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O Grupo Folclórico “Os Lusíadas” do Centro Português de Maringá/PR como elemento
de preservação da memória imigrante portuguesa através do folclore: um estudo de
caso.
Márcio José Pereira
A década de 1960 do século XX é considerada uma das mais intensas em termos de
transformações políticas e sociais: o mundo vivia o tempo da chamada Guerra Fria e em
permanente sobressalto. Foi uma época de amplas e rápidas mudanças dos costumes. Um tempo
de contestações, tempo em que os estudantes se rebelavam contra os modos e maneiras
estabelecidos e contra os governos em muitos países, com amplos reflexos na cena brasileira.
Foi nesta década que os costumes tradicionais resultaram mais contestados; pouca atenção
parecia ser dada à autoridade ascendente (pais, avós e idosos em geral) e às tradições.
Uma época na qual, de forma abrangente, a juventude era embalada por ditados tais
como: “é proibido proibir”, “quem sabe faz a hora, não espera acontecer” e “faça amor, não
faça guerra”. Um tempo em que, principalmente os jovens, não raro, passavam por cima das
convenções sociais. Movimentos como o ecológico, o feminista, o gay, o negro, surgiram na
década de 1960 ou adquiriram importância muito grande naquele momento. No Brasil, o
Tropicalismo enchia o mundo com novas melodias, fazendo parte de uma revolução musical
que, em nível mundial, viria observar o fenômeno do surgimento dos Beatles e dos Rolling
Stones.
O Brasil, desde o ano de 1964, vivia sob um regime autoritário e a turbulência social era
uma possibilidade. Em 1965, o Brasil patrocinava o lançamento do seu primeiro satélite
artificial, o Intelsat-I, com apenas 240 canais de voz ou telefônicos e um de transmissão de
imagens ou televisão e ao final da década o país já teria várias de suas cidades interligadas por
micro-ondas. Foi uma década na qual as telecomunicações e os meios de comunicação davam
consistentes mostra da integração comunicacional do planeta, caminho aberto para a
globalização e para os processos de relativização e desvalorização de tudo o que pudesse ser
considerado tradicional, tal como os anos vindouros acabariam mostrando.
Universidade Estadual do Paraná – Campo Mourão, Doutorando em História na Universidade Federal do Paraná, CAPES/CNPQ.
2
Em 1968, o Regime Militar baixou o Ato Institucional no. 5, endurecendo ainda mais
as ações contra seus opositores. Começavam naquele ano os tempos dos slogans nacionalistas
tais como: “Ninguém segura este país” ou ainda, “Brasil, ame-o ou deixe-o”. 1968 foi o ano
da Passeata dos Cem Mil, uma manifestação popular que tomou as ruas protestando contra o
autoritarismo no país.
[...] 1968 foi um ano muito especial, foi a primeira manifestação da globalização antes
mesmo de a globalização existir. À medida que passa o tempo, você tem certeza de
que foi um momento especial. Um momento de uma sintonia mágica, misteriosa, que
fez as coisas acontecerem ao mesmo tempo em países de regimes diferentes. [...] eles
mudaram os costumes, mudaram os hábitos, mudaram a maneira de pensar, a maneira
de ser, os valores. Quando você olha para hoje, muitas das conquistas da modernidade
foram gestadas ou nasceram em 68. O legado de 1968 é inegável.1
Foi no contexto da década de 1960, exatamente no ano de 1968, no frio mês de junho,
o das festas juninas no Brasil e de lembranças das festas “joaninas” de sua terra natal, lá em
Portugal, que o senhor Manuel Dias da Silva, cidadão português, sentindo saudades da pátria
distante e manifestando seus anseios por mostrar aspectos da cultura de sua terra natal, fundou
um grupo de danças folclóricas tradicionais portuguesas em Maringá.
No meio àquele turbilhão de significativas e permanentes mudanças sociais e culturais
e na contramão de todo aquele movimento e respectivas atitudes e tendências que constituíam
um drástico câmbio de mentalidade verificado à época, que iam contra as “velharias do
passado” e consideravam “coisas ultrapassadas”, “fora de moda” tudo o que se referisse aos
hábitos e costumes estabelecidos e também às tradições, foi neste cenário que ele se volta para
a manutenção de tradições de origem, organiza um grupo folclórico em Maringá e empreende
esforços no sentido do (re)vivenciamento de “tradições e costumes dos antepassados”.
Isto aconteceu no âmbito do Centro Português de Maringá (CEPO), do qual seu Manuel
Dias foi o primeiro Diretor Cultural, ficando no cargo até 1968, quando então assumiu a
Diretoria do Folclore,2 fato este que coincide com a criação de um grupo folclórico no CEPO.
Também foi Presidente do CEPO em duas gestões (1969/70 e 1973/75). Inclusive, foi Diretor
1 VENTURA, Zuenir. Entrevista a Nelito Fernandes. “1969 foi a primeira manifestação da globalização”. In: Ver.
Época, ed. 503, 05 jan. 2008. Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG80900-5856,00.html, consultado em 04/julho/2015.
2 O primeiro diretor do Folclore no CEPO foi o senhor Mario José F. Ferraz (gestão 1964/65), e o segundo diretor
foi o senhor João Alegria Miranda (gestão 1966/67).
3
de Publicidade também nos períodos 1970/71 e 1971/72. Também foi Diretor de Relações
Públicas entre 1979/81 e 1981/83, voltando novamente a ser Diretor do Folclore de 1983 a
1985, cargo este que ocupou em várias gestões.
