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Desconstrução de estereotipias pelo Ensino de História: trabalhar a temática indígena nas escolas através de propagandas. MARIA CRISTINA FLORIANO BIGELI * Resumo: Diversas representações acerca dos povos indígenas fazem parte do imaginário da população brasileira não indígena. Concepções romantizadas, como as criadas e difundidas na literatura do século XIX, do indígena belo, defensor da floresta, inocente, e/ou imagens estigmatizadas, por exemplo, a do indígena preguiçoso, aculturado, perigoso ou atrasado, ainda são adjetivos e características associadas aos povos indígenas brasileiros, demonstrando que pouco se conhece a respeito das Histórias e Culturas desses povos e, consequentemente, sobre a própria História e Cultura da sociedade brasileira. Embora o contato entre europeus e indígenas seja um dos pontos iniciais da História oficial do Brasil, até a última década do século XX se desconsiderou e/ou pouca ênfase foi dada na relevância dos indígenas na constituição da nação brasileira, portanto, tais povos exceto à época do “descobrimento” pouco se faziam presentes em currículos escolares, em livros didáticos e em aulas de História (contudo, quando eram abordados, não havia contextualização sobre suas culturas e histórias, eram enfocados apenas no passado, vistos como coadjuvantes e jamais como sujeitos históricos). Entretanto, ao pensarmos sobre a constituição do imaginário, devemos levar em consideração que as Representações Sociais não são elaboradas somente nas relações entre os indivíduos e o campo da Educação e tampouco apenas nas aulas de História, mas também nos espaços em que os sujeitos transitam diariamente, assim como nas relações sociais, nas convivências dos grupos dos quais pertencem, nos veículos de comunicação, nos espaços acadêmicos, ou seja, em tudo o que circunda as suas vivências. Este artigo tem como objetivo problematizar a elaboração de Representações Sociais acerca dos indígenas pela sociedade não indígena buscando desconstruir estereotipias. Utilizamos, como fonte, as produções publicitárias veiculadas pelos sistemas de comunicação, pois, ao se representar indígenas, grande parte das propagandas os caracteriza de forma clichê, folclorizada e descontextualizada, o que pode favorecer a desinformação e a manutenção de preconceitos. Considerando que essas produções podem influenciar na elaboração das Representações Sociais, além de serem compreendidas como expressões do período em que ocorrem, * Licenciada em História pela UNESP Faculdade de Ciências e Letras de Assis. Mestra e Doutoranda em Educação pela UNESP Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília com bolsa CAPES.

Desconstrução de estereotipias pelo Ensino de História ... · grande parte das propagandas os caracteriza de forma clichê, folclorizada e descontextualizada, o que pode favorecer

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Desconstrução de estereotipias pelo Ensino de História: trabalhar a temática indígena

nas escolas através de propagandas.

MARIA CRISTINA FLORIANO BIGELI*

Resumo: Diversas representações acerca dos povos indígenas fazem parte do imaginário da

população brasileira não indígena. Concepções romantizadas, como as criadas e difundidas na

literatura do século XIX, do indígena belo, defensor da floresta, inocente, e/ou imagens

estigmatizadas, por exemplo, a do indígena preguiçoso, aculturado, perigoso ou atrasado,

ainda são adjetivos e características associadas aos povos indígenas brasileiros, demonstrando

que pouco se conhece a respeito das Histórias e Culturas desses povos e, consequentemente,

sobre a própria História e Cultura da sociedade brasileira. Embora o contato entre europeus e

indígenas seja um dos pontos iniciais da História oficial do Brasil, até a última década do

século XX se desconsiderou e/ou pouca ênfase foi dada na relevância dos indígenas na

constituição da nação brasileira, portanto, tais povos – exceto à época do “descobrimento” –

pouco se faziam presentes em currículos escolares, em livros didáticos e em aulas de História

(contudo, quando eram abordados, não havia contextualização sobre suas culturas e histórias,

eram enfocados apenas no passado, vistos como coadjuvantes e jamais como sujeitos

históricos). Entretanto, ao pensarmos sobre a constituição do imaginário, devemos levar em

consideração que as Representações Sociais não são elaboradas somente nas relações entre os

indivíduos e o campo da Educação e tampouco apenas nas aulas de História, mas também nos

espaços em que os sujeitos transitam diariamente, assim como nas relações sociais, nas

convivências dos grupos dos quais pertencem, nos veículos de comunicação, nos espaços

acadêmicos, ou seja, em tudo o que circunda as suas vivências. Este artigo tem como objetivo

problematizar a elaboração de Representações Sociais acerca dos indígenas pela sociedade

não indígena buscando desconstruir estereotipias. Utilizamos, como fonte, as produções

publicitárias veiculadas pelos sistemas de comunicação, pois, ao se representar indígenas,

grande parte das propagandas os caracteriza de forma clichê, folclorizada e

descontextualizada, o que pode favorecer a desinformação e a manutenção de preconceitos.

