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Neste artigo, trazemos o relatode uma experiência desen-volvida junto à terceira série
do nível médio por professoras eprofessores de química do municípiode Contagem (MG), no ano de 1996.Apresentamos e discutimos algunsaspectos teóricos e metodológicosque poderão subsidiar a utilização delivros paradidáticos no ensino de quí-mica, como também de recortes dejornais e artigos de revistas especiali-zadas, na perspectiva da resolução deproblemas autênticos no contexto dasrelações entre ciência, tecnologia esociedade.
Considerando que o tratamento deum problema autêntico envolve es-tratégias que, em sua gênese, sãodiferentes das adotadas para os tradi-cionais problemas escolares, estamosbuscando formas de fortalecer a rela-ção escola—cotidiano, por meio davalorização do uso de livros para-didáticos, de modo que a aprendiza-gem seja orientada pela resolução deproblemas que propiciem a constru-ção de conhecimentos e a adoção daatitude de pesquisa. É com base nes-sa preocupação e em torno dessa pro-
blemática e perspectiva que trazemoseste nosso relato de experiência.
Cultura escolarx
cultura científicaNa atividade escolar, o tratamento
descontextualizado de problemascientíficos tem se mostrado com fre-qüência improdutivo para promover aaculturação dos indivíduos na práticadas comunidades científicas. Investi-gações recentes sobre aprendizagemapontam para a impossibilidade deseparar o que é aprendido da formacomo isso é aprendido e usado.Autores como Brown e cols. (1989) su-gerem que o desenvolvimentode determinadas estruturas ló-gicas não confere compe-tência aos sujeitos para lidarcom problemas diferentes,mesmo que eles demandem amesma lógica subjacente, jáusada em outras circunstân-cias. O conhecimento depen-de, pois, da situação em que é apren-dido e usado. Assim, atividade, con-teúdo e contexto são vistos como inter-dependentes.
O ensino tradicional trabalha comconceitos bem definidos e as estraté-gias de ensino seguem um ritual roti-neiro. Apresentam-se definições,seguidas de alguns exemplos, e pos-teriormente propõem-se extensaslistas de exercícios com respostasfechadas, muitos deles estranhos àprópria comunidade científica. Énecessário ressaltar que conceitos edefinições não são a mesma coisa,uma vez que o aluno pode ser capazde dar uma definição relativa a deter-minado conceito e não saber comousar esse conceito em diferentes pro-blemas.
A definição é um momento impor-tante do processo de construção doconhecimento, entretanto representaum estágio de síntese, na construçãoconceitual. Uma vez que a escola teminstituído rituais mecânicos de defini-ções apriorísticas, em detrimento daconstrução conceitual, baseada emprincípios, resta ao aluno a memori-zação e a repetição de conteúdosdivorciados da vida, descontextuali-zados, sem significação.
Essa educação escolar não temprovido os aportes necessários paraque os membros de sua comunidadepossam ter uma formação integral e
completa, quelhes permita oexercício plenoda cidadania. Aescola criou es-sa cultura, àmedida que osrituais, as ferra-
mentas usadas e a concepção subja-cente do que seja a ciência e a ativi-dade científica tornaram-se cadavez mais distantes e estranhosaos processos desenvolvidos pela
ESTUDANDO OS PLÁSTICOSMaria Emília Caixeta de Castro LimaNilma Soares da Silva
A seção “Relatos de sala de aula” é um espaço dirigido àsocialização de experiências desenvolvidas no ensino de química,em que se busca valorizar as vivências de sala de aula e intensificaras reflexões sobre os currículos praticados nas escolas, comoforma de melhorá-los.Com o artigo publicado em Química Nova na Escola nº 4, foipossível conhecer e refletir sobre uma modalidade de formaçãocontinuada de professores de química dirigida à superação depráticas tradicionais vigentes nas escolas. O presente artigo relatauma experiência desenvolvida por professores que participamdesse processo, enfocando o tratamento de problemasconsiderados autênticos no ensino-aprendizagem em química, nonível médio.
problemas autênticos, contextualização das aprendizagens, conhecimentoescolar significativo
O aluno pode ser capazde dar uma definição
relativa a determinadoconceito e não saber
como usar esse conceitoem diferentes problemas
RELATOS DE SALA DE AULA
Tratamento de problemas autênticos no ensino de química
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comunidade científica. Isso temresultado em entendimentosequivocados sobre o que vem a ser aatividade de um cientista. Mesmo queo aluno tenha sucesso no fluxo daescolarização, ele poderá ter umavisão fragmentada, distorcida e irrealda atividade científica e da realidade.Treinados para resolver problemasmuitas vezes sem relação com arealidade, para memorizar fórmulas,nomes e regras mnemônicas, resta-lhes construir um quadro da ciênciacomo algo pronto e infalível e, sobre-tudo, acreditar na neutralidade cientí-fica.