Junto com o seu Manuel, durante todos os momentos e esforços envidados para a
formação do grupo folclórico, lado a lado, desenvolvendo várias atividades, estava dona Maria
Luiza, sua esposa que durante muitos anos foi a coordenadora do grupo. A presença deles é
motivo de rememorações por parte daqueles que, fazendo parte do grupo, tiveram oportunidade
da convivência e do recebimento de atenções.
Minha mãe nunca ficou um passo atrás do meu pai, em nada na vida [...] sempre
caminhou junto, sempre, lado a lado. Jamais ela teve um papel coadjuvante na vida
dele [...] era uma pessoa forte, embora ela não parecesse. (Alegria) 3,
Ele era o presidente do grupo; ele e a dona Maria Luiza cuidavam do grupo; os dois.
Sempre cuidava muito da gente. E ele tinha muito tempo, muito conhecimento,
conhecia muito os portugueses aqui em Maringá. Ele batalhava muito pelo grupo. Ele
já era aposentado; dedicava a vida dele para o grupo. Ele tinha esta facilidade e esse
tempo de poder cuidar e fazer somente isto. Ele sempre foi muito “pai” da gente; dona
Maria também. (Rossane)4
Eles eram uma referência em todos os aspectos, em todas as conversas, as festas. A
forma como ele apresentava o grupo, como ele trazia as pessoas para o grupo, para as
apresentações, a forma como ele conduzia as festas, conduzia os ensaios, as listas de
presença. Tudo o que ele fazia era muito bem organizado. Muito, muito, muito
organizado, muito mesmo. Era uma pessoa assim, muito respeitada dentro da
sociedade portuguesa. (Marcelo)5
Todo mundo gostava dos dois. Era um casal maravilhoso, acolhia a gente com todo o
carinho. (Tercílio)6
Mas, muito antes deles empreenderem a fundação do grupo de danças, vale entender
suas motivações e origens. Isto porque ambos, seu Manuel Dias e dona Maria Luiza, nasceram
no concelho de Figueira da Foz, distrito de Coimbra, Portugal, respectivamente nas vilas de
3 Seu Manuel e dona Maria se casaram por procuração. “Ele casou aqui, por procuração, com ela lá. Então ela
veio casada. Na época era uma coisa de absoluta exigência, ela não podia vir solteira, teve que casar lá primeiro para depois vir. Acho que o governo português não deixava vir.” FREITAS, Alegria Lucia da Fonseca Dias de. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em 10/jul/2015. Doravante será referida apenas como (Alegria).
4 ROSSANE MARQUES ELIAS. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em 06/jul/2015, em Maringá/PR.
Doravante será referida apenas como (Rossane).
5 FAUSTINO, Marcelo Mincache, cantante no Grupo Os Lusíadas. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia
em 11/jul/2015, em Maringá/PR. Doravante será referido apenas como (Marcelo).
6 TERCÍLIO MEM, primeiro sanfoneiro do Grupo Os Lusíadas. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia em
06/out/2015, em Maringá/PR. Doravante será referido apenas como (Tercílio).
4
Ferreira-a-Nova e Maiorca, perto da aldeia de Alfafar, bem perto de onde nasceu seu Manoel
Pedro Matias, o primeiro presidente do Centro Português.7
Estes eram lugares de intensas manifestações culturais e de preservação de tradições, os
quais, historicamente, abrigam várias festas de origem e prática populares. Na região de
Coimbra, onde fica a cidade de Figueira da Foz, e as vilas de Ferreira-a-Nova e Alfafar, por
exemplo, ao tempo desta pesquisa, existiam quase 50 grupos folclóricos em atividade. É de lá,
pois, que vieram as inspirações “de origem” que sedimentaram as iniciativas do seu Manuel e
de dona Maria e o apoio de seu Manoel Pedro.
Figueira da Foz é uma cidade portuguesa no distrito de Coimbra, que fica na
província histórica de Beira-Litoral (atual região Centro), no distrito de Coimbra, à
margem do Oceano Atlântico; à época do nascimento de seu Manuel constituía apenas
uma pacata cidade litorânea que, pela beleza de suas extensas praias, é conhecida por
“Rainha da Costa de Prata”. Na atualidade, conta com a presença de quatro grupos de
dança folclórica.8
Ferreira-a-Nova é uma vila e freguesia portuguesa do concelho de Figueira da Foz.
Um lugar onde as “manifestações religoso-profanas são parte integrante da cultura
etnográfica local” e cujas “festas seculares têm fortes raízes na freguesia, sendo
conhecidas como as ‘festas do povo e para o povo”. Em uma das festas anuais locais,
a "Festa da chouriça”, os moradores locais costumam oferecer uma garrafa de vinho
e uma chouriça caseira para o leilão, cujos dividendos revertem em favor da comissão
encarregue de organizar a festa do ano seguinte.9
Maiorca é uma vila portuguesa do concelho da Figueira da Foz, distrito de Coimbra.
É referida como uma “terra de um povo muito alegre, que sempre teve suas festas
religiosas, como também as profanas”. Da qual é lembrado que “o povo e a nobreza
saíam à rua para se juntarem em dias de muita festa, como hoje se realiza”, e que, “as
associações desta Vila e os homens e mulheres que se dedicaram a reavivar e perpetuar
no tempo tradições, usos e costumes”. Abriga o FestiMaiorca – Festival Internacional
de Folclore de Maiorca, criado em 1975, em que nas suas apresentações faz-se a
apresentação de trajes típicos na aldeia de Maiorca.10
7 Seu Manuel Pedro Matias, nasceu na aldeia de Alfafar, no distrito de Coimbra, o mesmo em que nasceram seu
Manuel Dias da Silva e dona Maria Lucio da Fonseca Dias. Alfafar dista 47 km de Figueira da Foz, onde nasceu seu Manuel Dias e a 36 km de Maiorca, aldeia onde nasceu dona Maria. Seu Manuel Pedro trabalhou na lavoura, com as lides da terra e com os bois; até os 29 anos este foi o seu serviço.