Considerando que essas produções podem influenciar na elaboração das Representações

Sociais, além de serem compreendidas como expressões do período em que ocorrem,

* Licenciada em História pela UNESP – Faculdade de Ciências e Letras de Assis. Mestra e Doutoranda em

Educação pela UNESP – Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília com bolsa CAPES.

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sugerimos que os docentes trabalhem com narrativas dos alunos a respeito das propagandas,

visando desconstruir imagens clichês cristalizadas, colaborando com o desenvolvimento da

criticidade e com a construção da Consciência Histórica.

Palavras-chave: História Indígena; Representação; Aprendizagem Histórica; Ensino de

História.

Indígenas: as visões do outro

Expressões como “selvagens”, “inocentes”, “aculturados”, “perigosos”, “preguiçosos”,

“atrasados”, “sem história”, entre tantas outras palavras pejorativas, ainda são vinculadas aos

povos indígenas brasileiros. Tais olhares fazem parte de nosso imaginário desde a chegada

dos portugueses no litoral do território que viria a ser o Brasil e é curioso (para não se dizer

lamentável) notar que, mesmo passados mais de 500 anos, esses pré-conceitos elencados

continuam fazendo parte do dia a dia de brasileiros, demonstrando que as diversas visões

criadas pelos portugueses – reafirmadas pelos cronistas viajantes, também contidas nos

primeiros livros de História do Brasil e obras literárias do século XIX –, foram amplamente

difundidas e perduram até os dias de hoje.

Por conta da História do “descobrimento” do Brasil, a população brasileira convive

com imagens sobre povos indígenas desde a infância, seja nas representações que são

veiculadas em desenhos animados, nas histórias em quadrinhos voltados para crianças, nos

meios de comunicação, na mídia, no cotidiano, em casa, nas conversas entre amigos, nas aulas

de instituições escolares, nos materiais didáticos e também nos discursos de docentes. Essas

imagens são, na sua maior parte, visões a respeito dos indígenas a partir dos olhares do outro.

O “outro” pode ser concebido como: o homem branco colonizador, o autor não indígena que

escreve sobre indígenas, o artista que desenha os quadrinhos, os diretores não indígenas de

programas televisivos, o docente não indígena que deve abordar História Indígena na sala de

aula etc. Sendo assim, as imagens que predominam no imaginário dos brasileiros são clichês,

folclorizadas e estereotipadas.

Construção de estereótipos

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O que é um estereótipo? De origem na palavra grega stereos, que significa “sólido”,

podemos compreendê-lo como algo solidificado, cristalizado, imutável, resistente. Entretanto,

a definição da palavra varia de acordo com o ponto de vista adotado por quem a está

utilizando. Para a sociologia de Durkheim, o estereótipo “[...] é definido como uma imagem

mental coletiva que determina formas de pensar, agir e mesmo sentir do indivíduo. Essas

imagens são responsáveis pela coesão do grupo e geram um sentimento e pertença dos

indivíduos em relação àquela comunidade.” (LYSARDO-DIAS, 2007: 27). Dessa maneira, os

estereótipos, a partir da sociologia, servem para integrar os indivíduos à sua comunidade, na

qual se sintam pertencentes por possuírem as mesmas ou semelhantes concepções.

Para a Análise do Discurso francesa, de Henry (1975) e Pechêux (1975), o estereótipo

“[...] é uma representação fixada e partilhada por uma coletividade que depende dele para

interagir verbalmente e para gerenciar as relações sociais.” (LYSARDO-DIAS, 2007:27). Já

para a Psicologia Social, através dos fenômenos das Representações Sociais de Moscovici

(2010), o estereótipo está relacionado às imagens que se solidificam em um grupo social,

interferindo nas formas de convivência dos grupos.

Podemos relacionar o significado de estereótipo de Moscovici (2010) com o elaborado

por Edgard e Sedwick (2003: 107), teóricos dos estudos culturais, para os quais o conceito

significa “uma versão supersimplificada e usualmente carregada de valores sobre as atitudes,

comportamento e expectativas de um grupo ou de um indivíduo”. Posto isto, compreendemos

que todas essas visões aqui apresentadas consideram o estereótipo como um modo de

conhecimento e uma forma de se identificar socialmente, contudo, neste trabalho, nos

pautamos nos aportes teóricos de Moscovici (2010) para compreendermos os estereótipos e a

elaboração de representações sobre o outro.

