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O Grupo Folclórico “Os Lusíadas” do Centro Português de Maringá/PR como elemento de preservação da memória imigrante portuguesa através do folclore: um estudo de caso. Márcio José Pereira A década de 1960 do século XX é considerada uma das mais intensas em termos de transformações políticas e sociais: o mundo vivia o tempo da chamada Guerra Fria e em permanente sobressalto. Foi uma época de amplas e rápidas mudanças dos costumes. Um tempo de contestações, tempo em que os estudantes se rebelavam contra os modos e maneiras estabelecidos e contra os governos em muitos países, com amplos reflexos na cena brasileira. Foi nesta década que os costumes tradicionais resultaram mais contestados; pouca atenção parecia ser dada à autoridade ascendente (pais, avós e idosos em geral) e às tradições. Uma época na qual, de forma abrangente, a juventude era embalada por ditados tais como: “é proibido proibir”, “quem sabe faz a hora, não espera acontecer” e “faça amor, não faça guerra”. Um tempo em que, principalmente os jovens, não raro, passavam por cima das convenções sociais. Movimentos como o ecológico, o feminista, o gay, o negro, surgiram na década de 1960 ou adquiriram importância muito grande naquele momento. No Brasil, o Tropicalismo enchia o mundo com novas melodias, fazendo parte de uma revolução musical que, em nível mundial, viria observar o fenômeno do surgimento dos Beatles e dos Rolling Stones. O Brasil, desde o ano de 1964, vivia sob um regime autoritário e a turbulência social era uma possibilidade. Em 1965, o Brasil patrocinava o lançamento do seu primeiro satélite artificial, o Intelsat-I, com apenas 240 canais de voz ou telefônicos e um de transmissão de imagens ou televisão e ao final da década o país já teria várias de suas cidades interligadas por micro-ondas. Foi uma década na qual as telecomunicações e os meios de comunicação davam consistentes mostra da integração comunicacional do planeta, caminho aberto para a globalização e para os processos de relativização e desvalorização de tudo o que pudesse ser considerado tradicional, tal como os anos vindouros acabariam mostrando. Universidade Estadual do Paraná Campo Mourão, Doutorando em História na Universidade Federal do Paraná, CAPES/CNPQ.

de preservação da memória imigrante portuguesa através do ... · no concelho de Figueira da Foz, distrito de Coimbra, Portugal, respectivamente nas vilas de 3 Seu Manuel e dona

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O Grupo Folclórico “Os Lusíadas” do Centro Português de Maringá/PR como elemento

de preservação da memória imigrante portuguesa através do folclore: um estudo de

caso.

Márcio José Pereira

A década de 1960 do século XX é considerada uma das mais intensas em termos de

transformações políticas e sociais: o mundo vivia o tempo da chamada Guerra Fria e em

permanente sobressalto. Foi uma época de amplas e rápidas mudanças dos costumes. Um tempo

de contestações, tempo em que os estudantes se rebelavam contra os modos e maneiras

estabelecidos e contra os governos em muitos países, com amplos reflexos na cena brasileira.

Foi nesta década que os costumes tradicionais resultaram mais contestados; pouca atenção

parecia ser dada à autoridade ascendente (pais, avós e idosos em geral) e às tradições.

Uma época na qual, de forma abrangente, a juventude era embalada por ditados tais

como: “é proibido proibir”, “quem sabe faz a hora, não espera acontecer” e “faça amor, não

faça guerra”. Um tempo em que, principalmente os jovens, não raro, passavam por cima das

convenções sociais. Movimentos como o ecológico, o feminista, o gay, o negro, surgiram na

década de 1960 ou adquiriram importância muito grande naquele momento. No Brasil, o

Tropicalismo enchia o mundo com novas melodias, fazendo parte de uma revolução musical

que, em nível mundial, viria observar o fenômeno do surgimento dos Beatles e dos Rolling

Stones.

O Brasil, desde o ano de 1964, vivia sob um regime autoritário e a turbulência social era

uma possibilidade. Em 1965, o Brasil patrocinava o lançamento do seu primeiro satélite

artificial, o Intelsat-I, com apenas 240 canais de voz ou telefônicos e um de transmissão de

imagens ou televisão e ao final da década o país já teria várias de suas cidades interligadas por

micro-ondas. Foi uma década na qual as telecomunicações e os meios de comunicação davam

consistentes mostra da integração comunicacional do planeta, caminho aberto para a

globalização e para os processos de relativização e desvalorização de tudo o que pudesse ser

considerado tradicional, tal como os anos vindouros acabariam mostrando.

Universidade Estadual do Paraná – Campo Mourão, Doutorando em História na Universidade Federal do Paraná, CAPES/CNPQ.

2

Em 1968, o Regime Militar baixou o Ato Institucional no. 5, endurecendo ainda mais

as ações contra seus opositores. Começavam naquele ano os tempos dos slogans nacionalistas

tais como: “Ninguém segura este país” ou ainda, “Brasil, ame-o ou deixe-o”. 1968 foi o ano

da Passeata dos Cem Mil, uma manifestação popular que tomou as ruas protestando contra o

autoritarismo no país.

[...] 1968 foi um ano muito especial, foi a primeira manifestação da globalização antes

mesmo de a globalização existir. À medida que passa o tempo, você tem certeza de

que foi um momento especial. Um momento de uma sintonia mágica, misteriosa, que

fez as coisas acontecerem ao mesmo tempo em países de regimes diferentes. [...] eles

mudaram os costumes, mudaram os hábitos, mudaram a maneira de pensar, a maneira

de ser, os valores. Quando você olha para hoje, muitas das conquistas da modernidade

foram gestadas ou nasceram em 68. O legado de 1968 é inegável.1

Foi no contexto da década de 1960, exatamente no ano de 1968, no frio mês de junho,

o das festas juninas no Brasil e de lembranças das festas “joaninas” de sua terra natal, lá em

Portugal, que o senhor Manuel Dias da Silva, cidadão português, sentindo saudades da pátria

distante e manifestando seus anseios por mostrar aspectos da cultura de sua terra natal, fundou

um grupo de danças folclóricas tradicionais portuguesas em Maringá.

