32
REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas * Zairo B. Cheibub RBCS Vol. 15 n o 43 junho/2000 Introduçªo Este artigo analisa as interaçıes entre o Poder Executivo federal e as entidades associativas (EAs) 1 dos servidores pœblicos federais durante o processo de formulaçªo, tramitaçªo e aprovaçªo da reforma administrativa, no primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995- 1998). Seu objetivo principal Ø investigar as possi- bilidades e os limites da construçªo de um proces- so de cooperaçªo entre os administradores e polí- ticos responsÆveis pela reforma e as EAs dos servidores pœblicos. A superaçªo do padrªo confli- tuoso de interaçªo que tem caracterizado as rela- çıes de trabalho no setor pœblico brasileiro pode- ria ser benØfica aos interesses tanto das autorida- des governamentais, como dos representantes dos servidores pœblicos para nªo mencionar os próprios servidores pœblicos e a sociedade em geral. Tal cooperaçªo facilitaria a troca de informa- çıes e conhecimentos, enriquecendo os projetos de reforma e diminuindo o custo social de sua implementaçªo no setor pœblico, ao reduzir a taxa de conflito entre os atores. Este poderia ser, por- tanto, um resultado ótimo para os atores envolvi- dos. No entanto, as conversaçıes e interaçıes entre os decisores governamentais e representan- tes das EAs, examinadas neste estudo, nªo logra- ram atingir uma cooperaçªo sustentada. Explorar de forma sistemÆtica as razıes desse fracasso e sugerir algumas políticas que facilitariam a constru- çªo de uma relaçªo cooperativa entre o governo federal e as EAs dos servidores pœblicos sªo os principais objetivos deste artigo. Meu argumento central Ø que a construçªo de um processo cooperativo foi limitada e condiciona- da pela baixa institucionalizaçªo dos canais de interaçªo entre governo e EAs e por processos político-organizacionais que caracterizam a dinâmi- ca interna tanto dos atores governamentais como * Versªo modificada de trabalho apresentado no seminÆ- rio Reforma Administrativa e Sindicatos no Setor Pœbli- co: Brasil em Perspectiva Comparada, realizado na Escola Nacional de Administraçªo Pœblica (ENAP), em Brasília, em 25 de março de 1999. Gostaria de agradecer à ENAP por ter viabilizado a realizaçªo desta pesquisa. Agradeço tambØm os comentÆrios de todos os partici- pantes do seminÆrio, em especial dos professores Maria Hermínia Tavares de Almeida e Richard M. Locke. Alberto Carlos de Almeida e Argelina Cheibub Figueire- do tambØm fizeram valiosos comentÆrios ao trabalho. O seminÆrio foi publicado em Cheibub e Locke (1999).

REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

REFORMA ADMINISTRATIVAE RELAÇÕES TRABALHISTAS NOSETOR PÚBLICO:dilemas e perspectivas*

Zairo B. Cheibub

RBCS Vol. 15 no 43 junho/2000

Introdução

Este artigo analisa as interações entre o PoderExecutivo federal e as entidades associativas(EAs)1 dos servidores públicos federais durante oprocesso de formulação, tramitação e aprovaçãoda reforma administrativa, no primeiro governo dopresidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). Seu objetivo principal é investigar as possi-bilidades e os limites da construção de um proces-so de cooperação entre os administradores e polí-ticos responsáveis pela reforma e as EAs dosservidores públicos. A superação do padrão confli-tuoso de interação que tem caracterizado as rela-

ções de trabalho no setor público brasileiro pode-ria ser benéfica aos interesses tanto das autorida-des governamentais, como dos representantes dosservidores públicos � para não mencionar ospróprios servidores públicos e a sociedade emgeral. Tal cooperação facilitaria a troca de informa-ções e conhecimentos, enriquecendo os projetosde reforma e diminuindo o custo social de suaimplementação no setor público, ao reduzir a taxade conflito entre os atores. Este poderia ser, por-tanto, um resultado ótimo para os atores envolvi-dos. No entanto, as conversações e interaçõesentre os decisores governamentais e representan-tes das EAs, examinadas neste estudo, não logra-ram atingir uma cooperação sustentada. Explorarde forma sistemática as razões desse �fracasso� esugerir algumas políticas que facilitariam a constru-ção de uma relação cooperativa entre o governofederal e as EAs dos servidores públicos são osprincipais objetivos deste artigo.

Meu argumento central é que a construção deum processo cooperativo foi limitada e condiciona-da pela baixa institucionalização dos canais deinteração entre governo e EAs e por processospolítico-organizacionais que caracterizam a dinâmi-ca interna tanto dos atores governamentais como

* Versão modificada de trabalho apresentado no seminá-rio Reforma Administrativa e Sindicatos no Setor Públi-co: Brasil em Perspectiva Comparada, realizado naEscola Nacional de Administração Pública (ENAP), emBrasília, em 25 de março de 1999. Gostaria de agradecerà ENAP por ter viabilizado a realização desta pesquisa.Agradeço também os comentários de todos os partici-pantes do seminário, em especial dos professores MariaHermínia Tavares de Almeida e Richard M. Locke.Alberto Carlos de Almeida e Argelina Cheibub Figueire-do também fizeram valiosos comentários ao trabalho. Oseminário foi publicado em Cheibub e Locke (1999).

Page 2: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

116 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

dos associativos. Por um lado, a inexistência decanais permanentes, agências e/ou negociadorespara tratar das relações de trabalho no setor públicofederal faz com que as interações entre governo eEAs dos servidores públicos sejam ad hoc, dificul-tando a obtenção de conhecimento mútuo e, con-seqüentemente, obstruindo o surgimento de rela-ções de confiança entre os atores envolvidos nasconversações. Não há continuidade nas interaçõese, portanto, o aprendizado e o acúmulo de experi-ências, fundamentais para uma relação construtivaentre atores com interesses divergentes, não encon-tram condições para se desenvolverem plenamen-te.2 Por outro lado, interesses e estruturas organiza-cionais dificultam a definição de estratégias unifor-mes e de linhas de ação coerentes, unificadas efocalizadas na própria reforma do setor público. AsEAs não logram construir uma ação coletiva concer-tada e continuada. Sua estratégia oscila entre adefesa de interesses mais gerais, via constituição defóruns coletivos, e a busca de ganhos individuais,corporativos. Ademais, para essas entidades, focar adiscussão na reforma administrativa é politicamentedifícil, uma vez que outros itens da agenda dereformas, especialmente a reforma da previdência,são centrais para grande parte de seus filiados. Dolado do governo, a agenda de reformas é tambémampla e diversificada. Assim, a agenda de negocia-ção fica congestionada, o que aumenta a interliga-ção política das questões e impossibilita a coopera-ção em itens pontuais.

Ainda do ponto de vista do governo, há umaincongruência entre os negociadores na �linha defrente� e decisores em última instância. Muitasvezes, pontos acordados em conversações nãopodem ser adotados porque encontram veto emoutras instâncias governamentais. Estes fatoresatestam a existência de características político-administrativas e de dinâmicas organizacionais quenão contribuem para a emergência da cooperação.Como veremos, as causas para essa situação sãotanto gerais, próprias das relações de trabalho nosetor público, como específicas à constituição des-tas relações no Brasil � incluindo os processos deformação das EAs e de construção da administra-ção federal. Embora outros elementos3 possam edevam ser considerados na explicação, esses dois

fatores são os determinantes sistemáticos das estra-tégias políticas dos atores e explicam, em grandemedida, os padrões de interação entre eles.

Para que o argumento seja melhor compreen-dido, cabe fazer alguns esclarecimentos iniciais. Ogoverno pode conduzir o processo de reforma semlevar em conta o papel e a opinião das EAs dos servi-dores públicos. Na verdade, essas entidades não sãolegalmente reconhecidas como intermediárias das re-lações entre o governo e seus funcionários: embora alegislação garanta o direito de associação e greve paraos funcionários públicos, o governo não tem a obri-gação legal de negociar com as entidades por eles cri-adas. A realidade do jogo político, no entanto, mostraque as entidades representativas dos servidores pú-blicos têm sido as interlocutoras do governo, do Con-gresso e das forças políticas da sociedade civil. Falamem nome dos servidores públicos, negociam por elese, muito provavelmente, influenciam seu comporta-mento e sua forma de ver a própria reforma adminis-trativa. Assim, conhecê-las é fundamental para avali-ar as forças endógenas ao Estado que tanto podemcontribuir para o sucesso das reformas, como emper-rar o processo de transformação da máquina pública.Conforme observam Verma e Cutcher-Gershenfeld(1996, p. 236) ao analisarem experiências bem-suce-didas de reformas institucionais no setor público nor-te-americano: �A menos que o sindicato se envolvacom as iniciativas e as apóie, mudanças fundamentaisem locais de trabalho sindicalizados não podem serefetivamente implementadas.�4

Mesmo assim, pode-se ainda questionar a im-portância da obtenção de cooperação ativa, seja dosservidores públicos, seja de suas EAs, para o sucessoda reforma administrativa. A julgar pela literatura cor-rente, os servidores públicos e suas EAs não são mui-to importantes, uma vez que têm sido sistematicamen-te relegados a um papel secundário nas análises quetratam da reforma administrativa. A ênfase da litera-tura de Ciência Política que trata dessa reforma temrecaído sobre seus determinantes macropolíticos, es-pecialmente os processos políticos � nos seus aspec-tos socioeconômico, partidário e legislativo � quelevam à promulgação, aprovação, ou mesmo rejeiçãodas propostas de reforma.5 Esse foco é compreensí-vel uma vez que está de acordo com preocupaçõesclássicas da disciplina, a saber: o papel de grupos so-

Page 3: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

REFORMA ADMINISTRATIVA E RELAÇÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO 117

ciais na formação e formulação de políticas públicas;a problemática da autonomia do Estado na formula-ção destas políticas; os determinantes exógenos e en-dógenos do processo legislativo etc. O foco de análi-se clássico é, sem dúvida, adequado para a compre-ensão do processo de aprovação dos instrumentoslegais das reformas. Ademais, em muitos casos estaaprovação é suficiente para caracterizar o sucesso deuma transformação institucional ou político-econômi-ca. Várias reformas da chamada �primeira geração�podem se encaixar neste caso � por exemplo, refor-mas macroeconômicas, tributárias e fiscais, e a cons-trução de agências reguladoras autônomas.6 No en-tanto, essa literatura é falha na medida em que nãoenfatiza a etapa da implementação das reformas. Pou-co há que ajude na compreensão dos determinantespolíticos endógenos da transformação do aparato ad-ministrativo do Estado na fase pós-transformação le-gal.7 Quem são os principais opositores da implemen-tação da reforma da máquina administrativa? Quemsão os possíveis aliados? Como obter a cooperação eboa vontade dos gestores e servidores públicos natransformação institucional? Essas questões, todas doâmbito da implementação, são fundamentais para a�segunda geração� de reformas, especialmente noque concerne às áreas onde a prestação de serviçospelo Estado é intensa em mão-de-obra.8 Nestes casos,a aprovação de um estatuto legal de reforma é, emgeral, apenas o começo da reforma propriamente dita,na medida em que há diversos fatores relacionados àimplementação de reformas nessas áreas.9 Nestes ca-sos, sobretudo, a obtenção da cooperação ativa dosservidores públicos na implementação da reformaadministrativa é fundamental para garantir o seu su-cesso.

Este artigo está dividido em quatro partes.Inicio com uma discussão da literatura sobre asso-ciativismo no setor público, com o objetivo deidentificar padrões de interação e formas de orga-nização das relações de trabalho neste setor, e opapel das EAs nos processos de reforma. Emseguida, analiso a organização das relações detrabalho no setor público brasileiro e discuto algu-mas características básicas do sindicalismo públicono país. Na terceira parte, realizo um estudo decaso sobre um processo de interlocução entre oMinistério da Administração e Reforma do Estado

(MARE), extinto em janeiro de 1999, e o Fórum dasCarreiras Típicas de Estado (FCTE). O foco nestecaso específico permite tanto desvendar comoilustrar padrões típicos de interação entre autorida-des do governo federal e representantes de EAs.Finalmente, sugiro algumas �lições� que podem serextraídas deste estudo e algumas idéias para poste-riores pesquisas.

Relações de trabalho no setorpúblico: fatores estruturais,transformações recentes e liçõespara a reforma

Todo país apresenta, em diferentes períodoshistóricos, especificidades e particularidades que odiferenciam e o caracterizam vis-à-vis outros paísese outros momentos de sua própria história. Mas,para cada conjunto de questões sociopolíticas con-junturais há também uma série de fatores, elemen-tos, tendências e estruturas que são independentesdas particularidades nacionais e condicionam seupróprio desenvolvimento. Para entendermos o casoda recente reforma administrativa brasileira, portan-to, temos de diferenciar o que é específico docontexto nacional e o que se deve aos condicionan-tes estruturais das relações de trabalho no setorpúblico. Esta seção objetiva, em primeiro lugar,tanto apontar os principais instrumentos analíticos eteóricos relevantes para a análise das relações detrabalho e do sindicalismo no setor público, comoexplicitar os processos gerais que determinam astransformações recentes nestas relações. Em segun-do lugar, visa mapear o �estado das artes� doconhecimento sobre estas relações, isto é, as princi-pais questões e fatos acerca das relações de traba-lho no setor público, e o que se sabe sobre ascondições para a emergência de cooperação entregoverno e EAs dos servidores públicos.

Dois conjuntos de variáveis são relevantespara a análise das relações trabalhistas no setorpúblico, a saber: o contexto em que elas têm lugare sua própria organização, incluindo os processosque a caracterizam. Estes conjuntos de fatoresdeterminam, em grande medida, os parâmetros dasnegociações e, em parte, seus resultados.10 Osfatores contextuais mais importantes são econômi-

Page 4: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

118 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

cos e políticos. Na consideração destes fatores, énecessário fazermos uma distinção entre determi-nantes estruturais e situações históricas, isto é,conjunturas econômicas (por exemplo, crescimen-to ou diminuição do Estado) e políticas (porexemplo, coalizão no poder).

Organização e processo referem-se às formasorganizacionais e aos mecanismos que caracteri-zam as interações entre os atores � por exemplo,canais de interlocução, grau de centralização, esco-po da barganha, mecanismos de resolução deconflitos etc. A organização e os processos quecaracterizam as relações de trabalho no setor públi-co dependem em grande medida de sua regula-mentação legal. No entanto, para o mesmo contex-to legal podem ser encontradas variações organiza-cionais e processos de negociação distintos, depen-dendo da formação histórica do Estado e das EAs.Devido à interligação de fatores estruturais e desen-volvimentos históricos, a elaboração e especifica-ção destes dois conjuntos de variáveis implicam,necessariamente, uma abordagem ao mesmo tem-po analítica e histórica, como será feito a seguir.

Contexto das relações de trabalho no setor públicoDo ponto de vista econômico, as relações

trabalhistas no setor público são estruturalmentecaracterizadas como protegidas das determinaçõesde mercado (cf. Feuille, 1991). Enquanto, no setorprivado, os mercados de produtos e de trabalhoimpõem rigorosas restrições às atuações dos atoressindicais e empresariais, no setor público essasrestrições são muito mais frouxas e longínquas. Há,obviamente, limites orçamentários, mas mesmoestes não têm a força de restrições de mercado,uma vez que o Estado, em geral, não encontracompetidor direto e não corre o risco de �ter defechar as portas�. Durante as décadas de 60 e 70,acreditava-se que a ausência de restrições econô-micas imediatas impediria que os governos, espe-cialmente os locais, resistissem aos movimentospor aumentos salariais no setor público. Se hou-vesse paralisação dos serviços públicos, o temorseria ainda maior, pois considerava-se que seriapoliticamente inviável que os administradores pú-blicos pudessem resistir à pressão da populaçãopela retomada da prestação desses serviços. Do

ponto de vista do mercado de trabalho, os traba-lhadores do setor público têm, tradicionalmente,gozado de uma situação protegida e/ou privilegia-da ante os trabalhadores do setor privado. Haviauma idéia generalizada de que o Estado deveria serum empregador exemplar, adiantando-se ao setorprivado na aplicação dos direitos trabalhistas. Esteseria um meio de sinalizar para o setor privadoformas de relações de trabalho mais �avançadas�do ponto de vista social.