Ao nos depararmos com o novo, com o desconhecido, com aquilo que nunca antes

tivemos algum contato, tentamos, de todas as maneiras, transportá-lo da esfera do estranho

para a esfera do familiar. Segundo Moscovici (2010), aquilo que é diferente, considerado não

convencional, e/ou não está inserido nos padrões socialmente estabelecidos, nos causa

incômodo:

É desse modo que os doentes mentais, ou as pessoas que pertencem a outras

culturas, nos incomodam, pois estas pessoas são como nós e contudo não são como

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nós; assim nós podemos dizer que eles são “sem cultura”, “bárbaros”, “irracionais”

etc. De fato, todas as coisas, tópicos ou pessoas banidas ou remotas, todos os que

foram exilados das fronteiras concretas de nosso universo possuem sempre

características imaginárias; e pré-ocupam e incomodam exatamente porque estão

aqui, sem estar aqui; eles são percebidos, sem ser percebidos; sua irrealidade se

torna aparente quando nós estamos em sua presença; quando sua realidade é imposta

sobre nós – é como se nos encontrássemos face a face com um fantasma ou com um

personagem fictício na vida real; ou como a primeira vez que vemos um computador

jogando xadrez. Então, algo que nós pensamos como imaginação se torna realidade

diante de nossos próprios olhos; nós podemos ver e tocar algo que éramos proibidos

(MOSCOVICI, 2010: 55-56).

Ao nos incomodar, o até então desconhecido nos causa medo e desconforto. Nessa

gana por torná-lo familiar, Moscovici (2010: 61) escreve que nós, seres sociais, realizamos

um processo denominado de “ancoragem”, ou seja, transformamos “[...] algo estranho e

perturbador, que nos intriga, em nosso sistema particular de categorias e o compara com um

paradigma de uma categoria que nós pensamos ser apropriada”. Ao ancorar o novo tornando-

o familiar, estamos, por consequência, julgando-o, categorizando-o e classificando-o. Ao

classificarmos, ainda de acordo com o autor, selecionamos as características que são mais

protuberantes e acabamos por generalizar ou particularizar o indivíduo (o grupo, o local,

enfim, aquilo que até então era desconhecido ao nosso olhar).

Generalizando, nós reduzimos as distâncias. Nós selecionamos uma característica

aleatoriamente e a usamos como uma categoria; judeu, doente mental, novela, nação

agressiva, etc. A característica se torna, como se realmente fosse, coextensiva a

todos os membros dessa categoria. Quando é positiva, nós registramos nossa

aceitação; quando é negativa, nossa rejeição. Particularizando, nós mantemos a

distância e mantemos o objeto sob análise, como algo divergente do protótipo. Ao

mesmo tempo, tentamos descobrir que característica, motivação ou atitude o torna

distinto (MOSCOVICI, 2010: 65).

Deste modo, podemos elencar as formas que os próprios povos originários que

habitavam as terras que se tornariam o Brasil foram concebidos e “familiarizados” pelos

primeiros estrangeiros que chegaram. De início, a própria denominação “indígena” e/ou

“índio” foi uma maneira de tentar categorizar, familiarizar, generalizar e ancorar aqueles

indivíduos nunca antes vistos já que os exploradores ibéricos supunham que haviam chegado

às Índias, portanto, aqueles só podiam ser povos das Índias – logo, índios.

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A princípio, as denominações “índio” e “indígena” foram designadas pelos

conquistadores portugueses e espanhóis. Até 1492, os povos que habitavam as terras

conquistadas não chamavam a si mesmos dessas maneiras, tampouco de “aborígene” (a

pessoa original – ab origine) ou “nativo” (os nascidos em casa) – outras designações que

também foram utilizadas para aqueles que são nascidos em determinados lugares esses

(FUNARI; PIÑÓN, 2011). Assim, os indígenas se referiam (e alguns grupos ainda se referem)

a si mesmos de várias maneiras:

[...] cada povo a seu modo, com nomes que podiam significar simplesmente “seres

humanos”, por oposição aos outros grupos. O caso dos tupiniquins e tupinambás dá

uma ideia dessas autodenominações. “Tupi” significa “o ancestral”, e então “os

descendentes do ancestral” são os tupinambás (“nambá” quer dizer descendente).

[...] “Guarani” significa “guerreiro”, nome apropriado para um grupo humano que se

valoriza, assim como “inca”, que na língua quíchua significa “senhor.” (FUNARI;

PIÑÓN, 2011: 18).

Ao se depararem com culturas diferentes da “civilizada” europeia, as concepções

sobre os nativos foram moldadas a partir das visões eurocêntricas, que cabiam àqueles

homens que chegaram de caravelas. Aquilo que não era visto como trabalho,

eurocentricamente concebido, era visto como ociosidade (vagabundagem, preguiça). Por

possuírem crenças e rituais distintos dos cristãos conhecidos pelos portugueses, os nativos

brasileiros foram classificados como povos inocentes e sem crença, como podemos ver em

um trecho da carta de Caminha (1500): “parece-me gente de tal inocência que, se homem os

entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem

entendem em nenhuma crença”. Ou, nesse mesmo âmbito, vistos como pessoas com “maus

costumes” por não se condicionarem às premissas da religião católica, imposta pelos jesuítas

(NÓBREGA, 1931).