No meio àquele turbilhão de significativas e permanentes mudanças sociais e culturais

e na contramão de todo aquele movimento e respectivas atitudes e tendências que constituíam

um drástico câmbio de mentalidade verificado à época, que iam contra as “velharias do

passado” e consideravam “coisas ultrapassadas”, “fora de moda” tudo o que se referisse aos

hábitos e costumes estabelecidos e também às tradições, foi neste cenário que ele se volta para

a manutenção de tradições de origem, organiza um grupo folclórico em Maringá e empreende

esforços no sentido do (re)vivenciamento de “tradições e costumes dos antepassados”.

Isto aconteceu no âmbito do Centro Português de Maringá (CEPO), do qual seu Manuel

Dias foi o primeiro Diretor Cultural, ficando no cargo até 1968, quando então assumiu a

Diretoria do Folclore,2 fato este que coincide com a criação de um grupo folclórico no CEPO.

Também foi Presidente do CEPO em duas gestões (1969/70 e 1973/75). Inclusive, foi Diretor

1 VENTURA, Zuenir. Entrevista a Nelito Fernandes. “1969 foi a primeira manifestação da globalização”. In: Ver.

Época, ed. 503, 05 jan. 2008. Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG80900-5856,00.html, consultado em 04/julho/2015.

2 O primeiro diretor do Folclore no CEPO foi o senhor Mario José F. Ferraz (gestão 1964/65), e o segundo diretor

foi o senhor João Alegria Miranda (gestão 1966/67).

3

de Publicidade também nos períodos 1970/71 e 1971/72. Também foi Diretor de Relações

Públicas entre 1979/81 e 1981/83, voltando novamente a ser Diretor do Folclore de 1983 a

1985, cargo este que ocupou em várias gestões.

Junto com o seu Manuel, durante todos os momentos e esforços envidados para a

formação do grupo folclórico, lado a lado, desenvolvendo várias atividades, estava dona Maria

Luiza, sua esposa que durante muitos anos foi a coordenadora do grupo. A presença deles é

motivo de rememorações por parte daqueles que, fazendo parte do grupo, tiveram oportunidade

da convivência e do recebimento de atenções.

Minha mãe nunca ficou um passo atrás do meu pai, em nada na vida [...] sempre

caminhou junto, sempre, lado a lado. Jamais ela teve um papel coadjuvante na vida

dele [...] era uma pessoa forte, embora ela não parecesse. (Alegria) 3,

Ele era o presidente do grupo; ele e a dona Maria Luiza cuidavam do grupo; os dois.

Sempre cuidava muito da gente. E ele tinha muito tempo, muito conhecimento,

conhecia muito os portugueses aqui em Maringá. Ele batalhava muito pelo grupo. Ele

já era aposentado; dedicava a vida dele para o grupo. Ele tinha esta facilidade e esse

tempo de poder cuidar e fazer somente isto. Ele sempre foi muito “pai” da gente; dona

Maria também. (Rossane)4

Eles eram uma referência em todos os aspectos, em todas as conversas, as festas. A

forma como ele apresentava o grupo, como ele trazia as pessoas para o grupo, para as

apresentações, a forma como ele conduzia as festas, conduzia os ensaios, as listas de

presença. Tudo o que ele fazia era muito bem organizado. Muito, muito, muito

organizado, muito mesmo. Era uma pessoa assim, muito respeitada dentro da

sociedade portuguesa. (Marcelo)5

Todo mundo gostava dos dois. Era um casal maravilhoso, acolhia a gente com todo o

carinho. (Tercílio)6

Mas, muito antes deles empreenderem a fundação do grupo de danças, vale entender

suas motivações e origens. Isto porque ambos, seu Manuel Dias e dona Maria Luiza, nasceram

no concelho de Figueira da Foz, distrito de Coimbra, Portugal, respectivamente nas vilas de

3 Seu Manuel e dona Maria se casaram por procuração. “Ele casou aqui, por procuração, com ela lá. Então ela

veio casada. Na época era uma coisa de absoluta exigência, ela não podia vir solteira, teve que casar lá primeiro para depois vir. Acho que o governo português não deixava vir.” FREITAS, Alegria Lucia da Fonseca Dias de. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em 10/jul/2015. Doravante será referida apenas como (Alegria).

4 ROSSANE MARQUES ELIAS. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em 06/jul/2015, em Maringá/PR.

Doravante será referida apenas como (Rossane).

5 FAUSTINO, Marcelo Mincache, cantante no Grupo Os Lusíadas. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia

em 11/jul/2015, em Maringá/PR. Doravante será referido apenas como (Marcelo).

6 TERCÍLIO MEM, primeiro sanfoneiro do Grupo Os Lusíadas. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia em

06/out/2015, em Maringá/PR. Doravante será referido apenas como (Tercílio).

4

Ferreira-a-Nova e Maiorca, perto da aldeia de Alfafar, bem perto de onde nasceu seu Manoel

Pedro Matias, o primeiro presidente do Centro Português.7

Estes eram lugares de intensas manifestações culturais e de preservação de tradições, os

quais, historicamente, abrigam várias festas de origem e prática populares. Na região de

Coimbra, onde fica a cidade de Figueira da Foz, e as vilas de Ferreira-a-Nova e Alfafar, por

exemplo, ao tempo desta pesquisa, existiam quase 50 grupos folclóricos em atividade. É de lá,

pois, que vieram as inspirações “de origem” que sedimentaram as iniciativas do seu Manuel e

de dona Maria e o apoio de seu Manoel Pedro.

Figueira da Foz é uma cidade portuguesa no distrito de Coimbra, que fica na

província histórica de Beira-Litoral (atual região Centro), no distrito de Coimbra, à

margem do Oceano Atlântico; à época do nascimento de seu Manuel constituía apenas

uma pacata cidade litorânea que, pela beleza de suas extensas praias, é conhecida por

“Rainha da Costa de Prata”. Na atualidade, conta com a presença de quatro grupos de

dança folclórica.8

Ferreira-a-Nova é uma vila e freguesia portuguesa do concelho de Figueira da Foz.