A ausência de restrições econômicas imedia-tas e diretas aumenta a importância do contextopolítico na compreensão das relações de trabalhono setor público, as quais, diferentemente do queocorre no setor privado, têm uma natureza intrinse-camente política. Tal característica, porém, nãoadvém simples e imediatamente do fato de estasrelações terem lugar dentro do Estado. O funda-mental é que o sucesso das demandas trabalhistasno setor público depende do apelo aos eleitores eda defesa da expansão do Estado e de seu orçamen-to. Por isso as EAs dos funcionários do Estadotendem a vocalizar suas demandas em termos maisgerais, defendendo tanto o aumento de recursospúblicos como a expansão da intervenção e dosserviços do Estado, e não apenas medidas quebeneficiem diretamente seus membros. Na verda-de, o atendimento das demandas específicas de-pende da expansão do Estado e do aumento de seuorçamento.11 O governo, por sua vez, tem deconciliar papéis e interesses nem sempre congruen-tes, tais como os de empregador (com as preocupa-ções inerentes), de autoridade responsável pelapolítica econômica e monetária do país e de formu-lador de políticas, inclusive as que se referem àsrelações de trabalho, seja no setor público, seja nosetor privado. Nesse sentido, por exemplo, objeti-vos políticos a serem perseguidos qua empregadorpodem entrar em choque com a condução depolíticas macroeconômicas (cf. Yemin, 1993). Essacondição contribui para acentuar a natureza políticadas relações de trabalho no setor público, já que asquestões puramente trabalhistas encontram-se im-bricadas com outros objetivos políticos do governo.

Os condicionantes estruturais apontados aci-ma ressaltam as diferenças entre as relações detrabalho nos setores público e privado. No entanto,

Page 5: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

REFORMA ADMINISTRATIVA E RELAÇÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO 119

as transformações políticas e econômicas das últi-mas décadas diminuíram gradativamente a impor-tância da distinção analítica público versus privado.As restrições orçamentárias, necessárias para o com-bate ao déficit fiscal, tornaram-se quase tão draconi-anas quanto as restrições de mercado. Politicamen-te, observou-se mundo afora maior consciência doscidadãos e dos governos com os gastos públicos.Os símbolos desse movimento foram as �revoltascontra impostos� e as demandas por máquinaspúblicas enxutas e eficientes que tiveram lugar emdiversos países, inclusive no Brasil. Não cabe aquianalisar detidamente as razões para essas transfor-mações. É suficiente notar que este processo temsuas raízes na globalização financeira e na conse-qüente necessidade do combate ao déficit públicopara a manutenção da saúde monetária e financeirade qualquer país, em um contexto globalizado. Háainda uma concomitante mudança no plano teóri-co-ideológico: a perda de hegemonia do keynesia-nismo e sua substituição pela doutrina do equilíbriofiscal, como meta permanente.

Estas transfomações econômicas e ideológi-cas reforçam a natureza política das relações detrabalho no setor público, embora as transformemsignificativamente. Por um lado, fica mais evidentea interligação dos papéis do Estado: decisões emuma área (por exemplo, política de pessoal) têmreflexos mais imediatos em outras (por exemplo,metas fiscais restritivas).12 Essa condição impele ogoverno a promover reformas administrativas como propósito de diminuir os custos de manutençãoda máquina estatal e aumentar sua eficiência eeficácia. Por outro lado, a diminuição do Estado e oscortes orçamentários acentuam a necessidade de asEAs reforçarem a estrita defesa dos interesses deseus membros. De forma geral, essa defesa implicaa manutenção do status quo, já que as mudançaspodem significar perdas importantes. A política dereforma tem sido a moldura geral na qual se vêmdesenvolvendo as interações entre um movimentode servidores públicos cada vez mais militante emobilizado e governos crescentemente comprome-tidos com a transformação do setor público.

Uma das formas encontradas, internacional-mente, para responder a essas transformações temsido a �privatização� das relações de trabalho no

setor público, isto é, a transposição de regulamen-tos típicos do setor privado para o público, especi-almente a flexibilização na contratação e na demis-são de funcionários públicos, a adoção de remune-ração variável e baseada no desempenho individu-al e a negociação coletiva para a determinação dascondições de trabalho e da remuneração. Nopróximo item analiso o impacto dessas transforma-ções recentes sobre a organização e os processosdas relações de trabalho no setor público.

Relações de trabalho no setor público:organização e processos

As mudanças apontadas no item anteriorimpulsionaram uma série de transformações nasrelações de trabalho no setor público. Tradicional-mente, estas relações têm sido regidas por estatutodiverso do vigente no setor privado. O traço maiscaracterístico era a prevalência da doutrina dasoberania do Estado, isto é, da prerrogativa dadeterminação unilateral pelo Estado das condiçõesde remuneração e de trabalho dos servidorespúblicos. Nas últimas décadas, esta doutrina temsido substituída pela prática da consulta institucio-nalizada e da negociação coletiva. Como observaEdward Yemin (1993, pp. 474-475):

[�] a principal tendência, discernível neste século,

é o abandono do conceito de governo como

empregador soberano [�] em favor de aborda-

gens mais consensuais nas quais se permite que as

organizações de empregados públicos tenham um

grau maior ou menor de voz. Uma tendência

subsidiária caminha na direção de abordagens

consensuais cada vez mais fortes (i.e., da mera

consulta para a negociação coletiva). Uma terceira

tendência aponta para a substituição de formas

informais de negociação coletiva por modalidades

mais formais e legalmente organizadas.13

A quase totalidade dos países da OCDEnegocia com seus servidores públicos e/ou praticaalguma forma de consulta ou negociação coletivainstitucionalizada para a determinação das condi-ções de trabalho e remuneração. O Quadro 1sumaria as principais características das relações detrabalho no setor público destes países.

Page 6: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

120 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

Pa í s

Austrália

Áustria

Dinamarca

Finlândia

França

Alemanha

Irlanda

Itália

Holanda

Nova Zelândia

Espanha

Estados Unidos

Suíça

Inglaterra

Turquia

Canadá

Suécia

Fonte: OECD (1997).

Quadro 1

Principais características das relações trabalhistas no setor público dos países da OCDE

Característica do processo de determinação das condições de trabalho e remuneração dos funcioná-rios do setor público

Negociação centralizada no plano federal até 1987, quando se introduz a negociação nos locais detrabalho; instituição de um �fundo de produtividade� para cada agência financiar melhorias nossalários e condições de trabalho (1/3 para o Ministério da Fazenda fazer ação equalizadora).

Forte tradição de negociação entre governo e representantes sindicais; negociações têm lugar antesdos procedimentos legislativos para a determinação da remuneração.

Servidores públicos e empregados públicos sujeitos ao contrato coletivo; apenas alguns executivosseniores são contratados individualmente; consenso entre negociadores nos três níveis de governo;geralmente resulta em negociação centralizada.

Negociações em separado para servidores públicos e empregados públicos até 1992; a partir destadata, progressivamente cada agência tem seu sistema de determinação da remuneração.

Negociação coletiva centralizada que resulta em recomendações para o governo, que pode nãoaceitá-las; para que as recomendações tenham efeito é necessário regulamentação ou decreto; naausência de acordo o governo estabelece unilateralmente a remuneração.

Remuneração dos servidores públicos (beamte) estabelecida por lei; para empregados sem acondição de servidor público, negociação coletiva, sem influência do governo central.

Negociação centralizada entre governo e sete principais sindicatos de servidores e empregadospúblicos; arbitragem é utilizada para negociar aumentos para setores específicos.

Reforma em 1993, �Contrato Público�: exigência de que os empregadores públicos adotemprogressivamente contratos privados e abandonem a determinação legal de salários e condições detrabalho (exceto para forças armadas, polícia, servidores públicos de nível executivo, diplomatas,professores universitários e magistrados, que têm sistemas próprios); negociação conduzida entre aAgência Pública de Administração e Negociação e o sindicato mais representativo.

Negociação salarial centralizada até 1993; a partir desta data, a negociação é conduzida em separadopara oito setores do governo; aposentadorias e pensões são negociadas de forma centralizada paratodo o serviço público pelo Ministério do Interior.

Até 1991, negociação altamente centralizada e controlada pelos principais sindicatos e pelo StateService Commission; a partir de então, executivos chefes de departamentos individuais tornam-seos empregadores.

Negociações centralizadas determinam os salários dos servidores públicos (exceto os dos servidoresseniores).

Remuneração excluída da negociação coletiva para a maioria dos servidores federais (exceto paraos dos correios, desde 1971); lei federal permite negociação coletiva sobre condições de trabalho.

Pagamento determinado por lei; não há negociação coletiva na administração federal, mas ogoverno costuma consultar representantes dos empregados antes de determinar a remuneraçãounilateralmente.

Desde de 1996, departamentos e agências são responsáveis pela determinação do pagamento deseus empregados (para alguns setores servidores públicos seniores, forças armadas etc. o paga-mento é determinado por um comitê independente); negociação coletiva tem lugar anualmente.

Não há negociações; remuneração determinada unilateralmente pelo governo.

Negociação coletiva centralizada no plano federal; 17 unidades distintas de negociação.

Negociações em dois níveis: (1) centralizadas entre a Agência Sueca para Empregados do Governoe os três sindicatos representantes dos servidores públicos, para determinar salários e condições detrabalho; e (2) dentro de cada agência, entre gerentes públicos e representantes dos servidores,envolvendo pagamentos individuais, condições e horário de trabalho.

Page 7: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

REFORMA ADMINISTRATIVA E RELAÇÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO 121

Em contraposição, na maioria dos países emdesenvolvimento e/ou emergentes ainda preva-lece a doutrina da determinação unilateral peloEstado (cf. Brito Filho, 1996, pp. 25-29; Yemin,1993).

Paralela ao processo de instituição da nego-ciação coletiva, a tendência geral tem sido tambémo fim das restrições impeditivas da organizaçãosindical no setor público. É importante notar, po-rém, que a institucionalização da negociação coleti-va e o reconhecimento legal das entidades sindicaisdos servidores público são duas questões distintase, em certa medida, independentes. Como apontaYemin (1993, p. 479):

O reconhecimento das organizações de emprega-

dos públicos para propósitos de negociação cole-

tiva é bastante diferente do reconhecimento da

legalidade de tais organizações. Um Estado pode

reconhecer a existência legal de sindicatos de

empregados públicos sem aceitar negociar com

eles, e muitos países (particularmente no mundo

em desenvolvimento) estão nesta posição.

Embora a adoção da negociação coletivaimplique o reconhecimento das associações sin-dicais dos servidores públicos, a legalização e oreconhecimento dessas associações não supõe aadoção e/ou institucionalização de uma políticade negociação ou consulta. Na verdade, esta é asituação no Brasil, onde há o reconhecimentolegal das associações e sindicatos dos servidorespúblicos sem que exista uma política que institu-cionalize as relações entre o governo e essasorganizações. Como diversas análises apontam,esse pode ser o pior dos mundos, já que prolife-ram EAs mas sua atuação, papel e formas derelacionamento e interação com o Estado nãosão regulamentadas.

A negociação coletiva no setor público é, emgeral, mais limitada em escopo e sua regulaçãomuito mais detalhada que aquela observada nosetor privado.14 Mas, fundamentalmente, sua ado-ção, por mais restrita que seja, institucionalizacanais e procedimentos de negociação, aumentan-do a previsibilidade nas relações entre governos esindicatos e diminuindo a margem de arbítrio

exercido por esses atores. Essa institucionalizaçãoadquire uma importância central nas relações detrabalho no setor público devido à natureza multi-lateral das negociações coletivas neste setor. Naspalavras de Kochan (1988, p. 145):

Uma negociação multilateral é definida como um

processo de negociação envolvendo mais de dois

atores distintos, de tal maneira que não existe uma

clara dicotomia entre as organizações de emprega-

dos e de administradores. Na linguagem da teoria

dos jogos, os conceitos de negociação bilateral e

multilateral correspondem, respectivamente, aos

jogos com dois atores e com n-atores.

Esta característica, decorrente principalmen-te, mas não de forma exclusiva, da divisão depoderes no Estado, imprime lógica própria àsnegociações trabalhistas no setor público e deter-mina estratégias de negociação diversas das queprevalecem na estrutura bilateral do setor priva-do.15 A configuração estrutural permite e, na ver-dade, incentiva os atores envolvidos a evadir ostermos da negociação direta e buscar aliançascom outras forças políticas não diretamente en-volvidas nas negociações. Do lado sindical, háuma constante busca de apoio e influência sobreo Legislativo para impor decisões e/ou mudardecisões tomadas no Executivo. Os negociadoresdo lado governamental podem sempre apelarpara um poder decisório superior ao seu e para atransferência de responsabilidade nas decisões.Essa condição estrutural torna ainda mais pre-mente a institucionalização de canais e procedi-mentos de negociação, com o intuito de tornarmais previsíveis as negociações trabalhistas nosetor público.

A avaliação dos custos e benefícios da institu-cionalização da negociação no setor público deveconsiderar tanto os impactos diretamente econô-micos (salários), como dimensões não diretamenterelacionadas aos salários, tais como produtividade,qualidade dos serviços, influência sobre o proces-so político, custos do conflito (greves, paralisaçõesetc.). As análises dos efeitos da adoção da negoci-ação coletiva no setor público infelizmente não sãoconclusivas para a maioria das dimensões aponta-

Page 8: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

122 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

das acima. Apenas no caso do que pode serchamado de �custos do conflito� as análises apon-tam uma conclusão mais segura, qual seja: a ado-ção de uma política institucionalizada de negocia-ção diminui o número e a duração das greves. Noque concerne a esses custos, como salientamalguns autores, �a pior política é não ter nenhumapolítica� (the worst policy is no policy at all ) (Curriee McConnell, 1994).

Quanto aos impactos políticos, algumasanálises salientam que a institucionalização danegociação coletiva no setor público ameaçaria ademocracia ao propiciar um canal privilegiado deacesso ao Estado para um grupo de interesseparticular, isto é, os sindicatos dos servidorespúblicos. Dificilmente, argumentam os autores,haveria a formação de outros grupos de interessefortes o suficiente para contrabalançar os sindica-tos de servidores públicos, o que faria com queos governantes não pudessem resistir às pressõespor aumentos salariais (cf. Summers, 1980; Co-hen, 1980). Outras análises, no entanto, susten-tam que a adoção da negociação coletiva nosetor público tornaria mais transparentes os acor-dos que muitas vezes têm lugar informalmenteentre o governo e seus servidores, permitindomaior controle social e um exercício mais racio-nal do Estado em seu papel de empregador.Nessa visão, outros grupos (consumidores, paisde alunos, usuários do sistema de saúde etc.)poderiam e deveriam ser representados na nego-ciação, contrabalançando o peso dos sindicatos eaté mesmo fortalecendo o processo democrático(cf. Cohen, 1980). Prima facie, a negociação co-letiva pode ter estes dois impactos. A impossibili-dade de determinar qual deles prevalece é menosuma questão teórica que empírica, isto é, é ne-cessário a realização de mais pesquisas para sedeterminar as condições sob as quais um ououtro resultado tem lugar.

Com relação aos impactos diretamente eco-nômicos, pode-se dizer que as previsões corren-tes nas décadas de 60 e 70 de que os governantesnão teriam como resistir às pressões por aumen-tos salariais, uma vez legalizada a ação sindicalno serviço público, não se materializaram. Naverdade, seja no plano local, seja no plano naci-

onal, as pressões por aumentos salariais não re-dundaram imediatamente em aumentos reais, oque demonstra que há várias formas de os gover-nos se defenderem destas pressões. Não há, por-tanto, evidências de que a atividade sindical e anegociação coletiva aumentem os gastos públi-cos. Estudos que avaliam os efeitos da negocia-ção e da ação sindical sobre a qualidade dosserviços também concluem que não há uma cau-salidade única, isto é, não há, teoricamente, ra-zões para se esperar que a institucionalização dasentidades sindicais e a adoção da negociaçãocoletiva influenciem positiva ou negativamente asdiversas dimensões da gestão dos serviços públi-cos. As respostas para essas questões são denatureza empírica e têm de ser avaliadas caso acaso. A única exceção a essa conclusão é oimpacto da adoção de políticas de negociação ereconhecimento das entidades sindicais do servi-ço público sobre o conflito trabalhista no setor:quando a negociação é institucionalizada, háuma diminuição da duração e do número degreves.

