdo ao contrato pode ser visto à luz de dois enfoques distintos,

objetivo e subjetivo. Há, com efeito, duas correntes que adotam esses diferentes enfoques, respectivamente a

corrente objetivista e subjetivista. A corrente subjetivista adota o prisma do contratante, e nesse sentido diz que o

conteúdo do contrato é a criação de obrigações e prestações para as partes contratantes. As partes são pessoas que

declaram sua vontade, formam um consenso e criam pra si condutas, obrigações. Para os objetivistas, que por sua

vez adotam um ângulo externo,a o contrato revela, antes, um conteúdo fundamental de criação de uma norma.

Enquanto a lei cria uma norma de conduta abstrata, o contrato cria uma norma individual, daí afirmar-se que o

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contrato é uma lei entre as partes. Para essa corrente, portanto, o contrato tem como objetivo a

autorregulamentação de interesses entre as partes. No fundo, ambas as correntes dizem a mesma coisa, mas sob

enfoques diferentes: ora no sujeito, ora no objeto.

Como vimos, contratos são negócios jurídicos bilaterais, no sentido de que exigem uma dupla manifestação

de vontade para se formar. Todavia, cabe observar que não é incumum encontrar autores que sustentam,

equivocadamente, a possibilidade de contratos unilaterais. Isso é errado, e o motivo dessa confusão remete a uma

figura chamada “contrato consigo próprio”, o autocontrato do direito português. Nesse contrato, é uma mesma

pessoa que manifesta duas vontades: a própria vontade e a vontade de seu representado. Por exemplo, Caio é

representante de Tício e contrata com ele. Assim, manifesta sua vontade no contrato por si mesmo, e também por

Tício, na medida em que o representa.

Essa é uma figura normalmente não admitida pelo direito, uma vez em que implica um evidente conflito de

interesses entre representante e representado, mas pode ser admissível por exemplo na procuração em causa

própria3. Mas o fato é que, mesmo se admitida, não faz sentido utilizar sua existência como fundamento para

sustentar a possibilidade de contratos unilaterais, pois trata-se, no fundo, de um contrato bilateral! O que ele tem

de particular é que ambas as manifestações de vontade vêm da mesma pessoa, mas isso não exclui o fato de serem

duas manifestações, uma exprimindo os interesses do contratante que se manifesta pessoalmente e outra do

representado, que se manifeta pelo representante.

O segundo foco da confusão está na própria expressão “contratos bilaterais”, que existe com outro sentido:

contrapondo-se a contratos unilaterais, como a doação. Mas isso não tem a ver com o nascimento do contrato, mas

com o seu cumprimento! Essa classificação, que põe de um lado o contrato unilaterais e de outro os bilaterais,

3 Nesse contrato, por exemplo, uma parte faz uma procuração que autoriza outra a vender um imóvel pra qualquer pessoa, inclusive para ela própria.

ENFOQUE OBJETIVO Contrato como norma individual de conduta

ENFOQUE SUBJETIVO Contrato como obrigações convencionadas entre as

partes

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toma como critério o desenvolvimento da relação contratual, e não a gênese e a essência do contrato. Nesse

sentido, o chamado contrato unilateral é um contrato que nasceu bilateral, com um consenso, mas que cria uma

relação unilareal, na qual apenas uma das partes tem obrigações a cumprir.

Negócio Jurídico Plurilateral No contrato há, tradicionalmente, dois centros de interesses, que podem ser ocupados por uma ou várias

pessoas4, cujos interesses, apesar de contrapostos, se encontram num consenso.

O contrato bilateral, cabe salientar, diferencia-se da figura dos negócios plurilaterais, nos qual há mais

de dois centros de interesse. Não se trata, portanto, de dois centros ocupados por várias pessoas, mas de vários

centros. Admite-se hoje que esses negócios podem estar traduzidos na forma de contratos, contrator

plurilaterais portanto.

É importante também diferenciar contratos plurilaterais de alguns atos coletivos como os convencionais

ou normativos, em que há diversas manifestações de vontade, mas que por serem convergentes não configuram

um contrato. É o caso, por exemplo, do condomínio.

4 Percebe-se, portanto, que o conceito de “partes” não se está associado ao conceito de “indivíduos”. Um contrato com duas partes não é, assim, um contrato entre dois indivíduos, entre duas pessoas, mas entre dois polos de interesses, que podem ser ocupados por diversas pessoas.

Relação Contratual Nascimento

CONTRATO Bilateral

Bilateral

Unilateral Plurilateral

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PRINCÍPIOS CONTRATUAIS Princípio é uma ideia ordenadora do instituto. As regras relativas aos contratos, portanto, devem se

conformar aos princípios que norteiam a matéria. Estes são, hoje, seis: três clássicos que perduram apesar das

modificações, e três mais recentes que surgiram tendo em vista atender a novas necessidades.

PRINCÍPIOS CLÁSSICOS. Há, primeiro, três princípios tradicionais, que apesar de ainda incidirem, são hoje recompreendidos.

1. Princípio da Autonomia da Vontade. Desde o Direito Romano, o contrato passou por um processo de despreendimento da forma como

elemento de importância fundamental, que passou a ser o consenso. Essa desformalização do contrato se

PRINCÍPIOS CONTRATUAIS

Clássicos

Autonomia da vontade

Força obrigatória dos contratos

Relatividade dos efeitos do contrato

Novos

Função social do contrato

Equilíbrio contratual

Boa-fé objetiva

1

2

3

4

5

6

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intensificou a partir da Idade Média, quando a ideia de honra à palavra empenhada contribuiu a um

progressivo privilégio do consenso em detrimento da forma.

O quadro dos princípios contratuais no Código anterior era o do séc XIX, e todos os códigos desse

século, a partir do Código Civil Francês, se apresentavam fundamentalmente assentados sobre a ideia de

vontade autonomamente declarada. Os contratos, nesse contexo de Estado Liberal, eram espaços de

autonomia que precisavam ser garantidos, isto é, mantidos livres da interferência do Estado.

Essa organização jurídica liberal, baseada na ideia de espaços de não interferência estatal, foi inalgurada

justamente pelo Código Francês, que foi primeiro código do século XIX. O Código Francês marcou a

decadência do regime absolutista e a ascensão de uma nova classe social: a burguesia. Ora, a burguesia se

caracterizava justamente pela sua atividade comércial, e o instrumento básico do comércio é o contrato.

Portanto, para afastar o Estado de seus negócios, ela precisava de uma lei civil que garantisse espaços de

autonomia para contratar. Ademais, foi através dos contratos que a burguesia, após a revolução, pode ter

acesso à propriedade, antes adstrita aos nobres, o que deixa evidente a importância da liberdade contratual para

essa classe na época.

Nesse sentido, nesses códigos todos, inclusive o nosso de 1916, os contratos de propriedade figuravam

como os pilares básicos da sociedade e representavam direitos quase absolutos, isto é, livres em grandessíssima

medida da interferência estatal. Essa primazia da não interferência, ressalte-se, partia do pressuposto de que as

partes eram dotadas de igualdade e liberdade contratual.

O princípio da autonomia da vontade assenta justamente esse valor básico de liberdade, sendo a típica

representação da força jurígena da vontade. Apesar das modificações, é o valor básico do contratos até hoje,

e se divide em três vertentes: contratar se quiser, com quem quiser e o que quiser5.

Alguns autores preferem utilizar a expressão “princípio da autonomia privada”, pois a entendem como

mais adequada à realidade atual. No modelo de Estado liberal concebia-se um espaço de autonomia livre da

5 Cabe observar que alguns autores fazem uma distinção entre liberdade de contratar e liberdade contratual. Para eles, escolher se vai ou não contratar e escolher com quem contratar seriam desdobramentos da liberdade de contratar. Já a liberdade de decidir sobre o que contratar consistiria na liberdade contratual.

Espaço de autonomia

Propriedade Burguesia Contratos

Defendia

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interferência do Estado, espaço no qual a ideia de autonomia da vontade era quase irrestrita. Nesse contexto, de

fato, fazia sentido falar em princípio da autonomia da vontade. Mas não existe, hoje, nenhum espaço

totalmente isento do influxo das exigências valorativas do nosso sistema. Claro que o impulso inicial do

contrato é a vontade, mas a vontade declarada, e revelada num consenso, só tem efeito jurígeno se além de

atenderem às condições pessoais dos contratantes, observarem valores sociais, de todos. Por isso, a ideia de

autonomia da vontade não seria equivalente à de autonomia privada.

Por exemplo, no que concerne ao conteúdo do contrato, a liberdade dos contratantes no contrato de

trabalho é extremamente limitada. Podem escolher uma coisa ou outra, mas nem o empregador pode violar,

nem o próprio empregado pode abrir mão de vários direitos e prerrogativas. No contrato de locação predial

urbana, também, as partes podem escolher muito pouco. Há muitos deveres e obrigações legalmente impostos a

alguns tipos contratuais, o que corrobora com a ideia de que não existe mais uma autonomia pura da vontade.

2. Força Obrigatória dos Contratos.

O princípio da força obrigatória, ou pacta sus servans, é um dos princípios clássicos que remontam ao

direito romano. Sua origem foi animada por uma forte preocupação moral: a honra à palavra empenhada, que

como vimos ganhou força durante a Idade Média. A força obrigatória do contrato significa, em suma, que o

contrato faz lei entre as partes. Alias, alguns códigos, como o fancês e o italiano dispõem exatamente desse

modo.

Entende-se hoje, todavia, que além do conteúdo da palavra empenhada é preciso verificar também em

que condições ela foi empenhada. Esse entendimento é endossado pelos institutos da lesão, do estado de

necessidade, pela teoria da imprevisão, etc. Atualmente admite-se, portanto, uma série de exceções ao pacta sus

AUTONOMIA DA

VONTADE

Contratar se quiser

Contratar com quem quiser

Contratar o que quiser

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servans, fundamentadas na ideia de que, para que o contrato continue vinculante, é preciso verificar se as

condições pelas quais foi selado se mantiveram.

3. Relatividade dos Efeitos do Contrato. Na sua acepção clássica, o princípio da relatividade dos efeitos do contrato significa que o contrato não

prejudica nem beneficia quem não foi contratante, isto é, quem não foi parte. Nesse sentido, como regra

quase geral e absoluta, quem não contratou, nem se vinculou posterioemente àquele contrato, não pode ser

exigido pelo cumprimento da obrigação.

Apesar de esse princípio ainda incidir hoje, sua incidência tem sido cada vez mais limitada e relativizada

pela gênese de novos princípios. De fato, há alguns exemplo históricos de afetação a terceiros decorrente de um

contrato, como a assunção de dívida e a cessão de crédito. Ambos os institutos mostram que é possível se

integrar a um contrato mesmo sem ter sido contratante: em ambos, alguém que não era contratante passa a a se

integrar na relação contratual (daí, novamente, a distinção que alguns autores fazem entre contrato e relação

contratual).

Outro caso é o da estipulação em favor de terceiro, no qual o terceiro pode até exigir o cumprimento de

uma obrigação resultante de um contrato do qual não fez parte nem se integrou posteriormente. É o exemplo

do seguro de vida, que é um contrato com uma seguradora no qual se indica um beneficiário, que receberá o

prêmio quando da morte do contratente. O beneficiário, apesar de não se integrar no contrato, pode exigir o

cumprimento da obrigação.

Princípio

Autonomia da Vontade

Força Obrigatória dos Contratos

Relatividade dos Efeitos do Contrato

Contraponto Atual

A observância, no contrato, de exigências sociais

valorativas condiciona sua força jurígena.

Necessidade de verificar em que condições a palavra foi

empenhada.

Assunção de dívida, cessão de crédito, estipulação em

favor de terceiro.

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NOVOS PRINCÍPIOS CONTRATUAIS. Os novos princípios contratuais trouxeram toda uma nova compreensão aos princípios clássicos, que

passaram a ser entendidos de forma menos absoluta.

Do Estado Liberal ao Estado Social

O que determinou o nascimento dessa nova principiologia, no fundo, foi a própria mudança do modelo

jurídico: do estado liberal para o estado de bem estar social, no qual houve um grande influxo do

ordenamento interventivo no sentido de preservar valores sociais.

O marco histórico que marcou esse nascimento foi a revolução industrial, fenômeno este que trouxe à

tona uma realidade de desigualdade material da contratação. Fato é que sob a égide da liberdade contratual

absoluta trazida pelo liberalismo, que tomava como pressuposto a igualdade juríca dos contratantes, permitiu-

se grandes distorções, na medida em que a igualdade jurídica é igual para todos mas a igualdade material não!

Assim, a desigualdade material entre empregadores e empregados ficava encoberta pela teórica autonomia das

vontades: partindo-se da ideia de que cada um contrata o que quiser, com quem quiser e se quiser, o empregado

que se submetia a condições degradantes de trabalho estaria exercendo sua autonomia de vontade, e o Estado

não deveria interferir. Juridicamente, como prevalecia a liberdade contratual, isso era verídico. Nas prática,

todavia, o empregado nem sempre contratava o que queria, afnal o empregador, que detinha todo o poder

econômico, impunha as condições que quisesse e o empregado, substituível, não tinha poder de barganha.

Também não tinha liberdade de contratar com quem quisesse, pois havia uma enorme oferta de trabalho em

detrimento da oferta de emprego. Muito menos podia escolher se queria contratar ou não, afinal os

trabalhadores precisavam sobreviver! Na prática, o empregado ficava obrigado, por uma circunstancia material,

a se submeter ao empregador: havia uma deseigualdade enorme entre ambos.

Contrapõe-se ao Contrapõe-se ao

Estado Absoluto Estado Liberal Estado Social

Intervenção estatal para a garantia de

valores sociais

Afirmação das liberdades individuais

Direitos Individuais subalternizados

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Uma realidade diferente, portanto, de desigualdade intrínseca, foi revelada nesse período. O modelo de

estado liberal foi importante na medida em que cumpriu um papel de afirmação dos direitos individuais em

contraposição ao Estado absoluto, mas aquele postulado liberal de igualde jurídica não batia mais com a

situação material, o que exigia modificações na atuação do Estado.

Um segundo fator que pode ser apontado como determinante para o repensamento da principiologia

liberal, do ponto de vista extrapatrimonial, foi a ocorrência das duas grandes guerras. Esses eventos

marcaram uma reificação da pessoa humana, que foi subalternizada como tal. Diante disso, do ponto de vista

jurídico, depois da 2a guerra todas as legislações passaram a prever a dignidade da pessoa humana como um

valor fundamental.

Tudo isso levou a um entendimento de que era preciso garantir valores extrapatrimoniais nas relação

contratuais, ainda que tipicamente econômicas. Essa nova concepção resultou no fenômeno do dirigismo

contratual, que é no fundo uma ideia de intervenção estatal nas relações contratuais. Assim, quer o Estado

legislador quer o Estado juiz passaram a interferir nas relações contratuais com o intuito de impor a

observância de valores fundamentais – em alguns tipos de relação mais, em outros menos.

Essa interferência protetiva, como vimos, levou a uma recompreensao do princípio da autonomia da

vontade: ela não é absoluta, pois coexiste com a a interferência estatal para preservação de valores sociais. Não

há hoje espaços isentos dessa interferência, e por isso faz mais sentido falar em autonomia privada.

Diversidade Contemporânea Para muitos autores, cabe ressalvar, essa nova principiologia também já está em grande parte superada,

na medida em que o próprio modelo de Estado social não corresponde mais à realidade. Atualmente, de fato, há

uma predominância de relações mais específicas, categoriais, técnicas, e por isso alguns autores defendem que

nenhum instituto jurídico pode mais ser estudado de maneira absolutamente universalizante, ascética.

Para o Godoy, essa tese tem um fundo de verdade, mas o fato é que apesar das inevitáveis diferenças no

tratamento jurídico conforme o tipo de situação, ainda persiste uma realidade ontológica única sobre o que é

contrato. Assim, o que acontece é que, conforme o tipo de contrato, as resposta do sistema devem ser diferentes

na medida da diferença das relações em jogo. Dessa forma, esses novos princípios não têm a mesma incidência

em todos os contratos.

Um contrato entre grandes empresas, por exemplo, que têm uma altíssima capacidade de autorregulação,

exige uma interferência protetiva muito menor que um contrato de locação predial urbana, ou um contrato

consumerista. Em suma, o que é contemporâneo é a alta diversidade de situações contratuais, que leva à

necessidade de soluções diversas. Consequentemente, esses princípios não têm a mesma incidência conforme o

tipo de contrato, mas isso não implica sua superação!

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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4. Função Social dos Contratos. Segundo o artigo 421 da Constituição Federal, a liberdade contratual deve ser exercida em razão e nos

limites da função social do contrato. Alguns autores sustentam que essa regra é uma mera reminiscência do

século XIX, e como tal não tem mais tanta importância hoje. No século XIX, de fato, havia uma intensa

necessidade de se refrear o exagero abusivo das partes contratantes. Em certa medida isso é verdade, mas

depende muito do tipo de contrato. A segunda crítica que se faz é a esse princípio é no fundo um

questionamento: qual a relevância dele na prática? Isto é, quais consequências concretas essa cláusula geral traz

para o campo dos contratos? Haveria uma relevância prática?

O art. 187 do Código Civil consagra a teoria do abuso do direito. Parte-se da ideia de que, se a

sociedade concede todos os direitos subjetivos, nada mais normal que esperar que todos eles devem, ao ser

exercitados, além de atender às suas respectivas funções individuais, preservar valores sociais. Caso contrário,

justifica-se uma intervenção do Estado no contrato. O problema, hoje, é definir exatamente qual é essa função

social do contrato.

Entende-se que a função social do contrato divide-se em duas vertentes, dus frentes de atuação: uma

função entre as partes6, e uma função ultra partes.

Função Social do Contrato entre as Partes O direito é um sistema em que cada ramo tem uma função: o contrato tem uma função individual, mas

ao mesmo tempo tem uma função social. Essa função social se expressa em valores próprios da comunidade,

6 Alguns autores não enxergam uma função interpartes no instituto, apenas uma ultra partes.

Função social do Contrato

Entre partes

Dignidade

Solidarismo

Igualdade

Colaboração

Acesso ao consumo

Ultra partes

Contrato oponível a terceiros

Contratos oponíveis por

terceiros

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frutos de escolhas valorativas, e prescritos na Constituição Federal. Entre as partes, nenhum contrato, mesmo

que assentado sobre um consenso, pode ferir esses valores. Nesse sentido, a função social ajuda no controle de

legalidade: quando se fere um valor social, o interesse em corrigir é coletivo.

A função entre as partes se desdobra em em dois valores básicos, a dignidade e do solidarismo. No que

tange à questão da dignidade, temos o exemplo do arremesso de anões: houve um caso na França em que o

dono de uma boate contratou um anão para ser arremessado, como forma de entretenimento aos clientes. Era

um contrato de prestação de serviço, no qual ambas as partes consentiam. O problema é que entendeu-se que

isso vulnerava um valor básico de dignidade da pessoa humana, e isso levou à alegação de que esse contrato não

correspondia a sua função social. Aqui, o Ministério Público tem justamente a incumbência de propor ações

contra esse tipo de contrato.

O solidarismo, por sua vez, possui três facetas: a igualdade, a colaboração e o acesso ao consumo.

A igualdade que deve marcar as relações contratuais e que é englobada pelo solidarismo refere-se à não

discrimição. As pessoas em princípio podem contratar com quem quiser, com base na autonomia privada, mas

não podem escolher um contratante a partir de motivos discriminatórios. Veda-se, portanto, a indevida

discriminação.

Cabe observar que a “discriminação” nem sempre é indevida! Há associações, por exemplo, que por sua

própria natureza envolvem critérios racionais, como por exemplo a Associação de Preservação da Cultura

Italiana. Ora, nesse caso a admissão de membros italianos não é ilícita, pois é justificada pela natureza da

associação.

Por outro lado, imaginemos que alguém deixe toda sua herança disponível para um dos três filhos por ele

ser o único filho homem. Nesse caso, há sim uma discriminação indevida, e isso acarreta a invalidade do

testamento.

O imperativo de acesso ao consumo, por sua vez, implica que o fornecedor não pode injustificadamente

recusar-se a oferecer o produto. Por exemplo, Caio era inimigo mortal de Tício no colégio, e o último tem um

restaurante. Certo dia Caio vai ao restaurante de Tício e este exige que Caio saia do restaurante. Ele pode fazer

isso? Absolutamente! De acordo com o art. 39, II, do CDC. É outra relativização do princípio da autonomia da

vontade, afinal nem sempre a pessoa pode realmente escolher com quem contratar.

Função Social do Contrato ultra Partes Há um certo consenso em se dizer que o contrato tem uma função social que o torna oponível, em maior

extensão do que antes, a terceiros não contratantes. Em outras palavras, nos últimos tempos tem havido uma

certa expansão de oponibilidade dos contratos diante de pessoas que não integram a relação contratual.

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Essa oponibilidade sempre existiu até um certo grau, por exemplo pelo registro: este é justamente o

instrumento que torna confere publicidade ao contrato, tornando-o oponível a terceiros. O que acontece é que a

função social ultra partes tem ampliado a ideia de oponibilidade para além do registro, gerando situações de

terceiros sendo obrigados a respeitar contratos que não são seus, ou até opondo contratos contra os próprios

contratantes.

A primeira situação, isto é, de terceiros obrigados a respeitar contratos alheios, vale desde que saibam –

ou devessem saber – da existência do contrato.

5. Equilíbrio Contratual. O princípio do equilíbrio contratual é sinônimo de justiça contrtual ou equidade contratual. O que se

quer através da garantia desse princípio é uma razoável distribuição dos ônus e bônus contratuais para as

duas partes. Esse imperativo de equidade é consagrado na própria Constituição Federal, ao determinar que as

relações contratuais devem ser justas.

Esse equilíbrio não é matemático, não se faz uma conta para descobrir se o ônus de uma parte foi

exatamente equivalente ao da outra. O que se evita é, sobretudo, um desequilíbrio excessivo, isto é, a

excessiva vantagem ou desvantagem que injustificadamente e irrazoavelmente incidiram sobre uma das partes.

No Código Civil não há um artigo estampando de maneira específica esse princípio. De fato, o que a lei faz é

prever instrumentos corretivos de desequilíbrios exagerados.

Esses instrumentos variam conforme o tipo de desequilíbrio: há determinadas relações jurídicas que já

nascem desequilibradas, e outras que se desequilibram depois. Há, portanto, desequilíbrios congênitos ou

supervenientes. Do ponto de vista do Código Civil, os instrumentos conhecidos pra dar resposta à situação de

desequilíbrio congênito são por exemplo a lesão, o estado de perigo, de necessidade.

A questão do desequilíbrio superveniente, por sua vez, analisamos quando tratamos do pagamento, na

teoria geral das obrigações: verificada uma alteração extraordinária das cirunstâncias obrigacionais, segundo o

art 317, pode haver correção. Essa correção pode se dar ou porque as partes previamente pactuaram (cláusulas

de escala móvel) ou porque verificou-se uma circunstância imprevisível que acarretou um desequilíbrio

excessivo entre as partes, alterando as circunstâncias mediante as quais a palavra foi empenhada.

Não é só o sistema brasileiro que tem respostas a esse tipo de fenômeno, e as respostam variam conforme

o ordenamento. Para os casos de desequilíbrio superveniente, várias teorias foram formuladas (teoria da base,

teoria da pressuposição da onerosiadade excessiva, teoria da alteração das circunstâncias), mas ontologicamente

a situação é a mesma: um desequilíbrio excessivo superveniente que reclama a intervenção do Estado juiz.

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6. Boa Fé Objetiva. A boa fé objetiva consiste num padrão ético de comportamento leal, solidário, ideal. Cabe salientar que

não equivale à boa-fé subjetiva, que por sua vez remete-se a um estado ânimico do agente. De fato, a análise da

boa-fé objetiva prescinde dessa avaliação das intenções do agente: o que importa é analisar qual foi,

objetivamente, a sua conduta, e verificar a adequação ou não dessa conduta a um standart de comportamento

esperado.

Como vimos na teoria geral do direito privado, a boa-fé objetiva desempenha quatro funções no nosso

sistema: interpretativa, corretiva, limitativa do exercício de direitos subjetivos, e supletiva. Da função de

limitação a direitos subjetivos decorre que é preciso verificar como e em que circunstâncias o direito se

exerce, e não apenas se ele existe ou não. Em outras palavras, não basta que se tenha um direito, é preciso

exerce-lo de acordo com o padrão ético imposto pela boa-fé. Desse postulado surgiram diversas teorias, como a

do venire contra factum proprium, tu quoc, surrectio e supressio, que contemplam situações diversas do chamado

abuso de direito. Esses institutos valem para os negócios jurídicos em geral e podem ser transportados para os

contratos.

A função supletiva, que abordamos sobretudo ao tratar dos deveres anexos na teoria geral das

obrigações, está consolidada no art. 422 do Código Civil. Essa função suplementa, dota o vínculo obrigacional

com os deveres extrapatrimoniais de comportamento anexo, isto é, os deveres anexos.

Esses deveres, não raro, atuam desde antes da celebração propriamente dita do contrato, até depois de

seu fim. São deveres recíprocos de comportamento leal cuja existência, como vimos, corrobora com a visão do

contrato como um processo.

A função interpretativa, por sua vez, encontra-se sedimentada no art. 113:

Interpretar um contrato significa bucar o significado daquele consenso. A interpretação das declarações

de vontade que integram esse consenso, em geral, pode ser feita com recurso a critérios subjetivos (procurar a

intenção do declarante) e objetivos. O uso do critério da boa-fé objetiva é uma forma objetiva de

Art. 422

CC

Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,

como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Art. 113

CC

Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos

do lugar de sua celebração.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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interpretação: consiste, no fundo, em ler o contrato e com base nisso tentar determinar o que aqueles

contratantes queriam dizer.

Por fim, a boa-fé objetiva desempenha uma função integrativa, na medida em que pode ser usada para

suprir lacuna contratuais. Assim, se as partes não esclareceram algo, não previram uma situação e a lei não tem

uma resposta direta a isso, é possivel recorrer à boa fé para suprir essa lacuna.

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REGRAS CONTRATUAIS O contrato, sendo um negócio jurídico, deve ser analisado pelos três planos lógicos distintos da

existência, validade e eficácia.

VALIDADE

Os requisitos da validade dos contratos são os mesmos dos negócios jurídicos com geral, isto é, agente

capaz, objeto possível, determinado ou determinável, e adequação à forma exigida por lei, quando exigida.

Vamos abordar algumas peculiaridades desses requisitos no âmbito dos contratos.

CAPACIDADE E LEGITIMAÇÃO

A ilegitimidade difere da incapacidade. Com efeito, o que sucede na ilegitimidade é que a pessoa

encontra um obstáculo pra realizar determinados negócios jurídicos com determinadas pessoas. Assim, mesmo

o agente sendo plenamente capaz, fica obstado de realizar esses negócios, por conta de algum impedimento ou

restrição.

Por exemplo, segundo o art. 497, o tutor, que é um substituto dos pais, não pode comprar bens do

tutelado, nem o curador do curatelado, pois há nesses casos um evidente conflito de interesses. E mais, mesmo

se a tutela já tiver terminado, é preciso verificar se ele prestou as contas. A compra realizada do tutor ao tutela

é nula... mas observe que isso não ocorre porque o tutelado é incapaz, mas por uma questão de legitimação!

De forma semelhante, o art 496 determina que o ascendente não pode vender para o descendente sem

anuência dos demais, sem a qual a venda torna-se anulável. A pressuposicao do legislador é de simulação: a lei

entende que uma doação para o descendene é um adiantamento da legítima, e a vedação tem como escopo

assegurar a igualdade dos descendentes.

Objeto

Para que o contrato seja válido, seu objeto precisa ser lícito. Um exemplo de objeto ilícito é o do pacta

corvina, vedado pelo nosso sistema no art. 426, que determina a nulidade de qualquer contrato que tenha por

obeto a herança de pessoa viva:

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Forma

Como regra, o contrato não exige forma específica, bastando o consenso para sua perfeição. Há, todavia,

contratos formais, como a compra e venda de imóveis.

Nulidade

O art. 119 trata da nulidade parcial: quando a nulidade é de parte do negócio jurídico e não afeta o todo.

Pode estar em uma cláusula do contrato, por exemplo, e nesse caso ela pode ser anulada e o contrato continuar

vigorando nas demais cláusulas. Mas alguns tipos contratuais não permitem aproveitamento do resto! Um deles

é a transação: como são concessões recíprocas, estão interligadas e uma pode ser conequência da outra.

INTERPRETAÇÃO Para interpretar um contrato é possível recorrer-se a métodos objetivos e subjutivos. No campo dos

contratos há um princípio interpretativo que se reconduz à propria função social dos contratos: o princípio da

conservação dos contratos. Segundo esse princípio, deve-se procurar a interpretação que preserve o maior

grau possível de eficácia do contrato.

Cabe observar que há duas regras interpretativas a respeito de contratos especiais. Uma tange aos

benéficos: deve-se interpretar de maneira restritiva, de modo a resultar no menor ônus possível a quem faz o

benefício. A segunda trata dos contratos de adesão: a interpretação deve ser restritiva em favor do aderente.

Art. 426

CC Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.

Art. 119

CC

É anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de

interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento

de quem com aquele tratou.

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FORMAÇÃO DOS CONTRATOS O contrato nasce a patir do consenso, que por sua vez é formado pelo encontro entre as vontades

declaradas. O problema, na prática, é identificar o momento em que se estabelece esse consenso, e, portanto, o

momento em que se aperfeiçoa o contrato.

Via de regra, basta a declaração de vontade para o contratao se aperfeiçoar. Como o contrato é

intrinsecamente bilateral, exige mais de um declaração de vontade. Essa declaração pode se dar de forma expressa,

tácita ou até mesmo pelo silencio. A declaração tácita é inexplícita pois a vontade não decorre de uma

manifestação expressa, mas de um comportamento concludente, que a parte ostenta e que indica a sua vontade.

NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES. Na fase das negociações preliminares, das “tratativas”, inexiste ainda o contrato. Todavia, as partes ainda

assim têm alguns deveres especiais, pré-contratuais, de comportamento leal e solidário. Em outras palavras, mesmo

antes da entabulaçào do contrato propriamente dito já atua a boa-fé, criando deveres anexos de correção,

colaboração, sigilo, informação, etc.

Isso ocorre porque mesmo sem o contrato firmado, vigora já um contrato social, na medida em que a

negociação se dá com alguém com que já se mantem um certo relacionamento, memso que ainda não contratual.

Por exemplo, o dever de correção coíbe o rompimento injustificado das tratativas. É evidente que se as

partes não chegam a um consenso é natural que elas rompam, pondo fim às tratativas. Entretanto, há

deeterminados casos em que as tratativas já foram a um tal ponto que despertaram, pela conduta de uma das

partes, a convicção na outra de que não seriam rompidas mais de forma potestativa, inustificada.

Por exemplo, Tício passa 6 meses negociando uma parceiria para um grande shopping. A outra parte

contrata engenheiros e arquitetos para verificar a viabilidade física do projeto, Tício por sua vez contrata um

assessor de marketing para analisar as potencialidades do shopping. Desenrolam-se diversas reuniões, até que 6

meses depois do início das tratativas, quando faltavam apenas pequenas pendencias para serem acertadas, Tício diz

que não vai mais contratar, porque sua esposa Sempronia disse que não queria. Ora, Tício estava de boa-fé, pois

acreditava que podia não firmar o contrato por conta desse óbice. Mas, na medida em que frustrou a justa

confiança da outra parte, agiu contra a boa-fé objetiva e os deveres que ela impõe.

Outro caso de rompimento injustificado das tratativas é o do noivado, que é um caso de direito de familia

semelhante. O noivo(a) não pode simplesmente romper, sem motivos, no dia do casamento! Isso dá processo!

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Violação dos Deveres Anexos nas Tratativas Qual é consequência do descumprimento desses deveres anexos nas tratativas? Ora, se as tratativas não configuram

um contrato, nem mesmo um contrato preliminar, o descumprimento desses deveres durante as negociações não

podem acarretar a exigência coativa do contrato, pois este não existe.

A parte prejudicada, portanto, não pode pedir o que a doutrina chama de interesse positivo, isto é, o que o

contrato daria caso houvesse sido realizado. Ela não pode pedir isso justamente porque o contrato não se

aperfeiçoou. A indenização que cabe nesse caso é pelos interesses negativos: os prejuízos experimentados na

negociação. Esse prejuízo pode excepcionalmente englobar lucro cessantes (por exemplo, o que deixei de lucrar ao

deixar de firmar o contrato com outrem), além dos emergentes (por exemplo, o dinheiro que gastei viajando para

ir às reuniões).

Qual é a natureza dessa responsabilidade: contratual ou aquiliana?7 O problema disso é que nosso sistema defere

um tratamento diferente, do ponto de vista das consequências, às duas formas de responsabilidade, o que talvez

justifique a dicotomia. Por exemplo, na responsabilidade aquiliana, há solidariedade entre os responsáveis pelo

dano. Ademais, há distinções quanto ao momento da constituição da mora: nela, a mora configura-se a partir do

próprio fato, mesmo que a dívida seja ilíquida. Por conseguinte, os juros de mora começam a contar a partir da

ocorrência do fato. Isso não acontece na responsabilidade contratual. Outra distinção reside no ônus da prova: na

responsabilidade aquiliana a vítima tem que provar tudo, na contratual o ônus se inverte. Se contrato com Caio e

alego que ele não entregou a coisa, ele, que teria a responsabilidade, tem que provar que entregou. Se Tício sofre

um acidente causado por Caio, que teria então responsabilidade aquiliana, é Tício que tem que provar.

Mas então, na vilação dos deveres anexos a responsabilidade é contratual ou aquiliana? Há poucos autores

que sustentam que tem que se aplicar a responsabilidade contratual. Mas o que acontece é que as vezes se aplica

regras de um ou de outro sistema. Por exemplo, no rompimento do dever de sigilo tende-se mais à aplicação das

regras contratuais. Em suma, não há um encaixe perfeito. O certo é que a consequência é indenizatória, material

ou moral pelos danos negativos.

PROPOSTA E ACEITAÇÃO.

Para que se chegue ao momento do consenso entre as partes, que enseja o nascimento da obrigação

contratual, há em geral duas etapas: a proposta e a aceitação.

7 Alguns autores sustentam que essa dicotomia deve ser superada, por ser meramente acidental. A diferença entre a responsabilidade contratual ou aquiliana seria que na primeira responde-se por u dever indiretamente legal, e na segunda diretamente.

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1. Proposta. A proposta, ainda que mera proposta, é via de regra vinculativa. Todavia, pode deixar de ser obrigatória

em virtude da natureza do ato – quando habitualmente há uma ressalva em razão do próprio tipo de negócio –

ou dos próprios termos em que foi feita. Ademais, pode deixar se ser considerada vinculante também em

razão das circunstancias do caso.

Hipóteses de Desvinculação Isso vale para relações paritarias, regidas pelo código civil.

No que concerne às circunstancias do caso, o art. 428 traz quatro hipóteses nas quais, pela conjugação de

alguns fatores, a proposta deixa de vincular o proponente:

Art. 428

CC

Deixa de ser obrigatória a proposta:

I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita.

Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por

meio de comunicação semelhante;

II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente

para chegar a resposta ao conhecimento do proponente;

III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do

prazo dado;

IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra

parte a retratação do proponente.

VINCULATIVIDADE DA PROPOSTA

Ressalva nela própria

Natureza do negócio a que se propõe

Circunstâncias do caso

Sem prazo - pessoa presente - não aceita

imediatamente

Sem prazo - pessoa ausente - não aceita no tempo suficiente pra

resposta

Se a pessoa ausente não aceita no prazo dado

Se a retratação do proponente chegar antes

Exceções

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O primeiro caso, do inciso I, diz respeito a uma proposta que, feita a uma pessoa presente e sem prazo,

não foi por ela aceita na hora.

Desse enunciado podemos deprender duas premissas: primeiro, que a proposta pode ser feita com ou sem

prazo determinado para sua aceitação, e segundo, que ela pode ser feita para uma pessoa presente ou ausente.

De acordo com a forma que a proposta for feita, no que tange a esses dois critérios, os efeitos em termos de

vinculatibilidade são diferentes!

Mas o que é estar presente? A questão da presença não se aufere fisicamente. Ora, o próprio código diz que

“considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante”.

Percebe-se que, na verdade, essa presença ou ausência se aufere no sincronismo, na imediatidade da

comunicação. Nesse sentido, a contratação por telefone é considerada com pessoa presente pois há, nesse meio

de comunicação, uma imediatidade – um fala e outro escuta.

Cabe fazer aqui uma observação acerca dos contratos eletrônicos ou virtuais. Primeiro, uma

observação terminológica: ao contrário do que pode se imaginar, os contratos eletrônicos não são contratos

próprios do mundo virtual, isto é, não têm como objeto necessariamente coisas relacionadas ao meio eletronico.

Essa expressão, com efeito, é utilizada pra qualquer contrato que tenha sido entabulado pelo meio

eletrônico. A relevância desse tipo de contrato na questão da proposta é determinar se ele é entabulado entre

presentes ou ausentes, pois isso muda tudo! Pelo computador, pode ser ambos. Por exemplo, por email a

contratação é entre ausentes pois não há um sincronismo da comunicação. É como se fosse uma carta, ainda que

sem suporte físico. Num Skype da vida, por outro lado, é considerada uma contratação entre presentes, pois é

inegável a existência de um sincronismo nessa comunicação.

Voltando ao inciso I do artigo acima transcrito, vimos que a proposta deixa de ser vinculante quando a

pessoa não aceita imediatamente, conquanto que a proposta tenha sido feita sem um prazo pré-definido. A

contrario sensu, a proposta quando feita sem prazo só será tempestiva, oportuna, se for imediatamente aceita.

Se a pessoa diz por exemplo que vai pensar, o proponente deixa de estar vinculado.

De acordo com o inciso II, a proposta também deixa de ser obrigatória se feita sem prazo a pessoa

ausente, se esta não aceitar num prazo razoável. A questão central incitada por esse inciso é: até quando essa

proposta é obrigatória? Afinal, quando a pessoa é ausente a resposta não tem como ser imediata, então a partir de

que momento considera-se que passou o prazo razoável para a resposta?

O código diz que a proposta continua vinculativa até que tenha decorrido prazo suficiente pra que o

destinatário possa deliberar e responder. Esse prazo é um prazo moral, que é sempre um prazo razoável em

função das circunstâncias do caso concreto.

A terceira hipótese, contemplada no inciso III, trata daquela proposta feita a uma pessoa ausente e não

respondida no prazo estabelecido.

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Por fim, ainda que não tenha sido feita ressalva na própria proposta, é possível que o proponente se

retrate. Todavia, isso só terá eficácia se que essa retratação chegar a conhecimento do destinatário antes ou

junto da proposta.

Tem-se entendido que o “tomar conhecimento” refere-se ao “chegar” da proposta, por carta ou email por

exemplo.

A última hipótese, levantada pela doutrina e não presente na lei, refere-se à caducidade da proposta

pela morte do proponente ainda antes do contrato ter se aperfeiçoado.

Oferta Pública É importante observar que no Código Civil atual, diferentemente do anterior, a proposta pública

também está tratada. O CDC atua fixando um espaço próprio: o fornecedor geralmente está num estado de

oferta pública permanente, e portanto o tratamento não é o mesmo no Código Civil. Mas nem toda oferta

pública é consumerista! Então pode haver uma oferta pública civil, entre particulares. Publico no jornal por

exemplo que vendo um Gol 2004 branco por 2000 dinheiros à vista.

O Código Civil, quando trata da oferta pública no art 429 diz que só é proposta se for completa:

O proponente pode se retratar desde que essa retratação se faca pela mesma via de divulgação, e desde

que essa ressalva já conste na própria oferta. Há uma maior rigidez na retratação da oferta pública por conta

do seu alcance: de fato, ela desperta a confiança num número maior de destinatários. Quanto a proposta pública

é consumerista, segundo a doutrina majoritária e os arts. 30 e 35 do CDC, é irrevogável.

Alguns autores susteitam minoritariamente que haveria essa hipótese de retratação mesmo na oferta

pública consumerista, mas também com uma série de ressalvas.

Art. 429

CC

A oferta ao público equivale a proposta quando encerra os requisitos

essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou

dos usos.

Parágrafo único. Pode revogar-se a oferta pela mesma via de sua

divulgação, desde que ressalvada esta faculdade na oferta realizada.

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2. Aceitação. A aceitação é também uma declaração de vontade, um negócio jurídico unilateral em que o oblato se

torna aceitante, aperfeiçoando o contrato. Para que a aceitação seja um fator de aperfiçoamento do contrato,

todavia, deve atende a alguns requisitos.

Requisitos É preciso que a aceitação, em primeiro lugar, não diga respeito a um contrato formal, pois nesse caso é a

forma que aperfeiçoa o contrato. A aceitação não precisa ser expressa para que o contrato se aperfeiçoe.