Um lugar onde as “manifestações religoso-profanas são parte integrante da cultura

etnográfica local” e cujas “festas seculares têm fortes raízes na freguesia, sendo

conhecidas como as ‘festas do povo e para o povo”. Em uma das festas anuais locais,

a "Festa da chouriça”, os moradores locais costumam oferecer uma garrafa de vinho

e uma chouriça caseira para o leilão, cujos dividendos revertem em favor da comissão

encarregue de organizar a festa do ano seguinte.9

Maiorca é uma vila portuguesa do concelho da Figueira da Foz, distrito de Coimbra.

É referida como uma “terra de um povo muito alegre, que sempre teve suas festas

religiosas, como também as profanas”. Da qual é lembrado que “o povo e a nobreza

saíam à rua para se juntarem em dias de muita festa, como hoje se realiza”, e que, “as

associações desta Vila e os homens e mulheres que se dedicaram a reavivar e perpetuar

no tempo tradições, usos e costumes”. Abriga o FestiMaiorca – Festival Internacional

de Folclore de Maiorca, criado em 1975, em que nas suas apresentações faz-se a

apresentação de trajes típicos na aldeia de Maiorca.10

7 Seu Manuel Pedro Matias, nasceu na aldeia de Alfafar, no distrito de Coimbra, o mesmo em que nasceram seu

Manuel Dias da Silva e dona Maria Lucio da Fonseca Dias. Alfafar dista 47 km de Figueira da Foz, onde nasceu seu Manuel Dias e a 36 km de Maiorca, aldeia onde nasceu dona Maria. Seu Manuel Pedro trabalhou na lavoura, com as lides da terra e com os bois; até os 29 anos este foi o seu serviço.

8 Figueira da Foz; sítio oficial do município. Disponível em http://www.cm-figfoz.pt/, consultado em 24/jul/2015.

9 Ferreira-a-Nova; sítio oficial da freguesia. Disponível em http://freguesiaferreira-a-nova.pt/home.php?t=ct&c=29,

consultado em 24/jul/2015.

10 Maiorca; sítio oficial da freguesia. Disponível em http://freguesiademaiorca.pt/home.php?t=ct&c=27, consultado

em 24/jul/2015.

5

Certamente, além de participarem das festas populares locais, eles também conheciam

a atividade dos grupos folclóricos da região; suas músicas, danças e formas de expressão faziam

parte do acervo de elementos culturais que ambos vivenciavam na juventude.

O ano de 1968, portanto, foi um ano especial também para eles; foi o ano da

concretização de um ideal, um sonho calcado na percepção de que “os portugueses, espalhados

pelos cinco continentes do mundo cantam e dançam com muito orgulho as tradições do povo

português” e que “aqui no Brasil, mais precisamente em Maringá, isto não podia ser

diferente”.11 Para eles era uma realização da família que acabaria contando com a participação

das filhas.

Como que comungando com os anseios então vigentes na cidade que crescia e

progressivamente se transformava, o escritor Galdino Andrade, primeiro presidente da

Academia de Letras de Maringá publicava Eu te amo Maringá, um livro de poesias onde se

podia ler, “eu tenho a graça do sonho para alegrar meu caminho”.12 E tendo a graça de um

“sonho que foi tomando forma e aos poucos se tornou realidade” que seu Manoel e dona Maria

se esforçaram para torná-lo realidade.13 E alguns foram os motivos que impulsionaram e

animaram seu Manuel, conforme ele publicou em 1993 por ocasião do Jubileu de Prata do

Grupo Os Lusíadas.

Em primeiro lugar, a saudade que sentíamos da Pátria tão distante, dos tempos de

nossa juventude sempre participando de grupos folclóricos14, das músicas, dos

cantares. Depois da saudade, vem a vontade de reviver, de compartilhar com os outros

essas lembranças e, ao mesmo tempo, preservar e divulgar as tradições e costumes de

nossos antepassados, pois só dessa maneira se poderá contribuir com a Pátria-Mãe e

tornar realidade que acalentamos durante 16 anos antes de fundarmos o grupo.15

11 SILVA, Manuel Dias. Jubileu de Prata; editorial. In: CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Grupo folclórico Os Lusíadas; jubileu de prata. Maringá: CPM, jun. 1993. p. 3.

12 ANDRADE, Galdino. Eu te amo Maringá. Maringá: Ed. Graf. Ipê, 1968.

13 SILVA, In: CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Grupo folclórico ..., p. 3.

14 Em Figueira do Foz, Distrito de Coimbra, são atuantes os seguintes grupos folclóricos, também chamados de

´ranchos´: Rancho Etnográfico “Os Ferreiros” de Carvalhaes; Rancho das Cantarinhas de Buarcos; Rancho Folclórico da Casa do Povo de Maiorca; Rancho Folclórico “As Salineiras de Lavos” e o Rancho Folclórico Serra do Ceira.

15 SILVA, In: CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Grupo folclórico ..., p. 3.

6

As lembranças da família e dos amigos deixados para trás, as memórias, reminiscências

e vivências dos lugares de origem foram, sem dúvida, motivadores das ações de seu Manuel e

de dona Maria. Pois como bem foi lembrado,

A separação física faz tornar a mente, o coração, os sentimentos, mais intimamente

ligados aos valores dos bens deixados na terra natal. A essas separações aparece algo

que se diz não haver tradução, que é a palavra "saudade". Ao lembrar pessoas, lugares,

pormenores, objetos tem-se o sentimento do que no passado foi agradável, do que

ficou para trás mas que não se quer esquecer. Há quem diga que a saudade é natural

ao povo português, pelas suas qualidades amorosas, pelos diferentes motivos de

separação que ocasionam longos períodos de ausência.16

Significativamente, os “dezesseis anos passados”, referidos por seu Manuel, coincidem,

com a realização das festividades do Centenário do Paraná, ocasião na qual, pela primeira vez

na história paranaense, em festividades promovidas sob a chancela do poder público, alguns

grupos folclóricos de diferentes origens étnicas se apresentaram ao público. Acaso histórico?