8 Figueira da Foz; sítio oficial do município. Disponível em http://www.cm-figfoz.pt/, consultado em 24/jul/2015.
9 Ferreira-a-Nova; sítio oficial da freguesia. Disponível em http://freguesiaferreira-a-nova.pt/home.php?t=ct&c=29,
consultado em 24/jul/2015.
10 Maiorca; sítio oficial da freguesia. Disponível em http://freguesiademaiorca.pt/home.php?t=ct&c=27, consultado
em 24/jul/2015.
5
Certamente, além de participarem das festas populares locais, eles também conheciam
a atividade dos grupos folclóricos da região; suas músicas, danças e formas de expressão faziam
parte do acervo de elementos culturais que ambos vivenciavam na juventude.
O ano de 1968, portanto, foi um ano especial também para eles; foi o ano da
concretização de um ideal, um sonho calcado na percepção de que “os portugueses, espalhados
pelos cinco continentes do mundo cantam e dançam com muito orgulho as tradições do povo
português” e que “aqui no Brasil, mais precisamente em Maringá, isto não podia ser
diferente”.11 Para eles era uma realização da família que acabaria contando com a participação
das filhas.
Como que comungando com os anseios então vigentes na cidade que crescia e
progressivamente se transformava, o escritor Galdino Andrade, primeiro presidente da
Academia de Letras de Maringá publicava Eu te amo Maringá, um livro de poesias onde se
podia ler, “eu tenho a graça do sonho para alegrar meu caminho”.12 E tendo a graça de um
“sonho que foi tomando forma e aos poucos se tornou realidade” que seu Manoel e dona Maria
se esforçaram para torná-lo realidade.13 E alguns foram os motivos que impulsionaram e
animaram seu Manuel, conforme ele publicou em 1993 por ocasião do Jubileu de Prata do
Grupo Os Lusíadas.
Em primeiro lugar, a saudade que sentíamos da Pátria tão distante, dos tempos de
nossa juventude sempre participando de grupos folclóricos14, das músicas, dos
cantares. Depois da saudade, vem a vontade de reviver, de compartilhar com os outros
essas lembranças e, ao mesmo tempo, preservar e divulgar as tradições e costumes de
nossos antepassados, pois só dessa maneira se poderá contribuir com a Pátria-Mãe e
tornar realidade que acalentamos durante 16 anos antes de fundarmos o grupo.15
11 SILVA, Manuel Dias. Jubileu de Prata; editorial. In: CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Grupo folclórico Os Lusíadas; jubileu de prata. Maringá: CPM, jun. 1993. p. 3.
12 ANDRADE, Galdino. Eu te amo Maringá. Maringá: Ed. Graf. Ipê, 1968.
13 SILVA, In: CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Grupo folclórico ..., p. 3.
14 Em Figueira do Foz, Distrito de Coimbra, são atuantes os seguintes grupos folclóricos, também chamados de
´ranchos´: Rancho Etnográfico “Os Ferreiros” de Carvalhaes; Rancho das Cantarinhas de Buarcos; Rancho Folclórico da Casa do Povo de Maiorca; Rancho Folclórico “As Salineiras de Lavos” e o Rancho Folclórico Serra do Ceira.
15 SILVA, In: CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Grupo folclórico ..., p. 3.
6
As lembranças da família e dos amigos deixados para trás, as memórias, reminiscências
e vivências dos lugares de origem foram, sem dúvida, motivadores das ações de seu Manuel e
de dona Maria. Pois como bem foi lembrado,
A separação física faz tornar a mente, o coração, os sentimentos, mais intimamente
ligados aos valores dos bens deixados na terra natal. A essas separações aparece algo
que se diz não haver tradução, que é a palavra "saudade". Ao lembrar pessoas, lugares,
pormenores, objetos tem-se o sentimento do que no passado foi agradável, do que
ficou para trás mas que não se quer esquecer. Há quem diga que a saudade é natural
ao povo português, pelas suas qualidades amorosas, pelos diferentes motivos de
separação que ocasionam longos períodos de ausência.16
Significativamente, os “dezesseis anos passados”, referidos por seu Manuel, coincidem,
com a realização das festividades do Centenário do Paraná, ocasião na qual, pela primeira vez
na história paranaense, em festividades promovidas sob a chancela do poder público, alguns
grupos folclóricos de diferentes origens étnicas se apresentaram ao público. Acaso histórico?
Talvez, mas bastante sugestivo pela natureza das manifestações: o reconhecimento das
presenças imigrantes na formação e no desenvolvimento do estado. E, provavelmente, também
a atuação do grupo Alma Lusa, que esteve fazendo apresentação em Maringá nos anos 1960
talvez tenha ajudado a estimular a formação de um grupo de danças folclóricas na cidade. São
possibilidades que em nada diminuem os anseios e vontades do senhor Manuel Dias.