Ademais, a aceitação precisa ser tempestiva e incondicionda. Ela não pode, de modo algum, alterar o

conteúdo da proposta, pois nesse caso não aperfeiçoa contrato algum.

A aceitação portanto não pode significar qualquer espécie de adição ou modificação aos termos da

proposta, caso contrário, será uma contraproposta, que no fundo é uma nova proposta, e não uma aceitação.

Feita uma contraproposta, finda a vinculação à proposta inciial feita pelo proponente, pois a sua proposta não

aceita é substituída, e a situação então inverte-se: e o oblato se torna proponente.

Além de irrestrita, a aceitação deve também ser tempestiva, então se a resposta de aceitção for recebida

fora do tempo devido, não se perfaz também o contrato.

Do mesmo modo que a proposta, a aceitação também é revogável. Os requisitos são os mesmos: desde

que a retratação chegue antes ou junto com a aceitação, etc.

Momento da Aceitação

1) Teoria da informação ou cognição: por essa teoria, o contrato estará aperfeicoado quando a

aceitação chegar ao conhecimento do proponente. Por exemplo, a carta chega, ele abriu e leu. O

problema é que o oblato pode demorar anos pra abrir a carta.

2) Teoria da recepção: quando for recebida a resposta, ainda que não conhecido seu conteúdo pelo

proponente.

Na contratacao entre ausentes, como há necessriamente uma não instantaneidade entre propota e

aceitação, fica a questão de como determinar quando elas se encontraram, aperfeiçoando o contrato. Em outras

palavras, havendo uma proposta e uma resposta positiva, quando é nesse meio tempo em que se aperfeiçoa o contrato?

Há 4 alternativas:

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3) Teoria da agnição ou declaração: é diametralmente oposta à da recepção, e diz que o contrato se

aperfeiçoa no momento em que o aceitante declarar a sua aceitação. Mas o problema é que só ele vai

saber que o contrato está aperfeiçoado naquele momento!

4) Teoria da expedição: é a adotada, e determina que estará aperfeiçoado o contrato no momento em

que a resposta, pelo meio que for, tiver sido expedida. Não importa nem que tenha chegado ao

conehcimento do proponente. Essa teoria está no art. 434 mas é adotada mas também com ressalvas.

Isso porque admite-se a retratação... ora, se a retração será eficaz se chegar antes ou

concomitantemente à aceitação, não vale nesse caso a teoria da recepção!

A importância de se saber quando o contrato se considera aperfeiçoado é porque antes as partes não estão

vinculadas ao contrato, e portanto só respondem por obrigações negativas.

Local da Aceitação Onde considera-se que o contrato foi firmado? O local de aperfeiçoamento do contrato pode atrair o

regramento de um sistema ou de outro, daí sua importância no contxto de globalização. Noo art. 435 o Código

indica um critério pra determinar esse local da contatação, quando as partes o não explicitam previmanete: diz

o código que o local da contratação é o lugar da proposta, seja onde tiver sido a aceitação.

Isso traz dificuldades no âmbito dos contratos eletrônicos. Por exemplo, eu brasileira, posso propor um

contrato pela via virtual por um provedor situado na China. Endereço essa proposta por celular durante uma

viagem na França. Mando essa proposta pra um sujeito japonês que mora na Holanda e que recebe enquanto

viaja na África do Sul. Comofaz? Bom, a regra é que pouco importa onde está a pessoa em trânsito, onde está o

provedor, etc... o que importa é que é uma brasileira propondo pelo seu email, então o contrato se firmou no

Brasil!

Art. 434

CC

Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é

expedida, exceto:

I - no caso do artigo antecedente;

II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta;

III - se ela não chegar no prazo convencionado.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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TIPOS DE CONTRATOS PRINCIPAIS CLASSIFICAÇÕES

1. Contrato Típico e Atípico A classificação que distingue contratos típicos e atípicos toma como critério o prévio conhecimento daquele

tipo contratual pela lei.

Direitos reais não podem ser criados pela mera vontade, afinal são erga omnes e por isso faz-se mister que

estejam claramente delimitados em lei. Os contratos, porém, não são oponíveis nessa mesma extensão dos direitos

reais, e por isso admite-se a criação de contratos não previamente rugulamentados, que fogem portanto dos

paradigmas previstos em lei.

A importância dessa distinção remete à a questao das lacunas: se o contrato é atípico, as partes não têm um

socorro direto da lei. Assim, no caso de lacunas é possível que o juiz as acomate pelos princípios, mas não pela

simples consulta a um arcabouço normativo pré-fixado legalmente, como acontece no caso dos contratos típicos.

É também possível, as vezes, misturar figuras típicas e atípicas num mesmo contrato, gerando o chamado

“contrato misto”.

CLASSIFICAÇÕES

Tipicidade

Típico

Atípico

Misto

Aperfeiçoa-mento

Consensual

Formal

Real

Execução

Bilateral

Unilateral

Objetivo

Gratuito

Oneroso

Delimitação da prestação

Comutativo

Aleatório

Produção dos efeitos

Instantâneo

De Duração

Outras

Individual e Coletivo

Cogentes

Empresariais e Existenciais

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Por fim, cabe observar que há alguns contratos que são atípicos mas gozam de uma certa tipicidade social. É

o caso, por exemplo, do contrato de franquia, de concessão comercial, etc.

2. Contrato Consensual, Formal e Real A classificação de contratos entre consensuais, fomais e reais é uma classificação reminescente do direito

romano, mas não é muito boa não. Em todo caso, o critério de distinção remete ao momento de aperfeiçoamento

do contrato. Como vimos, na regra geral o contrato se aperfeiçoa com o simples consenso. A regra portanto é do

contrato consensual, mas há ainda outros dois tipos, or formais e os reais.

As vezes o legislador exige formas especiais para que o negócio se aperfeiçoe. Quando há essa exigência, o

negócio é considerado formal. Cabe observar que para que o contrato seja formal não é preciso que a lei exija uma

forma pública para sua consumação, basta que exija qualquer forma, podendo inclusive ser particualar. São

exceções, portanto, ao informalismo do negócio jurídico. Bom lembrar também que essa forma de que ora

tratamos é a forma substancial do negócio, que não se confunde com a forma probatória.

Contrato real, por sua vez, é aquele que se aperfeiçoa com a entrega da coisa. Assim, não basta o consenso

nem a forma: é preciso uma tradição daquilo que será o objeto da relação contratual. Esses contratos geralmente

são aqueles que exigirão uma restituição. O legislador então traz a entrega, que deveria ser uma parte da execução

do contrato, como parte da formação. É o caso do mútuo e do comodato, ambos contratos com necessidade de

restituição da coisa entregue.

Essa exigência da entraga para o aprrfeiçoamento pode trazer alguns problemas. Por exemplo, Caio diz pra

Tício que irá num churrasco e pede seu carro emprestado para ir. Tício concorda, mas chega o dia do churrasco e

diz que mudou de ideia. Tecnicamente ele pode fazer isso, pois o contrato só se perfaz a partir do momento da

entrega do carro. O ponto é que não faz sentido retirar da execução do contrato uma situação que lhe é tipica.

Essa classificação, então, poderia ter sido abandonada...

Consenso Consensual

Formal

Real

Forma

Entrega da coisa

Aperfeiçoamento

Aperfeiçoamento

Aperfeiçoamento

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3. Contrato Gratuito e Oneroso O critério que contrapõe contratos gratuitos e onerosos remonta ao objetivo do contrato. No contrato

gratuito, também chamado benéfico, o que as partes querem é que só uma delas experimente vantagem, isto é,

um acréscimo patrimonial, e que a outra só experimente desvantagem.

Alguns autores sugerem um meio termo, os chamados contratos desinteressados. São contratos que não

implicam um decréscimo patrimonial da parte que faz o benefício, como acontece nas prestações de serviço

gratuitas. Para o Godoy, porém, esses contratos não ensejam uma classificação autônoma: são contratos gratuitos e

ponto.

A importância dessa classificação, isto é, seu reflexo e consequência fundamental, reside numa questão de

interpretação: nos contratos benéficos a interpretação nunca pode ser extensiva em detrimento de quem faz o

benefício. Outra questão é a do concilium fraudes, que se dispensa quando a alienação é gratuita.

Por fim, importa nessa classificação a regra do art. 392, segundo a qual nos contratos benéficos quem faz o

beneficio só responde por dolo. Não responde, portanto, por qualquer grau de culpa, afinal já está fazendo o

benefício.

4. Contrato Bilateral e Unilateral O critério aqui remonta ao momento da execução do contrato. Contratos bilaterais são aqueles que depois

de aperfeiçoados geram obrigações pra ambas as partes. Os unilaterais, apesar de nascerem bilaterais por serem

contratos e portanto imprescindirem de uma dupla manifestação de vontade, na execução só ensejam prestações a

apenas uma das partes.

Alguns autores identificam um meio termo aqui também, apontando a existência contratos bilaterais

imperfeitos. O que acontece é que em alguns contratos unilaterais exepcionalmnte pode haver uma prestação

para aqueles que a priori não teriam uma obrigação. Por exemplo, no comodato só o comodatário tem

obrigações a cumprir na fase de execução, então a priori a outra parte não tem nenhuma prestação. Mas, se por

exemplo o carro que foi objeto do comodato dá uma pane, por um fortuito, e o comodatário tem que arcar com

despesas excepcionais para consertar, é possível que o dono seja obrigado a restituir esse valor gasto.

Art. 392

CC

Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem

o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos

onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções

previstas em lei.

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Cuidado com as confusões de classificação! Normalmente os contratos bilaterais são onerosos e os

unilaterais são gratuitos... mas nem sempre. O mútuo por exemplo é unilateral, uma vez que depois de formado

só o mutuário tem obrigações a cumprir, mas pode ser tanto gratuito quanto oneroso, pela cobrança de juros

por exemplo. O mandato por sua vez é bilateral, mas pode ser tanto gratuito quanto oneroso.

A importância dessa distinção está na questão do sinalagma. Nos contratos bilaterais as duas partes têm

obrigações a cumprir, e mais, pode ser que a prestação de uma das partes seja a causa da prestação da outra.

Em outras palavras, é possível que nos contratos bilaterais haja uma corresptividade entre as prestações, e

nesse caso estamos diante de um contrato sinalagmático. É o que acontece na compra e venda, contrato no

qual as obrigações de entregar a coisa e pagar o preço sao recíprocas. quando isso acontece - diz se que o

contrato é sinalagma'tico.

Há, por outro lado, contratos bilaterais em que uma prestação não é a causa da outra. Na doação de um

imóvel com o encargo de se construir nele uma creche, por exemplo, a obrigação do doador é entregar o imóvel.

A obrigação de construir a creche, porém, não é a causa dessa entrega! O doador tem que entregar o imóvel de

qualquer jeito, e não só mediante a prestação do donatário.

Nos contratos sinalagmaticos, por sua própria natureza, vigora uma regra reveladora de um imperativo

de equilíbrio: se uma parte não cumpre sua obrigação não pode exigir da outra, e a outra por sua vez não é

obrigada a permanecer vinculada mediante o descumprimento pela primeira. Trata-se de uma cláusula

resolutiva intrínseca a todos os contratos sinalagmático, expressa no art. 476:

5. Contrato Comutativo e Aleatório Essa é uma classificação que pressupõe a bilateralidade do contrato, e toma como critério o prévio

conhecimento das prestações pelas partes. Assim, nos contratos comutativos as partes já conhecem uma a

prestação da outra de antemão, isto é, qual é essa prestação e quanto é.

Apesar de essa ser a hipótese mais usual, é possível também que num contrato pelo menos uma das

partes não saiba qual e quanto é a pretação da outra. Isso porque a própria existência e extensão dessa

prestação da outra parte pode depender de uma alea, sendo portanto imprevisível. É o caso dos contratos

aleatórios.

Essa alea pode estar na própria existência da prestação. Se compro uma safra, por exemplo, é possível

que dê muito, que dê pouco, ou até que não dê nada. A vantagem desse tipo de contrato é justamente que pode

Art. 476

CC

Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a

sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.

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dar muito, resultando num grande lucro. Cabe observar que diante dessa amplitude de possibilidades, as partes

podem diminuir o espaço da alea. Por exemplo, compro a pesca de um pescador, e combinamos que se ele não

pescar nada, o contrato se resolve.

O grande exemplo de contrato aleatório é o seguro. Porém, acerca do contrato de seguro é preciso fazer

algumas observações, pois ele pode ser visto por dois enfoques. Quando alguém assina o contrato com uma

seguradora, está na verdade aderindo a um fundo, isto é, a contribuição de vários segurdos, que é

administrada pela seguradora. Esta calcula o prêmio, ou seja, a prestação que o segurado paga para a

seguradora com o objetivo de cobrir o risco de ocorrência danosa, de cada assegurado, e de acordo com o risco

próprio daquele segurado. Quando o risco se transforma em fato, isto é, quando sucede o sinistro, a seguradora

paga a indenização seguritária.

Há no seguro, portanto, um fundo mutualístico. Mas podemos examinar o contrato de seguro também

do ponto de vista individual, e por esse enfoque parece haver uma aleatoriedade: o segurado, com efeito, paga o

prêmio mensalmente sem saber se vai precisar usar o seguro, e a seguradora por sua vez não sabe se terá que

pagar uma indenização, ou quando terá que pagar, pois a ocorrência do sinistro não é certa. Todavia, se

voltarmos a olha a seguradora como uma administradora do fundo mutualístico, vemos que o que ela faz é

calcular o quanto ela vai ter que pagar, de acordo com o perfil do segurado, então não é propriamente uma alea.

A importância dessa distinção tange a teoria da alteração das circunstâncias. Por muitos anos se defendeu

a tese de que essa teoria não caberia nos contratos aleatórios, pois a alteração das circunstancias estaria nesses

casos englobada pelo risco inerente à alea do contrato. Entende-se hoje que é claro que não se pode considerar

como alteração das circunstâncias uma ocorrência que é inerente ao risco próprio daquele contrato. Todavia,

pode haver um risco que não é próprio ao contrato. Fato é que mesmo a alea se coloca dentro de patamares

normais, razoáveis. Assim, as vezes o evento extraordinário que altera o equilíbrio do contrato não tem nada a

ver com aquele contrato. Deve-se levar em consideração que o contrato já envolve um risco, então a teoria não

se aplica da mesma forma, mas ela ainda é cabível, justamente porque o evento desequilibrador pode não

integrar esse risco.

6. Contrato Instantâneo e de Duração O critério que enseja essa classificaçao relaciona-se ao tempo da produção dos efeitos do contrato.

Nos contratos instantâneos, os efeitos se produzem e exaurem no átimo de instante seguinte à contratação.

É o caso da compra e venda. O contrato de duração como gênero é aquele cujos efeitos se potraem no tempo,

que pode ser maior ou menor, contanto que os efeitos não se exauram no momento exato seguinte ao da

contratação.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Dentro dos contratos de duração, podem ainda ser feitas duas distinções, uma tradicional e outra mais

atual:

A distinção tradicional contrapõe os contratos de execução diferida ou continuada, aos contratos de

trato sucessivo. Há determinados contratos de duração em que o cumprimento se dará ao longo do tempo, mas

é um cumprimento que sempre se reconduz àquele momento inicial do contrato. Por exemplo, se compro

uma TV parcelada em 4 vezes, já pactuo o preço desde o início, e apesar de paga-lo em períodos de tempo, cada

prestação se remete ao contrato inicial de compra e venda. Nos contratos de trato sucessivo, por sua vez, a

prestação se renova periodicamente em virtude da passagem do tempo. É o caso do contrato de locação: a

cada mês vivido no imóvel alugado uma prestação será devida, e ela se renova a medida que os mêses passam.

Assim, é como se cada prestação correspondesse a um pedaço de tempo daquele contrato.

Hoje a doutrina identifica outras formas de contrato de duração, fazendo uma outra distinção: de um lado

os contratos cativos e de longa duração, e de outro, os relacionais.

Ambos são contratos cujos efeitos se potraem necessariamente pelo tempo. A diferença é que nos

relacionais, pela sua complexidade, as partes não conseguem e nem querem exaurir na contratação tudo que

será considerado comportamento devido delas próprias. Assim, a conduta das partes vai se revelando exigível

conforme o tempo passa e as exigências do contrato se revelam. Há então uma incompletude inicial na medida

em que é impossível prever todas as prestações e comportamentos devidos das partes. O contrato poranto vai se

moldando e adaptando no decorrer do tempo, na medida em que as contigências do tempo vão definindo como

as partes devem se comportar.

Dada essa incompletudo inicial, as vezes não é possível um socorro àquela previsão inaugural para

resolver as situações surgidas na prática, pois ela não esgota tudo que vai acontecer no tempo. Por isso, há uma

exigência muito grande da boa fé objetiva nesse tipo de contrato.

CONTRATOS DE DURAÇÃO

Distinção Tradicional

De execução diferida ou continuada

De trato sucessivo

Novas Figuras

Cativos e de longa duração

Relacionais

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Contratos cativos e de longa duração, por sua vez, são caracterizados pela adoção do tempo como causa

fundamental do contrato. Em outras palavras, o próprio tempo integra a causa daquele negócio, e sem a

perspectiva de longa duração portanto o contrato provavelmente não seria firmado. O sujeito, então, contrata

por causa da expectativa de longa duração. Ninguém, por exemplo, assina jornal, tv, etc., por uma semana!

Isso não significa que contratos de duração sejam sempre cativos: estes são alguns contratos em que

particularmente a expectativa, ainda que não se tenha definido, é que ele perdurará por longo tempo. A longa

duração é o atrativo desse contrato, ou seja, o contratante é cativado pela perspectiva de um longo atendimento.

A importância dessa distinção está no tratamento conferido a esses contratos. Na compra e venda de

uma TV pra pagameno em 5 parcelas, por exemplo, se a levo e deixo de pagar uma parcela, o contrato se

resolve: a TV volta ao vendedor e o preço pago volta, com os devidos ajustes indenizatórios. No contrato de

trato sucessivo não! Na locação, por exemplo, isso é impossível, afinal as prestações pagas correspondem a

meses que foram vividos, e não podem ser devolvidos.

7. Contratos Individuais e Coletivos Contratos coletivos são os contratos plurilaterais, isto é, que englobam mais de dois polos de interesse.

8. Contratos Obrigatórios Nos contratos obrigatórios, também chamados cogentes ou coativos, a lei obriga que o sujeito contrate.

Ora, trata-se portanto de uma igura híbrida, uma vez que o contrato é por definição um instrumento de

manifestação de vontade. O contrato cogente é o caso, por exemplo, do seguro habitacional obrigatório: o

mutuário que se submete ao financiamento de um imóvel é legalmente obrigado a contratar o seguro

habitacional. Esse seguro deve ser pago junto às prestações, para que o fundo se mantenha em caso de

vicissitudes.

9. Contratos Empresariais e Existenciais Há contratos empresariais e não empresariais, e dentro dos não empresariais, pode haver existenciais ou

não existenciais. O que a doutrina quer dizer com essa distinção é que contratos existenciais atraem uma maior

interferência protetiva do Estado, na medida em que visam ao acesso a um bem vital, em maior ou menor grau.

Nesse sentido, tanto o contrato de saúde quanto de aquisição da casa própria atraem um regramento que deve

ser adaptado, e por isso há leis especiais que os disciplinam.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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A importância dessa classificação, portanto, reside na questão da interferência do estado na relação

contratual: essa distinção ajuda a modular a incidência dos princípios. Nos contratos empresariais o nível de

interferência do Estado é muito menor.

CONTRATOS DE ADESÃO

Contratos de adesão são aqueles em que as cláusuals gerais são impostas unilateralmente por uma

das partes ao aderente. É o famoso "pega ou larga". Não há, portanto, a possibilidade de prévia discussão,

negociação e alteração pelo aderente dessas cláusulas gerais.

Mas isso não significa que nada se discuta previamente. De fato, discutem-se as cláusulas especiais. O

ponto dos contratos de adesão é que as cláusulas gerais são marcdas por uma imutabilidade apriorística.

Esse fenômeno da standartização dos contratos tem prós e contras. O custo para elaborar cada contrato

individualmente seria enorme dependendo do volume de contratos entabulados diariamenete por uma parte.

Nesse sentido, o uso dos contratos de adesão traz uma otimização de custo, além de uma certa segurança (as

cláusulas podem até ser discutidas de maneira coletiva, pois todos as conhecem). O ruim é que há um intrínseco

desequilíbrio na relação.

O art 54 do CDC traz uma definição do contrato de adesão:

Cabe observar que alguns autores diferenciam os contratos de adesão dos contratos por adesão. Godoy

acha que os efeitos são os mesmos. Mas em todo caso, o que se defende é que nos contratos por adesão há

cláusulas gerais que foram impostas, mas elaboradas para aquele caso concreto. O que importa nessa

distinção é a forma da manifestação de vontade do aderente: foi por mera adesão ou ele teve a possibilidade de

dicutir as cláusulas?

O contrato de adesão, apesar de definido no CDC, é possível também no âmbito das relações paritárias,

não consumeristas. O que importa é que nos contratos de adesão, como há um desequilibrio inerente na forma,

na circunstância da manifestação de vontade, era mesmo de se eperar que a lei previsse mecanismos de

reequilibrio, daquilo que é naturalmente desequilibrado. São leis interventivas e parciais, e existem não só no

direito do consumidor mas também no direito civil.

Art. 54

CDC

Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela

autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de

produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar

substancialmente seu conteúdo.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Nesse sentido, diante da dúvida sobre qual é o exato alcance e significado daquela manifestação de

vontade, deve ser feita a interpretação em prol do aderente. Essa regra está expressa no art. 423 do Código:

Assim, diante de mais de uma alternativa compreensiva no contrato - deve-se adotar a que mais favoreça

o aderente. Por fim, acerca dos contratos de adesão cabe ressaltar a proibição do art. 424, que prevê uma

cláusula abusiva, representativa de um deequilíbrio:

O art. 424 portanto diz que nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia

antecipada do aderente a direito resultante da própria natureza do negócio, isto é, das prerrogativas

decorrentes daquele negócio jurídico. Por exemplo, não posso no contrato de consumo renunciar ao direito de

reclamar de defeitos do produto. Como a vontade do aderente não é externada em termos iguais, entende-se

que ele deve ser protegido dele próprio. Mas a relação no direito civil, ao contrário da consumerista, é paritária.

Por isso, quem aliena por exemplo apesar de a priori responder pelos vicios que a coisa possa apresentar, pode

convencionar com o adquirente que este abra mão do direito de reclamar.

CONTRATOS PRELIMINARES Vimos que o contrato tem um princípio básico que é o da irretratabilidade, e por força dele palavra dada é

palavra que deve ser cumprida, pois o contrato faz lei entre as partes. Se a parte não cumprir por bem, cumprirá

por mal. Como isso se processa nos contratos preliminares?

Art. 423

CDC

Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou

contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao

aderente.

Art. 424

CDC

Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia

antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

Art. 463

CC

Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo

antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento,

qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo,

assinando prazo à outra para que o efetive.

Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro

competente.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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O art. 463 dá a entender que, para que se cumpra o que ele diz, é preciso que ocorra o requisito do caput.

Isso surgiu no compromisso de compra e venda, que é contrato preliminar mais habitual, ma dá problema...

Execução Coativa Para que haja execução coativa, diz a lei que é preciso que o compromisso tenha observado os requisitos

do art. 463. Assim, exceto quanto à forma, o contrato preliminar deve conter tudo aquilo que o contrato

definitivo conterá.

Às vezes, é um contrato preliminar, mas, como as partes não conseguiram chegar a um acordo completo,

elas fazem um contrato preliminar que carece de eficácia plena ou eficácia forte. Ele tem, então, eficácia fraca.

O descumprimento do contrato preliminar nesses casos leva, portanto, a outros resultados.

Para que haja essa execução específica, coativa, é preciso que não haja cláusula de retratabilidade. É

claro que, no silêncio, o contrato preliminar é irretratável, pois a irretratabilidade é decorrência direta de um

princípio. Ademais, cabe observar que no sistema brasileiro há alguns casos em que as partes não podem

PROBLEMA

O promitente vendedor, recebendo o preço do compromisso, não outorgava a escritura definitiva do

compromisso de compra e venda. Aí, desde 1930, previu-se a ação de adjudicação compulsória, execução

coativa de uma obrigação de fazer. A jurisprudência então começou a se perguntar se não seria necessário que

o promissário comprador tivesse levado seu compromisso de compra e venda ao registro. O STJ acabou indo

para esse sentido. No entanto, isso acabou se pacificando, no sentido de o cumprimento da palavra empenhada

já gerar efeitos entre as partes (efeitos interpartes) depende apenas da entabulação; escrituração serveria

pra dar conhecimento o contrato a terceiros, é outra coisa. Para ajuizar a ação de adjudicação compulsória,

portanto, não é preciso que o promissário comprador tenha o título registrado em escritura. Isso acabou

sendo sumulado (súmula 239 do STJ).

Mas aí sobreveio o Código Civil com esse artigo 463, levando alguns autores a suspeitarem que a tese antiga

de que, para que o contrato preliminar assuma sua eficácia fundamental que é a de gerar a execução coativa,

seria necessário que fosse registrado em órgão competente. Para o Godoy, essa tese está equivocada, e ela

também voltou a ficar superada. A interpretação que se tem dado a esse artigo é a seguinte:

• Caput = se o contrato preliminar tiver cumprido todos os seus requisitos, gera execução coativa.

• Para produzir efeitos diante de terceiros, o contrato preliminar deverá ser levado a registro. Uma coisa são

efeitos internos, e outra coisa são efeitos externos.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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estabelecer cláusulas de retratabilidade, como nos compromissos de compra e venda de imóveis loteados

Não adianta ter a cláusula: caberá a execução coativa mesmo assim, pois a norma é cogente.

Procedimento Como se dá a execução coativa do ponto de vista procedimental? Isso está previsto no art. 466-B do CPC.

Primeiro o réu é citado para declarar a vontade a que ele se comprometeu. Quando o juiz dá a sentença,

reconhecendo que o autor tem a razão, a sentença já é substitutiva da declaração de vontade que deveria ter

sido dada pelo réu e não foi. Em outras palavras, a sentença é substitutiva da declaração de vontade

indevidamente recusada.

Estamos falando de contratos preliminares bilaterais, em que as duas partes têm obrigações a cumprir. É

raro, mas é possível também que haja contrato preliminar unilateral.

CIRCULAÇÃO DOS CONTRATOS

Em regra as obrigações, e por conseguinte os contratos, são transmissíveis, pois traduzem uma riqueza.

Todavia, elas são intransmissíveis por natureza quando são infungíveis, personalíssimas. Quando o contrato

traduz uma obrigação personalíssima, portanto, a obrigação não pode circular.

O contrato é um negócio jurídico bilateral, logo quando alguém faz transmitir um contrato transmite um

complexo de obrigações ativas e, eventualmente, também passivas. Quando se fala em transmissão ou

circulação do contrato se fala em cessão do contrato ou cessão da posição contratual.

Cabe observar que, por uma opção do legislador, que se contentou em disciplinar a cessão de crédito e a

assunção de dívida, essa matéria da circulação não está no Código Civil. Para tratar disso, então, aplica-se as

mesmas regras da cessão de crédito e da assunção de dívida.

Só se pode falar em cessão do contrato quando ele vai por completo, implicando portanto a assunção por

completo pelo cessionário das obrigações contratuais do cedente, da sua exata posição contratual, o que traz pra

ele um complexo de obrigações ativas e passivas.

Às vezes, mesmo que se trate de um contrato, pode ser que se trate só de uma cessão de crédito ou só de

uma assunção de dívida, não uma circulação do contrato! Se eu quiser, por exemplo, ceder minha posição

contratual de locatário, o novo locatário assume créditos e débitos. O crédito de usar desembaraçada e

livremente a coisa; o débito de pagar o valor do aluguel. Se se tratar de locação predial, a locação do contrato

depende, é claro, da manifestação de vontade do credor, ou seja, o locador.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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AFETAÇÃO DE TERCEIROS Como vimos, há uma oponibilidade ampliada dos contratos em geral diante de terceiros. Vamos analisar

por hora as figuras clássicas em que há essa oponibilidade.

Estipulação em Favor de Terceiro

A regra do art. 436 trata da efetualidade que há em um terceiro se inserir numa relação contratual ou, de

algum modo, de ser afetado por uma relação contratual que não é sua.

Por exemplo, Caio contrata com o Tício uma estipulação que ele fará em favor de Semprônia. Esta não é

parte nesse contrato! Os contratantes são o Caio e o Tício, estipulante e promitente, mas a contratação que eles

fazem se destina a beneficiar a Semprônia, que é a beneficiária.

No primeiro ano, tratamos da doação com encargo, a chamada doação modal (que nem sempre é a favor

de terceiro, mas normalmente é). É possível que Caio dê um imóvel para Tício com o encargo dele propiciar

com a renda desse imóvel o pagamento dos estudos de Semprônia.

Outro exemplo é o do seguro de vida, que no fundo não passa de uma estipulação em favor de terceiro.

Por exemplo, Caio contrata com a seguradora um valor securitário, para o caso de, em sua morte, esse valor ser

revertido em favor da Semprônia. São muito comuns também os chamados seguros coletivos, que as empresas

fazem em favor de seus funcionários. A empresa, num acerto trabalhista com o sindicato, teria, por exemplo, de

fornecer um seguro a seus funcionários. A empresa estipula com uma outra empresa qualquer algo que, na

verdade, beneficia os funcionários.

Relações entre as Partes A estipulação em favor de terceiros gera relações distintas, já que há três polos de interesse envolvidos

(estipulante, promitente e beneficiário).

Art. 436

CC

O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da

obrigação.

Parágrafo único. Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação,

também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e

normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante não o inovar nos termos

do art. 438.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

42

A prestação do promitente pode ser exigida, em regra, pelo próprio estipulante e, fundamentalmente,

pelo beneficiário. Logo, ambos podem exigir, em regra. Não é impossível, no entanto, que o próprio estipulante

pactue a possibilidade de que apenas o beneficiário exija.

Aqui a redação do Código confunde um pouco. A maior parte da doutrina defende que a estipulação em

favor de terceiro normalmente seja uma liberalidade para um terceiro. Para o ORLANDO GOMES, ela é

necessariamente uma liberalidade. Mas a estipulação em favor de terceiro pode não ser uma liberalidade, pode

ter uma onerosidade ainda que indireta (exemplo dos funcionários duma grande empresa). Isso é importante

distinguir, pois a regra geral é de que o estipulante pode substituir o beneficiário a qualquer tempo (caso do

seguro de vida, por exemplo). Em regra, isso é possível, desde que a estipulação seja verdadeiramente uma

liberalidade. Uma empresa não pode de repente trocar as pessoas beneficiadas pelo seguro de vida que ela

contratou. Sendo uma liberalidade, ninguém é obrigado a aceitar uma liberalidade. No momento, porém, que se

cobra o seguro, esta-se aceitando a liberalidade que foi feita.

Quando o terceiro exige o cumprimento da obrigação junto ao promitente, o beneficiário se torna então

contratante? Qual é a sua posição jurídica? Evidente que, no momento em que o contrato nasce, ele não é

contratante, apenas terceiro, mas e nesse caso? O fato da lei conferir força eficacial a um contrato ou em razão de

um contrato a quem não foi contratante é algo muito interessante do ponto de vida ontológico. Houve muita

discussão e decidiu-se que, no momento em que o terceiro exige, ele acaba por aderir à relação contratual.

Aquela ideia que vimos da distinção entre contrato e relação é útil aqui jsutamente para explicar

situações em que há pessoas que não são contratantes, mas são afetadas por uma relação contratual.

No seguro de vida, se o beneficiário terceiro não quiser o beneficio não é obrigado a receber, e se ele não

o fizer a seguradora paga aos beneficiários do estipulante, não embolsa o valor (art 792).

Promessa de Fato de Terceiro Outra forma que pode haver a afetação de terceiro é pela promessa de fato de terceiro, definida no art.

439:

A promessa de fato de terceiro é uma figura que já estava no código anterior mas num artigo esparso do

direito das obrigações. Agora subiu de vida e tem um capítulo próprio.

Art. 479

CC

Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos,

quando este o não executar.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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O que acontece nessa promessa é que alguém contrata com outra pessoa mas prometo que quem vai

cumprir a prestacao é um terceiro. O cumprimento do contrato por uma das partes na verdade estaraá

representado por uma conduta que não é sua, mas sim de um terceiro já previamente identificado.

Como esse terceiro não é contratante, não está obrigado a essa conduta por força desse contrato. Se o

terceiro ratificar, assume a posição do promitente naquela relação contratual e torna-se contratante. Mas, se

não, o que acontece no momento do cumprimento da prestação?

Ou o terceiro cumpre e o contrato, ou não cumpre. Evidentemente, se ele não cumprir, para ele nada

acontece, por não ser contratante. Não pode ser coativamente exigido poelo cumprimento da obrigação. Se é

assim, uma vez não cumprida a obrigação pelo terceiro, o que sobra é a vinculação originária, que traz para o

promitente consequências indenizatórias. Se o terceiro não cumpriu, é o contratante que responde pela

obrigação diante da outra parte, pois. Se o outro contratante aceitar que o promitente cumpra no lugar, haveria

um tipo de novação específica, mas caso contrário, sobra as perdas e danos.

O Código Civil estabeleceu no paragrafo único do art. 431 que essa responsabiliade por perdas e danos

não existirá se o terceiro for cônjugue do promitente. Ou seja, Semprônia contrata com Caio que Tício vai

cumprir a obrigação, mas Tïcio é seu companheiro. Para proteger Tïcio, o código determina que se o terceiro

não cumprir, o promitente deixa de responder se essa indenização puder de algum modo comprometer o

patrimônio do cônjugue conforme o regime matrimonial de bens. Esse dispositivo foi copiado do código

protugues, mas é meio desnecessário no nosso regime. Isso porque se o conjugue se compromete sozinho o

patrimônio em comum já nao responde. Só responde, de fato, se essa dívida tiver de algum modo beneficiado a

família.

Contrato com Pessoa a Declarar A última figura em que possivelmente há afetação de terceiro é o contrato com pessoa a declarar,

disciplinado a partir do art 467. O que acontece é que Caio contrata com Tício preservando-se o direito de, no

prazo estabelecido, nomear um terceiro que assumirá sua posição naquela relação contratual, com efeito

ex tunc, ou seja, como se desde o começo ele fosse parte. Assim, é como se o indicdo tivesse desde o começo sido

parte, e como se Caio nunca tivesse contratado.

A utilidade dessa figura no nosso sistema é questionável. Mas há exemplos históricos da sua utilidade,

como nas hastas públicas no direito medieval: ao invés de um sujeito de uma determinada casta pessoalmente

arrematar, mandava alguém que contratasse e depois o nomeasse. Outro exemplo é na compra e venda pra

evitar pagamento de taxa senhorial: alguém comprava e se revervava o direito de nomear alguém. Hoje, do

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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ponto de vista tributário, há como se utilizar isso para contornar as taxas na compra e venda ao se revender.

É uma hipótese mas alguns sistemas arranjaram algum jeito de tributar isso.

O prazo é o ajustado pelas partes. Mas o Código estabelece que no silêncio delas, o prazo é de 5 dias.

Ademias, observe-se que é possível que o estipulante faça alguns atos incompatíveis com a assunção da

posição contratual pelo terceiro, de tal modo que estes atos afetem a própria assunção. Por exemplo, o

estipulante revende a coisa para um quarto indivíduo. Esses atos se resolvem a bem da indicação que se fez ao

terceiro, afinal ele vai assumir desde o início com eficácia ex tunc. Mas como o quarto vai saber da condição dessa

vississitude? Essa cláusula tem que ser de alguma maneira oponível ao quarto? Sendo uma compra e venda imobiliária,

deve ter sido levada a registro, caso contrário o quarto estaria de boa-fé. Mas e o bem móvel, que se transmite

pela simples tradição? Nesse caso, a análise é casuística.

Se o estipulante não indicar um terceiro, ou indicar e ele recusar, quem continua vinculado é o

contratante originário.

Se eu e o outro contratante combinamos a estipulação, ele não pode reclamar depois estipulação que eu

fizer, exceto se eu tiver indicado um terceiro incapaz, claro; ou se eu indicar alguém insolvente. Nesse último

caso, a insegurança que ele terá em relação ao cumprimento da obrigação justifica que ele se insurja contra a

estipulação.

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VÍCIOS REDIBITÓRIOS E EVICÇÃO O regime dos vícios redibitórios e da evicção consiste num regime legal de garantia, em favor de quem

adquire alguma coisa a título oneroso: esse adquirente tem uma garantia contra vícios que a coisa possa ter.

Esse é o fundamento de ambos os os dispositivos, isto é, dos vícios redibitórios e de evicção. Cabe observar que

esse regime protetivo incide tanto no Código Civil quanto no Código de Defesa ao Consumidor, apesar de a

operacionalização em cada um atenda a requisitos diferentes.

VÍCIOS REDIBITÓRIOS. Vício redibitório é um defeito intrínseco da coisa adquirida a título oneroso. O que acontece é que

depois da aquisição aparecem vícios, que apesar de desde antes existentes não perceptíveis no momento da

adquisição. Nesse caso, o adquirente conta com um regime de garantia que lhe defere algumas medidas de

reclamo. Vamos analisar então os requisitos que devem estar presentes no caso concreto para que o adquirente

possa reclamar, e as medidas pelas quais ele pode exercer esse direito de reclamo.

Requisitos

Para que possam ensejar reclamação do adquirente, esses vicios têm que atender a alguns requisitos.

1. Vício Oculto Para efeitos de incidência do regime protetivo civil, exige-se que o vício seja redibitório, isto é, oculto.

Isso porque, se o vício era evidente, perceptível, pressupõe-se que o comprador comprou ciente desse vício e

mediante um preço ajustado de forma compatível com a situação da coisa. Em suma, se ele podia ver o vício

pressupõe-se que ele viu, e que pagou um preço que levava esse vício em consideração, e portanto que não foi

prejudicado.

REQUISITOS DOO VÍCIO

Oculto Pré-existente à transmissão

Manifestado após a

transmissão Relevante

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O que dá sustentação a essa pressuposição do legislador é que o vínculo contratual, no Código Civil, é

estabelecido entre partes iguais. No código do consumidor é diferente! O regime protetivo do consumidor, de

fato, assenta-se sobre uma base diferente: na teoria da qualidade. Há, portanto, uma imposição legal de

qualidade do produto ou serviço, que visa a proteger a confiança do consumidor, o qual justificadamente

espera que o produto ou serviço ostente essa qualidade.

Essa qualidade, por suz vez, se revela em dois matizes: na segurança e na adequação. A segurança que

o produto ou serviço deve oferecer é aquela razoavelmente esperada, e se faltando esta sucede o fato do

produto ou do serviço, nos termos do art. 12 do CDC:

A falta de qualidade se revela também do ponto de vista da adequação: se o produto é inadequado ao

fim razoavelmente esperado dele, sucede o vício do produto ou do serviço, de acordo com o art. 18 do referido

diploma legal:

O consumidor, portanto, pode reclamar pouco importando se o defeito era ou não oculto. Em outras

palavras, ao contrário do adquirente civil, o consumidor pode reclamar também do defeito aparente. Isso porque

o CDC trata de relação entre desiguais, e por isso parte da premissa de que o consumidor é vulnerável. Cabe

observar que isso não influencia a prerrogativa de reclamação, só influencia o termo inicial de contagem do

prazo.

Art. 441

CC

A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por

vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada,

ou lhe diminuam o valor.

Art. 12

CDC

§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele

legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias

relevantes, entre as quais (...).

Art. 18

CDC

Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis

respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os

tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou

lhes diminuam o valor (...)

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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2. Pré-existentes e Manifestado depois da Transmissão O vício precisa ser pré-existente, mas se manifestar apenas depois da transmissão. Ora, se o vício se

manifesta antes da transmissão então não é mais oculto, e voltamos então à regra já analisada. Acerca da pré-

existência do vício, observe-se que essa exigência é deriva de uma questão de alocação de riscos. Como veremos

melhor mais adiante, no nosso direito civil vigora a regra do res perit domino, o que significa que é o dono que

arca com os riscos da coisa. Ora, se antes da alienação o dono é o alienante, então é ele que responde pelos

vícios que a coisa continha, isto é, os vícios pré-existentes. Se por outro lado o vício só passou a existir depois

da alienação, é o adquirente que se arca com os prejuízos, afinal ele é o novo dono.

3. Relevante

Por último, para que o vício atraia esse regime legal de proteção, ele deve ser relevante. Devem ser

vícios, portanto, que “tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor”, nos termos do já

citado art. 441.

Fundamento do Regime Protetivo Qual o fundamento desse regime? Alguns sustentam que era é questão de erro, uma vez que a coisa

defeituosa não corresponde à coisa que o adquirente imaginava estar adquirindo. Outros, por outro lado,

defendem que os vícios redibitórios remetem a um problema de adimplemento: quem vende tem a obrigação

não apenas de entregar a coisa mas também de garantir que ela seja boa. Há ainda aqueles que afirmam tratar-

se de uma questão de risco, pois o vício remonta a um momento em que o alienante ainda era titular, e portanto

seria ele o responsável por arcar com isso.