A transmissão dos estereótipos pode ser realizada de variadas formas: nas conversas

do dia a dia, pela família, pelos amigos, pela escola, pelos livros, pela mídia. Todas elas tem

algo em comum: a linguagem – o que demonstra seu significativo papel na transmissão dos

estereótipos, seja através de discursos, signos, gestos, sons ou imagens. Portanto, nos aponta

Oliveira (2003: 26) que:

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As formas discursivas que tendem a generalizar características, vozes e imagens,

traços comuns articulados estrategicamente, criaram e reforçam o estereótipo que é

instituído por uma repetida sequência de “certezas”, no qual quem tem sua fala

legitimada atribui aos “outros” seus significados de forma segura, estável e

inquestionável.

Estereotipias na publicidade

Uma das maneiras de se reproduzir os estereótipos é através da mídia. Na publicidade,

segundo Lysardo-Dias (2007: 28): “[...] há todo um trabalho no sentido de retomar aqueles

estereótipos tidos como mais ‘populares’ tendo em vista a necessidade de utilizar referências

partilhadas por um público o mais extenso possível.”. A difusão dos estereótipos pela

publicidade pode causar a falsa impressão de que ela está criando e cristalizando imagens que

serão apropriadas pelo público, entretanto, na maioria das vezes, a mídia é apenas um veículo

de reprodução de representações que fazem parte das visões de grupos ideologicamente

dominantes.

A autora supracitada escreve que:

[...] a mídia corresponde, por um lado, a um tipo de produção discursiva inserida em

uma lógica comercial de obtenção de lucros, por outro, ela assume uma dimensão

simbólica, pois o universo material que utiliza é associado a valores culturalmente

determinados. Assim, as mensagens que a mídia produz e faz circular remetem a

comportamentos partilhados e reconhecidos socialmente de forma a propor dada

outra ordem social ou valorizar aquela já existente (LYSARDO-DIAS, 2007: 29).

Sendo assim, as propagandas colaboram com a construção de Representações Sociais,

e, em nosso caso, de representações sobre os indígenas brasileiros. A publicidade “[...]

mobiliza o imaginário coletivo e reconstrói saberes e crenças legitimados socialmente.”

(LYSARDO-DIAS, 2007: 29). Portanto, o discurso articulado pela publicidade faz parte de

esferas maiores, para além da relação mercadológica. Por traz de qualquer imagem há o

discurso que demonstra, de maneira implícita ou explícita, um ponto de vista ideológico, uma

visão que já predomina ou aspira ser predominante no meio social.

Para este trabalho, selecionamos propagandas que trazem estereotipias relacionadas

aos indígenas e sugerimos que estas podem ser desconstruídas através do ensino de História.

Escolhemos propagandas de grandes empresas exibidas em rede nacional. Entre essas, há a

utilização de personagens indígenas de maneira descontextualizada e clichês, todavia, também

7

há tentativas, de um modo tímido, porém, válido, de desconstruir ideias de imutabilidade da

identidade indígena. Em todas essas propagandas notamos que há o olhar do não indígena

sobre os povos indígenas, portanto, é a visão do outro que está em questão e é a partir dessa

visão do outro que nós pretendemos desconstruir os conhecimentos preestabelecidos.

Dividimos as propagandas em três categorias e em cada categoria sugerimos

metodologias de trabalho para inspirar os docentes de História:

a) Nativos da América do Norte falando português

Em uma pesquisa realizada por nós no ano de 2014, na qual pedimos para alunos do

ensino fundamental II, do 6º ao 8º ano, representarem através de desenhos a maneira que

esses viam os indígenas brasileiros atualmente, encontramos alguns desenhos com

personagens de nativos utilizando vestimentas (roupas compridas) e vivendo em moradias

(tendas) que não fazem parte das culturas indígenas brasileiras. Características semelhantes

foram encontradas por Oliveira (2015), em pesquisa realizada com alunos do 8º ano de uma

escola pública de Sergipe. Diz a autora, em sua análise:

Apesar de na atividade ser solicitada a representação do índio no Brasil, o aluno

desenhou o que parece ser um indígena com aspectos dos nativos da América do

Norte. Sintomático desta visão é a capa utilizada pelo índio, que lembra as vestes

dos índios norteamericanos, pois naquela região predomina o frio, diferentemente de

nosso clima tropical. Outro elemento importante é a forma da criança referir-se ao

pai: “Mim ser filho dele”. Este detalhe nos remeteu à forma de falar do índio Chefe

Cavalo, personagem do desenho animado Pica-pau. Nele o referido indígena vive na

época do velho oeste e é considerado um fora da lei procurado pela polícia. Quando

questionados sobre o que acharam do desenho vários alunos fizeram a mesma

associação, ou seja, da visão do índio desenhada pelo aluno e influenciada pelos

desenhos animados, histórias em quadrinhos, filmes e novelas (OLIVEIRA, 2015:5).

Tais representações de nativos norte-americanos como se fossem indígenas brasileiros

podem ter sido influenciadas pela mídia, principalmente por desenhos1 e filmes da indústria

cinematográfica estadunidense, e por propagandas brasileiras com personagens indígenas da

América do Norte falando a língua portuguesa como se aqui vivessem. Como exemplo de tais

1 Obras como “Pica-pau” (no original “Woody Woodpecker”), desenho de um pica-pau antropormórfico,

produzido pelo estúdio de Walter Lantz e distribuído pela Universal Pictures, traz personagens indígenas norte-

americanos que podem influenciar na construção das representações dos infantes brasileiros.

