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www.medicinaatual.com.br Dermatite Atópica Autor(es) Ariana Campos Yang 1 Fábio F. Morato Castro 2 Nov-2009 1 - O que é dermatite atópica? A dermatite atópica, também conhecida como eczema atópico, é uma doença inflamatória crônica da pele. Trata-se de uma condição potencialmente debilitante que pode comprometer a qualidade de vida dos seus portadores e de seus familiares. Seu curso é crônico e recidivante, com períodos de exacerbação e remissão. Caracteriza-se pelo intenso prurido, pele seca, lesões eczematosas, escoriações e liquenificações (espessamento e hiperlinearidade cutânea), tipicamente distribuídas conforme a faixa etária. Acompanha o quadro clínico uma maior suscetibilidade a infecções cutâneas. 2 - Como a dermatite atópica evolui? A evolução dessa enfermidade tende a ser benigna. Estima-se que cerca de 20% da população geral manifeste a doença em algum momento da vida. A maior parte dos pacientes com dermatite atópica leve evolui para remissão do quadro até a adolescência. Entretanto, 40% das crianças mantêm sintomatologia durante a vida adulta. Há uma maior prevalência no sexo masculino durante a infância, a qual se inverte na idade adulta. Nos adultos com dermatite atópica, menos que 20% tiveram início da doença após a adolescência. 3 - Qual a fisiopatologia e o papel da alergia na dermatite atópica? Trata-se de uma doença complexa cuja patogênese não está totalmente esclarecida. Sua expressão clínica baseia-se na interação de fatores genéticos e ambientais, induzindo disfunções imunes e da barreira epidérmica. Estudos epidemiológicos evidenciam a contribuição da genética na expressão de dermatite atópica. Em gêmeos monozigóticos há concordância de 85% da doença, contra 21% nos gêmeos dizigóticos. A atopia materna constitui um fator de risco maior para o aparecimento da dermatite atópica, assim como de outras doenças alérgicas, em seus descendentes. A alergia desempenha papel fundamental no mecanismo da maior parte dos casos de dermatite atópica. Assim, classifica-se a dermatite atópica em: extrínseca ou alérgica: na presença de sensibilização a alérgenos ambientais, níveis elevados de IgE e história pessoal e/ou familiar de atopia (produção contínua e exuberante de anticorpos da classe IgE para antígenos inócuos do meio ambiente), correspondendo a 70% a 80% dos portadores da doença; intrínseca ou não alérgica: na ausência daquelas características, sendo menos frequente e de início mais tardio. 4 - A dermatite atópica associa-se a outras doenças alérgicas? Sim, a dermatite atópica tem sido considerada a manifestação cutânea de uma desordem sistêmica que pode causar também alergia alimentar, asma, rinite e conjuntivite alérgicas. Geralmente é a primeira manifestação de atopia e frequentemente precede ou está associada a outras doenças atópicas, como asma e rinoconjuntivite alérgicas, em um processo conhecido como marcha atópica. Cerca de 45% das crianças com dermatite atópica no início da vida apresentarão asma em idade mais avançada. A rinite alérgica, por sua vez, pode ocorrer em 80% a 90% dos asmáticos. 5 - Quais os fatores desencadeantes e agravantes da dermatite atópica? Os fatores desencadeantes das exacerbações da doença variam de paciente para paciente. Portanto, é importante proceder uma avaliação individualizada, pois isto permitirá, 1 Médica colaboradora e coordenadora do ambulatório de alergia alimentar e dermatite atópica do Serviço de Imunologia Clínica e Alergia do Hospital das Clínicas da FMUSP. 2 Professor Associado da Disciplina de Imunologia Clínica e Alergia da Fac. de Medicina da USP e Supervisor do Serviço de Imunologia do Hospital das Clínicas da FMUSP.