Hoje entende-se que o fundamento desse regime protetivo é o princípio do equilíbrio contratual.

Explica-se: quem dispensa alguma coisa pra adquirir algo estabelece o preço de acordo com a qualidade que

espera que aquela coisa tenha. Se a coisa não corresponde a essa qualidade justificadamente esperada, então há

uma discrepância entre o preço pago e o preço “devido”, o que gera um desequilíbrio no contrato. Esse regime

atua então pra garantir a justa distribuição de ônus e bônus entre os contratantes. Incide também de forma

substancial nessa matéria o prioncipio da boa-fé objetiva, prevalecendo um imperativo de lealdade.

No Código Civil o vicio redibitório é um vício de prestatibilidade. No CDC também, mas nele aborda-se

ainda um outro vício: o de prestação. É um vício de disparidade informativa? O produto não só deve apresentar

a qualidade e adequação de que se espera deles, como também deve ser conforme tudo aquilo que sobre ele se

tiver sido informado. Em outras palavras, precisa ser adequado não só ao uso dele esperado mas também a

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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qualquer informação prestada sobre ele, seja por publicidade, pelo próprio contrato, etc. O fornecedor deve

tanto prestatibilidade quando adstricao à informação.

Essa aquisição a título oneroso geralmente é uma compra e venda... mas não só! Além da compra e venda,

esse regime protetivo incide também numa outra espécie contratual, que por acaso se rege pelas mesmas regras

da comrpa e venda: a permuta. Ademais, o código estabelece que esse regime também se aplica às doações,

desde que onerosas, com encargo.

PROBLEMA

O grande problema é se esse regime também se aplica às aquisições que são onerosas, mas que acontecem em

hasta pública. A dúvida se dá porque essa alienção não é voluntária, é coativa! Por exemplo, Tício arremata o

carro de Públio numa hasta pública. Trata-se de uma venda judicial, uma execução que Públio está sofrendo

por não ter pago uma dívida. Desse modo, o produto da alienação servirá justamente para pagar seu credor

que por ele não foi pago. A pergunta é: se aparecer um vício nesse carro, Tício pode reclamar?

Segundo o código de 1916, vícios redibitórios não podiam ser reclamados, como prescreve o art. 1.106:

Art. 1.106. Se a coisa foi vendida em hasta pública, não cabe a ação redibitoria, nem a de

pedir abatimento no preço.

A justificativa dessa regra é o fato da venda ter sido feita por deliberação e determinação do Estado, e não

voluntariamente pelo anterior titular. Com base nisso, no código anterior, embora o risco fosse preexistente,

o comprador não podia reclamar. Em relação à evicção, porém, o Código anterior não falava nada.

Com o advento do Código de 2002 tudo mudou. Se antes o código não deixava no vicio redibitório e calava

em relação à evicção, depois passou a deixar na evicção e calar no que tange aos vícios redibitórios. Assim, de

acordo com a redação expressa do art. 447, em se tratando de evicção o adquirente pode reclamar mesmo que

tendo adquirido a coisa em hasta pública:

Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia

ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública.

Em relação aos vícios redibitórios, porém, o código atual não fala nada, então resta a pergunta: ok, antes

podia, mas e agora, pode ou não pode reclamar? Pode-se usar o argumento do código anterior, de que a

alienação é coativa, então não caberia a incidência dessa proteção legal. Mas faz-se mister também manter

uma coerência do sistema: proibir o reclamo no caso dos vícios redibitórios seria hoje contraditório frente à

permissão em relação à evicção!

O cerne da questão é determinar contra quem se reclamaria... Se Tício arremata por 6 mil reais um carro

numa execução de 10 mil que Semprônia movia contra Caio, e descobre depois que o carro não anda, de quem

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Medidas de Reclamo

Os artigos 441 e 442 trazem as medidas de reclamo do adquirente, uma vez aparecido o vício. São

medidas alternativas, e a escolha entre elas é discricionária, potestativa do adquirente.

Ação Redibitória A primeira medida pela qual pode optar o adquirente é enjeitar a coisa, pedindo de volta o que pagou

por ela. Ou seja, ele pode pedir a resolução do contrato, que implica a reposição das partes no estado em que

antes se encontravam: devolve-se a coisa de e recebe-se de volta o preço, corrigido. Essa alternativa está

expressa no art. 441, que diz que “a coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por

vícios ou defeitos ocultos...”.

Além da devolução do preço, é também eventualmente possível que o adquirente peça perdas e danos,

mas para isso é preciso que ele prove a má-fé do alienante, ou seja, que ele sabia da existência do vício. É outra

diferença do regime civil em relação ao CDC: neste, pra exigir perdas e danos não é preciso que o consumidor

comprove a ciência do fornecedor, afinal esse último é um profissional, e por conseguinte tem o risco

agravado: faz parte do risco normal de sua atividade a existência de defeitos.

ele pediria o dinheiro de volta? Há alguns autores que sustentam que ele continua tendo que exigir do Caio.

Mas ele perdeu o carro pra pagar Semprônia, e além de ter perdido o carro vai ter que pagar de volta mais 6

mil pra Tício, quando na verdade os 6 mil que o último deposito não foram pra ele, mas pra Semprônia? Por

isso, alguns autores, como o Pontes, sustentam que quem arrematou tem que reclamar com quem levou a

vantagem pelo valor pago na hasta: Tício então teoricamente deve exigir de Semprônia. Mas sí ela volta a ser

credora dos mesmos 6 mil que Caio deveria ter pago a ela inicialmente? Quando o valor da coisa é maior que

o da dívida, a sobra vai para dono. Então Tício teria que exigir o resto de Caio.

MEDIDAS DE RECLAMO

Ação Redibitória

Ação Estimatória Substituição

Escolha Potestativa

Só no CDC!

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Ação Estimatória

A segunda alternativa que tem o adquirente é, em vez de rejeitar a coisa, ficar com ela. Nesse caso, a ele é

facultado exigir o abatimento do preço, através da ação "quanti mitoria". O preco então será determinado de

acordo com o tamanho do abatimento no valor que o vício causa.

Substituição No art. 18 do CDC figura, alem dessas duas mesmas medidas que o Código Civil disponibiliza ao

adquirente, uma terceira: diante do vício de qualidade, de adequação ou informação, o consumidor também pode

pedir a substituição do produto defeituoso por outro equivalente. Presume-se, nas relações consumeristas,

que o alientante tem outras unidades no estoque.

Ora, uma vez que no código civil a relação regulada não envolve profissionais, a pressuposição é inversa,

ou seja, de que o alienante não tem outras unidades. Mas e se ele tiver? Bom, com base na ideia de preservação da

boa-fé, de dar a cada um o que tem direito, etc., talvez possa-se admitir. Mas é uma questão em aberto.

Para que o consumidor tome qualqeur dessas 3 medidas, a lei define um prazo de 30 dias havida a

reclamação pra que o vendedor repare.

Prazos O código estabeleceu, a bem da seguranca juridica, prazos para o aparecimento do vício. Por exemplo,

tenho um ano pra reclamar contando do aparecimento do vicio. Mas, só se o vicio apareceu em até um ano

depois da tradição. O código tambem estabelece uma outra regra no art. 445 que diz respeito apenas à aquisição

Art. 18

CDC

Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis

respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade (…)

§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o

consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas

condições de uso;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem

prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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de animais. O prazo para reclamação nesses casos remete aos usos e costumes locais. Se não houver usos e

costumes nem lei especial, utiliza-se a regra anterior.

O CDC também estabelece prazos decadenciais. O vício nesse caso é de prestatilibidade. O art 46. do

CDC, cabe observer, diferencia produto durável de não durável. Há, de fato, determinados produtos que por

sua natureza se destinam a um uso prolongado, e outros que tendem a um uso mais rápido e a um exaurimento.

Segundo o CDC, o prazo pra reclamar as medidas que vimos em produto durável é de 90 dias e não durável, 30

dias.

Mas a partir de quando esses prazos são contados? O CDC faz uma diferenciação entre vício aparente e oculto

(ambos são reclamáveis nas relações consumeristas), e a difença está no termo inicial da contagem de prazo

para a reclamação. Se o vício é aparente, o prazo deve ser contado a partir da tradição. Se o vicio é oculto,

voltamos à situacao na qual conta-se o prazo para reclamação a partir do momento em que o vício aparece.

O CDC, não estabeleceu a mesma tarifação do direito civil. Nele, com efeito, a solução é tópica: como não

há uma tarifação apriorística, trabalha-se com a ideia de expectativa de vida útil do produto ou serviço.

Trabalha-se portanto com essa aferição, ainda que precise ser verificada com prova técnica. Se o vício apareceu

depois do tempo de expectativa de vida útil do produto, era esperável então e o consumidor consequentemente

não tinha mais uma justa expectativa.

Garantia Convencioanal Admite-se o estabelecimento de uma cláusula de garantia, além do regime de garantia legal. Trata-se

portanto de uma garantia convencional. Isso pode acontecer também nas relações civis, mas é mais raro nas

relações paritárias cotidianas que nas relações consumeristas.

O problema que aparece diz respeito à contagem desses prazos, quando coexistem num mesmo contrato.

Havendo duas garantias, uma legal e uma convencional com prazos próprios e diferentes, como se contam esses

prazos? Por exemplo, se eu compro um carro, tenho uma garantia legal pelo Código Civil de 30 dias, e no

Código do Consumidor de 90. Mas o alienante me deu também uma garantia convencional de 5 anos. Esses

prazos correm simultaneamente ou sucessivamente? É uma questao de interpretação.

Art. 445

CC

O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço

no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel,

contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da

alienação, reduzido à metade.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Isenção de Responsabilidade O regime dos vícios redibitórios do Código Civil é disponível para as partes. Por conseguinte, é possével

que elas pactuem a isenção de responsabiliade do alienante. No CDC não, nele o regime protetivo no caso de

vícios é cogente. Mas mesmo em relações paritárias, se se tratar de contrato de adesão, lembrando que é nula

toda cláusula de renúncia antecipada de direito decorrente do tipo de contrato - e os riscos da coisa são

inerentes à alienação.

PROBLEMA

A doutrina consumerista identificava de maneira majoritaria uma simultaneidade. Mas, se a garantia legal

for melhor, fica-se com ela. No Código civil, porém, há o art. 446, que diz que os prazos da garantia legal não

correrão enquanto vigir cláusula de garantia convencional. Havendo cláusula do tipo, portanto, os prazos

de garantia legal são contados a partir de seu término, ou seja, de forma sucessiva. O requsito, porém, é que

uma vez aparecido o defeito, o adquirente tem que avisar o alienante em 30 dias, sob pena de não poder

mais usar o prazo legal depois do prazo da garantia convencional.

Por exemplo, o defeito aparece depois de 4 anos, e a garantia convencional era de 5. Então o comprador tem

mais um ano de garantia convencional, e depois tem ainda 30 dias de garantia legal. Pra ele poder ainda

contar com esse prazo de 30 dias, ele tem que ter avisado o alienante até 30 dias depois do aparecimento do

vício. Trata-se de um imperativo de boa-fé: o alienante assim sabe que tem que ficar preparado pra o prazo de

garantia legal.

O Código Civil, que é uma lei para iguais, estabeleceu uma regra de sucessitividade, que é melhor para o

adquirente. Ora, se protege-se mais o adquirente por essa regra, ela não deveria também se aplicar ao CDC,

que tem justamente esse fundamento protetivo por excelência? É um tipico caso de interpretação sistemática,

que revela a múltiplicidade de fontes normativas a incidir sobre uma determinada situação da vida. Toda

interpretação deve levar a um resultado que seja coerente com o sistema. Diante desse imperativo de

coerência sistemárica, não teria sentido essa regra se aplicar a quem não precisa ser protegido e não a quem

precisa.

Assim, e também pela cláusula de abertura do art. 7o do CDC, que admite a incidencia a outros regimes

quando favoráveis ao consumidor, faz sentido que aplique-se a sucessividade sempre, seja civil seja

consumerista a relação.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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EVICÇÃO

Evicção consiste na perda de uma coisa adquirida a título oneroso para um terceiro a quem sentença

reconhece melhor e anterior direito. É, assim como o regime dos vícios redibitórios, um regime legal de

garantia estabelecido em favor de alguém que adquiriu algo a título oneroso, e deparou-se com um vício nessa

coisa. A diferença é que no vício redibitório o vício está in re ipsa, e aqui o problema reside num direito sobre a

coisa.

Requisitos

Para que haja evicção é preciso que o adquirente perca a coisa. A perda da coisa é a perda da sua

titularidade sobre a coisa, e o mais comum é que envolva um direito de propriedade. Mas não é a única

hipótese: o evicto pode perder também o direito ao uso da coisa, perde o direito de usufruir dela.

Ademais, a evicção se dá por sentença. O que acontece é, por exemplo: Tício compra de Públio um

apartamento. Num lindo dia Tício é citado pra se defender em uma ação reivindicatória, que é um dos direitos

básicos do proprietário. Ele se defende, e claro que se ganhar não há evicção. Contudo, se ele perder, o que terá

dito o juiz é que o apartamento que comprou não era dele, e nem era de Tício, era na verdade do terceiro que

móvel a ação, e pra ele deve ser entregue. Nese exato instante a coisa se envenceu, e Públio se tornou eviccto.

Foi a sentença que determinou a perda da coisa, a evicção.

Por uma interpretação extensiva, entende-se que alguns atos são equiparáveis à sentença a título de

evicção. Por exemplo, o ato de apreensão e depósito do carro que o evicto comprou, por uma autoridade policial.

Ele perde então o carro que adquiriu por um ato que deve-se equiparar a sentença a fim de evicção. Em suma,

Art. 447

CC

Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta

garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública.

Perda da Coisa Sentença

Melhor e anterior direito

(3o)

EVICÇÃO

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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há atos administrativos que apesar de não serem sentenças geram a evicção do mesmo modo, por força de uma

interpretação extensiva.

O terceiro requisito da evicção é o reconhecimento de um melhor e anterior direito de um terceiro. É o

defeito que macula o direito sobre a coisa tem que ser precedente à aquisição. Isso remete à questão da

distribuição do risco: até a alienação é o vendedor que responde pelos riscos. Se a causa remonta a um tempo

anterior à aquisição, portanto, então é responsabilidade do alieante.

O regime da evicção se aplica nas alienações onerosas, mema coisa dos vícios redibitórios. Aqui nem se

discute o fato de que também nas hastas publicas há garantia, já que o art. 447 diz isso explicitamente.

Efeitos

1. Preço O que é básico é o direito que tem o evicto de reaver o que pagou pela coisa que perdeu. Esse preço

tem que estar corrigido, porque se não não é o mesmo preço! O problema é que desde a aquisição até a evicção

a coisa pode ter se valorizado ou desvalorizado. No tempo da evicção, por exemplo, os 100 mil reais que paguei

correspondiam a 20 mil, mas no tempo da alienação a coisa valia 80 mil. No parágrafo único do art. 450 parte

desse problema foi resolvido:

PROBLEMA

A questão dos efeitos da evicção é um problema. Reclama-se do que, contra quem? Bom, contra quem

naturalmente é contra o alienante. O único problema remete ao caso da hasta pública, que como vimos não

tem bem uma resposta certo.

Sobre a primeira questão, isto é, o que o evicto reclama, a resposta está fundamentalmente no art. 450, mas se

complementa pelos arts 453 e 454. O evicto tem o direito de reclamar basicamente um ressarcimento. A

coisa já era, pelo menos se a eviccão for total, então não se há se cogitar mais a coisa em si. Dessa forma, o que

ele tem o direito de reclamar é um ressarcimento. Esse ressarcimento abrange não apenas o preço pago pela

coisa, mas também os eventuais frutos que a coisa tenha gerado e que o evicto tenha sido obrigado a

entregar ao terceiro. Soma-se a esses dois elementos também as despesas do contrato de aquisição, que

acabou frustrado pela evicção; os ônus da sucumbência do evicto na ação de evicção; eventualmente, as

benfeitorias que o evicto tenha feito na coisa e que acabaram indo ao terceiro; e por sexto e último lugar,

qaulquer outro prejuízo que a evicção tenha causado ao eviccto, ou seja, indenizações em geral.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Embora o Código velho fosse silente a esse respeito, havia o entendimento de que caso a coisa tivesse se

valorizado, o adquirente teria o direito de cobrar o valor do preço corrigido mais a valorização (ou seja, cobrar

a título ressarcitório o valor atual da coisa) como um plus. O que o parágrafo não diz é sobre se houve

desvalorização. Por exemplo, paguei 100, que viram 120, mas o imóvel desvalorizou pra 80. O Código não

resolveu de maneira explícita, mas há um certo consenso em relação a isso: cobra-se os 120, pois no fundo é

uma escolha do legislador sobre quem vai experimentar o prejuízo relativo a desvalorização, e a escolha deve

ser sobre o alienante, afinal toda essa discussão remonta ao momento em que ele era responsável pelos riscos. O

evicto não é então compelido a exigir menos.

Mas se a desvalorização se atribuiu a uma conduta do próprio adquirente? Segundo o art. 451, se o adquirente

deliberadamente tiver deteriorado a coisa, só pode exigir o valor atual, pois a desvalorização é a ele atribuível

por dolo, entao é ele que arca com o prejuízo:

2. Frutos Acerca dos frutos, o Código diz que se o evicto, ao entregar a coisa entrega junto frutos para os quais ele

havia investido, tem o direito se se ressarcir junto ao alienante, desde que já nao tenha sido ressarcido pelo

próprio terceiro. Mas isso depende do estado dos frutos e da boa-fé.

3. Despesas do Contrato As despesas do contrato a que faz referencia o artigo englobam quaisquer despesas relativa à contratação

que está sendo frustrada. Por exemplo, as despesas para registrar a escritura pública.

Art. 450

CC

Salvo estipulação em contrário, tem direito o evicto, além da restituição

integral do preço ou das quantias que pagou:

I - à indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir;

II - à indenização pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos que

diretamente resultarem da evicção;

III - às custas judiciais e aos honorários do advogado por ele constituído.

Parágrafo único. O preço, seja a evicção total ou parcial, será o do valor

da coisa, na época em que se evenceu, e proporcional ao desfalque sofrido,

no caso de evicção parcial.

Art. 451

CC

Subsiste para o alienante esta obrigação, ainda que a coisa alienada esteja

deteriorada, exceto havendo dolo do adquirente.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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4. Ônus da Sucumbência

Os ônus da sucumbência abarcam as despesas do processo, como os honorários advocaticios do advogado

que atuou na demanda. Afinal, pra acontecer a evicção o adquirente teve que perder uma ação. Se perdeu, vai ter

que pagar as despesas do processo suportadas pelo autor (legítimo dono da coisa) e mais os honorários do seu

advogado. As despesas do advogado que o evicto teve que contratar pra se defender também entram nas

indenizações, portanto.

5. Benfeitorias As benfeitoria também devem ser "abonadas". Se o evicto tiver introduzido benfeitorias necessárias ou

úteis na coisa, terá o direito de ser ressarcido. Isso, evidentemente, se as benfeitorias não já tiverem sido

ressarcidas, como parte do ressarcimento a que lhe faz jus. Entra aí o regime geral das benfeitorias.

Mas é ainda possível que elas tenham sido introduzidas não pelo adquirente, mas sim pelo alienante. O

adquirente não tem o direito de exigir nada do alienante, e se elas tiverem sido ressarcidas pelo terceiro, esse

valor ressarcido deve ser repassado ao alienante. Isso se dá em geral por compensação, ou seja, é abatido do

valor da coisa. Se ela já está computada no cálculo da valorização da coisa, já esta abonada.

O problema do código é que ele padece de uma omissão acerca das benfeitorias voluptuarias

introduzidas pelo evicto. Este tem, no que tane a essas benfeitorias, alguma exigência contra o alienante? O

legislador considerou que conforme o caso concreto, as benfeitorias podem ser separadas da coisa principal. Se

as benfeitorias eram separáveis, não tem o que se discutir. Mas e se não eram? Aqui há um certo descompasso

entre doutrina e jurisprudência. Segundo SERPA LOPES, é só seguir a regra geral das benfeitorias voluptuárias.

Mesmo o benfeitor de boa-fe, se elas não forem levantáveis, tem que engolir a perda. É a opinião da doutrina

majoritária.

O problema remonta à regra da especialidade: quando a questão do benefício ou não se referee a

benfeitoria, tem regra expressa, e não dá pra ignorar isso.

Denunciação da Lide

Art. 456

CC

Para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente

notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores,

quando e como lhe determinarem as leis do processo.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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O problema está no art. 456 do CC. O código, nesse artigo, parece estabelecer um requisito para que o

evicto possa pleitear diante do alienante uma indenização que lhe possa fazer jus. É um requisito aparentemente

processual: a denunciação da lide. Uma vez demandado na ação de evicção, ele tem que notificar, dar aviso da

existência da ação de evicção ao alienante, aparentemente sob pena de perder o direito à de cobrar o alienante a

indenização devida em virtude da evicção.

Esse aviso, essa notificação, segundo o código deve ser feito nos termos da lei processual. Isso está no art.

70 do CPC. Esse artigo consagra a figura da chamada denunciação da lide, que é uma das formas de intervenção

de terceiros no processo.

Essa forma, de intervenção, a denunciação da lide, acontece em situações de direito de regresso. Quando

alguém, em virtude de um processo, tem o risco de sofrer uma condenação qualquer mas com direito regressivo

diante de terceiro, pode denunciar essa lide a um terceiro.

Por exemplo, quando alguém é demandado e tem seguro a cobrir aquela indenização que eventualmente

tenha que pagar. Se o réu vier a ser condenado é o seguro que fará o regresso. O segurado é demandado, e deve

então pedir ao juiz para trazer a seguradora ao processo, pois é ela ressarcirá o réu em caso de condenação.

Então, uma vez realizada a denunciação da lide, se instaura num mesmo processo, por medida de economia

processual, uma chamada lide secundária: entre o denunciante e o denunciado. No mesmo processo portanto

estabelecem-se duas relações processuais: entre o autor e o réu e entre o denunciante e o denunciado. Essa

segunda é uma ação subordinada e consequente à ação principal. Isso significa que se o réu for condenado a

pagar a indenização, o juiz então julga a lide secundária para eventualmente condenar a seguradora a ressarcir a

ele o que terá que pagar.

Por exemplo, Caio sofre uma ação reivindicatória de Tício, pleiteando o imóvel que Caio comprou de

Mévio. Se Caio perder o imóvel, terá direito de regresso contra Mévio. Faz então, no processo, uma

denunciação da lide diante do Mévio, o que no fundo significa propor, no mesmo processo, uma ação contra ele.

Se Caio perder a ação principal, o juiz passa ao julgamento da ação secundária, ou seja, a ação que questionará

se Caio tem direito de regresso contra Mévio.

Num aposto do art. 456 o Código traz uma novidade importantíssima com reflexos no direito civil e

processual. O código autoriza que o adquirente notifique o litígio, ou seja, denuncie a lide, não só a quem

alienou a ele – como entendido historicamente – como também a qualquer antecedente nessa cadeia de

Art. 70

CPC

A denunciação da lide é obrigatória:

III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em

ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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transmissão. A denunciação da lide pode então ser efetuada ao alienante, mas também a quem vendeu a ele, ou

a quem vendeu a quem vendeu para o alienante, etc. É uma opção legislativa. Pode-se eventualmente fazer isso

por supor-se que o defeito na coisa foi provocado pelo antecessor, e não pelo alienante. É uma indenização per

salto.

Isso é tranquilo no direito civil, mas alguns processualistas afirmam que o que o código civil autorizou

não foi a indenização per salto, mas a indenização sucessiva. Isto é, o adquirente faz a denunciação da lide ao

alienante, esse faz a quem lhe vendeu, e assim sucessivamente. Godoy discorda dessa interpretação.

PROBLEMA

O problema é que é possível que o alienante tenha comprado a coisa por um preço menor do que o pelo qual

vendeu. Por exemplo, Caio vende a coisa a Tício por 80 reais, e esse vende a Públio por 100. Mas a coisa

torna-se evicta e Públio então exercita o direito de regresso contra Caio. Ora, se Caio só recebeu 80 reais pela

coisa, e Públio pagou 100, o quanto esse pode cobrar de Caio? Alguns sustentam que Públio pode cobrar os

100, e os 20 de diferença seriam objeto de direito de regresso de Caio contra Tício. Godoy, por outro lado,

sustenta que ao adquirente é facultado exercitar o direito indenizatório per salto, mas ele deve saber que a

restituição nesse caso ficará limitada a o preço recebido pelo antecessor, e dele não pode exigir mais.

PROBLEMA

A denunciação da lide, no próprio Código de Processo Civil, parece ter sido posta como obrigatória nesse

caso particular de evicção. Isso implicaria que, se não realizada, o direito de indenização não poderia mais ser

pleiteado pelo evicto. Todavia, muito discutiu-se acerca dessa obrigatoriedade, desde antes da vigência do

atual código civil. A jurisprudência, até 2002, havia evoluído pacificamente para a seguinte consideração: se o

evicto não tiver feito a denunciação da lide, perde o direito de obter uma indenização naquele mesmo

processo, isto é, em processos simultâneos – mas isso não o impediria de propor depois um processo

autônomo de natureza indenizatória. Não ocorreria então a perda do direito indenizatório em virtude da

omissão do adquirente em denunciar a lide ao alienante.

Com o Código de 2002, todavia, com a reafirmação legislativa da obrigatoriedade da denunciação da lide, no

art. 456, retomou-se a questão. Essa questão, porém, continua pacífica e solucionada na jurisprudência, tanto

que há atualmente um projeto de alteração do código civil para mudar a redação do art. 456. A denunciação

da lide seria um instrumento de economia colocado à disposição daquele que possui um direito de regresso, e

não uma medida obrigatória.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Evicção Parcial

A evicção parcial é muito comum nos imóveis rurais, as vezes pela dificuldade de determinação de sua

exata configuração geodésica.

O código faz aqui uma distinção, por força de um conceito indeterminado: a evicção parcial suscita

efeitos diversos conforme seja considerável ou não. Isso depende da coisa e do tamanho do comprometimento

da perda do adquirente. Conforme essa avaliação (do que é considerável), o que se dá em função do caso

concreto, há efeitos diversos, porque se a evicção for relevante, o adquirente no fundo passa a ter uma

alternativa que não existe, obviamente, quando a evicção é total. Isso porque se a evicção é parcial, ainda resta

uma parte da coisa em poder do adquirente. Logo, sendo a evicção considerável, o adquirente tem a opção entre

pleitear a indenização ou resolver o contrato.

Se, todavia, a perda não for considerável – e isso demonstra uma preocupação com a preservação do

negócio jurídico e sua função social – não há opção! O legislador impõe a persistência do negócio e o

adquirente tem apenas direito de pedir uma indenização. Se o caso é de indenização, ademais, não dá para

pensar em restituição do preço pago, pois o negócio, como um todo, mantém-se. Na evicção parcial, portanto, se

o caso é de indenização, necessariamente trata-se de um abatimento. Este, diferentemente da evicção total, e

por tratar-se de um abatimento, levará em consideração a valorização e desvalorização da coisa.

PROBLEMA

EVICÇÃO PARCIAL

Relevante

Resolver o Contrato

Pleitear Abatimento

Irrelevante Pleitear Abatimento

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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EXTINÇÃO DOS CONTRATOS

Tanto como o regime dos vícios redibitórios, o regime da evicção no código civil é disponível para as partes, o

que não acontece no CDC e nos contratos de adesão ainda que paritários. Assim, nos contratos paritários, que

não sejam de adesão, é possível as partes ajustarem a isenção da responsabilidade por evicção. Aqui, o

problema, é que há dois dispositivos do Código que aparentemente conflitam: do art. 449 e 457:

Art. 449. Não obstante a cláusula que exclui a garantia contra a evicção, se esta se der, tem direito

o evicto a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da evicção, ou, dele

informado, não o assumiu.

Art. 457. Não pode o adquirente demandar pela evicção, se sabia que a coisa era alheia ou litigiosa.

O código estabelece que mesmo no caso de haver tal cláusula, a evicção acontecer, pelo menos a restituição do

preço o evicto tem o direito de pedir, apesar da exclusão da responsabilidade. É como se dissesse que o que

exclui-se é a possibilidade de indenização, e não de restituição do preço.

Diferentemente do vicio redibitório, aqui o legislador partiu do pressuposto de que, na regra geral, a evicção

normalmente é total, a coisa “foi embora” – não é como nos vicio redibitórios em que o adquirente pode optar

por ficar com a coisa defeituosa. A pressuposição é de que o alienante recebeu um preço e o adquirente perdeu

a coisa. Então, se autorizar-se, mesmo diante de uma clausula de exclusão genérica, que o adquirente não

possa pedir nem o preço, haveria uma causa de enriquecimento indevido em favor do alienante.

Mas o que as partes tem que fazer para excluir até mesmo o direito de pleitear a restituição? Tem que não só

estabelecer uma clausula genérica de exclusão, mas de assunção, pelo adquirente, do risco de uma evicção que

lhe seja comunicada. É como se ele dissesse, nesse caso, que sabendo da potencialidade de evicção assume o

risco de perder até mesmo o preço pago – é como no fundo se fosse um contrato aleatório.

Ainda é possível ao alienante provar que o adquirente sabia que a coisa era alheia ou litigiosa. E mesmo que

não houvesse a cláusula expressa, o adquirente perde o direito de pedir a restituição.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Extinção é um gênero. Dentro dele, há três espécies de extinção: o adimplemento, a invalidade e a

dissolução. Enquanto o adimplemento é a “morte natural” do contrato, na invalidade o contrato já “nasce

morto”. O terceira hipótese, que analisaremos agora, é como que um meio termo: é uma forma anômala de

extinção, na qual o contrato nasce válido, prodizindo efeitos normalmente, mas não chega a seu término

natural, isto é, ao adimplemento.

As causas que podem levar a essa morte súbita do contrato, à sua dissolução, são três: a resilição, a

resolução e rescisão8.

RESILIÇÃO A resilição é a dissolução do contrato por manifestação de vontade9. Bom, se no capítulo dos contratos

vigora o princípio da irretratabilidade do contrato, então a resilição via de regra deve ser bilateral, pois ela

no fundo implica uma retratação, que exige portanto um consenso. A essa resilição bilateral se dá o nome de

distrato10. Essa é a regra, de fato, mas excepcionalmente a resilição também pode ser unilateral.

8 O termo rescisão é utilizado como sinônimo de resolução do ponto de vista técnico. No direito italiano, de onde importamos o termo, é a consequência da lesão. O problema é que aqui a lesão leva à invalidação dos contratos paritários e revisão dos consumeristas, e não à rescisão. O significado que atribuímos à rescisão, então, foi o de resolução. 9 A diferença entre resilição e resolução é que a primeira geralmente acontece por manifestação de vontade, e a última geralmente por descumprimento. 10 O Código coloca o distrato como título da seção referente à resilição, dentro da parte de Extinção dos Contratos. Isso, porem, é inadequado, pois o distrato é um tipo de resilição – a bilateral – mas existe também, mesmo que só excepcionalmente, a resilição unilateral, donde o nome da seção deveria ser “resilição”.

EXTINÇÃO DOS CONTRATOS

Adimplemento

Invalidade

Dissolução

Resilição

Bilateral (Distrato)

Unilateral

Rescisão

Resolução

Inadimplemento culposo

Inadimplemento não culposo

Onerosidade excessiva

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Distrato

No que concerne ao distrato não há grandes problemas. O único ponto que devemos analisar é uma

mudança trazida pelo código de 2002. Este, no art. 472 estabeleceu uma regra que representou uma alteração

fundamental em relação ao código antigo, façamos uma leitura comparativa:

No código velho havia, como podemos ver no art. 1.095, uma exigência de paralelismo de forma entre o

contrato e o distrato. Isso levava à conclusão de que, qualquer que fosse a forma utilizada no do contrato,

formal ou informal, o distrato deveria obedecer a essa mesma forma.

Por exemplo, um contrato de compra e venda de um óculos é informal. Se, todavia, as partes resolveram

fazer por escritura pública, pelo código velho, o distrato só poderia ser feito também por escritura pública. Com

o código novo, porém, rompe-se essa regra de simetria, estabelecendo-se que a forma que deve ser observada

pelo distrato é a exigida pela lei para o contrato correspondente. No exemplo, por ser um contrato informal,

pode ser distratado de qualquer forma.

Resilição Unilateral

A resilição unilateral é uma hipótese excepcional de resilição realizada por manifestação de vontade de

uma das partes. Se é excepcional, é preciso estabelecer em quais casos pode acontecer.

Hipóteses de Resilição Unilateral

O primeiro caso em que se admite a resilição unilateral é o em que ela é prevista bilateralmente. Em

outras palavras, as próprias partes no contrato dispõe sobre a possibilidade de uma resilição unilateral.

Art. 472

CC/2002

O distrato faz-se pela mesma forma

exigida para o contrato.

Art. 1.093

CC/1916

O distrato faz-se pela mesma forma que

o contrato. Mas a quitação vale,

qualquer que seja a sua forma.

HIPÓTESES DE RESILIÇÃO

UNILATERAL

Previsão Convencioanl Previsão Legal Contratos sem

prazo determinado Contratos Fiduciários

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As vezes, porém, a lei não permite cláusulas dessa espécie. Um exemplo é o do compromisso de compra e

venda de imóveis loteados, que são irretratáveis, por um imperativo de proteção a um tipo contratual que, por

ter como escopo o acesso à moradia, atrai uma interferência protetiva maior do Estado. Outro exemplo é dos

contratos de adesão: não é possível impôr à parte fraca uma possibilidade de resilição – isso configuraria um

abuso de direito.

As partes, ao estabelecerem a possibilidade de uma resilição unilateral, podem prever também uma multa

penitencial. Esta, no fundo, é como uma cláusula de desestímulo a uma retratação, que porém é possível. É

uma contrapartida.

A resilição pode excepcionalmente ser estabelecida na própria lei. É o exemplo do art. 49 do CDC. Cabe

observar que, via de regra, mesmo nos contratos de consumo não há possibilidade de resilição unilateral.

O consumidor, por força desse artigo, tem até 7 dias para se arrepender daqueles contratos de consumo

efetuados à distância, pois entende-se que pode ter sido uma “venda emocional”. A ideia do legislador foi

proteger o consumidor que contrata fora do estabelecimento do consumidor. Isso não se aplica às compras

virtuais, se o próprio estabelecimento for virtual, pois tecnicamente então não seria “fora” do estabelecimento.

A terceira hipótese em que se admite a resilição unilateral é a dos contratos sem prazo determinado. O

termo técnico aqui é “denúncia”. O fato é que ninguém é obrigado a permanecer obrigado por tempo

indeterminado, e portanto se o contrato não tiver prazo cabe a resilição unilateral.

A última hipótese é a dos contratos fiduciários, nos quais a confiança é um elemento fundamental. O

termo técnico aqui é “revogação”.

Limites à Resilição Unilateral O caput do art 473 estabelece que, para aqueles casos em que for possível resimir unilateralmente, a

resilição será exercitada mediante necessária comunicação a outra parte. Ou seja, seja qual for o tipo do

contrato, para que seja exercitável essa prerrogativa potestativa, é necessário comunicar a outra parte. Essa

Art. 49

CDC

O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua

assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a

contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do

estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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comunicação é informal – não há uma exigência de formalidade portanto. Mas, evidentemente, para fins

probatórios, há uma conveniência de formalidade. Por isso, normalmente são comunicadas por meio das

cientificações.

A novidade do dispositivo está no parágrafo. Trata-se de um exemplo claro da boa-fé objetiva em sua

função limitadora do exercício de direitos, até mesmo daqueles potestativos. De fato, nas hipóteses em que é

possível resimir de maneira unilateral, o exercício desse direito é tipicamente um direito potestativo, poque

discricionário, e porque não há nada que a outra parte possa fazer para paralisar seu exercício. Ora, ao contrário

do que alguns sustentam, mesmo os direitos potestativos podem ser passíveis de abuso, então a potestatividade

do direito não afasta a incidência do princípio da boa-fé!

O titular tem o direito potestativo de resimir, e pode fazê-lo a qualquer momento... mas há uma ressalva,

imposta no parágrafo único: se diante das características do caso concreto, a conduta da parte que quer resimir

tiver criado na outra parte uma justa expectativa de que, embora possível, a resilição não se exercitaria

naquele momento, e assim levando essa parte a fazer investimentos de vulto naquele contrato; então, nesse

caso, por imperativo de boa-fé, a resilição poderá ser feita, mas só produzirá efeitos dissolutórios depois de um

certo tempo, estabelecido de acordo com a natureza e vulto dos investimentos. É um prazo moral, razoável,

compatível para preservar em alguma medida as expectativas daquela parte que sofrerá os efeitos da resilição

unilateral.

O que se pretende é garantir um certo equilíbrio naquela contratação, evitando-se que uma resilição

unilateral frustre a expectativa de uma das partes que, por conta da confiança despertada, investiu.

Por exemplo, duas empresas ajustam uma parceiria para um grande empreendimento, um shopping. Os

investimentos seriam, naturalmente, imensos. Mas imaginemos que elas estipulam uma cláusula de

indeterminação do prazo. As partes ficam negociando por anos o contrato antes de entabular, fazem

investimentos enormes e tudo. Eis que 5 dias depois da entabulação do contrato uma parte resile. Ora,

teoricamente ela tem esse direito, pois ninguém é obrigado a permanecer vinculado por prazo indeterminado.

Mas, por outro lado, o exercício desse direito naquele momento frustrou as justas expectativas de uma das

partes, de forma a violar a boa-fé objetiva.

Art. 473

CC

A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o

permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.

Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes

houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia

unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com

a natureza e o vulto dos investimentos.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Ressaltando que isso não significa que o titular não poderá resilir! A questão concerne à eficácia que se

irá prestar a essa resilição, que necessariamente perpassará um tempo de modo a preservar os investimentos

efetuados.

Mas esse tempo tem que ser suficiente para a recuperação de tudo o que a parte investiu? Não há uma resposta

para isso, mas para o Godoy não necessarimanete. O que se tem é um prazo razoável que permita uma

recuperação razoável dos investimentos. Afinal, apesar de o contrate ter uma justa expectativa de que o

contrato não seria resilido naquele momento, ele sabia que poderia ser em algum momento, pois as hipóteses de

resilição unilateral, por excepcionais que são, são sempre conhecidas pelas partes. Ora, além disso,

investimentos sempre envolvem riscos, haja ou não previsão de resilição, e mesmo que o contrato se

mantivesse, não haveria segurança de que recompor-se-ia tudo que foi investido. O que o juiz faz é uma conta

de razoabilidade.

RESOLUÇÃO A resolução consiste numa dissolução por descumprimento do contrato, voluntário ou involuntário, ou

por onerosidade excessiva nos contratos civis. Não se trata, como na resilução, de um direito potestativo. A

resolução decorre, portanto, de uma de três causas possíveis: inadimplemento não culposo, inadimplemento

“culposo”, e onerosidade excessiva.

O termo “culposo” nesse contexto não é de todo preciso, afinal, há determinados casos em que o devedor

responde não pela culpa, mas pelo risco. Isto é, há determinados devedores que respondem independentemente

de culpa, pois respondem objetivemanete pelo risco. Seria então melhor substituir o “culposo” por imputável,

pois dessa forma abarcaria não apenas as hipóteses de culpa mas também de risco.

RESOLUÇÃO

Inadimplemento não culposo

Inadimplemento culposo

Onerosidade excessiva

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Inadimplemento Não Culposo O contrato pode ser resolvido em virtude de um descumprimento da obrigação não atribuível aos

contratantes: ela se inviabilizou por um fortuito, um fato completamente estranho, alheio à responsabilidade das

partes. Como o contrato se frusta, a consequência é que as partes tem que ser repostas no estado em que antes

se encontravam, pois é essa a única alternatica diante da inviabilização da prestação.

Bom, inviabilizada a prestação não há mais como se cogitar a permanência do contrato, que portanto é

dissolvido. As partes então são repostas no estado em que antes se encontravam, porém sem indenizações!

Afinal, não houve culpa. O que pode haver é uma correção, para garantir que a devolução seja do preço

integral que foi pago pela coisa, que não pode mais ser entregue em virtude do fortuito.

Essa é a hipótese de perecimento do objeto. Mas há ainda outra hipótese: as vezes, ainda por um fortuito,

o objeto não chega a perecer – apenas deteriora. Se a coisa ainda existe, é possível que o contrato ainda

perdure. No caso de deterioração do objeto da prestação, sendo assim, surge ao credor uma alternativa: pode

exigir tanto a resolução do contrato, com reposição das partes no estado em que antes se encontravam, quanto

o abatimento do preço, ficando portanto com a coisa.