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filmes publicitários, selecionamos comerciais brasileiros veiculados em TV aberta nas

décadas de 1980, 1990 e 2010.

As propagandas da Philco2 da campanha publicitária dos “novos dueto Philco” – a

saber, aparelhos televisores com videocassete embutido –, transmitidas na televisão brasileira

entre as décadas de 1980 e 1990 traziam os nativos norte-americanos falando português. Em

um dos filmes da campanha3, ocorre um diálogo entre pai e filho. O pai, chamado de “Grande

20”, e seu filho, o “Pequeno 14”, travam uma conversa na qual faz o telespectador imaginar

que o pai está aconselhando o filho. O pai diz: “tem coisas na vida que tem que ser simples,

pequeno 14”, e o filho concorda dizendo “sim, grande pai 20”. O pai continua: “menos

complicação, melhor, pequeno 14”, e, novamente, o filho concorda. Neste momento, há uma

reprodução de uma representação do não indígena, no qual o pai diz: “homem branco,

inteligente, tecnologia, bom”, dando a entender que apenas os homens brancos são

inteligentes e produzem a tecnologia, e o filho concorda. Neste ponto do filme, os

espectadores compreendem que pai e filho estão conversando, na realidade, a respeito do

aparelho de televisão com videocassete embutido, quando o pai diz: “TV, bom [...]

Videocassete, bom [...] Mas aquele monte de cabo para ligar, é um pé no saco, pequeno 14”.

Então, o nativo da América do Norte utiliza de uma expressão popular, parte do senso comum

brasileiro (pé no saco) para expressar a sua insatisfação com os outros produtos que não são

da Philco e também para mostrar que o conjunto dueto Philco era uma grande inovação, já

que não necessitava de vários cabos para serem ligados. Assim, a propaganda mostra que há

duas televisões, uma ao lado da outra, recém-lançadas pela marca, ambas com videocassete

embutido: a TV de 14 polegadas (no caso, a que apresenta a imagem do filho denominado de

“pequeno 14”) e a TV de 20 polegadas (a que mostra o pai, o “grande 20”).

A outra propaganda4, datada da mesma época, também traz um personagem nativo

norte-americano, porém, em companhia de um cavalo branco. Nessa, o indígena aparece na

2 A Philco é uma empresa de aparelhos eletrônicos fundada nos Estados Unidos em 1892. A empresa foi pioneira

ao lançar a TV já com videocassete, como demonstra as duas propagandas desse trabalho. Embora a empresa

seja estadunidense, as propagandas exibidas na televisão brasileira foram produzidas no Brasil. Sendo assim,

utilizam indígenas norte-americanos falando português, o que pode causar confusão nas construções das imagens

acerca dos indígenas. As informações sobre a empresa foram retiradas do site:

<http://philco.com.br/index.php/indexs/quemsomos/>. Acesso em: 02 jul. 2016. 3 Propaganda disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WrqjVLERSfY>. Acesso em: 05 jul. 2016. 4 Propaganda disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=IQry4TJYSsI>. Acesso em: 05 jul. 2016.

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imagem da própria televisão, deitado e pousando seu ouvido na terra para ouvir os passos de

alguém que está chegando. O personagem diz: “tá chegando... são dois... aonde um vai, o

outro vai também... tá um montado no outro... televisão em cima e videocassete aqui

embaixo” (e aponta para o videocassete). Embora o personagem fale português, possui

características físicas de um indígena natural da América do Norte, a julgar pelo cenário

aparentemente do “Velho-Oeste” americano, o cavalo branco (sendo que os indígenas

brasileiros tiveram acesso ao cavalo somente com a chegada dos portugueses) e as formas de

comunicação (deitar-se sobre a terra para ouvir quem está chegando).

As duas propagandas de Philco exibem representações de indígenas que podem

prejudicar a construção do imaginário dos brasileiros e, em consequência, a elaboração de

representações acerca dos povos indígenas. Ao trazermos essa fonte para os estudos do

Ensino de História, o primeiro passo, visando à Aprendizagem Histórica e a construção da

Consciência Histórica (RÜSEN apud SCHMIDT; BARCA; MARTINS, 2010) através de

propagandas, seria ouvir (ler ou analisar, a depender da forma de coleta) as narrativas dos

estudantes acerca do que veem na propaganda. A partir da fala dos alunos, deve-se

contextualizar a elaboração dessas propagandas e da imagem do indígena ali presente. De

antemão, sugerimos problematizações a respeito da etnia desses povos, bem como a

contextualização geográfica dos cenários que aparecem na propaganda, além do idioma

utilizado. Outras maneiras de utilizar essas propagandas como fontes nas aulas de História,

seriam as comparações: comparar as imagens do filme publicitário com imagens de povos

indígenas brasileiros, buscando colher, através das narrativas dos alunos, as diferenças das

vestimentas, dos adornos, do cenário de fundo etc. Por fim, mais um clichê a ser

desconstruído é a do “homem branco inteligente, tecnologia, bom”, demonstrando as criações

dos artefatos indígenas, problematizando o conceito de inteligência para as sociedades

eurocêntricas e as sociedades ameríndias e amparando o conhecimento sobre tecnologia para

algo além do famigerado progresso industrial.

