denunciação per saltum

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PUCpor Guilherme Daguiarorientador: Luciano Vianna Araujo 2005.1

DEPARTAMENTO DE DIREITO

Denunciao da lide per saltum

PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO DE JANEIRO RUA MARQUS DE SO VICENTE, 225 - CEP 22453-900 RIO DE JANEIRO - BRASIL1

Denunciao da lide per saltumpor Guilherme Daguiar

Monografia apresentada ao Departamento de Direito da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) para a obteno do Ttulo de Bacharel em Direito.

Orientador: Araujo

Luciano

Vianna

2005.1

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AGRADECIMENTOS

Com a presente monografia concluo o curso de Direito, o que no teria sido possvel sem a ajuda e incentivo de muitas pessoas ao longo dos ltimos anos. Aproveito a oportunidade para agradec-las: aos meus amigos, pelo incentivo para ingressar nesta Universidade e pelo apoio durante todo o curso; Ao professor Ronaldo Cramer, pelas aulas inspiradoras que

despertaram em mim, e em tantos outros, o gosto pela cincia processual, influenciando de forma decisiva em minha formao acadmica. Tenha a certeza de que cumpriu com sua misso de catequizar os no catequizados; Aos meus amigos dos escritrios Welington Moreira Pimentel e Ivan Nunes Ferreira, sobretudo a meu colega Raphael Duarte, pela contribuio em minha formao profissional; A meu Orientador, Luciano Vianna Arajo, pelo tema sugerido, pela pacincia, dedicao, crticas e questionamentos que em muito ajudaram no desenvolvimento deste trabalho. A meus pais, por tudo.

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RESUMOO Novo Cdigo Civil (lei n 10.406 de 10 de janeiro de 2002) trouxe significativas mudanas no s de direito material, mas tambm no plano do direito processual. A presente monografia tem por objeto uma de suas implicaes no mbito do direito processual, mais precisamente na disciplina do procedimento relativo a denunciao da lide. Para tanto, trazemos no primeiro captulo os contornos gerais da Interveno de Terceiros visando compreenso das diferenas entre os diversos institutos que regula. No segundo captulo abordamos, de forma mais detalhada, o instituto da denunciao da lide e, em seguida, no terceiro captulo, procuramos demonstrar a evoluo deste instituto em pocas em que seu regramento normativo permaneceu inalterado, enfatizando a fora dos princpios norteadores desta modalidade de interveno de terceiros. O quarto e ltimo captulo encerra o presente trabalho apresentando o conceito da chamada denunciao per saltum, que muitos acreditam ter sido viabilizada pela referida alterao legislativa. Apresentamos, assim, as opinies de doutrinadores consagrados uns defendendo, outros repudiando sua aceitao e sua repercusso nos tribunais.

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NDICE

CAPTULO I INTERVENO DE TERCEIROS

1. Noes Gerais........................................................................................... 1 1.1. Espcies de Interveno de Terceiros.................................................... 4 1.1.1. Assistncia.......................................................................................... 4 1.1.2. Oposio............................................................................................. 5 1.1.3. Nomeao Autoria........................................................................... 6 1.1.4. Denunciao da Lide.......................................................................... 7 1.1.5. Chamamento ao Processo................................................................... 8 1.1.6. Recurso de Terceiro Prejudicado........................................................ 9

CAPTULO II DENUNCIAO DA LIDE

2. Conceito................................................................................................... 10 2.1. Procedimento........................................................................................ 10 2.2. Finalidade.............................................................................................. 14

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Captulo III PRENNCIO DE ACEITAO DA DENUNCIAO PER SALTUM: a execuo direta do denunciado e a denunciao coletiva.

3. Introduo....................................................................................................... 16 3.1. Execuo direta do denunciado Conceito................................................. 17 3.2. Proximidade com a denunciao per saltum Argumentos para sua aceitao............................................................................................................. 18 3.3. Denunciao da lide coletiva Conceito.................................................... 22 3.3.1. Proximidade com a denunciao per saltum - Evoluo de sua aceitao............................................................................................................. 22 3.5. Concluso.................................................................................................... 26

Captulo IV DENUNCIAO DA LIDE PER SALTUM

4. Conceito......................................................................................................... 27 4.1. Doutrina favorvel...................................................................................... 30 4.2. Doutrina contrria....................................................................................... 37 4.3. Evoluo jurisprudencial............................................................................ 42 Concluso............................................................................................................ 48 Bibliografia......................................................................................................... 51

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CAPTULO I Interveno de terceirosSUMRIO: 1 Noes Gerais; 1.1 Espcies de Interveno de Terceiros; 1.1.1 Assistncia; 1.1.2 Oposio; 1.1.3 Nomeao Autoria; 1.1.4 Denunciao da Lide; 1.1.5 Chamamento ao Processo; 1.1.6 Recurso de Terceiro Prejudicado.

1 Noes gerais:

Pacfico em relao interveno de terceiros somente o fato de tratar-se de tema dos mais controvertidos, no s na parte geral de Direito Processual Civil, mas de todo seu regramento normativo.1 Para a melhor compreenso deste instituto e de suas modalidades individualmente consideradas, faz-se indispensvel distinguir-se, desde logo, o conceito de partes e terceiros. Assim, seguindo a clssica definio apresentada por Chiovenda, parte aquele que demanda em seu prprio nome (ou em cujo nome demandada) a atuao duma vontade da lei, e aquele em face de quem essa atuao demandada.2 J o conceito de terceiro obtido por negao, isto , todo aquele que no for parte ser tratado como terceiro em relao demanda.3CARNEIRO, Athos Gusmo. Interveno de Terceiros. 15 ed, rev. e atual. So Paulo: Saraiva, 2003. p. IX. No mesmo sentido: GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 17 ed. So Paulo: Saraiva, 2003. p. 126. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituies de direito processual civil. vol 2. So Paulo: Saraiva, 1965. p. 234. BUENO, Cassio Scarpinella. Partes e Terceiros no Processo Civil Brasileiro. So Paulo: Saraiva, 2003. p. 3. Criticando o conceito aqui adotado, Dinamarco acredita que esta definio liga-se demasiadamente 3 2 1

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A par destas consideraes, podemos conceituar a interveno de terceiros de maneira genrica, como feito por Greco Filho, como sendo a forma pela qual ...algum, devidamente autorizado em lei, ingressa em processo alheio, tornando complexa a relao jurdica processual.4 A partir da definio apresentada, o eminente professor, em defesa dos princpios da singularidade do processo e da jurisdio que remontam ao direito romano acredita que a expressa permisso em lei consistiria em princpio basilar desta matria, por regular institutos que so verdadeiras hipteses de temperamentos queles princpios.5 Este abrandamento encontraria guarida no fato de haver sentenas que provocam implicaes em pessoas que no figuraram na ao deduzida em juzo.6 Coaduna-se com seu entendimento Luiz Fux, ao asseverar que: atingir terceiros com decises judiciais, sem ao menos deferir-lhes a oportunidade de impugnar, falar, provar, encerraria um rompimento abominvel do contraditrio.7 O ilustre doutrinador acrescenta, ainda, sua contribuio ao princpio da economia processual.8

demanda proposta e ao objeto do processo, pecando ainda pela ausncia de associao ao princpio do contraditrio, assim, defende serem partes todos os sujeitos interessados da relao processual. DINAMARCO, Cndido Rangel. Interveno de terceiros. 3 ed. So Paulo: Malheiros. 2002. p. 16/17.4 5

GRECO FILHO, Vicente. Op. Cit. p. 127. Ibid. p.126. 6 Ibid. p.126/127. 7 FUX, Luiz. Interveno de terceiros: aspectos do instituto. So Paulo: Saraiva, 1990. p. 4. 8 Ibid. p. 5.

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Costuma-se classificar as diversas espcies de interveno de terceiros em dois grupos: voluntria (ou espontnea) e forada (ou coacta).9 Enquanto na primeira, a interveno feita por ato de vontade do interveniente, na segunda, sua interveno provocada por uma das partes. Milton Flaks acrescenta que o terceiro pode intervir ou para auxiliar um dos contendores (ad coadjuvandum) ou para reclamar em seu favor o direito disputado (ad excludendum).10 O Cdigo de Processo Civil trata da matria nos artigos 56 a 80, onde apresenta quatro modalidades, a saber: oposio, nomeao autoria, denunciao da lide e chamamento ao processo. A despeito de no estarem includas entre elas, a assistncia e o recurso de terceiro prejudicado sempre foram assim considerados pela doutrina.11 Na mais recente reforma porque passou o Cdigo de Processe Civil, o legislador parece ter se convencido desta orientao. o que acredita Freitas Cmara, para quem:O prprio Cdigo de Processo Civil, alis, em seu art. 280 (com a redao que lhe deu a lei n. 10.444/2002), reconhece que assistncia e recurso de terceiro prejudicado so espcies de interveno de terceiros ao dispor que: no procedimento sumrio no so admissveis a ao declaratria incidental e a interveno de terceiros, salvo a assistncia, o recurso de terceiro prejudicado e a interveno fundada em seguro.12CMARA, Alexandre Freitas. Lies Preliminares de Direito Processual Civil. 8 ed. Vol. 1. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2002. p. 181. FLAKS, Milton. Denunciao da lide. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 57 Neste sentido: CMARA, Alexandre Freitas. Op.Cit. p. 181; GRECO FILHO, Vicente. Op. Cit. p. 127; FLAKS, Milton. Op. Cit. p. 57. Este ltimo acrescenta a esta lista os embargos de terceiro e a interveno de credores na execuo, que so afastadas por Greco Filho, para quem: No so, porm, da mesma espcie, apesar de s vezes, citados pela doutrina, os embargos de terceiro, corretamente catalogada pelo Cdigo como procedimento especial de jurisdio contensiosa, cujos efeitos podero produzir resultados em outro processo, inexistindo a figura da interveno. No caso dos credores na execuo coletiva ou universal, chamada execuo por quantia certa contra devedor insolvente ou insolvncia, todos os credores so autores da prpria execuo coletiva e, portanto, litisconsortes e no terceiros. GRECO FILHO, Vicente. Op. Cit. p. 127. Tambm neste sentido FUX, Luiz. Op. Cit. p. 51. 12 CMARA, Alexandre Freitas. Op.Cit. p. 181.11 10 9

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A seguir abordaremos os aspectos gerais de cada uma delas sem enfrentar, contudo, as infindveis controvrsias a elas inerentes, por serem estranhas ao foco principal deste trabalho.