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Autor(es) Ariana Campos Yang1

Fábio F. Morato Castro 2 Nov-2009

1 - O que é dermatite atópica? A dermatite atópica, também conhecida como eczema atópico, é uma doença inflamatória crônica da pele. Trata-se de uma condição potencialmente debilitante que pode comprometer a qualidade de vida dos seus portadores e de seus familiares. Seu curso é crônico e recidivante, com períodos de exacerbação e remissão. Caracteriza-se pelo intenso prurido, pele seca, lesões eczematosas, escoriações e liquenificações (espessamento e hiperlinearidade cutânea), tipicamente distribuídas conforme a faixa etária. Acompanha o quadro clínico uma maior suscetibilidade a infecções cutâneas. 2 - Como a dermatite atópica evolui? A evolução dessa enfermidade tende a ser benigna. Estima-se que cerca de 20% da população geral manifeste a doença em algum momento da vida. A maior parte dos pacientes com dermatite atópica leve evolui para remissão do quadro até a adolescência. Entretanto, 40% das crianças mantêm sintomatologia durante a vida adulta. Há uma maior prevalência no sexo masculino durante a infância, a qual se inverte na idade adulta. Nos adultos com dermatite atópica, menos que 20% tiveram início da doença após a adolescência. 3 - Qual a fisiopatologia e o papel da alergia na dermatite atópica? Trata-se de uma doença complexa cuja patogênese não está totalmente esclarecida. Sua expressão clínica baseia-se na interação de fatores genéticos e ambientais, induzindo disfunções imunes e da barreira epidérmica. Estudos epidemiológicos evidenciam a contribuição da genética na expressão de dermatite atópica. Em gêmeos monozigóticos há concordância de 85% da doença, contra 21% nos gêmeos dizigóticos. A atopia materna constitui um fator de risco maior para o aparecimento da dermatite atópica, assim como de outras doenças alérgicas, em seus descendentes.

A alergia desempenha papel fundamental no mecanismo da maior parte dos casos de dermatite atópica. Assim, classifica-se a dermatite atópica em:

• extrínseca ou alérgica: na presença de sensibilização a alérgenos ambientais, níveis elevados de IgE e história pessoal e/ou familiar de atopia (produção contínua e exuberante de anticorpos da classe IgE para antígenos inócuos do meio ambiente), correspondendo a 70% a 80% dos portadores da doença;

• intrínseca ou não alérgica: na ausência daquelas características, sendo menos frequente e de início mais tardio.

4 - A dermatite atópica associa-se a outras doenças alérgicas? Sim, a dermatite atópica tem sido considerada a manifestação cutânea de uma desordem sistêmica que pode causar também alergia alimentar, asma, rinite e conjuntivite alérgicas. Geralmente é a primeira manifestação de atopia e frequentemente precede ou está associada a outras doenças atópicas, como asma e rinoconjuntivite alérgicas, em um processo conhecido como marcha atópica. Cerca de 45% das crianças com dermatite atópica no início da vida apresentarão asma em idade mais avançada. A rinite alérgica, por sua vez, pode ocorrer em 80% a 90% dos asmáticos. 5 - Quais os fatores desencadeantes e agravantes da dermatite atópica? Os fatores desencadeantes das exacerbações da doença variam de paciente para paciente. Portanto, é importante proceder uma avaliação individualizada, pois isto permitirá, 1 Médica colaboradora e coordenadora do ambulatório de alergia alimentar e dermatite atópica do Serviço de Imunologia Clínica e Alergia do Hospital das Clínicas da FMUSP. 2 Professor Associado da Disciplina de Imunologia Clínica e Alergia da Fac. de Medicina da USP e Supervisor do Serviço de Imunologia do Hospital das Clínicas da FMUSP.

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posteriormente, a adoção de uma conduta mais eficaz. Os desencadeantes mais comumente envolvidos na piora da pele são apresentados na tabela 1.

Tabela 1. Principais fatores desencadeantes e agravantes da dermatite atópica Alérgenos ambientais

Ácaros da poeira domiciliar, fungos, epitélios de animais (cão e gato)

Alérgenos alimentares

Leite, ovo, trigo, soja, peixe e crustáceos

Agentes infecciosos Staphylococcus aureus, Malassezia spp Irritantes Sabões, detergentes, tecidos sintéticos (lã), suor, temperaturas

extremas Psicológicos Estresse

A importância desses fatores desencadeantes varia com a idade do paciente conforme ilustra a figura 1.