Inadimplemento Culposo

Quando a prestão é descumprida – ou porque não foi cumprida ou porque mal cumprida – por uma causa

atribuível à parte, a consequência é a mesma resolutória que vimos, mas a diferença é que aqui cabe

indenização.

Cláusula Resolutiva A primeira questão que devemos considerar é que todo contrato tem tácita uma cláusula resolutiva para

as hipóteses de decumprimento. De fato, como resultado do princípio do equilíbrio contratual, apesar de as

ambas as partes do contrato serem vinculadas uma a outra, ninguém é obrigado a permanecer contratado se a

outra parte não cumpriu sua prestação, o que implica a possibilidade de resolução do contrato diante do

descumprimento de uma das partes.

Se esse contrato for um contrato bilateral sinalagmático, o descumprimento de uma das partes da sua

obrigação, desde que por fato a ela imputável, não só autoriza a outra parte a dar como resolvido o contrato,

como também a alegar esse descumprimento como defesa quando ela for demandada para cumprir sua

prestação, isto é, a exceção do contrato não cumprido. Essa regra, da exceção do contrato não cumprido,

revela o princípio do equilíbrio mas também o da boa-fé objetiva, atuando na limitação do exercício de

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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direitos11. O descumprimento contratual, portanto, autoriza a incidência de uma cláusula contratual que não

precisa ser expressa, pois já é inerente, implícita.

Apesar dos contratos já conterem essa cláusula tácita, é possível que as partes convencionem uma

cláusula resolutiva expressa. Dizendo, por exemplo, que se as prestações não forem cumrpidas numa

determinada data, o contrato será considerado automaticamente resolvido.

Ora, se já existe uma cláusula resolutiva implícita em todos os contratos bilaterais, qual a vantagem de se

estabelecer essa cláusula expressa? Vejamos o art. 474:

De acordo com esse artigo, para que o contrato seja resolvido em virtude do inadimplemento, se a

cláusula era tácita é preciso que o juiz o reconheça, e que ele juiz resolva o contrato. Destarte, faz-se

necessária uma sentençaa desconstitutiva do contrato. A contrario sensu, a cláusula resolutiva tácita não opera

de pleno direito. Se, diferentemente, há uma cláusula resolutiva expressa, uma vez havido o inadimplemento o

contrato é automaticamente resolvido, sem necessidade de o juiz determina-lo. Na dúvida, evidentemente, as

partes podem recorrer ao juiz. Mas, nesse caso, a sentença não será de desconstituição! Será uma sentença de

declaração daquilo que automaticamente aconteceu no momento em que o inadimplemento se configurou.

O que pode surgir de problema tange à questão do exato momento em que o inadimplemento se

configurou. E aí é que pode haver a necessidade de interpelação. É preciso então determinar quando se

configurou a mora, e também se essa mora se transformou ou não num inadimplemento absoluto. Isso remonta

àquelas conderações acerca da mora ex persona e ex re, se a obrigação tem prazo ou não, etc.

11 Função limitativa do exercício de direitos remonta ao “tem graça”. Nesse caso aplica-se a teoria do tu quoque (deixo de cumprir uma prestação contractual – conduta ilícita – e quero extrair desse contrato um efeito em meu favor. Nesse caso a outra parte pode alegar o des). 12 Ao falar em “interpelação”, o que o legislador quis dizer é “intervenção”

Art. 474

CC

A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de

interpelação [intervenção]12 judicial.

Resolução

Contratação Cláusula Tácita

Cláusula Expressa

Inadimple-mento

Decisão Judicial

Resolução

Efeito desconstiutivo

Efeito declaratório

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Interpelação, notificação ou protesto são atos que dizem respeito a outro problema. Essas manisfestações

dizem respeito à necessidade de constituição de uma mora ex persona, a qual só se consolida no momento em

que esses atos são praticados. A questão de agora já passou dessa fase: já houve mora, e essa mora já se

converteu em inadimplemtno absoluto.

Bom, partindo do pressuposto de que houve inadimplemento, se não havia cláusula expressa, a parte

inocente deve recorrer ao juiz para que ele resolva o contrato. Se havia, a parte está automaticamente de pleno

direito desvinculada, e não precisa pedir nada ao juiz. Se a outra parte se recusar a reconhecer a resolução do

contrato, a parte inocente pode recorrer ao juiz para que ele declare a resolução, por incidência da clausula

resolutiva expressa.

Por exemplo, deixo de pagar a prestação que me autorizava a utilizar de um veículo arrendado. A outra

parte não fica mais obrigada a garantir o uso do veículo a mim. Sem a cláusula resolutiva expressa, ele só

poderia ter de volta o veículo se previamente pedisse ao juiz que resolvesse o contrato – e só depois que ele o

fizesse o dono poderia recuperar a coisa. Sem a cláusula resolutiva expressa, a resolução só se opera quando o

juiz a decreta, por sentença desconstitutiva. Se havia a cláusula expressa, uma vez que eu não paguei, a parte

inocente poderia entrar diretamente com uma ação de reitegração de posse da coisa.

Isso fazia uma imensa diferença. Mas hoje, com o CPC, que vem sendo reformado desde 1994, essa

diferença foi atenuada com algumas soluções a essas situações. O art. 273 do CPC, por exemplo, foi alterado de

forma a permitir a antecipação de tutela:

Atendidos os requisitos estabelecidos nesse artigo, o juiz pode antecipar a tutela que lhe é pedida a final.

Então aquelas ações de resolução contratual cumuladas, por exemplo, com reintegração de posse, passam a ter

um enfrentamento mais efetivo, na medida em que o juiz pode antecipar o efeito da sentença que ele ainda

não deu. Isso é provisório, afinal ele pode dar uma sentença diferente no final das contas. No exemplo, o juiz

poderia antecipar a reintegração de posse, em vez de esperar até o final do processo de resolução contratual

para determinar essa reintegração. O código de processo, com isso, reduziu um pouco a importância dessa

dintinção entre cláusula expressa e tácido do art. 474 para esse efeito específico.

Art. 273

CPC

O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os

efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova

inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto

propósito protelatório do réu.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Mas o importante é que a parte inocente tem que propor a ação certa! Se não tem clausula resolutiva

expressa, deverá propor uma ação de resolução contratual, que é uma ação desconstitutiva. Se tem cláusula, mas

resta alguma dúvida de se a resolução ocorreu ou não, a ação adequada é de mera declaração. Ademais, observe

que a distinção continua fazendo diferença na questão acerca do momento em que os efeitos resolutórios se

operam: no caso da tácita, só a partir da sentença, no caso da expressa, a partir do próprio inadimplemento.

Cabe observer que nos contratos de consumo as cláusulas resolutivas expressas só são admitidas em

benefício do consumidor, o que exprime uma cautela com a parte vulnerável, que se quer justamente proteger

de efeitos resolutórios que aconteçam longe da prévia apreciação judicial.

PROBLEMA 8

Estudamos no semestre passado o inadimplemento absoluto, que pode acontecer em uma de duas hipóteses: se

a prestação se tornou impossível, quando a única alternativa é a resolução contratual; se a prestação se tornou

inútil ao credor, no qual sobra à parte a alternativa de exigir ainda o cumprimento coativo – opção

discricionária do credor.

Ressalva: quando é que, apesar do inadimplemento, desde que ainda possível a prestação, posto que inútil, que

a parte deixa de perder essa opção discricionária entre exigir o cumprimento ou a resolução, ficando obrigada

a primeiro pedir o cumprimento? Quando na hipótese concreta, o cumprimento tiver atingido quase que a sua

totalidade, dependendo das circunstancias do caso concreto – teoria do adimplemento substancial – essa

opção discricionária deixa de existir – e o contratante inocente fica obrigado a percorrer primeiro o caminho

da tentativa de recebimento coativo. Uma vez frustrado, aí sim pode pedir o resolvimento do contrato. A

teoria do adimplemento substancial se dá mesmo quando há clausula resolutiva expressa!

Ressalva 2: acerca dessa questão da utilidade ou inutilidade da prestação, ela pode ter sido previamente

resolvida pelas partes pela clausula resolutia expressa – clausula dizendo que se a prestação não for cumrpida

a tempo e hora, tornar-se-á inútil e levará à resolução automática do contrato. As partes de antemão já

solucionam o problema da verificação sobre se há ou não utilidade naquela prestação nao cumprida a tempo e

hora.

Mas mesmo diante de uma clausula como essa, havido o inadimplemtno mas ainda sendo possível à prestação,

será viável discutir, ainda como alternativa à solução resolutória o cumprimento? No fundo, isso parece só ser

possível na hipótese de adimplemento substancial.

Existe uma hipótese em que o exercício da faculdade resolutória, mesmo diante de uma clausula expressa, no

caso concreto, seja abusivo? Em tese não. Talvez em contratos de adesão não consumeristas (porque nos

consumeristas são proibidas).

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Efeitos

Resolvido o contrato por qualquer das suas hipóteses, as partes são repostas no estado em que antes se

encontravam. Mas é preciso fazer algumas ressalvas.

Contratos de Trato Sucessivo Alguns efeitos decorrentes do contrato de trato sucessivo, apesar de as partes serem repostas no estado

em que antes se encontravam, se preservam.

Por exemplo, Caio é locatário de um imóvel de Tício. O tempo que o locatário usou e que pagou para

usar é um tempo cumprido e que não admite qualquer espécie de devolução, uma vez resolvido o contrato. Isso

acontece também em outros contratos, como o caso do arrendamento, no qual é também preciso imaginar que,

uma vez resolvido o contrato, o tempo de uso da coisa precisa ser preservado. Isso significa que esse tempo

de uso precisa ser pago! Caso contrário, o uso teria sido gratuito, configurando um enriquecimento sem causa.

Então, quando se resolvem contratos diferidos no tempo, em que a prestação se destina a retribuir o uso

mês a mês, dia a dia, essa retribuição se mantém. Por outro lado, em contratos instantâneos, ou mesmo em

contratos de execução diferida (uma compra e venda a prazo, por exemplo), uma vez resolvido o contrato as

partes são repostas no estado em que antes se encontravam, de tal modo que tudo tem voltar a ser como era

antes, qualquer que seja a hipótese de resolução (culposa ou não).

Por exemplo, se eu não entreguei o carro que vendi, devo devolver o preço que recebi. Se eu entreguei o

carro e o comprador inadimple, o carro volta pra mim e as parcelas que ele já pagou voltam pra ele. Todavia,

como a pessoa usou o carro nesse meio tempo, houve um período de uso que é abatido das parcelas. É um

ressarcimento que visa a evitar o enriquecimento sem causa, e não uma indenização.

A diferença quando se resolve o contrato com ou sem “culpa” é a existência ou não de indenização. Isto é,

pode ou não haver indenização na hipótese de resolução do contrato conforme o inadimplemento seja imputável

ou não às partes. No exemplo do carro, se foi culposo, a parte inadimplente deve ressarcir não só o tempo de

uso do carro, como também a depreciação do mesmo, por hipótese. Até dano moral pode haver. Mas é verdade

também que a indenização decorrente do descumrpimento do contrato pode ter sido previamente estabelecida

pelas próprias partes – é o caso da clausula penal compensatória, que só se cogita se o descumprimento for

imputável, culposo.

O que acontece uma vez resolvido o contrato com eventuais atos de alienação que tenham ocorrido no meio tempo?

Em regra, tem-se entendido que se aplica o art. 1.360 uma vez havida a alienação, e portanto a alienação se

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preserva. A reposição das partes a seu estado anterior se dá, então, por indenização. Esse artigo não incide

quando o terceiro age com má-fé.

Essa hipótese que se reconduz à matéria da exceção ao contrato não cumprido. Segundo o art. 447, a

parte pode vir a ter uma medida acautelatória diante do risco do inadimplemento: se houver fundado receio de

inadimplemento, a parte pode suspender o cumprimento da obrigação. Esse dispositivo se aplica

Onerosidade Excessiva A ultima hipótese de resolução contratual para o Código Civil é a resolução por onerosidade excessiva. A

escolha pela onerosidade excessiva como causa de resolução contratual é uma escolha histórica do nosso direito,

e não foi adotada de maneira idêntica nos outros sistemas.

Evolução Histórica Desde o Direito Romano verificava-se uma preocupação com uma mudança das circunstâncias

contratuais que acarretariam um desequilíbrio na relação. Com efeito, os autores que estudam essa matéria

identificam dispositivos esparsos no Digesto que falam disso. No entanto, não havia uma sistematização que

regulasse essa situação.

O primeiro grande desenvolvimento dessa matéria se deu no Direito Medieval, resultado de uma

preocupação de cunho moral dos canonistas, como São Tomás de Aquino. Havia uma preocupação com a honra

à palavra empenhada, mas e o respeito à palavra empenhada, uma vez alterada as circunstâncias mediante as quais a

palavra foi empenhada?

Mais tarde, os Glosadores e comentadores ao Digesto deram continuidade ao trabalho dos canonistas,

estabelecendo uma cláusula íncita aos contratos, a clausula “rubus sic standibus”. Segundo essa cláusula, os

contratos de trato sucessivo, uma vez que eles se remetam a estados futuros, devem ser compreendidos in rerus,

ou seja, interpretados nos termos do estado de coisas. Assim, deveriam ser cumpridos na exata medida da

alteração desse estado de coisas, o que abria um espaço de não vinculatividade do contrato à interferência da

modificação das circunstancias.

Art. 1.360

CPC

Se a propriedade se resolver por outra causa superveniente, o possuidor,

que a tiver adquirido por título anterior à sua resolução, será considerado

proprietário perfeito, restando à pessoa, em cujo benefício houve a

resolução, ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para haver a

própria coisa ou o seu valor.

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Porteriormente, com o Iluminismo, essa ideia de interferência na economia interna do contrato foi

tratada de maneira diversa. Com a primazia da liberdade contratual e da ideia de igualdade jurídica, a

interferência do estado para reequilibrar um contrato passou a ser vista com maus olhos. Patia-se do

pressuposto de que, se as partes são dotadas de igualdede jurídica posto que formal, e portanto de liberdade de

contratar, elas que tivessem prevista a alteração das circunstancias! Com base nessa ideia, os códigos dos sécuos

XIX e começo do XX silenciaram sobre o tema, não fazendo previsões expressas para solucionar situações de

desequilíbrio superveniente, e deixando portanto essa preocupação nas mãos das próprias partes.

A ideia dos glosadores só foi retomada do meio para o final do sec. XIX, na França e na Alemanha. O

interessante é que essa retomada se deu de forma diversa nos dois países, e ambas essas evoluções refletiram no

nosso sitema jurídico. Vamos ver!

Solução Francesa

Na França essa matéria seguiu um caminho mais lento que na Alemanha. A solução francesa corresponde

mais ou menos ao nosso tratamento atual da matéria.

Em 1916 houve um julgamento paradigmático na cidade de Bordeaux, sobre a tarifa de fornecimento da

energia. Sucede que com a primeira grande guerra o preço dos insumos subiu muito, e alegou-se que a guerra

foi um evento imprevisível que causou um desequilíbrio excessido nessas tarifas. Foi o primeiro caso em que se

permitiu no direito moderno a revisão de um contrato sob o fundamento da alteração das circunstancias.

O que caracteriza esse caso é que a alteração das circunstências ocorreu por um fato totalmente

imprevisível, e é essa teoria da imprevisão que pauta o tema no direito francês, e que fundamentou em 1918 a

criaçao da lei “Failot”, que previa a possibiidade de previsão de preços em geral cuja alteração provinha da

guerra. Foi essa a exata teoria que depois de um século adotamos no nosso Código Civil.

Solução Alemã

Isso se deu de maneira diferente no sistema alemão. Lá, mais cedo e de maneira mais intensa se discutiu

essa questão da alteração das circunstâncias. Em 1850, surge a teoria que até hoje de algum modo ainda se

utiliza, na jurisprudência brasileira inclusive: a teoria da pressuposição, formulada em 1850 por WINSHEID.

Essa teoria parte da constatação de que as vezes as partes contratam pressupondo uma determinada

circunstância, que acaba em última análise condicionando aquele contrato, embora não tenha sido explicitada.

É comum a doutrina exprimir essa teoria como uma condição que não foi desenvolvida. Por exemplo,

numa compra e venda entre particulares, o comprador não tem dinheiro mas pretende pagar com um

financiamento. Ao contratar a compra então foi pressuposto que ele ia financiar, mas isso nao aconteceu porque

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ele não conseguiu o tal financiamento. Ora, apesar de não ter explicitado a compra para ele estava condicionada

a esse financiamento. A questão primordial é perquirir se a outra parte sabia dessa condição.

Alguns afirmam que essa condição deveria ser ao menos conhecível pela outra parte. O fato é que isso

gerava muita insegurança. Diante disso, essa teoria sofreu diversas críticas e acabou inclusive sendo retirada do

projeto do Código Civil alemão.

Uma vez ababdonada a teoria da pressuposição, foi substituída por outra: a teoria da base no negócio

jurídico. Essa teoria foi desenvolvida na Alemanha por OTTEMAN, que foi mais além que a teoria predecessora

e disse que a pressuposição deve ser tomada como uma representação que as partes fazem de um pressuposto

básico mas comum a ambas. É, portanto, bilateral, ainda que não tenha sido explicitadoa. Isso porém é muito

subjetivo, pois parte do pressuposto da avaliação do que as partes subjetivamente representaram.

Diante desse defeito de subjetividade, um terceiro alemão chamado KARL LARENZ desenvolveu essa

teoria da base dando-lhe uma nova vertente. Pretendeu dividir a teoria num aspecto subjetivo mas também

num objetivo, o que lhe concede um aspecto um pouco diferente da teo da imprevisão.

A base subjetiva do negocio jurídico, para Larenz, seria a mesma representação comum que as partes

fazem de uma circunstância fundamental. Por exemplo, um erro das partes sobre a paridade (isso poderia ser

resolvido pela teoria do erro). O diferencial é que a teoria de Larenz acoplava a essa verificação subjetiva uma

base objetiva ao negócio, que busca aferir o que significava, objetivamente, o desequilíbrio daquele contrato,

que podia ter se dado por uma de duas circunstâncias: uma pertubação da equivalência das prestações ou uma

frustração do fim do contrato. Ele disse que há determinados eventos que, objetivamente considerados (sem ter

passado portanto por qualquer espécie de representação subjetiva das partes) perturbam a equivalência das

prestações, ensejando uma necessidade de reequilíbrio. É por exemplo o problema da inflação extraordinária: na

Alemanha, com a guerra, o marco se desvalorizava muito por dia, gerando uma enorme inflação.

Mas, acrescenta, as vezes não é so um problema de desequilíbrio econômico das prestações: as vezes é um

caso de superação ou frustração da causa que deu nascimento ao contrato. Por exemplo, um sujeito contratou

um entalhador para talhar uma porta de madeira de uma igreja, mas ela foi bombardeada. Verificou-se,

portanto, uma superação da causa que altorizava o deslocamento patrimonial (pagamento do preço). Isso pode

ser resolvido em parte, ok, pela impossibilidade do objeto, mas não completamente, porque as vezes o objeto

não torna-se propriamente impossível.

Por exemplo, quando da passagem do cortejo real diversas sacadas foram alugadas para ve-lo passar. Mas

e se a corte nao passasse? O contrato tinha uma finalidade muito própria, que se frustrou por um evento ulterior.

A contribuiçãoo dessa teoria, em suma, foi a objetivamentação do que no fundo é um desequilíbrio.

Muitos dizem que a teoria da base teria influenciado o CDC, que não exige a previsibilidade para a

aplicação da teoria da alteração das circunstâncias. Lá, de fato, não se previu a imprevisibilidade como requisito,

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afinal trata de uma relação que envolve alguém que é vulnerável e de quem não se pode exigir o mesmo nível de

previsibilidade que o do fornecedor, que é um profissional.

Requisitos Dessa longa evolução chegou-se hoje a um certo grau de sedimentação da matéria, e os sistemas em geral

concedem mecanismos corretivos a desequilíbrios causados pela alteração das circunstâncias. Na medida em

que esse desenvolvimento foi diferente em sistemas diferentes, levou à contemplação de normas positivas nem

sempre idênticas, nem sempre com as mesmas exigências em diferentes ordenamentos. Mas, apesar dessa

variedade de regramentos, há um certo consenso acerca da exigência pelo menos de alguns requisitos, que

veremos agora.

Requisitos Usuais I) Contrato Bilateral;

Os sistemas normalmente exigiam que os contratos fossem bilaterais, para efeitos de incidência da teoria

da alteração das circunstâncias. Ou seja, os contratos só seriam passíveis de interferência corretiva em virtude

de desequilíbrio excessivo se fossem bilaterias.

Houve época, inclusive aqui no Brasil, que se sustentava exatamente isso, a adstrição da teoria aos

contratos bilaterais. Mas primeiro, o que se opõe a contratos bilaterias? Os unilaterais! Mas se formos pensar, o

contrato unilateral mais comum é o contrato de mútuo – e o contrato de mútuo mais comum é o bancário,

importante instrumento de fomento econômico. Ora, se defender-se o descabimento da correção nesses

contratos unilaterais, o mútuo então ficaria de fora também e não se poderia alegar contra os bancos a alteração

das circunstâncias. Isso não parece certo, afinal a relação entre o banco e o mutuário é uma relação em geral de

FRANÇA

Teoria da Imprevisão

ALEMANHÃ

Teoria da Pressuposição

Teoria da Base do Negócio Jurídico

Teoria da Base de Larenz Influência sobre o nosso Código Civil

Influência sobre o nosso CDC

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grande disparidade de força. Essa exclusão dos contratos unilaterais está superada no nosso sitema hoje, de

maneira expressa no CDC.

Apesar dessa superação, o que acontece hoje é que a aplicação da teoria da alteração das circunstâncias

em contratos unilaterais leva a consequências diferentes que nos bilaterias. Assim, enquanto os contratos

bilaterais são resolvidos, os unilaterais são revistos.

O fundamento é que se uma das partes já não tem obrigações a cumprir, não é razoável resolver o

contrato se ela já cumpriu sua parte.

II) Contrato de Duração;

É comum exigir-se, e essa exigência é expressa no nosso sistema, que os contratos para serem passéveis

de interferência corretiva sejam de duração, de trato sucessivo.

Mas, nos perguntemos novamente, o que se opõe a contratos de duração? Os instantâneos! Estes, portanto,

ficariam por esse requisito excluídos da interferência corretiva do estado juiz. Mas por exemplo aquele caso do

aluguel de sacadas para ver o cortejo da família real: o desequilíbrio se dá mesmo pagando a prazo ou a vista.

Parte-se do pressuposto, nesse requisito, que no momento em que o contrato ja está exaurido não há

mais o que alterar. Mas não se pode alterar do ponto de vista ressarcitório? Talvez, mas apesar de ser um requisito

problemático, está expresso no nosso sistema então não dá pra contornar.

III) Contrato em Vigor;

Tratando-se de um contrato de duração, é preciso ainda que ele esteja em vigor no momento da

alteração das circunstâncias. O contrato para ser corrigido, portanto, não pode ainda ter sido cumprido. O

fundamento é mais ou menos o mesmo do requisito anterior: só se aplica a teoria da alteração se o contrato

ainda não tiver sido exaurido. O problema, também, é o mesmo: mesmo já tendo sido cumprido, é possível que

se alterem as circunstâncias de modo a impactar as próprias bases mediante as quais o contrato foi firmado!

IV) Contrato Comutativo;

Além de contratos de duração, sempre se exigiu que os contratos precisassem ser comutativos. De

acordo com a classificação já analisada, o que se opõe aos contratos comutativos é os contratos aleatórios,

ambos contratos necessariamente bilaterais. Historicamente, portanto, entendia-se que a teoria da alteração não

incide nos contratos aleatórios... Mas a doutrina de maneira geral admite isso.

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Como vimos, nos contratos comutativos ambas as partes têm obrigações a cumprir e ambas sabem qual é

a prestação da outra. Nos aleatórios, por sua vez, a prestação de pelo menos uma das partes é incerta. Mas,

então, como aplicar a teoria da alteração das circunstancias nesses contratos se a incerteza já lhes é um fator íncito?

Por exemplo, Caio contrata um seguro contra furto. O sinistro que se quer garantir, portanto, é o furto,

cuja ocorrência se coloca no risco próprio normal daquele contrato. Se em determinado momento o índice de

furto é muito maior, ou muito menor, isso faz parte do risco normal daquele contrato. Essa variação

quantitativa de furtos, teoricamente, por esse argumento, não poderia então levar a uma alteração do contrato

para mudar o valor do prêmio. Isso porque é um risco inerente ao contrato. É consenso, portanto, que nos

contratos aleatórios existe um risco inerente, que por sua própria natureza envolve uma alteração

circunstancial.

Mas hoje o que a doutrina pondera é que nos contratos aleatórios o risco diz respeito a certos eventos...

mas não a outros! E mais, mesmo no caso em que a alteração das circunstâncias se dá dentro de fatos que se

inserem no risco próprio daquele contrato, esse risco deve se colocar em patamares razoáveis. Assim, se deve

afastar a possibilidade de que aquele risco próprio fuja da situação de razoabilidade. Por exemplo, eclode uma

guerra civil, acarretando um momento de total anomia – isso provavelmente vai aumentar de forma

exponencial o número de furtos. Se por um lado o furto estava dentre os fatos cujo risco era assumido pela

seguradora, essa alteração é desarrazoada! Imaginemos por exemplo que o Brasil volte a ser um estado

policialesco – é de se esperar que o número de furtos vai diminuir.

Em ambas as situações, verifica-se uma alteração que foge por completo da alea normal daquele

contrato... Será então que em casos como esses não se poderia pensar na teoria da alteração das circunstâncias? O

entendimento é que os contratos aleatórios não devem ser afastados aprioristicamente da incidência da teoria,

mas o que precisa é modular essa incidência, que é naturalmente mais restrita por conta da existência de um

risco normal.

Hoje, tendo em vista dar respaldo a esse tipo de situação anômala, existem as cláusulas de

sinistralidade nos contratos de seguro. É uma cláusula pela qual as partes combinam uma revisão do

contrato em razão da alteração das circunstâncias, tendo em vista manter o equilíbrio. Assim, se por exemplo o

número de sinistros aumentar mais de 70% que no ano anterior, o premio aumenta em x. O problema dessa

cláusula, que lhe garante muitas críticas, é que têm sido utilizada só como causa de aumento, transferindo assim

o risco próprio dos dois contratantes pra só um deles.

V) Evento Imprevisível e/ou Extraordinário;

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O que determina a interferência corretiva sobre o desequilíbrio é sempre, conforme a exigência do

sistema, um acontecimento extraordinário e/ou (dependendo do sistema) imprevisível. A diferença é

fundamental!

Não é raro que sistemas como o nosso, que por sua vez é inspirado no francês que que tange à regulação

dessa teoria no Código Civil, se exija que a alteração das circunstâncias decorra de um fato extraordinário E

imprevisível. Essa exigência de imprevisibilidade, que não se dá em todos os sistemas, e que no nosso próprio

CDC não existe, suscita uma questão probatória difícil. Além do que, limita em certa medida a aplicação no

fundo do que é um instrumento corretivo de qualquer desequilíbrio.

VI) Fato não imputável ao devedor;

É muito comum exigir-se também, e com razão apesar de certas ressalvas, que o fato extraordinário e

imprevisível que acarreta o desequilíbrio não pode ser imputável ao próprio devedor da prestação que se

desequilibrou. Ou seja, fatores pessoais nunca foram considerados causas suficientes para ensejar a invtervenção

no Estado naquela relação contratual, e também, por conseguinte, nunca se permitiu que o devedor em mora

pudesse se valer da alteração das circunstâncias.

O que se deve ressalvar é que a partir do desenvolvimento dessa matéria no direito alemão, e ainda que

não à luz do princípio do equilíbrio contratual, algumas circunstâncias pessoais passaram sa ser consideradas

sim a fim de intervenção no contrato: por um imperativo da boa fé. É o exemplo da impossibilidade psicológica

para o cumprimento de uma obrigação, que é um fator pessoal: por exemplo, um cantor é contratado para fazer

um show mas algumas horas antes sua mãe falece.

Ademais, é verdade que o devedor em mora não pode se valer da alegação de alteração das circunstâncias,

afinal a regra é que o devedor em mora responde ainda que pelo fortuito. O que acontece é que a mora amplia

o risco do devedor. Ora, se ele responde por qualquer espécie de fortuito, responde também pela alteração das

circunstâncias. Ok, o devedor já em mora quando as circunstâncias se alteram não pode se valer dessa alegação,

mas e se ele não cumpriu a prestação justamente por causa da alteração das circunstancias? É muito comum que se

alegue a mora, mas é preciso verificar se a mora foi causa ou antes ou depois da alteração. A diferença é vital! O

devedor que não cumpriu porque as circunstâncias se alteraram, e que reclama disso, a teoria da alteração

incide. Quem está em mora por um fato nada ligado à alteração das circunstancias, por outro lado, não pode

dela recamar.

VII) Onerosidade Excessiva;

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A onerosidade excessiva é o fenômeno decorrente do desequilíbrio exagerado. Esse requisito é

fundamental porque em geral o que os sistemas não querem é justamente esse desequilíbrio. Ainda que seja

quantificado ou adjetivizado, o ponto é que precisa ser excessivo, mesmo no CDC. O resultado deve ser sempre

esse, para que tenha impacto no contrato a teoria da alteração. O desequilíbrio deve ser compreendido de

maneira ampla, pra também abranger a hipótese de superação da causa.

Diante do exposto, podemos concluir que apesar das diferenças de origem, de desenvolvimento e de

aplicação dessa teoria em diferentes ordenamentos, temos alguns denominadores comuns:

Alteração das Circunstâncias no Direito Brasileiro Dado esse quadro geral, vamos analisar agora o tratamento conferido à alteração das circunstancias no

nosso sistema.

DENOMINADORES COMUNS DA TEORIA

Trata-se de um problema de equidade, de equilíbrio contratual, remetendo portanto a uma preocupação com a justiça contratual.

Essa teoria atua não sobre qualquer desequilíbrio, mas somente àqueles exagerados e supervenientes.

Para avaliar esse desequilíbrio exagerado o intérprete deve levar em consideração os riscos próprios daquele tipo de contrato, e os riscos assumidos pelas partes naquele contrato concreto.

É comum se recorrer como fundamento à boa fé objetiva. De fato, esses princípios não são estanques, compatimentabilizados: têm uma relação clara de recíproca interferência.

O que o sistema não quer é um desequilíbrio avaliado com base em todas esses fatores, mas nada de maneira exclusiva. Assim, não dá pra identificar um critério apriorístico que esgote a avaliação

do desquilibrio contratual.

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O art. 478 trata da onerosidade excessiva em contratos bilaterais, e aponta como consequência a

resolução, que pode ser evitada se o réu se dispuser a modificar eqüitativamente as condições do contrato, nos

termos do art. 479. Nesse artigo, o código estabelece logo no início que essa regra aplica-se tão somente aos

contratos de duração. Logo, pela previsão expressa do Códio Civil, afastam-se da previsão de resolução em

virtude de onerosidade excessiva os contratos instantâneas. Como vimos, é uma opção questionável, que afasta

a discussão de desequilíbrio nos contratos instantâneos sob o clássico argumento de que se o contrato é

instantâneo nasceu e morreu alí mesmo e não há desequilíbrios intermediários a se discutir.

Outro elemento do artigo é a “prestação excessivamente onerosa”, que é o requisito básico de qualquer

sistema para a incidência da teoria. Assim, para que haja intervenção judicial na economia interna do contrato,

levando à sua resolução, é preciso que o desequilíbrio acontecido tenha resultado a uma das partes numa

excessiva onerosidade. A contrario sensu, pequenos desequilíbrios não autorizam a parte prejudicada a recorrer

a essa solução! A onerosidade que atrai essa intervenção portanto deve ser grande... Mas quão grande? O código

não se valeu de uma opção discricionária quantitativa, deixando a critério do juiz, na análise do caso concreto,

decidir de a onerosidade foi ou não excessiva. Essa análise depende do tipo de negócio, das partes envolvidas,

etc., é uma revisão casuística.

Art. 478

CC

Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma

das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem

para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e

imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os

efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

PROBLEMA

Para a aplicação da regra do art. 478, não basta que se haja uma excessiva onerosidade a uma das partes, é

preciso também que a outra parte obtenha uma vantagem resultante dessa onerosidade excessiva. É aquilo

que a doutrina chama de “efeito gangorra”. O que acontece, portanto, é que diante de um evento

extraordinário e imprevisível uma parte experimenta uma excessiva onerosidade e em contrapartida a outra

parte experimenta uma vantagem também excessiva.

Isso significa, também, que é possível que uma onerosidade excessiva não resulte numa vantagem para a

outra parte. Por exemplo, em 1989 houveram alguns casos do tipo. Na época, o governo estabeleceu uma

política de paridade entre o real e o dólar, criando a justa expectativa de que aquela paridade se manteria por

algum tempo. Mas o real se desvalorizou em duas vezes, e assim, quando estabelecida a paridade cambial,

quem tinha uma dívida de 5 reais passou a ter uma dívida de 10 por exemplo.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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O artigo utiliza também o termo “acontecimentos extraordinários e imprevisíveis”, o que exprime a

adoção da teoria da imprevisão. Assim, não basta que haja um excessivo desequilíbrio para o código civil, é

preciso também que ele seja resultante de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. O problema é que

isso reduz demais a incidência da regra, pois há acontecimentos que até poderiam ser previstos mas que

representam um enorme desequilíbrio contratual.

Se esses casos do problema acima não tivessem sido resolvidos pelo CDC, a variação do dólar e do real

era absolutamente imprevisível? Não! O fato não era imprevisível. Mas se a lei exigiu esse requisito não se pode

desconsiderá-lo. A alternativa que tem sido encontrada para alargar um pouco esse dispositivo, que ataca um

imperativo principiológico: entender que a imprevisibilidade não precisa ser apenas do fato, mas também da

extensão do acontecimento. Era previsível, no exemplo, que o dólar aumentasse, mas não que ele dobrasse

naqueles 15 dias. A imprevisibilidade tal como hoje ela se entende pode ser portanto do fato, ou, menos, da

extensão do fato. É uma interpretação extensiva de um requisito limitativo de uma medida corretiva de

desequilíbrio exagerado do contrato (ufa!).

Algumas operações no Brasil podem ser estabelecidas com base nessa paridade cambial, e quem tinha

obrigação com essa paridade obviamente propôs acoes de revisão contratual. Vamos imaginar que essas

demandas pudessem ser resolvidas com socorro ao art. 478: eram contratos de longa duração, pois eram

geralmente contratos de arrendamento. Mas o arrendatário teria que provar também que o banco tivesse

experimentado uma excessiva vantagem, e nem sempre experimentava! Afinal, ele também podia estar

devendo em moeda estrangeira pra um banco estrangeiro onde captou os recursos. Então a parte tinha que

provar que o banco já havia pago o empréstimo no estrangeiro e portanto teria uma vantagem. É um

requisito altamente problemático.

PROBLEMA

O art. 478 fala na resolução do contrato como solução à excessiva onerosidade, dando à parte prejudicada a

possibilidade de se desvincular do contrato, pedindo sua resolução, quando verificados todos esses requisitos.

O problema é: não teria sido melhor se ao invés de determinar a resolução do contrato o legislador tivesse previsto a

possibilidade de revisão contratual, mantendo-se o contrato?

Essa discussão vem sendo travada desde que o código civil foi editado. O código está pensando num contrato

com uma função econômico social diferente da função econômico social que se reconhece geralmente a um

contrato de acesso ao consumo, nos quais a solução é outra. A crítica levantada a isso é que ainda à luz desse

raciocíonio e ainda que se trate de um contrato paritário, ele ainda tem uma função social! A solução de

revisão talvez tivesse sido melhor porque a rigor conservaria o contrato, ainda que sobre outras bases.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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O art. 480 é o último que trata da Resolução por Onerosidade Excessiva e traz dois dados importantes:

primeiro, deixa expresso que em contratos unilaterais cabe a incidência da alteração das circunstâncias,

resolvendo aquele dilema que vimos nos requisitos comuns a todos os sistemas. O segundo ponto é que o artigo

previu a revisão nesses casos de contratos unilaterais, afinal se só uma das partes tem prestações a cumprir, não

faz sentido resolver:

Se o contrato é paritário, o desequilíbrio deve levar à resolução a não ser que as partes não queiram, de acordo

com o art. 479. Mas há uma tendência doutrinaria em procurar sempre uma solução de revisão. O problema é

que o código fala pra resolver, então como o juiz vai rever? O próprio código estabeelceu uma válvula de escape:

segundo o art. 479, o juiz pode não resolver o contrato se diante do desequilíbrio as partes conseguirem

recompor o seu vínculo em renovados moldes. O problema é se as partes não chegarem num acordo.

Pode-se interpretar esse artigo de outra forma: reparemos que o código se refere ao réu. Se ele diz “o réu”,

então está a pressupor que a ação de resolução já foi movida, naturalmente pela parte que experimentou a

excessiva onerosidade. Uma solução interepetativa possível é que o juiz pode deixar de resolver para rever

se, uma vez citado, o réu concordar com a revisão. Por conseguinte, a atividade revisora do juiz estaria

condicionada à manifestação do réu, que uma vez citado então se propõe a ter uma vantagem menor. Então, o

juiz poderia impor a revisão ao invés de resolver o contrato.

Essa é uma interpretação possível mas que suscita outros problemas! Se o réu se oferece a uma alteração no

contrato, levando uma vantagem menor, e o autor que pediu a resolução, este fica então subordinado a uma

revisão nesses moldes? Porque se ele tiver escolha, voltamos então ao início, e depende sempre de acordo.

Reformulando a dúvida: o juiz, com base na interpretação extensiva do 479, pode impor às partes uma alteração?

Parece que não, por se tratar de uma relação paritária. Porém, contudo, todavia, o que a doutrina tem

defendido é que possível que o autor em vez de pedir a resolução, ele próprio já peça a revisão. Esse

entendimento é fundamentado na regra do art. 317:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o

valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido

da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Trata-se de uma regra geral do direito obrigacional, e o problema é que aplicá-la seria aplicar uma regra geral

onde já existe uma regra especial. Também significaria impor ao réu uma revisão que ele não quer, afinal ele

não se propôs a alterar. É, por isso, uma construção doutrinaria bem problemática.

Art. 480

CC

Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela

pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-

la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

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O que falta nesse artigo é a referencia à imprevisibilidade. De fato, não se diz que o desequilíbrio precisa

resultar de eventos imprevisíveis. É estranho que o mesmo código pra tratar de contratos bilaterias exige a

imprevisibilidade como circunstância do desequilíbrio e para contratos unilaterais não. É uma quebra de

coerência interna do sistema. Para os contratos unilateias expande-se a possibilidade de interferência corretiva

no contrato, inclusive para rever. O pressuposto do legislador é que uma das partes, como já não tem prestações

a cumprir, sua vantagem ou desvantagem já se exauriu.

Alteração das Circunstâncias no Direito Consumerista

Para o CDC, pouco importa se o desequilíbrio é congênito ou superveniente. Sendo superveniente, pouco

importa que ele decorra de fatos extraordinário ou imprevisíveis, só importa objetivamente o desequilíbrio.

Pouco importa, ademais, a verificação se nesse desequilíbrio o fornecedor está ou não experimentando

vantagem. Por fim, observe que a solução do CDC não é a resolução do contrato, mas sua revisão, pois a ideia

básica é a de manter a prerrogativa de acesso da pessoa ao consumo, mantendo o contrato em bases

reequilibradas. Apesar dessas diferenças, também no CDC o desequilíbrio deve ser exagerado. É claro que o

excesso da onerosidade numa relação consumerista se examina com muito mais largueza que numa relação

paritária, afinal é uma lei para partes desiguais.

Art. 6o

CDC

São direitos básicos do consumidor:

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações

desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as

tornem excessivamente onerosas;

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PARTE II CONTRATOS EM ESPÉCIE

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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INTRODUÇÃO Antes de analisar as espécies contratuais propriamente ditas, é preciso fazer uma advertência no que

concerne à lógica da organização dessa matéria no Código Civil. Isso porque há dois problemas muito sérios

nessa organização, que se reconduzem à unificação do direito obrigacional pelo Código Civil de 2002. Com

efeito, essa unificação apesar de tranquila no âmbito da parte geral das obrigações, suscitou uma série de

problemas sobretudo na parte especial dos contratos.

O Código Civil de 2002, ao tratar dos contratos em espécie, seguiu três caminhos:

1. Eventuais alterações nos contratos civis conhecidos: o Código de 2002 continua tratando de

contratos civis já tratados no Código anterior, com algumas alterações tópicas, pontuais. É o caso da

doação, por exemplo.

2. Novas figuras contratuais: O código civil também criou novas figuras típicas, do ponto de vista

positivo. Eram figuras contratuais até conhecidas em outros sistemas típicos, e até então utilizadas no

nosso como contratos atípicos, mas, com o Código Civil de 2002, passaram a ser tipificadas no nosso

sistema positivo.