1.1 Espcies de interveno de terceiros: 1.1.1 Assistncia.

A assistncia, prevista nos artigos 50 a 55, comporta duas modalidades: simples (ou adesiva) e qualificada (ou litisconsorcial). Ambas so classificadas como intervenes voluntrias. A primeira tem cabimento sempre que estiver em curso uma ao em que, a despeito de envolver relao jurdica estranha a do interveniente, poder afet-lo. Por sua vez, na assistncia qualificada: o terceiro interveniente tambm titular da relao jurdica deduzida no processo, embora no tenha sido parte na demanda.13 Luiz Fux diferencia as duas modalidades de forma bastante didtica no seguinte trecho:Na assistncia simples, a deciso da causa atinge o assistente de forma indireta ou reflexa. Na assistncia litisconsorcial, porque a relao deduzida tambm do assistente ou s a ele pertence, o decisum atinge-lhe diretamente, na sua esfera jurdica. No plano material, como se a sentena tivesse sido proferida em face do assistente mesmo.14

Assim, o terceiro com interesse jurdico na vitria de qualquer das partes intervir com a finalidade de assisti-la.1513 14

Ibid. p. 183. FUX, Luiz. Op. Cit. p. 13. 15 Ibid. p. 182.

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1.1.2 Oposio.

Trata-se da primeira espcie de interveno de terceiros prevista no captulo a elas destinado pelo Cdigo de Processo Civil, mais precisamente em seus artigos 56 e seguintes. Consiste em interveno voluntria, possvel sempre que o terceiro pretender, no todo ou em parte, a coisa ou direito sobre que discutem autor e ru, como claramente disposto no art. 56 do C.P.C. Da anlise de seu cabimento evidencia-se seu carter ad excludendum, sendo justificada devido s projees ultra partes da sentena prolatada no processo originrio, alm da influncia que o precedente causa sobre futuras aes. Visa tambm a evitar o risco de decises contraditrias, bem como constrio sobre coisa que se encontra em poder de terceiro.16 Dinamarco acrescenta ainda que:Pairando sobre a intuitiva convenincia de evitar cada um desses males e mesmo acima da sensvel razo de economia processual que tambm concorre inegavelmente para justificar o instituto da oposio no sistema do processo civil, h o reclamo pela efetividade do processo, que corresponde moderna viso instrumentalista do sistema. Do exerccio da jurisdio lcito esperar os resultados mais teis possveis convivncia social e necessidade de pacificao rpida, eficiente e justa.17

1.1.3 Nomeao autoria.16 17

DINAMARCO, Candido Rangel. Op. Cit. p. 42. Ibid. p. 43.

11

Ao contrrio das espcies anteriormente apresentadas, a nomeao autoria (artigos 62 e seguintes do C.P.C.) constitui forma de interveno forada. Assim como a oposio, implica na excluso da parte (no caso, sempre importar na excluso do ru) devendo contar com a indispensvel dupla aceitao, por parte do autor e do nomeado, que implicar na substituio, no plo passivo da demanda, do ru pelo nomeado.18 Esta caracterstica revelada a partir de sua finalidade precpua, qual seja, a correo da ilegitimidade passiva, autorizada somente nos casos expressos em lei (artigos 62 e 63 do C.P.C.), onde se considera ser justo o equvoco do autor, atendendo-se, assim, ao princpio do aproveitamento dos atos processuais, como sublinha Luiz Fux:

Determinadas relaes de mera dependncia e que no geram para o sujeito dependente qualquer direito de regresso contra o dominante no apresentam caracteres perceptveis no mundo exterior quanto sua titularidade, de tal sorte que, sob esse ngulo, a atividade ou o ato prestado no parecem ter sido praticados pelo real titular da relao material. Por outro lado, no justo que algum comprometa o seu patrimnio por ato de outrem, que, em suma, vai beneficiar-se com a atividade do sujeito dependente.19

1.1.4 Denunciao da lide.

18 19

BUENO, Cassio Scarpinella. Op. Cit. p. 190. FUX, Luiz. Op. Cit. p. 23/24.

12

Trata-se, igualmente, de modalidade de interveno coacta, tendo cabimento nas hipteses previstas nos incisos I, II e III do art. 70 do C.P.C., podendo ser proposta tanto pelo autor quanto pelo ru. definida por Athos Gusmo Carneiro como:uma ao regressiva in simultaneus processus, proponvel tanto pelo autor como pelo ru, sendo citada como denunciada aquela pessoa contra quem o denunciante ter uma pretenso indenizatria, pretenso de reembolso, caso ele, denunciante, venha a sucumbir na ao principal.20

Tem por finalidade o atendimento ao princpio da economia processual e efetividade do processo (abordaremos esta espcie de interveno de forma mais detalhada no captulo seguinte).

1.1.5 - Chamamento ao processo.

ltimo dos institutos elencados no captulo apropriado do Cdigo de Processo Civil, o chamamento ao processo possvel nos casos disciplinados pelos incisos I a III do art. 77. Cuida-se de modalidade de interveno forada e, assim como a nomeao a autoria, somente pode ser utilizado pelo ru.21

20 21

CARNEIRO, Athos Gusmo. Op. Cit. p. 97. FUX, Luiz. Op. Cit. p. 43.

13

Analisando a origem lusitana deste instituto, Milton Flaks destaca que: objetivou o legislador ptrio no s vincular os devedores solidrios ao decisrio, mas tambm a economia de processos.22 Vicente Greco demonstra tratar-se de instituto que excepciona os princpios da singularidade do processo e da jurisdio. No entanto, reconhece que: o instituto sejustifica porque a integrao do processo por outros fiadores, pelo devedor principal, ou por outros devedores solidrios, significa uma importante conquista em prol da economia processual, uma vez que, nos termos do disposto no art. 80, a sentena que julgar procedente a ao, condenando os devedores, valer como ttulo executivo em favor daquele que satisfizer a dvida, para exigi-la, por inteiro, do devedor principal ou de cada um dos co-devedores a sua cota, na proporo que lhes tocar. 23

1.1.6 Recurso de terceiro prejudicado.

O recurso de terceiro prejudicado regulado pelo art. 499 do C.P.C. consistindo em espcie de interveno espontnea atravs da qual aquele que, embora no seja parte na demanda, consegue comprovar interesse jurdico na causa e, ao mesmo tempo, prejuzo advindo da deciso recorrida.24 Luiz Fux ressalta a legitimidade e o interesse de recorrer da seguinte forma:O terceiro prejudicado h de ser titular de uma relao jurdica conexa com aquela deduzida em

22 23

FLAKS. Milton. Op. Cit. p. 73. GRECO FILHO, Vicente. Da interveno de terceiros. 2.ed. atual e ampl. So Paulo: Saraiva, 1986. p. 95. 24 CMARA, Alexandre Freitas. Op. Cit. p. 212/213.

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juzo, da porque a deciso da causa primitiva o atinge. Podem recorrer com terceiros prejudicados todos aqueles que, legitimados a intervir no processo, no o fizeram, salvo o caso de oposio.25

Em seguida, esclarece os limites de atuao do interveniente, ao ressaltar que: preciso no olvidar que, exatamente em respeito ao princpio do duplo grau de jurisdio,no lcito inaugurar pedidos na instncia ad quem. O ius novurum cede, apenas, no que concerne s questes de fato no deduzidas por motivo de fora maior (CPC, art. 517). Esta a razo por que limitado o contedo da impugnao do terceiro prejudicado.26

Captulo II Denunciao da lideSUMRIO: 2. Conceito; 2.1 Procedimento 2.2 Finalidade.

2. - Conceito.

Novamente nos valemos dos ensinamentos de Milton Flaks, como expostos em sua clssica obra Denunciao da lide, onde a define como: o instrumento concedido a qualquer das partes do litgio para chamar a juzo um terceiro, com o qual tenha uma relao de regresso na eventualidade de perder a demanda.2725 26

FUX, Luiz. Op. Cit. p. 21. Ibid. p. 22. 27 FLAKS. Milton. Op. Cit. p. 3.

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Deixando mais claro o fato de a denunciao da lide possibilitar o julgamento conjunto de duas aes, principal e regressiva, Arruda Alvim a define como:...a forma reconhecida pela lei como idnea para trazer terceiro ao processo (litisdenunciado), a pedido da parte, autor e/ou ru, visando a eliminar eventuais ulteriores aes regressivas, nas quais o terceiro figuraria, ento, como ru . 28

2.1 Procedimento.

Passamos agora a anlise de seu procedimento como regulado pelo Cdigo de Processo Civil, sendo certo que o Cdigo Civil de 2002 tambm trata da matria em seu art. 456 - que nos abstemos de abordar neste momento por ser objeto de estudo pormenorizado no captulo IV, onde tratamos do cerne desta monografia. O art. 71 do Cdigo de Processo Civil estabelece o momento em que dever ser promovida a denunciao da lide, determinando que: art. 71, verbis: A citao do denunciado ser requerida, juntamente com a do ru, se o denunciante for o autor; e, no prazo para contestar, se o denunciante for o ru. Observe-se que aqui, pela primeira vez, fica clara a possibilidade de o autor requerer a denunciao, o que posteriormente reafirmado pelo art. 74. Desta forma, o autor dever requer-la juntamente com o oferecimento de sua petio inicial.29

28

ARRUDA ALVIM NETTO, Jos Manoel de. Manual de Direito Processual Civil. 7 ed. So Paulo: RT, 2000. vol. 2. p. 163. 29 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Manual do Processo de conhecimento. 4 ed. rev., atual. e ampl. So Paulo: RT, 2005. p. 186.

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Este tambm o magistrio de Sydney Sanches: nesse momento, por conseguinte, que o autor deve tambm requerer a citao do denunciado, se for ele (autor) o denunciante (art. 71, 1 parte)30. E adverte: sob pena de precluso do direito denunciao da lide, com as conseqncias disso decorrentes.31 Note-se, ainda, que em relao ao ru o mesmo dispositivo no foi to preciso, deixando margem para discusses. Assim, doutrinadores como Milton Flaks entendem possvel o requerimento de denunciao feito dentro do prazo para contestar e sem oferecimento de contestao, que poderia ser apresentada aps exaurido o incidente32 e dentro do prazo remanescente, tendo em vista a suspenso do processo operada com a determinao de citao do denunciado. Argumenta o ilustre autor, acima citado, que na denunciao da lide a presuno de que o denunciado, magis instructus sobre os fatos, na maioria dos casos, tenha melhores condies de articular a defesa.33 A este entendimento, ope-se Athos Gusmo Carneiro, ao defender que o denunciado precisaria conhecer previamente a posio do denunciante, em relao pretenso que lhe foi formulada, para habilitar-se sua prpria defesa. Acredita, ainda, que a apresentao da denunciao da lide antes da contestao implicaria na precluso do direito de oferec-la.34

30 31 32 33

SANCHES, Sydney. Denunciao da lide no direito processual civil brasileiro. So Paulo: RT, 1984. p. 157 Ibid. p. 157.