Nós viemos dançar em Maringá, como dançamos em Cambé, em Arapongas, em
Londrina. A época em que viemos dançar em Maringá [...], talvez tenha sido em 1967,
por ocasião do 20º aniversário de Maringá. Pode ser que o Alma Lusa tenha sido o
inspirador para que o pessoal aqui se reunisse e formasse um grupo em Maringá. Eu
acredito que possa ter sido esta a ideia. Quando a gente veio dançar aqui não tinha
grupo, daí todo mundo disse: “porque nós não montamos o nosso? ”. Já que a colônia
aqui era uma colônia boa, razoável, então eu acho que o Alma Lusa pode ter sido
inspirador disto sim. (Joaquim)17
Mas, de fato, descontadas as conjeturas sobre a influência do grupo Alma Lusa, o
começo do grupo folclórico português em Maringá aconteceu a partir de uma apresentação feita
a convite. Foi em 1966. Como que o destino estivesse ajudando na efetivação do grupo, o senhor
16 FISS, Regina Lucia de Sá Brito. A imigração portuguesa e as asssociações como forma de manutenção da identidade lusitana no Brasil. In: Scripta Nova, Universidade de Barcelona, no. 94 (27), 1. ago 2001. Disponível
em http://www.ub.edu/geocrit/sn-94-27.htm, consultado em 30/jun/2015.
17 MARTINS JUNIOR, Joaquim. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia em 06/out/2105, em Maringá/Pr.
Doravante será referido apenas como (Joaquim).
7
Manuel foi convidado pelo Município para fazer uma apresentação de dança portuguesa no
antigo Cine Maringá, na Avenida Getulio Vargas.
Foi no palco de um cinema antigo, aqui de Maringá, num evento da Prefeitura, ou
algo assim. A primeira apresentação foi feita por dois pares, meu pai e eu, e mais um
casal chamado Ester e Jorge. [...] Naquela ocasião foi cantado um vira só com dois
pares. Na época, não era nem um grupo folclórico porque só tinha dois pares. Mas foi
isso que deu início para chamar outras pessoas e formar o grupo que, à época, se
chamou Ala dos Namorados. (Alegria)
No início eram o próprio senhor Manoel Dias e a esposa dele, a Dona Maria Luiza. E
isto aconteceu porque ia ter um evento no antigo Cine Maringá e a comunidade
portuguesa precisava se fazer representar. [...] E aquilo deu tão certo e fez tanto
sucesso que resolveram continuar, porque as pessoas gostaram muito. (Sérgio)18
Formar um grupo folclórico de natureza étnica imigrante lá naqueles tempos era um
desafio, não havia tradição neste tipo de apresentação no Paraná. O mesmo tipo de desafio que
já havia sido enfrentado por seu Manuel Pedro Matias e um grupo de 14 outros portugueses
quando intentaram a fundação do Centro Português, criado quatro anos antes, em 1964.
Disse o senhor Manuel Dias em diferentes ocasiões que:
Sabíamos de antemão que não era fácil, pois os incentivos que nos davam eram
poucos, mas a nossa vontade era grande, e fomos em frente, pois sem batalha não há
vitória.19 As dificuldades eram enormes, mas a vontade de vencer era maior, e pouco
a pouco foram conquistando adeptos para formar um pequeno contingente, destinado
a cantar e dançar.20
E algumas daquelas dificuldades enfrentadas são ainda hoje relembradas por uma de
suas filhas:
Ele tinha apoio de determinados portugueses, mas ao mesmo tempo as pessoas tinham
aquela coisa do imigrante chegado aqui. O foco do imigrante era o trabalho, trabalho,
trabalho. Então, eles achavam que esta coisa de lazer era perda de tempo. Foi difícil
influenciar as pessoas para abraçar esta ideia. Difícil porque, na época, eles achavam
que meu pai estava perdendo tempo, deixando de ganhar a vida para ficar correndo
atrás de folclore. Papai ouviu isto muitas vezes. Ele tinha até umas mágoas a respeito
disso. Algumas pessoas achavam que ele estava se dando ao luxo de deixar de fazer a
18 OLIVEIRA, Sérgio Santos. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em 06/jul/2015, em Maringá/PR.
Doravante será referido apenas como (Sérgio).
19 SILVA, Manuel Dias. Discurso proferido por ocasião de uma solenidade no âmbito do Centro Português de
Maringá, no qual o senhor Manuel discorreu o percurso feito por ele e companheiros para a viabilização do referido Centro. s.d.
20 SILVA, Manuel Dias, no Editorial de CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Grupo Folclórico Os Lusíadas, do
Centro Português de Maringá; jubileu de prata. Maringá/PR: Marco Antonio Publicidade, 1993. p. 3.
8
sua vida trabalhando, para perder tempo, entre aspas, para ir atrás disso. Eles achavam
que isto não ia dar em nada. (Alegria)
Tudo estava por fazer, mas isso não era motivo para que desanimassem. Junto com sua
esposa Maria Luiza foram envidados esforços para que o sonho se tornasse realidade. E após
os percalços do começo também foi lembrado o sequente apoio da comunidade à iniciativa
Os primeiros portugueses que vieram para cá no início, realmente vieram para
trabalhar, então deve ter surgido alguns entraves, alguns problemas [...] que logo
acabaram. Tanto é que acabou que logo surgiu o folclore e as famílias apoiaram; a
minha família apoiou, a família dele apoiou, todos levavam seus filhos lá para dançar.