Muitas dessas novas tipificações se referem a contratos historicamente e essencialmente comerciais, o

que pode gerar eventuais conflitos com leis especiais. Todavia, como o Código Civil revogou a parte

do código comercial relativa aos contratos, não há grandes problemas. É o caso do contrato

estimatório13, do contrao de agencia, de comissão, etc.

3. Unificação no tratamento de figuras comuns: Com o Código de 2002 houve uma unificação do

tratamento de contratos que estavam antes previstos tanto no Código Civil quanto no Comercial.

Assim, não se trata mais de um problema de nova tipificação, mas de unificação do tratamento de

contratos que estavam disciplinados em ambos os códigos.

O problema dessa unificação é que algumas regras relativas à mesma figura eram distintas âmbito

civil em relação ao comercial. Afinal, dado que o Código Comercial envolve uma atividade

13 De fato, o contrato estimatório não estava no Código civil anterior, e consiste no que o direito comercial chamava de “venda por consignação”. O que acontece nele é que o dono quer vender a coisa mas não pessoalmente, então deixa em consignação a alguém, que fica incumbido de vender por um preço mínimo previamente combinado, e o que aferir a mais é o seu lucro. É o que acontece nas lojas de carros usados, galerias de arte, etc. Será tratado mais pormenorizadamente mais adiante.

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profissional, e que o Código Civil trata de uma relação entre civis, é natural que as algumas regras de

cada um devirgissem.

Por exemplo, o contrato de depósito. No Código Civil velho dizia-se que o dever de zelo avaliava-se

a partir da figura do homem médio. No Código Comercial, o dever de zelo era máximo, afinal o

depositário comercial é um profissional! Essa discrepância existia também no caso da fiança: na fiança

privada civil o fiador responde de maneira subsidiária. Ou seja, se o afiançado não pagar, o fiador

responde. Assim, o último tem o chamado benefício de ordem, isto é, o benefício de indicar bens do

afinaçado que podem garantir o pagamento da dívida. No direito comercial não, nele a

responsabilidade do fiador era solidária – ele podia ser cobrado de maneira direta. Com a unificação, o

Código novo reproduziu o código velho, mas isso implicaria que a responsabilidade do fiador comercial

seria subsidiária?

A primeira espécie contratual que analisaremos é uma das mais importantes e recorrentes atualmente: a

compra e venda

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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A COMPRA E VENDA

Inicialmente, adquiria-se a propriedade do que se queria através do roubo, mas com a marcha civilizatória

as pessoas passaram adotar a troca para tal fim. Posteriormente, com a introdução da moeda, surgiu a figura da

compra e venda, que é hoje o contrato mais comum e mais importante como instrumento de circulação de bens.

COMPRA E VENDA

Características

Bilateral

Sinalagmático

Oneroso

Comutativo ou aleatório

Elementos

Coisa

Existente

Determinada/Determinável

Disponível

Transferível

Preço

Em moeda nacional

Sério

Determinado/Determinável

Consenso

Capacidade

Legitimidade

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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No direito romano se desenvolveu a ideia, por um imperativo do comércio, de que a compra e venda em si

não transmitia o domínio14. Assim como nas origens romanas, a compra e venda no ordenamento pátrio15 é um

contrato voltado a essa transmissão de domínio, mas não é apto per se para realiza-la: pra que ela aconteça é

preciso um ato adicional – a transcrição, no caso dos imóveis, ou a tradição, para bens móveis.

Como vimos, o nosso Código Civil trata da compra e venda de maneira unificada em relação ao Código

Comercial. Há, todavia, um regramento distinto para as relações de compra e venda consumeristas, que são

tratadas no Código do Consumidor.

CARACTERÍSTICAS

A compra e venda gera um fundamento obrigacional: por meio dela o vendedor se obriga a entregar algo

ao comprador, com ânimo de lhe transferir a propriedade, e o comprador, em contrapartida, se obriga a pagar

um preço.

Para que a compra e venda seja perfeita, de acordo com o art. 482, há três pressupostos fundamentais:

consenso, coisa e preço. Assim, no exato momento em que se estabelece entre as partes um consenso sobre a

coisa e o preço, a compra e venda se aperfeiçoa, daí classificá-la como simplesmente consensual. Sendo perfeita,

passa a ser dotada de eficácia obrigacional, e ficam então vinculados comprador e vendedor. Ressalvando-se as

14 O sistema brasileiro manteve a distinção romana entre titulus adquirendi e modus acquisitionis. No direito romano, o “contrato de compra e venda era título hábil à aquisição de domínio, que só se cumpria, entretanto, através de um dos modos admitidos em lei.” [Cf. O. GOMES, Contratos, 26a ed., Rio de Janeiro, Forense, 2008] Assim, enquanto o título é a causa jurídica da aquisição, o modo de aquisição consiste no fato ao qual a lei atribui o efeito real de transmissão da propriedade. Dessa distinção decorre que o contrato de compra e venda, por si, não torna o comprador dono da coisa comprada, mas tão somente “titular da prerrogativa de reclamar sua entrega” [S. RODRIGUES, Direito Civil – Parte Geral das Obrigações, vol. 2, 30a ed., São Paulo, Saraiva, 2002, p. 22] 15 Cabe observar que essa opção pela eficácia obrigacional da compra e venda, adotada pelo ordenamento brasileiro, e baseada nas fontes romanas, não é a única configuração atribuída à compra e venda hoje. Com efeito, sistemas como o francês e o italiano (vd. art. 1.583 e 1.470 dos respectivos códigos civis), dentre outros, adotam uma forma distinta, na qual o contrato de compra e venda não produz apenas efeitos obrigacionais, mas tem eficácia real! Isto é, o próprio contrato tem o poder de transmitir a propriedade da coisa.

Art. 481

CC

Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a

transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em

dinheiro.

Art. 482

CC

A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita,

desde que as partes acordarem no objeto e no preço.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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compras e vendas imobiliárias, que exigem forma especial, pública, para a sua perfeição. Em outras palavras,

quando a coisa é um bem imóvel, o consenso precisa estar traduzido numa escritura pública para que se repute-

se perfeito o contrato.

Ademais, se é um contrato em que ambos os contratantes têm prestações a cumprir, trata-se de um

contrato bilateral. Além de bilateral, é também sinalagmático, uma vez que há uma correspectividade entre

essas prestações, isto é, uma prestação é a causa da outra. Nesse sentido, o vendedor só se compromete a

entregar a coisa por causa do preço, e o comprador só entrega o preço como causa do recebimento da coisa, e

nessa dependência recíproca entre as prestações reside o sinalágma próprio da compra e venda.

Esse contrato bilateral sinalagmático pode ser tanto comutativo quanto aleatório. De fato, a compra e

venda normalmente é comutativa, pois há de antemão certeza quanto ao preço e à coisa, mas admite-se também

a compra e venda aleatória. É o caso, por exemplo, da compra da pesca, na qual não se sabe qual será a

quantidade de peixes que serão pescados, correndo-se eventualmente o risco de não receber coisa alguma.

Por fim, cabe observar que a compra e venda é um contrato forçosamente oneroso, pois pela sua

entabulação, tanto vendedor quanto comprador pretendem obter uma vantagem patrimonial.

ELEMENTOS DA COMPRA E VENDA Tendo estabelecido que a compra e venda se perfaz através do consenso sobre a coisa a ser entregue ao

comprador e o preço a ser pago ao vendedor, cabe analisar esses três elementos constitutivos do instituto.

1. Coisa; A primeira questão que surge, antes de analisarmos os requisitos da coisa na compra e venda, é sobre a

sua tangibilidade. Na compra e venda, a coisa, o bem, precisa ser corpóreo? Tecnicamente, é mais preciso dizer

que a compra e venda pressupõe que o bem seja corpóreo, que seja uma coisa16. Quando se trata da transferência

da algo incorpóreo, por sua vez, fala-se em cessão onerosa. É o caso da cessão de direitos, como o direito de

crédito. Nessa cessão onerosa, em geral, aplicam-se todas as regras da compra e venda.

Para que seja válida a compra e venda, a coisa deve preencher alguns requisitos: deve existir, ser

determinada ou determinável, ser disponível e possível.

16 Como vimos na Teoria Geral do Direito Civil, alguns autores apontam como critério na distinção entre bens e coisas justamente a tangibilidade: coisas seriam aqueles bens corpóreos, em contraposição aos bens incorpóreos.

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I) Existência; Acerca da necessidade de existência da coisa, cabe uma observação preliminar: não confundir coisa

existente com coisa de existência atual! Com efeito, a existência a que se refere esse requisito trata-se da

existência genericamente concebida da coisa no mundo. Não é preciso que a unidade, aquela coisa que vai

ser objeto da compra e venda, já exista. É inclusive possível vender algo que ainda não foi fabricado, mas que

será. A contrario sensu, não se pode vender algo que não existe no mundo.

Essa coisa, na compra e venda, pode ser atual ou futura. É perfeitamente possível e válida, portanto, a

compra e venda de alguma coisa futura, nos termos do art. 483:

Isso é possível pois não há uma incompatibilidade entre a venda de coisa futura e a compra e venda como

concebida no nosso ordenamento, que como vimos possui eficácia meramente obrigacional. Ora, se o que

transfere a propriedade é momento lógico da tradição ou do registro, que é um ato subsequente ao contrato,

ainda que este se volte a isso, o importante é verificar se nesse momento do cumprimento do contrato a

coisa existe concretamente. Se a coisa, individualmente considerada, não existia no momento da entabulação

do contrato, mas existia no momento de seu cumprimento, a obrigação poderá ser cumprida naturalmente. Se,

por outro lado, a coisa não existir nesse momento, o contrato se resolve, e as partes são repostas no estado em

que antes se encontravam.

Ressalvando-se, acerca dessa última hipótese, que é possível também que mesmo a coisa não existindo no

momento do cumprimento do contrato ele seja perfeito, e portanto o preço deva ser pago. É o caso da compra e

venda aleatória. Ademais, cabe observar que apesar dessa admissão a priori da compra e venda de coisa futura,

há algumas cuja negociação é vedada por lei. São coisas que não são passíveis de negócios jurídicos, que não

podem ser objeto de qualquer alienação onerosa. É o caso da herança de pessoa viva.

II) Determinação; A coisa, além de existente, deve ser determinada ou determinável. Como vimos na Teoria Geral do

Direito Civil, pra que o negócio jurídico seja válido, seu objeto deve ser determinado ou determinável. Na

compra e venda, esse requisito aplica-se à coisa.

Por “determinável”, infere-se que é possível que a coisa não determinada se determine depois. O

problema é como se dá essa determinação a posteriori. Em princípio, naturalmente, dar-se-á como as partes

Art. 483 CC

A compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste caso,

ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção

das partes era de concluir contrato aleatório.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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tiverem compactuado. Mas o Código Civil estabelece uma alternativa de determinação da coisa, no art. 484,

com certas consequências que devemos analisar. São os casos de venda por amostra, protótipo ou modelo, que,

quando existentes, servem como critério de determinação.

Amostra é uma reprodução da coisa. Protótipo é a primeira unidade da coisa. Modelo é uma

representação da coisa (desenho, escultura, maquete, por exemplo). Quando a venda se faz por meio de um

desses tipos, dado que eles servem como fator de identificação da coisa, o vendedor terá que entregar algo que

se adeque a eles. Mais que fatores de mera identificação, eles constituem também fatores de qualificação da

coisa. Ou seja, identificam também as qualidades que a coisa deve ter. Assim, o vendedor só cumpre bem sua

obrigação se entrega algo que apresente as mesmíssimas qualidades e caracerísticas que a amostra, o

protótipo ou o modelo evidenciavam. São no fundo uma tradução da informação que o vendedor presta sobre a

coisa que vai ser entregue no futuro.

Se houver divergência entre as características desses elementos em relação ao que se descreveu no

contrato sobre a coisa, isto é, no caso de disparidade de informação, prevalece a caracterização de acordo com o

que se contém no protótipo, na amostra e no modelo. Em outras palavras, se o vendedor não se entregar algo

conforme o modelo, o protótipo ou a amostra, estará cumprindo mal sua obrigação, independentemente de

como descreveu a coisa no contrato.

No caso da amostra ou do protótipo é mais fácil identificar a exata caracterização da coisa. No modelo, é

mais difícil, pois ele não é a própria reprodução da coisa, é uma mera representação. O fato é que, se um desenho

de um produto evidencia, isto é, sucita a quem olha, a entrevisão de características relevantes, essas

características devem estar presentes na coisa. Por exemplo, se na plana de um apartamento estão

representados 3 dormitórios, e o apartamento tiver só 2, haverá um descompasso entre a coisa vendida e o

modelo representativo. Essa é uma análise casuística, e deve ser sempre pautada pelo princípio da boa-fé.

III) Disponibilidade; Além de existência e da determinação, a coisa deve ser dotada de disponibilidade, isto é, deve ser passível

de alienação. Em primeiro lugar, para que uma coisa seja passível de compra e venda deve estar no comércio.

Art. 484

CC

Se a venda se realizar à vista de amostras, protótipos ou modelos,

entender-se-á que o vendedor assegura ter a coisa as qualidades que a elas

correspondem.

Parágrafo único. Prevalece a amostra, o protótipo ou o modelo, se houver

contradição ou diferença com a maneira pela qual se descreveu a coisa no

contrato.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Lembrando que coisas fora do comércio são todas aquelas que não pode ser apropriadas pelo homem, como o ar

por exemplo. Há uma impossibilidade física.

Há também determinadas coisas que são legalmente inalienáveis, e portanto não podem ser objetos de

compra e venda. É o exemplo dos bens públicos, mais especificamente os bens comuns do povo. Ressalvando-

se que nem todos os bens públicos são inalienáveis! Além dos bens comuns, existe também os bens de uso

especial e dominical. Os últimos, de fato, podem ser vendidos, ainda que somente com autorização

administrativa, e os bens de uso dominial, por sua vez, podem desde que desafetados.

Por fim, cabe observar que alguns bens sao inalienáveis por força de vontade, pelo estabelecimento de

uma cláusula de inalienabilidade.

IV) Possibilidade de Transferência; Trata-se da possibilidade de transferência da coisa ao comprador. Não é mais uma possibilidade

genérica, mas específica.

Para transferir a propriedade a outrem, é antes de tudo imprescindível que o alienante tenha a

propriedade da coisa, afinal, já diziam os romanos, não se pode transferir mais direitos do que se tem. Todavia,

dado que a transferência só se opera num ato posterior à entabulação do contrato de compra e venda, fica a

questão de se o vendedor pode vender algo que não lhe pertence.

PROBLEMA

A venda de algo que não pertence ao vendedor é chamada venda a non domino. Para boa parte da doutrina, a

consequência dessa venda é a sua nulidade. Se chegar no momento da entrega e a coisa ainda for de terceiro,

é claro que a compra e venda terá que ser resolvida, com as devidas indenizações. Todavia, a nulidade não

permite a convalidação do ato, então o que acontece se, no momento da entrega, o vendedor tiver a

propriedade da coisa? Anular-se-á uma venda que poderia ser adimplida na prática?

Por isso, talvez melhor seja dizer que a venda a non domino é ineficaz. Isso significa dizer que ela existe e é

válida, e o problema transforma-se numa questão de eficácia, de produção de efeitos. Isso abre a possibilidade

de, se o vendedor se tornar dono até o momento da entrega, ocorrer a pós-eficacização do contrato.

Esse entendimento, de mera ineficácia da compra e venda a non domino, é endossado por uma regra

administrativa que permite ao tabelião lavrar a escritura pública de coisa que não é do vendedor, desde que

advirta o comprador desse fato.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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2. Preço; O preço, como vimos, é a contrapartida da entrega da coisa. Assim como a coisa, deve preencher certos

requisitos: deve ser em dinheiro, determinado e sério.

I) Em Dinheiro; O preço deve não apenas ser em dinheiro, mas em moeda nacional. Com efeito, salvo algumas exceções,

em que se admite a moeda estrangeira, a regra é de que as obrigações pecuniárias devem ser em moeda

nacional.

É possível que o preço em dinheiro esteja representado em títulos de crédito. Mas então surge a

questão: na entrega de um título de crédito é como se o preço ja estivesse sendo entregue, ou só se considera entregue o

preço quando for pago o título? Ambas as hipóteses são possíveis: a primeira trata dos títulos pro soluto, no qual a

mera entrega do título de crédito já configura como pago o preço, e é a regra geral no nosso sitema; a segunda,

por sua vez, trata dos títulos pro solvendo, nos quais o título só tem efeito de pagamento quando for pago. Isso

deve ser pactuado entre as partes, caso contrário cai-se na regra da pro soluto. Os títulos pro solvendo são os mais

usuais na prática.

Observe-se que o preço não precisa ser todoem dinheiro, bastanto que sua parcela principal o seja. Caso

contrário, não se trata de uma compra e venda, mas de uma troca, uma permuta.

II) Seriedade; O segundo requisito do preço é a sua seriedade. Preço sério é o preço real, que denota a realidade da

compra e venda, e que pode ser considerado uma contrapartida da coisa. A contrario sensu, é um preço que não é

ínfimo, vil, pois isso seria um indicativo de simulação.

O que se quer evitar não é apenas a simulação absoluta, mas a simulação relativa, na qual a compra e

venda serviria para dissimular outro negócio, e que é o que mais costumeiramente acontece quando o preço não

é sério.

É possível que uma compra e venda seja entabulada por um preço que não corresponda ao do mercado,

isso não é um vício por si só. Mas é possível que o desequilíbrio seja tal que represente uma lesão, isto é, que

configure um vício naquela compra. Ou, ainda, pode ser que mais que um preço injusto, pode ser um preço

destituído de qualquer seriedade, e nesse caso seria um indicativo não de lesão, mas de simulação.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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III) Determinação; O preço, além de sério e em dinheiro, tem que ser determinado ou determinável. Quando o preço já

está determinado, não há grandes problemas. A dificuldade surge, porém, quando o preço não está determinado

de antemão, e precisa ser determinado, como é muito comum por exemplo, no mercado de comodites. A

pergunta então é: como se dá essa determinação?

1) Pelas próprias partes: é possível que as partes, ao entabularem a compra e venda, digam que o preço

será fixado depois por elas próprias. Assim, o preço, no momento em que as partes tiverem

estabelecido previamente, deverá ser estipulado por elas – no plural! – mesmas. As partes não podem

convencionar que o preço no futuro será estabelecido só por uma delas! Nesse caso, a compra e venda

seria nula. Isso está expresso no no art. 489. Essa nulidade remete à vedação, pelo ordenamento, de

cláusulas puramente potestativas17.

2) Pelo arbítrio de terceiro: é possível que o preço seja fixado a posteriori não pelas partes, mas por um

terceiro incumbido por elas de tal tarefa. As partes podem estabelecer isso mas também não podem

relcamar depois da eventual inconveniência do preço fixado pelo terceiro! Claro que, se o terceiro fixar

um preço excessivamente oneroso pra uma das partes, é possível discutir a existência de lesão, assim

como se as próprias partes tivessem escolhido o preço. É um falso problema.

Se o terceiro não escolhe o preço – seja porque não quis, porque morreu, porque tornou-se incapaz,

etc. – a compra e venda se torna sem efeito, ou seja, se resolve. Percebe-se nessa solução um

incoerência com a parte geral do direito obrigacional. Com efeito, nas obrigações alternativas, quando

o terceiro incumbido da escolha não a faz, o juiz pode suprir a escolha para que o negócio possa

sobreviver. Não admite-se essa hipótese de escolha judicial na fixação do preço da compra e venda.

17 Com efeito, o art. 122 do Código Civil prevê a ilicitude de cláusulas que se sujeitem ao puro arbítrio de uma das partes. Cabe observer, porém, que a vedação do código não se extende às cláusulas potestativas simples, como é o caso da retrovenda e da venda a prova, mas tão somente às potestativas puras.

Art. 489

CC

Nulo é o contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo

de uma das partes a fixação do preço.

Art. 485

CC

A fixação do preço pode ser deixada ao arbítrio de terceiro, que os

contratantes logo designarem ou prometerem designar. Se o terceiro não

aceitar a incumbência, ficará sem efeito o contrato, salvo quando

acordarem os contratantes designar outra pessoa.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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3) Conforme o preço do mercado: É possível que a determinação do preço se estabeleça em função dos

preços do mercado, o que é muito comum no direito comercial. Determinadas coisas são cotáveis em

mercados próprios, e é possível que as partes deixem a determinação do preço para aferição em data

futura conforme o preço daquela coisa no seu mercado próprio.

A primeira observação que deve ser feita nesse ponto é que o mercado tem que ser indicado (por

exemplo, a bolsa de valores de São Paulo). Caso contrário, cai-se na indeterminação geral do negócio

jurídico, e na sua consequente invalidade. Outra observação é que muito comum nesses mercados que

haja num mesmo dia oscilações no valor da coisa. Nesse caso, vale a regra da cotação média.

4) Preço pelas vendas habituais: Convencionada a venda sem fixação de preço ou de critérios para a

sua determinação, se não houver tabelamento oficial, supre-se a omissão presumindo-se que as partes

se sujeitaram ao preço corrente nas vendas habituais do vendedor.

Assim, de acordo com o art. 488 é possível suprir a omissão das partes recorrendo ao preço das vendas

habituais da coisa. É uma determinação objetiva. Mas a aplicação dessa exceção é bem restrita, pois

deve-se admitir que o vendedor é um vendedor habitual, e ao mesmo tempo deve ser um civil.

5) Aplicação de índices ou parâmetros: O código civil estabelece hoje também a possibilidade de

venda por índices ou parâmetros, nos termos do art. 487:

Art. 486

CC

Também se poderá deixar a fixação do preço à taxa de mercado ou de

bolsa, em certo e determinado dia e lugar.

Art. 488

CC

Convencionada a venda sem fixação de preço ou de critérios para a sua

determinação, se não houver tabelamento oficial, entende-se que as partes

se sujeitaram ao preço corrente nas vendas habituais do vendedor.

Art. 487

CC

É lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros, desde

que suscetíveis de objetiva determinação.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Vender por índices ou parâmetros é estabelecer uma cláusula de escala móvel. Afinal, o índice ou

parâmetro significam uma forma de atualizar o valor da moeda – é uma forma de indexar, manter o

valor real da moeda.

Cabem, aqui algumas ressalvas. Primeiro, que esse índice não pode ser em moeda estrangeira, salvo

nas hipóteses permitidas em lei. E segundo, que é preciso ter cautela em relação aos índices setoriais.

Estes se aplicam a determinado setor da economia, e para servirem como índices pra compra e venda

pressupõem que ela se refira àquele setor específico da atividade econômica. É muito comum a

utilização do índice que mede a variação dos preços dos insumos da construção civil. Mas, para isso, é

preciso que nessa compra e venda o imóvel esteja em construção!

6) Por tabelamento oficial: esse critério de determinação aparece geralmente em épocas de grande

inflação.

7) Lance: trata-se das compras feitas em leilão.

Antes de passar à análise do consentimento, é preciso tratar de um tema relativo ao preço: os seus

acessórios. Acessórios do preço são despesas decorrentes da própria contratação da compra e venda, isto é,

despesas referentes à entrega da coisa, à escritura, ao registro, etc. A pergunta então é: quem responde por essas

despesas? O comprador ou vendedor?

Segundo o art. 490, tudo que disser respeito à entrega da coisa vendida é despesa do vendedor. Ele então

deve suportar, salvo cláusula em contrário, já que essa matéria é dispositiva, as despesas da entrega. As

despesas com escrituração e registro, porém, são despesas do comprador.

Art. 490

CC

Salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a

cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição.

PROBLEMA 2

É costume que, na compra e venda imobiliária, discuta-se quem pagará a comissão devida a um corretor que

tenha intermediado a negociação. E é comum usar esse artigo como fundamento para que o comprador pague

a comissão, mas isso é totalmente equivocado! Corretagem é outro contrato, é um contrato de aproximação,

de intermediação, não só de uma compra e venda. A corretagem é um contrato que o corretor firma com o seu

cliente. No caso de compra e venda, ele pode ser contratado com o vendedor ou com o comprador, e quem o

contratou, naturalmente é quem deve pagar. Há vendedores, porém, que imbutem o preço da comissão no

próprio valor da coisa, mas se o comprador aceitar, não há problemas.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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3. Consenso; Para que a compra e venda seja válida é preciso que as manifestações de vontade que lhe dão nascimento

sejam válidas. Vimos na parte geral do direito civil as regras relativas à capacidade. Agora, veremos questões

relativas à legitimação. Legitimação significa uma restrição ou mesmo um impedimento a que determinadas

pessoas capazes pratiquem determinados negócios jurídicos com outras pessoas, também determinadas. Em

outras palavras, há pessoas que não podem vender para outras, ou então podem, mas desde que observados

certos requisitos.

I) Venda de ascendente a descendente; O art. 496 exprime a regra da vedação à venda de ascendente para descendente, quando realizada sem a

anuência dos demais descendentes. Assim, por exemplo, um pai não pode vender a um filho sem o

consentimento de outros descendentes, filhos ou netos.

Essa é uma regra antiga, e seu significado histórico reside numa intenção de garantir a igualdade

sucessória dos descendentes, que são herdeiros necessários. Com esse intuito, a regra procura evitar a

simulação de uma doação, que por sua vez poderia ser uma forma de aquinhoar um dos descendentes de

maneira melhor do que os demais, acarretanto assim uma desequiparação entre eles. Assim, o legislador

presume que, se um ascendente vende para um descendente sem a autorização dos demais descendentes, ele está

simulando para cobrir uma doação.

Art. 496

CC

É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros

descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem

consentido.

Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do

cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Nesse sentido, tendo em vista evitar essa doação, que representaria uma desequiparação dos

descendentes, o legislador tornou anulável a venda que poderia ter como objetivo dissimulá-la. A falta de

consentimento dos demais descendentes, nesse sentido, seria justamente um sinal de que a venda seria na

verdade uma simulação para mascarar uma doação.

É preciso fazer alguns esclarecimentos. Primeiro, o que se busca evitar com essa regra é uma

desequiparação dos descendentes, pois eles são herdeiros necessários. Isso significa que cada um,

obrigatoriamente, receberá uma parcela igual da da legítima, isto é, da metade indisponível da herança do

ascendente. Assim, se um homem não é casado e tem três filhos, metade de sua herança será dividida

igualmente entre os três filhos, e é essa igualdade que se busca garantir.

Segundo que, apesar de os filhos herdarem de maneira equivalente, no que diz respeito à parte

indisponível da herança, é possível que eles herdem de maneira distinta no que concerne à metade disponível.

Em outras palavras, apesar de a cada um dos três filhos caber um terço da metade da herança, é perfeitamente

possível que o ascendente deixe toda a outra metade para só um dos filhos, ou não deixe para nenhum deles.

Afinal, o indivíduo pode dispor como bem entender da parte disponível da herança. Se o indivíduo não tiver

herdeiros necessários, toda sua herança é disponível.

Na doação em vida, o bem doado pode estar saindo da parte disponível ou da parte indisponível. Com a

parte disponível o ascendente pode fazer o que bem entender, mas, se ele não disser nada, a lei presume que o

ASCENDENTE

Exige anuência dos demais

descendentes

Compra e

Venda DESCENDENTE

Para evitar... Pode dissimular

uma

Doação |

Presume-se que é um adiantamento

da legítima |

Pode representar uma

| Desequiparação

dos descendentes

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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bem doado do ascendente ao descendente está saindo da parte indisponível, sendo assim um adiantamento

da legítima. Em outras palavras, presume-se que o bem integra a parte da herança que o donatário receberia

após a morte do doador. O problema é que se for assim, é preciso verificar se aquele bem realmente “cabia” na

parte da herança indisponível destinada àquele descendente beneficiário. Se não houvesse esse filtro, em última

instância, poder-se-ia imaginar que o ascendente poderia doar tudo para um de seus filhos, e os outros ficariam

sem nada da herança. Ora, os herdeiros necessários não podem ser excluídos da herança, afinal a lei lhes

garante que metade da herança lhes será entregue de maneira equânime.

Essa verificação é chamada colação. Trazer um bem à colação, portanto, significa trazer para o

inventário de uma pessoa o seu valor para verificar se aquilo cabia no valor disponível da parte. Porém, nada

impede que se faça uma doação a um dos filhos, dizendo que aquela doação se trata da parte disponível. Mas,

também nesse caso é preciso trazer à colação no inventário, mas agora para verificar se cabia na parte

indisponível.

Ao vedar a venda realizada sem a anuência dos demais descendentes, nesse sentido, busca-se evitar que

tal venda seja um meio de esquivar-se dessa colação, dessa conferência necessária nas doações. Em outras

palavras, o que o legislador quer é evitar a fraude a todas essas disposições acerca do que o ascendente pode

deixar para o descendente, contingências estas que tendem a igualar as condições dos filhos em relação à sua

legítima. Isso será retomado na parte de doação.

Mas, se o que se quer evitar é uma venda que dissimule uma doação, surge a questão: e se a venda foi de

verdade, e não simulada? Não há um consenso acerca dessa questão (aliás, nessa matéria não tem consenso em

quase nada, é só problema...).

PROBLEMA

Presume-se, portanto, que a venda é uma simulação com o intuito de encobrir uma doação. Mas essa

presunção admite prova em contrário, isto é, admite que se prove que trata-se de uma compra e venda verdadeira?

Em outras palavras, trata-se de uma presunção relativa ou absoluta?

Se for relativa, seria possível provar quando eventualmente os demais descendentes queiram anular essa

venda, que a venda foi feita de verdade, isto é, que houve, sim, pagamento de preço, e que o preço era real.

Assim, permitir-se-ia que os descendentes discutissem perante aquele descendente que foi aquinhoado acerca

da realidade do negócio.

Tratando dessa questão há dois acórdãos opostos do STJ. A tendência da jurisprudência é permitir, sim, a

prova de que o negócio foi real. Por exemplo, Ticio vende algo a sua filha Ticiana, e seus outros filhos, que

não anuíram a essa venda, propuserem uma ação anulatória. Para boa parte da jurisprudencia, de fato, é

possível que, em defesa, Ticiana alegue a prova de que foi uma compra e venda de verdade.

Especialmente na doutrina, e Godoy integra essa posição, há um entendimento oposto, que discorda dessa

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possibilidade. Parece-lhe que nessa tese aparentemente vencedora está-se consolidando um defeito. É verdade

que o que a lei quis foi evitar a simulação; porém, parece-lhe que o legislador quis mais: a lógica sistemática

desse dispositivo seria de evitar a própria discussão sobre a ocorrência da simulação. Afinal, essa discussão

se dá em meio ao seio familiar, entre parentes próximos. O legislador, estabelecendo uma regra especial —

tirando do campo da simulação, pois —, disse que não pode sem anuência e pronto, querendo evitar a própria

instauração da discussão, com o intuito de preservar a unidade familiar.

Hoje a lei diz que essa regra não é nem de nulidade, mas apenas de anulabilidade, apesar de ter como objetivo

evitar uma simulação, cuja sanção é, como vimos, a nulidade.

PROBLEMA

Além dos descendentes, figuram também os conjugues e os ascendentes como herdeiros necessários.

Acerca dos ascendentes, é fato que eles são herdeiros necessários. Assim sendo, se alguém morre sem deixar

descendentes, quem herdará serão os ascendentes, pois mesmo assim não se pode afastar da herança em

metade os pais do de cujus. Mas então, por exemplo, Tício pode vender para sua mãe sem a anuência dos

demais ascendentes, dos avós paternos por exemplo, na hipótese de seu pai já estar morto? Sim! O problema

para nós hoje é que a lei vedou a venda de ascendente a descendente sem a anuência dos demais, mas não o

inverso. Em outras palavras, pelo nosso sistema, o descendente pode vender a um dos ascendentes sem a

anuência do outro ou dos outros.

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E quanto ao cônjuge dos filhos? Por exemplo, Caio é viúvo, tem três filhos, e pretende vender um imóvel

para seu filho mais velho, solteiro. Porém, ambos os outros filhos são casados. Pergunta-se: é necessária a

anuência dos cônjuges dos filhos? Entende-se que não!

PROBLEMA

Os cônjugues, por sua vez, são historicamente os terceiros na ordem sucessória, isto é, herdam depois dos

descendentes e dos ascendentes. Todavia, atualmente, conforme o regime de bens, o conjungue tem um

direito preferencial: nos bens em que não é meeiro, herda junto com os outros herdeiros, de acordo com o

art. 1.828:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com

o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art.

1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não

houver deixado bens particulares;

Antes de tudo cabe observar que esse artigo falhou feio ao deixar de fora desse rol o companheiro. Dado que a

união estável é intrinsecamente idêntica ao casamento, o companheiro também deveria ser herdeiro

necessário. Mas enfim, de acordo com o inciso I desse artigo, há certas situações em que o cônjuge, que

também é herdeiro necessário, herda conjuntamente com os descendentes.

Apesar de ser sempre herdeiro necessário, um conjugue pode vender para o outro desde que não seja um

bem comum, mesmo sem anuência dos descendentes.

Os regimes que a lei conhece e previamente tipifica são: a comunhão universal de bens (abrange o que cada

um tinha antes, e o cada um adquiriu depois, a título oneroso ou gratuito); a separação convencional de

bens (as partes estabelecem um pacto pré-nupcial, e quase nada se comunica); a comunhão parcial de bens

(regime subsidiário legal para quando as partes não tiverem escolhido nenhum dos outros regimes –

comunhão de aquestos — o que os cônjuges adquirem a título oneroso no tempo do casamento é comum); e a

separação obrigatória (regime de separação em que nada ou quase nada se comunica – é um regime que o

legislador impõe como uma forma de proteção de um dos cônjugues; imposto, por exemplo, para os que casam

depois dos 60 anos, para o que se casam com infração, etc).

Diz a lei que, se eu quiser vender um bem imóvel para um de meus filhos, eu preciso obter a anuência de meu

cônjuge, a não ser que eu seja casada na separação obrigatória de bens. Isso é uma forma de proteção do

cônjuge. Lógica da ressalva: na maior parte dos regimes de bens, já para vender alguma coisa é preciso obter

a anuência do cônjuge (art. 1.647).

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Cabe observar que essa anuência de que trata o dispositivo precisa ser expressa. Se o negócio jurídico é

formal, as anuências que ele exija também o deverão ser. Nesse sentido, se a compra e venda é imobiliária, via

escritura pública, a anuência também deve ser dada via escritura pública.

Os descendentes a que a lei se refere, exigindo sua anuência, são aqueles já reconhecidos no momento da

venda. Ademais, cabe salientar que filho é filho, então a regra vale quer para filhos biológicos, quer para

adotivos, etc.

Uma vez efetuada a venda de ascendente a descendente sem a observância dessa regra, ou seja, sem a

anuência dos demais descendentes, a consequência é a da anulabilidade, nos termos do art. 496. Assim, os

descendentes não anuentes teriam um prazo, decadencial, para exercitar seu direito potestativo de anular a

venda. Havia uma discussão no tempo do Código antigo acerca das consequências dessa falta de anuência, se

seriam voltada à nulidade ou anulabilidade do ato. Para sanar essa discussão, foi preciso editar a súmula 494,

que estabelecia a consequência de nulidade para esses casos. Porém, dava 20 anos de prazo de prescrição para

reclamar. Atualmente, o código é explícito a esse respeito, e o prazo não é mais de 20 anos nem prescricional.

PROBLEMA

Suge então a questão: e se os descendentes, dos quais exige-se a anuência, não quiserem anuir? O juiz pode suprir a

vontade desse descendente, se injustificada? Isso é um problema do Código velho, que continua no novo.

Alguns autores afirmam que não é possível suprir a vontade do descendente ou do cônjuge que se recusa a

anuir, porque, na verdade, é uma vontade discrionária, potestativa que ele tem.

Outros sustentam, por outro lado, que mesmo direitos potestativos se sujeitam ao abuso, e o sistema não

se compadece com o abuso. Se se provar que a recusa é abusiva, o juiz poderá, então suprir a vontade.

O que haverá, nesse caso, é um inevitável problema casuístico de prova.

PROBLEMA

Cabe então estabelecer qual é esse prazo concedido aos descendentes para anularem o negócio, uma vez que

a lei não explicita isso. Como vimos na Teoria Geral do Direito Civil, os prazos decadenciais não estão num

rol sistematizado como os prescricionais, e há uma regra (art. 179) que determina que quando o prazo

decadencial não tiver sido estabelecido de maneira expressa, ele será de 2 anos.

Mas então, a partir de quando se conta esse prazo de 2 anos? Quando as partes contratam, quando se dá a

tradição, ou quando os outros descendentes tomam ciência da venda? Isso a lei não respondeu de maneira

espressa, até porque não estabeleceu prazo específico para esse tópico, e consiste hoje numa matéria

completamente em aberto. Para o Godoy, parece mais razoável imaginar que o prazo de dois anos seja

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Não é raro que a compra e venda de descendente a ascendente, para burlar a anuência dos demais

descendentes, faça-se por pessoa interposta. Ou seja, o pai vende pra uma pessoa x, para que ela depois

retransmita o bem para o filho (por doação ou por compra e venda). Nesse caso, cai-se no regramento geral da

simulação. Essa simulação, então, deve ser provada, não há presunção.

Às vezes, o descendente que tem de anuir é menor de idade. Ele terá de ser assistido, se for

relativamente incapaz, ou representado, se absolutamente incapaz. Ora, se o ascendente doador for seu

representante legal, há uma colidência de interesse entre representante e representado, então o juiz intervem

nomeando um curador especial ad hoc.

Mas e se aquilo que no momento da compra e venda não cabia na minha parte disponível depois passar a

caber? Afinal, a herança pode aumentar ou diminuir nesse meio tempo. Isso é uma das maiores questões da

colação. A tendência é examinar o valor no momento da morte, considerando o aumento que possa ter

acontecido (cf. art. 2.002 e 2.007).

Por fim, observe-se que o art. 496 tem sido aplicado também aos compromissos de compra e venda, uma

vez que este muitas vezes tem efeitos quase idênticos ao da compra e venda; às cessões onerosas de direito em

geral; à troca (a regra só se aplica quando provado que o valor do bem alienado ao ascendente tinha valor

menor que o alienado ao descendente). Em relação à dação em pagamento, há uma grande discussão acerca da

aplicabilidade dessa regra. Alguns defendem que a dação em pagamento é uma transferência oneroso, portanto

aplicar-se-ia a regra. Majoritariamente, porém, entende-se que não, pois é uma transferência, sim, só que de

uma dívida que já existe. Godoy concorda com essa corrente.

II) Conflito de Interesses;

contado da tradição para os móveis e do registro da venda para os imóveis, pois são os atos publicitários

da compra e venda, que permitem que os outros descendentes tomem conhecimento da venda realizada.

O que alguns autores ponderam, e com alguma razão, é que seria razoável contar o prazo a partir do

momento da morte do alienante, evitando-se, portanto, que ainda em vida do alienante se discuta a um

problema que diz respeito a uma questão sucessória.

Art. 497

CC

Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta

pública:

I - pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens

confiados à sua guarda ou administração;

II - pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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O art. 497 é também uma regra de legitimação, cujo escopo é evitar também um conflito de interesse.

Diferentemente dos casos analisados, o descumprimento dessa regra leva não à anulabilidade da venda, mas à

sua nulidade. Isso porque nesses casos há um evidente conflito de interesses, que não abre brechas para

discussão.

Assim, sob pena de nulidade, não podem ser comprados pelos tutores e curadoes nem mesmo em hasta

pública bens que sejam dos respectivos incapazes. Destarte, um tutor não pode comprar bens do tutelado; um

curador não pode comprar bens do curado. A limitação vai até a prestação de contas da tutela e da curatela.

Os servidores públicos em geral também não podem comprar os bens da pessoa jurídica que servirem.

Assim, por exemplo, um dirigente autárquico não pode comprar bens da própria autarquia. Os juízes não

podem comprar os bens do lugar em que servirem e que se estendam a sua autoridade. Godoy, juiz de uma vara

de Civil na cidade de SP, não pode comprar bens que estejam inventariados sob sua presidência. Pode comprar,

porém, bens com outras pessoas. Por fim, o leiloeiro não pode comprar bens do pregão em que estiver

presidindo.

III) Venda de Cota Condominial;

jurídica a que servirem, ou que estejam sob sua administração direta ou

indireta;

III - pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros

serventuários ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se

litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se

estender a sua autoridade;

IV - pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam

encarregados.

Parágrafo único. As proibições deste artigo estendem-se à cessão de

crédito.

Art. 504

CC

Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a

estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a

quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço,

haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e

oitenta dias, sob pena de decadência.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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De acordo com o art. 504, um condômino não pode vender a um terceiro a sua cota parte proprietária

sem dar direito de preferencia ao(s) outro(s) condômino(s).

A primeira observação que deve ser feita é que essa regra não incide no condomínio especial, edilício,

pois embora haja nele áreas comuns, há unidades autônomas exclusivas de cada condômino. Assim, se eu quiser

vender um apartamento, não preciso dar preferência a todos os outros condôminos. Mas, se por exemplo, eu for

coproprietária de um apartamento, nesse caso a regra incide, pois trata-se de um condomínio comum.