Os mecanismos de resolução de conflito sãofundamentais na caracterização das formas e dosprocessos que determinam as relações de trabalhono setor público. Nos países em que os servidorespúblicos são regidos por estatuto legal, os conflitosindividuais e coletivos são resolvidos por processoadministrativo, no primeiro caso, e por decretolegal, no segundo. Processos administrativos sãomorosos e custosos. A determinação legal dosconflitos coletivos acentua a natureza política dasrelações trabalhistas no setor público, aumentandoenormemente o peso das disputas para os atoresenvolvidos. Portanto, há razões para a busca dealternativas não estatutárias para a regulação doconflito trabalhista no setor público.

Os principais mecanismos de resolução deconflito trabalhista são a mediação e a arbitragem(compulsória ou não). Existem diversas formas deatualização desses mecanismos, e acredito que nãoé necessário fazer aqui uma discussão detalhada deseus efeitos e impactos. Para o propósito desteartigo, deve ser salientado que as principais dife-renças nos resultados são explicadas pela instituci-onalização de (alguns) mecanismos de resolução

Page 9: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

REFORMA ADMINISTRATIVA E RELAÇÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO 123

de conflito e pela sua inexistência. O principalganho com a adoção de políticas claras e bemdefinidas de resolução de conflito é a diminuiçãode greves e paralisações como instrumento depressão para a solução de conflitos. Conformesalienta Córdova (1985, p. 169), �deficiências namáquina de consulta e negociação [caracterizam asrelações de trabalho no setor público em diversospaíses] [�] organizações não são consultadas so-bre importantes decisões acerca dos termos econdições de trabalho e não têm outra forma deexpressar suas opiniões a não ser através de gre-ves�. Portanto, a existência de formas instituciona-lizadas de negociação entre o governo e seusservidores contribui para que as greves sejammenos freqüentes e menos duradouras (cf. Partrid-ge, 1992; Currie e McConnell, 1994).

O grau de centralização e de descentraliza-ção das negociações pode ser um fator importan-te na determinação dos resultados da negociaçãoentre governo e sindicatos. Teoricamente, espera-se que uma maior centralização das negociaçõesfacilite a coordenação entre os diversos atores e aimplementação das decisões alcançadas. Do pon-to de vista das EAs, a centralização aumenta suaforça de barganha ao evitar os efeitos da frag-mentação de interesses em diversas negociaçõesisoladas. Do ponto de vista do governo, a exis-tência de um interlocutor com representaçãoabrangente favorece a implementação dos resul-tados e sua própria negociação, embora aumentea força e a unidade dos servidores. Inversamente,a descentralização dificultaria a coordenação ne-cessária para a obtenção de êxitos sindicais egovernamentais.

Não há muitos estudos focalizando o impactodo grau de centralização das negociações sobreobjetivos e dimensões da negociação trabalhista eda gestão de pessoal no setor público. O principaldeles é o da OCDE, já referido acima, sobreremuneração no setor público. Este estudo concluique países com sistema de determinação de remu-neração descentralizado têm experimentado umcrescimento menor da folha de pagamentos que ospaíses que têm um sistema centralizado. Na verda-de, a organização deste sistema tem até mesmo umefeito sobre a folha de pagamentos que é um

pouco maior do que o próprio volume do empregopúblico (OECD, 1997, pp. 106-107).

O nível de sindicalização é um elementoimportante na configuração das relações de tra-balho no setor público. A densidade sindical(percentagem de filiados em relação ao total dacategoria ou setor) é um indicador da representa-tividade dos sindicatos e de sua força política.Quanto maior a densidade, maior a representati-vidade e, ceteris paribus, a força política dossindicatos. A taxa de sindicalização no setor pú-blico é, em todos os países, maior que a do setorprivado. A Tabela 1 apresenta esta informaçãopara países selecionados.

Ao lado da taxa de sindicalização, é importan-te atentar para a natureza da militância do movi-mento associativo no setor público. É claro que háimportantes variações nacionais a esse respeito,mas é possível discernir uma tendência geral, pre-sente em quase todos os países. As elevadas taxasde sindicalização apontadas acima são produto dedesenvolvimentos recentes, nas décadas de 60 e 70.Neste período, as organizações sindicais do setorpúblico não apenas começaram a se multiplicar,como também sofreram uma grande mudança nasua forma de atuação. De um modo geral, as EAsdos servidores públicos começaram a adquirir umcaráter mais reivindicativo e a enfatizar mais aatividade �sindical�, abandonando sua tradicionalforma de atuação baseada na ajuda mútua, noassistencialismo e na recreação.

A principal razão apontada para o aumentodo grau de organização sindical do setor público éo enorme crescimento dos serviços e empregospúblicos nos últimos 50 anos. Isto se deve aoenfrentamento de problemas sociais que aumen-tam a intervenção e a amplitude da ação governa-mental, com o conseqüente aumento de demandada população por serviços gratuitos, e à propensãoda sociedade, no pós-guerra, de conceder aoEstado maior papel de intervenção na economia.De fato, como observa Kochan ao analisar o casoamericano, a primeira onda de negociações coleti-vas no setor público está relacionada com e condi-cionada (favoravelmente para os servidores públi-cos) pelo aumento do Estado (cf. Lewin et al.,1988).16 Alguma importância é atribuída também

Page 10: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

124 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

ao fenômeno da burocratização, com a padroniza-ção das tarefas e a racionalização da carreira. ParaNisbet, por exemplo, a racionalização e a burocra-tização enfraquecem o clientelismo e o protecio-nismo que, em todos os países, haviam caracteriza-do o serviço público, abrindo caminho para aatuação sindical. Os sindicatos transformam-se nosubstituto funcional do sistema de patronato que jánão mais garante segurança e proteção aos funcio-nários (Nisbet, 1976).

O aumento da militância e a mudança decaráter das associações dos servidores públicos18

têm sido, de uma forma geral, atribuídos a reaçõesdos sindicatos à gradativa perda de status dediversas funções do Estado, particularmente emvista de processos de ajuste e restrições fiscais,desde o início da década de 80.19 Outros fatores,tais como a complacência dos gerentes públicos epolíticos com os movimentos dos funcionários,dinâmicas do movimento social urbano, a situaçãotrabalhista mais protegida dos funcionários públi-cos e o enfraquecimento da teoria da soberaniaunilateral do Estado na determinação das condi-

ções de trabalho, também têm sido apontadoscomo fatores explicativos dessas mudanças (cf.Freeman e Ichniowski, 1988; Wellington e WinterJr., 1971; Troy, 1994; Toledano, 1975; Boehm eHeldman, 1982; Levitan e Noden, 1983).

A criação e a metamorfose das associaçõesdos servidores públicos são muito bem ilustradaspor alguns estudos de caso de organizações espe-cíficas. Um aspecto que chama a atenção quandoobservamos sindicatos específicos20 é que, se todasas razões estruturais apontadas acima são necessá-rias para explicar o boom de organização noagregado, elas não são suficientes para dar contado processo de metamorfose por que passam essasassociações. O papel de �empreendedores� sociaisou sindicais é fundamental para se ter uma com-preensão mais precisa deste processo. Portanto, énecessário ir além das tendências gerais e conheceros fatores específicos que determinam a naturezada militância em cada caso.

O aumento da militância e seu caráter aguer-rido podem ser aferidos pela tendência universalde aumento das greves no setor público nos anos

Tabela 1Taxa de sindicalização em países selecionados17

País Taxa de sindicalização (1988) Cobertura dos acordos coletivos (1990)P ú b l i c o P r i v a d o R a z ã o P ú b l i c o P r i v a d o R a z ã o

EUA 37 13 2,85 43 13 3,31Canadá 63 28 2,25 80 31 2,58Japão 56 23 2,43 (25)Austrália 68 32 2,13 98 72 1,36Nova Zelândia 80 42 1,90 94 55 1,71Áustria 57 41 1,39 (98)Dinamarca 70 72 0,97 �Finlândia 86 65 1,32 100 66 1,52França 26 8 3,25 (92)Alemanha 45 30 1,50 59 88 1,49Itália 54 32 1,69 �Luxemburgo 74 43 1,82 �Holanda 49 20 2,45 (71)Noruega 75 41 1,83 97 62 1,56Suécia 81 81 1,00 100 72 1,39Suíça 71 22 3,23 (53)Reino Unido 55 38 1,45 78 40 1,95

Fonte: Freeman (1996).

Page 11: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

REFORMA ADMINISTRATIVA E RELAÇÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO 125

80 e 90 (cf. Córdova, 1985). A mudança de valoresdos servidores públicos e a gradual erosão dasvantagens trabalhistas do serviço público, especial-mente no período mais recente, são as principaisrazões apontadas para esse aumento no númerode greves (cf. Partridge, 1994). As reações àsreformas administrativas são, portanto, importan-tes elementos na explicação do crescimento dasgreves. As estratégias dos atores sociais em facedessas reformas é analisada a seguir.

Reforma do Estado e estratégias de negociação:condições para a emergência de cooperação

Nos anos recentes, tem-se notado um acentu-ado aumento das greves no setor público nospaíses europeus em resposta às tentativas de refor-ma do setor (Beaumont, 1996). Ferner sugere queapesar de o conflito ser inerente ao processo dereforma, sua condução com fervor ideológico au-menta a taxa de conflito com os setores trabalhistas(apud Beaumont, 1996, p. 301). Na opinião desteautor e de Beaumont, a Grã-Bretanha é um casoexcepcional de reforma no contexto europeu pois,neste país, a reforma do Estado foi um projetoideologicamente impulsionado e, conseqüente-mente, a taxa de conflito com os sindicatos foimaior que em outros países da Europa, onde �[�]a modernização do Estado tem sido pragmática,gradualista, e obtida com a participação do traba-lho e não contra ele. Em geral, este processo temlugar concomitantemente à consolidação de insti-tuições pluralistas de relações de trabalho dentrodo Estado.� (idem).

No entanto, com já notei anteriormente, nãose encontram análises detalhadas sobre a participa-ção dos sindicatos dos funcionários públicos nosprocessos de negociação das reformas administra-tivas e as razões que determinaram o sucessodestas negociações.

Defino sucesso como a implementacão dosobjetivos e metas da reforma administrativa �maior eficiência e menor custo na gestão pública �e a emergência de um processo de negociação e/oucooperação institucionalizado. Esses dois compo-nentes do sucesso estão relacionados pois, com jáargumentei, sucesso nos resultados implica deter-minadas formas de interação. Inversamente, o fra-

casso seria caracterizado pela imposição unilateralde políticas e a quebra de processos de negociação,que podem tanto elevar a taxa aberta de conflitotrabalhista como criar situações que impossibilitemqualquer interlocução entre os atores.21

De uma forma geral, os trabalhos que anali-sam os sindicatos e a reforma administrativa consi-deram esta reforma como um dado, isto é, aestudam apenas a partir da sua promulgação.Alguns trabalhos adotam o ponto de vista dossindicatos e se concentram nos desafios que asreformas apresentam para estas organizações esuas respostas a esses desafios. Fairbrother (1994)e Miller (1996), por exemplo, analisam a reaçãodos sindicatos ingleses à reforma. No contextodeste artigo, não interessa entrar em detalhes sobreesse tipo de análise, já que não é o foco central depreocupação.

Meu interesse maior reside nas análises quefocalizam as interações entre administradores pú-blicos e sindicatos, em processos de efetiva refor-ma e/ou transformação institucional, isto é, pós-promulgação da reforma. Nesta análise, é neces-sário levar em conta as estratégias e ações dospolíticos e administradores públicos, por umlado, e das entidades sindicais, por outro; não sepode analisar isoladamente a ação de cada umdesses atores. Com esse pressuposto, sistematizoa seguir as estratégias dos atores e seus impactosesperados.

Conforme sugerem Belman et al. (1996), doponto de vista do governo há duas grandes estra-tégias: uma centrada no corte de custo, enfatizandoa redução de custo via dispensa de funcionários,privatização e terceirização, e outra que enfatiza otrabalho como recurso, um ativo que pode sermobilizado e envolvido no processo e nas decisõesde cortar os custos. Se a opção for a segundaestratégia, ainda há a questão da conveniência dese buscar a participação dos sindicatos nas negoci-ações ou de tentar neutralizá-los/isolá-los pelaadoção de técnicas gerenciais �participativas�, quebuscam fomentar a adesão individual dos trabalha-dores, em detrimento de suas representações cole-tivas. Já foi crença corrente � baseada em análisesdo setor privado � que locais de trabalho sindica-lizados, ou a atuação dos sindicatos nos locais de

Page 12: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

126 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

trabalho, dificultavam a administração de recursoshumanos adequada aos novos modelos produti-vos: produção mais flexível, trabalho em time,envolvimento dos trabalhadores etc. No entanto,nas análises mais recentes prevalece a visão de quea inclusão dos sindicatos nos processos de reestru-turação administrativa e gerencial das empresastem conseqüências benéficas para os objetivosgerenciais, tanto no setor público como no privado(cf. Nissen, 1997).

Do ponto de vista dos sindicatos, a decisãoestratégica é: ou seguir uma rota mais cooperati-va, ou persistir no padrão tradicional, mais confli-tuoso. Em ambos os casos, os sindicatos tentarãoinfluenciar o processo político visando obter mai-ores benefícios. Isso é da própria natureza multi-lateral das relações trabalhistas no setor público.Vários fatores interferem na determinação da rotaque uma organização sindical seguirá. O setor e/ou a área têm uma grande influência. Setorescom maior poder de pressão � que prestamserviços essenciais e que não possuem substitutono privado � têm incentivos para adotar umpadrão mais conflituoso com vistas a capitalizar opoder que sua posição no aparelho de Estado lheconfere. O impacto da reforma sobre o setor étambém uma variável importante. É de se esperarque setores que seriam fortalecidos pela reformaadotem uma posição mais cooperativa, enquantoaqueles que seriam enfraquecidos (diminuição dequadros, terceirização de suas funções) assumamuma postura mais conflitante. A história da mo-bilização sindical e o processo de construção eformação dos sindicatos são também fatores im-portantes e fornecem elementos-chave para acompreensão da ideologia sindical e das aliançasestabelecidas. Por fim, há, obviamente, a estraté-gia adotada pelo governo para promover a refor-ma. Em uma interação, sempre se responde àsações dos outros atores.

Os estudos empíricos que examinaram aemergência de cooperação entre políticos, admi-nistradores e sindicatos de servidores públicosvisando à reforma de agências públicas ilustram aimportância dos fatores apresentados acima nosprocessos de negociação. Os principais trabalhosnesse sentido são: Federal Quality Institute (1994),

Farquhar (1996), Verma e Cutcher-Gershenfeld(1996) e Suntrup e Barnum (1997). Essas análisessão unânimes em apontar duas ordens de fatorescomo fundamentais para o sucesso da transforma-ção institucional de organizações do setor públicoe para a emergência de cooperação entre adminis-tradores públicos e sindicatos22 (condição necessá-ria, embora não suficiente para o sucesso datransformação institucional): as condições institu-cionais e fatores políticos.

Dentre as condições institucionais favoráveisos autores destacam: (a) a criação de novas estru-turas organizacionais, em combinação com novosprocessos decisórios, estruturas que complemen-tem as já existentes e que envolvam o sindicato nasdecisões (union-management committees); e (b) aprovisão de meios de sustentação para as novasestruturas e instituições: recursos financeiros, trei-namento para negociação, troca ampla e franca deinformações. Essas condições são fundamentaispara a continuidade da interlocução e para aconstrução de confiança entre os atores. Coopera-ção depende de confiança e sua construção édemorada e requer um processo de negociaçãocontinuado, que persista mesmo após alguns fra-cassos iniciais. Por isso, a decisão pela cooperaçãorequer algumas atitudes e compromissos políticosdos atores.

Os fatores políticos destacados são: (a) ocompromisso formal e público das principais auto-ridades governamentais e sindicais com a coopera-ção; o primeiro passo nessa direção é dado, emgeral, pela administração governamental;23 (b) aadoção de uma atitude pragmática, não ideológica,nas negociações;24 e (c) o entendimento da coope-ração como um meio para se atingir um fim, e nãoum fim em si mesmo.

A existência dessas condições e a adoçãodesses compromissos e atitudes por si só nãogarantem nem a realização dos objetivos da refor-ma, nem a emergência de um processo cooperati-vo. Mas, sem dúvida, na ausência dessa constela-ção de condições e fatores o sucesso de transfor-mações institucionais no setor público dificilmenteé assegurado. Mais adiante, ao analisarmos umcaso de interlocução entre o governo brasileiro eEAs dos servidores públicos, veremos como estes

Page 13: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

REFORMA ADMINISTRATIVA E RELAÇÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO 127

fatores e estas estratégias influenciaram/afetaramas negociações que tiveram lugar.