Talvez, mas bastante sugestivo pela natureza das manifestações: o reconhecimento das

presenças imigrantes na formação e no desenvolvimento do estado. E, provavelmente, também

a atuação do grupo Alma Lusa, que esteve fazendo apresentação em Maringá nos anos 1960

talvez tenha ajudado a estimular a formação de um grupo de danças folclóricas na cidade. São

possibilidades que em nada diminuem os anseios e vontades do senhor Manuel Dias.

Nós viemos dançar em Maringá, como dançamos em Cambé, em Arapongas, em

Londrina. A época em que viemos dançar em Maringá [...], talvez tenha sido em 1967,

por ocasião do 20º aniversário de Maringá. Pode ser que o Alma Lusa tenha sido o

inspirador para que o pessoal aqui se reunisse e formasse um grupo em Maringá. Eu

acredito que possa ter sido esta a ideia. Quando a gente veio dançar aqui não tinha

grupo, daí todo mundo disse: “porque nós não montamos o nosso? ”. Já que a colônia

aqui era uma colônia boa, razoável, então eu acho que o Alma Lusa pode ter sido

inspirador disto sim. (Joaquim)17

Mas, de fato, descontadas as conjeturas sobre a influência do grupo Alma Lusa, o

começo do grupo folclórico português em Maringá aconteceu a partir de uma apresentação feita

a convite. Foi em 1966. Como que o destino estivesse ajudando na efetivação do grupo, o senhor

16 FISS, Regina Lucia de Sá Brito. A imigração portuguesa e as asssociações como forma de manutenção da identidade lusitana no Brasil. In: Scripta Nova, Universidade de Barcelona, no. 94 (27), 1. ago 2001. Disponível

em http://www.ub.edu/geocrit/sn-94-27.htm, consultado em 30/jun/2015.

17 MARTINS JUNIOR, Joaquim. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia em 06/out/2105, em Maringá/Pr.

Doravante será referido apenas como (Joaquim).

7

Manuel foi convidado pelo Município para fazer uma apresentação de dança portuguesa no

antigo Cine Maringá, na Avenida Getulio Vargas.

Foi no palco de um cinema antigo, aqui de Maringá, num evento da Prefeitura, ou

algo assim. A primeira apresentação foi feita por dois pares, meu pai e eu, e mais um

casal chamado Ester e Jorge. [...] Naquela ocasião foi cantado um vira só com dois

pares. Na época, não era nem um grupo folclórico porque só tinha dois pares. Mas foi

isso que deu início para chamar outras pessoas e formar o grupo que, à época, se

chamou Ala dos Namorados. (Alegria)

No início eram o próprio senhor Manoel Dias e a esposa dele, a Dona Maria Luiza. E

isto aconteceu porque ia ter um evento no antigo Cine Maringá e a comunidade

portuguesa precisava se fazer representar. [...] E aquilo deu tão certo e fez tanto

sucesso que resolveram continuar, porque as pessoas gostaram muito. (Sérgio)18

Formar um grupo folclórico de natureza étnica imigrante lá naqueles tempos era um

desafio, não havia tradição neste tipo de apresentação no Paraná. O mesmo tipo de desafio que

já havia sido enfrentado por seu Manuel Pedro Matias e um grupo de 14 outros portugueses

quando intentaram a fundação do Centro Português, criado quatro anos antes, em 1964.

Disse o senhor Manuel Dias em diferentes ocasiões que:

Sabíamos de antemão que não era fácil, pois os incentivos que nos davam eram

poucos, mas a nossa vontade era grande, e fomos em frente, pois sem batalha não há

vitória.19 As dificuldades eram enormes, mas a vontade de vencer era maior, e pouco

a pouco foram conquistando adeptos para formar um pequeno contingente, destinado

a cantar e dançar.20

E algumas daquelas dificuldades enfrentadas são ainda hoje relembradas por uma de

suas filhas:

Ele tinha apoio de determinados portugueses, mas ao mesmo tempo as pessoas tinham

aquela coisa do imigrante chegado aqui. O foco do imigrante era o trabalho, trabalho,

trabalho. Então, eles achavam que esta coisa de lazer era perda de tempo. Foi difícil

influenciar as pessoas para abraçar esta ideia. Difícil porque, na época, eles achavam

que meu pai estava perdendo tempo, deixando de ganhar a vida para ficar correndo

atrás de folclore. Papai ouviu isto muitas vezes. Ele tinha até umas mágoas a respeito

disso. Algumas pessoas achavam que ele estava se dando ao luxo de deixar de fazer a

18 OLIVEIRA, Sérgio Santos. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em 06/jul/2015, em Maringá/PR.

Doravante será referido apenas como (Sérgio).

19 SILVA, Manuel Dias. Discurso proferido por ocasião de uma solenidade no âmbito do Centro Português de

Maringá, no qual o senhor Manuel discorreu o percurso feito por ele e companheiros para a viabilização do referido Centro. s.d.

20 SILVA, Manuel Dias, no Editorial de CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Grupo Folclórico Os Lusíadas, do

Centro Português de Maringá; jubileu de prata. Maringá/PR: Marco Antonio Publicidade, 1993. p. 3.

8

sua vida trabalhando, para perder tempo, entre aspas, para ir atrás disso. Eles achavam

que isto não ia dar em nada. (Alegria)

Tudo estava por fazer, mas isso não era motivo para que desanimassem. Junto com sua

esposa Maria Luiza foram envidados esforços para que o sonho se tornasse realidade. E após

os percalços do começo também foi lembrado o sequente apoio da comunidade à iniciativa

Os primeiros portugueses que vieram para cá no início, realmente vieram para

trabalhar, então deve ter surgido alguns entraves, alguns problemas [...] que logo

acabaram. Tanto é que acabou que logo surgiu o folclore e as famílias apoiaram; a

minha família apoiou, a família dele apoiou, todos levavam seus filhos lá para dançar.