Adaptado: PRACTALL Consensus Group. J Allergy Clin Immunol 2006;118:152-69 6 - Quais as manifestações clínicas da dermatite atópica? O prurido costuma ser intenso e sua ausência exclui o diagnóstico de dermatite atópica. Além das escoriações, o prurido pode resultar em distúrbio do sono e irritabilidade. A xerose (pele seca) é característica comum e está relacionada a anormalidades na barreira cutânea. O eczema, principal lesão da doença, pode apresenta-se de forma aguda, com predomínio de eritema, edema, vesículas e exsudação; subaguda, com lesões mais secas, eritema e descamação; ou crônica, com liquenificação e alterações pigmentares. Sua distribuição varia de acordo com a idade.

Os pacientes podem apresentar, ainda, uma variedade de sinais, chamados estigmas atópicos, tais como:

• hiperlinearidade palmar; • prega de Dennie-Morgan (segunda prega infra-orbital); • queratose pilar; • sinal de Hertog (rarefação lateral das sobrancelhas).

A doença manifesta-se num amplo espectro de gravidade, desde a presença de poucos sinais e sintomas leves até quadros persistentes e exuberantes. A dermatite atópica é classificada em leve, moderada e grave, considerando basicamente a intensidade do prurido e a área corporal acometida.

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A dermatite atópica apresenta diferenças na distribuição das lesões bem características, conforme a idade. Na fase infantil (até dois anos) há o predomínio de lesões agudas em face e superfícies extensoras dos membros. Na fase pré-puberal (de dois a 12 anos), em geral, são subagudas e localizam-se preferencialmente em dobras flexoras e pescoço. Na fase adulta (a partir de 12 anos) predominam as lesões crônicas, que tendem afetar superfícies flexoras, pescoço e região periorbital. 7 - Quais características da pele atópica a tornam mais susceptível ao prurido, à hiperreatividade e à colonização por microorganismos? A pele do paciente com DA mostra alterações quantitativas e qualitativas na composição de lípides e apresenta maior perda transepidérmica de água, resultando em ressecamento e suscetibilidade aumentada a irritantes (hiperreatividade cutânea). A diminuição das ceramidas é a alteração básica na pele do paciente com dermatite atópica. A produção inadequada de ácidos graxos da pele aumenta a permeabilidade cutânea a antígenos e irritantes e favorece a proliferação bacteriana. 8 - Como se faz o diagnóstico de dermatite atópica? O diagnóstico de dermatite atópica é essencialmente clínico, visto que não há achados laboratoriais ou histopatológicos específicos da doença. Os critérios de Hanifin e Rajka são os mais utilizados (tabela 2). A presença de três critérios maiores e três menores são necessários para o diagnóstico.

Tabela 2. Critérios de Hanafin e Rajka para o diagnóstico de dermatite atópica Critérios maiores Critérios menores Prurido Morfologia e distribuição típica das lesões Dermatite crônica e recidivante História pessoal e familiar de atopia

Xerose Prega de Dennie-Morgan Sinal de HertogQueratose PilarPtiríase alba

Dermatografismo branco Hiperlinearidade palmar Tendência a infecções cutâneas

Início precoce da doença Prurido ao suarAumento da IgE sérica totalCeratocone Catarata

Adaptado de Hanifin JM, Rajka G. Acta Derm Venereol 1980;92:44-47.

Do ponto de vista clínico, outras duas etapas diagnósticas são importantes: estabelecer a gravidade da doença e identificar seus fatores exacerbantes.