Organização e padrões dasrelações de trabalho no setorpúblico federal brasileiro

Esta seção visa caracterizar a organizaçãosindical no setor público brasileiro, com o propó-sito de apontar suas especificidades e seus traçoscomuns vis-à-vis outros países e tendências geraisexaminadas na seção anterior.

Não há legislação específica regulando asnegociações entre o Estado e seus servidores noBrasil. As relações de trabalho no setor públicofederal � com exceção das empresas públicas �são estatutárias, isto é, há uma adesão dos funcio-nários à lei que regulamenta o serviço público enão uma contratação coletiva entre os sindicatos eo Estado. Não existe regulamentação de mecanis-mos para resolução de disputas, seja individuais,seja coletivas.25 Essas disputas são resolvidas porprocessos administrativos e pela promulgação uni-lateral de leis e decretos pelo governo. Aindaprevalece na lei, embora mitigada na prática, ateoria da determinação unilateral pelo Estado dascondições de trabalho e remuneração no setorpúblico.

De acordo com determinação constitucio-nal, a existência e a legitimidade dos sindicatos eassociações dos servidores públicos são reconhe-cidas.26 No entanto, não há nenhuma norma legalobrigando o governo a negociar com as EAs dosetor público, diferentemente da regra existenteno setor privado. Há, portanto, o direito à associ-ação sindical, sem a garantia da negociação cole-tiva. O direito de greve � também uma garantiaconstitucional � foi considerado pelas cortes su-periores um direito de eficácia contida, ou seja,não produz efeitos enquanto não for regulamen-tado. Segundo consta, esse direito até hoje (outu-bro de 1999) ainda não foi regulamentado. Naprática, porém, como em muitos outros países, ogoverno federal tem negociado com as EAs dosservidores públicos, seja porque é forçado a issopor pressão política, seja por iniciativa própria.As EAs também têm liderado greves, indepen-

dentemente do entendimento legal permitir defi-nir a priori todas as greves do setor públicocomo ilegais. É evidente que a questão é antespolítica que legal. Essa situação, porém, denota obaixo grau de institucionalização das relações tra-balhistas no setor público brasileiro e a decorren-te imprevisibilidade que caracteriza essas rela-ções. Quando haverá negociação? Qual o escopoda negociação, isto é, que pontos podem sernegociados? Por um lado, essa situação aumentaa margem de arbítrio dos administradores públi-cos e permite que suas atitudes perante os servi-dores públicos e suas EAs dependam de seusinteresses políticos e da constelação de aliançasque os sustenta. Por outro lado, essa indetermi-nação faz com que diferentes setores do funcio-nalismo público tenham tratamento diferenciado,dependendo de sua força no aparelho do Estado(ocupações estratégicas versus outras), apesar deo estatuto que rege a todos ser o mesmo. Semdúvida, essa indeterminação legal e a clara dis-junção entre o fato e a norma tornam as relaçõesde trabalho no setor público bastante instáveis.

Do ponto de vista econômico, as duas últi-mas décadas têm sido marcadas pela persistentecrise do Estado brasileiro: crise financeira, criseeconômica e crise fiscal. Esse contexto de múlti-plas crises limita e condiciona as estratégias dosatores. Por um lado, os governos têm buscadoenfatizar a necessidade do equilíbrio fiscal e doajuste das contas públicas, com reflexos imedia-tos nas políticas de pessoal e salarial do setorpúblico. Por outro lado, as EAs se esforçam paramanter os níveis de emprego e salário. Semdúvida, esse contexto não favorece a construçãode uma relação cooperativa entre os atores. Decerta forma, sua estrutura é a de um jogo desoma zero, em que para que um dos jogadoresatinja seus objetivos o outro tem de perder. Nãoé claro se todo processo de reforma administrati-va implica essa estrutura de soma zero. No entan-to, no Brasil essa não só tem sido a percepçãogeneralizada, tanto no governo como nos setoressindicais, como também vem sendo reforçadapelos dados que demonstram que o número deservidores do Estado tem diminuído nos últimosdez anos.

Page 14: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

128 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

Tabela 2Evolução do quantitativo de servidores

civis da União

Ano Civis do Civis do Poder Executivo +Poder Executivo Empregados das estatais

1988 705.548 �1989 712.740 1.488.6081990 628.305 1.312.6821991 598.375 1.238.8171992 620.870 1.261.0371993 592.898 1.236.5381994 583.020 1.216.0581995 567.689 1.140.7111996 554.736 1.068.0631997 531.725 994.8051998 516.241 �1999 507.232 �

Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal, Brasília, diversosnúmeros. A informação de 1999 é do mês de junho.

É evidente que essa diminuição do quantita-tivo de servidores públicos, como meta da reforma,impõe uma estrutura de soma zero. A consecuçãode um objetivo do governo � a diminuição docusto com folha de pagamentos buscada peladiminuição do número de funcionários � implicauma perda de base para os sindicatos.

Do ponto de vista político, as interaçõesentre o governo e as EAs dos servidores públicosnas últimas duas décadas têm tido lugar no contex-to da redemocratização do país, da transição paraa democracia e de sua consolidação. Esse contextointerfere duplamente sobre essas relações. Por umlado, os governos têm buscado estabelecer umanova institucionalização e legitimidade. A políticapara os funcionários públicos é parte desse proces-so e variou de uma condescendência populista(característica dos tempos de alta inflação) a umapolítica de �terra arrasada�, como a do governoCollor. Por outro lado, a própria construção daidentidade das EAs dos servidores públicos sepolitiza fortemente. Isso ocorre já na origem daconstituição da maior parte dessas entidades,quando a luta específica por salários e a melhoriadas condições de trabalho adquiria uma conotaçãopolítica, no sentido mais amplo de luta pela demo-

cracia, e não apenas no sentido mais restritoespecificado anteriormente. Existe também a ne-cessidade de as novas lideranças sindicais se dife-renciarem dos antigos representantes associativos,que adotavam uma postura menos reivindicativa ecombativa de interação com o governo.27 Estaconjuntura política marca fortemente a identidadedas EAs dos servidores públicos, especialmentedos sindicatos, que apenas após 1988 podem seconstituir legalmente.

O fato de o sindicalismo no serviço públicobrasileiro contemporâneo ter se constituído naconfluência de conjunturas difíceis, isto é, ter surgi-do no contexto da transição para a democracia nopaís, que por sua vez ocorre em um momento deacentuada crise fiscal e financeira do Estado, semdúvida determina um caráter mais militante a essessindicatos. Ao mesmo tempo, essa situação impõeum foco nos interesses particulares, corporativosdas categorias, na tentativa de manter as condiçõesanteriores à crise econômica, e fornece uma acentu-ada conotação política aos movimentos sindicais aoinseri-los na luta pela democracia.

É nesse contexto político e econômico que osindicalismo do setor público brasileiro surge e setransforma, de um movimento associativo, mutua-lista, em movimento sindical, reivindicativo. Hápoucas referências às razões específicas do surgi-mento e das transformações nas formas de atuaçãodos sindicatos e associações de servidores públi-cos. As razões gerais apontadas acima para explicareste movimento em outros contextos nacionaistambém são arroladas para o caso brasileiro. Rodri-gues (1992) e Nogueira (1998), por exemplo,entendem o sindicalismo no setor público comoparte do movimento mais amplo de organização emobilização da classe média no Brasil, sem atenta-rem para suas especificidades.28 No caso brasileiro,não foi possível encontrar nenhum estudo maisdetalhado sobre casos de construção institucionalde sindicatos do setor público, sem dúvida umaimportante lacuna na literatura.

O caráter militante do sindicalismo do setorpúblico pode se aferido pela alta ocorrência degreves na década de 80. Estudos sobre as grevesno serviço público preocupam-se em �contabili-zar� sua ocorrência, duração e o grau de adesão

Page 15: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

REFORMA ADMINISTRATIVA E RELAÇÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO 129

dos funcionários (ver Noronha, 1994; Nogueira,1998). Há, no entanto, sugestões de que a longaduração das greves, uma característica do movi-mento sindical dos servidores públicos brasileiros,está relacionada à inexistência de um canal institu-cionalizado de negociações, o que, entre outrasconseqüências, faz com que o movimento adquirauma dimensão política maior que a de um conflitotrabalhista no setor público.

A estrutura organizacional da representaçãosindical no setor público é outro fator que condi-ciona a atuação das EAs. A análise desta estruturae das conseqüências daí advindas foge ao propósi-to central deste artigo. Por isso, apresento apenasas informações relativas à taxa de sindicalização eao volume de recursos das EAs, características quemais imediatamente influenciam a atuação dessasentidades.29

As EAs podem ser divididas em três catego-rias. Primeiro estão agrupadas as associações. Doponto de vista legal, o que diferencia estas organi-zações dos sindicatos é que os últimos têm odireito de representação judicial de seus filiados. Aprática política de muitas associações assemelha-seà de sindicatos, isto é, focaliza reivindicaçõestrabalhistas, embora uma atuação assistencialista,mutualista e recreativa ainda pareça ser forte nes-sas entidades.30 O rótulo �sindicatos setoriais ou de

categorias� engloba sindicatos que representamsetores ou áreas da administração federal (porexemplo, trabalhadores da previdência, trabalha-dores da saúde) e categorias profissionais específi-cas (por exemplo, técnicos do Tesouro Nacional,fiscais do trabalho). Finalmente, os �sindicatosgerais� procuram representar todos os servidorespúblicos federais, sem distinção de área/setor oucategoria.

Em setembro de 1998 havia 518.870 servido-res públicos civis ativos no Executivo federal e401.875 filiados a algum tipo de EA, resultando emuma taxa de sindicalização (incluindo sindicatos eassociações) da ordem de 77,5%. Neste mesmomês, havia 392.228 servidores aposentados e283.995 filiados a alguma EA, significando umataxa de sindicalização de 72,4%. Pode-se dizer queo Brasil apresenta uma taxa de sindicalização nosetor público muito semelhante àquela apresenta-da por países desenvolvidos (cf. Belman et al.,1996, p. 62). No entanto, não foi possível obterdados comparativos para outros países desagre-gando a informação pelas categorias de funcioná-rios ativos e aposentados. As Tabelas 3, 4 e 5apresentam informações sobre o número de filia-dos a sindicatos e associações.31

O financiamento das EAs no setor público, aocontrário do que ocorre no setor privado, é feito

Tabela 3Número de vínculos/filiações dos filiados a sindicatos setoriais ou de categorias

Número de Vínculos Ativos Aposentados Pensionistas Total de Vínculos Total de Indivíduos1 237.799 132.972 568 371.339 371.3392 5.082 3.355 7 16.888 8.4443 49 46 � 285 95Total 242.930 136.373 575 388.512 379.878

Tabela 4Número de vínculos/filiações dos filiados a sindicatos gerais

Número de Vínculos Ativos Aposentados Pensionistas Total de Vínculos Total de Indivíduos1 100.996 77.403 387 178.786 178.7862 993 508 2 3.006 1.5033 3 4 �- 21 7Total 101.992 77.915 389 181.813 180.296

Page 16: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

130 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

principalmente com contribuições voluntárias deseus filiados. Estas contribuições são, na quasetota-lidade dos casos, descontadas em folha depagamento. As Tabelas 6 e 7 mostram informaçõesacer-ca dos recursos das EAs do setor públicofederal.

A Tabela 7 apresenta a arrecadação per capi-ta das EAs. Esse dado é interessante na medida emque serve de proxis para a faixa salarial dosfuncionários, representada por cada tipo de sindi-

cato. Vemos que os �sindicatos gerais� têm umaarrecadação per capita muito menor que as outrasEAs, denotando que eles representam funcionáriospúblicos de faixas salariais mais baixas.

A seção que se segue exemplifica os padrõesde interação entre EAs e a administração federal,realiza uma prospecção das condições de emer-gência de uma interação cooperativa, e apresentadados detalhados sobre as EAs que participaramdo estudo de caso examinado.

Tabela 5Número de vínculos/filiações dos filiados a associações

Número de Vínculos Ativos Aposentados Pensionistas Total de Vínculos Total de Indivíduos1 157.761 117.738 611 276.110 276.1102 23.473 28.249 44 103.532 51.7663 2.824 6.559 � 28.149 9.3834 400 1.704 1 8.420 2.1055 38 382 �- 2.100 4206 1 90 �- 546 917 1 19 �- 140 208 �- 2 �- 16 29 �- 2 �- 18 2Total 184.498 154.745 656 419.031 339.899

Tabela 6Arrecadação em folha por tipos de EAs e de administração

(set. 1998)

Administração direta Autarquia Fundações TotalAtivos Aposentados Ativos Aposentados Ativos Aposentados

Sindicatos Gerais 416.574 422.476 246.631 221.357 303.211 90.060 1.700.309Outros Sindicatos 2.213.417 1.339.458 1.226.643 761.196 382.593 125.289 6.048.596Associações 1.273.044 1.244.665 1.492.178 1.750.570 715.029 271.901 6.747.387Total 3.903.035 3.006.599 2.965.452 2.733.123 1.400.833 487.250 14.496.292

Tabela 7Arrecadação em folha por tipos de EAs e de administração

(R$ per capita)

Administração direta Autarquia Fundações TotalAtivos Aposentados Ativos Aposentados Ativos Aposentados

Sindicatos Gerais 8,5 8,6 10,3 10,2 10,1 11,4 9,4Outros Sindicatos 19,8 17,4 11,9 14,4 11,6 11,1 15,5Associações 19,7 17,9 14,0 14,6 16,4 18,6 16,1Total 17,3 15,4 12,7 14,1 13,1 14,4 14,6

Page 17: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

REFORMA ADMINISTRATIVA E RELAÇÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO 131

O FCTE e o MARE: um caso deinterlocução fracassado

Em outubro de 1998, em meio a uma preocu-pante crise econômica, o governo federal encami-nhou ao Congresso Nacional um conjunto deprojetos de lei aprofundando o ajuste fiscal eregulamentando pontos da Emenda Constitucionalno 19, da reforma administrativa, aprovada emjunho do mesmo ano. Entre esses projetos, umdisciplinava o emprego público, determinandoque a grande maioria dos servidores seria regidapela CLT. O projeto de lei excetuava apenas umaspoucas categorias, consideradas típicas e exclusi-vas do Estado, que continuariam sendo regidaspelo regime estatutário, isto é, pela Lei no 8.112, de1990.32 A definição das carreiras típicas e exclusi-vas do Estado vinha sendo objeto de negociaçãoentre o Ministério da Administração e Reforma doEstado (MARE) e um grupo de EAs que constituí-ram o Fórum das Carreiras Típicas de Estado(FCTE). Na verdade, o FCTE foi a única represen-tação dos servidores públicos com que o governoestabeleceu conversações durante a reforma admi-nistrativa. O envio desse projeto ao Congresso, noentanto, não foi o resultado dessas conversações,nem tampouco uma determinação do MARE.33 Atéo momento (outubro de 1999) a lei ainda não foivotada. Permanece, portanto, indefinida a caracte-rização das carreiras típicas e exclusivas do Estadoe não se podia saber, no momento em que esteartigo estava sendo escrito, o resultado final destaquestão. No entanto, por razões que mostrareiabaixo, este episódio, independentemente de seudesfecho, ilustra bem as relações trabalhistas nosetor público federal e as interações entre governoe EAs dos servidores públicos.

Nesta seção, analiso as negociações entre oFCTE e o MARE em torno das propostas de reformado Estado. A escolha deste caso justifica-se pois,além de ter sido esta a única instância de negocia-ção relativamente formal entre o governo e as EAsdos servidores públicos,34 o Fórum é tambémmetodologicamente adequado aos propósitos des-te trabalho. Poder-se-ia, de antemão, esperar quedessa interação surgisse uma relação de coopera-ção entre os atores envolvidos, uma vez que o

FCTE é composto basicamente por carreiras daelite do serviço público que, na proposta dereforma administrativa do governo, deveriam serbeneficiadas e fortalecidas. Mesmo nesse caso,porém, a cooperação construtiva entre governo eas EAs não avançou muito. Ao analisar esse resul-tado, cabe indagar se ele é fruto de fatores idiossin-cráticos e/ou ocasionais ou se, inversamente, épossível discernir razões de ordem estrutural e/ousistemática que o explicariam. Como já adiantei naintrodução, o fracasso dessas conversações podeser explicado pela baixa institucionalização doscanais de interação entre governo e EAs e porprocessos político-organizacionais que caracteri-zam a dinâmica interna tanto dos atores governa-mentais como dos associativos. Portanto, a com-preensão deste resultado tem de levar em contafatores institucionais e organizacionais, e não ape-nas características particulares dos atores ou mes-mo do governo Fernando Henrique Cardoso.