Na época a gente já queria convivência entre nós, e este foi o motivo pelo qual surgiu

o grupo folclórico. O objetivo era relembrar a época dos nossos pais, relembrar o que

ficou lá pra trás. Este foi um dos motivos. E disso ai as famílias estavam empenhadas

para que a coisa fosse para a frente. Era ao ambiente que nós tínhamos, era o lugar

para nos encontrarmos, os jovens, até porque não tinha muita coisa mais além de

cinema. Só tinha o clube, nós vivíamos no clube. (Abílio) 21

Desta forma, dois anos depois da primeira apresentação no Cine Maringá, é que o grupo

de danças foi formado. Na prática, isto aconteceu na gestão do senhor Anibal dos Santos Matias,

“quando o então diretor Manuel Dias da Silva, juntamente com a esposa e filhas, ensaiou alguns

números de músicas portuguesas, as quais, bem recebidas pelos associados, motivaram o

surgimento [oficial] do grupo folclórico “Ala dos Namorados”.22

A ideia do nome foi do primeiro presidente do Clube, que se chamava Manuel Pedro

Matias, uma pessoa que gostava muito de história, da história de Portugal, e o “Ala

dos Namorados” era o nome de um regimento militar que lutou na batalha de

Aljubarrota. 23 Ele achou interessante. (Sérgio)

Fui eu quem deu a ideia, e ele aproveitou, e trabalharam muito. Eu pus o nome de Ala

dos Namorados, depois eles trocaram para Os Lusíadas. [...] Eu dei mais a ideia do

que propriamente trabalho físico, eu viajava, eu dei as ideias, foram aproveitadas.24

21 COSTA, Abílio. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em 16/novl/2015, em Maringá/PR. Doravante será referido apenas como (Abílio). 22 COSTA, Abílio. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em 16/nov/2015, em Maringá/PR. Doravante

será referido apenas como (Abílio).

23 O nome Ala dos Namorados foi dado em homenagem a um famoso grupo de jovens que pertenciam à cavalaria

medieval portuguesa. Eles tinham idades entre 18 e 25 anos, e nenhum deles era casado, daí surgindo o apelido de “namorados”. Lutaram na batalha de Aljubarrota, formando a ala esquerda da armada portuguesa, uma batalha que teve importância decisiva quanto aos destinos de Portugal como nação e que marcou o início do período de transição da Idade Média para o Renascimento. Eram destemidos, ainda que um pouco inconsequentes e aventureiros, mas pelos seus feitos, muitos deles viriam a tornar-se nos maiores heróis daquela cavalaria. Sobre eles Antônio Campos Júnior escreveu um livro com este título. Ver CAMPOS JÚNIOR, Antônio. Ala dos Namorados. Obra de domínio público disponível em http://cdn.luso-livros.net/wp-content/uploads/2013/07/A-Ala-

dos-Namorados.pdf, consultada em 10/jul/2015.

24 MATIAS, Manuel Pedro. Depoimento prestado a Claudio José Jorge em 10/jan/2009, em Maringá/PR, sobre a cultura portuguesa e a criação do Centro Português de Maringá, disponível em

9

Primeiro foram as conversas trocadas com dona Maria, depois o convencimento das

filhas Lucia Felicidade e Ana Maria Dias, em seguida dos amigos mais próximos.

Dona Maria ajudava onde podia. É da lavra dela a confecção dos primeiros trajes. E

assim, o grupo desenvolveu suas atividades por um bom tempo. Depois, “era um

grupo que havia parado por algum tempo e que havia retomado suas atividades em

setembro de 1970”. (Sérgio)

No tempo do Ala dos Namorados, era um grupo relativamente “catado”; convidava-

se as pessoas, juntavam-se os pares e dançava-se, não era um grupo permanente;

ensaiava-se para as apresentações. Ele não era um grupo cem por cento permanente.

(Joaquim)

Em 1971, o grupo troca de nome para “os Lusíadas”. Dois motivos foram pesquisados

em relação a este fato: pouquíssimas pessoas associavam o nome ‘Ala dos Namorados’ à

história, e o que vigorava era que o sentido conotado de “um grupo de namorados” era o que

prevalecia; já,“Os Lusíadas”, a maior obra da língua portuguesa, escrita por Camões, era um

nome de mais fácil associação e conhecimento. 25

A decisão pela troca de nome aconteceu em uma reunião, ocorrida no âmbito do Centro

Português na qual os presentes foram solicitados a apresentar sugestões. Circunstancialmente,

isto aconteceu após a entrada no grupo de um novo ensaiador, o senhor Joaquim Martins Júnior,

e do primeiro tocador de acordeom, o senhor Tercílio Mem, que estavam nesta reunião. Assim

eles se lembraram do evento no qual ocorreu a definição do nome “Os Lusíadas”.

Os Lusíadas teve este nome porque quando Julio Esteves era Presidente e eu o Diretor

do Folclore fizemos uma reunião de avaliação para mudar o nome do grupo. E por

quê Os Lusíadas? Foi porque naquele ano, ou no ano anterior aconteceu no Clube uma

homenagem ao centenário de Camões. 26 Além dos Lusíadas foram sugeridos outros

nomes. Permaneceu Os Lusíadas porque ele se identificava mais com os portugueses,

e também com o festival camoniano que aconteceria em Maringá. (Serra)

E foi aí, numa reunião, que foi discutido o nome. Estávamos lá numa roda de pessoas

e cada um deu um palpite. Eu também sugeri um nome. Ficou aquela disputa, “qual é

o nome que nós vamos dar? ”. Um dava um palpite, outro dava outro palpite. Na roda

nossa lá cada um dava um palpite. “Vamos ver, qual é o nome? ” Seu Manoel estava

no meio. Acho que sugeri “Portugal em Maringá”, coisa assim. Não me lembro mais

direito. Eu achava que devia levar o nome de Maringá, ou “Maringá português”, mas

não pegou não. Eu achava que era para levar o nome de Maringá para onde nós íamos.