A avaliação complementar básica inclui realização do hemograma, dosagem de IgE total e específica para os alérgenos. Encontram-se, em 80% dos pacientes, eosinofilia no sangue periférico, IgE total elevada e anticorpos IgE específicos para aeroalérgenos e alimentos. Entretanto, estes achados são inespecíficos. 9 - Para que servem os testes que avaliam sensibilização IgE, e como interpretá-los na dermatite atópica? Os testes cutâneos de leitura imediata, conhecidos como prick test, são utilizados com o objetivo de identificar a presença de anticorpos IgE específicos para os alérgenos que podem estar envolvidos na patogênese da doença e, desta forma, podem orientar melhor a conduta terapêutica. Eles são realizados aplicando-se uma gota do extrato de aeroalérgenos e/ou alimentos sobre a superfície volar do antebraço, seguida de uma puntura epidérmica. A leitura do teste é feita após 15 minutos, sendo considerado positivo se houver formação de pápula de diâmetro maior ou igual a 3 mm. Os testes cutâneos têm valor preditivo negativo de 90%, porém seu valor preditivo positivo é de apenas 50%, em decorrência dos frequentes resultados falso-positivos. Em razão disso, a relevância dos resultados deve ser avaliada com base na história clínica.

A sensibilização aos aeroalérgenos e/ou alimentos também pode ser documentada pela dosagem in vitro (sérica) dos anticorpos IgE específicos. Atualmente utilizam-se métodos quantitativos para esta dosagem, pois eles apresentam maior sensibilidade e especificidade. Assim como os testes cutâneos, os testes in vitro não indicam necessariamente alergia, sendo necessária correlação clínica.

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10 - Quais as vantagens e desvantagens entre o teste cutâneo e a dosagem sérica de IgE específica na dermatite atópica? Os testes cutâneos de leitura imediata permitem detectar com maior rapidez e sensibilidade a presença de anticorpos IgE específicos, desde que realizados com técnica correta e com alérgenos padronizados. Por outro lado, a detecção in vitro destes anticorpos tem como vantagem o fato de não sofrer influência das condições de pele do paciente ou do uso de anti-histamínicos, além de não oferecer riscos. Entretanto, seu custo é bem mais elevado. 11 - Há indicação de biópsia de pele na dermatite atópica? A biópsia de pele é dispensável na maioria dos casos tendo em vista que as alterações encontradas (hiperqueratose, acantose e espongiose) são comuns ao eczema de qualquer etiologia. Sua indicação pode ser importante, em casos selecionados, para auxiliar no diagnóstico diferencial. No adulto, com manifestação de eritrodermia esfoliativa, a hipótese de linfoma cutâneo deve ser considerada. 12 - Quais os principais diagnósticos diferenciais da dermatite atópica? O diagnóstico diferencial é extenso pelas características inespecíficas das lesões, os mais frequentes são: dermatite seborréica, psoríase, dermatite de contato, escabiose, neurodermatite, dermatofitoses e até mesmo algumas formas de linfoma cutâneo. Algumas imunodeficiências como a síndrome de Wiskott-Aldrich e a síndrome de hiper IgE apresentam lesões cutâneas semelhantes as da dermatite atópica. As principais diferenças entre elas encontram-se na tabela 3. Eventualmente, duas mais dessas patologias podem coexistir no mesmo paciente.

Tabela 3. Principais diagnósticos diferenciais Prurido Sono Distribuição das

lesões História de atopia

Evolução

Dermatite atópica

++++ Alterado Superfícies extensoras em crianças e flexoras em adultos. Poupa maciço centro facial.

Positiva (80%)

Crônica recidivante

Dermatite seborréica

0 ou + Normal Acomete maciço centro facial e áreas de maior acúmulo de glândulas sebáceas.

Negativa Auto-limitada

Escabiose ++++ Alterado Geralmente apenas pápulas e escoriações com frequente envolvimento interdigital

Negativa Cura com tratamento específico

Dermatite de contato

++ Geralmentenormal

Qualquer localização, dependente da área de contato

Geralmente negativa

Desaparece após remoção da causa

Psoríase ++ Normal Superfícies extensoras de joelhos e cotovelos, couro cabeludo e unhas

Negativa Crônica

Neuro- dermatite

++ Normal Geralmente placa única, acessível às mãos

Negativa Crônica

Yang AC, Cohon A. Dermatite atópica. In: Antonio Carlos Lopes. Diagnóstico e tratamento, volume 1 - São Paulo: Manole, 2006. 301-8 p.