Com o propósito de desenvolver e ilustraresse argumento, inicio esta seção caracterizandoos atores envolvidos nas conversações, isto é, oFCTE e as entidades que o compõem, por um lado,e o MARE, por outro. Em seguida, faço um históri-co das negociações e de seu desenrolar, ressaltan-do os principais itens em discussão, seus objetivose a disposição dos atores no processo interativo.Finalmente, analiso os resultados das conversa-ções e as razões que os explicam.

Antes de mais nada, é necessário chamar aatenção para o fato de que o caso estudadoocorreu ainda na fase da negociação para a pro-mulgação da reforma, não se referindo a ummomento de efetiva transformação institucionalpós-mudança legislativa, isto é, de implementaçãode diretrizes da reforma. Mesmo assim, acreditoque sua análise pode nos ajudar a compreender opotencial de cooperação na fase de implementa-ção da reforma e indicar caminhos para sua efeti-vação. A escassez de estudos sobre as interaçõesentre governo e EAs de seus servidores no Brasil étão grande que quase nada se sabe, sistematica-mente, sobre esta relação. Avançar no conheci-mento destas questões já é, em si, acrescentarelementos para aumentar as possibilidades derelacionamento político construtivo entre o gover-

Page 18: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

132 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

no e seus funcionários. Por isso, embora situada nafase pré-promulgação da reforma, a análise realiza-da nesta seção contribui para a apreensão deformas e padrões de relacionamento que, certa-mente, condicionarão as interações futuras.35

O Fórum das Carreiras Típicas de Estado foiformalizado em agosto de 1994, com a participaçãode 11 EAs.36 Ao longo do tempo, foi agregandonovos membros e, no final de 1997, era compostopor 20 EAs. As entidades que formavam o FCTE emdezembro de 1997 estão arroladas no Quadro 2.

De acordo com o relatório anual de uma desuas entidades fundadoras, o Fórum �objetivaarticular as reivindicações comuns das entidades,identificando um interlocutor no governo, e passara negociar diretamente seus pleitos, tendo em vistaa postura da Secretaria da Administração Federalde ter relegado a plano secundário os pleitosdestas carreiras ou categorias funcionais�.37

De fato, a política salarial praticada pelo gover-no Itamar Franco para os servidores públicos, bemcomo os investimentos realizados no setor públicopor esta administração, não diferenciavam as diver-sas atividades do Estado. O governo federal, na ver-dade, privilegiava as EAs de caráter geral no processode negociação com seus funcionários.38 O FCTE, por-tanto, foi criado ressaltando as diferenças entre as ati-vidades de seus representados vis-à-vis os demais se-tores do serviço público e com o objetivo de defen-der os interesses específicos das carreiras típicas doEstado.39 O primeiro documento do Fórum foi umpedido de audiência com o ministro-chefe da Secre-taria da Administração Federal, Romildo Caim, noqual é expressa a preocupação de seus filiados com�o sucateamento que há muito vem ocorrendo emnossas áreas de atuação, acompanhado de grave pro-cesso de proletarização, que acarreta a evasão de qua-dros altamente qualificados e compromete a qualida-de dos serviços públicos colocados à disposição dasociedade brasileira.�40

A importância de ressaltar seus interesses espe-cíficos ante os da totalidade dos funcionários públi-cos é reconhecida nos debates internos do FCTE.41

Veremos, no entanto, que esta posição não foi con-sistentemente seguida pelo Fórum, que oscilava en-tre focalizar os interesses das carreiras típicas de Esta-do e os interesses dos servidores públicos em geral.

Esse dilema, fruto da composição do FCTE e de suapolítica de alianças, torna-se um empecilho à focali-zação das negociações em pontos específicos de in-teresse das carreiras típicas de Estado.

Quadro 2Entidades integrantes do FCTE42

Sig la Nome da entidadeADB Assoc. dos Diplomatas BrasileirosADPF Assoc. Nac. dos Delegados

da Polícia FederalANAJUR Assoc. Nac. dos Assistentes Jurídicos

da UniãoANESP Assoc. Nac. dos Especialistas em

Políticas Públicas e Gestão GovernamentalANFIP Assoc. Nac. dos Fiscais de Contribuições

PrevidenciáriasANPAF Assoc. Nac. dos Procuradores das

Autarquias Federais e FundaçõesANPPREV Assoc. Nac. dos Procuradores da

Previdência SocialASOF Assoc. Nac. dos Oficiais de ChancelariaASSECOR Assoc. dos Servidores da Carreira

do OrçamentoFENAFISP Federação Nac. dos Fiscais de

Contribuições PrevidenciáriasFENAPEF Federação Nac. dos Policiais FederaisSINAIT Sindicato Nac. dos Agentes da Inspeção

do TrabalhoSINDSAC Sindicato Nac. dos Servidores

da Arrecadação e Cobrança daReceita Previdenciária

SINDCVM Sindicato Nac. dos Serv. Fed.Autárquicos nos Entes dePromoção e Fiscalização do Mercadode Valores Mobiliários

SINDTTEN Sindicato Nac. dos Técnicosdo Tesouro Nacional

SINPROFAZ Sindicato Nac. dos Procuradoresda Fazenda Nacional

UNACON/ União Nac. dos Analistas eSINATEFIC Técnicos de Finanças e Controle/

Sindicato Nac. dos Analistas e Técnicosde Finanças e Controle

UNAFISCO Sindicato Nac. dos Auditores FiscaisSINDICAL da Receita FederalUNASLAF União Nac. das Assoc. de Servidores

da Linha de Arrecadação e Fiscalizaçãoe Procuradoria do INSS

Page 19: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

REFORMA ADMINISTRATIVA E RELAÇÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO 133

Como todo órgão coletivo, a atuação doFCTE depende, em parte, de sua composição e desua organização interna. Em termos organizacio-nais, o Fórum nunca se constituiu em uma entida-de formal, legalizada, nem tampouco formou dire-toria permanente e estruturada para conduzir seusnegócios. Contava apenas com uma coordenaçãocolegiada, de onde saía um coordenador com ummandato de quatro meses.43 Estas características,sem dúvida, reduziram as chances de o FCTE obterum elevado grau de organicidade. No entanto,pode-se afirmar que o Fórum adquiriu razoáveisgraus de organização e continuidade, reunindo-secom certa freqüência,44 realizando ações coletivasde divulgação (cartilhas, manifestos, semináriosetc.)45 e exercendo um (certo) controle sobre seucrescimento mediante um processo de seleção dosnovos membros.46

A composição do FCTE é relevante poisfornece indicadores de sua representatividade e desua homogeneidade, isto é, da medida em que asentidades afiliadas representam categorias e/oucarreiras efetivamente típicas de Estado. A repre-

sentatividade é importante para credenciar os diri-gentes das EAs junto aos negociadores do governocomo interlocutores com capacidade de �falar emnome de seus representados�. A homogeneidade,além de ter o mesmo efeito, tem impacto tambémsobre a capacidade do FCTE de realizar açõescoletivas e evitar defecções: quanto mais homogê-neo o grupo, mais facilidades teria o Fórum emobter unidade de interesse e de ação para negociarem nome �das carreiras típicas de Estado�. Apreocupação com a homogeneidade norteou emgrande medida a constituição da entidade. Novosmembros só eram admitidos após parecer de umacomissão considerando se, de fato, as funçõesexercidas pela categoria eram típicas de Estado.Ademais, com vistas a evitar sua fragmentação,deliberou-se que apenas entidades nacionais po-deriam fazer parte do FCTE.47

A Tabela 8 fornece informações sobre acomposição do FCTE em termos de sua represen-tatividade.

A maior parte das EAs do Fórum tem umadensidade de filiados bastante alta: no conjunto, o

Tabela 8Quantitativo de funcionários públicos filiados ao FCTE e

total da categoria na administração federal

Associações e Ativos Total de % de Apo s en t ad o s Total de % de % total des i n d i c a t o s f i l i a d o s ativos na a t i v o s filiados aposentados a p o s e n t a d o s f i l i a d o s

adm. fed. f i l i a d o s na adm. fed. filiadosADB 137 969 14 116 216 54 21ADPF 474 549 86 567 671 85 85ANFIP 3.744 3.976 94 5.704 5.750 99 97ANPAF 490 2.091 23 221 2.903 8 14ANPPREV 692 903 77 1.487 1.565 95 88ASOF 177 730 24 103 309 33 27SINAIT 2.331 2.449 95 1.547 2.136 72 85SINATEFIC/UNACON 1.848 2.807 66 1.709 2.501 68 67SINDCVM 264 320 83 125 143 87SINDTTEN 5.820 6.692 87 5.210 5.464 95 91SINPROFAZ 402 405 99 145 207 70 89UNAFISCO SINDICAL 6.964 7.086 98 6.083 6.380 95 97ANAJUR 468 � � 646ANESP SI 280 � SIASSECOR 335 � 193SINDSAC 287 � 71Total 24.169 28.657 85 23.892 28.102 85 85

Page 20: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

134 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

FCTE representa 85% dos funcionários das carrei-ras e/ou categorias que o compõem. Apenas trêsentidades têm uma taxa de filiação baixa, a saber,ADB, ANPAF e ASOF.48 Esses dados permitemconcluir que o FCTE efetivamente representa osfuncionários que pretende representar.49 No en-tanto, ao examinarmos a composição dos filiados(Tabela 9), verificamos que os aposentados têmum grande peso na taxa de filiação das EAspertencentes ao Fórum: no global, 49% dos filiadossão aposentados, e em algumas entidades essaporcentagem chega a mais de 60%.

Essa composição explica, em parte, por queos interesses imediatos dos aposentados, tais co-mo a reforma da previdência, ocupam um lugarcentral nas preocupações do FCTE. As entidades,ao enfatizarem a defesa desses interesses, estãonão apenas buscando garantir o status futuro deseus associados ativos no serviço público (todosserão um dia aposentados), mas também, e prin-cipalmente, estão garantindo sua sobrevivênciaatual, assegurando a manutenção de altas taxasde filiação entre os aposentados. A maior parteda arrecadação das entidades do FCTE (52%)deve-se à contribuição dos aposentados.50 Ade-

Tabela 9Funcionários ativos versus aposentados filiados a EAs do FCTE

Associação e sindicatos Ativos % do total Apo s en t ad o s % do total % (n total)ADB 137 54 116 46 100 (253)ADPF 474 46 567 54 100 (1.041)ANAJUR 468 42 646 58 100 (1.114)ANFIP 3.744 40 5.704 60 100 (9.448)ANFAP 490 69 221 31 100 (711)ANPPREV 692 32 1.487 68 100 (2.179)ASOF 177 63 103 37 100 (280)ASSECOR 335 63 193 37 100 (528)SINAIT 2.331 60 1.547 40 100 (3.878)SINATEFIC 546 65 296 35 100 (842)SINDCVM 264 68 125 32 100 (389)SINDTTEN 5.820 53 5.210 47 100 (11.030)SINPROFAZ 402 73 145 27 100 (547)UNACON 1.302 48 1.413 52 100 (2.715)UNAFISCO SINDICAL 6.964 53 6.083 47 100 (13.047)SINDSAC 287 80 71 20 100 (358)Total 24.433 51 23.927 49 100 (48.360)

mais, a contribuição per capita dos aposentadosé, na maioria das entidades, superior à dos ativos,isto é, para as entidades, a perda de um filiadoaposentado representa um ônus maior que a per-da de um funcionário ativo. Várias outras razõespodem ser arroladas para explicar o forte interes-se do FCTE na reforma da previdência, mas osfatores citados acima com certeza não podemdeixar de ser levados em conta em qualquerexplicação consistente.

Nesse sentido, o FCTE nunca logrou estabe-lecer um foco preciso na reforma administrativa, jáque seus interesses imediatos também eram afeta-dos por outras questões da agenda de reformas.Esse dilema de representação não facilitava adivisão das questões, de modo a permitir negocia-ções pontuais, e tornava politicamente impossívelpara o FCTE separar os tópicos da reforma admi-nistrativa de outras questões. Nos casos em que osinteresses de servidores da ativa conflitassem comos dos aposentados, as EAs presentes no Fórumnão tinham condições de tomar posição.51

A questão da homogeneidade do FCTE sem-pre esteve presente nas preocupações de seusdirigentes. Havia, basicamente, duas posições. Um

Page 21: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

REFORMA ADMINISTRATIVA E RELAÇÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO 135

grupo defendia um Fórum bastante depurado, in-cluindo apenas as carreiras e/ou categorias queexercessem atividades consideradas pela entidadecomo típicas de Estado. Argumentava que, dessaforma, poder-se-ia obter tanto legitimidade junto aogoverno, como certa unidade interna. Os defenso-res dessa posição, embora com dificuldade políticapara expressarem-na abertamente, acreditavam quea melhor tática seria a defesa estrita dos interessesda elite do serviço público, corporificada nas carrei-ras típicas de Estado. A maior dificuldade consistiaexatamente em definir quais eram as atividadestípicas de Estado. Na verdade, essa definição era umdos itens de negociação, seja no MARE, seja durantea tramitação do projeto de reforma no Congresso.Nesta indefinição baseia-se a posição do segundogrupo, que defendia critérios mais �frouxos� deadmissão ao Fórum. Seus integrantes pressupu-nham que não cabia ao FCTE assumir o papel da lei,definindo as atividades típicas de Estado e excluin-do funcionários e entidades que poderiam nãoapenas se beneficiar das condições diferenciadasque seriam usufruídas pelos que exerciam carreirastípicas de Estado, mas também fortalecer o próprioFórum ao se juntarem a ele. Ou seja, a visão de quea força do FCTE adviria principalmente de suahomogeneidade e pureza chocava-se com a visãode que quanto mais entidades, melhor. Esse dilemasempre esteve presente nas discussões do FCTE e,em parte, tem impedido a adoção de uma linha deação mais focalizada nos interesses das �carreirastípicas de Estado�.

Do lado do governo, a interlocutora maisfreqüente e assídua do FCTE foi a secretária-executiva do MARE, Cláudia Costim. O ministroLuis Carlos Bresser Pereira e diversos outros asses-sores também participaram, em diferentes momen-tos, das conversações com as EAs, mas sempreesporadicamente. Não houve, durante todo esseprocesso, uma agência ou mesmo funcionáriosque exercessem permanentemente o papel deinterlocutores e articuladores entre o Ministério eas EAs dos servidores públicos. De qualquer for-ma, aproximadamente 15 encontros tiveram lugarentre membros do governo e o FCTE. Segundovários entrevistados, a estratégia do governo vis-à-vis a representação dos servidores públicos na

reforma administrativa foi fazer uma distinção en-tre as carreiras típicas e estratégicas de Estado, comcujos representantes teve predisposição para con-versar, e o chamado �carreirão�,52 com cujos repre-sentantes não se dispôs a dialogar. Não obstante osrelatos de atitudes bastante agressivas a membrosdo governo por parte de sindicatos gerais e outrasEAs que representam categorias que não eramconsideradas típicas de Estado, a estratégia gover-namental era de se esperar em face da própriaconcepção e filosofia da reforma administrativa. OPlano Diretor da Reforma do Estado implicava ofortalecimento de determinadas carreiras, exata-mente as típicas e/ou estratégicas, e uma mudançaradical do status, ou até mesmo a própria extinção,de outras carreiras. Congruentemente, as entidadesrepresentativas das carreiras típicas de Estado fo-ram até mesmo convidadas pelo governo para umainterlocução, enquanto as demais entidades foramexcluídas, em princípio. O FCTE aceitou participarde conversas, e os sindicatos gerais se aferraramem suas posições de confronto generalizado àpolítica de reforma.