FLAKS. Milton. Op. Cit. p. 223. Ibid. p. 225. 34 CARNEIRO, Athos Gusmo. Op Cit. p. 225.

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Quanto a este ponto, vale ressaltar as lies de Sydney Sanches que alerta para que, em se admitindo o entendimento de Milton Flaks e, deixando o ru de oferecer contestao, apresentando apenas o requerimento de denunciao, dever ele, ento:Estar atento para que o deferimento da denunciao, com a ordem de citao do denunciado, ocorra ainda dentro do prazo para contestao, pois, sem tal ordem, este continua correndo e poder se escoar por inteiro, com todas as conseqncias disso decorrentes. Se o requerimento s vier a ser deferido depois de decorrido o prazo para contestao, nem por isso poder este ser restitudo.35

Em seguida, o art. 72 do C.P.C. impe a suspenso do processo quando ordenada a citao do denunciado. Tal conseqncia justificada como meio de assegurar ao denunciado plena participao em todos os instrutrios.36 O pargrafo 1 do mesmo dispositivo fixa prazos para a efetivao da citao, cuja inobservncia punida pelo pargrafo 2, ao prescrever que: no se procedendo citao no prazo marcado, a ao prosseguir unicamente em relao ao denunciante. certo, porm que esta sano no ser aplicada quando o denunciante tiver tomado as providncias que lhe cabiam tempestivamente, no podendo ele ser prejudicado por eventual demora ou defeito no aparato jurisdicional.37 J o art. 73 do C.P.C. disciplina as denunciaes sucessivas, ou seja, a faculdade conferida ao denunciado de promover ele tambm a denunciao ao seu garante ou responsvel direto.

35 36

SANCHES, Sydney. Op. Cit. p. 166. FLAKS, Milton. Op. Cit. p. 213. 37 BUENO, Cssio Scarpinella. Op. Cit. p. 228.

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Apesar da existncia de dispositivo expresso a autoriz-las, as denunciaes sucessivas vm sofrendo fortes restries, dentre as quais destacamos a possibilidade de seu indeferimento naqueles casos em que venha a ocorrer demasiada demora no andamento do feito, com evidente prejuzo parte adversa ao denunciante originrio,38 por ser a mais aceita pela jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia. O art. 74 seguinte prescreve que o denunciado pelo autor assumir a posio de litisconsorte do denunciante podendo, inclusive, aditar a petio inicial. A mesma qualidade conferida ao denunciado pelo ru no art. 75 do C.P.C.39 Por fim, o art. 76 do C.P.C. dispe sobre a maneira pela qual dever ser encerrada a ao em que houver sido deferida a denunciao da lide, prevendo o julgamento conjunto da ao principal e regressiva.

2.2 Finalidade.

Analisado seu conceito, e visto seu procedimento, evidencia-se a finalidade a que se destina a denunciao da lide. Como todas as espcies de interveno de terceiros, esta tambm visa atender aos princpios da economia e celeridade processual. Alm disso, busca reduzir ao mximo os riscos de decises conflitantes, garantindo a necessria

38 39

CARNEIRO, Athos Gusmo. Op. Cit. p. 132. Apesar da letra da lei, Dinamarco acredita que a posio assumida pelo denunciado seria de assistente do denunciante, ao ponderar que: aquele que inserido no processo com o objetivo de ajudar o denunciante a ter melhor sucesso em relao causa pendente assistente deste: se nada pede para si e nada foi pedido em relao a ele, esse terceiro no autor e no ru. No litisconsorte, portanto, seno mero assistente ainda que assistente litisconsorcial, ou seja, qualificado. DINAMRCO, Cndido Rangel. Op. Cit. p. 145/146.

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segurana jurdica das decises, colaborando, ao mesmo tempo, para a efetividade do processo. Quanto ao tema, Milton Flaks destaca que a inconveniente dilao decorrente deste procedimento justificada justamente em virtude de sua finalidade precpua, e em homenagem a dois princpios: a) o da verdade judiciria, na medida em que o instrumento evita decises conflitantes em causas conexas e conseqentes, como so as demandas de regresso; b) o da economia processual, uma vez que, alm de evitar novo debate sobre questes j dirimidas, abre ao denunciado a oportunidade de aceitar a denncia, caso em que a incidncia do art. 76 do C.P.C. dispensa uma subseqente e desnecessria demanda regressiva.40

Em relao ao primeiro ponto, ressalta tambm a sua contribuio para o princpio da lealdade entre as partes.41 No que diz respeito ao segundo, destaca-se sua colaborao com a efetividade do processo, ao permitir que uma sentena encerre duas aes.42 Emergem como principais funes deste instituto a economia processual, havendo quem a considere seu verdadeiro fundamento,43 bem como a celeridade processual que empreende, tida como sua finalidade ltima.44 o que se extrai tambm das lies de Arajo Cintra que, escrevendo antes mesmo da vigncia do Cdigo de Processo Civil atual, j observava: o efeito principalda denunciao da lide tal como concebida pelo novo Cdigo de Processo Civil, o de introduzir no40 41

FLAKS, Milton. Op. Cit. p. 110. Ibid. p. 100. 42 USTRROZ, Daniel. A Condenao Direta do Denunciado. Revista Jurdica, n. 323, p. 56 67, setembro de 2004.43 44

BUENO, Cassio Scarpinella. Op. Cit. p. 208. CARVALHO, Fabio; BARIONI, Rodrigo. Eficcia da sentena na denunciao da lide: execuo direta do denunciado. Revista Jurdica, n. 325, p. 70 75, novembro de 2004.

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processo primrio a pretenso voltada pelo garante contra o garantido, de molde a permitir que numa nica sentena sejam decididas duas lides (...).45

Como se demonstrar nos captulos seguintes estes princpios so invariavelmente invocados para justificar diferentes posicionamentos e decises as mais dspares possveis.

Captulo III

Prenncio de aceitao da denunciao per saltum: a execuo direta do denunciado e a denunciao coletiva.SUMRIO: 3. Introduo; 3.1 - Execuo direta do denunciado Conceito; 3.2 Proximidade com a denunciao per saltum Argumentos para sua aceitao; 3.3 Denunciao da lide coletiva Conceito; 3.3.1 Proximidade com a denunciao per saltum Evoluo de sua aceitao; 3.5 Concluso.

3. Introduo:

No de se surpreender que a alterao legislativa inserta no novo art. 456 do Cdigo Civil em vigor, que regula a evico no plano material, com repercusso tambm na ordem processual, tenha reacendido s discusses acerca de instituto to controvertido quanto o da denunciao da lide. Isto porque as polmicas em torno desta modalidade de interveno de terceiros se multiplicaram, mesmo em pocas em que as normas que a regulavam no passaram por qualquer alterao.Cintra, Antonio Carlos de Arajo. Do chamamento a autoria: denunciao da lide. So Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1973. p. 177.45

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Foi o que se deu com as j conhecidas, mas longe de pacificadas, execuo direta do denunciado e denunciao coletiva. Sem que se promovesse qualquer reforma, seja na rbita do direito processual, seja no mbito do direito material, comeou-se a cogitar em doutrina, ganhando fora nos tribunais de todo o pas - inclusive com aceitao no Superior Tribunal de Justia -, destas duas formas de se proceder em relao denunciao da lide. Achamos oportuna a abordagem destas duas questes, ainda que de forma bastante superficial, por terem antecedido os recentssimos debates em torno da denunciao da lide per saltum, trazendo consigo, em relao ao mesmo tema, a mesma indagao: seria possvel parte litigar contra o denunciado sem que houvesse vnculo jurdico de direito material entre eles? A negativa a esta questo , como ser visto adiante, um dos principais argumentos a justificar sua no-aceitao por aqueles que repudiam a denunciao per saltum. Todavia, no foi capaz de se sobrepor aos princpios norteadores da denunciao da lide, nem a interpretao teleolgica dos dispositivos que a regulam, o que possibilitou a disseminao da denunciao coletiva e, principalmente, da execuo direta do denunciado pelo adversrio do denunciante, como demonstraremos a seguir.

3.1 - Execuo direta do denunciado Conceito:

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Inicialmente, cumpre ressalvar que, por estar restringida s hipteses em que proferida uma sentena condenatria, as discusses acerca de seu cabimento somente sero levantadas, por bvio, nas demandas em que a denunciao da lide houver sido promovida pelo ru. Doutrina e jurisprudncia tem-se valido desta para a hiptese regulada no inciso III, do art. 70 do C.P.C., notadamente em casos em que a denunciada uma seguradora. Feitas estas consideraes preliminares, podemos conceitu-la como sendo a possibilidade de o juiz condenar o denunciado diretamente em face do autor do processo originrio. Como se denota da leitura do art. 76 do C.P.C.,46 que informa a maneira pela qual o juiz dever sentenciar os casos onde tenha sido promovida a denunciao da lide, a forma preconizada pelo entendimento pretoriano, minoritrio, bem verdade, no possui amparo legal em norma expressa.