Nos dias atuais ainda há propagandas que apresentam personagens

descontextualizados, como esses acima. Por exemplo, o filme publicitário5 da campanha dos

5 Propaganda disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=DmHTzwJ-xsg>. Acesso em: 05 jul. 2016.

10

Postos Ipiranga, do Grupo Ipiranga6, exibido na televisão brasileira entre os anos de 2015 e

2016, tem nativos da América do Norte falando português. Nessa propaganda, há três

personagens oriundos da América do Norte montados em cavalos pedindo informações para

um rapaz brasileiro que está fazendo cestas de vime em uma pequena loja localizada à beira

de uma estrada de terra (demonstrando que aquele lugar está situado longe de qualquer

cidade). Esse brasileiro é chamado pelo nativo de “cara pálida” e esse, que está à frente do

grupo, faz perguntas ao brasileiro – todas relacionadas às ofertas do Grupo Ipiranga, como:

promoções aéreas, programas de fidelidade etc.

Assim, a partir das narrativas dos estudantes, podemos contextualizar o ano de criação

e reprodução dessa peça publicitária e problematizar elementos das culturas dos nativos

estadunidenses e dos nativos brasileiros. Além disso, comparar o contexto histórico da criação

das propagandas (1980 e 2010), buscando informações sobre as situações dos povos indígenas

brasileiros nesses dois períodos.

b) Estereótipos atrelados aos indígenas brasileiros: veneração à beleza da mulher e o

deboche da ingenuidade do homem

Buscando filmes publicitários que trazem imagens estereotipadas de nativos

brasileiros, temos as propagandas da Bombril7 Eco que fizeram parte da programação da TV

brasileira no início dos anos 2000. A campanha intitulada "Bombril dá de 1001 a zero nos

inimigos da natureza" visava divulgar as esponjas de aço biodegradáveis, dando ênfase aos

atributos ecológicos de seus materiais. Duas das peças publicitárias da campanha têm a

presença de personagens indígenas e tais filmes foram transmitidos nas principais emissoras

de televisão brasileiras abertas e fechadas8.

6 A empresa de combustíveis Ipiranga foi fundada em 1937 em Uruguaiana, no estado do Rio Grande do Sul.

Além dos postos de combustíveis, a empresa é dona das lojas de conveniência “am/pm”, dos serviços de troca de

óleo da Jet Oil, do programa de fidelidade Quilômetros de Vantagem, entre outros. Informações disponíveis em:

<http://www.ipiranga.com.br/wps/portal/ipiranga/aempresa/>. Acesso em: 03 jul. 2016. 7 Empresa brasileira do setor de limpeza e higiene doméstica fundada em 1948. 8 Segundo o site da Revista Exame, a campanha publicitária foi exibida na “Globo, Record, SBT, Rede TV,

Band, Gazeta e também durante a programação de canais fechado como Sony, Universal, Globo News, GNT,

Multishow e Warner”. Mas o CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) suspendeu

esses filmes no ano de 2010 porque as empresas concorrentes alegaram que tiveram a imagem de seus produtos

prejudicadas pela campanha ao se comparar as esponjas de espuma (dos concorrentes) com a esponja de aço da

11

Em um dos filmes9, o protagonista da propaganda – o ator e garoto-propaganda da

marca, Carlos Moreno – contracena com uma mulher indígena que fica calada durante todo o

filme enquanto Moreno canta um trecho da música “Índia”10. Nesse filme podemos elencar o

estereótipo da mulher submissa que tem a beleza exaltada pelos traços como os cabelos

negros caídos nos ombros, os lábios, o olhar, a pele morena etc., como diz o início da música

composta por Fortuna e Júnior: “Índia, seus cabelos nos ombros caídos negros como a noite

que não tem luar; seus lábios de rosa para mim sorrindo e a doce meiguice desse seu olhar.”

(FORTUNA; JÚNIOR. 1952). A exaltação da beleza da mulher indígena também faz parte

da construção dos estereótipos sobre os povos nativos desde o século XVI, tanto nos relatos

de cronistas viajantes como na fase do Indianismo brasileiro do século XIX, que teve sua

maior expressão na literatura brasileira, mas também aparece nas artes plásticas.