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13 - Quais as complicações da dermatite atópica? As complicações da dermatite atópica são, na sua maioria, decorrentes da agressão à pele, resultante do prurido, suscetibilidade à infecção ou inerentes ao tratamento. As infecções estafilocócicas e estreptocócicas são frequentes e associadas à piora do eczema. Nem sempre se apresentam de forma evidente com lesões impetiginadas ou como foliculite; eventualmente se manifestam apenas com eritema generalizado de difícil controle. As infecções virais também incidem com maior frequência, especialmente o herpes simples, o molusco contagioso e as dermatofitoses. Complicações oculares, como úlceras de córnea, ceratocone e catarata, são relatadas principalmente nas manifestações graves da dermatite atópica. 14 - Qual o tratamento da dermatite atópica? O tratamento da dermatite atópica envolve uma soma de ações direcionadas, basicamente, ao controle do prurido, da xerose e da inflamação. O algoritmo abaixo esquematiza estas ações.

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15 - Quais as medidas gerais adotadas na terapia de manutenção da dermatite atópica? Cuidados com o banho

• rápidos e com água morna; • uso mínimo de sabonetes, optando pelos neutros; • enxugar-se sem esfregar a pele; • uso do hidratante logo após o banho, com a pele ainda úmida.

Evitar exposição aos alérgenos • controle ambiental (evitar tapetes, cortinas, bichos de pelúcia, cobertores de lã, animais

domésticos, fazer a limpeza com pano úmido diariamente, forrar colchões e travesseiro com tecido impermeável aos ácaros);

• alimentos devem ser excluídos da dieta somente após confirmação diagnóstica. Evitar irritantes

• sabões e detergentes (enxaguar bem as roupas);

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• roupas de lã e sintéticas, preferir as de algodão; • altas temperaturas ou frio intenso.

Controle emocional • prática de atividades de lazer; • evitar o estresse; • psicoterapia se necessário.

16 - Qual o hidratante ideal para o tratamento da dermatite atópica? O hidratante ideal para cada paciente é o que combina boa capacidade de hidratação com ausência de irritação.