Na época a gente já queria convivência entre nós, e este foi o motivo pelo qual surgiu
o grupo folclórico. O objetivo era relembrar a época dos nossos pais, relembrar o que
ficou lá pra trás. Este foi um dos motivos. E disso ai as famílias estavam empenhadas
para que a coisa fosse para a frente. Era ao ambiente que nós tínhamos, era o lugar
para nos encontrarmos, os jovens, até porque não tinha muita coisa mais além de
cinema. Só tinha o clube, nós vivíamos no clube. (Abílio) 21
Desta forma, dois anos depois da primeira apresentação no Cine Maringá, é que o grupo
de danças foi formado. Na prática, isto aconteceu na gestão do senhor Anibal dos Santos Matias,
“quando o então diretor Manuel Dias da Silva, juntamente com a esposa e filhas, ensaiou alguns
números de músicas portuguesas, as quais, bem recebidas pelos associados, motivaram o
surgimento [oficial] do grupo folclórico “Ala dos Namorados”.22
A ideia do nome foi do primeiro presidente do Clube, que se chamava Manuel Pedro
Matias, uma pessoa que gostava muito de história, da história de Portugal, e o “Ala
dos Namorados” era o nome de um regimento militar que lutou na batalha de
Aljubarrota. 23 Ele achou interessante. (Sérgio)
Fui eu quem deu a ideia, e ele aproveitou, e trabalharam muito. Eu pus o nome de Ala
dos Namorados, depois eles trocaram para Os Lusíadas. [...] Eu dei mais a ideia do
que propriamente trabalho físico, eu viajava, eu dei as ideias, foram aproveitadas.24
21 COSTA, Abílio. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em 16/novl/2015, em Maringá/PR. Doravante será referido apenas como (Abílio). 22 COSTA, Abílio. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em 16/nov/2015, em Maringá/PR. Doravante
será referido apenas como (Abílio).
23 O nome Ala dos Namorados foi dado em homenagem a um famoso grupo de jovens que pertenciam à cavalaria
medieval portuguesa. Eles tinham idades entre 18 e 25 anos, e nenhum deles era casado, daí surgindo o apelido de “namorados”. Lutaram na batalha de Aljubarrota, formando a ala esquerda da armada portuguesa, uma batalha que teve importância decisiva quanto aos destinos de Portugal como nação e que marcou o início do período de transição da Idade Média para o Renascimento. Eram destemidos, ainda que um pouco inconsequentes e aventureiros, mas pelos seus feitos, muitos deles viriam a tornar-se nos maiores heróis daquela cavalaria. Sobre eles Antônio Campos Júnior escreveu um livro com este título. Ver CAMPOS JÚNIOR, Antônio. Ala dos Namorados. Obra de domínio público disponível em http://cdn.luso-livros.net/wp-content/uploads/2013/07/A-Ala-
dos-Namorados.pdf, consultada em 10/jul/2015.
24 MATIAS, Manuel Pedro. Depoimento prestado a Claudio José Jorge em 10/jan/2009, em Maringá/PR, sobre a cultura portuguesa e a criação do Centro Português de Maringá, disponível em
9
Primeiro foram as conversas trocadas com dona Maria, depois o convencimento das
filhas Lucia Felicidade e Ana Maria Dias, em seguida dos amigos mais próximos.
Dona Maria ajudava onde podia. É da lavra dela a confecção dos primeiros trajes. E
assim, o grupo desenvolveu suas atividades por um bom tempo. Depois, “era um
grupo que havia parado por algum tempo e que havia retomado suas atividades em
setembro de 1970”. (Sérgio)
No tempo do Ala dos Namorados, era um grupo relativamente “catado”; convidava-
se as pessoas, juntavam-se os pares e dançava-se, não era um grupo permanente;
ensaiava-se para as apresentações. Ele não era um grupo cem por cento permanente.
(Joaquim)
Em 1971, o grupo troca de nome para “os Lusíadas”. Dois motivos foram pesquisados
em relação a este fato: pouquíssimas pessoas associavam o nome ‘Ala dos Namorados’ à
história, e o que vigorava era que o sentido conotado de “um grupo de namorados” era o que
prevalecia; já,“Os Lusíadas”, a maior obra da língua portuguesa, escrita por Camões, era um
nome de mais fácil associação e conhecimento. 25
A decisão pela troca de nome aconteceu em uma reunião, ocorrida no âmbito do Centro
Português na qual os presentes foram solicitados a apresentar sugestões. Circunstancialmente,
isto aconteceu após a entrada no grupo de um novo ensaiador, o senhor Joaquim Martins Júnior,
e do primeiro tocador de acordeom, o senhor Tercílio Mem, que estavam nesta reunião. Assim
eles se lembraram do evento no qual ocorreu a definição do nome “Os Lusíadas”.
Os Lusíadas teve este nome porque quando Julio Esteves era Presidente e eu o Diretor
do Folclore fizemos uma reunião de avaliação para mudar o nome do grupo. E por
quê Os Lusíadas? Foi porque naquele ano, ou no ano anterior aconteceu no Clube uma
homenagem ao centenário de Camões. 26 Além dos Lusíadas foram sugeridos outros
nomes. Permaneceu Os Lusíadas porque ele se identificava mais com os portugueses,
e também com o festival camoniano que aconteceria em Maringá. (Serra)
E foi aí, numa reunião, que foi discutido o nome. Estávamos lá numa roda de pessoas
e cada um deu um palpite. Eu também sugeri um nome. Ficou aquela disputa, “qual é
o nome que nós vamos dar? ”. Um dava um palpite, outro dava outro palpite. Na roda
nossa lá cada um dava um palpite. “Vamos ver, qual é o nome? ” Seu Manoel estava
no meio. Acho que sugeri “Portugal em Maringá”, coisa assim. Não me lembro mais
direito. Eu achava que devia levar o nome de Maringá, ou “Maringá português”, mas
não pegou não. Eu achava que era para levar o nome de Maringá para onde nós íamos.
Porque Os Lusíadas, lá no Rio de Janeiro, ninguém saberia de onde é. Na hora eu
https://www.youtube.com/watch?v=CLqLM-x3NKk e https://www.youtube.com/watch?v=cIKvbSyVyDA , degravado e editado em 27 de julho de 2015 por Emilio Carlos Boschilia. 25 OLIVEIRA, Sérgio Santos, entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia.
26Em adição às festividades do centenário de Camões, em 1972, de 16 a 22 de julho, aconteceu em Maringá um
Congresso Internacional de Camonologia.