O outro filme publicitário11 dessa mesma campanha é contracenado por Moreno e o

ator Paulo Silvino, que interpreta um cacique. Nesta, o cacique pescou um “peixe estranho”,

no caso, o tal peixe é uma esponja de espuma que simula os produtos das marcas

concorrentes. O cacique diz não gostar desse peixe estranho porque “não serve pra nada, não

desmancha, estraga rio”. Ao final dos 30 segundos da exibição publicitária, o cacique se

despede com a expressão “How!” e sorri.

Os vídeos podem ser trabalhados para a desconstrução de variados clichês, como: a

valorização da beleza da mulher indígena, contextualizando o papel da mulher indígena na

sociedade brasileira e também o período do Indianismo na literatura brasileira; a submissão da

mulher indígena (a qual não fala durante todo o comercial, demonstrando que não tem voz

ativa, ao contrário do cacique que fala durante o outro filme da campanha). Para além da

beleza feminina, há a reprodução de clichês acerca da identidade dos indígenas. A frase que é

dita por Moreno, “estamos aqui com uma legítima representante da natureza [...]”, apresenta o

estereótipo de que os indígenas são totalmente ligados e verdadeiros representantes da

Bom Bril Eco. Fonte: <http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/conar-suspende-comercial-verde-bom-bril-

578511>. Acesso em: 02 jul. 2016 9 Propaganda disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=BmpaNWUnRgs>. Acesso em: 05 jul. 2016. 10 Essa música é composta pelos paraguaios Manuel Ortiz Guerrero, José Assunción e E. Fortuna e recomposta

em português por José Fortuna e Pinheirinho Júnior. Foi lançada pela primeira vez, no Brasil, por Cascatinha &

Inhana em 1952. 11 Propaganda disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=E3eodzzLWwk>. Acesso em: 05 jul. 2016./

12

natureza, possibilitando a geração de falsas conclusões, por exemplo, de que os indígenas

vivem apenas na natureza e perdem sua identidade se passarem a residir longe dela.

Já no caso do cacique, pode-se perceber o tom de chacota dado à maneira pela qual o

nativo se comunica (falando português com dificuldades) e mostra a sua ingenuidade ao

confundir uma esponja de espuma com um peixe. Isso evidencia o estereótipo de que os

indígenas seriam menos inteligentes, beirando à ingenuidade, portanto, passível de risos.

Ademais, a sua despedida com a palavra “How”, que é uma expressão dos nativos da América

do Norte transportada descontextualizadamente para a propaganda da Bombril também

apresenta o estereótipo de generalizar os indígenas, sejam eles localizados geograficamente

em distintos e distantes locais, desvalorizando as diversas línguas e as variadas formas de

comunicação das comunidades da América do Norte, América Central e América do Sul.

Para se utilizar essas duas peças publicitárias como fontes na sala de aula, igualmente

sugerimos a possibilidade de se partir das narrativas dos estudantes para trabalhos de

comparação e contextualização.

c) Tentativa de desconstrução?A propaganda da Caixa Econômica Federal

De acordo com Lysardo-Dias (2007), a publicidade não apenas reafirma e reforça os

estereótipos, mas também utiliza maneiras de transgredir as imagens clichês visando

desconstruir representações cristalizadas. Entretanto, alerta a autora que, mesmo buscando

desconstruir um estereótipo, as visões trazidas pela publicidade não se distanciam

completamente dos modelos hegemônicos porque mantêm elementos que permitem ver um

através do outro, ou seja, que permitem ver o clichê, o estereótipo, através da (tentativa de)

desconstrução.

Como exemplo de um comercial que aparentemente visa a quebra com a lógica de

estereotipia sobre os indígenas brasileiros – mas que ainda mantém elementos que permitam

ver um através do outro –, há a publicidade da Caixa Econômica Federal1213 em comemoração

12 É uma instituição bancária federal criada em 1861. Atualmente é o maior banco público da América Latina,

centralizando operações de desenvolvimento humano, como: financiamento de imóveis, empréstimos,

administração de FGTS, por exemplos. Informações disponíveis em: <http://www.caixa.gov.br/sobre-a-

caixa/apresentacao/Paginas/default.aspx>. Acesso em: 05 jul. 2016. 13 Comercial da Caixa Econômica Federal em homenagem ao Dia do Índio (2009), disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=l9BDS2W1ruE>. Acesso em 02 jul. 2016.

13

ao “Dia do Índio”. O filme14, transmitido na televisão brasileira no ano de 2009, foi realizado

pela agência Fischer América+Fala! em conjunto com a O2 e rodado no litoral norte do

estado de São Paulo. A peça publicitária é narrada por Dione Maué, funcionária da Caixa

Econômica Federal e indígena do povo Sateré-Maués, localizado na Amazônia. No filme,

Dione declama um poema escrito de Zeli Poa15 e, por fim, diz que faz parte do grupo de 500

funcionários indígenas que trabalham na Caixa Econômica Federal:

Somos filhos da terra cor de urucum.

Dos sons do igarapé e da força do jatobá.

Das águas do Araguaia, do Tapajós, do Iguaçu.

Somos filhos do sol de Kuaray, da lua de Jaci.