Porque Os Lusíadas, lá no Rio de Janeiro, ninguém saberia de onde é. Na hora eu

https://www.youtube.com/watch?v=CLqLM-x3NKk e https://www.youtube.com/watch?v=cIKvbSyVyDA , degravado e editado em 27 de julho de 2015 por Emilio Carlos Boschilia. 25 OLIVEIRA, Sérgio Santos, entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia.

26Em adição às festividades do centenário de Camões, em 1972, de 16 a 22 de julho, aconteceu em Maringá um

Congresso Internacional de Camonologia.

10

estudei e tinha sugerido qualquer coisa com Maringá no meio. Mas ficou Os Lusíadas.

(Tercílio)

Foi o Manuel Serra, que era um dos dançarinos, quem propôs que a gente colocasse o

nome Os Lusíadas no grupo. Isto porque, Ala dos Namorados era aquele grupo que

existia anteriormente; quando eu cheguei começou um novo grupo, não um novo

grupo, mas um grupo renovado, parte daquele, parte nova, e sentiu-se a necessidade

de colocar um nome mais forte. Por isso o Serra propôs que se chamasse Os Lusíadas.

Isto foi em 1971. Aí trocou-se o nome Ala dos Namorados para Os Lusíadas.

(Joaquim)

E a mudança de nome coincidiu com uma nova forma de ensaiar o grupo e, entre outros

aspectos, aumentou a quantidade de novos participantes e, proporcionalmente, o percentual

relativo de pessoas de outras origens étnicas.

O Ala dos Namorados tinha pouca gente. Eu diria que uns seis pares. Eram as filhas

do seu Manuel, o Serra, o Abílio, o Alcino, ... eram pessoas parentes ou ligadas a essas

famílias. Eram todos portugueses. Depois o grupo chegou a ter uns doze pares,

naquele tempo. Era um grupo bem grande mesmo. [...] depois da minha entrada o

número de participantes aumentou, inclusive o de pessoas não portuguesas. (Joaquim)

Os Lusíadas: importância do grupo de danças folclórico como expoente da cultura

portuguesa no Brasil.

Um dos primeiros e mais evidentes aspectos que definem a importância de um grupo de

danças folclórico é a valorização e a reputação do mesmo no âmbito da organização social que

o acolhe e promove, assim como do meio social no qual atua; no caso do grupo Os Lusíadas a

entidade de acolhimento é o Centro Português e, em primeira instância, o meio social é o

maringaense. Em 1986, o então presidente do CEPO emitiu uma declaração assinada de que “o

Grupo Folclórico Os Lusíadas pertence ao Centro Português de Maringá, conforme consta nos

estatutos da entidade, a qual assume toda e qualquer responsabilidade pelos atos praticados

pelos integrantes do grupo, desde que na função a que o mesmo se destina”. 27

Definido como um grupo “fundado com o objetivo de atender a necessidade de preservar

e transmitir os costumes, lendas e tradições do povo português, aos portugueses natos e seus

27 HENRIQUES, Fernando. Em “Declaração” formalizada em papel timbrado do Centro Português, assinada em

18 de abril de 1986.

11

descendentes, radicados no Brasil, principalmente na cidade de Maringá e região”28, o grupo

folclórico Os Lusíadas é objeto de várias referências no âmbito do Centro Português. Dentre

elas, para dar uma ideia bastante consistente de como esta organização social demonstra e

enxerga a presença e a importância do grupo folclórico, tomemos, por exemplo, algumas delas,

veiculadas por um boletim de divulgação, em setembro de 1974, onde se pode ler:

O Centro Português de Maringá possui [...] um belíssimo grupo folclórico. Suas

atividades estão mais ligadas à cultura e ao teatro. Os sócios e seus filhos sentem-se

felizes sempre que participam das atividades sociais, culturais e recreativas. [...]

Nosso grupo folclórico já se apresentou em todas as principais cidades paranaenses,

no Rio de Janeiro e em Brasília, levando a todas as cidades nossa cultura e tradição.29

E por ocasião do seu Jubileu de Prata, ocorrido em 1989, estas foram as expressões

manifestas:30

Um dos principais fatores de divulgação do Clube, além fronteiras estaduais, é o grupo

folclórico Os Lusíadas. A exemplo do próprio Clube, também o grupo folclórico é

miscigenado. [...] Seus shows são requisitados regularmente por dezenas de cidades

paranaenses, sem prejuízo de exibições em consagrados eventos de caráter nacional.

(p. 11)

Assim, o grupo folclórico Os Lusíadas, por exemplo, desempenha importante papel

na propagação da cultura lusitana – por sinal, muito simpática aos olhos dos

brasileiros, constatada através da receptividade de suas apresentações e dos convites

recebidos para exibições em todo o país. (p. 14)

Os Lusíadas é hoje, no Paraná, um dos principais responsáveis pela divulgação da

cultura de Portugal e de suas diferenciadas regiões. (p. 13)

Um termômetro claro desse comportamento [de integração] são as apresentações do

grupo folclórico Os Lusíadas em diversos clubes sociais da cidade ou em eventos de

grande ou média envergadura promovidos por todos os segmentos da comunidade.

Ao exibir seu talento em outras paragens, o grupo concorre para o bem-vindo

relacionamento com a sociedade, além de difundir a cultura lusitana e divulgar o nome

do Clube. (p. 15)

O grupo folclórico Os Lusíadas constitui hoje um dos mais importantes e procurados

conjuntos do gênero para exibições públicas tanto em âmbito local quanto estadual e

nacional. [Em suas viagens o grupo contribuiu] para saciar a saudade de tantos e

tantos patrícios que há muito não conviviam com as tradições portuguesas. [...] o

grupo faz mais do que levar o folclore aos irmãos de pátria: ele também divulga seu

clube, sua cidade e seu estado. (p. 21)

28 CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Grupo folclórico “Os Lusíadas”; histórico e curriculum-vitae.

Maringá/PR: CPM, s.d. n.p.

29 CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Boletim datado de 12/set/1974. Provavelmente com o objetivo de

divulgar o CEPO e informar a composição da Diretoria.