Os contatos entre o governo e o FCTE tive-ram início logo em janeiro de 1995, mês da possedo novo governo, quando a secretária-executivado MARE, Cláudia Costim, recebeu representantesdo Fórum. Este primeiro contato deixou nos inte-grantes do FCTE a impressão de otimismo a respei-to do relacionamento com o governo, embora,segundo a ata da entidade, subsistisse uma certadesconfiança: �a impressão que ficou para todosfoi a mesma, otimista, mas só no decorrer dospróximos encontros na SAF é que se poderá teruma base sobre o que vem por aí�.

A desconfiança surgiu porque Cláudia Cos-tim, por ocasião da reunião, �fez um discurso detransparência e honestidade, mas a Medida Provi-sória saiu contradizendo o discurso da secretária�.A MP referida é a de no 831/95, que determinavaum teto de remuneração para os servidores públi-cos, decidida sem nenhuma consulta prévia. Pou-cos dias depois desse encontro, em 25 de janeirode 1995, o ministro Bresser Pereira recebeu o FCTEpara uma discussão. Novamente, a impressão daconversa foi positiva, tendo sido ressaltada suaimportância para a abertura do diálogo. No entan-

Page 22: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

136 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

to, diversos membros do Fórum não ficaram satis-feitos com sua própria atuação. A principal autocrí-tica ponderava que a agenda de discussão apresen-tada ao ministro era muito extensa e que �deixoude se ressaltado o ponto principal, ou seja, apresença e efetiva participação do Fórum nascomissões de trabalho do MARE�, perdendo-se�muito tempo na questão da reforma da previdên-cia�. Esta observação indica o peso dos interessesdos servidores aposentados na agenda das entida-des do FCTE e sugere que este não estava prepa-rado para discussões pontuais, já que não tinhauma escala de prioridades estabelecida.

No dia 13 de fevereiro o FCTE encaminhoupedido de audiência com o ministro, salientando anecessidade de adequada conceituação de carreiratípica de Estado e de se institucionalizar a partici-pação do Fórum nas discussões da reforma admi-nistrativa. A ênfase na definição de carreira típica ea demanda de participação apenas para o FCTE sãoindícios de que este estava disposto a defenderseus interesses específicos junto ao MARE. Ao queparece, a audiência com o ministro não foi conce-dida, mas a secretária-executiva do Ministério reu-niu-se com o FCTE ainda no mês de fevereiro. Aimpressão dos membros do Fórum sobre estareunião foi mais pessimista. Os representantes dogoverno limitaram-se a apresentar as linhas geraisdos novos regimes trabalhistas dos servidores, asaber, estabilidade garantida para os membros dascarreiras típicas e regime celetista para o restante.Indicou-se, também, que a reforma definiria asatividades típicas de Estado, sem nomear especifi-camente as carreiras que as exerceriam � essaregulamentação seria feita por lei complementar.Tal �indefinição� não agradou ao FCTE. Os regis-tros não relatam debates nem sugestões dos seusrepresentantes, dando a impressão de que nãohouve, de fato, uma negociação, mas sim uminforme do andamento do projeto de reforma.

Após este encontro de fevereiro, existeregistro de outra reunião com �autoridades doMARE� em março. Embora o Fórum continuasse ase reunir durante os meses seguintes, não pudeencontrar registro de nenhuma outra audiência noMARE até julho de 1995, quando o próprio ministroBresser53 convidou a entidade para �apresentar a

proposta da reforma administrativa�. Nesse ínte-rim, o FCTE elaborou uma cartilha contra a reformado Estado, adotando a tática de atacá-la como umtodo. Houve também discussões internas sobre anecessidade de contar com documentos propositi-vos para se contrapor às propostas do governo e dese �atentar para não deixar transparecer [junto àmídia] o corporativismo, como na manutenção daestabilidade para os servidores públicos�. Noentanto, prevaleceu claramente a opção pela opo-sição generalizada aos planos do governo.54

Refletindo o dilema entre a defesa dos seusinteresses específicos e a necessidade � ou acompreensão da necessidade � de alianças maisamplas, alguns integrantes do FCTE observaramque �a proposta do governo indispõe os servidoresdas carreiras típicas com os demais servidores� epropuseram �imediata mobilização nacional, inclu-sive com servidores dos estados e municípios, nadefesa dos direitos já conquistados pelos servido-res�.55

Assim, antes mesmo da reunião com BresserPereira, integrantes do FCTE tornaram pública suaposição contrária à reforma56 e enviaram ao minis-tro um documento em que se diziam contrários aalterações na Constituição, argumentando que �oatual estágio de dificuldades administrativas, ope-racionais e financeiras [�] [são] antes resultado damá gestão administrativa praticada ao longo denossa história�.

A audiência com o ministro só pode serclassificada como um desastre, pelo menos doponto de vista da construção de uma relação decooperação entre o governo e o Fórum. A reuniãoobteve ampla repercussão na imprensa, que enfa-tizou as divergências entre as partes. O propósitoda audiência nunca ficou claramente definido.Parece que o seu objetivo não era o de estabelecernegociações. De acordo com os relatos, o ministroiniciou a reunião anunciando que o encontro nãoera uma mesa de negociações e que precisava �doapoio e aliança do Fórum independentemente dasdiscordâncias futuras�. Declarou também que oplano diretor da reforma estaria concluído em 15dias. Na avaliação do Fórum, �ficou bem claro paratodos os presentes que a reunião foi convocadapara dar a impressão à mídia de que o Ministério da

Page 23: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

REFORMA ADMINISTRATIVA E RELAÇÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO 137

Administração estava discutindo, democratica-mente, a reforma do Estado com os servidorespúblicos. [...] não há processo negocial, e sim,impositivo.�57

Depois dessa reunião com o ministro, o FCTEreuniu-se mais duas vezes com representantes doMARE, ainda em julho e em agosto. Essas reuniões,no entanto, apenas acentuaram a posição de quese devia buscar aliança com a totalidade dosservidores públicos, pois acreditava-se que o go-verno �poderá divulgar que o projeto foi longa-mente debatido com os funcionários de carreirastípicas [�] [parecendo] que aceitamos as mudançasprejudiciais à maioria dos servidores, mas que nãonos atingirão.�58

A partir desta data, ficou claro para seusmembros que o Fórum não poderia influenciar ogoverno nos itens da reforma, da mesma forma queficou claro para o governo que não poderia contarcom o apoio e colaboração do Fórum. Não haveriamais interlocução entre esses atores; a disputa foratransferida para o Congresso, onde ela naturalmen-te desaguaria um dia.

Com o envio do projeto de Emenda Constitu-cional ao Congresso, as ações desenvolvidas pelosatores começam a pautar-se por táticas típicasdeste foro. O FCTE aprofunda a tática de ampliarsuas alianças, imprimindo uma cartilha sobre areforma administrativa e definindo estratégias deatuação no Congresso. O governo, por seu lado,joga toda sua força política na aprovação da EC.Foge ao escopo deste trabalho analisar o processode tramitação da EC no Congresso, já que não serefere diretamente à relação do governo-emprega-dor e seus servidores. É claro que sua análise muitonos poderia ensinar sobre a atuação das EAs dosservidores públicos,59 bem como sobre os meca-nismos de aprovação de reformas no país. Nopresente artigo, no entanto, deve ser ressaltadoapenas que a natureza multilateral das negociaçõestrabalhistas no setor público, analisada anterior-mente, oferece aos atores uma �válvula de escape�que favorece a postergação de um entendimentodireto entre eles.

Internamente, intensificam-se dentro doFCTE as discussões sobre as estratégias a seremseguidas. Um documento da coordenação do Fó-

rum datado de 8 de abril de 1996 avalia que aimagem do servidor público está deteriorada eque, nessa situação,

[...] pouco ou nenhum apoio da sociedade virá em

nosso auxílio; pouco ou nenhum poder de con-

vencimento teremos junto ao Congresso. Numa

conjuntura como esta, propor greve por tempo

indeterminado contra as reformas, contando com

apoio popular, somente revela o grau de ilusionis-

mo de algumas lideranças sindicais, e a distância

que as separa da realidade.

Portanto, esse quadro deformado e persistente,

que coloca os servidores como um pesado ônus a

ser suportado pela sociedade, pode e deve ser

revertido por uma nova posição do sindicalismo

no serviço público, autocrítica e propositiva, que

ultrapasse os dois extremos caricaturais de hoje: o

sindicalismo meramente assistencialista versus o

sindicalismo engajado sem base.

Seguindo essa linha, o FCTE promoveu umseminário nacional sobre a reforma administrativanos dias 7 e 8 de outubro de 1996, convidando asecretária-executiva do MARE para participar dosdebates.60

Os encontros entre o MARE e o FCTE foramretomados apenas em abril de 1997, por iniciativadeste, que solicitou audiência com a secretária-executiva do Ministério.61 Não estão claras asrazões desta reaproximação, já que a definição dospontos da reforma dependia, então, exclusivamen-te do processo legislativo. Mas, certamente, comoobservaram alguns entrevistados, a retomada dasdiscussões tinha em vista a tentativa, de ambas aspartes, de conseguir apoios mútuos para pontos dareforma, com vistas a amenizar os riscos do con-fronto político no Congresso. De acordo com orelato registrado nos arquivos do FCTE, a reuniãoque deu início à nova rodada de discussões foca-lizou pontos específicos da reforma. De uma formageral, as EAs apresentavam suas posições acercadesses pontos e a secretária-geral os rebatia item aitem. Mesmo enfatizando pontos específicos, osrepresentantes dos servidores declararam quecombateriam no Congresso todas as propostas dogoverno referentes aos servidores estáveis e con-

Page 24: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

138 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

cursados que implicassem regulamentação porlegislação ordinária, por considerarem �um riscogrande demais para se correr�, sinalizando quegostariam de definir as questões referentes àscarreiras típicas de Estado em negociações com oMARE, e não no Congresso. Ainda de acordo coma ata do FCTE, a secretária-executiva do MARE�admitiu que faltou um maior diálogo com osservidores, mas que ela estava disposta a corrigiresta falha�. Decidiu-se, então, abrir um canal denegociação entre o FCTE e o MARE, estabelecen-do-se reuniões mensais. A avaliação do Fórum eraa de que esse canal de negociação seria �importan-tíssimo [�] pois representa um avanço significativode novas [sic, provavelmente, nossas] relações�.62

De fato, os encontros entre o FCTE e o MAREtornaram-se mensais até agosto, pelo menos, deacordo com os registros.

Os encontros nesta fase, porém, foram �des-viados� dos itens da reforma pela entrada naagenda da questão da licença do serviço públicopara o exercício do mandato classista. A inclusãodesta questão deveu-se à edição da MP no 1522/96,regulamentando e restringindo as licenças dosrepresentantes sindicais. Essa MP foi interpretadapelas EAs dos servidores públicos como um ataquefrontal do governo. Este, por sua vez, entendia aênfase do FCTE neste item como uma demonstra-ção da prevalência dos interesses corporativos dosrepresentantes das EAs sobre os interesses gerais,seja dos servidores, seja do serviço público.

Nota-se que, nesses encontros, o FCTE come-ça a defender com mais insistência os interessesdos servidores em geral. Em uma reunião, porexemplo, foi reivindicado o aumento salarial linearpara todo o funcionalismo, pleito cuja apreciação asecretária-geral do MARE afirmou não ser de suaalçada, e sim da Câmara de Política Econômica,onde o Ministério não tem assento. O episódiomais uma vez demonstra a natureza multilateraldas negociações trabalhistas não-institucionaliza-das, que não deixam claro o escopo da responsa-bilidade dos negociadores e os canais competentesde interlocução. Posteriormente, os representantesdo FCTE sugeriram a ampliação das discussõespara as demais entidades e movimentos dos servi-dores públicos, obtendo como resposta que �o

MARE só dialogará com o Fórum, ninguém mais�.63

Neste contexto, o Fórum passou a assumir maisclaramente a tática de ampliação das alianças peloreforço das demandas gerais, abrindo mão de suasquestões específicas.64 Em face dessa posição, asecretária-executiva do MARE transmitiu mensa-gem do ministro Bresser Pereira na qual esteafirmava

[...] que teria para estas categorias e carreiras

[típicas de Estado] um projeto de revitalização,

passando por remuneração, treinamento, concur-

sos anuais, e que as entidades representativas

dessas carreiras e categorias deveriam ser vistas

como colaboradores no desenho da reforma ne-

cessária, dado o alto nível de seus técnicos, que

em muito poderiam contribuir com ela, e que ele

[ministro Bresser Pereira] estaria disposto a rece-

ber todas as entidades para falar pessoalmente

com seus representantes.

Mas, a essa altura, parece que a posição doFórum, qua entidade coletiva, de oposição gene-ralizada à reforma já estava definida. É importantesalientar que essa é a posição coletiva do Fórum,porque individualmente cada EA continuava bus-cando canais particularizados, seja junto ao MARE,seja junto a outras autoridades governamentais,para negociar pontos específicos de interesse deseus representados.

Do ponto de vista do processo negocial, essasegunda rodada acentuou uma característica jápresente nos primeiros encontros entre governo eFCTE, a saber, os problemas de comunicação e decontinuidade. Diversos entrevistados, do lado go-vernamental e do lado do Fórum, salientaram quea cada encontro as conversas tinham início doponto zero.65 Não havia avanço, seja na concessãode demandas mútuas, seja na fundamentação deargumentos para as posições apresentadas. Naverdade, nunca ficou muito claro se os encontroseram de fato uma negociação, no sentido de aspartes estarem dispostas a oferecer concessõesmútuas em torno de itens bem definidos e pontu-ais. A única exceção refere-se à questão da licençapara o exercício do mandato classista. O FCTEmobilizou-se intensamente para a produção de

Page 25: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

REFORMA ADMINISTRATIVA E RELAÇÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO 139

documentos fundamentando suas posições e con-cordou com o MARE que poderiam ser identifica-dos abusos nas licenças para o exercício do man-dato classista. O MARE também se mostrou maleá-vel à discussão, admitindo revisão das regras paraconcessão da licença, embora tenha salientadoque a �questão da [não] remuneração [dos repre-sentantes sindicais] é inegociável e que não depen-de só do MARE�.66

O desfecho dessas negociações já foi indica-do no início desta seção. O governo enviou umprojeto definindo as carreiras típicas de Estado,sem consultar o FCTE e, aparentemente, sem aparticipação do MARE na sua definição. Pode-sedizer que as conversações não levaram a nada,nem mesmo a um impasse! Digo nem ao impasseporque não há registro de nenhuma discussãoespecificamente focalizada na definição das carrei-ras típicas, interesse central do FCTE e justificativado MARE para �negociar� com os representantesdo Fórum. Desde o início das conversações, osatores pareciam saber que nenhuma decisão seriatomada em seus encontros. Do ponto de vistalegal, qualquer decisão ou acordo feito nessasreuniões não poderia ser mesmo definitivo, já quecabe ao Congresso promulgar as leis que regem asrelações de trabalho no setor público. Do ponto devista político, no entanto, os ganhos de um acordomínimo alcançado antes do envio do projeto aoCongresso seriam significativos. Por um lado, �eco-nomizar-se-ia� recursos políticos do governo e dasEAs gastos no processo legislativo, pelo menos noque concerne aos itens acordados. Por outro lado,o próprio serviço público poderia se beneficiar deuma interlocução construtiva, já que, como notouo ministro Bresser, os membros do FCTE poderiamser �colaboradores no desenho da reforma neces-sária, dado o alto nível de seus técnicos, que emmuito poderiam contribuir com ela�. Nem ogoverno, nem o FCTE obteriam tudo o que dese-jam. A realidade, porém, é que a negociação seimpôs mas não diretamente, nem em um foroespecífico para tal. O que explica esse resultado?Essa pergunta será analisada na próxima seção,onde também concluo apontando algumas liçõesdesta análise e sugerindo algumas questões parapesquisas posteriores.

Conclusão

Conforme adiantei na introdução, o resulta-do das negociações analisadas na seção anteriorpode ser melhor compreendido levando-se emconta fatores institucionais � as relações de traba-lho no setor público brasileiro � e organizacionaisdas EAs do servidores públicos e do própriogoverno. Na minha avaliação, esta história ilustrabem como estes fatores são relevantes na determi-nação da forma, do processo e do resultado dasinterações entre o MARE e o FCTE.