Os alunos são sempre solicitadosa usar os instrumentos da ciência semserem capazes, contudo, de adotar acultura científica. Para aprender a uti-lizar as ferramentas como os práticosas usam, o estudante, como aprendiz,deve entrar naquela comunidade e emsua cultura (Brown e col.,1989). Isso não significatornar-se um cientista, masaculturar-se, isto é, conhe-cer a linguagem científica,os princípios básicos queregem os fenômenos, osmétodos e técnicas dispo-níveis, as relações que os cientistasestabelecem com o mundo do seu tra-balho, os critérios de validação dotrabalho científico.
Compartilhamos com Carvalho eGil-Pérez (1993) a idéia de que éimportante “conhecer as orientaçõesmetodológicas empregadas na cons-trução dos conhecimentos, isto é, aforma como os cientistas abordam osproblemas, as características mais no-táveis de sua atividade, os critérios devalidação e aceitação das teoriascientíficas” (p. 22). E é com o propó-sito de contribuir para a reflexão emtorno desta problemática apontada,na perspectiva da busca de melhorias,que trazemos o presente relato deexperiência, que trata de uma abor-dagem possível de problemas autên-ticos no ensino de química.
Problemas autênticos noensino
Antes do relato da experiênciaque estamos desenvolvendo, traze-
mos algumas considerações sobreo que vem a ser um problema autên-tico no ensino.
A abordagem de problemas au-tênticos é, em sua gênese, episte-mologicamente diferente da aborda-gem de problemas escolares co-muns. Um problema autêntico é, deinício, aberto e pouco definido, aocontrário do que ocorre normalmen-te na escola, onde os problemas sãobem def inidos, assim como oresultado esperado. Em um proble-ma autêntico, os resultados sãoinesperados e admitem mais deuma possibilidade de resposta. Tra-ta-se do enfoque de situações com-plexas e de questões amplas, comenfrentamento multidisciplinar, en-volvendo muitas vezes julgamentosde valor que só podem ser decididosa posteriori. Ao contrário dos proble-mas escolares, nos problemas
autênt icos nãoexiste certo ou er-rado, mas custo xbenefício1 (Zollere Watson, 1979).Com essa carac-terização de pro-blemas autênti-
cos, tornou-se possível pensar nãosó na estruturação dos mesmos emsala de aula, mas também nas es-tratégias de ensino e aprendizagema adotar em seus tratamentos naescola.
O conhecimento proporcionadopelo enfrentamento de problemasautênticos demanda uma constru-ção coletiva paulatinamente pensa-da, por meio do ativo envolvimentodo aprendiz e da mediação do pro-fessor, além de estratégias particu-lares de ensino. A própria definiçãode temas deve ser pensada no âm-bito de cada contexto em que a es-cola está inserida, segundo o inte-resse dos alunos e de forma que per-mita uma convergência para os tópi-cos do conteúdo tradicionalmenteplanejados.
Faz-se necessário partir daque-les problemas que, de uma forma oude outra, afligem a comunidade emseu dia-a-dia, para que o educandopossa vir a assumir responsabilida-
des sociais, individuais e coletivas.Dentro dessa concepção de ensinode ciências, busca-se instrumenta-lizar os alunos para o debate, nosentido de chamar a atenção doscientistas e dos órgãos governa-mentais sobre as responsabilidadessociais do trabalho científico, sobreos recursos envolvidos, sobre aautonomia de escolha e definição depesquisas e sobre o respectivoimpacto na qual idade de vida.Acreditamos, também, que o trata-mento de problemas autênticos,com características de pesquisa,pode levar os estudantes a adquiririndependência intelectual. Osdiferentes suportes que o professorfornece ao estudante no tratamentodessa modalidade de problemas im-plicam em uma gradativa transferên-cia de competência e de autonomiana execução dos trabalhos.