Essa regra, cabe salientar, incide desde que a coisa comum seja indivisível, pois se for divisível a

alienação de uma cota-parte pode sempre significar a divisão, pela qual cada condômino ficaria com uma nova

unidade. Essa regra, então, a rigor aplica-se aos condomínios comuns e indivisíveis.

O sentido da regra é concentrar a propriedade naquele que já era dono. A situação de copropriedade

no direito brasileiro tende, salvo no condomínio especial, a se desfazer em qualquer momento. Essa regra vai

nesse sentido. Se um condômino quiser vender, tem que antes garantir a possibilidade de que, nas mesmas

condições do terceiro interessado, o outro condômino possa adquirir sua cota-parte.

O legislador, ao utilizar o temo “tanto por tanto”, exprime que o direito de preferência que o condômino

tem para adquirir a cota parte é nas mesmíssimas, exatas condições da venda que seria feita ao terceiro. Por

exemplo, quero vender minha metade de uma propriedade a um terceiro por 10 mil dilmas pagas à vista. Antes

de vender ao terceiro, tenho que avisar o outro coproprietário, que tem antes a preferencia para adquirir minha

cota-parte nessas mesmas condições. Mesmas condições, cabe salientar, não só no valor, mas em tudo: no prazo,

na forma de pagamento, etc.

O que acontece se vendo minha parte ideal a terceiro sem antes ter propriciado ao coproprietário o direito de

preferencia? Primeiro, observe-se que o direito de preferência não existe só na compra e venda, existe também

por exemplo na locação (locatário tem direio de preferência se o locador quiser vender a coisa). Mas é, no fundo,

sempre a mesma coisa, aplicável a institutos diversos. O ponto é que o descumprimento desse direito pode

ensejar consequências diferentes. As vezes gera, como em regra acontece na locação, uma consequência

PRIORIDADE DO CONDÔMINO

Bem indivisível

Condomínio comum

Mesmas condições da venda ao 3o

Descumprimento Pretensão Real

Condomino preterido pode depositar o valor em juízo e

haver para si a cota parte vendida a terceiro

Prazo = 180 dias

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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indenizatória. Em outros casos, como nessa compra e venda, o desrespeito ao direito de preferencia não gera

apenas uma pretensão pessoal indenizatória, gera uma pretensão real: quem teve tal direito desrespeitado pode

“ir atrás” de coisa. Com efeito, de acordo com o art. 504, caput, o condômino nessa situação pode, em 180 dias,

depositar judicialmente exatamente aquilo que o terceiro pagou para o condômino que desrespeitou seu direito

de preferência, e haver para si a cota-parte vendida.

O prazo de 180 dias é contato a partir do momento em que se dá a publicidade dessa venda. Assim,

para os móveis a partir da tradição, e para os imóveis a partir do registro.

Por fim, o parágrafo único trata da hipótese de haver mais de um condômino que quer exercitar a

preferência, estabelecendo como se gradua essa preferência. Essa ordem de preferência não se estabelece pelo

tamanho da cota-parte dos condôminos! Com efeito, o primeiro critério diz respeito ao valor das benfeitorias

que o condômino tiver introduzido. O tamanho da cota-parte, por sua vez, figura como o segundo critério,

aplicável caso o primeiro seja inconclusivo. Se, todavia, não houve benfeitorias, e o quinhão de todos for igual,

exerce-se o direito de preferência na proporção da cota parte de cada um: mantém-se a mesma proporção

condominial, e cada condômino adquire, da cota-parte do alienante, uma parcela proporcional à própria.

Art. 504

CC

Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver

benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior.

Se as partes forem iguais, haverão a parte vendida os comproprietários, que

a quiserem, depositando previamente o preço.

Valor das benfeitorias introduzidas

• Caso haja benfeitorias, e diferença de valor

Tamanho da cota-parte

• Caso o quinhão não seja igual

Divisão proporcional à

cota parte

• Se falharem os outros critérios

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

106

IV) Compra e venda entre Cônjugues;

Há uma razão histórica para a existência desse dispositivo, que aliás nem existia no Código anterior.

Neste, com efeito, não se abria essa exceção à vedação de compra e venda entre marido e mulher, e essa

portanto era sempre proibida. Na verdade, continua não podendo, mas quando se trata de bem comum. Isso

porque se a coisa já é dos dois, é claro que não pode haver compra e venda entre eles.

Mas, na comunhão marido e mulher não tem cada qual 50%? Não! Comunhão e condomínio não são institutos

iguais. Se duas pessoas são condôminas, cada qual tem uma parte ideal, quantitatvamente considerada, da coisa.

No caso da comunhão, as duas pessoas juntas são donas do todo. Essa comunhão, no casamento, só cessa uma

vez cessado o próprio casamento – nesse caso, as meações vão se estremar, e pode ser até que na partilha desse

patrimônio comum estabeleçam-se condomínios. Na comunhão cada dono é dono na totalidade, e não em partes

ideais.

Nesse sentido, um conjugue nunca pode adquirir do outro bens que são comuns, pois não se pode

adquirir algo de que já se é dono.

No código anterior os conjugues não podiam vender nem bens particulares um ao outro. Isso porque

antes o regime de bens do casamento era imutável, assim, as partes casadas por um tal regime de bens não

podiam modificá-lo. O objetivo era proteger a mulher – porque no código civil anterior a mulher quando se

casava sofria uma capso ius – ou seja, ela se tornava relativamente incapaz e sujeita ao pode marital. Então, como

uma contrapartida protetiva à mulher, já que os bens dela passavam à administração do marido, garantia-se a

imutabilidade do regime de bens, impedindo que o marido impusesse à esposa uma alteração danosa a ela no

regime de bens.

Isso atualmente não faz mais sentido. Hoje há uma cogestão patrimonial no casamento e na união estável.

Assim, faz mais sentido atualmente que seja possível que um conjugue venda a outro, desde que se trate de um

bem particular e não comum.

Mas e no regime da separação obrigatória, a compra e venda entre os conjugues não pode significar uma maneira

oblíqua de fugir à obrigatoriedade do regime? Poder pode, mas isso terá que ser discutido caso a caso. O legislador

não ressalvou aprioristicamente a impossibilidade de compra e venda entre conjugue no regime da separação

obrigatória. Ao não faze-lo, não criou um óbice aprioístico, mas não afastou a hipótese de no caso concreto

demonstrar-se que uma compra e venda tendeu a burlar a regra.

Art. 499

CC

É lícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos da

comunhão.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

107

V) Venda por um dos Cônjugues;

O art. 1.646 estabelece um rol de atos que um conjugue não pode praticar sem a anuência do outro.

O inciso I veda que o conjugue venda bens imóveis sem a anuência do outro. Estabelece, assim, uma

regra geral da necessidade da outorga do marido ou da esposa: eles precisam consentir na alienação de bens

imóveis.

A outorga existe para que o cônjugue possa alienar um bem imóvel que é seu, é uma autorização do

outro cônjugue para que se possa fazer essa alienação. Com efeito, se o bem for comum, não se trata de outorga,

pois ambos são donos do bem! Quando o bem é comum a alienação só pode ser feita pelos dois, afinal os dois

são coproprietários (em sentido amplo).

Essa regra consiste numa garantia legal que, no fundo, serve a possibilitar o controle, por um dos

conjugues, do comprometimento de bens que mesmo titulados em nome do outro podem ser aquestos,

comuns. Por exemplo, Caio é casado no regime de comunhão parcial com Semprônia e recebe uma herança.

Para que ele possa alienar os bens dessa herança, precisa da autorização de Semprônia, para se garantir assim

que ela possa verificar se de fato é um bem só dele, ou se é um bem comum mas não titulado como tal.

O caput dispensou a outorga nos casos em que o casamento tiver sido celebrado com separação absoluta

de bens. Primeiro há de se ressalvar que existe separação convencional e legal, mas não existe absoluta! Alguns

afirmam que o legislador quis se referir, aí, à separação obrigatória, em consonância com o art. 496, parágrafo.

Outros afirmam que esse termo abrange tanto as separações convencional quanto legal, pois nesses regimes

como nada nunca se comunica, portanto nenhum bem seria comum, e então não haveria necessidade quer de

outorga para a alienação do 1.647 quer de anuência para venda de ascendente para descendente.

Art. 1.647

CC

Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem

autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; (...)

PROBLEMA

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

108

Se desrespeitada a regra do art. 1.647, o conjugue prejudicado pode invalidar a alienação. Aqui, ademais,

não há dúvida de que se o conjugue não quiser outorgar sua anuência o juiz pode supri-la.

EFEITOS DA COMPRA E VENDA

O problema é que, se era pra ressalvar, melhor teria sido ressalvar os dois, porque a lógica é a mesma.

Ademais, se fosse pra ressalvar só um seria o da separação convencional, já que a separação legal tem uma

maior carga de proteção legal. O que acontece é que há uma tendência: e se em regimes de separação houver

aquestos? Por exemplo, dois conjugues compram com o dinheiro conjunto um imóvel que foi registrado apenas

pelo marido – esse bem não deve se comunicar? Hoje, no código atual, pelo menos na separação obrigatória,

entende-se que tem que comunicar. Na separação convencional, entendia-se que se os próprios conjugues

escolheram a separação – já que essa foi feita por pacto – então azar o deles! Mas atualmente questiona-se

essa posição, alegando-se que seria um caso de enriquecimento sem causa.

Se há possibilidade de aquesto, então não deveria ter ressalva nenhuma! Deveria ter que anuir sempre!

PROBLEMA

A necessidade de outorga – ou vênia conjugal – se aplica na união estável? Como vimos no primeiro ano, a

diferença entre o casamento e a união estável é meramente extrínseca. Assim, não há nenhuma diferença

interna de dignidade, importância, de direitos e deveres que decorram da relação interna matrimonial ou de

união estável. Mas também não são institutos idênticos. São entidas familiares de igual dignidade – a diferença

é extrínseca: decorre da formalidade pública inerente ao casamento, que a união estável não tem. Alguns efeitos

que decorrem da formalidade pública registraria do casamento não se extendem à união estável. A tendência é

dizer que na união estável não se exige outorga porque o terceiro não tem como saber se o vendedor vive ou

não em união estável.

EFEITOS DA COMPRA E

VENDA

Exigibilidade das prestações

Vícios redibitórios e

evicção Universalidades

Defeito de quantidade na

venda imobiliária Riscos da coisa Débitos da coisa

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1. Exigibilidade das prestações;

O primeiro efeito básico da compra e venda é a exigibilidade das prestações, tanto do comprador

(pagar o preço) quanto do vendedor (entregar a coisa).

Se nada tiver sido estabelecido em contrário (é um direito disponível, então pode-se prever de maneira

diversa), e se não se tratar de compra e venda para pagamento do preço a prazo, as prestações do comprador e

do vendedor são simultâneas. Dessa forma, o vendedor só entrega a coisa mediante a entrega do preço e o

comprador só paga o preço mediante a entrega da coisa. O código deixa entrever isso no art. 491:

O art. 495, todavia, estabelece uma exceção a essa simultaneidade. Ademais, especifica-se nele uma regra

que já analisamos no capítulo da resolução dos contratos: se uma parte suspeitar da capacidade de cumprimento

da obrigação pela outra pode suspender a sua:

18 E o comprador também não é obrigado a pagar o preço antes de receber a coisa!

Art. 491

CC

Não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa

antes de receber o preço.18

Art. 495

CC

Não obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes da tradição o

comprador cair em insolvência, poderá o vendedor sobrestar na entrega da

coisa, até que o comprador lhe dê caução de pagar no tempo ajustado.

EXIGIBILIDADE DAS PRESTAÇÕES Exceções

Convenção entre as partes

Suspeita de inadimplemento do

comprador

Regra: Simultaneidade

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Assim, não obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes da tradição o comprador cair em

insolvência, poderá o vendedor sobrestar na entrega da coisa, até que o comprador lhe dê caução de pagar no

tempo ajustado. Em outras palavras, se o vendedor tiver motivo para suspeitar que o comprador não pagará

o preço, pode suspender a tradição. Mas deve-se tomar cuidado para não cair em mora! A cautela máxima, para

evitar esse risco, seria consignar. O inverso também é possível: que o comprador suspeite da possibilidade do

vendedor de entregar a coisa.

Por fim, acerca da exigibilidade das prestações, cabe mencionar a regra do art. 493 relativa ao local da

tradição: se nada tiver sido previsto no contrato, a entrega da coisa deve ser feita no local onde ela estava no

momento da venda. Essa regra naturalmente só vale para os móveis.

2. Vícios redibitórios;

Quem aliena a título oneroso tem íncita a obrigação de garantir a qualidade da coisa ou do direito sobre a

coisa que se alienou, como vimos na parte geral dos contratos.

3. Universalidades;

A regra do art. 503 aplica-se às universalidades. Na alienação de universalidades, a coisa se considera

no seu todo. Nesse sentido, o que o art. 503 quer dizer é que, como vimos na Teoria Geral do Direito Civil, a

qualidade não se considera individualmente, de cada unidade, mas do todo. Assim, eventual defeito que haja em

uma das unidade, no máximo pode justitifiar essas medidas a respeito da unidade, mas não a respeito do todo.

Ressalvando-se a hipótese, também possível, de que haja uma unidade que determine a qualidade do todo.

De fato, excepcionalmente, o defeito de uma unidade pode comprometer a qualidade do todo, como por exemplo

na compra de um conjunto de móveis num apartamento: sem uma das peças quebrar-se-ia a harmonia da

decoração.

Art. 493 CC

A tradição da coisa vendida, na falta de estipulação expressa, dar-se-á no

lugar onde ela se encontrava, ao tempo da venda.

Art. 503

CC

Nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma não

autoriza a rejeição de todas.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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4. Defeito de Quantidade na Venda Imóvel;

O problema da venda de terras se reconduz a um defeito na coisa vendida, um defeito de quantidade, isto

é, de falta ou excesso de área. Havendo essa diferença, numa venda imobiliária, o que acontece depende da

consideração sobre se o temanaho foi o que influenciou a fixação do preço. É preciso, em outras palavras,

verificar se a venda se fez no caso concreto em função do corpo (venda a corpus) ou da metragem da coisa (venda

ad mensura).

A diferência de área só será de fato um problema com consequências jurídicas se a venda tiver levado

fundamentalmente em consideração o tamanho da unidade imobiliária vendida, e o preço, nesse sentido, tiver

sido fixado em fator dessa metragem. Se, por outro lado, a venda foi a corpus, o que importava era sobretudo o

corpo certo daquela unidade, em detrimento de considerações acerca de seu tamanho exato.

Mas então como saber se a venda foi a corpus ou ad mensura? Uma pista, um indicativo apriorístico, está no

parágrafo 1o do art. 500: estabelece uma diferença – a menor ou a maior – que a lei considera em princípio

irrelevante. Ou seja, uma diferença que por ser pequena leva à presunção relativa de que a venda foi ad corpus:

Assim, a lei diz que se a diferença de área existente não ultrapassar um vinte avos, em princípio

presume-se que não influencia a eficácia da compra e venda. Sendo essa presunção relativa, natualmente,

admite-se a prova de que a diferença, mesmo que pequena, importava naquela compra e venda. Portanto, pra

saber se a compra e venda é a corpus ou ad mensura, a primeira coisa que se tem que verificar é a diferença de

tamanho. Se a diferença é maior então não vigora essa presunção, e aí é preciso discutir caso a caso qual foi a

intenção das partes. A matéria é casuística.

Art. 500

CC

Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou

se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos

casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o

complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução

do contrato ou abatimento proporcional ao preço. (...)

Art. 500

CC

(...) §1o Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente

enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da

área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em

tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

112

Apesar da análise ser casuística, há alguns exemplos na prática muito comuns e que por isso são

indicativos da solução desse problema, sobre a natureza da venda que ese fez. Por exemplo, é comum imóveis

rurais que no Brasil até hoje não têm registrada sua área. Nesse caso, imaginemos uma hipótese em que

Plutônio vende pra Semprônia um sítio, que nas suas palavras "passa pelo rio Reno, para na propriedade do

general Adimanto, etc". A coisa, nesse caso, está identificada pelo que ela é, afinal nem se menciona a área.

Sendo uma venda civil, portanto, a área não importa nesse caso. As vezes, de forma semelhante, até há

referência à area, mas é meramente enunciativa (por exemplo, dizer “mais ou menos 2 alqueires”).

I) Falta de área; Partindo-se da premissa de que a venda foi ad mensura, pois é aí que reside o problema da discrepância de

tamanho, cabe analisar quais as consequências desse defeito. Em outras palavras, uma vez verificado que o

imovel é menor do que deveria ser, ou do que se prometeu que seria (isso acontece muito na venda de

apartamentos comprados pela planta), o que acontece? A lei, trazendo algumas peculiaridades em comparação ao

regime dos vícios redibitórios, permite as seguintes reclamações aos comprador:

1) Complementação da área: A lei, em primeiro lugar, abre uma alternativa prioritária ao comprador:

segundo o art. 500, “o comprador terá o direito de exigir o complemento da área”. Essa ação, que tem

prazo decadencial pra ser exercitada, tem o nome de ex empto. O importante é notar que o comprador

não pode fazer em primeiro lugar mais nada a não ser isso. Dessa forma, apenas se abre a ele as outras

alternativas se essa primeira, da complementação, não for possível ou não for feita pelo vendedor.

MAS as vezes nao é possível exigir o preenchimento da area. e as vezes ela não foi feita, mesmoq ue

possivel. surgem 2 alternativas potestativas facultativas ao comprador:

Diferença de tamanho

Menor que 1/20 Presunção

relativa de venda ad corpus

Não influencia a eficácia da

compra e venda

Admite prova em contrário

Maior que 1/20 Análise casuística da intençao das

partes

Preço fixado pela coisa em si? (ad

corpus)

Preço fixado pela sua dimensão? (ad mensura)

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

113

2a) Resolução do contrato: o comprador pode exigir, pela ação redibitória, a resolução da

compra e venda, com a consequente reposição das partes no estado em que antes se

encontravam.

2b) Abatimento do preço: em vez da ação redibitória, ao comprador é também facultada a

ação estimatória, ou “quanti minor”, através da qual pode pleitear o abatimento do

preço.

II) Excesso de área; O código civil atual, diferentemente do anterior, que por sua vez se omitiu a respeito, tratou também da

hipótese inversa: o excesso de área. Quem reclama nesse caso, claro, é o vendedor. A única coisa que ele tem

que demosntrar é que ele não sabia nem tinha como saber que a área que vendeu era maior do que ele

supunnha. Apesar do reclamante ser o vendedor, a medida de correção depende de uma escolha do

comprador. Assim, a lei diz que caberá ao comprador, à sua escolha, duas alternativas:

1) Complementação do Preço: o comprador, diante da relação do vendedor, pode optar por

complementar o valor correspondente ao excesso de área. Nessa alternativa, o comprador mantém a

propriedade que adquiriu. Essa complementação é possível pois, sendo uma venda ad mensura, é

mensurável o valor da área excedente.

2) Devolução do excesso: em vez de complementar o preço, o comprador pode propiciar, ofertar a

devolução do excesso, desde que, naturalmente, isso seja possível.

Se o comprador não faz nem uma coisa nem outra, e sendo essa uma forma de obrigação alternativa, na

qual a escolha cabe a uma das partes e ela não a exerce, passa-se a escolha para a outra parte! Seja no que tange

à reclamação do comprador, seja à do vendedor, o prazo para que seja feita é o mesmo, segundo o art. 501:

Art. 501

CC

Decai do direito de propor as ações previstas no artigo antecedente o

vendedor ou o comprador que não o fizer no prazo de um ano, a contar do

Discrepância de tamanho na Venda

ad mensura

Para menos (comprador prejudicado)

Opções do comprador

Exigir a complementação da

área

Depois a resolução..

Ou o abatimento do preço

Para mais (vendedor prejudicado)

Opções do comprador

Complementar o preço

Devolver o excesso

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

114

Cabem algumas observações acerca do prazo. Primeiro, que o código civil atual resolveu o problema que

o código anterior suscitou por sua omissão: este, com efeito, não estabelecia expressamente qual era esse prazo,

então entendia-se erroneamente que era um prazo prescricional de 20 anos, uma vez que era esse o prazo

prescricional comum, isto é, utilizado nos casos em que não havia determinação específica. Hoje, além de o

prazo ter sido estabelecido em 1 ano, entende-se que é um prazo decadencial, por tratar-se de direito

potestativo.

O problema mesmo é determinar desde quando o prazo é contado. A lei diz que o prazo de 1 ano deve

ser contado desde o registro. Mas aí surgem dois problemas, sendo o primeiro já resolvido atualmente: e quando

o registro é anterior à posse, ou a posse anterior ao registro?

O primeiro problema, portanto, reside no fato de que as vezes o registro se faz mas a posse ainda não se

entregou. Isso é muito comum! Por exemplo, Tício vende um apartamento para Caio e lavra a escritura, faz o

registro, mas combina com ele um prazo de 3 meses para se mudar. O registro, portanto, se fez no caso

concreto sem a entrega da posse. Sendo assim, seria impossível para o comprador descobrir a diferença de

tamanho do imóvel! Se ele não tem como saber, como então poderia já estar correndo contra ele o prazo?

Solucionando essa questão, o parágrafo único do art. 501 diz que, se por motivo atribuével ao alienante o

registro tiver sido feito mas sem a transmissão da posse, o prazo de um ano passa a ser contrado desde a

entrega da posse. Assim, para que incida essa exceção, basta que a entrega não tenha sido feita por fato

obetivamente atribuível ao alienante. Tendo o código resolvido essa questão, o verdadeiro problema que sobra

está na hipótese inversa:

registro do título.

Parágrafo único. Se houver atraso na imissão de posse no imóvel,

atribuível ao alienante, a partir dela fluirá o prazo de decadência.

PROBLEMA

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

115

O problema inverso é: e se ao invés de o registro ter sido feito e a posse não entregue, esta tiver sido entregue e o

registro não feito? Em outras palavras, acordada e instrumentalidada a compra e venda a coisa tiver sido

entregue ao comprador mas ele não a registrou? O fato é que, nessa hipótese, o comprador já recebeu a posse do

imóvel, então já tem condições de medi-lo. Ora, se nesse caso mantivessesse a regra segundo a qual o prazo só

começa a correr com o registro, em última instancia poder-se-ia imaginar que o comprador pudesse postergar

indefinidamente esse prazo, que não começaria a correr nunca, pela simples inobservância do registo.

O código é lacunoso acerca dessa questão, então surgiram três soluções. A primeira propõe uma interpretação

extensiva: dizer que o prazo corre a partir da tradição acontecida antes do registro. Uma segunda alternativa,

indiscutével, é o próprio vendedor providenciar o registro, obtendo assim o direito de regresso das despesas.

Por fim, a terceira alternativa que surge para que o vendedor resolva a situação é possibilitar a ele propor uma

ação contra o comprador pra compeli-lo a registrar – trata-se, portanto, da execução de uma obrigaçao de fazer.

PROBLEMA

Essas regras valem para a compra e venda imobiliária comum, civil, mas e em relação à consumerista, aplica-se esse

ordenamento? A compra e venda de unidades autônomas adquiridas na planta, por exemplo. Majoritariamente,

embora seja um problema, entende-se que não. Essa negativa se dá em relação a algumas vicissitudes a que é

submetido o comprador na compra e venda civil, como o comprador estar obrigado a provar que a venda foi ad

mensura, a só poder reclamar em primeiro lugar a complementação, etc. Assim, quando a compra é

consumerista, o consumidor só precisa demonstrar a diferença de área, por exemplo.

O ponto é que o consumidor não pode ser exigido das mesmas contingências exigíveis ao comprador civil, por

conta da sua vulnerabilidade, agravada pelo dever de informação que o vendedor tem. Com efeito, tudo que o

vendedor informou sobre o produto deve corresponder ao produto concretamente, ainda que se tenha

informado fora do contrato. É um dever de informação muito mais agravado que o dever civil. Ademais, na

venda consumerista a relevância da disparidade da metragem não deve ser medida pelos parâmetro do código

civil, isto é, ser avaliada à luz da previsão dos 5%! Via de regra, é analisada de maneira muito mais restritiva.

Comprador posterga o registro

Interpretação extensiva: prazo corre a partir da tradição

Alternativas do vendedor

Providenciar o registro

Coagi-lo judicialmente a registrar

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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5. Riscos da Coisa;

O risco de a coisa vendida consiste no risco de o objeto da compra e venda deteriorar-se ou perecer em

virtude de um fortuito19, ou seja, de um fato inumputável às partes. Nesse caso, há de se determinar quem fica

com o risco, isto é, quem sofre os prejuízos pelo perecimento ou deterioração da coisa: comprador ou vendedor?

Observe-se também que esse risco não é só da coisa, é também do preço, que corre o risco de desvalorização

por exemplo.

Segundo a determinação do art. 492, até o momento da tradição, quem responde pelos riscos da coisa é o

vendedor, enquanto o comprador responde pelos risco do preço. Assim, se por um fortuito ocorrido antes da

tradição, isto é, enquanto está ainda com o vendedor, a coisa perecer, o vendedor não vai poder exigir o preço,

se ainda não pago, pois é dele o risco. Se o preço já lhe tiver sido pago, então deverá ser restituído ao

comprador. Se, ainda, em vez de perecer a coisa deteriorou, o vendedor terá de entrega-la, e arcar com o

abtimento de preço.

19 Segundo O. Gomes, “Os prejuízos precisam ser oriundos do acaso para serem considerados riscos, no sentido genuíno da palavra. Onde há culpa, risco não existe. (...) A questão dos riscos consiste, em última análise, na indicação da parte que com o prejuízo arca nos contratos unilaterais e nos contratos bilaterais quando a prestação não pode ser cumprida em razão de fato não imputa !vel a quem se obrigou a satisfazê-la.” [Obrigações, 17a ed., Rio de Janeiro, Forense, 2008, pp. 223-224.]

Mas, apesar disso, deve ainda ser relevante, já que a boa fé objetiva vale para os dois lados!

Art. 492 CC

Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do

vendedor, e os do preço por conta do comprador.

§ 1o Todavia, os casos fortuitos, ocorrentes no ato de contar, marcar ou

assinalar coisas, que comumente se recebem, contando, pesando, medindo

ou assinalando, e que já tiverem sido postas à disposição do comprador,

correrão por conta deste.

§ 2o Correrão também por conta do comprador os riscos das referidas

coisas, se estiver em mora de as receber, quando postas à sua disposição no

tempo, lugar e pelo modo ajustados.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

117

A tradição, portanto, foi escolhida pelo legislador como o momento que marca a tranferência da

propriedade, pois é quando o poder sobre a coisa se transfere20.

Apesar de clara a regra, o problema é que as vezes a coisa móvel perece, ou se deteriora, quando está

sendo transportada. Nesse caso, é possível que quem responda seja o transportador, mas pode ser que não. Se

não, pergunta é: entre comprador e vendedor, quem responde pelo risco? Primeiro, depende do que tiver sido

convencionado sobre a quem incumbia o transporte, isto é, a priori a alocação do risco se daria conforme o

pacto das partes sobre quem entregaria a coisa. Para saber isso é sé ver quem contratou o transporte. Se,

todavia, o contrato não se especificou a qeum incubia o transporte, entra a regra geral segundo a qual as dívidas

sao quesíveis.

Uma ressalva que deve ser feita é que as vezes a coisa já é colocada à disposição do comprador ainda

que não tenha sido exatamente entregue, para que seja contada por exemplo. E é possível que o perecimento se

dê nesse momento: enquanto a coisa ainda está com o vendedor, mas à disposição do comprador. Nesse caso, o

risco é do comprador.

6. Débitos da coisa;

O leguslador quis referir-se, nesse artigo, a determinadas situações em que a coisa – ela em si, ou um

direito sobre ela – foi a causa do aparecimento de dívidas, de despesas (por exemplo, impostos prediais, IPVA).

Assim, estabelece o art. 502 que fica a cargo do vendedor responder por essas despesas relativas à coisa,

surgidas até o momento de tradição. A tradição, portanto, é o ato que marca o tempo que limita o período de

responsabilidade do vendedor e do comprador.

20 A escolha do legislador brasileiro foi pelo princípio do res perit domino. Assim, como é o momento da tradição que marca o momento da transferencia da propriedade da coisa, até lá ela ainda está sob o domínio do vendedor. Sendo assim, é para ele que a coisa perece, isto é, é ele que arca com os prejuízos do que acontecer com ela. Após a tradição, porem, é o comprador que arca com o risco, afinal é nesse momento em que a coisa integra seu patrimônimo, que ele torna-se dono da coisa. Para alguns autores, como o Orlando Gomes, vale ressalvar, o princípio que rege a alocação do risco seria na verdade o do res perit debitori, isto é, o risco da coisa ou do preço ficaria com quem os deve. Antes da tradição, quem deve a coisa é o vendedor, e quem deve o preço é o comprador, então eles respondem por eles.

Art. 502

CC

O vendedor, salvo convenção em contrário, responde por todos os débitos

que gravem a coisa até o momento da tradição.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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CLÁUSULAS ESPECIAIS DA COMPRA E VENDA A partir do art. 505 o código trata das modalidades de compra e venda. Tais modalidades constituem

negócios jurídicos de compra e venda marcados por uma especificidade, por cláusualas acessórias especiais,

que ensejam uma categorização autônoma.

1. Retrovenda; A retrovenda é uma cláusula da compra e venda – e portanto pactuada entre comprador e vendedor – que

autoriza o vendedor de uma coisa imóvel a recobrá-la em um certo tempo, mediante o pagamento do preço

PROBLEMA

Há determinadas situações em que certas despesas sobre a coisa são objeto de regramente especial, que pode

dispor de maneira oposta à disposta no art 502. Por exemplo, o Código Tributário Nacional preve que o

adquirente responde por tributos vencidos e passados, isto é, que remonstam ao período em que ele ainda não

era proprietário da coisa. Outro exemplo é o que vimos ao tratar das obrigações propter rem: o adquirente de

unidade autônoma responde por débitos condominiais passados.

Quando há esse conflito, aplica-se a regra especial. Mas isso não afasta a incidência do art 502 na relação

interna entre comprador e vendedor! Assim, se o comprador pagar o tributo, por exemplo, obtém direito de

regresso.

PROBLEMA

Quando trata-se de uma promessa de compra e venda, aplica-se essa regra às despesas de condomínio? Por exemplo,

Caio não comprou o apartamento, prometeu comprar, mas já entrou na posse da coisa. O promissário

comprador não paga o condomínio, dado que ainda não se transferiu a propriedade? De quem o condominio deve cobrar?

Ora, se a coisa ainda é do promitente, se ele ainda é o proprietário, é dele que o condomínio deve cobrar.

O fato é que, se se ele já tiver recebido todo o preço, não sobra a ele substancialmente nada da propriedade, só

lhe falta outorgar a escritura definitiva, e até então tem apenas uma propriedade formal. Assim, se ele for

cobrado, ele não vai fazer nada! Afinal não tem interesse nenhum em não perder a propriedade (aifnal ja recebeu

todo o valor). a jurisprudencia passou a admitir entaoq ue a acao fosse feita contra o promissario comprador.

interpretacqo para que seja in rerus. Despesas da coisa na promessa de compra e venda

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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pelo qual ele vendeu a coisa. Trata-se, portanto, de uma possibilidade de resgatar, reaver a coisa vendida.

Tendo em vista essa prerrogativa que a retrovenda propicia, inclusive, muitos autores preferem chamá-la de

pacto de retrato, de resgate, afinal é justamente isso que essa cláusula suscita ao vendedor.

Primeiro cabe salientar que essa possibilidade de retrovenda restinge-se às coisas imóveis. Ademais,

observe-se que trata-se de um direito potestativo – que independe, portanto, de conduta da outra parte21.

Esse direito potestativo de se retratar é um direito que o vendedor pode exercitar inclusive diante de um

terceiro. Assim, se o comprador tiver revendido a coisa durante o prazo de vigência da cláusula, o vendedor

titular do direito de resgate pode reaver a coisa do terceiro. Isso faz sentido na medida em que tal cláusula fica

expressa no registro da coisa, e esse registro é sempre necessário pois a retrovenda só é possível nos bens

imóveis. Ora, se a venda de um bem imóvel deve se dar por escritura pública, o comprador saberá que aquele

imóvel está marcado pela cláusula de resgate, e portanto pode ser recuperado até o fim do prazo.

O registro dá a publicidade inerente à compra e venda imobiliária, e permite a terceiros saber da

existência da cláusula de retrovenda. Essa consiste num pacto adjeto, ou seja, é uma cláusula que tem que

estar no próprio instrumento do negócio jurídico, é um pacto já inserido nesse instrumento. E é justamente esse

instrumento que se resgistra na escritura pública. Destarte, se a cláusula está no registro, todos que se

interessarem em comprar a coisa saberão da possibilidade do resgate, e um terceiro adquirente não pode então

alegar estar de boa-fé.

A opção por restringir essa cláusula às vendas imobiliárias, nesse sentido, é justamente uma forma de

garantir que terceiros saibam da possiblidade de resgate. Nos bens móveis, como a alienação é via de regra

informal, o risco de o segundo comprador não saber da cláusula seria enorme.

Se retrovenda é uma cláusula que possibilita, num determinado período, que o vendedor exerça seu

direito de resgate, retomando a propriedade e rosolvendo a compra e venda, ela consiste numa condição

resolutiva. É uma condição pois a permanência dos efeitos da compra e venda fica condicionada a um evento

futuro e incerto, isto é, o exercício do resgate pelo vendedor, que pode ou não fazê-lo.

21 Como vimos na Teoria Geral do Direito Civil, o direito potestativo constitui uma faculdade discricionária do titular, que pode ser exercida por ato de sua livre vontade. Seu interesse se satisfaz de maneira normal, diretamente, sem dependencia da interposição de conduta de quem quer que seja. O sujeito passivo, assim, permanence em estado de plena sujeição.

Art. 505

CC

O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no

prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e

reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o

período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a

realização de benfeitorias necessárias.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

120

Surge então a questão: se a retrovenda, uma vez exercitado o resgate, resolve-se, quantos negócios jurídicos

esse processo envolve?22 Exercitado o resgate, o que acontece é que a compra e venda se desfaz, e por conta dessa

resolução que a propriedade transmitida retorna ao vendedor. Esse retorno não se dá por uma nova compra e

venda, dessa vez do antigo comprador ao antigo vendedor! É só uma comrpa e venda, que se desfaz com o

resgate. Assim como nos contratos com pessoa a dclarar, como trata-se de só uma compra e venda, a priori só

se paga uma vez o imposto de transmissão da coisa.

Disso decorre que, na hipótese de o comprador ser casado em regime de comunhão universal, seu

conjugue não precisa anuir para o resgate, pois não se trata de nova alienação.

Regras da Retrovenda. I) A retrovenda é necessariamenre temporária;

Essa condição resolutiva não pode ser indefinida. Nesse sentido, a lei estabelece o tempo máximo durante

o qual o direito de resgate pode ser exercitado, que é de 3 anos. Portanto, uma cláusula de retrovenda, mesmo

que por acordo entre as partes, não pode estabelecer o direito de o vendedor se retratar além de 3 anos, caso

contrário o juiz pode reduzi-la. Esse prazo de 3 anos, cabe observar, consite num prazo decadencial, por tratar

de um direito potestativo.

PROBLEMA 14

Ao versar “prazo máximo de decadência de três anos”, o código suscita a questão: sendo um prazo máximo,

as partes podem estabelecer um prazo menor? Alguns autores dizem que o significado da retrovenda é que em

até 3 anos o vendedor pode exercer o direito de resgate. O prazo então seria próprio do instituto e portanto

não alterável. Outros interpretam esse artigo no sentido de que a lei não proíbe um prazo menor, afinal as

partes podem em geral estabelecer prazos decadenciais convencionais, conquanto que menores que o

máximo legal. “O prazo da retrovenda pode ser convencional?”

22 Esse assunto assemelha-se ao tema do contrato com pessoa a declarar.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

121

PROBLEMA

Aplica-se a regra do parágrafo do art. 473? Esse artigo trata da resilição dos contratos, que como vimos é uma

dissolução por manifestacao de vontade das partes. Sucede que o parágrafo único do referido artigo estabelece

que, quando criou-se na outra parte a justa expectativa de que a resilição não se daria naquele momento, e por

isso ela realizou investimentos vultuosos, deve-se observar um prazo moral para que essa parte prejudicada

recupere – pelo menos em parte – seus investimentos. Mesmo ainda sendo possível a resilição, ela só produz

efeitos após esse prazo, determinado casuisticamente de acordo com um juízo de razoabilidade.

A pergunta então é se o exercicio desse direito de resgate na retrovenda pode frustrar a expectativa da parte

de forma análoga ao do referido parágrafo. Entende-se que não! Afinal, o prazo já está ajustado previamente, é

um prazo delimitado. No fundo, essa questão de reconduz a uma questão ainda mais genérica, concernente à

possibilidade de abuso de direito quando se trata de um direito potestativo. Não podemos excluir essa hipétese.

Sobre esse prazo, é preciso ainda fazer algumas observações. A primeira é que no código velho estava

dito que esse prazo corria contra o incapaz. Assim, apesar de sua incapacidade, o vendedor tinha contra si

correndo o prazo. Esse artigo não foi reproduzido no código atual, que não diz nada. Diante dessa omissão, a

solução é recorrer à regra geral, no caso a do art. 208, conjugado com o art. 198 I:

Determinado o prazo, cabe esclarecer a partir de que momento esse prazo começa a correr. Acerca disso,

todavia, há divergências:

PROBLEMA

A partir de quando o prazo de três anos começa a correr? A partir da data em que se instrumentaliza a venda – já

que é uma venda imobiliária, essa data remeteria à escritura – ou a partir do seu registro?

Há uma tendência de defender que é a partir do registro da compra e venda que o prazo se inicia. Mas alguns

autores ponderam que o vendedor já sabe quando ele vendeu, é um direito que por acordo a ele própria ficou

reservado. Nesse sentido, faria sentido contar o prazo a partir do momento em que se dá a venda,

independentemente do registro, que afeta terceiros. O direito de resgate pode ser transmitido e exercitado

contra um terceiro, ai sim volta a ser importante o registro, pois é ele que dá publicidade a terceiros. Por isso

há a tendência a considerar que o prazo deve ser contado a partir do registro. Não há consenso.

Art. 208

CC

Aplica-se à decadência o disposto nos arts.

195 e 198, inciso I.

Art. 198

CC

Também não corre a prescrição:

I - contra os incapazes de que trata o art. 3o;

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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II) A retrovenda só se exercita mediante o pagamento do preço pelo vendedor;

Qual a condição básica para que o vendedor possa reaver a coisa vendida por força da cláusula da

retrovenda? Pagar o preço! Há uma corresptvidade entre o exercício do direito potestativo de reaver a coisa, e

portanto simultaneamente o oferecimento do preço. O problema é: o que exatamente o vendedor tem que pagar para

o comprador para exercitar o direito de resgate?

PROBLEMA

O que o comprador deve receber do vendedor? O preço que o vendedor recebeu. Se ele vendeu por 100 mil dilmas,

pra exercitar o direito de resgate tem que pagar 100 mil para o comprador. A pergunta é se esse preço tem

que ser corrigido. Se o legislador estabelece que deve-se pagar o “preço”, há de se considerar que o preço só é

realmente o mesmo preço se ele for corrigido: é esse o fundamento para essa tese. Não é possível usar, para

sustentar essa posição, a tese da necessária incidência de correção no inadimplemento, como consequência de

uma obrigação indenizatória – pois não é disso que se trata! É para preservar o significado exato do termo

“preço”.

Outros sistentam que o que é preciso aqui é seguir a regra geral do direito obrigacional que impõe o

nominalismo. No Brasil há uma tendência histórica em se resistir a esse tipo de interpretação por conta da

nossa história de instabilidade da moeda. Mas o fato é que a correção só se faz, aqui, quando pactuada ou em

casos de inadimplemento. A hipótese da retrovenda não se enquadra nessas previsões.

Além do preço da coisa vendida, integra-se no preço pago ao comprador as despesas que ele teve: teve

que gastar com o valor da escritura, do registro, etc. Tem o direito de ser ressarcido desses valores. Não há

discussão acerca disso.

O terceiro item que compõe esse pagamento diz respeito aos melhoramentos que o comprador tenha

introduzido no imóvel nesse tempo antes do resgate. O código novo, nesse sentido, foi mais explícito que o

antigo, dizendo que o vendedor deverá reembolsar as “despesas do comprador, inclusive as que, durante o

período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias”.

PROBLEMA

As partes podem pactuar um preço diferente para o exercício do resgate? Os autores se dividem. Alguns afirmam que

não é possível, pois se o preço for diferente não haveria uma retrovenda, mas uma nova venda! A cláusula de

retrovenda, então, não passaria de uma promessa de compra e venda: de o comprador vender de volta ao

vendedor por um determinado preço.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

123

Em primeiro lugar, observe-se que esse artigo inclui apenas as benfeitorias necessárias. Todo o resto, os

demais melhoramentos ou despesas excepcionais – o comprador só tem o direito de receber o que pagou de

volta de tiverem sido realizados com a autorização do vendedor.