3.2 Proximidade com a denunciao per saltum Argumentos para sua aceitao.

Como dito, naquela, como nesta, a ausncia de relao jurdica de direito material sempre invocada como um dos principais argumentos para sua rejeio,47 como observam Fbio Carvalho e Rodrigo Barioni:46

Art. 76: A sentena, que julgar procedente a ao, declarar, conforme o caso, o direito do evicto, ou a responsabilidade por perdas e danos, valendo como ttulo executivo. 47 Nesse sentido, Jos Roberto dos Santos Bedaque, para quem: Por falta de viso adequada do fenmeno, no plano material, sustenta-se a possibilidade de, em denunciao feita pelo ru, o juiz condenar o denunciado em face do autor originrio. Tal no se mostra possvel ante a total inexistncia de vnculo jurdico que justifique o

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Os principais argumentos focados por essa corrente consistem, fundamentalmente, na ausncia de vnculo jurdico entre o autor e o denunciado e no fato de no haver formulao de pedido em face deste.48

Voltaremos nossa ateno para o primeiro dos pontos assinalados por estes ilustres juristas pelos motivos j expostos na introduo deste captulo, percorrendo a evoluo da jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia, que encontra adeptos na doutrina. No incio da dcada de 90, no julgamento do Resp n 23.039-5/GO, a 4 Turma daquele egrgio Tribunal comeou a flexibilizar seu entendimento, anteriormente contrrio execuo direta. Em acrdo relatado pelo Ministro Slvio de Figueiredo Teixeira, destacou-se o fato de o processo ter-se desenvolvido sem qualquer mcula a finalidade instrumental a que se destina.49 O mesmo argumento encontra arrimo em doutrina: Parece-nos que a denunciao da lide apresentaria melhores resultados com uma interpretao instrumental e finalstica de seus dispositivos.50 Entendimento com o qual se coaduna o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao destacar que:A denunciao da lide deve ser analisada sob o prisma de seu escopo dentro do direito processual, qual seja efetivar direitos e jamais frustr-los. Caso jamais se permita ao lesado atingir o

reconhecimento da obrigao de um em favor do outro. (Direito e Processo Influncia do direito material sobre o processo. 2 ed, 2 Tiragem. Rio de Janeiro: Malheiros, 1997. p. 87. 48 CARVALHO, Fabio; BARIONI, Rodrigo. Eficcia da sentena na denunciao da lide: execuo direta do denunciado. Revista Jurdica, n. 325, p. 70 75, novembro de 2004. 49 Resp n 23.039-5/GO. Julgado em 25/11/1992. unanimidade de votos, negou-se provimento ao recurso. 50 CARVALHO, Fabio; BARIONI, Rodrigo. Op. Cit. p. 70 - 75.

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patrimnio do responsvel (seja ele denunciante como denunciado, ou ambos) a funo da denunciao estaria comprometida.51

Chegando ao ano 2000, ganhava fora nos tribunais estaduais a possibilidade aqui abordada. No Superior Tribunal de Justia tambm crescia o nmero de seus adeptos. Em sesso realizada em junho daquele ano, o ento Ministro Eduardo Ribeiro proferiu interessante voto em que dava nfase ao papel inovador da jurisprudncia. Em seu voto-vista acentuava que:O pagamento feito diretamente vtima apenas evita aquilo que se costuma chamar de intil intermedirio. Cumpre reconhecer que essa a melhor soluo e que se encontra coerente com os princpios que informam o ordenamento, embora no se possa apontar especfico texto legal que diretamente a ampare. A jurisprudncia, entretanto, tem papel criador, desde que exercido com a necessria prudncia.52

Para concluir que: em interpretao construtiva, tenho como aceitvel a tese a admitir a ao direta. Contrape-se a esses argumentos, bem como queles em que se baseou o Ministro Menezes Direito, que destacava a funo instrumental do processo, a doutrina de Flvio Cheim Jorge e William Santos Ferreira, ao alertarem que:O princpio da instrumentalidade pode e deve ser utilizado, mas como tal, seu emprego deve guardar exata sintonia com o sistema, que em ltima anlise seu prprio reflexo. O processo interpretativo deve ser, sem dvida, utilizado com olhos postos nesta premissa, mas o hermeneuta deve ter cuidado redobrado, para que seu raciocnio no conduza contradio com o texto legal, porque a no teramos uma interpretao elstica e/ou ampliativa, mas sim contra legem.53

51

STJ, Resp n 97.590/RS, 4 Turma, Braslia, julgado em 15/10/1996. unanimidade de votos, no se conheceu do recurso. 52 STJ, Resp n 228.840/RS, 3 Turma, relator para o acrdo Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Braslia, julgado em 26/06/2000. Por maioria de votos no se conheceu do recurso. 53 FERREIRA, William Santos; JORGE, Flvio Cheim. Denunciaes da lide Sucessivas Possibilidade Condenao Direta e exclusiva dos denunciados: Revista de Processo n. 82. v. 21. p. 308 318. abril/jun. 1996.

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E, baseando-se nos ensinamentos de Carlos Maximiliano, destacam que o intrprete no cria, reconhece o que existe; no formula, descobre e revela o preceito em vigor e adaptvel a espcie (...).54 Em que pese a opinio destes eminentes doutrinadores, no h como se negar a evoluo da aceitao da execuo direta e a sobreposio dos princpios que informam a denunciao da lide sobre as normas que a disciplinam. No foi outra a razo que levou o Ministro Barros Monteiro a mudar recentemente seu posicionamento, reconhecendo que:No se verifica no caso, por conseguinte, a alegada contrariedade ao art. 76 da lei processual civil, tendo em conta notadamente o princpio da instrumentalidade do processo, desde que, ao fim e ao cabo, quem dever arcar com a soluo da sentena condenatria a ora recorrente.55

Na mesma oportunidade, o ilustre ministro deixou claro ser este o posicionamento consolidado do Superior Tribunal de Justia ao no conhecer do recurso, interposto com base em dissdio jurisprudencial, por esbarrar no bice do verbete da smula 8356 do mesmo Tribunal. Por fim, vale lembrar as lies do jurista Daniel Ustrroz, que clama por um maior aproveitamento das potencialidades do direito material pelo processo como forma de outorgar maior efetividade s justas expectativas dos litigantes e alcanar a justia do caso concreto.57Ibid. Apud MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e Aplicao do Direito, 12 ed, Rio de Janeiro: Forense, 1992. 55 STJ, Resp. n. 290.608/PR, 4 Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, Braslia, julgado em 03/10/2002. unanimidade de votos, no se conheceu do recurso. Na dcada de 90 o mesmo posicionava-se de forma diametralmente oposta, do que seve de exemplo o Resp. n. 6.793/CE, por ele relatado, julgado em 18/06/1991, recurso a que se deu provimento de forma unnime. 56 Smula 83: no se conhece do Recurso Especial pela divergncia, quando a orientao do tribunal se firmou no mesmo sentido da deciso recorrida. 57 USTRROZ, Daniel. A Condenao Direta do Denunciado. Revista Jurdica, n. 323, p. 56 67, setembro de 2004.54

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3.3 Denunciao da lide coletiva Conceito:

A denunciao da lide coletiva pode ser definida como sendo o procedimento pelo qual o denunciante promove a denunciao conjunta de todos os integrantes da cadeia de alienaes, do bem objeto do litgio principal. Assim, ao invs de aguardar a demorada denunciao individual e gradual de cada um dos alienantes da cadeia dominial, o denunciante promove, desde logo, o chamamento conjunto de todos eles.

3.3.1 Proximidade com a denunciao per saltum Evoluo de sua aceitao.

Confrontando o conceito apresentado acima com aquele exposto no item 4, infra onde apresentamos a definio da denunciao per saltum percebe-se facilmente que em ambos os casos estaria a se permitir ao denunciante litigar com algum sem que houvesse vnculo jurdico de direito material que os ligasse. Esta , como dito, a razo pela qual muitos autores a rejeitam:Para ns, a denunciao coletiva no pode ser admitida, sob pena de tumultuar-se o feito com a citao de denunciados que em tese, no possuem o dever de indenizar o denunciante caso venha a ser derrotado na ao originria, por no possurem, com ele relao direta. Entendemos assim que todos podem ser notificados para ingressarem como assistentes, caso o queiram.58

58

NOGUEIRA, Gustavo Santana. Curso Bsico de Processo Civil. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2004. p. 203.

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Srgio Ricardo de Arruda Fernandes acrescenta que faltaria legitimidade passiva ad causam aos denunciados remotos, que somente poderiam ser alcanados atravs da denunciao gradual, ou seja, obedecendo-se a cadeia sucessria de forma a cada alienante denunciar a lide quele que lhe transferiu o bem. Conclui o eminente professor que a denunciao coletiva implicaria em ofensa ao princpio dispositivo do exerccio do direito de ao.59 A despeito destas ponderaes, que fundamentaram por longos anos a repudia a denunciao coletiva, bem como a denunciao per saltum, sempre houve quem defendesse sua utilizao. Em interessante artigo sobre o tema, o professor Moniz de Arago recorda que j na dcada de 30, quando os estados ainda possuam competncia para legislar sobre normas de direito processual, previa o Cdigo de Processo Civil e Comercial paulista (lei n. 2.421/30), em seus artigos 73 e 74, a possibilidade de o chamado autoria requer a citao de algum ou de todos os seus antecessores.60 Apesar de reconhecer a ausncia de norma expressa neste sentido em nosso ordenamento na poca em que escrevia (1979), o eminente professor ainda assim defendia sua utilizao em casos excepcionais. Tais casos sempre envolviam o fundado risco de o denunciante originrio estar ameaado de ver interrompida a seqncia de denunciaes, no conseguindo, portanto, alcanar o primitivo responsvel pela evico.

59

FERNADES, Sergio Ricardo de Arruda. Teoria Geral do Processo: Questes importantes de Processo Civil. 3 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Roma Victor, 2004 p. 325 60 ARAGO, Egas Moniz de. Sobre o Chamamento Autoria. Revista AJURIS. n. 25, p. 23-45, ano IX, julho de 1982.

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Acreditava que seu raciocnio no infringia a lei processual estando, isto sim, em perfeita consonncia: com o papel instrumental que cabe ao processo,61 encontrando-se, tambm, de acordo com os ensejos do legislador da lei material, pois, como afirmava:De fato, sendo evidente o papel de assegurar, sempre, o ressarcimento pela evico, ainda que, para tanto, seja necessrio trazer a juzo, chamados autoria, todos os integrantes da cadeia dominial, no se desviar da lei quem sustentar ser indiferente que sejam litisdenunciados cada um de sua vez, ou todos em conjunto de uma s vez.62

Assim, acreditava que uma interpretao sistemtica e finalstica da lei possibilitaria tal procedimento, como ilustra o seguinte trecho:Ora, se a finalidade da lei proporcionar integral ressarcimento vtima da evico, mesmo que para isso tenham que ser trazidos ao processo, chamados autoria, todos os antecessores do litigante, parece inegvel que a interpretao teleolgica assegura ao jurista a base de apoio de que necessita para defender a licitude do chamamento conjunto autoria, sempre que for o nico meio eficaz de realizar adequadamente o intuito da lei (prestao da garantia e ressarcimento dos danos, repetese).63

Ressalvava, ainda, que a denunciao coletiva no impediria a defesa do litisdenunciado, muito menos seu direito de impugnar a denunciao em si mesma.64 A tese tambm j havia sido defendida por Caio Mrio, quase duas dcadas antes, na primeira edio de sua clssica obra at hoje reeditada,65encontrando amparo, posteriormente, na doutrina de Athos Gusmo Carneiro,66 que resultou

61 62

Ibid. p. 35. Ibid. p. 35. 63 Ibid. p.42. 64 Ibid. p. 39. 65 PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1963, Vol. III, p. 95. 66 CARNEIRO, Athos Gusmo. Op. Cit. p. 131-132.