Entre os fatores institucionais, o mais relevan-te é a inexistência de um canal permanente, institu-cionalizado e dedicado exclusivamente ao trata-mento das questões trabalhistas no setor público.Mesmo que esse canal (agência, divisão, comissãoou qualquer outro formato institucional) tenhacaráter apenas consultivo, sua mera existência éconducente ao diálogo e ao aprendizado dos pro-cessos e procedimentos de negociação, como mos-tram diversas experiências internacionais referidasna segunda seção. Certamente, não se instaurariaum mundo de harmonia entre os atores, mas sefomentaria sua convivência a partir de regras co-nhecidas e estáveis. No caso em questão, o apren-dizado é prejudicado por diversos fatores, como anão institucionalização � ou sua tentativa tardia �de um canal formal e permanente de negociação e anão continuidade dos tópicos e temas de discussão,ocasionada pela inexistência de memória das nego-ciações. A própria definição dos interlocutores eradificultada, pois os negociadores também não erampermanentes, dos dois lados da mesa. Apenas asecretária-executiva do MARE tornou-se uma inter-locutora mais freqüente. Do lado do FCTE, há váriasreferências à necessidade de se fixar um únicointerlocutor com o governo e de que, nas suaspróprias reuniões, as EAs componentes mandemsempre o mesmo representante. Está em pauta aí aquestão da continuidade e do aprendizado. Emqualquer negociação, os interlocutores aprendem ase conhecer e esse aprendizado facilita o entendi-mento, se não substantivo, pelo menos do proces-so, dos termos e dos limites da negociação.

Indicativos da baixa institucionalização po-dem ser encontrados também na própria legisla-

Page 26: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

140 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

ção. O direito de greve para os servidores públicos,garantido pela Constituição, não foi regulamenta-do. O papel das EAs dos servidores públicos vis-à-vis os administradores públicos também é bas-tante indefinido, já que não existe política oudiretriz do governo determinando como elas po-dem ser integradas na administração pública. Essassão questões prementes, uma vez que, com astransformações promovidas pela reforma adminis-trativa, especialmente a mudança do regime traba-lhista da maioria dos funcionários públicos, terá dehaver também uma transformação nas relações detrabalho no setor público. Como serão estrutura-das as relações de trabalho no setor público?Haverá negociação coletiva institucionalizada? Sesim, estas serão feitas por ministérios ou por órgãosespecíficos? As agências executivas negociarão di-retamente com seus servidores? Conhecer a opi-nião dos atores sobre essas questões é fundamen-tal tanto do ponto de vista da formulação depolíticas públicas para esta área, como para oavanço do conhecimento acadêmico das relaçõesde trabalho no setor público.

Com relação aos fatores organizacionais,cabe ressaltar, considerando-se as EAs, duas or-dens de questões. Uma diz respeito ao Fórumcomo entidade coletiva, a outra refere-se à compo-sição de cada entidade individualmente. Quanto àprimeira questão, ficou claro que o FCTE, apesarde ter adquirido uma certa coesão organizacional,não logrou se constituir em uma entidade perma-nente, orgânica. Debatendo-se entre a adoção deuma identidade que o aproximasse da massa dosservidores públicos e outra mais restrita, que res-saltasse suas diferenças e especificidades, o FCTEtermina não logrando construir uma forte identida-de coletiva. Há também a questão, referida emquase todas as entrevistas com membros do FCTE,da manutenção da independência de cada entida-de individual no Fórum. Na verdade, como algunsepisódios demonstraram, as entidades filiadas aoFCTE estavam dispostas a se beneficiar da açãocoletiva possível, mas não se dispunham a abrirmão de uma ação individual, mesmo no caso deela prejudicar a unidade do Fórum. Sem dúvida, afalta de organicidade do FCTE impede que eletenha uma postura mais propositiva: se a unidade

exigida para um acordo em torno de uma agendanegativa (�o que devemos ser contra�) é relativa-mente fácil de ser construída, é muito mais difícilfazê-lo com uma agenda positiva (�o que propo-mos que seja modificado e como�). Em parte, aimpossibilidade de o Fórum fazer propostas posi-tivas advém dessa característica. Como foi mostra-do, até mesmo membros do FCTE reconheciamesse ponto fraco.

Do ponto de vista das entidades individuais,é importante salientar a sua composição. Emboranão tenha sido possível obter dados comparativospara uma avaliação mais abalizada, é surpreenden-te o número de aposentados nas EAs de servidorespúblicos no Brasil. Entre os componentes do FCTE,essa proporção é ainda maior que nas outras EAs.Sem dúvida, a preocupação central dos represen-tantes destas entidades tem de estar dividida entrea defesa dos interesses, remuneração e condiçõesde trabalho dos servidores ativos e a defesa dostatus quo para os servidores aposentados. Essa�necessidade� tem fortes impactos sobre as posi-ções do Fórum, justificando, em particular, suadificuldade de negociar pontos específicos e parti-culares da reforma administrativa.

Do lado do governo, a característica organi-zacional mais relevante é a falta de definição clarade quem fala em seu nome e até onde pode falarnos contatos com as EAs dos servidores públicos.O ministro não parece ser uma instância adequadapara entabular negociações com os servidorespúblicos. Não porque elas não sejam importantes osuficiente para atrair sua atenção, mas porque oministro certamente não dispõe do tempo necessá-rio para se dedicar e cultivar esse relacionamento,até que ele comece a dar frutos. Acredito que omesmo se aplica ao secretário(a)-executivo(a) doMinistério. Poder-se-ia argumentar que qualquerinstância inferior a essas não teria capacidadedecisória, já que a história mostra que mesmo essasinstâncias superiores não têm capacidade decisóriafinal. No entanto, o importante não é que asdecisões sejam tomadas na mesa de negociação,mas que todos os atores possam ter certeza de queseus argumentos foram considerados e que, casonão adotados, serão apresentadas boas razões paraas decisões tomadas.

Page 27: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

REFORMA ADMINISTRATIVA E RELAÇÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO 141

Diversos temas e questões, apenas tangen-ciados neste artigo, têm de ser desenvolvidos empesquisa posteriores. Só para citar alguns exem-plos: os dados sobre o sindicalismo no setorpúblico obtidos durante a realização desta pes-quisa estão subutilizados e certamente merecemum trabalho específico; a elucidação das razõesdas variações nos níveis de organização das EAsnos diferentes setores e órgãos do governo noslevaria aos determinantes do processo de forma-ção e organização dessas entidades; a análise deum outro caso onde emerge alguma forma decooperação entre os atores muito nos ensinariasobre as condições para tal; o exame do proces-so de tramitação da reforma no Congresso, daatuação das EAs e do governo neste foro e deseus reflexos nas relações entre os atores esclare-ceria aspectos não analisados aqui etc. Ao levan-tar algumas destas questões neste trabalho, espe-ro ter contribuído para despertar o interesse emseu estudo sistemático.

NOTAS

1 Neste texto uso o termo entidades associativas (EAs) parame referir aos dois tipos de organizações associativas dosservidores públicos: as associações e os sindicatos.

2 Sobre as possibilidades de emergência de cooperação,veja Axelrod (1984).

3 Tais como a correlação de forças políticas no governo eno Congresso Nacional, a composição das entidadesassociativas, os impactos das medidas de reforma, apostura e/ou preferência ideológica e até mesmo carac-terísticas pessoais dos interlocutores.

4 Todas as traduções são do autor.

5 Para um amplo apanhado da literatura publicada noBrasil sobre reforma do Estado, veja Lima Júnior et al.(1998). As principais abordagens teóricas sobre a refor-ma do Estado são discutidas por Kaufman (1998a e1998b). Um bom exemplo deste tipo de abordadem éBlais et al. (1997).

6 Embora com a ressalva de que há casos em que isso nãoé suficiente. Cf. Kaufman (1998a).

7 A literatura da área de administração pública elaborabastante esta questão mas não dá a devida atenção aoscondicionantes políticos da transformação institucional,enfatizando �desenhos ótimos� e soluções tecnicamenteviáveis. A Revista do Serviço Público tem publicadoexcelentes artigos nesta linha.

8 Incluem-se nesse caso tanto a área social � educação,

saúde e assistência social � como atividades típicas emesmo exclusivas do Estado � seguranca, recolhimen-to de imposto, diplomacia etc. �, onde o avançotecnológico dificilmente substitui o trabalho.

9 As dificuldades de reforma nesses setores são muitobem analisadas por Nelson (1997) e Grindle (1998).

10 Para melhor especificação desses fatores veja Lewin etal. (1988).

11 Como notam Freeman e Ichniowski (1988, p. 12): �thepolitical nature of public sector collective bargainingmeans that unions will be interested in trying to influen-ce budget and employment levels, as well as in raisingwages�. Veja também Troy (1994), que, concordandocom essa posição, considera que os sindicatos do setorpúblico defendem uma nova forma de socialismo.

12 De certa forma, isso diferencia o setor público doprivado, uma vez que o empresário pode negociaracordos com sindicatos sem pensar nas �externalidades�macroeconômicas da negociação, preocupando-se ape-nas com sua própria condição.

13 Treu et al. (1987, pp. 13-14) apontavam esta tendência.

14 Um detalhamento dessas regulamentações é feito porTreu et al. (1987).

15 Embora se possa argumentar que, com o recurso àJustiça do Trabalho, a lógica bilateral não tem sidohistoricamente dominante no Brasil. Mudanças recen-tes, no entanto, apontam na direção de sua prevalência.

16 Esta observação refere-se ao instituto da negociaçãocoletiva nos EUA, mas certamente pode ser estendidapara dar conta de outras formas de interação e negoci-ação entre os Estados e as EAs.

17 O número entre parênteses é a taxa de cobertura dosacordos coletivos para os setores público e privado.

18 Beumont (1992, p. 51) usa o termo �unionateness� paradescrever a aquisição, pelas EAS dos servidores públi-cos, de um cárater cada vez mais sindical.

19 Lewin et al. (1988) chamam a atenção para uma �segun-da onda� de negociações coletivas que tem na restriçãofiscal seu principal elemento enquadrador. Este pontotambém é levantado por Treu et al. (1987), Córdova(1985) e Yemin (1993).

20 Exemplos destes estudos são Roth (1987), Smith (1993)e Taylor (1984).

21 Seguindo o Federal Quality Institute do governo norte-americano, entendo sucesso, neste caso, não como aobtenção de resultados particulares, mas como o esta-belecimento de uma relação institucionalizada e/ouformas de resolução de conflito institucionalizadas.�Success in this area of activity [labor relations practice]is usually measured by the parties as a change in attitudeand practices, a spirit of adventure, and the developmentof confidence that many, if not most, problems areresolvable over time.� (Federal Quality Institute, 1994, p.6).

22 Aponto apenas as condições políticas e administrativas/institucionais de natureza geral � em contraposição

Page 28: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

142 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

aos passos/medidas específicas que podem facilitar aemergência da cooperação, tais como objetividade (ata-car um problema de cada vez e identificá-lo precisamen-te), paciência (é um processo longo que não tem lugarpor um fiat), escolher uma área inicial de teste paracooperação na qual o sucesso seja mais provável e irexpandido para áreas mais difíceis gradualmente; trei-namento em técnicas de negociação.

23 De acordo com Farquhar (1996, p. 11), �there is a strongargument that the first step has to come from manage-ment, as this is where traditional forms of power �finances, resources allocation, business decision making� have rested.�

24 A Inglaterra de Tatcher, por exemplo, é vista como umcaso singular, uma vez que havia uma forte cargaideológica do governo contra os sindicatos. Cf. Beau-mont (1996).

25 Sobre a legislação brasileira veja Brito Filho (1996).

26 Inclusive, o Regime Jurídico Único facilita seu financia-mento, possibilitando o desconto em folha das taxas defiliação.

27 Para uma discussão dos dilemas do sindicalismo dosetor público na criação de uma identidade própria, vejaAlmeida (1996).

28 Guedes (1994) e Fundap (1993) também tratam dosurgimento de entidades sindicais no setor público, masnão elaboram muito o tema.

29 Embora o tamanho dos sindicatos, sua abrangênciaterritorial, a taxa de sindicalização por órgãos da admi-nistração e outras informações sejam relevantes, não háespaço neste artigo para uma análise mais detalhadadestas características das EAs. Esses dados foram publi-cados em Cheibub e Locke (1999).

30 Isso é opinião corrente tanto entre os entrevistadoscomo na escassa literatura existente. No entanto, nãoconheço estudos sistemáticos que fundamentem essapercepção.

31 As informações das tabelas que se seguem foram obti-das na Secretaria de Recursos Humanos do extintoMinistério da Administração e Reforma do Estado(MARE) e se referem ao mês de setembro de 1999.

32 �I - Advogado da União, Procurador da FazendaNacional e Assistente Jurídico da Advocacia-Geral daUnião; II � Procurador e Advogado dos órgãos vincula-dos à Advocacia-Geral da União; III � Defensor Públicoda União; IV � Policial Federal, Policial Rodoviário ePolicial Ferroviário Federal.�

33 De acordo com as entrevistas realizadas, o projeto foigestado na Casa Civil, sem participação direta do MARE.

34 Diniz e Boschi (s/d.), por exemplo, consideram que ogoverno excluiu totalmente as EAs do processo dereforma.

35 Ademais, a implementação da reforma administrativa émuito recente e os casos de efetiva transformação

institucional ainda são muito incipientes, o que tornaimpossível um estudo mais sistemático deste processo.Não resta dúvida, porém, que apenas com estudos destanatureza poderemos aprofundar as questões tratadasneste artigo. Certamente, a transformação de órgãos dogoverno federal em agências executivas e organizaçõessociais fornecerá excelente material para o tratamentodessas questões.

36 De acordo com algumas entrevistas, o Fórum já vinha sereunindo informalmente há algum tempo, mas não hánenhum registro dessas reuniões.

37 Relatório de Atividades, ANFIP, 1994.

38 Em algumas entrevistas fica claro que o ministro Romil-do Caim gozava de prestígio junto a entidades sindicais,especialmente sindicatos gerais. Parece que a estratégiado governo Itamar Franco era isolar os funcionários daelite do serviço público e atender os desvalidos,fazendo aliança com os funcionários do PCC, o setorpúblico mais numeroso e mais mal remunerado.

39 A propósito, o primeiro instrumento legislativo a tratardas carreiras típicas de Estado data de 1974 e enumeraas áreas em que os servidores públicos, devido ànatureza das funções executadas, deveriam ser regidospor um regime estatutário próprio e gozar da garantia daestabilidade. Para uma boa discussão e histórico daconstituição das carreiras típicas de Estado, veja doc.FCTE, Internet.

40 Doc. FCTE, 18/8/1994.

41 Em ata de reunião realizada em 10 de janeiro de 1995,um integrante do Fórum sugere que �o ministro Bresserfalou que o regime estatutário deve prevalecer para ascarreiras que cuidam dos interesses do Estado e que épor esse caminho que devemos buscar as melhoriassalariais�.

42 A FENAFISP, a FENAPEF e a UNASLAF são federaçõesnacionais que congregam EAs estaduais. Essas trêsentidades não aparecem nas tabelas que se seguemnesta seção porque as informações não se aplicam a estetipo de entidade federativa. A UNACON fundiu-se como SINATEFIC, formando uma só diretoria; por isso estasentidades aparecem juntas nas tabelas.

43 Muitos entrevistados manisfestaram a percepção de queesta estrutura impedia maior continuidade e articulaçãodas ações do Fórum.

44 Entre 1994 e 1997 o FCTE reuniu-se pelo menos 46vezes. É provável que esse número seja bem maior, poisnão consegui contabilizar a totalidade dos encontros.Todas as reuniões realizadas foram transcritas em atas,que posteriormente eram enviadas a todos os membros.

45 O Fórum organizou dois seminários e pelo menos trêscampanhas públicas.

46 A entrada no Fórum dependia da aprovação de seusmembros. A decisão era tomada com base no parecer deum dos membros. Há casos de recusas de filiação e depedidos de mais informações sobre as atividades dospleiteantes, o que demonstra um certo rigor na admissão.

Page 29: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

REFORMA ADMINISTRATIVA E RELAÇÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO 143

47 Ata de reunião, 1/8/1995.

48 A ADB é a associação que menos participou das reuni-ões do Fórum no período 1994-1998. Houve até propos-ta de desfiliação desta entidade, mas decidiu-se pormantê-la no FCTE.

49 Este fato é reconhecido pelos negociadores do MAREnas entrevistas concedidas.

50 Não apresento esta informação por entidade apenaspara manter certa discrição acerca das finanças de cadaentidade individualmente.