O contexto da experiênciaNo trabalho de formação con-
tinuada de professores da FUNEC(Fundação de Ensino de Contagem- MG), estamos tentando promoverum ensino de química que sejarelevante para a vida de nossos alu-nos, com a pretensão de inter-rela-cionar a escola e o cotidiano dosestudantes. Para isso, busca-se sus-citar, nos alunos, o interesse por pro-blemas vivenciados em seu dia-a-dia.
Os temas são trabalhados articu-ladamente ao desenvolvimento docurrículo, em química orgânica, du-rante o ano letivo, sendo previamen-te escolhidos pelos professores,quando do planejamento anual. Paramediar a discussão sobre grandestemas, um dos recursos didáticosutilizados refere-se aos livros para-didáticos.
A cada série do ensino médio sãoexplorados dois grandes temas. Naprimeira série estão sendo trabalha-dos os temas ‘Lixo’ e ‘Água’, doisgraves problemas que atingem apopulação de Contagem. A inexis-tência de aterros sanitários e decoleta regular de lixo, além da faltade saneamento básico, são proble-mas comuns nos bairros de
Em um problemaautêntico, os resultados
são inesperados eadmitem mais de uma
possibilidade deresposta
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Contagem, e a comunidade sofresérios problemas de saúde emfunção da poluição proveniente doparque industrial.
Na segunda série, o estudo recaisobre os temas ‘Energia’ e ‘Alimen-tos’. Discutem-se, por exemplo,vantagens e desvantagens do usodo álcool e da gasolina como com-bustíveis, formas alternativas deenergia, além dos problemas rela-cionados à industrialização de ali-mentos, como técnicas de conser-vação, aditivos químicos, saúde,fome, entre outros.
Na terceira série, ao se abordaro tema ‘Plásticos’ pretende-se nãosó informar o aluno sobre aspectosquímicos desses materiais mas, aomesmo tempo, discutir problemasrelacionados ao impacto ambientaldecorrente do uso de plásticos einiciativas que possam minimizaresse impacto.
No desenvolvimento do trabalhoestá sendo adotado o livro paradi-dático Plásticos: um bem supérfluoou um mal necessário. Esse livro po-de ser útil ao professor por abordardesde o aparecimento e uso doplástico até o problema ambientalcriado para o futuro. O conteúdoapresentado pelo livro, além deenfocar tópicos de química orgâni-ca, como propriedades dos com-postos orgânicos, interações inter-moleculares e polimerização, dárelevância à reciclagem e à degra-dação ambiental. A experiência detrabalho sobre plásticos que passa-mos a relatar a seguir insere-se noensino de química orgânica, aindarestrito à terceira série do ensinomédio.
O desenvolvimento daexperiência
Incentivar a leitura, a interpretaçãoe produção de textos, a criatividade, aexpressão oral, a pesquisa e o desen-volvimento do senso crítico é umobjetivo básico do processo. A adoçãoda metodologia ativa supõe, sem dú-vida, trabalho adicional para os profes-sores, mas ao mesmo tempo concedeestímulos e motivação, pelo interesseà pesquisa como uma atividade cria-
tiva, o que constitui um dos requisitosessenciais para uma ação docenteeficaz e satisfatória (Carvalho e Gil-Pérez, 1993, p. 49).
O livro paradidático trabalhado éescolhido mediante discussão préviaentre professores dequímica, com base emcritérios para a escolhado livro. Ressaltam-seos aspectos positivosda obra, a possívelexistência de erros, asdificuldades a seremenfrentadas e as pos-sibilidades de êxito ao trabalhar como livro.
No início do ano letivo, os alunossão informados sobre a exigência daleitura do livro e de que serão subme-tidos a uma avaliação, com o objetivode verificar a qualidade da leiturarealizada. Fica a critério do professoro tipo de avaliação, contudo é comumque ela ocorra comconsulta, podendo ain-da ser individual ou emduplas. Outro recursotambém utilizado, comesse mesmo objetivo,é a realização de semi-nários e debates, nosquais os estudantestêm oportunidade dediscutir o livro com osdemais colegas. Du-rante a discussão, co-meçam a surgir refe-rências aos problemasque os estudantesvivenciam na comuni-dade ou no trabalho,ou sobre os quais ou-viram falar, leram emrevistas e jornais, viramna televisão etc.