30 CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Grupo Folclórico Os Lusíadas; jubileu de prata. Maringá/PR: Marco

Antônio Publicidade, 1993.

12

De igual maneira, a importância dada pelo meio social também pode ser vista em outras

manifestações veiculadas nesta oportunidade, inclusive pela própria municipalidade.

Os Lusíadas representam a verdadeira paixão de um povo que ajudou a construir nosso

país e nossa cidade, e leva sua alegria a todos os que apreciam a originalidade da terra-

mãe, a natureza heróica de sua gente e sua disposição de luta. (Prefeitura Municipal

de Maringá)

O grupo folclórico os Lusíadas é sem dúvida um dos grandes orgulhos dos

maringaenses e uma das expressões artísticas mais belas do Paraná. (Câmara

Municipal de Maringá)

Em 1987, o grupo folclórico Os Lusíadas passou a constituir uma entidade social

autônoma, inscrita no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), a partir do que, nesta

condição, apesar de se reportar e prestar contas ao Centro Português, mantém relações com a

comunidade em geral para a apresentação de seus espetáculos.

Um grupo multiétnico desde o começo

Descontada a primeira apresentação no Cine Maringá, em 1968, onde estiveram

presentes apenas portugueses e descendentes diretos, daí em diante, todas as formações do

grupo apresentaram a presença de brasileiros e, em seguida, de descendentes de outros grupos

étnicos.

No começo, lá em 1968, a maioria, eu diria que mais ou menos uns 90 por cento eram

portugueses e filhos de portugueses. [...] Já na época havia estrangeiros no grupo, mas

a maioria eram portugueses ou descendentes. Havia estrangeiros na primeira

formação. (Alegria)

Os que participavam do grupo folclórico eram mais os que dançavam, irmãos de

alguém que dançava; o pessoal que dançava no folclore era mais “familiarizado”.

Naquele tempo eram quase todos portugueses. (Tercílio)

O caráter de participação multiétnica no grupo folclórico português já se tornava

realidade desde as apresentações sequentes, conforme relato de uma das primeiras descendentes

de portugueses a fazer parte do grupo.

13

Havia também duas moças que [...] gostavam muito das danças e atividades, tinham

muita amizade com as meninas e os rapazes naquele tempo, então vieram participar

também e ficaram. (Sérgio)

Eram filhas de ucranianos ou poloneses, por incrível que pareça. Elas ajudavam a

gente a fazer as peças, os teatrinhos, e chegaram até a dançar no grupo. (Alegria)

E a participação destas duas “meninas não portuguesas” foi de tal forma significativa

que assim foram referidas em discurso feito àquela época pelo Diretor do grupo folclórico:

Não podia, no entanto, deixar de destacar a dedicação de duas meninas que, apesar de

não serem portuguesas, de não terem nenhuma obrigação moral para com o clube,

apesar de tudo isso, vibram com as nossas tradições, com os nossos costumes, com

nossa música principalmente. Porque, desde que iniciamos o nosso folclore, elas têm

estado junto conosco prestando sua preciosa ajuda, não só no nosso grupo folclórico,

com em todas as festas por nós realizadas. Essas meninas são a Gisela e a Ingrid

Gulias.31

E esta composição diversificada constituiu motivo de referência por ocasião das

festividades do jubileu de prata da fundação d’Os Lusíadas:

Ao contrário do que se possa imaginar, a maioria dos dançarinos e cantores não é

formada por descendentes de portugueses. É frequente a participação de pessoas de

outras origens étnicas. [...] desde a formação do grupo ele tem elementos de outras

origens, brasileiros principalmente, claro. Nós já tivemos aqui mestiços de japoneses,

alemão, italiano, ucraniano, já tivemos afrodescendentes – os negros. O grupo sempre

acolheu bem e sempre deu muito certo. (Sérgio)

À época desta pesquisa, apenas a Diretora do grupo folclórico, a senhora Maria Helena

Baptista era de nacionalidade portuguesa; o ensaiador, o senhor Sérgio Santos Oliveira era de

nacionalidade brasileira com cidadania portuguesa, e um ou outro dos participantes estava em

busca desta dupla cidadania. Os demais são brasileiros, “90 por cento não são portugueses e

destes 70 por cento, aproximadamente, não tem origem portuguesa”.32

De fato, a perspectiva futura mostra que o vaticínio do primeiro presidente do grupo está

em vias de ser realizado: dia virá em que, possivelmente, a totalidade, ou quase, daqueles que

atuam no grupo folclórico mantendo as tradições portuguesas não serão mais portugueses. É

31 SILVA, Manuel Dias da. Discurso realizado ao final de sua primeira gestão (1969/1970) como Presidente do

CEPO, por ocasião da passagem do cargo ao novo dirigente então eleito.

32 OLIVEIRA, Sérgio Santos. Entrevista.

14

cada vez maior o número de participantes cujas origens étnicas dos participantes não têm raízes

lusitanas, ainda que em maioria sejam brasileiros. Provavelmente, estes manterão as tradições

portuguesas no âmbito do grupo folclórico não porque elas representam elementos de suas

culturas ancestrais, mas porque fazem parte das tradições brasileiras de respeito às origens dos

povos formadores de sua sociedade; no caso deste grupo folclórico, os grupos étnicos

portugueses e as tradições regionais vigentes em Portugal.

Por fim...

No curso da vida das pessoas, uma verdadeira aventura para cada um, muitos de nós

temos oportunidades que se nos apresentam de fazer alguma coisa. Às vezes são

empreendimentos triviais, corriqueiros, fugazes, efêmeros. Outras, mesmo que seus criadores

não vislumbrem com certeza o futuro, permanecem vigorosos, sólidos, duráveis e constituem

exemplos sociais que servem como referenciais desta elogiável capacidade humana que é o agir

em benefício de certa comunidade.