A hidratação da pele é fundamental na abordagem clínica da dermatite atópica. Ela visa reparar as alterações na função de barreira cutânea e está baseada no uso diário e frequente de emolientes. Deve ser realizada logo após o banho e repetida quantas vezes forem necessárias. Os principais emolientes classificam-se em emulsões tradicionais e não tradicionais. Dentre as tradicionais, as preparações em água-óleo (W/O) são muito úteis, na medida em que diminuem a perda transepidérmica de água e ajudam na manutenção da umidificação cutânea. Atualmente discute-se um efeito de “rebote” de perda de água após suspensão do uso desse tipo de emoliente. Exemplos do primeiro grupo são os unguentos, que contém vaselina e lanolina. As preparações óleo-água (O/W) podem também ser utilizadas, mas nem sempre são suficientes para hidratar a pele de forma adequada; são interessantes nos casos de estágios subagudos, onde a quantidade de água presente na formulação pode resultar num efeito calmante para a pele. As formulações sem os emulsificantes tradicionais representam novos produtos no mercado, são menos irritantes e melhor toleradas. Um dos exemplos desses componentes é o DMS (derma-membrane structure). O cold cream é um outro exemplo de emulsificante não tradicional, que reúne propriedades de um creme hidrofóbico e hidrofílico, e que é amplamente utilizado como emoliente. Novas substâncias, tais como ceramidas, NMF, vitamina E e outros anti-oxidantes estão sendo incorporados aos emolientes para aumentar sua eficácia. Na DA evita-se o uso de lactato de amônio e de uréia em altas concentrações, pois podem causar irritação da pele do atópico. 17 - Quando usar o corticosteróide tópico na dermatite atópica? O corticosteróide tópico ainda é a medicação mais utilizada no tratamento das exacerbações da dermatite atópica, pois apresenta elevada eficácia, embora não seja isento de efeitos colaterais. Seu uso está indicado quando se percebe a instalação de lesões eczematosas. Orienta-se sua aplicação até duas vezes ao dia pelo tempo necessário para controlar o eczema, o que geralmente ocorre em cerca de uma semana. Nos casos com recidivas frequentes tem sido utilizado esquema terapêutico inicial com corticosteróide de maior potência com redução progressiva da frequência de aplicação e/ou substituição por corticosteróide de baixa potência. 18 - Como escolher o corticosteróide tópico para o tratamento da dermatite atópica? Os corticosteróides tópicos são divididos em grupos com base na potência. A classificação americana considera sete classes (I, II, III, IV, V, VI e VII), em ordem decrescente de potência, sendo a classe I a de maior potência (tabela 4). É importante escolher uma preparação adequada à lesão e ao indivíduo, considerando a idade do paciente, a localização e a extensão do eczema. Os corticosteróides de baixa potência são usados na face, axilas, virilhas, genitais e região perineal, devendo-se evitar o uso de preparações potentes, principalmente em face. As preparações muito potentes podem ser necessárias nas palmas e plantas, ou em lesões liquenificadas e hipertróficas. A pomada penetra melhor na pele e é mais adequada para as lesões crônicas, secas, espessas e descamativas, estando contra-indicada em flexuras e em lesões exsudativas. O creme é preferível para as lesões agudas e subagudas, exsudativas e finas. A loção é apropriada para regiões pilosas, como o couro cabeludo, e não deve ser usada em lesões exsudativas.

Tabela 4. Corticosteróides tópicos Grupo I (superpotentes) Grupo II (potentes) Dipropionato de betametasona p/c Propionato de clobetasol p/cPropionato de halobetasol p/c

Fluocinonida( 0,05%) p/c Halcinonida (0,1%) cFuruoato de Mometasona (0,1%) p

Grupo III (potentes) Grupo IV (potência moderada)

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Valerato de Betametasona 0,01%Propionato de Fluticasona 0,005%Fluorcotolona c 0,25%Acetonida de Triancinolona 0,1%Acetonida de Triancinolona 0,5% c

Acetonida de Fluocinolona 0,2% cActonida Fluocinolona p 0,025%Halcinonida Creme0,025%Valerato de Hidrocortisona 0,2%Furuoato de Mometasona (0,1%)cAcetonida de Triancinolona 0,1%

Grupo V (potencia moderada) Grupo VI (baixa potencia) Valerato de Betametasoona 0,01% cAcetonida de Fluocinolona 0,025% cPropionato de Fluticasona 0,05% cButirato de Hidrocortisona 0,1% c

Desonida c 0,05%Acetonida de Fluocinolona c 0,01%Prednicarbato 0,1%Acetonida de Triancinolona0,1%

Grupo VII (muito baixa potência) Dexametasona c 0,1%Hidrocortisona 0,5%,1%,2,5%

Metilprednisolona, 1%Preparações tópicas com prednisolona

Adaptado: Leung et al. Ann Allergy Asthma Immunol, 79 :197-211, 1997. 19 - Quais os efeitos colaterais dos corticosteróides tópicos? Os efeitos colaterais dos corticosteróides tópicos podem ser locais (atrofia, estria, telangectasia, hipopigmentação, acne) ou sistêmicos (supressão adrenal, catarata, glaucoma, déficit de crescimento em crianças). A escolha criteriosa do corticosteróide é capaz de minimizar estes efeitos, devendo ser considerados fatores como a idade do paciente, local a ser aplicado, extensão da doença, tipo de preparação, potência, tempo de uso e método de aplicação. 20 - Os anti-histamínicos são indicados no tratamento da dermatite atópica? O prurido, quando refratário às medidas gerais e de hidratação, pode ser tratado com anti-histamínicos. O mecanismo de estabelecimento do prurido na dermatite atópica está pouco esclarecido. Sabe-se que além da histamina, outros mediadores participam do processo. Geralmente ocorre em crises, desencadeadas por inúmeros fatores: sudorese, contato com irritantes, alérgenos e estresse. Em razão disso, os anti-histamínicos exercem controle apenas parcial e é incerto se por causa do efeito antipruriginoso ou sedativo.