O professor solicita,nesse contexto, que osestudantes, em grupo,escolham um proble-ma que julguem rele-vante para ser investi-gado, de preferênciaalgo que se relacionecom a cidade/local emque vivem. Após aidentificação e delimi-
tação do problema, os estudanteselaboram um projeto de pesquisa.
O projeto deve explicitar, além doproblema, a metodologia da pesquisae a forma de apresentação dos resul-tados, incluindo as referências biblio-
gráficas e as fontes depesquisa. O projeto éconcebido como algodinâmico, em proces-so, e portanto vai mu-dando de conforma-ção à medida que oestudante compreen-de melhor o problema
e o que pretende com o próprio de-senrolar da pesquisa.
A escolha do tema/problema a serinvestigado e da forma de apresenta-ção é livre, mediante orientação ou su-gestões do professor. Podemos citarexemplos como:
• Plásticos são melhores que osmateriais naturais? Quais são as
Os estudantes devemescolher um problema,na comunidade ou notrabalho, que julguem
relevante para serinvestigado
Este é o livro paradidático adotado no desenvolvimento dotrabalho aqui relatado. Uma resenha deste livro foi publicada emQuímica Nova na Escola nº 4, p. 14.
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vantagens e desvantagens dos mate-riais naturais e dos plásticos? As van-tagens que acompanham o uso depolímeros sintéticos compensam seusinconvenientes?
• Há substitutos para os plásticos?O que as pesquisas atuais vêm apon-tando quanto a novastecnologias de fabrica-ção de plásticos biode-gradáveis?
• Todos os objetosde matéria plástica co-mercializados são in-dispensáveis? Qual se-rá o futuro da indústria de plásticos nomundo? Se houvesse uma súbitaredução na produção de plásticos,quem se ressentiria mais: os paísesdesenvolvidos ou os subdesenvolvi-dos? Qual seria a situação de seu mu-nicípio, caso houvesse essa súbitaredução na produção de plásticos?
• Que impacto o uso de plásticosestá ocasionando no ambiente, nomundo contemporâneo? Em que me-dida esse impacto está sendo objetode investigação e de campanhas deeducação ambiental? Que iniciativastêm sido tomadas em seu municípiovisando diminuir esse impacto?
• Redução produtiva, incineração,degradação, reciclagem: qual a solu-ção para o problema ambiental acar-retado pelos polímeros artificiais?Algumas dessas medidas estão sendoimplementadas no Brasil e/ou em suacidade?
• O município conta com coletaseletiva de lixo? Que destino é dadoao lixo plástico de Contagem? Háalguma indústria de reciclagem deplásticos em Contagem? Qualquertipo de plástico é reciclável? Comoidentificar os vários tipos de plásticos?Como as indústrias separam diferen-tes tipos de plásticos para reciclagem?Qual é o tipo de processo utilizadonessas indústrias: modelagem ou pro-dução do material plástico?
Com base nas abordagens dosproblemas, como os apontados, dá-se tratamento às questões, informa-ções e conteúdos do livro lido, comênfase na discussão sobre:
• Plástico: bem supérfluo ou malnecessário? Como você se posiciona
em relação a essa polêmica?Os alunos contam com a orienta-
ção do professor, que aprecia os pro-jetos e apresenta sugestões de me-lhoria, o mesmo acontecendo com osrelatórios parciais. O professor moni-tora o conjunto das ações dos estu-
dantes, auxiliando naorganização, análise ediscussão dos dadosobtidos.
Paralelamente, sãofeitas visitas dos alu-nos a uma fábrica deartigos plásticos, a fim
de reconhecerem o tipo de processoutilizado — ou seja, produção ou mo-delagem de plástico — e se ambien-tarem em um laboratório industrial.Além disso, conta-se com sessões devídeo, confecção de murais, discus-sões sobre a qualidade de vida e omeio em que se vive, com posicio-namentos e encaminhamentos.
Ao final, os estudantes apresentama pesquisa e seus resultados para oscolegas na forma que julgarem maisadequada. É comum a produção devídeo, exposição de fotografias, con-fecção de slides, de maquetes,encenações etc., tudo isso confeccio-nado pelos estudantes como recursosdidáticos para a apresentação do quefoi pesquisado.