51 Por exemplo, a posição do governo contrária à conces-são de reajustes salariais a todos os servidores públicosrespaldava-se muito no fato de que qualquer aumentopara os servidores da ativa implica também aumentopara os aposentados, o que oneraria excessivamente afolha de pagamentos.

52 Refere-se ao PCC.

53 Em abril o Fórum recusou-se a comparecer a umaaudiência no MARE, argumentando que as entidadesainda não tinham posição definida sobre a reforma,pois não tiveram tempo de discutir com suas bases. Háreclamações de que o Fórum tem demorado muito a sereunir. Ata de reunião, 6/4/1995.

54 No mesmo período, o Fórum fez publicar nos jornais deBrasília manisfesto contrário à MP 831/95, em umatentativa de ganhar apoio pela ampliação do escopo dadiscussão. A divulgação do manifesto como uma estra-tégia do FCTE denota a ausência de canais instituciona-lizados de consulta e negociação com o governo.

55 Ata de reunião, 13/7/1995.

56 Cf. Folha de S. Paulo, �Funcionários se organizam contraprojeto de Bresser�, e entrevista com o coordenador doFórum em que este emite opiniões bem contrárias aoconteúdo da reforma.

57 Ata de reunião, 28/7/1995.

58 I d e m .

59 Durante esse processo, aparecem mais claramente osproblemas de ação coletiva do Fórum. Várias carreirasbuscaram uma definição de carreira típica de Estado queexcluía boa parte dos membros do FCTE.

60 Não consegui saber se a secretária-executiva e outrasautoridades convidadas efetivamente participaram doseminário.

61 Se houve algum encontro formal entre o MARE e oFCTE, não há sobre ele nenhum registro.

62 Ata de reunião, 21/4/1997.

63 Ata de reunião com a secretária-executiva do MARE, 5/5/1997.

64 Nesse sentido, intensificam-se as articulações com ou-tros movimentos de servidores públicos. Ata de reu-nião, 21/4/1997.

65 Antes dessa reunião, o FCTE enviou ao Ministériodocumento com suas posições sobre o mandato classis-ta, mas a secretária-executiva não recebeu o documen-

to. Em muitas entrevistas nota-se que não há continuida-de-memória no processo de negociação.

66 Ata de reunião, 17/7/1997.

BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de. (1996), Criseeconômica e interesses organizados. São Pau-lo, Edusp.

AXELROD, R. (1984), The evolution of cooperation.Nova York, Basic Books.

BACCARO, Lucio e LOCKE, Richard M. (1996), Publicsector reform and union participation: the caseof the Italian pension reform. Cambridge, MITSloan School of Management Working Paper,September.

BARBERIS, Peter (ed.). (1997), The civil service in anera of change. Aldershot, Inglaterra/Brookfi-eld, EUA, Dartmouth Publishing Company Ltd.

BEAUMONT, P.B. (1992), Public sector industrialrelations. Londres/Nova York, Routledge.

__________. (1996), �Public sector industrial relationsin Europe�, in Dale Belman et al. (eds.),Public sector employment in a time of transiti-on, Madison, Wisconsin, Industrial RelationsResearch Association.

BEKKE, Hans A.G.M. et al. (eds.). (1996), Civil servicein comparative perspective. Bloomington/In-dianapolis, Indiana University Press.

BELMAN, Dale et al. (eds.). (1996), Public sectoremployment in a time of transition. Madison,Wisconsin, Industrial Relations Research Asso-ciation.

BLAIS, André et al. (1997), Governments, parties, andpublic sector employees: Canada, United States,Britain and France. Pittsburgh, University ofPittsburgh Press/McGill-Queen�s University Press.

BOEHM, Randolph H. e HELDMAN, Dan C. (1982),Public employees, unions, and the erosion ofcivic trust: a study of San Francisco in the1970s. Frederick, Maryland, Aletheia Books/University Publications of America Inc.

BRESSER PEREIRA, Luis Carlos. (1998), A reforma doEstado para a cidadania: a reforma gerencialbrasileira na perspectiva internacional. SãoPaulo/Brasília, Ed. 34/ENAP.

Page 30: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

144 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. (1996), Asindicalização no serviço público. Curitiba,Genesis.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. (1994), Política salarialno setor público: qualidade dos serviços, car-reiras e isonomia (síntese do seminário e con-clusões). Brasília, dezembro.

CANANEA, Giacinto Della. (1996), �Reforming thestate: the policy of administrative reform inItaly under the Ciampi government�. WestEuropean Politics, 19, 2, April.

CARDOSO, Adalberto Moreira. (1997), �O sindicalis-mo corporativo não é mais o mesmo�. NovosEstudos, São Paulo, Cebrap, 48, julho.

CHEIBUB, Zairo B. e LOCKE, Richard M. (1999),�Reformas administrativas e relações trabalhis-tas no setor público�. Cadernos da ENAP,Brasília, 18.

CHICKERING, Lawrence (ed.). (1976), Public em-ployee unions: a study of the crisis in publicsector labor relations. San Francisco, Institutefor Contemporary Studies.

COHEN, S. (1980), �Does public employee unionismdiminish democracy? �, in Thomas A. Kochan,Collective bargaing and industrial relations:from theory to policy and practice, Ho-mewood, Illinois/Georgetown, Ontario, Ri-chard D. Irwin Inc./Irwin-Dorsey Ltd.

COOK, William N. (1990), Labor-management coope-ration: new partnerships or going in circles?Kalamazoo, Michigan, W.E. Upjohn Institutefor Employment Research.

CÓRDOVA, Efrén. (1985), �Strikes in the public sec-tor: some determinants and trends�. Internati-onal Labour Review, 124, 2, March-April.

CROUCH, Winston W. (1977), Organized civil ser-vants: public employer-employee relations inCalifornia. Berkeley, University of CaliforniaPress.

CURRIE, Janet e McCONNELL, Sheena. (1994), �Theimpact of collective-bargaining legislation ondisputes in the U.S. public sector: no legislati-on may be the worst legislation�. Journal ofLaw and Economics, 37, October.

DINIZ, Eli e BOSCHI, Renato. (s/d.), A reforma admi-nistrativa no Brasil dos anos 90: projeto eprocesso. S/l., mimeo.

FAIRBROTHER, Peter. (1994), Politics and the state asemployer. Londres/Nova York, Mansell Pu-blishing Ltd.

FARQUHAR, Carolyn. (1996), Building success toge-ther: innovative labour-management partner-ships in public sector organizations. Toronto,The Conference Board of Canada.

FEDERAL QUALITY INSTITUTE. (1994), Lessons lear-ned from high-performing organizations in thefederal government. Washington, DC, FederalQuality Institute, February.

FEUILLE, Peter. (1991), �Unionism in the public sec-tor: the joy of protected markets�. Journal ofLabor Research, XII, 4, Fall.

FREEMAN, Richard. (1996), �Through public sectoreyes: employee attitudes toward public sectorlabor relations in the U.S.�, in Dale Belman etal., Public sector employment in a time oftransition, Madison, Wisconsin, Industrial Re-lations Research Association.

FREEMAN, Richard B. e ICHNIOWSKI, Casey (eds.).(1988), When public sector workers unionize.Chicago/Londres, The University of ChicagoPress.

FUNDAP. (1993), Sindicalismo no setor público pau-lista. São Paulo, Secretaria da Administração eModernização do Serviço Público/Fundaçãodo Desenvolvimento Administrativo.

GINNEKEN, Wouter van. (1991), Government and itsemployees: case studies of developing countries.Aldershot, Inglaterra/Brookfield, EUA, Ave-bury Academic Publishing Group.

GRINDLE, Merilee S. (1997), Getting good govern-ment: capacity building in the public sectors ofdeveloping countries. Cambridge, Mass., Har-vard Institute for International Development.

_________. (1998), The social agenda and the politicsof reform in Latin America. S/l., February,mimeo.

GUEDES, Cezar. (1994), �Os trabalhadores no setorpúblico brasileiro: prática sindical, conquistase armadilhas; análise do período pós-1978�, inMinistério do Trabalho/Cesit, O mundo dotrabalho: crise e mudança no final do século,São Paulo, Scritta.

HEREDIA, Blanca e SCHNEIDER, Ben Ross. (1998),The political economy of administrative re-form: building state capacity in developingcountries. S/l., March, mimeo.

Page 31: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

REFORMA ADMINISTRATIVA E RELAÇÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO 145

ICHNIOWSKI, Casey et al. (1996), �What works atwork: overview and assessment�. IndustrialRelations, 35, 3, July.

INSTITUTO CIDADANIA. (1996), Diretrizes para aimplantação do contrato coletivo de trabalhona administração pública direta. São Paulo,fevereiro.

INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. (1994), Note onthe proceedings. Genebra, Joint Committee onthe Public Service, Fifth Session, 26 January-3February.

JOHNSTON, Paul. (1994), Success while others fail:social movement unionism and the publicworkplace. Ithaca, ILR Press.

KAUFMAN, Bruce e KLEINER, Morris (eds.). (1996),Employee representation: alternatives and fu-ture directions. Madison, Wisconsin, IndustrialRelations Research Association.

KAUFMAN, Robert. (1998a), Review essay: approa-ches to the study of state reform in LatinAmerica and post-socialist countries. S/l.

__________. (1998b), �A política da reforma doEstado: um exame de abordagens teóricas�.Revista do Serviço Público, Brasília, ano 49, 1,jan.-mar.

KEARNEY, Richard C. e HAYS, Steven W. (1994),�Labor-management relations and participati-ve decision making: toward a new paradigm�.Public Administration Review, 54, 1, January/February.

KELLY, Michel P. (1980), White-collar proletariat: theindustrial behavior of British civil servants.Londres/Boston, Routledge & Kegan Paul.

KOCHAN, Thomas A. (1988), �A theory of multilateralcollective bargaining in city governments�, inDavid Lewin et al., Public sector labor relati-ons: analysis and readings, Lexington, Mass./Toronto, Lexington Books/D.C. Heath andCompany.

LABOR RELATIONS AGENCY. (1992), The publicservices: industrial relations in Northern Ire-land. Belfast, Labor Relations Agency.

LELCHOOK, Jerry e LAHNE, Herbert. (1972), Collecti-ve bargain in public employment and the meritsystem. Washington, DC, U.S. Department ofLabor, Office of Labor-Management Policy De-velopment, April, mimeo.

LEVITAN, Sar A. e NODEN, Alexandra B. (1983),Working for the sovereign: employee relationsin the federal government. Baltimore/Londres,The Johns Hopkins University Press.

LEWIN, David et al. (1988), Public sector labor relati-ons: analysis and readings. Lexington, Mass./Toronto, Lexington Books/D.C. Heath andCompany.

LIMA JÚNIOR, Olavo Brasil de (coord.) et al. (1998),�Bibliografia seletiva sobre as reformas doEstado: 1985-1996�. Série Estudos, Rio de Janei-ro, Iuperj, 99, maio.

LOCKE, Richard M. e BACCARO, Lucio. (1996), �Lear-ning from past mistakes? Recent reforms inItalian industrial relations�. Industrial Relati-ons Journal, 27, 4.

MILLER, Chris. (1996), Public service trade unionismand radical politics. Aldershot, Inglaterra/Brookfield, EUA, Dartmouth Publishing Com-pany Ltd.

NELSON, Joan. (1997), Reforming social sector gover-nance: a political perspective. S/l., mimeo.

NISBET, Robert A. (1976), �Public unions and thedecline of social trust�, in Lawrence Chickering(ed.), Public employee unions: a study of thecrisis in public sector labor relations, San Fran-cisco, Institute for Contemporary Studies.

NISSEN, Bruce. (1997), Unions and workplace reorga-nization. Detroit, Wayne State UniversityPress.

NOGUEIRA, Arnaldo Mazzei. (1998), Emergência ecrise do novo sindicalismo no setor públicobrasileiro. Trabalho apresentado no XXII En-contro Anual da Anpocs, Caxambu, MG, no-vembro.

NORONHA, Eduardo. (1994), �Greves e estratégiassindicais no Brasil�, in Ministério do Trabalho/Cesit, O mundo do trabalho: crise e mudançano final do século, São Paulo, Scritta.

OECD. (1997), Trends in public sector pay in OECDcountries. Paris, OECD.

PARTRIDGE, Dane M. (1992), �The effect of publicpolicy on the duration of strikes by publicschool teachers�. Journal of Collective Negotia-tions in the Public Sector, 21, 2.

__________. (1994), �Public policy and public sectorstrikes: a review of the literature�. Journal ofCollective Negotiations in the Public Sector,23, 1.

Page 32: REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO … · 2003. 4. 7. · REFORMA ADMINISTRATIVA E RELA˙ÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: dilemas e perspectivas* Zairo B. Cheibub

146 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 15 No 43

PIERRE, Jon (ed.). (1995), Bureaucracy in the modernstate: an introduction to comparative publicadministration. Aldershot, Inglaterra/Brookfi-eld, EUA, Edward Elgar Publishing Ltd.

REID JR., Joseph. (1992), �Future unions�. IndustrialRelations, 31, 1, Winter.

RODRIGUES, Leôncio Martins. (1992), A sindicaliza-ção de classe média. São Paulo, Fundap.

ROTH, Bert. (1987), Remedy for present evils: a historyof the New Zeland public service associationfrom 1890. Wellington, New Zeland PublicService Association.

RUSCIO, Kenneth P. (1997), �Trust in the administra-tive state�. Public Administration Review, 57, 5,September/October.

SCOTT, James C. (1990), Domination and the arts ofresistance. Hidden transcripts. New Haven,Yale University Press.

SMITH, Doug. (1993), Lives in the public service: ahistory of the Manitoba government employees�union. Manitoba Labour Education Centre/Manitoba Government Employee�s Union.

SUMMERS, C.W. (1980), �Public employment bar-gaing: a political perspective�, in Thomas A.Kochan, Collective bargaing and industrialrelations: from theory to policy and practice,Homewood, Illinois/Georgetown, Ontario, Ri-chard D. Irwin Inc./Irwin-Dorsey Ltd.

SUNTRUP, Edward e BARNUM, Darold. (1997), �Rein-venting the federal government: forging newlabor-management partnership for the 1990�s�,in Bruce Nissen, Unions and workplace reor-ganization, Detroit, Wayne State UniversityPress.

SWIMMER, Gene e THOMPSON, Mark. (1995), Publicsector collective bargaining in Canada: begin-ning of the end or end of the beginning? Kings-ton, Canadá, Industrial Relations Centre,Queen�s University.

TAYLOR, Doug. (1984), For dignity, equality andjustice: a history of the Saskatchewan govern-ment employees� union. Regina, Canada.

TENDLER, Judith. (1995), Social capital and the publicsector: the blurred boundaries between privateand public. S/l., mimeo.

TOLEDANO, Ralph de. (1975), Let our cities burn.New Rochelle, NY, Arlington House Publi-shers.

TREU, Tiziano et al. (1987), Public service labourrelation, recent trends and future prospects: acomparative survey of seven industrializedmarket economy countries. Genebra, Internati-onal Labour Office.

TROY, Leo. (1994), The new unionism in the newsociety: public sector unions in the redistributi-ve state. Fairfax, Virginia, George Mason Uni-versity Press.

U.S. OFFICE OF PERSONNEL MANAGEMENT. (1993),Federal labor-management cooperation: a gui-de to resourcers. Washington, DC, U.S. Officeof Personnel Management, July.

VERMA, Anil e CUTCHER-GERSHENFELD, Joel.(1996), �Workplace innovation and systemschange�, in Dale Belman et al. (eds.), Publicsector employment in a time of transition, Ma-dison, Wisconsin, Industrial Relations Resear-ch Association.

WARRIAN, Peter. (1996), Hard bargain: transformingpublic sector labour-management relations.Toronto, McGilligan Books.

WELLINGTON, Harry H. e WINTER JR., Ralph K.(1971), The unions and the cities. Washington,DC, The Brookings Institute.

WISE, Lois Rescascino. (1996), �Internal labor ma-rkets�, in Hans A.G.M. Bekke et al., Civilservice in comparative perspective, Blooming-ton/Indianapolis, Indiana University Press.

WISHNIA, Judith. (1990), The proletarianizing of thefonctionnaires: civil service workers and thelabor movement under the Third Republic.Baton Rouge, Louisiana/Londres, LouisianaState University Press.

YEMIN, Edward. (1993), �Labour relations in thepublic service: a comparative overview�. In-ternational Labour Review, 132, 4.