III) O direito de resgate é Cessível e Transmissível;

Segundo o art. 507, o direito de resgate é cessível e transmissível a herdeiros e legatários. A

interpretação que se tem dado a essa redação é que o “e” indica que o direito é tanto transmissível a herdeiros,

quanto cessível em vida.

IV) Direito de Retrato por mais de uma pessoa;

As vezes o direito de recobro pode ser exercido por mais de uma pessoa, quando há mais de um vendedor.

O problema é: o que acontece se só um quer exercitar esse direito?

Segundo o art. 508, nesse caso, o vendedor pode intimar os demais vendedores e, se eles realmente não

quiserem exercitar com ele o direito de recobro, fica com duas opções:

1) Ou o único vendedor exercita o direito de resgate do todo, e paga o todo.

2) Ou ele exercita o direito de resgate em relação à sua cota-parte, mediante aceitação do comprador.

Se, todavia, este não aceitar, caduca a retrovenda. É uma opção do comprador. No código velho

caducava sempre!

Art. 507

CC

O direito de retrato, que é cessível e transmissível a herdeiros e legatários,

poderá ser exercido contra o terceiro adquirente.

Preço Corrigido Despesas Melhora-

mentos Preço

Devolvido

Múltiplos vendedores

Só um quer exercitar o resgate

Resgata o todo, pagando o preço

todo

Resgata sua cota-parte, se o

comprador aceitar

Se não aceitar, caduca a

retrovenda

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Patologias.

A retrovenda é um instrumento muito costumeiramente utilizado para dissimular negócios jurídicos

usurários, como o pacto comissório nos direitos reais. Em outras palavras, utiliza-se a retroveda para burlar a

proibição legal a esses negócios.

Por exemplo, um agiota empresta dinheiro a 30% ao mês e pede uma garantia real: a hipoteca. Mas essas

garantias devem ser instrumentalizadas de maneira própria – e uma vez não paga a dívida, deve ser executada

de maneira regular. O devedor não pode perder a propriedade da coisa dada em garantia automaticamente! O

que a lei veda, portanto, é o pacto comissório, pelo qual o credor ficar dono diretamente da coisa dada em

garantia, sem observância dos trâmites legalmente exigidos.

Para burlar, dissimular esse negócio ilícito, o agiota então empresta o dinheiro e faz lavrar uma escritura

pública de compra e venda do imóvel do devedor. Comumente pactua-se a retrovenda para que, uma vez paga a

dívida, que no fundo parece ser o preço da venda – estabelece-se o preço da venda que corresponde ao da dívida

com juros – o mutuário, que é o vendedor, exerça seu direito de resgate, retomando aquilo que sempre foi seu.

É uma mentira pois no fundo nunca se quis vender nada, na verdade a venda serviu apenas como garantia ao

agiota. Afinal, se o mutuário não pagasse a dívida, não poderia exercitar o direito de regate, uma vez que esse só

se dá mediante o pagamento do preço, como vimos. Perderia o imóvel, assim, em virtude do inadimplemento, e

por uma forma não reconhecida em lei.

2. Venda sujeita à Prova e Venda a Contento Tanto a venda sujeita à prova quanto a venda a contento são vendas sob condição suspensiva. É a grande

alteração dessa matéria no código atual, uma vez que o anterior permitia que as partes convencionassem que a

condições fosse resolutiva:

Art. 1.144

CC 1916

A venda a contento reputar-se-á feita

sob condição suspensiva, se no contracto

não se lhe tiver dado expressamente o

carácter de condição resolutiva.

Parágrafo único. Nesta espécie de venda,

se classifica a dos gêneros, que se

costumam provar, medir, pesar, ou

experimentar antes de aceitos.

Art. 509

CC/02

A venda feita a contento do comprador

entende-se realizada sob condição suspensiva,

ainda que a coisa lhe tenha sido entregue; e não

se reputará perfeita, enquanto o adquirente não

manifestar seu agrado.

Art. 510

CC/02

Também a venda sujeita a prova presume-se

feita sob a condição suspensiva de que a coisa

tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor

e seja idônea para o fim a que se destina.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Há diferenças entre ambas, mas a operacionalização é a mesma. Dito que são ambas vendas sob condição

suspensiva, percebe-se que o foca da proteção do legislador aqui é o comprador. Assim, enquanto o comprador

não declarar o seu contento ou sua aprovação, não tem venda!

Essa condição suspensiva vigora por um determinado prazo, que as partes estabelecerem. Se elas não

tiverem estabelecido, o prazo se fixar a partir do momento em que o vendedor provocar o comprador a

responder, a declarar seu agrado acerca da coisa comprada.

Para muitos autores a venda a contento é o único caso do direito brasileiro de permissão de uma cláusula

ou condição puramente potestativa. Condição potestativa, lembrando, é aquela que subordina a eficácia do

negócio jurídico à vontade exclusiva de uma das partes. As cláusulas puramente potestativas, sujeitas

unicamente ao arbítrio da parte, são vedadas pelo nosso sitema23. Em contraposição, há as cláusulas meramente

potestativas, na qual a vontade da parte, apesar de ser o fator determinante, é influenciada por fatores

externos. Boa parte da doutrina afirma que não há uma potestatividade pura na compra e venda a contento,

mas simples, pois o fato de o comprador gostar ou não da coisa depende da vontade dele de fato, mas essa

vontade, por sua vez, depende por exemplo da qualidade da coisa, que é um fator externo.

A venda sujeita a prova é a venda sujeita à experimentação, teste da coisa. A condição, que também é

suspensiva, deriva do confronto da coisa utilizada com as características que se espera que ela tenha. É um teste

que o comprador faz com a coisa. A diferença da venda sujeita à prova e venda por amostra é que na primeira

não há comparação, é a própria prova da coisa, verificação se ela tem ou não as qualidades sobre ela informadas,

enquanto a segunda consiste justamente na comparação que se faz entre a amostra e a coisa principal. Nessa

venda, dado que será experimentada, agrava-se o dever de informação. Se o comprador não aprovar a coisa, a

compra não penetra no campo da eficácia: dissolve-se.

Se não houve prazo para que o contrato se resolva, o vendedor intima o comprador para que manifeste

sua aprovação. Essa aprovação, cabe observar, pode ser tácita: pelo pagamento do preço.

Essa cláusula cabe para os imóveis? É intuitivo que é mais comum para os móveis. O código civil, porém,

não limitou essa cláusula aos móveis. O problema é do registro. Essa transferência dominial, com efeito,

depende de registro, e aqui isso não é possível, pois a compra e venda não produz nenhum efeito até que

manifestada a aprovação.

23 Com efeito, o art. 122 do código estabelece que “as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes”.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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3. Pacto de Preferência ou Preempção

O pacto adjeto de preferência na compra e venda consiste num direito de prelação: é o que dá o direito de

preferência ao vendedor no caso de uma revenda que o comprador queira fazer. Por esse pacto, o vendedor

tem o direito de recomprar desde que, num determinado prazo (máximo de 180 dias para móveis e 2 anos para

imóveis - não se pode estabelecer uma preferência maior que esse prazo), o comprador pretenda revender a

coisa para terceiro. Então, ao vendedor se garante a preferencia, a preempção.

Esse pacto não deve ser confundido com outras hipóteses de preferência legal, como o caso da venda

entre condôminos. Aqui não é caso de incidência de nenhuma das hipóteses legais de preferência, é uma

cláusula pactuada!

Art. 513

CC

A preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de oferecer

ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que

este use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto.

Parágrafo único. O prazo para exercer o direito de preferência não poderá

exceder a cento e oitenta dias, se a coisa for móvel, ou a dois anos, se

imóvel.

PROBLEMA

O problema do artigo é que o prazo não é claro. O prazo máximo de 180 dias para os móveis e 2 anos para os

imóveis é o prazo de vigência da cláusula! Não se deve confundir esse prazo com o prazo do exercício da

preferência. Segundo o art. 516, nos prazos do art. 515, se o comprador pretender revender a coisa deve

cientificar o vendedor avisando que pretende vender e em quais termos (por quanto, e pago de qual forma). A

partir daí, o vendedor tem um outro prazo para exercitar sua preferência. Se as partes não tiverem pactuado

qual é esse prazo, é de 3 dias para os móveis e 60 para os imóveis. Se nesses prazos o vendedor não exercitar

seu direito, ele caduca.

O direito também caduca se, passado o prazo de incidência da cláusula, o comprador não revender a coisa.

Por fim, o direito de preferência, uma vez desrespeitado ora gera pretensão real, ora gera pretensão pessoal. Se

Tício vende uma coisa para Caio

Caio quer revender a Mévio por X

Tício pode recomprar a coisa por X

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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COMPRA E VENDA COM

PACTO DE PREFERÊNCIA

Vigente a cláusula pelo prazo do 513

Comprador quer revender

Vendedor exercita a preferência no prazo

do 515

Vendedor não exercita a preferência

no prazodo 515

Direito de preempção caduca

Desrespeita o direito de preferência

Vendedor tem direito

indenizatório

Findo o prazo Comprador não revende a coisa

Direito de preempção caduca

Comprador Terceiro

adquirente de má-fé

Pode cobrar do...

SOLIDARIEDADE

O art. 518, por fim, determina a solidariedade do terceiro adquirente em relação à indenização, uma vez

demonstrada sua má-fé:

Esse artigo reforça a ideia da expansão da eficácia dos contratos diante de terceiros. Assim, o terceiro

também pode eventualemtne responder solidariamente pela indenização, desde que se prove a má-fé, isto é, que

ele sabia da cláusula de preferência.

a pretensão é real, aquele que tem o direito de preferência que foi desrespeitado pode depositar o preço e haver

a coisa para si. Se a pretensão é pessoal, pode tão somente pedir uma indenização. No condomínio, como

vimos, a pretensão é real, e na locação as vezes é real as vezes pessoal. Aqui, por força de lei, a pretensão é

pessoal!

Art. 518

CC

Responderá por perdas e danos o comprador, se alienar a coisa sem ter

dado ao vendedor ciência do preço e das vantagens que por ela lhe

oferecem. Responderá solidariamente o adquirente, se tiver procedido de

má-fé.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Se mais de uma pessoa tiver o direito de preferencia, exerce pelo todo, se não não exerce, a não ser com a

concordância da parte adversa.

A preferência tem que ser exercitada tanto por tanto! Ou seja, pelo mesmo preço e pelas mesmas

condições de pagamento.

4. Reserva de Domínio

A compra e venda com reserva de domínio é uma compra e venda sob condição suspensiva, a qual

garante o pagamento a crédito do preço. O que fundamentalmente se supende enquanto o preço não é pago é

a transferência da propriedade da coisa vendida. Em outras palavras, reserva-se em favor do vendedor a

propriedade do que ele vende até que o preço seja integralmente pago.

No ordenamento brasileiro a compra e venda com resera de domínio é uma cláusula própria da compra e

venda mobiliar. O vendedor vende e por força dessa cláusula reserva para si a propriedade do que vendeu, até

que o preço seja inteiramente pago. O comprador fica com a posse desde já, e se pago o preço, automaticmanete

a propriedade da coisa se transfere. Cabe observar que desde o momento em que o comprador obtem a posse, é

ele que fica com o risco! Quebra-se a regra do res perit domino, pois o domínio ainda é do vendedor.

Art. 521

CC

Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade,

até que o preço esteja integralmente pago.

Art. 524

CC

A transferência de propriedade ao comprador dá-se no momento em que o

preço esteja integralmente pago. Todavia, pelos riscos da coisa responde o

comprador, a partir de quando lhe foi entregue.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

129

No direito brasileiro, a reserva de domínio deve constar de documento escrito. Assim, embora a compra e

venda mobiliária seja informal, a cláusula de reserva de domínio é formal então atrai a formalidade ao negócio.

Portanto, a compra e venda nessa modalidade deve ser escrita, ainda que não de forma pública. Para ter eficácia

diante de terceiros, esta cláusula, em documento escrito, deve ser levada a registro. Se tratar-se de carro, é o

registro do órgão de trânsito (detran) que dá publicidade:

Pago o preço, a propriedade se transfere automaticamente ao comprador que já estava na posse da coisa,

então nada mais precisa ser feito. Se, por outro lado, o comprador não pagar, o vendedor tem uma faculdade

potestativa de escolher entre:

1) Exigir o pagamento das prestações que não foram pagas;

Art. 522

CC

A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de

registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros.

VENDA COM

RESERVA DE

DOMÍNIO

Pagamento integral do preço

Transferência automática de propriedade

Posse do comprador

Propriedade do Vendedor

Propriedade do Comprador

Riscos do comprador!

Mora do devedor/comprador

Formal!

Opções do vendedor

Exigir o pagamento

Busca e apreensão (exige cientificação)

Ex re! MAS exige cientificação

Parcelas pagas

Compensação de prejuízos do credor

Devolução do resto (se houver)

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

130

2) Recuperar a posse daquela coisa; Essa recuperação da posse da coisa móvel se dá pela ação de

busca e apreensão, de coisa móvel vendida com reserva de domínio. Para que o autor possa utilizar-

se dessa ação, deve provar que cientificou de qualquer forma o comprador inadimplente.

Quando o comprador deixa de pagar e cai em mora, essa mora é ex re, pois há termo estabelecido para o

pagamento das prestação. Sendo a mora ex re, porque então há necessidade, para a ação de busca e apreensão,

que se faça essa cientificação? É que há determinados casos em que, embora seja uma mora ex re, o legislador exige

a cientificação como foma de preservar o negócio jurídico em virtude de sua especial relevância. Assim,

tendo em vista esse objetivo, a lei exige a cientificação como forma de possibilitar ao comprador inadimplente

que emende sua mora.

Cabe fazer uma distinção entre a compra e venda com reserva de domínio e outro instituto semelhante, a

alienação fiduciária em garantia. Primeiro, o que há em comum é que em ambas a propriedade serve para

garantir – é portanto uma forma de desfuncionalização lícita da propriedade. A diferença estrutural é que a

compra e venda com reserva de domínio é, como vimos, uma venda sob condição suspensiva, e a alienação

fiduciário, sob condição resolutiva. A alienação fiduciária em garantia, ademais, distingue-se por valer também

para os imóveis. Na compra e venda com reserva de domínio, o devedor é o comprador, e o credor é o vendedor.

Na alienação, é o contrário: o devedor é o vendedor, que aliena o que é seu para o credor comprador. Essa

alienação, sendo a condição resolutiva, deixa de produzir efeitos quando a dívida é paga. Acabadas as

prestações, destarte, a propriedade resolúvel se resolve e o vendedor devedor volta a ser dono do que era seu.

Como mencionado, uma das hipóteses que tem o vendedor credor, no caso de inadimplemento das

obrigações pelo devedor, é a busca e apreensão, o que no fundo é a resolução do contrato com recuperação da

Art. 525

CC

O vendedor somente poderá executar a cláusula de reserva de domínio

após constituir o comprador em mora, mediante protesto do título ou

interpelação judicial.

COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO

Condição suspensiva: paga a dívida, propriedade se transfere

ao devedor

Apenas para móveis

Comprador é o devedor

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM

GARANTIA

Condição resolutiva: paga a dívida, propriedade volta ao

devedor

Para móveis e imóveis

Vendedor é o devedor

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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coisa vendida. A pergunta, então, é o que acontece com as parcelas já pagas. Bom, primeiro temos que considerar

que a posse da coisa já estava com o comprador inadimplente, e essa posse, além de evidentemente privar o

vendedor da posse da coisa, pode ter eventualmente causado desvalorizamento da coisa, por exemplo. Assim,

para corrigir esses eventuais prejuízos que a posse do comprador podem ser causado ao vendedor, o art. 527

estabelece que as eventuais parcelas anteriores que o comprador tiver pago serão utilizadas para a

compensação desses prejuízos eventuais que o vendedor tiver experimentado:

Esses prejuízos, naturalmente, podem ser maiores ou menores que os valores pagos pelo comprador

inadimplente. Se forem menores, o vendedor pode cobrar a diferença. Se forem maiores, ele deve devolver a

diferença ao comprador inadimplente.

Por fim, cabe mencionar que o art. 528 faz referência à possibilidade de que o preço que vai ser pago pela

compra seja financiado por instituição bancárica, que entrega o preço para o vendedor. Nesse caso, ela

assume a mesma posição que o vendedor tinha e pode então exercitar os mesmos direitos que ele:

5. Venda sob Documentos

Art. 527

CC

Na segunda hipótese do artigo antecedente, é facultado ao vendedor reter

as prestações pagas até o necessário para cobrir a depreciação da coisa, as

despesas feitas e o mais que de direito lhe for devido. O excedente será

devolvido ao comprador; e o que faltar lhe será cobrado, tudo na forma da

lei processual.

Art. 528

CC

Se o vendedor receber o pagamento à vista, ou, posteriormente, mediante

financiamento de instituição do mercado de capitais, a esta caberá exercer

os direitos e ações decorrentes do contrato, a benefício de qualquer outro.

A operação financeira e a respectiva ciência do comprador constarão do

registro do contrato.

Art. 529

CC

Na venda sobre documentos, a tradição da coisa é substituída pela entrega

do seu título representativo e dos outros documentos exigidos pelo

contrato ou, no silêncio deste, pelos usos.

Parágrafo único. Achando-se a documentação em ordem, não pode o

comprador recusar o pagamento, a pretexto de defeito de qualidade ou do

estado da coisa vendida, salvo se o defeito já houver sido comprovado.

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A chamada venda sob documentos é uma tipificação nova, que não havia no código anterior, mas que

reproduz a figura do crédito documentário, que já existia no direito comercial. Primeiro cabe observar que essa

cláusula só se aplica à venda de móveis. O que acontece nessa modalidade é que documentos representativos

da coisa substituem a tradição, exercendo portanto seu papel de transferência da propriedade.

Por exemplo, Caio importa mercadorias e as deposita em armazéns gerais – estes emitem um documento

que atesta o recebimento e o armazenamento dessas mercadorias. Depois, ele negocia essas mercadorias com

Tício por essa cláusula, de tal sorte que a entrega a ele desse documento vale como se fosse a própria entrega da

coisa. É uma entrega simbólica24.

O efeito fundamental decorrente dessa entrega simbólica da coisa, por intermédio de documentos dela

representativos, é que o preço já é exigível, apesar de o comprador não ter recebido fisicamente a coisa ainda.

Outra consequência é que o comprador, tendo recebido o documento, não pode via de regra deixar de pagar o

preço sob o argumento de que a coisa não correspondia à qualidade esperada, a não ser que o comprador

prove que já esta demonstrada a existência do defeito da coisa. Isso está expresso no parágrafo único do

supracitado art. 529.

Dessa forma, uma vez tendo o comprador recebido os documentos representativos da coisa, ele fica

obrigado a pagar. Se verificar algum defeito, via de regra não fica isento de pagar, fica apenas possibilitado de

pedir a devolução do preço, indenizações, etc. O ponto é que aqui não é a entrega da coisa que vincula o

pagamento do preço! A lei só ressalva a hipótese de mesmo sem ter recebido a coisa, o comprador conseguir

provar que ela é defeituosa, isto é, quando já está previamente comprovada a existência de um defeito. Nesse

caso, pode imiscuir-se de pagar o preço mesmo tendo recebido já o docuemnto. Fora isso, não!

Por fim, acerca dessa modelidade de compra e venda, cabe observar que ela restringe-se às coisas

mobiliárias por uma questão de exigência de registro. Com efeito, para que se adquira a propriedade de bem

imóvel é imprescindível o registro, então a mera entrega de documentos representativos não seria compatível

com esse imperativo.

6. Pactos Suprimidos no Atual Código

No código anterior, havia o pacto de melhor comprador, nos arts. 1158 e seguintes. É uma condição

resolutiva, que consiste no surgimento de alguém oferecendo um preço melhor. Uma vez surgida tal oferta, o

vendedor pode resolver o contrato e reaver a coisa. O Código atual tirou do rol de cláusulas especiais esse pacto

24 É fato que a tradição pode se dar por uma entrega meramente simbólica da coisa, prescindindo de uma entrega física. É o que acontece, por exemplo, quando entrega-se a chave de um apartamento que se vendeu. Segundo Orlando Gomes, com efeito, a tradição consiste justamente na “entrega, efetiva e simbólica, da coisa, com o ânimo de lhe transmitir a propriedade” [O. GOMES, Direito Privado – Novos Aspectos, 2a ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1961, p. 74]

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por sua raridade, e esta raridade por sua vez resultava da situação de imensa fragilidade que essa cláusula

impunha ao comprador. Apesar de o código ter tirado do código, é possível que as partes, quando iguais,

pactuaem uma cláusula como essa.

O código velho também trazia o chamado pacto comissório. O pacto comissório que vimos era o dos

direitos reais, isto é, a cláusula que permitia que o credor ficasse com a coisa dada em garantia em caso de

inadimplemento da dívida garanida. O pacto comissório da compra e venda, tal como previsto no art. 1163 do

Código anterior, era uma cláusula resolutiva expressa. Se assim era, não precisava ter tipicidade específica na

compra e venda. Por isso, o Código atual aboliu essa disposição.

7. Compromisso de Compra e Venda Estudaremos a promessa de compra e venda mais a frente, mas agora cabem algumas observações a esse

respeito, no que tange à relação com a compra e venda. A promessa de compra e venda imobiliária irretratável e

levada ao registro de imóveis não é hoje um mero direito obrigacional com eficácia erga omnes, é um direito real

propriamente dito! Um direito real de aquisição.

A compra e venda permite o contrato prelimiar, o compromisso de vender no contrato. Cabe tanto para

os móveis quanto para os imóveis. Quanto a estes, ressalva-se que havendo cláusula de irretratabilidade (isto é,

não havendo de retratabilidade), o compromisso de compra e venda é mais que um contrato preliminar, no

direito brasileiro. Por causa da formalidade e do custo do registro, e por que a venda imobiliária se dá

comumente de forma parcelada, passaram a ser consideradas já uma compra e venda em formação. Irretratavel,

registrado e com preço pago – só sobra para o dono um domínio vazio, e a obrigação de outorgar a escritura

definitiva.

O compromisso de compra e venda imobiliária nessas condições quase equivale a uma compra e venda.

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A PERMUTA

À troca aplicam-se as regras da compra e venda, com as ressalvas referentes aos dois incisos do artigo

533, que é o único que trata da permuta. Esse paralelismo no tratamento deriva do fato de que a compra e

venda deriva da troca, há uma essência originária comum: o que se quer é trocar uma coisa por outra. A única

particularidade da compra e venda é que uma das coisa é dinheiro.

Apesar dessa diferença, não se impede que na troca se envolva dinheiro – assim como não se impede,

como vimos, que o preço na compra e venda envolva coisas além de dinheiro. Quando inclui-se uma parcela

monetária na troca, verifica-se a chamada permuta com torna: é uma troca na qual, para igualar o valor dos

bens permutados, há uma suplementação em dinheiro, que uma das partes faz a outra. Isso não desfigura a

permuta! A não ser, naturalmente, que o dinheiro seja a maior parte da contrapartida.

Houve quem sustentasse a impossibilidade da promessa de permuta só porque na lei de registros

públicos, no art. 167, quando se elenca o rol dos títulos registráveis, fala-se da compra e venda, da promessa de

compra e venda, permuta mas não fala-se em promessa de permuta. Mas Godoy considera possível.

Ressalva: aplicam-se as regras dac compra e venda com as ressalvas:

1) O código adequa aquele dispositivo sobre quem paga as despesas da compra e venda. Assim como lá,

é um tema disponível. Apesar de o código não ter dito nada sobre as despesas da tradição, é razoável

imaginar que cada um pague as despesas da tradição daquilo que vai entregar.

2) Na compra e venda de ascendente a descendente, tratamos da possbilidade de se discutir nessa venda

se ela foi de verdade ou não, isto é, se era possível afastar a presunção de simulação. Aqui é diferente,

aqui tem que provar a desigualdade dos valores! Pois nesse caso, sai um bem do patrimônio do

ascendente, mas também sai um bem do patrimônio do descendente. Só haverá eventual afronta à

futura legítima dos outros descendentes se os valores da troca forem desiguais. E mais, se essa

desigualdade beneficiar o descendente. Via de regra, porém, os valores podem ser diferentes.

Art. 533

CC

Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as

seguintes modificações:

I - salvo disposição em contrário, cada um dos contratantes pagará por

metade as despesas com o instrumento da troca;

II - é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e

descendentes, sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do

alienante.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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O CONTRATO ESTIMATÓRIO

O contrato estimatório, como vimos, é uma daquelas figuras contratuais que apesar de já existirem na

prática comercial não eram tipificadas no código velho, mas foram no código novo. De fato, o contrato

estimatório já era conhecido e muito utilizado antes do Código de 2002, mas pelo nome de “venda por

consignação”.

Nesse contrato, o dono de uma coisa (consignante), necessariamente móvel25, quer vender o que é seu,

mas não pessoalmente. Então, esse dono entrega sua coisa móvel a um consignatário, que se incumbe de

vender a coisa móvel em seu próprio nome, com autorização do dono.

Por exemplo, Mévio entrega a posse de um carro para o dono de uma loja de carros, Plutônio, que se

incumbe da venda. Mévio estabele e com ele um preço mínimo para essa venda, e um prazo para que Plutônio

a realize. Se Plutônio conseguir vender o carro, deverá entregar a Mévio o preço por ele estipulado, isto é,

aquele preço mínimo estabelecido. Se Plutônio conseguiu vender o carro por um valor superior, fica com o

excesso. Em outras palavras, o que ele apurar a mais é o seu lucro.

Porém, é também possível que, terminado o prazo, o consignatário não tenha conseguido vender a coisa.

Nesse caso, das duas uma: ou estabelece-se novo prazo ou ele devolve a coisa. Se ele não fizer uma coisa nem

outra, o que o consignante pode fazer? Quando fez a consignação, queria vender pelo preço estimado. Assim, se

o consignatário findo o preço não faz nada, a coisa é dele, e o consignante pode dele exigir o preço.

25 Não se admite o contrato estimatório em relação a imóveis! Pois para que o vendedor possa vender um imóvel, é preciso que seja seu.

Art. 533

CC

Pelo contrato estimatório, o consignante entrega bens móveis ao

consignatário, que fica autorizado a vendê-los, pagando àquele o preço

ajustado, salvo se preferir, no prazo estabelecido, restituir-lhe a coisa

consignada.

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DISTINÇÕES.

Cabe diferenciar esse contrato de outras figuras afins. Hoje, apesar de ser um contrato típico, ele mistura

características comuns de outros contratos.

1) O contrato estimatório aproxima-se da compra e venda na medida em que a intenção do consignante é

vender. Todavia, a priori o consignatário não é comprador! De fato, ele também quer vender... em seu

nome e tudo, mas ao interesse do consignante. Por isso, não se trata de uma compra e venda.

2) O contrato estimatório também possui características em comum com o contrato de comissão, uma

vez que em ambos há uma parte que se incumbe de vender algo em seu próprio nome mas no interesse

da outra. No contrato estimatório, com efeito, o consignatário se incumbe de vender a coisa em seu

próprio nome e no interesse do consignante. No contrato de comissão, por sua vez, o comissário se

incumbe de vender em seu próprio nome e no interesse do comitente. A diferença é que o comissário

trabalha pelo recebimento de uma comissão, e o consignatário obtem seu lucro do plus aferido na

venda que realizou, e pode inclusive tornar-se dono da coisa recebida em consignação.

Findo o prazo para a venda

Consignatário conseguiu vender

Por um preço maior que o estimado Fica com o excesso

Por um preço menor que o

estimado

Paga a falta ao consignante

Consignatário não conseguiu vender

Estabelece novo prazo

Devolve a coisa

Omite-se Adquire a

propriedade e pode ser exigido do preço

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3) Por fim, cabe observar que apesar de, assim como o mandato, envolver a realização de um ato no

interesse da outra parte, o contrato estimatório difere dele pois o consignatário age em nome próprio

e tendo em vista um lucro eventual.

CARACTERÍSTICAS.

1. Real;

O contrato estimatório é um contrato real. Essa classificação baseia-se no critério do aperfeiçoamento do

contrato, isto é, baseia-se no que é preciso para aperfeiçoar o contrato. Com efeito, para aperfeiçoar o contrato

estimatório, é preciso que haja a tradição, ou seja, que a coisa seja entregue ao consignatário.

A peculiaridade dessa tradição é que ela não transmite a propriedade! O que o consignate transfere é a

autorização para vender, a disponibilidade da coisa! Mas continua sendo dono, apesar de subtraído dessa

faculdade do direito de propriedade. Assim, durante o período da consignação, não obstante o consignate ainda

ser dono da coisa, não a pode alienar, pois a faculdade da disponibilidade foi transferida ao consignatário.

Mas e se ele alienar? A lei não estabeleu de maneira expressa a consequência para essa vedação imposta ao

consignante. Alguns autores sustentam que é uma venda nula por fraude à lei. Mas a questão que se coloca é:

não se deve verificar eventual situação de boa fé do adquirente? Afinal, se a venda for nula, a coisa não ficaria com o

terceiro adquirente. Por outro lado, se preservada sua situação de boa fé, a solução seria de perdas e danos do

consignante ao consignatário. Mas o que devemos considerar é que o consignante está vendendo a coisa sem

CONTRATO ESTIMATÓRIO

Real

(1)

Unilateral

(2)

Oneroso

(3) Aleatório

(4)

Temporário (5)

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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ter sua posse, então fica dificílimo imaginar que mesmo assim o terceiro adquirente estaria de boa-fé. Portanto,

até admite-se que se deva perquirir a situação do terceiro, mas é muito difícil que ele esteja mesmo de boa-fé.

Imaginemos que consignante ou consignatário sejam devedores de alguém. O credor do consignante pode

penhorar a coisa consignada? A questão fundamental é que se ele ainda não vendeu, continua dono. Então

penhorar o credor pode, mas só o que o consigante tem: uma coisa sem disponilidade pelo prazo da

consignação. Ou seja, uma coisa que, até o final desse prazo, não pode ser vendida. Se a coisa não for vendida, a

coisa pode retornar ao credor. Mas, se nesse prazo a coisa for vendida, entra no lugar dinheiro, e esse fica

penhorado. Se a dívida, em ver do consignante, for do consignatário, não pode haver a penhora. Propõe-se a

ação de embargos de terceiros.

2. Unilateral; Uma vez entregue a coisa em consignação, só o consignatário tem obrigações a cumprir: vender a coisa, e

pagar ao consigante o preço estimado. Nesse sentido, a maioria dos autores classificam esse contrato como um

contrato unilateral.

Entretanto, há divergências. Segundo Neto Lobos, o contrato estimatório é bilateral, e a bilateralidade

residiria no reconhecimento de que o consignante também tem uma obrigação negativa: a obrigação de não

alienar. Godoy, todavia, adota o entendimento majoritário, isto é, de que trata-se de um contrato unilateral.

Obrigação do consignatário. O consignatário se torna depositário, então tem o dever de guardar e zelar pela posse da coisa. Sendo

assim, ele responde pelo risco da coisa! Assim como no caso da venda com reserva de domínio, quebra-se a

regra do res perit domino, afinal, o dono transferiu a disponibilidade mas manteve para si a propriedade da coisa.

Nesse sentido, se a coisa perecer, mesmo que por fortuito, o consignatário poderá ser cobrado pelo preço

estimado, e arcará portanto com o prejuízo advindo do perecimento.

Além dessa obrigação própria do depositário, é comum que na consignação se ajustem também outras

prestações paralelas a cargo do consignatário, como por exemplo a publicidade da coisa a ser vendida;

A prestação básica, fundamental, afeta ao consignatário, e que caracteriza esse tipo contratual, é a

obrigação de no final do prazo da consignação, ou entregar o preço ou restituir a coisa. Ao final do prazo, se

não fizer nem uma coisa nem outra pode ser cobrado pelo preço.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Para muitos autores, essa prestação básica do consignatário é um exemplo de obrigação alternativa, pois

fica a sua escolha restituir a coisa ou entregar o preço. Uma vez tomada essa obrigação como alternativa, sucede

que se uma das prestações perece, a outra permanece sendo exigível. Dessa forma, se a coisa por exemplo

perece, o consignante ainda pode exigir a entrega do preço. Essa posição, todavia, não é unânime. Com efeito,

outros autores sustentam que é na verdade uma obrigação facultativa, cuja prestação principal seria a entrega

da coisa. Assim, apesar de ser essa a obrigação principal, o consignatário teria a faculdade de se livrar da

obrigação entregando o preço. Outros, ainda, apesar de concordarem com a natureza facultativa da obrigação,

defendem o exato oposto, ou seja, que a obrigação principal é a entrega do preço, uma vez que o objetivo do

consignante era justamente vender a coisa e receber o preço, e a obrigação facultativa seria a devolução da

coisa.

Mas essa é uma discussão meramente teórica e sem repercussões na vida prática. Afinal, quer se

considere que é uma facultatividade, quer uma alternatividade, as consequências já estão previstas em lei, pois

trata-se de um contrato típico.

3. Oneroso Se o que se quer obter é a venda de uma coisa, o que implica uma vantagem patrimonial, e por intermédio

de alguém que também almeja lucro, então o contrato estimatório é necessariamente oneroso.

Obrigações do Consignatário

Zelo na guarda da coisa

Eventuais prestações paralelas

ajustadas

Findo o prazo da consignação

Entregar o preço

Restituir a coisa

Obrigação Alternativa

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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4. Aleatório Sendo um contrato oneroso, há perdas e ganhos de parte a parte, ainda que não sejam previamente

aferíveis. De fato, nesse contrato há uma grande parcela de incerteza: primeiro que não se sabe se a coisa será

vendida, e segundo que, uma vez vendida, não se sabe se será por um preço igual, maior, ou muito maior que o

estimado. É até possível que o preço obtido seja menor que o estimado, e então o consignatário precisará

completa-lo para o consignante. Ademais, ele arca com o risco e as despesas de conservação da coisa. Diante de

tudo isso, percebe-se que não dá pra saber de antemão exatamente qual será a prestação, daí dizer-se que o

contrato pode ser classificado como aleatório.

5. Temporário Uma vez estabelecido que no contrato estimatório, por um certo prazo, o consignatário fica com a

incumbência de vender a coisa consignada, é preciso fazer algumas observações acerca desse prazo, isto é, sobre

o momento em que termina a consignação.

Muitos autores defendem que a fixação de um prazo, isto é, de um termo final previamente estabelecido,

consistiria num elemento essencial da da venda por consignação. Contudo, não foi essa a orietação que vigorou

no nosso sistema. Efetivamente, admite-se o contrato estimatório por prazo indeterminado, o que suscita a

questão: se não há um prazo determinado, quando se considera que o tempo se venceu, de tal a modo a tornar exigível a

prestação do consignatário?

Se o prazo não tiver sido expressamente estabelecido, vale o que estabelecem os usos e costumes. Se não

houver consolidação costumeira acerca do prazo, cai-se regra na geral segundo a qual, na falta de acordo entre

as partes, cabe ao juiz fixar. O importante é entender que a consignação é um contrato essencialmente

temporário.

Por fim, cabe observar que o direito do consignatário de devolver a coisa é potestativo e não pode ser

inviabilizado por qualquer cláusula entre as partes. Da mesma forma, é direito potestativo do consignante pedir

de volta a coisa, desde que não tenha vencido o prazo de consignação.

1. Prazo Estipulado 2. Usos e costumes 3. Fixação judicial

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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A DOAÇÃO Apesar de não ser um contrato tão cotidiano quanto a compra e venda, a doação também é disciplinada de

forma meticulosa pelo código, a partir do art. 538:

Doação, portanto, é o contrato pelo qual uma pessoa, por liberalidade, transfere de seu patrimônio bens

ou vantagens para o de outra pessoa.

No Código anterior a redação colocava uma vírgula com "que os aceita" no final. O Código atual, como se

vê no art. 533, suprimiu essa referência à necessidade de aceitação. Isso ressuscita uma discussão teorica: a

doação é de fato um contrato? Não seria um negócio unilateral de liberalidade, como o testamento? Essa

questão é mais teórica que prática, pois para o nosso sistema, ainda que com essa supressão, a doação é

considerada um contrato. Primeiro porque ela é regulada no capítulo dos contratos; e segundo, porque o

próprio artigo que a define a classifica como um contrato. Sendo um contrato, a necessidade de aceitação é

pressuposta, independentemente da supressão à referência expressa.

Todavia, cabe apontar as causas que ensejaram essa supressão. Assim, o primeiro motivo é que a

aceitação da doação muito pouco frequentemente é expressa. O segundo relaciona-se a um problema muito

sério que diz respeito à aceitação do incapaz.

CARACTERÍSTICAS

Art. 533

CC

Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade,

transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.

DOAÇÃO

Gratuito Unilateral Formal

Características

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1. Gratuito; O contrato de doação é essencialmente gratuito. É, alias, essa gratuidade que o caracteriza. Isso significa

que inexiste, nele, qualquer contrapartida à tranferência dos bens do patrimônio do doador ao do donatário.

Essa incorporação, portanto, dos bens do doador no patrimônio do donatário se dá de forma gratuita, animada

pelo animus donandi.

Apesar de o código utilizar o termo “liberalidade”, Godoy entende que o termo mais adequado seria

“gratuidade”. Isso porque uma liberalidade geralmente implica um interesse altruístico, e na doação pouco

importa a espécie de interesse que lhe deu nascimento. Portanto, pouco importa se os motivos do doador eram

de fato altruísticos, ou se eram totalmente egoísticos. Por isso, seria mais preciso falar-se em gratuidade, afinal

o que importa é que se transferiu bens de maneira gratuita.

E a doação com encargo? O que acontece no encargo é que o o doador impõe ao donatário o cumprimento

de uma obrigação. É costume então dizer que não é exatamente uma gratuidade, por isso é chamada as vezes de

doação onerosa. O encargo, porém, não é uma contrapartida à tranferência patrimonial a que procede o

doador. Não é, com efeito, um pagamento, e assim não cria na doação um sinalágma em relação à prestação que

o donatário tem que cumprir. Se o encargo não for cumprido pode ser coativamente exigido ou a doação pode

ser resolvida, mas o cumprimento do encardo não é a causa da entrega da coisa doada. Assim, uma vez que o

encargo não consiste num pagamento, e somando-se o fato de ele ser um mero elemento acidental, sua

existência não muda a essência da doação. pq a obrigacao nao eh a causa da entrega da coisa doada. gratuidade

impura.

2. Unilateral; A doação é um contrato unilateral pois, uma vez aperfeiçoada, só quem tem obrigações a cumprir, via de

regra, é o doador. Claro que se for com encargo, excepcionalmente ambos tem obrigações a cumprir, mas

reiterando: o encargo, sendo elemento acidental, não muda a essência do contrato.

3. Formal; A doação é um contrato via de regra formal. Se a doação for de coisa imóvel, ou de valor superior a 30

salários mínimos, ela só pode ser feita por escrituda pública.

Quanto aos móveis, o legislador faz uma distincao entre aqueles de pequeno valor e os de alto valor.

Todavia, o limite entre ambos não está estabelecido na lei, então a determinação é casuística. A importância

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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dessa distinção reside na previsão de que, se se tratar de bens móveis que não são de pequeno valor, a

formalidade continua sendo essencial, e a doção precisa ser feita por escrito, só não precisa ser pública.

Todavia, quando se trata de doação de bens móveis de pequeno valor, é possível o que a doutrina chama

de doação manual. Assim, a doação pode ser verbal, dispensando a forma escrita, desde que imediatamente a

coisa seja entregue, e assim concretiza-se a doação manual. Em outras palavras, a doação de coisa móvel de

pequeno valor pode se aperfeiçoar com simples manifestação verbal da vontade de doar, desde que no átimo de

instante seguinte se dê a entregue da coisa.

Ora, se além do consenso é preciso haveer a entrega da cosia, que se traz para o momento do

aperfeiçoamento do contrato, isso torna essa doação um contrato real? Nesse caso sim, não obstante em regra a

doação seja formal.

Há determinadas práticas sociais que a doutrina discute até hoje se configuram práticas de doação: a

gorjeta e e esmola. Geralmente elas já têm um pequeno valor, então das duas uma: ou são doações de móveis de

pequeno valor (então dispensam, se manuais, a formalidade escrita) ou nem sao doações, são obrigações morais,

socias de maneira geral (Godoy concorda com essa ideia). Isso porém depende fundamentalmente do valor.

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS

Transferência Patrimonial

• Gratuita • Decrescimo patrimonial do doador

• Acréscimo patrimonial do donatário

Consenso

• Dupla manifestação de vontade

• Doador: manifestação expressa (formal)

• Donatário: aceitação expressa, tácita, presumida ou ficta

Objeto

• Alienável • Vedações: "doação a non domino", doação inoficiosa e doação que compromete o mínimo existencial.