10
estudei e tinha sugerido qualquer coisa com Maringá no meio. Mas ficou Os Lusíadas.
(Tercílio)
Foi o Manuel Serra, que era um dos dançarinos, quem propôs que a gente colocasse o
nome Os Lusíadas no grupo. Isto porque, Ala dos Namorados era aquele grupo que
existia anteriormente; quando eu cheguei começou um novo grupo, não um novo
grupo, mas um grupo renovado, parte daquele, parte nova, e sentiu-se a necessidade
de colocar um nome mais forte. Por isso o Serra propôs que se chamasse Os Lusíadas.
Isto foi em 1971. Aí trocou-se o nome Ala dos Namorados para Os Lusíadas.
(Joaquim)
E a mudança de nome coincidiu com uma nova forma de ensaiar o grupo e, entre outros
aspectos, aumentou a quantidade de novos participantes e, proporcionalmente, o percentual
relativo de pessoas de outras origens étnicas.
O Ala dos Namorados tinha pouca gente. Eu diria que uns seis pares. Eram as filhas
do seu Manuel, o Serra, o Abílio, o Alcino, ... eram pessoas parentes ou ligadas a essas
famílias. Eram todos portugueses. Depois o grupo chegou a ter uns doze pares,
naquele tempo. Era um grupo bem grande mesmo. [...] depois da minha entrada o
número de participantes aumentou, inclusive o de pessoas não portuguesas. (Joaquim)
Os Lusíadas: importância do grupo de danças folclórico como expoente da cultura
portuguesa no Brasil.
Um dos primeiros e mais evidentes aspectos que definem a importância de um grupo de
danças folclórico é a valorização e a reputação do mesmo no âmbito da organização social que
o acolhe e promove, assim como do meio social no qual atua; no caso do grupo Os Lusíadas a
entidade de acolhimento é o Centro Português e, em primeira instância, o meio social é o
maringaense. Em 1986, o então presidente do CEPO emitiu uma declaração assinada de que “o
Grupo Folclórico Os Lusíadas pertence ao Centro Português de Maringá, conforme consta nos
estatutos da entidade, a qual assume toda e qualquer responsabilidade pelos atos praticados
pelos integrantes do grupo, desde que na função a que o mesmo se destina”. 27
Definido como um grupo “fundado com o objetivo de atender a necessidade de preservar
e transmitir os costumes, lendas e tradições do povo português, aos portugueses natos e seus
27 HENRIQUES, Fernando. Em “Declaração” formalizada em papel timbrado do Centro Português, assinada em
18 de abril de 1986.
11
descendentes, radicados no Brasil, principalmente na cidade de Maringá e região”28, o grupo
folclórico Os Lusíadas é objeto de várias referências no âmbito do Centro Português. Dentre
elas, para dar uma ideia bastante consistente de como esta organização social demonstra e
enxerga a presença e a importância do grupo folclórico, tomemos, por exemplo, algumas delas,
veiculadas por um boletim de divulgação, em setembro de 1974, onde se pode ler:
O Centro Português de Maringá possui [...] um belíssimo grupo folclórico. Suas
atividades estão mais ligadas à cultura e ao teatro. Os sócios e seus filhos sentem-se
felizes sempre que participam das atividades sociais, culturais e recreativas. [...]
Nosso grupo folclórico já se apresentou em todas as principais cidades paranaenses,
no Rio de Janeiro e em Brasília, levando a todas as cidades nossa cultura e tradição.29
E por ocasião do seu Jubileu de Prata, ocorrido em 1989, estas foram as expressões
manifestas:30
Um dos principais fatores de divulgação do Clube, além fronteiras estaduais, é o grupo
folclórico Os Lusíadas. A exemplo do próprio Clube, também o grupo folclórico é
miscigenado. [...] Seus shows são requisitados regularmente por dezenas de cidades
paranaenses, sem prejuízo de exibições em consagrados eventos de caráter nacional.
(p. 11)
Assim, o grupo folclórico Os Lusíadas, por exemplo, desempenha importante papel
na propagação da cultura lusitana – por sinal, muito simpática aos olhos dos
brasileiros, constatada através da receptividade de suas apresentações e dos convites
recebidos para exibições em todo o país. (p. 14)
Os Lusíadas é hoje, no Paraná, um dos principais responsáveis pela divulgação da
cultura de Portugal e de suas diferenciadas regiões. (p. 13)
Um termômetro claro desse comportamento [de integração] são as apresentações do
grupo folclórico Os Lusíadas em diversos clubes sociais da cidade ou em eventos de
grande ou média envergadura promovidos por todos os segmentos da comunidade.
Ao exibir seu talento em outras paragens, o grupo concorre para o bem-vindo
relacionamento com a sociedade, além de difundir a cultura lusitana e divulgar o nome
do Clube. (p. 15)
O grupo folclórico Os Lusíadas constitui hoje um dos mais importantes e procurados
conjuntos do gênero para exibições públicas tanto em âmbito local quanto estadual e
nacional. [Em suas viagens o grupo contribuiu] para saciar a saudade de tantos e
tantos patrícios que há muito não conviviam com as tradições portuguesas. [...] o
grupo faz mais do que levar o folclore aos irmãos de pátria: ele também divulga seu
clube, sua cidade e seu estado. (p. 21)
28 CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Grupo folclórico “Os Lusíadas”; histórico e curriculum-vitae.
Maringá/PR: CPM, s.d. n.p.
29 CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Boletim datado de 12/set/1974. Provavelmente com o objetivo de
divulgar o CEPO e informar a composição da Diretoria.