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aceita tambm no Superior Tribunal de Justia em acrdo indito, de sua relatoria, lavrado ainda no incio da dcada de 90.67 Como se v, a ausncia de norma expressa a autorizar a denunciao coletiva no foi suficiente para evitar sua aceitao, nem mesmo pelo Superior Tribunal de Justia, assim como se deu com a execuo direta do denunciado. No intuito de alcanar a real finalidade da lei, e, para tanto, se valendo dos princpios que informam o instituto da denunciao da lide, foi possvel suprir a falta de norma expressa, derrubando autorizados argumentos que lhe eram desfavorveis. Agora, sob a vigncia do novo Cdigo Civil e seu artigo 456, caput, multiplicam-se seus simpatizantes.68 Enquanto alguns acreditam que a inovao autorizaria apenas a denunciao coletiva, e no a per saltum (v. item 4.2, infra), outros defendem que ambas seriam possveis, sendo facultado ao denunciante a escolha por uma ou outra.693.5 Concluso:Ementa: Denunciao da lide. Mandato in rem propriem. Responsabilidade dos mandatrios e seus cessionrios pelos riscos da evico. (omissis). Configurao do mandato em causa prpria como negcio oneroso, com transmisso da posse e conseqente responsabilidade do transmitente pelos riscos da evico. Artigos 70, I, do Cdigo de Processo Civil e 1.107 e 1.073 do Cdigo Civil. Admissibilidade da denunciao coletiva, com chamamento conjunto, e no sucessivo, dos vrios antecessores da cadeia de proprietrios e possuidores. Recurso especial conhecido pela alnea a e parcialmente provido. (STJ, 4 Turma, Resp. 4589/PR, Rel. Min. Athos Gusmo Carneiro, Braslia, julgado em 19/06/1991). 68 Neste sentido: NERY JNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Cdigo de Processo Civil Comentado e Legislao Extravagante. 7 ed. So Paulo: RT, 2003. p. 443-444: Quando se vislumbrar insolvncia ou ausncia (e.g., reside no exterior em lugar inacessvel: CPC 231 1) de algum dos anteriores proprietrios na cadeia dominial, podem ser realizadas denunciaes coletivas contra todos os participantes da cadeia, e no apenas a denunciao gradual.69 67

CASTRO, Hernani Montanini de; CASTRO, Danilo Flvio Montanini de. RDCPC, n. 25, set.-out./2003. p. 143-149.

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A par destas breves consideraes acerca da execuo direta do denunciado e da denunciao coletiva, no causa espanto a retomada dos debates concernentes admissibilidade da denunciao per saltum. Como visto, a interpretao sistemtica das normas que disciplinam a denunciao da lide, e a utilizao dos princpios que a norteiam, foram capazes de derrubar os mais slidos e autorizados argumentos em contrrio, mesmo quando carente de dispositivo expresso a autorizar tais procedimentos. A busca pela finalidade da lei e a criatividade dos operadores do direito foram alimentadas pelo novo Cdigo Civil.

Captulo IV

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Denunciao da lide per saltumSUMRIO: 4 - Conceito; 4.1 - Doutrina favorvel; 4.2 contrria; 4.3 - Evoluo jurisprudencial. Doutrina

4 - Conceito:

O art. 456 caput do novo Cdigo Civil altera o art. 1.116 do Cdigo Civil de 1916 trazendo mais uma polmica ao j muito discutido instituto da denunciao da lide. Como se no bastassem as inmeras crticas, acerca de praticamente todos os dispositivos da lei processual que regulam esta modalidade de interveno de terceiros (artigos 70 e seguintes do C.P.C.), o novo Cdigo Civil deu azo a mais uma discusso sobre o tema: o cabimento ou no da chamada denunciao da lide per saltum, ou por saltos. Isto se deu devido modificao na lei civil, que passou a permitir ao adquirente notificar do litgio, no s o alienante imediato, mas a qualquer dos anteriores, sempre que exercitar o direito que da evico lhe resulta. Vale destacar o inteiro teor do referido dispositivo:Art. 456, CC: Para exercitar o direito que da evico lhe resulta, o adquirente notificar do litgio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo.70

70

Art. 1.116, C.C. de 1916: "Para poder exercitar o direito, que da evico lhe resulta, o adquirente notificar do litgio o alienante, quando e como lho determinarem as leis do processo".

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O pequeno texto acima destacado, introduzido em lei que regula o direito material, foi suficiente para renovar as discusses na doutrina, com reflexos na jurisprudncia (como se demonstrar detalhadamente nos itens seguintes). Em relao ao tema somente seu conceito parece ser pacfico. As opinies abaixo expostas confirmam o que aqui se afirma - sobretudo quando passarmos leitura dos itens 4.1 e 4.2, infra, em que abordamos as posies antagnicas destes doutrinadores quanto ao cabimento da denunciao per saltum. Nas palavras de Cassio Scarpinella Bueno, trata-se da possibilidade de utilizar-se da denunciao da lide no necessariamente e em qualquer caso, ao alienanteimediato, de quem o denunciante adquiriu o bem ou direito questionado em juzo, mas a qualquer outro dos anteriores, independentemente da ordem das alienaes no plano do direito material71.

Definio semelhante apresentada por Humberto Theodoro Jnior. Discorrendo sobre a interferncia da nova lei civil no mbito do direito processual civil, o ilustre processualista, comentando o caput do novo art. 456 do C.C. acentua que:Com esta inovao, o direito de reclamar os efeitos da garantia da evico passou a ser exercitvel, mediante a denunciao da lide, no s ao alienante imediato, mas tambm perante qualquer outro que anteriormente tenha figurado na cadeia das transmisses do bem ou do direito. 72

Como antecipado acima, mesmo entre seus opositores no h discrepncia significativa quanto a seu conceito.

71 72

BUENO, Cassio Scarpinella. Op. Cit. p. 249/250. THEODORO JR., Humberto. RDCPC, N. 32, nov-dez./2004. p. 27.

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o que se conclui quando da anlise daquele apresentado por um de seus maiores crticos, Alexandre Cmara. Para o mestre carioca, tratar-se-ia da permisso para que o denunciante demandasse no em face daquele com quem estabeleceu relao jurdica de direito material, mas em face de sujeito de relao jurdica distinta, anterior sua. 73 No mesmo sentido Gustavo Santana Nogueira, para o qual seria a denunciao da lide Onde o denunciante poderia promover ao de regresso em face de pessoas que no tm com ele nenhuma relao jurdica de direito, pulando assim o responsvel direto. 74 Cumpre ressaltar, desde logo, que as discusses surgidas esto, segundo a maioria dos doutrinadores, adstritas hiptese de denunciao da lide prevista no art. 70, inciso I, do C.P.C., que disciplina o procedimento nos casos de evico que, na clssica definio de Clvis Bevilqua, consiste na perda da coisa, por fora da sentena judicial, que a atribui a outrem, por direito anterior ao contrato aquisitivo.75 A partir destas lies, nos arriscamos a apresentar nosso entendimento acerca de seu conceito como sendo a possibilidade do evicto, atravs da denunciao da lide, exercer o direito que da evico lhe resulta contra qualquer dos alienantes, numa cadeia de alienaes sucessivas, independentemente de possuir ou no com qualquer um deles relao jurdica de direito material.

4.1 - Doutrina favorvel:

73 74

CMARA, Alexandre Freitas. Op. Cit. p. 204. NOGUEIRA. Gustavo Santana. Op. Cit. p. 203/204. 75 BEVILQUA, Clvis. Cdigo Civil dos Estados Unidos do Brasil: comentado. 5 tiragem, vol. IV. Edio histrica. Rio de Janeiro: Rio, 1958. p. 221.

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Entre aqueles que defendem a viabilidade da denunciao da lide per saltum, encontramos os seguintes autores: Cassio Scarpinella Bueno, Humberto Theodoro Jnior, Arruda Alvim, Nelson Nery Jnior, Rosa Maria de Andrade Nery, Luiz Guilherme Marinoni, Srgio Cruz Arenhart, entre outros. Na distante dcada de 50, analisando o instituo da denunciao da lide como regulado pelo direito francs, Miguel Serpa Lopes reconhecia que:A doutrina e a jurisprudncia francesas so unnimes em admitir, nos casos de vendas sucessivas, caber ao ltimo adquirente, no somente ao contra o seu vendedor (o qual ter a seu turno ao contra o seu vendedor e assim sucessivamente) como pode igualmente, omisso medio, citar o vendedor originrio, inicialmente responsvel. Entretanto, tal critrio tem fundamento legal no art. 1.615 do CC francs, que consagra a ao direta. O direito brasileiro ressente-se de um dispositivo similar.76

Na opinio dos eminentes juristas que agora admitem a denunciao per saltum, a inovao contida no caput do art. 456 do novo Cdigo Civil seria justamente o dispositivo que faltava para autoriz-la em nosso ordenamento. Estaria superado, assim, o entendimento anteriormente majoritrio no sentido de ser inadmissvel tal procedimento. o que se depreende do seguinte trecho da obra de Marcus Vincius Gonalves:No se admitia, em nenhuma hiptese, que a denunciao se fizesse por saltos. No entanto, o art. 456, do novo Cdigo Civil no deixa dvidas, permitindo que a denunciao se faa ao alienante imediato ou a qualquer dos anteriores, na forma das leis do processo. 77

LOPES. Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil. vol. 3. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1954, p. 161. 77 RIOS, Marcus Vincius Gonalves. Novo Curso de Direito Processual Civil. vol. 1. Rio de Janeiro: Saraiva, 2004. p. 197.