Os resultados obtidos no primeiroano (1996) já apresentam elementosimportantes para a compreensão doslimites e da validadedesse tipo de trabalhonas escolas de ensinomédio. Os alunos de-monstram um surpreen-dente interesse peloconteúdo do livro, princi-palmente no que dizrespeito à degradação ambiental e àreciclagem.
Dificuldades percebidas ealgumas considerações
O desafio de pesquisar um proble-ma autêntico, como estamos pro-pondo, exige que o professor auxilie oestudante no entendimento daquiloem que consiste o problema e na inter-pretação dos resultados. Implica ori-entar a aprendizagem como pesquisa,
levando necessariamente a mudançasradicais no papel do professor, o qualpassa a orientar e dirigir ‘pesqui-sadores iniciantes’ (Carvalho e Gil-Pérez, 1993, p. 50-52).
Essa participação do professorpode ser algo difícil e problemático.Não se trata mais de solicitar dos es-tudantes ‘pesquisas’ como cópias deenciclopédias, surgindo dificuldadesno próprio entendimento do que sejaorientar e dirigir pesquisadores inician-tes. Nesse sentido, a modalidade deformação continuada que desenvolve-mos (descrita em Química Nova naEscola nº 4) propicia o assessora-mento ao professor na construção deuma nova concepção de pesquisa deproblemas autênticos. O próprio grupode professores assessorados exerceinfluência sobre o entendimento doscolegas na medida em que socializamsuas experiências individuais.
Outra dificuldade que percebemos,à frente desse trabalho, relaciona-seàs dúvidas dos professores quanto àvalidade dessa modalidade de traba-lho e atividade. Com freqüência per-guntam se o livro paradidático vai serutilizado, se o estudante precisa ler, sevai haver apresentação das atividades.O professor que se impõe a exigênciade “esgotar todo o conteúdo” consi-dera que esse trabalho lhe rouba partepreciosa dotempo para ensinar quí-mica.
Na sala de aula, outra dificuldadeque pode surgir, nes-se tipo de atividade,refere-se à falta deentendimento do pro-blema, por parte doaluno. Não há que seesperar que os alunostenham, de imediato,
um entendimento completo do queseja o problema e de quais sejam oscaminhos a trilhar na busca de sua so-lução. Igualmente, os alunos não têmo mesmo entendimento do problemaentre si, o que exige a atuação do pro-fessor na estruturação de atividadese na construção de consensos/enten-dimentos.
Mesmo que a atividade seja seg-mentada de forma a diminuir os ‘grausde liberdade’ na confecção da tarefa,
Os alunos passam da‘pesquisa’ tipo cópias deenciclopédias para a deum problema autêntico,
tornando-sepesquisadores iniciantes
Atividades como sessõesde vídeo, confecção de
murais, discussões sobrea qualidade de vida e o
meio também sãodesenvolvidas
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a compreensão da mesma só se dá àmedida que se avança em direção àsua solução. Como a tarefa é comple-xa, é comum que ocorra a segmenta-ção da mesma. Portanto, deve-seconsiderar o risco de que esse proces-so de segmentação da tarefa possalevar à fragmentação do conhecimen-to. O restabelecimento do nexo entrea parte (as tarefas) e o todo (problema)é garantido pelo professor que tem opapel de mediador da aprendizagem.Ao mesmo tempo em que a tarefa éfragmentada, o professor explica emostra as articulaçõesinternas recompondo otodo.
C o m p a r t i l h a m o scom Mortimer e Carva-lho a idéia de que “aconstrução do signifi-cado de uma tarefa emsala de aula é umprocesso de convergência de enten-dimentos. Os alunos não têm, deinício, o mesmo entendimento da ta-refa. Vai ser ao longo da realização datarefa que esse significado poderáconvergir para o mesmo significadoatribuído pelo professor” (Mortimer eCarvalho, 1996). Um aluno que nãocompreendeu inteiramente a tarefa, àmedida que vê seu sistema de enten-dimento funcionando dentro de outrosistema, mais organicamente articula-do, vai progressivamente passando acompreender não só a tarefa em si,mas também a solução do problemaem questão.
A idéia que desenvolvemos é a deque o professor atua como ‘consciên-cia emprestada’ e, aos poucos, vaiajudando a modificar o suporte con-ceitual que garante o processo de de-senvolvimento e de aprendizagem dosalunos. Os grupos de trabalho tam-bém desempenham papel semelhanteao do professor, isto é, possibilitamaos outros uma maior compreensãoda temática e das tarefas. Em outraspalavras, um grupo mais organica-mente articulado funciona comosuporte de entendimento para os co-legas.