Os de primeira geração são mais efetivos no seu controle. Entretanto, seu uso prolongado está relacionado a taquifilaxia e eles podem causar sonolência, gerando dificuldades no aprendizado escolar e na habilitação de trabalhar e dirigir. Nestas situações, pode-se tentar os anti-histamínicos sem efeito sedativo (de 2ª geração). Os principais anti-histamínicos orais disponíveis estão listados na tabela 5.

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Tabela 5. Principais anti-histamínicos orais disponíveis Clássicos – Primeira geraçãoSedantes

• Clemastina; • Difenidramina; • FeniraminA; • Clorfeniramina; • Dexclorfeniramina; • Hidroxizina; • Prometazina; • Ciproheptadina.

Não-clássicos – Segunda geraçãoNão sedantes

• Cetirizina; • Rupatadina; • Loratadina; • Levocabastina; • Epinastina; • Ebastina; • Fexofenadina.

Novos medicamentos • Desloratadina; • Levocetirizina.

Adaptado de Castro FFM, Rinite Alérgica: modernas para uma clássica questão. São Paulo: Vivali, 2003. 104p.

21 - Como agem os imunomoduladores tópicos: pimecrolimo e tacrolimo? Recentemente foi desenvolvida uma classe de imunomoduladores tópicos: pimecrolimo e tacrolimo. Atuam pela inibição da calcineurina fosfatase, impedindo a transcrição de genes para a secreção de citocinas envolvidas no processo inflamatório da doença. Como consequência, inibem a ativação de várias células efetoras implicadas na patogênese da dermatite atópica, incluindo linfócitos T, mastócitos, células de Langerhans e queratinócitos. 22 - Quando indicar os inibidores da calcineurina na dermatite atópica? São indicados para o controle das exacerbações e como manutenção nos casos persistentes. Apresentam maior eficácia quando usados logo no início dos sintomas e podem ser aplicados em qualquer área do corpo, inclusive em face. Devem ser aplicados duas vezes ao dia, após o uso do emoliente. O pimecrolimo creme a 1% está aprovado para uso a partir de três meses de idade e o tacrolimo para crianças maiores de dois anos. A grande vantagem em relação aos corticosteróides é a segurança terapêutica. A irritação local é mencionada como principal efeito colateral. A absorção sistêmica extremamente baixa permite seu uso no longo prazo sem os efeitos indesejáveis dos corticosteróides. 23 - Os imunomoduladores tópicos predispõem a infecções de pele? Não, os estudos mostraram que a incidência de foliculite, impetigo e herpes simples foi semelhante em relação ao placebo. No caso da pele já infectada, faltam estudos que permitam conclusão, sendo recomendada a suspensão das aplicações em caso de infecção dermatológica. 24 - O uso de corticosteróide sistêmico pode ser necessário na dermatite atópica? A utilização de corticosteróides sistêmicos deve ser restrita aos casos graves e refratários ao tratamento, em virtude do elevado risco de efeitos colaterais e à possibilidade do agravamento do quadro após a sua retirada (efeito rebote). Os mais indicados são a prednisona ou a prednisolona, na dose de 1 a 2 mg/Kg/dia por via oral, administradas por períodos curtos. O uso de corticosteróides de depósito está contra-indicado. 25 - Quando pensar em imunossupressores sistêmicos e quais podem ser utilizados? Inicialmente utilizada para transplantados renais, a ciclosporina, um derivado macrolídeo imunossupressor, é atualmente a melhor droga para tratamento sistêmico da dermatite atópica grave, refratária à terapia convencional. Está indicada nos casos refratários, em dose baixa (2 a 5 mg/Kg/dia por via oral), por quatro a oito semanas, com retirada gradual, embora possa ser mantida mais tempo. A melhora clínica geralmente é rápida. Seus principais efeitos colaterais, hipertensão arterial e insuficiência renal, costumam