76

35

Opinio com a qual se coaduna Cassio Scarpinella Bueno, para quem: o caput do dispositivo, j salientei no item 8.2, supra, modifica o entendimento predominante na doutrina e na jurisprudncia de que no cabe denunciao da lide per saltum (...). 78 Com efeito, vale relembrar o magistrio de Milton Flaks a respeito da matria, constante de sua festejada obra intitulada Denunciao da Lide, reconhecidamente uma das mais respeitadas sobre o assunto, onde sublinhava: ...nunca se admitiu, entre ns, a denunciao per saltum, mesmo porque a relao de direito material sempre entre quem denuncia e o seu garante ou responsvel imediato.79 Entretanto, atento alterao legislativa que estava por vir, j antevia a possibilidade aqui analisada reconhecendo que o projeto de reforma do Cdigo Civil adotou outra diretriz. Assim, diante do texto do art. 456, caput, acima transcrito, que veio a ser aprovado sem qualquer alterao, entendia estar sendo criada uma exceo a orientao ento dominante, vlida apenas para a hiptese de evico.80 As lies de Humberto Theodoro Jr. e Arruda Alvim so bastante emblemticas quanto a este ponto. Ambos filiavam-se a corrente ento dominante. Entretanto, aps a inovao legislativa, passaram a defender a viabilidade da denunciao per saltum.

78

BUENO, Cassio Scarpinella. Op. Cit. p. 252. Entre os civilistas, compartilha do mesmo entendimento o Mestre Caio Mrio que, discorrendo sobre o referido dispositivo, chamava ateno para o fato de se tratar de inovao importante do Cdigo de 2002, porque possibilita ao evicto cobrar a sua indenizao diretamente do responsvel pela aquisio viciada originria, sem que tenha que exercer o seu direito contra o alienante imediatamente anterior e sucessivamente. PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de Direito Civil Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2004. vol. 3 p. 143 FLAKS, Milton. Op. Cit. p. 177. Ibid. p. 178.

79 80

36

O primeiro, escrevendo sob a gide do Cdigo de 1916, tinha posicionamento firmemente contrrio a sua utilizao, em suas palavras:Convm observar, porm, que na garantia regressiva s h vnculo entre o adquirente e seu antecessor imediato. Cada adquirente, dentro da cadeia de vrias e sucessivas transmisses do mesmo bem, s pode fazer a denunciao da lide ao alienante de quem houve a coisa litigiosa. No h lugar para a denunciao direta a figurantes remotos na aludida cadeia dominial (denunciao per saltum no possvel). 81 (Theodoro Jr., 2001, p. 117)

Assim, embora pudesse estabelecer-se uma cadeia de denunciaes, cada uma delas haveria de ser provocada pelo respectivo titular do direito de regresso.82 Esta era sua interpretao do art. 73 do C.P.C., que regula a denunciao sucessiva. No entanto, com a entrada em vigor da nova lei civil, o autor mineiro mudou seu ponto-de-vista sustentando, agora, que o tema passou a ser tratado de maneira diversa, ao menos em relao evico, devido alterao que resultou no art. 456. Em conformidade com sua interpretao em relao ao referido dispositivo, passa a admitir, expressamente, a denunciao pelo evicto a qualquer dos alienantes que tenham participado na cadeia de transmisses do bem ou direito.83 O mesmo se deu com Arruda Alvim. Uma vez mais o autor modifica seu posicionamento em relao ao instituto da denunciao da lide.84 Ao argumento de ser indispensvel a existncia de relao jurdica entre denunciante e denunciado, o autor no admitia a denunciao per saltum. 8581

THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 29 ed. vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 117 82 Idem. RDCPC, n. 32, nov-dez./2004. p. 27. 83 Ibid. p. 27. 84 O autor filiava-se a corrente minoritria que no admitia sequer a denunciao sucessiva passando, posteriormente, a unir-se a ampla maioria Alvim, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 9 ed. Vol. 2, So Paulo: RT, 2005. p. 160. 85 Idem. Manual de Direito Processual Civil.7 ed., vol. 2. So Paulo: RT, 2000. p. 187.

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Entretanto, diante da mudana legislativa rev seu entendimento, sustentando, agora, a viabilidade de assim proceder-se por acreditar que o art. 456 do novo Cdigo Civil estaria abrindo a possibilidade para a chamada denunciao da lide per saltum at ento inadmitida. 86 Passamos agora a exposio dos argumentos utilizados por estes doutrinadores na defesa da utilizao da denunciao por saltos. Alguns se limitam a invocar o texto do artigo 456 do Cdigo Civil em vigor (v. item 4, supra), que, segundo eles, seria suficiente para regular a matria. Fazem, desta forma, uma interpretao literal e isolada deste dispositivo furtando-se, assim, a enfrentar as questes controvertidas que sua

aceitao gera, seja no mbito do direito processual, seja no mbito do direito material.87 Ao contrrio destes, Cassio Scarpinella Bueno e Humberto Theodoro Jnior fazem uma anlise mais detida do assunto, expondo de forma clara seu raciocnio. O ponto de partida comum aos dois: a alterao na regulamentao do instituto da evico (v. item 4, supra).Idem. Manual de Direito Processual Civil. 9 ed., vol. 2. So Paulo: RT, 2005. p. 160/161. RIOS, Marcus Vinicius Gonalves. Op. Cit. p. 197. Igualmente ignorando as controvrsias em relao ao tema, porm admitindo a denunciao per saltum, ANDRADE, Valentino Aparecido de. In Revista de Processo 113/139; para quem tais debates so menos relevantes em face da previso expressa constante no art. 456 do CC.87 86

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Analisando as implicaes no bojo do direito processual, sustentam sua viabilidade ao interpretar o artigo 456 do Cdigo Civil combinanando-o com o artigo 73 do diploma processual. Procedendo desta maneira, o primeiro acredita ter sido este dispositivo alimentado pela nova regra de direito civil88 que teria regulado novo caso de substituio processual, como exposto na seguinte passagem:A hiptese, posto que adstrita aos casos de evico, afina-se a idia de legitimao extraordinria. Em juzo estar algum (o alienante) litigando, em nome prprio, por direito alheio (do adquirente ou, mais amplamente, dos diversos componentes, seno de todos, da cadeia dominial). 89

A seu turno, Theodoro Jnior entende tratar-se de hiptese de solidariedade passiva:Conferindo-se ao evicto direito de avanar na cadeia regressiva dos sucessivos alienantes, a lei civil acabou por instituir uma solidariedade passiva entre eles e perante aquele que sofre a evico. O que afinal suportar o garantir ter, naturalmente, direito de reembolso junto aos alienantes que o precederam na cadeia. 90

Ressalta, ainda, que a parte final do artigo 456 do Cdigo Civil, que recomenda observarem-se as leis do processo, refere-se apenas a necessidade de observar-se o procedimento traado pela lei processual para a denunciao da lide. Do que conclui que: No foi a legitimidade para exercer o direito de garantia emanado da evico, nem tampouco o seu alcance objetivo e subjetivo.

88 89

BUENO, Cassio Scarpinella. Op. Cit. p. 250/251. Ibid. p. 250. 90 THEODORO JR., Humberto. Op. Cit. p. 27.

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Este esforo de interpretao justificado para se dar algum sentido a modificao introduzida pelo legislador civil. Ambos concordam que, a no se entender assim, tal inovao estaria despida de qualquer resultado prtico. 91 No mesmo sentido, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery defendem que o referido dispositivo instituiu hiptese de sub-rogao legal do adquirente nos direitos de qualquer dos demais adquirentes da cadeia de alienao no que tange ao exercimento dos direitos que decorrem da evico.92 Em perfeita harmonia com a exegese proposta por estes eminentes juristas, Luiz Guilherme Marinoni e Srgio Cruz Arenhart93, a despeito de no entrarem no debate acerca da natureza jurdica da relao processual estabelecida entre o denunciante e denunciado per saltum, vo mais alm. Para eles, apesar do Cdigo Civil ter disciplinado a matria somente para os casos em que ocorrer a evico, o mesmo procedimento poderia ser adotado em qualquer espcie de denunciao da lide atravs de uma interpretao analgica. o que evidencia o seguinte trecho:Ainda que a soluo seja expressa para a evico, pode ser aplicada, por analogia, s demais hipteses de denunciao. Nesses casos, o denunciante tambm poder indicar o denunciado na cadeia de responsabilidade, cabendo aos demais buscar o ressarcimento dos seus direitos atravs de outra via. 94

Diante da inovao legislativa em comento, h juristas que acreditam ter sido criada nova situao de extenso dos efeitos do contrato para alm das partes91 92

Ibid. p.28. NERY JNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Cdigo de Processo Civil Comentado e Legislao Extravagante. 7 ed. So Paulo: RT, 2003. p. 435-436. 93 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Srgio Cruz. Op. Cit. p. 188. 94 Ibid. p. 188/189.

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contratantes. Esta a concluso exposta em artigo publicado na Revista Sntese de Direito Civil e Processual Civil, publicada pouco aps o incio da vigncia do novo diploma civil, como disposto abaixo:Merece destaque ainda que, ao permitir a denunciao lide de qualquer um dos alienantes do bem objeto do litgio, o legislador promoveu um abrandamento do princpio contratual da relatividade. Ora, se o contrato s produz efeitos entre as partes e, para outras pessoas, res inter alios acta, no podendo atingir seno as esferas jurdicas dos participantes do consentimento, resta evidente que, por esta disposio legal, o contrato entabulado entre o alienante imediato e adquirente evicto pode irradiar seus efeitos para alm dessas duas esferas de interesses, vinculando aquele alienante pretrito que, caso denunciado, responder diretamente pela evico.95

Das lies acima reproduzidas possvel concluir-se que, para aqueles que admitem a denunciao per saltum, esta teria sido viabilizada pelo art. 456, caput, do novo Cdigo Civil. Este dispositivo teria criado nova situao de legitimao extraordinria, ou de solidariedade passiva, entre aquele que sofre a evico e os alienantes do bem ou direito que lhe reclamado. Sempre que houver uma cadeia de alienaes, o evicto, para se resguardar dos efeitos da evico, estaria legitimado a denunciar a lide a qualquer dos alienantes, o que seria permitido conjugando-se o referido dispositivo com o art. 73 do C.P.C. Ainda em conformidade com a to buscada celeridade e economia processual, alguns propugnam sua viabilidade tambm para as hipteses reguladas pelos incisos II e III do art. 70 do C.P.C., o que seria possvel atravs se uma interpretao por analogia.