Nessa proposta de realização deatividades autênticas pretende-se,entre outras coisas, que o aluno não
Referências BibliográficasBROWN, J.S., COLLINS, A, DU-
GUID, P. Situated cognition and the cul-ture of learning. Educational Researcher,1989.
CARVALHO, A.M.P., GIL-PÉREZ, D.Formação de professores de ciência.São Paulo: Cortez, 1993.
MORTIMER, E.F., CARVALHO, A.M.P.Referenciais teóricos para análise doprocesso de ensino de ciências. Cader-nos de Pesquisa. n. 96, 1996
ZOLLER, U., WATSON, F.G. Technol-ogy education for nonscience studentsin the secondary school. Science Edu-cation. v. 1, n. 58, p. 105-116, 1979.
Para saber maisCANTO, E.L. Plásticos: bem supér-
fluo ou mal necessário? São Paulo: Mo-derna, 1995.
LIMA, M.E.C.C. Formação continua-da de professores de química. QuímicaNova na Escola, n. 4, p. 12-17, nov. 1996.
só tenha competência para resolver oproblema, mas também que, ao final,ele saiba propor um outro problemasemelhante, que possa ser investiga-do. Assim, inicialmente o professor iráexplicitar o objeto do trabalho e osobjetivos a serem alcançados, alémdo critério de sucesso.
Acreditamos que essa modalidadede problema possa ser desenvolvidapor meio de tarefas estruturadas,semi-estruturadas ou até mesmocompletamente livres, o que não querdizer que o estudante não conte com
a orientação do pro-fessor em todas asetapas do processo.A orientação do pro-fessor é fundamental,até mesmo em aten-ção à necessidade decontrole do conteúdoa ser ensinado e dos
objetivos a serem alcançados. Essaorientação também se justifica peladificuldade de entendimento do que édesejado.
Como um problema autêntico re-fere-se a uma realidade complexa emultifacetada, comportando aborda-gens multidisciplinares, decorremdificuldades no sentido de ‘dar con-ta’ de questões e de assuntos rela-cionados com outras áreas do co-nhecimento. Há a necessidade deenglobar outras disciplinas nesse fa-zer pedagógico. Ao se fazer certo re-corte, dentro de nosso domíniodisciplinar, é necessário resguardara necessidade de se consideraroutros tantos elementos que se en-trecruzam na determinação da rea-lidade em estudo.
Convivemos também com dificul-dades relacionadas à resistência dosestudantes em ler o livro solicitado.Nesse sentido, frisamos que a motiva-ção anterior para a leitura pode se darpelo uso de estratégias como vídeosque versam sobre o tema, colocaçãode questões para serem consideradase respondidas, avaliação da qualidadeda leitura, dentre outras. “Lembremosque somente aquilo que é avaliado épercebido pelos alunos como real-mente importante” (Carvalho e Gil-Pérez, 1993, p. 59).
O professor atua como‘consciência emprestada’
e, aos poucos, ajuda aconstruir o suporte
conceitual que garante aaprendizagem dos alunos
Avaliamos como positiva essainiciativa e a experiência que vem sen-do desenvolvida pelos professores,muito embora saibamos que a apro-vação da mesma não é consensual.Os professores relatam que há alunosque acham os livros ‘chatos’, e essasreclamações dos estudantes sãotraduzidas, pelos professores, comofalta de hábito de leitura. A tarefa quese mostra mais difícil está relacionadaà primeira parte do trabalho, que en-volve a leitura e a definição de um pro-jeto de pesquisa com caráter deproblema autêntico, cujas caracterís-ticas e dificuldades foram aqui discu-tidas. Registra-se que, via de regra,bons trabalhos têm surgido e muitosestudantes têm demonstrado interes-se e satisfação em desenvolvê-los.
Maria Emília Caixeta de Castro Lima, licenciadaem química e mestre em educação pela UFMG, éprofessora de prática de ensino de química da Fa-culdade de Educação da UFMG e assessora deensino de química da FUNEC. Nilma Soares daSilva é licenciada em química pela UFMG eprofessora de química da FUNEC.
Nota
1. A expressão custo x benefícionão tem, aqui, simplesmente um sen-tido financeiro, mas sim um sentido (decusto x benefício) social.
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