30 CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Grupo Folclórico Os Lusíadas; jubileu de prata. Maringá/PR: Marco
Antônio Publicidade, 1993.
12
De igual maneira, a importância dada pelo meio social também pode ser vista em outras
manifestações veiculadas nesta oportunidade, inclusive pela própria municipalidade.
Os Lusíadas representam a verdadeira paixão de um povo que ajudou a construir nosso
país e nossa cidade, e leva sua alegria a todos os que apreciam a originalidade da terra-
mãe, a natureza heróica de sua gente e sua disposição de luta. (Prefeitura Municipal
de Maringá)
O grupo folclórico os Lusíadas é sem dúvida um dos grandes orgulhos dos
maringaenses e uma das expressões artísticas mais belas do Paraná. (Câmara
Municipal de Maringá)
Em 1987, o grupo folclórico Os Lusíadas passou a constituir uma entidade social
autônoma, inscrita no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), a partir do que, nesta
condição, apesar de se reportar e prestar contas ao Centro Português, mantém relações com a
comunidade em geral para a apresentação de seus espetáculos.
Um grupo multiétnico desde o começo
Descontada a primeira apresentação no Cine Maringá, em 1968, onde estiveram
presentes apenas portugueses e descendentes diretos, daí em diante, todas as formações do
grupo apresentaram a presença de brasileiros e, em seguida, de descendentes de outros grupos
étnicos.
No começo, lá em 1968, a maioria, eu diria que mais ou menos uns 90 por cento eram
portugueses e filhos de portugueses. [...] Já na época havia estrangeiros no grupo, mas
a maioria eram portugueses ou descendentes. Havia estrangeiros na primeira
formação. (Alegria)
Os que participavam do grupo folclórico eram mais os que dançavam, irmãos de
alguém que dançava; o pessoal que dançava no folclore era mais “familiarizado”.
Naquele tempo eram quase todos portugueses. (Tercílio)
O caráter de participação multiétnica no grupo folclórico português já se tornava
realidade desde as apresentações sequentes, conforme relato de uma das primeiras descendentes
de portugueses a fazer parte do grupo.
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Havia também duas moças que [...] gostavam muito das danças e atividades, tinham
muita amizade com as meninas e os rapazes naquele tempo, então vieram participar
também e ficaram. (Sérgio)
Eram filhas de ucranianos ou poloneses, por incrível que pareça. Elas ajudavam a
gente a fazer as peças, os teatrinhos, e chegaram até a dançar no grupo. (Alegria)
E a participação destas duas “meninas não portuguesas” foi de tal forma significativa
que assim foram referidas em discurso feito àquela época pelo Diretor do grupo folclórico:
Não podia, no entanto, deixar de destacar a dedicação de duas meninas que, apesar de
não serem portuguesas, de não terem nenhuma obrigação moral para com o clube,
apesar de tudo isso, vibram com as nossas tradições, com os nossos costumes, com
nossa música principalmente. Porque, desde que iniciamos o nosso folclore, elas têm
estado junto conosco prestando sua preciosa ajuda, não só no nosso grupo folclórico,
com em todas as festas por nós realizadas. Essas meninas são a Gisela e a Ingrid
Gulias.31
E esta composição diversificada constituiu motivo de referência por ocasião das
festividades do jubileu de prata da fundação d’Os Lusíadas:
Ao contrário do que se possa imaginar, a maioria dos dançarinos e cantores não é
formada por descendentes de portugueses. É frequente a participação de pessoas de
outras origens étnicas. [...] desde a formação do grupo ele tem elementos de outras
origens, brasileiros principalmente, claro. Nós já tivemos aqui mestiços de japoneses,
alemão, italiano, ucraniano, já tivemos afrodescendentes – os negros. O grupo sempre
acolheu bem e sempre deu muito certo. (Sérgio)
À época desta pesquisa, apenas a Diretora do grupo folclórico, a senhora Maria Helena
Baptista era de nacionalidade portuguesa; o ensaiador, o senhor Sérgio Santos Oliveira era de
nacionalidade brasileira com cidadania portuguesa, e um ou outro dos participantes estava em
busca desta dupla cidadania. Os demais são brasileiros, “90 por cento não são portugueses e
destes 70 por cento, aproximadamente, não tem origem portuguesa”.32
De fato, a perspectiva futura mostra que o vaticínio do primeiro presidente do grupo está
em vias de ser realizado: dia virá em que, possivelmente, a totalidade, ou quase, daqueles que
atuam no grupo folclórico mantendo as tradições portuguesas não serão mais portugueses. É
31 SILVA, Manuel Dias da. Discurso realizado ao final de sua primeira gestão (1969/1970) como Presidente do
CEPO, por ocasião da passagem do cargo ao novo dirigente então eleito.
32 OLIVEIRA, Sérgio Santos. Entrevista.
14
cada vez maior o número de participantes cujas origens étnicas dos participantes não têm raízes
lusitanas, ainda que em maioria sejam brasileiros. Provavelmente, estes manterão as tradições
portuguesas no âmbito do grupo folclórico não porque elas representam elementos de suas
culturas ancestrais, mas porque fazem parte das tradições brasileiras de respeito às origens dos
povos formadores de sua sociedade; no caso deste grupo folclórico, os grupos étnicos
portugueses e as tradições regionais vigentes em Portugal.
Por fim...
No curso da vida das pessoas, uma verdadeira aventura para cada um, muitos de nós
temos oportunidades que se nos apresentam de fazer alguma coisa. Às vezes são
empreendimentos triviais, corriqueiros, fugazes, efêmeros. Outras, mesmo que seus criadores
não vislumbrem com certeza o futuro, permanecem vigorosos, sólidos, duráveis e constituem
exemplos sociais que servem como referenciais desta elogiável capacidade humana que é o agir
em benefício de certa comunidade.