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normalizar após a suspensão do medicamento e devem ser monitorados. Recomenda-se aferir a pressão arterial (PA) semanalmente no primeiro mês de tratamento e, a seguir, mensalmente. Um aumento de até 25% da PA basal implica em redução da dose e aumentos maiores indicam suspensão da droga. As dosagens de creatinina sérica e exames de urina são úteis para acompanhar a função renal.

O metotrexate, a azatioprina e o micofenolato mofetil constituem opções imunossupressoras para dermatite atópica grave resistente aos demais tratamentos. Ao contrário da ciclosporina, estas drogas apresentam mielotoxicidade. Os pacientes com dermatite atópica grave devem ser encaminhados para médico especialista para avaliação da necessidade de terapia sistêmica antiinflamatória e/ou imunosupressora. 26 - Os antibióticos são importantes no tratamento da dermatite atópica? A pele com dermatite atópica fica mais vulnerável à colonização por bactérias e/ou fungos. As infecções secundárias alteram o curso da doença e o uso apropriado de antibióticos, antifúngicos ou antivirais contribui para manter a dermatite atópica estável. Os antibióticos tópicos são indicados para infecções localizadas. A escolha fundamenta-se na ação antiestafilocócica e antiestreptocócica e dentre as drogas disponíveis destacam-se a mupirocina e o ácido fusídico. A administração oral dos antibióticos está indicada no tratamento das lesões infectadas extensas. A eritromicina é o antibiótico de escolha, porém, nos casos de resistência bacteriana ou intolerância, pode-se indicar uma cefalosporina ou a clindamicina. 27 - A fototerapia melhora o controle da dermatite atópica? A fototerapia (UVA, UVB, UVA + UVB) e a fotoquimioterapia (PUVA) resultam em melhora dos sintomas e reduzem a necessidade de corticosteróides. São indicadas nos pacientes resistentes à terapia convencional. Os efeitos colaterais precoces incluem eritema, prurido e pigmentação; os tardios, fotoenvelhecimento e câncer de pele. 28 - E os anti-sépticos, quando utilizá-los na dermatite atópica? Os anti-sépticos podem ser utilizados para a limpeza das lesões exsudativas, com muitas crostas ou com infecções. Podem ser utilizadas soluções de permanganato de potássio, solução de Borrow, água boricada ou sabonetes anti-sépticos. Deve-se observar a possibilidade de irritação e ressecamento, pois a pele costuma ser hiperreativa. 29 - A imunoterapia alérgeno-específica funciona para dermatite atópica? A indicação de imunoterapia alérgeno-específica para o tratamento da dermatite atópica é controversa. A imunoterapia convencional (subcutânea), útil no controle da rinite alérgica, apresenta um potencial de agravar a evolução da dermatite atópica, embora recentemente novos esquemas imunoterápicos por via subcutânea tenham mostrado bons resultados em pesquisas clínicas. 30 - Quando encaminhar o paciente com dermatite atópica ao especialista? O encaminhamento ao especialista deve ser feito nas seguintes condições:

• doença que não responde à terapia convencional; • doença grave ou persistente com acometimento de 20% ou mais da pele; • eritrodermia extensa; • necessidade de uso de imunossupressores sistêmicos; • necessidade de internação hospitalar; • identificação de condições associadas agravantes (como alergia alimentar); • asma e rinite associadas; • complicações oculares; • incerteza do diagnóstico.

31 - Leitura recomendada Wasserbauer N, Ballow M. Atopic dermatitis. The American Journal of Medicine 2009; 122 (2): 121-5.

Akdis CA, Akdis M, Bieber T, et al. Diagnosis and treatment of atopic dermatitis in children and adults: European Academy of Allergology and Clinical Immunology/American Academy of

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