95

CASTRO, Hernani Montanini de; CASTRO, Danilo Flvio Montanini de. RDCPC, n. 25, set.-out./2003.

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4.2 - Doutrina contrria

No menos ilustres so aqueles que rechaam por completo a denunciao por saltos e os argumentos expostos no item anterior. Dentre eles, encontram-se: Cndido Rangel Dinamarco, Alexandre Freitas Cmara, Alfredo de Arajo Lopes da Costa e Gustavo Santana Nogueira. Na viso destes processualistas, nem mesmo a alterao introduzida pelo novo Cdigo Civil teria sido capaz de viabiliz-la. Isto porque, apesar da referida modificao (v. item 4, supra), o art. 456 caput do Cdigo Civil em vigor manteve a exigncia de o alienante notificar o denunciado quando e como lhe determinarem as leis do processo". Mais radical entre os autores acima citados, o professor Gustavo Santana Nogueira filia-se a corrente minoritria que no admite sequer a denunciao sucessiva.96 Nessa esteira, acentua que: nossa opinio a de que, apesar do Cdigo Civil aparentemente permitir a denunciao per saltum, esta no ser cabvel por fora das regras processuais (...). 97 Apesar de no mencion-las expressamente, as regras processuais a que alude so as mesmas que levaram Dinamarco e Freitas Cmara a manterem seu posicionamento. Assim, diante da inovao na lei civil, Cmara ressalta que: somente uma interpretao apressada do art. 456 do Cdigo Civil de 200298 poderia levar a

96

Esclarece, entretanto, que aps indeferir a denunciao sucessiva, dever o juzo determinar a intimao daquele que seria denunciado para figurar no processo, caso queira, na qualidade de assistente simples do denunciado na ao regressiva. NOGUEIRA, Gustavo Santana. Op. Cit. p. 202. 97 Ibid. p. 204. 98 CMARA, Alexandre Freitas. Op. Cit. p. 204

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concluso de que teria sido permitido responsabilizar-se uma pessoa perante outra com quem no possui nenhuma relao jurdica de direito material. Interpretando esta norma em consonncia com a lei processual, como ela mesma alerta que se faa (art. 456, C.C. in fine), seria o intrprete remetido ao art. 73 do Cdigo de Processo Civil que prescreve, in verbis:"Para os fins do disposto no art. 70, o denunciado, por sua vez, intimar do litgio o alienante, o proprietrio, o possuidor indireto ou o responsvel pela indenizao e, assim, sucessivamente, observando-se, quanto aos prazos, o disposto no artigo antecedente".

Ou seja, as denunciaes devero ser feitas sucessivamente, e no por saltos. Esta sua leitura da parte final do caput do art. 456 do CC:Esta clusula final remete ao sistema do CPC, segundo o qual a denunciao da lide feita pelo adquirente ao seu alienante imediato e este, por sua vez, denunciar a lide a quem lhe transferiu o bem, e assim por diante. 99

Atravs desse raciocnio, conclui que: Determinando a lei civil que a denunciaoda lide se faa quando e como lhe determinarem as leis o processo, no ser admissvel a denunciao da lide per saltum, fazendo-se mister a realizao de denunciaes sucessivas. 100

Da mesma forma entende Dinamarco, para quem so inadmissveis as denunciaes per saltum: cada sujeito processual s pode denunciar a lide ao seu prprio garante e jamais aos garantes de seu garante. 101 Para este ilustre jurista, no h que se falar em legitimao extraordinria ou mesmo solidariedade passiva dos sucessivos alienantes em relao ao evicto, como querem fazer crer aqueles que sustentam sua viabilidade (v. item 4.1, supra). Portanto99

Ibid. p. 204. Ibid. p. 204. 101 DINAMARCO, Cndido Rangel. Instituies de Direito Processual Civil. 3 ed. rev., atual. e ampl. So Paulo: Malheiros, 2003. p. 406.100

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este no teria legitimidade para demandar em face de outro alienante que no o alienante imediato, como demonstra ao concluir que:Aquele que se obriga a prestar ressarcimento a uma pessoa s legitimado para as demandas que essa pessoa mover; sem um vnculo de direito material que o ligue parte, o garante do garante no parte legtima para qualquer demanda proposta por esta. 102

Este tambm o magistrio de Flavio Luiz Yarshell, que ressalta, ainda, o entendimento consolidado no Supremo Tribunal Federal, sempre contrrio a denunciao per saltum (V. item 4.3, infra). Atento as implicaes que sua aceitao provocaria, acentua que:Pensar diferente seria imaginar que no plo passivo da denunciao que, como sabido, encerra uma demanda do denunciante contra o denunciado haveria uma espcie de litisconsrcio facultativo. Pior que isso, foroso seria acreditar que um dos alienantes qualquer um deles, a considerar provavelmente a respectiva capacidade de arcar com a indenizao do adquirente/denunciante poderia responder por diferentes indenizaes, de diferentes adquirentes. Ambas as conseqncias parecem despropositadas (...).

Assim como Dinamarco e Freitas Cmara, acredita que a inovao sob anlise serviria para por um fim, de uma vez por todas , s divergncias jurisprudenciais acerca da admisso das denunciaes sucessivas, que, a despeito de expressamente previstas no art. 73 do C.P.C., no raro so rejeitadas. 103 Destarte, afastam-se esses eminentes processualistas da exegese proposta por Humberto Theodoro Jnior para a parte final do art. 456 do Cdigo Civil, descartando por completo a denunciao por saltos.

Ibid. p. 406. YARSHELL, Flavio Luiz. Evico e Denunciao da Lide no novo Cdigo Civil: Contribuio ao Direito Bancrio. Revista de Direito Bancrio e do Mercado de Capitais. So Paulo, n. 26, p. 35 40, out.- dez. 2004.103

102

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Afinam-se, assim, aos ensinamentos de Lopes da Costa que h muito j dizia: A denncia sucessiva no se faz per saltum, mas de mo em mo, de cada um adquirente a seu respectivo alienante. 104 Por sua vez, Rodrigo Salazar105 e Srgio Ricardo de Arruda Fernandes106 propem uma alternativa de interpretao ao art. 456 do Cdigo Civil. Para estes juristas, a inovao serviria para autorizar a chamada denunciao da lide coletiva, consagrando tese j sufragada pelo Superior Tribunal de Justia (cf. exposto no 3.4, supra). Rodrigo Salazar acrescenta, ainda, que seriam nefastas as conseqncias impostas ao denunciado por salto, pois: como poderia o alienante chamado, imaginemos, que no tivesse contribudo para a evico, vir a defender a alienao, se esta pode ter sido operada sem que o mesmo soubesse, anos a frente do negcio do qual foi parte?. Seguindo em seu raciocnio, descarta a exegese proposta por Scarpinella Bueno e Theodoro Jnior ao asseverar que:Mesmo que se trate de hiptese de legitimao extraordinria, tem-se que possibilitar tambm a defesa do direito em questo, e no apenas trazer eventual, e neste caso gigantesco, nus. A idia de que o denunciado se sub-roga no credito oriundo da condenao que sofreu, podendo demandar contra o responsvel pela evico, em nosso entender, pouco alentadora para uma situao kafikaniana como esta: defender-se de pretenso, em juzo, sem que existam meios para tanto.

LOPES DA COSTA, Alfredo de Arajo. Direito Processual Civil Brasileiro. Vol. 3. 2 ed. Rio de Janeiro: Jos Konfino, 1947. 105 SALAZAR, Rodrigo. Hiptese de denunciao da lide do art. 70, I, do CPC: anlise do art. 456 do novo CC. Possibilidade de denunciao per saltum? In: DIDIER Jr., Fredie; WAMBIER, Teresa A.A. Aspectos Polmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil: e assuntos afins. So Paulo: RT, 2004. p. 937 949. 106 FERNADES. Sergio Ricardo de Arruda. Aspectos processuais do novo Cdigo Civil. Disponvel em http//www.amaerj.org.br/noticiasespecial6.htm.

104

45

Conclui-se, assim, que, de acordo com a doutrina ainda majoritria, no se deve admitir a denunciao per saltum, pois a ressalva mantida na parte final do art. 456 do novo Cdigo Civil, remeteria o intrprete ao art. 73 do C.P.C., o que implicaria na necessidade de percorrer-se toda a cadeia dominial de maneira sucessiva, e no por saltos. Desta forma no haveria como sustentar-se a legitimidade passiva do denunciado per saltum. H ainda quem entenda que a inovao da lei civil acabou por instituir outra forma de denunciao da lide, j admitida no Superior Tribunal de Justia, intitulada de denunciao coletiva (v. item 3.3, supra). Esta a exegese que parece a mais razovel, no s por estar em harmonia com o entendimento pretoriano pacificado antes da referida alterao legislativa - no sentido de no se admitir a denunciao per saltum -, mas tambm por consagrar tese j sufragada pelo Superior Tribunal de Justia que atende perfeitamente aos princpios da economia e celeridade processual. Estaria, dessa maneira, sendo estendido o alcance do art. 73 do C.P.C. eliminando-se a inconveniente demora que as sucessivas denunciaes acarretam, o que levou, inclusive, a ser restringida em muito sua aceitao.

4.3 - Evoluo jurisprudencial

Ao contrrio da denunciao coletiva e da execuo direta contra o denunciado pelo adversrio do denunciante, cuja jurisprudncia se formou sem qualquer alterao legislativa, a denunciao per saltum no era admitida pelos tribunais brasileiros.46

Os julgados a seguir ilustram o posicionamento dos Tribunais de Justia estaduais que ora se utilizavam de normas infraconstitucionais, ora socorriam-se de normas constitucionais para descart-la. Nesse sentido, no Rio Grande do Sul, firmou-se entendimento contrrio a denunciao por saltos, exigindo-se, assim, que fosse percorrida toda a cadeia dominial atravs de denunciaes sucessivas. 107 No Rio de Janeiro, a orientao no era muito diferente. Em julgamento realizado em abril do ano 2000, a tese continuava a ser rechaada. Em seu voto, o Desembargador lide per saltum. Ainda fundamentando seu voto, acompanhado pelos demais julgadores, justificava: que, quele que se viu lesado em decorrncia do atuar estatal (ou de seus delegados que prestam servios pblicos), garantido o direito reparao do dano, de forma imediata, pelo Estado. Desta forma, a 12 Cmara Cvel rejeitava a denunciao per saltum por fora da norma constitucional que abarca a responsabilidade objetiva do Estado108 e no em decorrncia das normas processuais invocadas no Rio Grande do Sul. Os tribunais locais mostravam-se, assim, em perfeita harmonia com a posio pacfica do Supremo Tribunal Federal. No incio da dcada de 80 j Alexandre Varella, asseverava que: Em hiptese de responsabilidade civil objetiva, no se admite, no direito brasileiro, a denunciao

107

Conforme ementa reproduzida na nota de rodap 111, infra.