Provavelmente, dadas as dificuldades inicialmente encontradas, os fundadores do
Centro Português e do grupo de danças folclóricas Os Lusíadas jamais pensaram na grandeza e
no sucesso dos empreendimentos que iniciaram lá nos anos 1960 do século passado. Mas, como
diz o antigo português, “a perseverança toda cousa alcança”, eles foram determinados em seus
desígnios, e neles contaram com a participação de membros de suas famílias e de muitos
amigos. As organizações sociais que fundaram continuam a beneficiar boa parcela da sociedade
maringaense. E são muitas as manifestações positivas recebidas acerca de suas atividades.
O grupo Os Lusíadas, objeto deste artigo, é um exemplo referencial para outros do
gênero. São eles que mantêm os ideais de fundação havidos lá nos idos de 1968. E disto, ao
longo do tempo, nas suas diferentes configurações de diretores, ensaiadores, músicos e
dançantes, eles têm dado prova de empenho e dedicação. Em todas as apresentações que fizeram
eles lembram, reiteradamente, os motivos pelos quais foram organizados: preservar e
transmitir os costumes, lendas e tradições do povo português, aos portugueses natos e seus
descendentes, radicados no Brasil, principalmente na cidade de Maringá e região. E, como
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foi afirmado pelo próprio prefeito municipal à época do seu jubileu de prata, “Os Lusíadas
representam a verdadeira paixão de um povo que ajudou a construir nosso país e nossa cidade,
e levam sua alegria a todos os que apreciam a originalidade da terra-mãe, a natureza heroica de
sua gente e sua disposição de luta”.33
E assim tem sido a história deste grupo de danças que faz parte da história e da memória
das gentes de Maringá e região. Coerentemente com as origens étnicas da sociedade paranaense
e da própria formação do Norte do Paraná, tanto o Centro Português como o seu grupo de danças
folclóricas são organizações que contam com participação multiétnica e miscigenada. Tomadas
em conjunto, e simbolicamente falando, elas são uma boa imagem da história de migrantes e
imigrantes que, esperançosos, vieram para estas terras em busca de melhores condições de vida
e trabalho. E ainda há muito o que fazer.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CAMPOS JÚNIOR, Antônio. Ala dos Namorados. Obra de domínio público disponível em
http://cdn.luso-livros.net/wp-content/uploads/2013/07/A-Ala-dos-Namorados.pdf, consultada
em 10/jul/2015.
VENTURA, Zuenir. Em entrevista a Nelito Fernandes. “1969 foi a primeira manifestação da
globalização”. In: Ver. Época, ed. 503, 05 jan. 2008. Disponível em
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG80900-5856,00.html, consultado em
04/julho/2015.
DEPOIMENTOS E ENTREVISTAS
BUENO, Marinês Aparecida Juliatti. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em
12/jul/2015, em Maringá/PR.
COSTA, Abílio. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em 16/novl/2015, em
Maringá/PR. Doravante será referido apenas como (Abílio).
33 CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Grupo Folclórico Os Lusíadas; jubileu de prata. Maringá/PR: Marco
Antônio Publicidade, 1993.
16
ELIAS, Rossane Marques. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em 10/jul/2015,
em Maringá/PR.
FAUSTINO, Marcelo Mincache. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em
11/jul/2015, em Maringá/PR.
FREITAS, Alegria Lúcia da Fonseca de. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em
10/jul/2015, em Maringá/PR.
MARTINS JUNIOR, Joaquim. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia em
06/out/2105, em Maringá/Pr.
MATIAS, Manoel Pedro. Primeiro presidente do Centro Português de Maringá eprimeiro
sócio fundador. Depoimento coletado por Claudio José Jorge em 10 de janeiro de 2009, em
Maringá/PR, sobre a cultura portuguesa e a criação do Centro Português de Maringá,
disponível em https://www.youtube.com/watch?v=CLqLMx3NKk e
https://www.youtube.com/watch?v=cIKvbSyVyDA, degravado e editado em 27 de julho de
2015 por Emilio Carlos Boschilia.
MEM, Tercílio. Primeiro sanfoneiro do Grupo Os Lusíadas. Entrevista concedida a Emilio
Carlos Boschilia em 06/out/2015, em Maringá/PR.
OLIVEIRA, Sérgio Santos. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em 03/jul/2015,
em Maringá/PR.
SERRA, Manuel. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em 16/nov/2015, em
Maringá/PR.
SILVA, Cândida da. Entrevista concedida a Emilio Carlos Boschilia, em 06/jul/2015, em
Maringá/PR.
DOCUMENTOS CONSULTADOS
BATISTA, Raimunda de Brito (org.). Catálogo da correspondência ativa de George Craig
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CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Folclore. Disponível em
www.centroportuguesdemaringa.com.br, consultado em 30/jun/2015.
CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Grupo folclórico “Os Lusíadas”; histórico e
curriculum-vitae. Maringá/PR: CPM, s.d. n.p.
CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Boletim datado de 12/set/1974. Provavelmente com
o objetivo de divulgar o CEPO e informar a composição da Diretoria.
CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. Grupo Folclórico Os Lusíadas; jubileu de prata.
Maringá/PR: Marco Antônio Publicidade, 1993.
CENTRO PORTUGUÊS DE MARINGÁ. II Festival de Foclóre do Centro
17
Português de Maringá/97; programa e descrição do festival. Maringá: CPM, 1997 n.p.
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consultado em 30/junho/2015.
HENRIQUES, Fernando. Em “Declaração” formalizada em papel timbrado do Centro
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