ELEMENTOS DA

DOAÇÃO

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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1. Transferência Patrimonial; A doação consiste numa tranferência patrimonial. Alguns autores utilizam o termo “transmissão por

liberalidade”. Para o Godoy, todavia, esse elemento consiste, antes, numa alienação que tende a uma

transferência patriomonial gratuita, uma vez que o termo “liberalidade” pressupõe considerações sobre os

motivos altruísticos do agente, como vimos.

A doação é uma alienação tanto quanto a compra e venda, e tende a uma transmissão dominial assim

como na troca também. A diferença é que se dá sem onerosidade, sem contrapartida. Sendo uma alienação,

então necessariamente sai um bem do patrimônio do doador, que por isso diminui, e ingressa no do donatário,

que aumenta. Isso difere a doação de outras liberalidades, como a remissão, que é uma liberalidade mas não

resulta de nenhuma trnasmissão (como a remissão não implica uma alienação, não precisa de outorga do

conjugue, por exemplo); e como a renúncia à herança, que consiste numa liberalidade de natureza abdicativa, e

não transfere nada pra ninguém.

2. Consenso; Ora, sendo um contrato, a doação pressupõe uma dupla manifestação de vontade. Há, com efeito, dois

centros de interesse, é o consenso deve entre eles se estabelecer: o doador deve manifestar-se no sentido de doar

a coisa, e o donatário no sentido de aceitar a doação.

Vamos analisar algumas questões específicas acerca da capacidade e legitimação, ativas e passivas, na

doação.

Capacidade ativa A pergunta é: quem pode doar? Primeiro, evidentemente, quem for capaz. A particularidade aparece no que

tange ao incapaz: ao contrário do que acontece em outros tipos contratuais (como a compra e venda), o incapaz

não pode doar por intermédio do seu representante legal! O fundamento para essa vedação reside na

gratuidade da doação, isto é, no fato de que ela só traz desvantagem para o doador.

Mas e o representante convencional? O legislador admite essa possibilidade, mas exige certa cautela: é

preciso, para doar por procurador, explicitar exatamente o conteúdo dessa doação, isto é, o que se está doando e

a quem se está doando.

Por fim, pessoa jurídica também pode doar, mas isso depende da sua natureza e dos supeus estatutos, atos

constitutivos.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Legitimação ativa I) Doação de ascendente a descendente;

Como vimos, apesar de vedada a venda de ascendente a descendente, a doação é permitida, contanto que

observe os limites da legítima ou da parte disponível, conforme o caso.

De acordo com o art. 544, quando a doação for feita sem determinação expressa de que o bem saiu da

parte disponível da herança, presume-se que consiste num adiantamento da legítima. Assim, através da colação

busca-se, justamente, ver se aquele bem cabia de fato na legítima do herdeiro donatário, isto é, na parte que ele

teria o direito de receber com a morte do doador. Quando a doação ultrapassa o valor dessa parte legítima,

trata-se de uma doação inoficiosa.

Colação

DOAÇÃO DE

ASCENDENTE A

DESCENDENTE

Bem é antecipação da legítima

Bem pode integrar a parte disponível

Presunção

Colação

1 6 1

6

1 6

Se houver determinação

Se não houver determinação

! !

Exemplo: doador solteiro com 3 filhos

Doação Inoficiosa

Sim

Não

Sim

Não

O bem cabe na parte disponível?

O bem cabe na parte legítima?

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

146

Portanto, a doação inoficiosa se dá quando o que se doou ultrapassa o valor da legítima que o herdeiro

está recebendo de maneira antecipada, mas que terá direito de receber de maneira completa no momento da

sucessão. A lei estabelece que quando há esse excesso a doação é nula!

Ora, se o valor da doação for igual ou menor que o valor da legítima do donatário, não há problemas. Na

hora da sucessão, nesses casos, o herdeiro recebe o complemento com o abatimento do que já recebeu. O

problema é na hipótese em que o valor ultrapassa o valor da legítima. Antes de tudo, como se calcula se essa

doação realmente ultrapassou a legítima? E, uma vez determinada a inoficiosidade da doação, como se corrige sua

situação de nulidade?

Art. 544

CC

A doação de ascendentes a descendentes,

ou de um cônjuge a outro, importa

adiantamento do que lhes cabe por

herança.

Art. 549

CC

Nula é também a doação quanto à parte que

exceder à de que o doador, no momento da

liberalidade, poderia dispor em testamento.

PROBLEMA

O problema do cálculo é uma questao de opção legislativa. Para saber se a doação ultrapassou a legítima é

preciso saber qual é o patrimônio do doador, claro. O problema é que esse patrimônio pode mudar com o

passar do tempo, então dependendo do momento em que se faz a análise, a legítima pode ser maior ou

menor. Sendo assim, fica a questão: a colação deve ser feita no momento da doação ou da abertura da

sucessão? Definir o momento do cálculo do patrimônio faz toda a diferença.

O código atual adotou uma opção diferente da que vigrava no código anterior. Com efeito, enquanto este

optava pelo momento da sucessão, aquele optou pelo momento da doação, da liberalidade. Essa opção

legislativa traduz uma preocupação com a srgurança jurídica, na medida em que afasta a influência da

modificação patrimonial posterior à doação.

Doação ultrapassa

a legítima

Doação equivale

à legítima

Doação fica aquém

da legítima

• É nula em seu excesso; • Doação inoficiosa;

• Ok! • Valor abatido na herança (no momento da sucessão, a legítima pode ser maior - dá-se a complementação)

• Ok! • Valor abatido na herança;

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Portanto, uma vez interposta a ação para anular a doação supostamente inoficiosa, realiza-se a colação

tendo como critério o valor que tinha o patrimônio no momento da doação. Cabe agora definir quais as

consequências, uma vez verificado um excesso, isto é, que a doação foi inoficiosa.

As vezes a ação é proposta muito tempo depois de ocorrida a doação. Como avaliar, nesse caso, o

patrimônio na época em que a doação foi feita? Seria preciso identificar qual era o patrimônio do doador naquela

ocasião, isso é uma matéria relativa à prova. Uma vez identificado o patrimônio, ele precisa ser avaliado. Mas é

uma avaliação retrospectiva, isto é, visa determinar o que ele representava na época da doação. Pouco importa

a posteiror valorização ou desvalorização. Há uma dificuldade pragmática em definir os padrões de confronto,

para depois se avaliar quanto o patrimônio valia na época segundo esses padrões.

PROBLEMA

Para corrigir o excesso da doação, quando comparada com a parte legítima do herdeiro, cabe a chamada

ação de redução de doação inoficiosa.

O primeiro problema é: quem pode propor essa ação? Alguns autores sustentam que só os outros herdeiros

necessários, que são diretamente prejudicados, podem. A crítica a esse posicionamento é que trata-se de um

caso de nulidade! Apesar de o código estabelecer eventualmente ressalvas à regra geral de que a nulidade

pode ser declarada por qualquer interessado, nesse caso da doação o código não ressalvou que apesar da

nulidade só os herdeiros podem alegar, então por que abrir uma exceção onde a lei não previu? Tendo isso

em vista, outros sustentam que por ser um caso de nulidade, qualquer um pode alegar. Assim, um herdeiro

disponível por exemplo, que seria indiretamente afetado, também poderia propor a ação de redução.

Acerca dessa ação, havia também uma discussão sobre se ela poderia ser proposta em vida do doador.

Entende-se que sim, justamente por ser um caso de nulidde.

Proposta a ação de reducão, como se corrige o excesso? Esse problema ganha relevo sobretudo quando o bem

doado é indivisível, como um apartamento por exemplo.

Bom, já estabelecemos que a ação pode ser proposta a qualquer momento, inclusive durante a vida do

doador. Assim, se a ação for ajuizada depois da morte, a solução é simples: o excesso é reduzido de maneira

pecuniária, ou seja, o donatário devolve o dinheiro correspondente ao excesso de valor para o monte.

O problema reside nos casos em que a ação é proposta em vida do doador, e em que o bem era indivisível. Há

duas soluções: ou a doação se invalida por completo, ou faz-se do mesmo modo que quando interposta a ação

depois da morte, ou seja, em dinheiro.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Um vez determinado o excesso, é como se o herdeiro aquinhoado tivesse uma dívida em relação ao

monte. Mas não fica excluído do eventual acréscimo patrimonial de depois da doação! Depois dela, com efeito, é

possível imaginar que o doador ficou rico, e seu filho donatário não poderá ser excluído do direito de receber a

cota parte em relação aos outros bens sob o fundamento de que no momento da doação ela ultrapassava a

legítima do herdeiro. Sua dívida, nesse caso, é compensada no momento da partilha.

II) Doação de um cônjugue a outro;

Também está no art. 544 a aplicação dessa mesma regra em relação à doação de um cônjugue ao outro.

Tal como o que acontce na compra e venda, a lei estabelece claramente a possibilidade de um cônjugue doar

para o outro, sé não é possível doar bens comuns pelos mesmos motivos que já vimos.

O problema reside no regime da separação obrigatória: a doação poderia ser uma forma de burlar essa

separação, legalmente imposta? Pode, mas a lei não estabeleceu uma vedação apriorística, então isso deve ser

analisado casuisticamente.

O legislador supriu uma omissão do art 496 da compra e venda: tratou também da doação do cônjugue ao

outro, lembrando que o conjugue é um herdeiro necessario.

O importante é não confundir a situação sucessória do cônjugue com a meação que ele já tem. Quando

alguém morre e abre-se seu inventário, o conjugue participa, mesmo que não seja herdeiro, pois é preciso

extremar a sua meação. Depois da morte de um dos cônjugues, portanto, seu patrimônio não é,

quantitativamente considerado, exatamente o mesmo de quando vivo. Afinal, enquanto era vivo, tinha tudo

junto com o cônjugue. Quando morre, seu patrimônio é apenas o que sobrou uma vez extremada a meação. Mas

o conjugue sobrevivente, nesse caso, pode herdar mesmo assim: se não houver ascendente nem descendente,

aliás, ele herda tudo. Se houver, aí depende do regime de bens.

Apesar de o código hoje estabelecer o memso regramento da doação de ascendente a descendente para a

de um conjugue ao outro, ainda não tratou da doação de descendente a ascendente.

III) Doação de cônjugue a terceiro;

Art. 550

CC

Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem

autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: (…)

I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que

possam integrar futura meação.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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É importante entender que a doação consiste numa alienação, pois assim aplica-se o inciso primeiro, e a

doação de bem imóvel pelo conjugue fica condicionada à anuência do outro. Assim, da análise dos dois incisos

conclui-se que, se um cônjugue quiser doar um bem móvel que não seja exclusivamente seu, preciso da outorga

do outro. Se for imóvel, mesmo que seja só dele, tambe’m preciso da anuência.

Quando aos bens móveis, cabe observar que é dispensada a anuência se a doação for remuneratória. Em

suma, se os bens móveis são exclusivos do cônjugue ele não precisa de autorização. Se são comuns, volta-se à

regra de que não pode doar sozinho. Mas se for um bem móvel comum e a doação for remuneratória, com uma

causa especial (em virtude de serviços prestados, por exemplo), ele pode doar sozinho.

IV) Doação de Pessoa Jurídica;

Pessoa jurídica pode doar? Sim, mas de acordo com sua finalidade e com seus atos constitutivos.

V) Doação de cônjugue adúltero a amante;

Por exemplo, sou casada faço uma doação ao meu amante. Essa doação pode ser anulada pelo meu

cônjugue traído, ou pelos meus herdeiros necessários, no prazo de 2 anos. Esse prazo é contato a partir do

Art. 550

CC

A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro

cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de

dissolvida a sociedade conjugal.

Doação de...

Bem móvel

Exclusivo Dispensa-se a anuência

Comum

Doação comum

Não pode doar sozinho

Doação remuneratória

Pode doar sozinho

Bem imóvel

Exclusivo Exige-se a anuência

Comum

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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término do casamento. Sendo assim, é uma ação que pode acontecer muito tempo depois da doação, pois esta

pode ter acontecido muito antes do desfazimento do casamento.

Apesar de hoje essa regra soar meio estranha, ela tinha um papel especial no sistema antigamente, e deve

ser entendida nesse contexto. Com efeito, essa regra atendia a uma ideologia própria do sistema de proteger o

casamento a qualquer custo, na medida que ele figurava como a base de organização social, não apensas do

ponto de vista político institucional, mas também do ponto de vista econômico. Havia, portanto, uma

preocupação em preservar o casamento, para preservar-se assim a unidade econômica no mesmo eixo familiar.

Diante dessa intenção, havia uma tendência de proteção à indissolubilidade do casamento, e o adultério era

tido como uma ameaça de dissipação do patrimônio familiar.

Isso não acontece mais, porque os pressupostos ideológicos mudaram. Hoje, de fato, o casamento não é

mais indissolúvel. Diante dessa mudança de paradigma, a pergunta que hoje se faz é se faz sentido manter-se

essa regra no capítulo da doação. Alguns autores chegam a dizer que essa regra é inconstitucional, na medida

em que é incompatível com a ideia de liberdade de comunhão plena de vida. Godoy acredita, por outro lado, que

a regra, mais que um cerceamento a essa liberdade, um sancionamento à qubra do dever de lealdade na relação

matrimonial. De fato, apesar de entendido fora do contexto antigo de proteção máxima ao casamento, o

adultério continua sendo uma infração do dever de lealdade.

O fato é que hoje é preciso analisar essa regra com muita cautela. Primeiro porque como o adultério não é

mais crime, a aplicação dessa regra não pressupõe qualquer tipo de ação penal. Aliás, antes mesmo já não se

entendia que fosse necessário o ajuizamento de uma ação penal. Mas hoje isso nem se discute mais.

Mas afinal, no que consiste o adultério a que se refere o artigo? O adultério, tomado do ponto de vista civil, é o

encontro sexual de uma pessoa casada com um terceiro. Bom, então é preciso que seja casado... mas do ponto de

vista material! Assim, alguém que seja separado de fato, é claro que pode doar, afinal pode até mesmo manter

uma união estável.

O código civil atual fez uma distinção entre união estável, concubinato e quejanos. Antigamente

distinguia-se o concubinato puro do impuro. O concubinato puro é o que hoje chama-se união estável: uma

Casamento

Relação afetiva formal, estável e com objetivo de constituir família

União Estável

Relação afetiva informal, estável e com objetivo de constituir família

Concubinato

Relação afetiva informal, estável entre pessoas que

não podem se casar

Quejanos

Relação afetiva sem objetivo de

constituir família

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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relação afetiva estável e duradoura entre duas pessoas com objetivo de constituir família, mas sem a formalidade

do casamento. O que hoje se chama de comcubinato é o que antes de chamava de concubinato impuro, isto é,

uma relação estável duradoura afetiva mas mantida por pessoas que não podem se casar, ou porque são

casadas, ou porque vivem já em união estável com outras, por exemplo. Por fim, há o quejano, que é uma

relação afetiva sem objetivo de constituir família, é o namoro.

Há uma última ressalva que deve ser feita em relação a esse artigo. Imaginemos um exemplo em que Caio

é casado e mantém uma relação extraconjugal, um concubinato, com Semprônia. Caio, então, compra uma coisa

em seu nome, mas contando com a contribuição de Semprônia. Poteriormente, pretende doar algo a ela, para

regularizar esse ajuste particular que tiveram. Sucede que, sendo casado, o que comprou a título oneroso,

dependendo do regime de bens, pode já ser metade da sua esposa, sem contar que é possível que ele precise da

sua anuência. Mas, afastando-se essas hipóteses, a doação nesse caso não é anulável!

Capacidade Passiva Quem pode receber por doação? Primeiro, claro, quem for capaz. Ademias, pode também a pessoa jurídica

(art 554 – estabeleceu a possibilidade não só de se doar para uma pessoa jurídica, mas também de se doar a uma

entidade futura, ainda não constituída regularmente).

I) Aceitação expressa, tácita ou presumida;

A manifestação de vontade pode ser expressa ou tácita. Cabe observar que a aceitação da doação muito

costumeiramente é tácita, isto é, se manifestada por um comportamento concludente. Mas além dessas duas

forms de aceitação, há também uma manifestação presumida, que se dá pela simples inércia. Difere da tácita,

portanto, por implicar um omissão, e não uma ação:

Assim, segundo o art. 539, o doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a

liberalidade. Findo o prazo, e partindo-se do pressuposto de que o donatário tinha ciência de sua existência, não

tendo o donatário declarado sua aceitação ou recusa, entender-se-á que aceitou. Essa presunção só vale,

naturalmente, se a doação for uma liberalidade pura, ou seja, não sujeita a encargo. Isso impõe ao donatário, por

Art. 539

CC

O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a

liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele,

a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a

encargo.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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força de seu silêncio, um acréscimo patrimonial. Mas o fundamento é que por ser pura, a doação só traz

benefício ao donatário, então a priori não é uma imposição prejudicial ao donatário.

II) Doação Ficta;

A chamada doação ficta é a doação feita ao nascituro, nos termos do art. 542:

No caso dos incapazes, a questão da aceitação é uma aporia. O código anteior dizia no art. 1170, que para

as pessoas incapazes é facultado aceitar doações puras. Assim, as pessoas que não podiam contratar podiam

aceitar doações, desde que se tratassem de doações puras. Como elas podiam aceitar pessoalmente, essa regra

consistia numa ressalva do regramento geral da incapacidade. O pressuposto sob o qual o código aceitava essa

aceitação era de que o princípio que anima a disciplina da incapacidade é proteger o inacaz, e se a doação é

pura só traz benefícios a ele.

O Código não distinguia incapacidade absoluta e relativa. Na doutrina, perguntava-se se um

comportamento concludente do incapaz seria cabível. Outros diziam que a aceitação era ficta, pois ele não

poderia manifestar sua vontade. O novo código civil quis resolver esse problema, no art. 543 e acabou criando

outro.

Art. 522

CC

A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante

legal.

PROBLEMA

Pimeiro, o Código de 2002 fez uma distinção entre incapacidade absoluta e relativa. Diz, com base nisso, que

se o donatário for absolutamente incapaz dispensa-se a sua aceitação. Ou seja, ao inves de discutir qual é a

situação jurídica daquela acietação que a lei facultava ao incapaz, como a doutrina vinha fazendo, dispensou-

se a própria aceitação.

Problema teórico: se se dispensa a aceitação, há contrato? Afinal, classificar um negócio como contrato

implica admitir que nele é preciso uma dupla manifestação de vontade. E mais, se não for um contrato, o que

seria? Alguns diziam que continua sendo um contrato, mas em que a aceitação é ficta, legal.

Problema prático: ao se dispensar a aceitação, o que se quis foi favorecer o incapaz. Assim, a doação se

aperfeiçoa, e adquire eficácia, uma vez declarada a vontade do doador, e a aceitação do donatário fica

legalmente suprida. Mas a pergunta é: por que não aplicar essa solução também ao relativamente incapaz? Este

participa sim do negócio jurídico, mas não sozinho! Se a doação se faz ao relativamente incapaz e seu

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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III) Doação em contemplação do casamento ou da prole eventual dos nubentes;

Segundo o art. 546, a doação feita em razão do casamento ou da prole eventual dos nubentes não pode ser

impuganada pela falta de acietaçao. Mas essa doação só terá efeito – e portanto trata-se de uma condição

suspensiva – se, e quando, o casamento se realizar. Assim, se a doação um nubente faz ao outro ou um terceiro

faz a um nubente, e tem como razão o casamento, ou seja, se for propter núpcias, não se cogita sua invalidade por

falta de aceitação pois presume-se que quando se realizar o casamento a doação estará sendo aceita. É uma

aceitação tácita, portanto.

3. Objeto

Para que uma coisa possa ser objeto de doação, deve ser alienável, disponível, pois a doação representa no

fundo uma alienação, ainda que sem contrapartida.

Vedações.

I) Bem não transmissível;

Esse bem é um bem já transmissível, no sentido de integrado e existente no patrimônio do doador.

Não pode, a priori, ser um bem futuro portanto. A exceção é quando a doação se dá em forma de subvenção

periódica, que consiste numa doação periodicamente que se renova. Não é, portanto, um dinheiro entregue por

completo de uma vez, então não precisa existir por completo no momento da doação. A doação por subvenção

periódica extingue-se com a morte do doador e do donatário – há um intuito personalíssimo:

assistente nao anui, não participa, não há doação? Ao ver do Godoy, claro que há! Se for assim, embora o

texto do art. 543 só se refira ao absolutamente incapaz, precisa-se entender que essa aceitação seja só dele, e

não do seu representante.

Art. 546

CC

A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e

determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um

deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não

pode ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se o

casamento não se realizar.

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Essa exigência do objeto da doação a afasta da compra e venda, pois nesta, a venda a non domino é ineficaz

mas pode se eficacizar, desde que o vendedor se torne proprietário da coisa vendido. Na doação não, pois para

que ela seja eficaz é imprescindível o animus donandi. Nesse sentido, a liberalidade precisa ser contemporâneoa

ao momento em que efetivamente a propriedade pode se transferir. Por isso, muitos sustentam que seria preciso

doar de novo, ou pelo menos ratificar.

II) Doação inoficiosa;

Como vimos, o excesso em relação à legítima não pode ser objeto de doação, nos termos do art 549.

III) Doação Universal;

O que a lei proíbe não é a doação de todo o patrimônio! Com efeito, pode-se doar tudo, desde que de

algum modo o doador reserve para si o suficiente para a manutenção de uma vida digna. Por exemplo,

posso doar todo o meu patrimônio mas reservar para mim o usufruto (direito real de usar e gozar enquanto

viver). Assim, enquanto eu viver continuarei podendo usufruir desses bens, garantindo a mim mesma, portanto,

uma vida digna apesar de ter doado tudo.

A partir desse artigo, e buscando responder porque o legislador nele impediu que o sejeito disposse

livremente de seu próprio patrimônio, levantou-se aqui no Brasil a tese do estatuto do patrimônio mínimo. Essa

tese significa admitir que todo mundo precisa de um mínimo existencial, ainda que do ponto de vista

patrimonial. Com base nesse imperativo, o legislador impôs limites à doação a bem da segurança da dignidade

mínima.

CLASSIFICAÇÃO

Art. 545

CC

A doação em forma de subvenção periódica ao beneficiado extingue-se

morrendo o doador, salvo se este outra coisa dispuser, mas não poderá

ultrapassar a vida do donatário.

DOAÇÃO

Pura Modal Remuneratória Meritória Condicional Mista

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Doação Pura A doação pura é aquela que não contempla qualquer espécie de gravame, de encargo. É a regra geral, e

contrapõe-se às doações onerosas. O que importa nessa distinção é que os efeitos de uma doação pura diferem

em alguma medida dos efeitos de uma doação onerosa.

Doação Onerosa Dentre as doações onerosas há a chamada doação modal, na qual o donatário aceita o cumprimento de

outra obrigação, que o doador lhe impôs, seja um dar, um fazer, um não fazer, etc. A doação onerosa pode ser

também remuneratória, que é aquela que se faz em retribuição a um serviço que o donatário prestou ao doador

e que não foi cobrado. Por exemplo, faço uma doação ao médico que me tratou sem cobrar.

Na segunda parte do art. 540 a lei diz que a doação onerosa, remunerarória ou modal, não perde o caráter

de liberalidade no excedente ao valor do serviço ou do encargo. Em outras palavras, a rigor, as doações

remuneratória e modais, não obstante a marca da onerosidade, não perdem o caráter de liberalidade naquilo

que exceder o valor do serviço prestado ou do encargo exigido, respectivamente. Afinal, nem sempre há uma

equivalência entre o valor da coisa doada e do serviço ou encardo. Se o valor da coisa for maior, o excedente,

isso que sobeja, é tratado como uma liberalidade pura. Até o valor do servico prestado ou do encargo, a doação

é onerosa. Se o valor do encargo tiver um valor maior que o valor da doação, esta é inteiramente onerosa (mas

na prática é provável que o donatário nem vá aceitar né).

Define-se o que é liberalidade e o que é onerosidade de acordo com esse confronto.

Art. 540

CC

A doação feita em contemplação do merecimento do donatário não perde o

caráter de liberalidade, como não o perde a doação remuneratória, ou a

gravada, no excedente ao valor dos serviços remunerados ou ao encargo

imposto.

DOAÇÃO MODAL

Valor da Coisa Valor do Encargo

Liberalidade

Onerosidade

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Qual a relevância disso? Determinar o que é liberalidade e o que não é, é fundamental ao tratar-se dos

vícios redibitórios. Como vimos, o regime dos vícios redibitórios incide nas alienações onerosas, e portanto

vale nas doações na medida de sua onerosidade.

Doação Meritória

O quarto tipo de doação que devemos analisar é a doação meritória, expressa na primeira parte do art.

540, que fala em “doação feita em contemplação do merecimento do donatário”. Trata-se de uma explicitação da

causa da doação, quando a causa é um mérito do donatário. Por exemplo, doei para uma pessoa porque ela

ganhou uma olimpíada de matemática. Se doei do mesmo jeito mas sem explicitar a causa, trata-se-ia de uma

doação comum, sem especificidade.

Doação Condicional Bom, segundo o art. 540 essa doação não perde sua natureza de liberalidade. Ademais, nos negócios

jurídicos com geral o motivo que o incitou não tem importância nenhuma... Então qual a relevância dessa

distinção? Apesar de em geral o motivo da declaração de vontade ser irrelevante, excepcionalmente, quando ele

é explicitado como razão determinante da prática do negócio, pode ensejar a anulação do negócio diante da

prova da falsidade da causa. Ou seja, se o motivo era determinante e foi explicitado, provada a falsidade da causa

concreta, o negócio pode ser anulado. No exemplo da olimpiada de matemática, se provado por exemplo que o

resultado foi fraudado, a doação expressamente motivada nessa causa pode ser invalidada.

A doação pode ser também condicional. De fato a doação permite condição, que pode ser resolutiva ou

suspensiva conforme a declaração da parte. No que tange particularmente à doação, o legislador positivou duas

situações típicas especificando duas condições próprias da doação: a doação propter nupcias e à prole eventual.

Doação propter nupcias A doação propter núpcias é uma doação em contemplação, nesse caso do casamento. A doação pode ter

sido feita de um nubente ao outro ou de terceiro aos nubentes, com a condição de se casar com certa e

determinada pessoa. Aqui também se explicita a causa, que por sua vez condiciona os efeitos do negócio. O

casamento, que é a razão que levou o sujeito a doar, funciona como uma condição, um evento futuro e incerto.

Essa condição, ademais, é suspensiva, pois a doação só produzirá efeitos se e quando26 houver casamento.

26 Lembrando que a diferença entre condições suspensivas e resolutivas remete ao plano da eficácia do negócio jurídico! O negócio condicional, seja a condição resolutiva seja suspensiva, é existente e válido desde a sua entabulação. A diferença é que, enquanto o que contém cláusula resolutiva produz efeitos normalmente, desde já, e tais efeitos cessam uma vez +

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Teoria Geral dos Contratos Giselle Viana

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Havendo casamento, a doação produz os seus efeitos sem necessidade de aceitação27. Há, portanto, uma

inversão na lógica: os cônjugues, se não quiserem a doação, têm que recusar a coisa doada. Observe-se que se o

casamento não se realizar e a coisa já tiver sido entregue, ela tem que ser devolvida.

Doação à Prole Eventual A doação à prole eventual do casal é feita aos filhos que os nubentes houverem um com o outro. A

existência desse tipo de doação mostra que é possível sim uma doação a quem não existe, afinal os filhos não

apenas ainda não nasceram como podem vir a nunca nascer, o que não muda a validade da doação.

Como os filhos ainda não existem, dispensa-se claro a aceitação, afinal nem tem quem aceite. Nascida a

prole, ademias, a doação produz seus efeitos independentemente dessa necessidade de aceitação, mas desde que

seja uma doação pura. Afinal, o fundamento dessa dispensa decorre da constatação de que essa doação só

favoreceu a prole.

Cláusula de Reversão

verificada a ocorrência do evento, o que contém cláusula suspensiva nasce ineficaz, e passa a incidir efeitos só quando o evento que o condiciona acontece. Se o evento não acontecer nunca, então o negócio por condição suspensiva nunca vai ser eficaz, e o por resolutiva será eficaz sempre. 27 A doação propter núpcias e a doação ao incapaz são os dois casos em que o legislodor dispensa a aceitação para a perfeição ao doação – no resto, precisa aceitar!

PROBLEMA

O que se pergunta aqui é se essa regra é constitucional! Ela fere a liberdade de escolha do parceiro?

Bom, a doação é feita sob o pressuposto de que o parceiro já foi escolhido... mas por outro lado, a escolha

mesmo só se dá no momento do casamento. Por issso alguns atores ustentam que isso monetarizaria uma

liberdade fundamental de escolha. Alguns dizem que o que não é lícito é condicionar o negócio a que o

sujeito não se case ou se case, no geral, mas se ele já escolheu o parceiro aí não é inconstitucional. Cabe

observar que esse questionamento também aparece no caso da doação à prole eventual: uma regra como

essa não interferiria de maneira indevida na liberdade constitucionalmente garantida que as pessoas tem de

planejar sua prole, de decidir ter ou não filhos?

Art. 547

CC

O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se

sobreviver ao donatário.

Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro.

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A cláusula de reversão, prevista no art. 547, é também uma doação condicional, mas baseada numa

condição resolutiva: o doador doa, a doação já produz efeitos, mas se resolve se o donatário falecer antes do

doador. É uma condição que precisa ter sido explicitada.

Uma vez falecido o donarário, e tendo o doador expressamente determinado, portanto, o bem doado não

se transfere aos sucessores do donatário, pois no extao momento do falecimento, se a condição se implementar

(ou seja, se o doador ainda estiver vivo) a doação se resolve, e os bens voltam ao patrimônio do doador.

O que acontece, sendo uma doação com condição resolutiva, se o donatário em médio tempo se desfaz da

coisa doada? Se essa condição está explicitada e é oponível ao terceiro, seja por tratar-se de um imóvel ou de um

móvel sobre cuja doação o terceiro deveria saber, a condição se desfaz e o doador pode buscar a coisa.

O parágrafo único do art. 547 diz que essa condição só pode ser estabelecida em favor do próprio doador,

de mais ninguém! Isso seria uma hipótese de fideicomissio entre vivos, de uma deixa sucessiva, que o direito

proibe. Portanto, não é possível a cláusula de reversão que não signifique a reversão do bem doado

exclusivamente ao doador se ele sobreviver ao donatário.

Doação Mista

A doação mista consiste numa liberalidade inserida em meio a um negócio jurídico que pde ser mais

amplo. Por exemplo, em meio a um contrato de locação, de permuta, até de compra e venda. Até o tamanho da

onerosidade trata-se, pra todos os fins (vícios, evicção, necessidade de outorga, etc), como um negócio oneroso.

O resto, isto é, do vador da doação que excede a onerosidade, trata-se como liberalidade.

PROBLEMA

Examinamos a questão da promessa de doação na parte geral, ao tratarmos do contrato preliminar. Tem-se

entendido que a doação não permite promessa, pois o animus donandi tem que estar presente no momento em

que a liberalidade se faz. Não se permite que eu, por exemplo, diga hoje que terei o animus no futuro.

As vezes o que se toma como promessa de doação na verdade não é bem isso. Por exemplonos acordos de

separação costumeiramente se faz uma imprópria promessa de doação, quando um conjugue por exemplo

promete doar um certo bem aos filhos. Ainda que seja uma promessa, não é uma liberalidade! A discussão

não é mais se depois desse acordo as partes ainda terão o o animo de fazer uma liberalidade, porque nem é

uma liberalidade. Trata-se, na verdade, de uma condição que permitiu as partes fazerem o acordo, entao é

passível sim de execução.

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EFEITOS DA DOAÇÃO. Vamos analisar os efeitos básicos resultantes da doação e os efeitos particulares decorrentes de alguns

tipos especiais.

Efeitos Básicos 1. Efeito Consensual;

A doação produz efeitos uma vez convencionada e reduzida a seus instrumentos próprios. Ela não

transfere a propriedade da coisa doada, que con efeito só se tranfere mediante a tradição ou registro (assim

como na compra e venda).

Há, todavia, uma exceção: a doação manual, que é um caso em que a doação não decorre apenas do

consenso traduzido na forma devida. Essa forma de doação só se consuma, como vimos, uma vez imediatamente

entregue a coisa doada. É, portanto, um contrato real.

Alguns autores, minoritários, sustentam que os contratos de doação são sempre reais. Mas se se

considerar isso, entao só haverá doacao quando além da forma própria houver a entrega da coisa, o que traria

consequências vitais: se eu fizer uma escritura pública de doação e não entregar a posse, não tem contrato e o

donatário não pode exigir a entrega da coisa. Majoritameriamente se entende que não é um contrato real pois

no nosso sistema pode-se inferir isso a contrario sensu: se o código estabelece que a doação manual é o énico caso

em que a doação só se aperfeiçoa com a entrega da cosia, então nos outros não precisa!

2. Irrevogabilidade; A doação, salvo em alguns casos excepcionais de revogação, é irrevogável: não posso me arrepender uma

vez instrumentalizada a doação.

3. Vícios Via de regra, quem doa não responde por vícios redibitórios e por evicção. Afinal, em se tratando de uma

doação pura, o contrato já representa só uma desvantagem para o doador e uma vantagem para o donatário,

entao em regra não há responsabilidade do doador pelos vícios. Assim, quando o donatário aceita a doação tem

que saber que é dele o risco.

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Sucede que as doações podem não ser puras, daí a importância da distinco entre doacao pura e onerosa -

esse efeito se altera. Para os casos dos vícios redibitórios a lei foi explícita, dizendo no parágrafo único do art.

441 que o regime dos vícios redibitórios é aplicável às doações onerosas, mas incide para até onde aquela doação

é onerosa. Isso depende daquele confronto que vimos entre o valor da onerosidade e o valor da coisa doada. Se o

bem doado vale mais, no excedente não há onerosidade e portanto não incide esse regime protetivo dos vícios.

Em relacao à evicção, por outro lado, o código não foi tão explícito. No art. 552 há uma ressalva muito

emblemática a respeito não do vício, mas da evicção para um caso de doação que a lei não considera onerosa, a

propter nupcias. No art 540 diz-se que é uma liberalidade, mas aqui diz que apesar disso, sintomaticmaente, o

doador ficara responsável pela evicção. Isso é um sinal de que o próprio legislador considera que essa doação

não é tão uma liberalidade assim.

Efeitos Particulares A vitaliciedade é um efeito muito próprio de uma espécie de doação: a por subvenção periódica. Assim,

se nada tiver sido dito de maneira diversa, a doação sob a forma de subvenção periódica é vitalícia, e

periodicamente renova-se a prestação de liberalidade.

Outro efeito especifico, agora das doações modais, é a exigibilidade coativa do encargo. Cabe

observar que o art. 553, parágrafo único, diz que quando o encargo tem interesse social, na falta do doador,

porque ele morreu ou se tornou incapaz, o MP pode exigir o cumprimento, pois é o representante da sociedade.

Um efeito relativo a doações feitas a mais de uma pessoa, isto é, as doações conjuntas, é que salvo

declaração em contrário, ela entende-se distribuída entre os donatários por igual. O que importa nessa regra é a

ressalva que se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, e um deles morrer, subsistirá na totalidade

a doação para o cônjuge sobrevivente.

Assim, se a doação é feita a ambos os cônjugues, nessa condição, por presunção legal, não só a doação se

considera feita em partes igual, como também há em caso de morte o direito de um acrescer o valor do outro.

Assim, a parte do morto no bem doado acresce a parte do conjugue sobrevivente. A ideia do legislador é que

seria uma doação ao casal, à entidade conjugal.

Apesar da lei não ter explicitado, Godoy entende que isso também vale para a união estável, observadas

as exigências probatórias. Assim, há a contingencia básica da prova de que o doador doou sabendo que o

donatário vivia em união estável, e que doou para o casal. Afinal, a união estável não tem a publicidade

inerente que o casamento tem. Mas, assim como o casamento, é uma entidade conjugal mantida com objetivo de

constituir família, então não há porque não se aplicar a regra.

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REVOGAÇÃO DA DOAÇÃO A revogação da doação é uma resolução da doação. Todavia, apesar de consistir numa resolução, e a

resolução ter via de regra efeitos ex tunc, os efeitos da revogação são ex nunc! Isso é fundamental em relação aos

atos de alienação que tenham sido praticados pelo donatário antes da revogação: esses atos são preservados e a

eventual revogação da doação nessas hipóteses se converte em perdas e danos. Aplica-se a regra do art. 1.360,

relativa à propriedade resolúvel:

A revogação da doação tem cabimento em uma de duas hipóteses, mas essas não são os únicos casos em

que a doação se desfaz: ela pode se desfazer inclusive pela invalidade, como vimos por exemplo na doação

inoficiosa. Aqui a lei trata de duas hipóteses específicas de desfazimento por revogação: a revogação por

descumprimento de encargo; e a revogação por ingratidão com donatário.

Revogação por Ingratidão

No caso da ingratidão só se revogam as doações puras, ou desde que o encargo já tenha sido cumprido.

Esta ação de revogação de doação por ingratidão tem prazo decadencial de 1 anos, segundo o art. 559, a contar

de quando o doador teve ciência do fato que autoriza a revogação – seja a ingratidão ou descumprimento do

encargo.

Art. 1.360

CC

Se a propriedade se resolver por outra causa superveniente, o possuidor,

que a tiver adquirido por título anterior à sua resolução, será considerado

proprietário perfeito, restando à pessoa, em cujo benefício houve a

resolução, ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para haver a

própria coisa ou o seu valor.

Art. 557

CC

Podem ser revogadas por ingratidão as doações:

I - se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de

homicídio doloso contra ele;

II - se cometeu contra ele ofensa física;

III - se o injuriou gravemente ou o caluniou;

IV - se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este

necessitava.

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Essa ação é personalíssima: só do doador contra o donatário. Os sucessores do doador não podem

propor, e os do donatário também não podem ser demandados. Mas uma vez iniciada a ação, em vida de ambos,

havendo a morte de qualquer deles a ação pode, naturalmente, prosseguir com os sucessores.

Se o donatário atentou contra a vida do doador, ou até matou dolosamente, a doação pode ser revogada.

Claro que se ele morreu, a ação será proposta contra seus sucessores. Não é preciso ação criminal nesse caso.

Claro que se tiver, e se for julgada procedente, fica mais fácil, mas não é imprescindível para efeitos de

revogação.

Também cabe ação de revogação se o donatário injuriu gravemente ou caluniou o doador. Faltou a

difamação! Historicamente, então, tem-se interpretado de maneira extensiva para abarcar também a difamação.

Por último, se o donatário, podendo presta-los recusou ao doador o alimento que ele precisava. Os

alimentos podem ter diversas origens: geralmente, por vínculo familiar, mas nem sempre. Aqui, com efeito, o

legislador não está pressupondo apenas alimentos familiares, o donatário não precisa ser parente do doador

portanto. O que diz é que se o donatário recebeu uma liberalidade – não é uma doação onerosa nem condicional

– e sem causa justificável não socorreu o doador que dele precisava, a doação pode ser revogada.

Revogação por Inexecução do Encargo

Encargo é uma obrigação. Como tal, para que configure seu descumprimento, é preciso verificar se a

doação já é vencida e líquida, pois é a partir daí que torna-se exigível. Assim, é preciso saber se a mora do

donatário é ex persona ou ex re, e é preciso saber por fim se ela se transformou ou não num inadimplemento

absoluto. Nesse ponto incidem todas aquelas regras contratuais que já vimos: há de se considerar por exemplo

se houver adimplemento substancial se houve alteração das circunstâncias, etc.

PROBLEMA

Sempre se entendeu que as hipóteses de ingratidão eram taxativas. Com a vigência do atual código, porém,

alguns autores apssaram a entender que esse rol era meramente exemplificativo. Isso porque o velho código

civil, no art. 1153, dizia que “só se podem revogar”, e o atual suprimiu esse “só”. Godoy porém discorda,

afinal não se pode interpretar de maneira extensiva uma regra que é restritiva, que leva ao desfazimento de

um negócio por atos que são próprios de ingratidão. O velho artigo dizia que além dos casos comuns a

revogação se dava nos casos de ingratidão, e o atual, no art. 155, tirou esse “além”, e diz que só são essas as

hipóteses. É um rol taxativo portanto.

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A revogação da doação não prejudica terceiro que venha a adquirir a coisa doada, mas desde que esse

terceiro esteja de boa fé.

As vezes a doação é feita por vários doadores, e uns querem revogar e outros não. Nesse caso, o ato se

desfaz apenas na cota parte do doador que quer revogar.

Já se o caso é de vários donatários, é preciso saber em primeiro lugar qual é a causa: se for ingratidão,

tem um intuito sancionatório, e como punições são pessoais, então só o donatário poderá ser sancionado. Se for

de descumprimento de encargo, é preciso saber se há ou não solidariedade – que não se presume. Se há, então é

pra todos, se não há é preciso verificar se a obrigação do encargo é ou não divisível. Se for divisível, é revogada

em partes, se não, totalmente.