Provavelmente, dadas as dificuldades inicialmente encontradas, os fundadores do

Centro Português e do grupo de danças folclóricas Os Lusíadas jamais pensaram na grandeza e

no sucesso dos empreendimentos que iniciaram lá nos anos 1960 do século passado. Mas, como

diz o antigo português, “a perseverança toda cousa alcança”, eles foram determinados em seus

desígnios, e neles contaram com a participação de membros de suas famílias e de muitos

amigos. As organizações sociais que fundaram continuam a beneficiar boa parcela da sociedade

maringaense. E são muitas as manifestações positivas recebidas acerca de suas atividades.

O grupo Os Lusíadas, objeto deste artigo, é um exemplo referencial para outros do

gênero. São eles que mantêm os ideais de fundação havidos lá nos idos de 1968. E disto, ao

longo do tempo, nas suas diferentes configurações de diretores, ensaiadores, músicos e

dançantes, eles têm dado prova de empenho e dedicação. Em todas as apresentações que fizeram

eles lembram, reiteradamente, os motivos pelos quais foram organizados: preservar e

transmitir os costumes, lendas e tradições do povo português, aos portugueses natos e seus

descendentes, radicados no Brasil, principalmente na cidade de Maringá e região. E, como

15

foi afirmado pelo próprio prefeito municipal à época do seu jubileu de prata, “Os Lusíadas

representam a verdadeira paixão de um povo que ajudou a construir nosso país e nossa cidade,

e levam sua alegria a todos os que apreciam a originalidade da terra-mãe, a natureza heroica de

sua gente e sua disposição de luta”.33

E assim tem sido a história deste grupo de danças que faz parte da história e da memória

das gentes de Maringá e região. Coerentemente com as origens étnicas da sociedade paranaense

e da própria formação do Norte do Paraná, tanto o Centro Português como o seu grupo de danças

folclóricas são organizações que contam com participação multiétnica e miscigenada. Tomadas

em conjunto, e simbolicamente falando, elas são uma boa imagem da história de migrantes e

imigrantes que, esperançosos, vieram para estas terras em busca de melhores condições de vida

e trabalho. E ainda há muito o que fazer.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Galdino. Eu te amo Maringá. Maringá: Ed. Graf. Ipê, 1968.

CAMPOS JÚNIOR, Antônio. Ala dos Namorados. Obra de domínio público disponível em

http://cdn.luso-livros.net/wp-content/uploads/2013/07/A-Ala-dos-Namorados.pdf, consultada

em 10/jul/2015.

VENTURA, Zuenir. Em entrevista a Nelito Fernandes. “1969 foi a primeira manifestação da

globalização”. In: Ver. Época, ed. 503, 05 jan. 2008. Disponível em

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG80900-5856,00.html, consultado em

04/julho/2015.

DEPOIMENTOS E ENTREVISTAS

BUENO, Marinês Aparecida Juliatti. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em

12/jul/2015, em Maringá/PR.

COSTA, Abílio. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em 16/novl/2015, em

Maringá/PR. Doravante será referido apenas como (Abílio).

33 CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Grupo Folclórico Os Lusíadas; jubileu de prata. Maringá/PR: Marco

Antônio Publicidade, 1993.

16

ELIAS, Rossane Marques. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em 10/jul/2015,

em Maringá/PR.

FAUSTINO, Marcelo Mincache. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em

11/jul/2015, em Maringá/PR.

FREITAS, Alegria Lúcia da Fonseca de. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em

10/jul/2015, em Maringá/PR.

MARTINS JUNIOR, Joaquim. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia em

06/out/2105, em Maringá/Pr.

MATIAS, Manoel Pedro. Primeiro presidente do Centro Português de Maringá eprimeiro

sócio fundador. Depoimento coletado por Claudio José Jorge em 10 de janeiro de 2009, em

Maringá/PR, sobre a cultura portuguesa e a criação do Centro Português de Maringá,

disponível em https://www.youtube.com/watch?v=CLqLMx3NKk e

https://www.youtube.com/watch?v=cIKvbSyVyDA, degravado e editado em 27 de julho de

2015 por Emilio Carlos Boschilia.

MEM, Tercílio. Primeiro sanfoneiro do Grupo Os Lusíadas. Entrevista concedida a Emilio

Carlos Boschilia em 06/out/2015, em Maringá/PR.

OLIVEIRA, Sérgio Santos. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em 03/jul/2015,

em Maringá/PR.

SERRA, Manuel. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em 16/nov/2015, em

Maringá/PR.

SILVA, Cândida da. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em 06/jul/2015, em

Maringá/PR.

DOCUMENTOS CONSULTADOS

BATISTA, Raimunda de Brito (org.). Catálogo da correspondência ativa de George Craig

Smith. Disponível em http://www.uel.br/museu/complementares/colonizacaohtml, consultado

em 30/junho/2015.

CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Folclore. Disponível em

www.centroportuguesdemaringa.com.br, consultado em 30/jun/2015.

CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Grupo folclórico “Os Lusíadas”; histórico e

curriculum-vitae. Maringá/PR: CPM, s.d. n.p.

CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Boletim datado de 12/set/1974. Provavelmente com

o objetivo de divulgar o CEPO e informar a composição da Diretoria.

CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Grupo Folclórico Os Lusíadas; jubileu de prata.

Maringá/PR: Marco Antônio Publicidade, 1993.

CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. II Festival de Foclóre do Centro

17

Português de Maringá/97; programa e descrição do festival. Maringá: CPM, 1997 n.p.

GRUPO FOLCLÓRICO OS LUSÍADAS. Disponível em http://www.oslusiadas.com.br/,

consultado em 30/junho/2015.

HENRIQUES, Fernando. Em “Declaração” formalizada em papel timbrado do Centro

Português, assinada em 18 de abril de 1986.

MARQUES, Carlos Henrique. Email enviado aos componentes do grupo Alma Lusa, de

Curitiba, após apresentação em Santos/SP em junho de 2011.

SILVA, Manuel Dias. Correspondência à Associação Inter-Étnica do Paraná, em 02 de julho

de 1986.

SILVA, Manuel Dias da. Discurso realizado ao final de sua primeira gestão (1969/1970) como

Presidente do CEPO, por ocasião da passagem do cargo ao novo dirigente então eleito.