108

Apelao Cvel n 19142/99, 12 CCTJRJ, julgado em 4 de abril de 2000.

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prevalecia a tese segundo a qual a denunciao lide no se faz per saltum. Ao contrrio, obedece a uma sucesso nos ttulos, de acordo com o que preceitua o artigo 73 do Cdigo de Processo Civil. 109 Entendimento que se perpetuou por toda aquela dcada, em julgamentos levados ao Tribunal Pleno, onde sempre se rejeitava, unanimidade de votos, a denunciao por salto. Servem de exemplo os seguintes acrdos: ACO 299 AgR/MT, relator: Min. Cordeiro Guerra. Julgado em 12/08/82; ACO 277/DF, relator: Min. Moreira Alves. Julgado em 25/10/84; ACO/MT 318 relator: Min. Moreira Alves, julgado em 29/04/87. No final da dcada de 80 o Ministro Sydney Sanches no deixava dvidas quanto a firme posio do Supremo: a denunciao da lide, com base no inciso I do art. 70 do C.P.C., s possvel ao alienante imediato, no 'per saltum', como j decidiu o S.T.F. em vrios precedentes. 110 Tais precedentes foram utilizados at o fim da dcada de 90, como demonstra o seguinte trecho de voto lavrado pelo ento Ministro Maurcio Correa:No cabe denunciao da lide ao estado alienante do imvel porque o caso no se adapta em nenhuma das trs hipteses do art. 70 do CPC, eis que no se trata de reivindicao de imvel pela unio, nem de denunciao sucessiva (art. 73 do CPC), mas feita "per saltum". Precedentes.

Ementa: Ao cvel originria. Particular contra a Unio Federal e a FUNAI. Denunciao lide, pela segunda r, do Estado do Mato Grosso, como denunciado do autor (impossibilidade). Incompetncia do STF. (omissis). III a denunciao lide no se faz per saltum e, no caso, no foi o do Estado de Mato Grosso que alienou ao autor a rea em litgio (CPC, art. 73). Precedente: RTJ 104/932. RTJ 108/459, relator Min. Francisco Rezek. 110 RTJ 128/03. Julgado em 1/02/89.

109

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Aguarda-se ainda uma manifestao do Supremo diante da modificao da legislao civil, apesar de se tratar de matria que raramente chega a ser conhecida por este tribunal devido a seu carter eminentemente infraconstitucional. Corte prpria para apreciar a matria, o Superior Tribunal de Justia, at o momento, tambm no resolveu qualquer caso envolvendo a matria aps a referida modificao. Entretanto, o Centro de Estudos Judicirios do Conselho da Justia Federal, coordenado pelos Ministros Ruy Rosado de Aguiar e Ari Pargendler, ambos membros do Superior Tribunal de Justia, editou o enunciado de n 29 na III Jornada de Direito Civil, que foi aprovado com a seguinte redao: A interpretao do art. 456 do Novo Cdigo Civil permite ao evicto a denunciao direta de qualquer dos responsveis pelo vcio. Esta orientao, apesar de no possuir qualquer fora normativa, pode ser vista como uma tendncia de muitos magistrados, inclusive desta Corte, a aceitar a denunciao por saltos. No mbito estadual, os Tribunais de Justia de todo o pas comeam a enfrentar a questo. No Rio Grande do Sul surgiram os primeiros sinais de mudana. Anteriormente, seguia-se a orientao preconizada pelo Superior Tribunal Federal,

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entendendo-se invivel promover-se um salto para se buscar o primitivo alienante, quebrando-se a corrente causal,111 agora, tal posicionamento deixa de ser pacfico. Recentemente, em julgamento de recurso de agravo de instrumento contra deciso que havia afastado a ilegitimidade passiva do litisdenunciado per saltum, a 5 Cmara Cvel daquele Estado, destoou da outrora tranqila jurisprudncia ao acompanhar, de forma unnime, o voto do Des. Leo Lima do qual destacamos a seguinte passagem por refletir com clareza o entendimento daquela corte: Ademais, defendem a possibilidade de acionar diretamente o Estado,em atuao per saltum, o que, hoje, encontra expresso respaldo no art. 456, do novo Cdigo Civil, por presente sub-rogao legal. 112

J no Paran os primeiros acrdos vm mantendo o posicionamento h dcadas consagrado. No julgamento da apelao cvel n 136852900, a 1 Cmara Cvel do Tribunal daquele Estado mais uma vez afastou a

denunciao per saltum, o que demonstra o seguinte trecho do voto vencedor:

Ementa: agravo de instrumento. Denunciao a lide. Alienaes sucessivas de veiculo furtado. De regra somente se admite uma nica denunciao para evitar que se gere o tumulto processual. Invivel promover-se um salto para se buscar o primitivo alienante, quebrando-se a corrente causal. Agravo desprovido. (agravo de instrumento n 595197963, sexta cmara cvel, Tribunal de Justia do RS, Relator: Des. Dcio Antnio Erpen, julgado em 14/05/1996).

111

Ementa: Processual civil. Ao declaratria de evico e condenatria de indenizao por danos patrimoniais e extra-patrimoniais. Ilegitimidade passiva e competncia da Justia Federal. Tendo, os agravados, a possibilidade de acionar diretamente o Estado, em atuao "per saltum", consoante o art. 456, do novo cdigo civil, por presente sub-rogao legal, no h falar em sua ilegitimidade para figurar no plo passivo da demanda. Incompetncia da Justia Comum estadual para apreciar a ao que resta afastada, porque s a ttulo de regresso, em denunciao da lide calcada no art. 70, III, do CPC, o Estado pretende acionar a Funai o que, sabidamente, no obrigatrio. Com isso, no incidindo a smula 150, do STJ. Agravo desprovido. (agravo de instrumento n 70008931354, julgado em 16/09/2004).

112

50

No tocante denunciao da lide, observa-se que, efetivamente, os autores denunciaram tanto os alienantes Oswaldo Spsito e sua mulher, como os apelantes, de quem aqueles adquiriram o imvel, o que no poderia ser aceito, uma vez que no existe qualquer relao entre os autores e os apelantes. 113

So poucos os julgados abordando a matria desde a entrada em vigor do Cdigo Civil atual, que se deu h pouco mais de dois anos, mais precisamente em 11.01.2003, no havendo que se falar, portanto, em jurisprudncia consolidada. Muito ao revs, apesar de em pequena quantidade, as decises acerca desta hiptese j demonstram que os debates travados entre os estudiosos do assunto iro repercutir nas cortes de todo o pas.

CONCLUSO

Como visto, o novo Cdigo Civil trouxe implicaes tambm na rbita do direito processual, renovando as discusses em torno da interveno de terceiros.

113

Rel.: Des. Pricles Bellusci de Batista Pereira, julgado em 02.09.03.

51

Com a alterao constante do art. 456, caput, do Cdigo de Processo Civil, foram reacendidas as discusses e divergncias em torno do instituto da denunciao da lide, um dos mais controvertidos no mbito do direito processual. Tal fato no causa espanto, tendo em vista que, mesmo em tempos onde seu regramento normativo no sofreu alteraes, a busca por sua finalidade, justificada atravs da utilizao dos princpios que informam esta modalidade de interveno de terceiros, foram suficientes para provocar grandes alteraes em entendimentos pacificados. Para ilustrar estas mudanas, apresentamos os entendimentos acerca da chamada execuo direta do denunciado e denunciao coletiva, cuja aceitao cresceu nas ltimas dcadas, no s em doutrina, mas tambm em jurisprudncia, contando com grande aceitao no Superior Tribunal de Justia. Alguns dos aspectos enfrentados nas discusses acerca da execuo direta e da denunciao coletiva em muito se assemelham queles referentes denunciao per satum e, nas duas hipteses, sua aceitao tm prevalecido, mesmo sem que haja qualquer dispositivo legal a autoriz-las. Diante deste quadro, e em tempos onde muito se fala sobre a efetividade do processo, surge o novo Cdigo Civil e seu art. 456 tratando de matria processual relativa denunciao da lide. Foi ento abalado o entendimento pacfico quanto inviabilidade de o alienante/denunciante promover um salto na cadeia de alienaes para alcanar um dos alienantes que o antecederam, promovendo a denunciao da lide contra algum com quem no possui qualquer vnculo de direito material.

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Surgiram, assim, trs posicionamentos distintos no faltando doutrinadores consagrados e novos expoentes a manifestarem-se sobre a matria. Os mais difundidos so diametralmente opostos. De um lado, autores clssicos como Humberto Theodoro Jnior e Arruda Alvim defendem que a referida alterao teria sido capaz de autorizar a denunciao per saltum que estaria, ainda em consonncia com os princpios que informam este instituto. Do outro, processualistas como Cndido Rangel Dinamarco e Alfredo de Arajo Lopes da Costa afastam por completo este entendimento por no vislumbrarem o indispensvel vnculo de direito material que deve ligar o denunciante ao denunciado. Rodrigo Salazar acrescenta ainda a situao nefasta que se encontraria o denunciado per saltum que no teria meios eficazes de defenderse. Deixam, entretanto, de apresentar um sentido til para a alterao inserta no caput do art. 456 do Cdigo Civil. Um terceiro posicionamento encontrado na doutrina de Srgio Ricardo de Arruda Fernades e Rodrigo Salazar. Ambos descartam a denunciao per saltum e apresentam uma alternativa de interpretao ao referido dispositivo, que teria, no seu entender, viabilizado definitivamente a denunciao coletiva. Este parece o real intuito do art. 456, caput, do Cdigo Civil que estaria atendendo de forma bastante eficaz aos to propalados princpios norteadores da denunciao da lide e efetividade do processo. Por esta interpretao, restaria consagrado entendimento sufragado pelo Superior Tribunal de Justia, como fizeram tantos outros dispositivos do mesmo Cdigo.

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