E da chuva que semeia o guaraná, a pitanga e o aipim.

Somos filhos dos mitos.

Do uirapuru e seu canto, do vento e do pranto.

Guerreiros, fortes, sábios.

Somos Ianomânis, Guaranis, Xavantes, Caiabis.

E o que somos nunca deixaremos de ser.

Esse comercial pode ser utilizado para problematizar, em sala de aula, alguns pontos

das Histórias e Culturas indígenas, como: o significado de todos os elementos que aparecem

no poema/narração (o uso do urucum; as localizações dos rios Araguaia, Tapajós e Iguaçu,

bem como as comunidades indígenas localizadas próximas a esses rios; os mitos indígenas; a

agricultura; as características indígenas ditas no poema e na propaganda – guerreiros, fortes e

sábios –, comparadas às características expressas em outras propagandas ou às representações

dos indígenas descritas por muitos anos em nossa História oficial, como inocentes,

preguiçosos, selvagens; entre outras).

Outro tema a se enfatizar nessa propaganda é o próprio conceito de identidade

indígena, a partir da última frase do poema, que diz: “[...] e o que somos nunca deixaremos de

ser”. A propaganda, ao mostrar uma funcionária indígena trabalhando em um estabelecimento

não indígena demonstra que esses “legítimos representantes da natureza”, como diz o garoto-

14 Propaganda disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=l9BDS2W1ruE>. Acesso em: 05 jul. 2016. 15 A respeito desse escrito, não encontramos a data de publicação e tampouco informações sobre Zeli Poa. Além

disso, há diversos sites que divulgam o escrito, sem mencionar a fonte original. Coletamos as informações no

blog “Vida de Índio”, disponível em: < http://vida-de-indio.blogspot.com.br/2010/04/somos-filhos-da-terra-cor-

de-urucum.html>. Acesso em 03 jul. 2016.

14

propaganda da Bombril, não perdem sua identidade e não deixam de ser indígenas ao

trabalharem e viverem distantes de suas terras. Junto a essa questão, portanto, podemos incluir

a desconstrução de visões conservadoras que defendem o processo de aculturamento dos

grupos indígenas.

Considerações finais

As considerações finais, na verdade, não apresentam um ponto final a esse trabalho,

pois, não temos a pretensão de encerrá-lo por aqui. Pretendemos que este seja concebido

como inspiração para dar início e/ou para dar continuidade à desconstrução de verdades

calcificadas a respeito das Histórias e Culturas dos povos indígenas brasileiros. Desde 2008,

com a promulgação da Lei 11.645, torna-se obrigatória a inserção de História e Cultura

Indígena nas instituições educacionais brasileiras, sejam públicas ou privadas. Entretanto, os

primeiros passos para que essa lei seja cumprida ainda estão sendo dados, uma vez que não

basta apenas inserir conteúdos de temáticas indígenas nas aulas, é necessário compreender e

analisar esses conteúdos tendo em vista que, na maioria das vezes, é a visão dos outros sobre

os indígenas que prevalece (e essas compreensões, foram, até então, na maioria das vezes,

descontextualizadas, folclorizadas e estereotipadas).

Na falta de políticas públicas que efetivem, valorizem e respeitem a inserção de

conteúdos desestereotipados em referência aos indígenas, cabe aos professores e professoras

buscarem estratégias para selecionar e introduzir tais conteúdos nas aulas – em nosso caso,

nas aulas de História. Para além disso, nós, professores e professoras de História, somos uma

ferramenta considerável no processo de elaboração das representações dos alunos acerca dos

fatos históricos, já que uma parte dos conteúdos chegam aos estudantes através de nossas

falas, de nossas visões, de nossos discursos, de nossas exposições e de nossas interações nos

espaços das aulas. Dessa forma, antes de reproduzirmos qualquer material didático, cabe nos

posicionarmos de maneira crítica com nossas próprias fontes de pesquisa acerca do ensino de

Histórias e Culturas indígenas.

Consideramos que as propagandas veiculadas nas emissoras de televisão brasileira

fazem parte do dia a dia da maioria dos alunos e alunas de nossas instituições escolares. Logo,

15

influenciam na elaboração de Representações Sociais desses (e de seus familiares, amigos, de

seu meio social). Tomar as propagandas como fontes históricas a serem problematizadas em

sala demonstra aos alunos e alunas que a História têm sentido prático e está relacionada com a

vida cotidiana, porque pode ser vista a qualquer momento no aparelho de televisão, em uma

conversa, em uma fotografia, em jornais, na internet etc. E a História interfere diretamente em

nossas concepções e visões de mundo, em nossas memórias e na construção de nossas

expectativas para o futuro.

Vemos, nos exemplos trazidos neste trabalho, que diversas são as formas de

representação dos indígenas nas propagandas brasileiras. Ora eles aparecem como nativos

norte-americanos que sabem falar português, ora aparecem como ingênuos (que mal falam

português) e ora aparecem como pessoas que trabalham e vivem fora de suas terras e mesmo

assim não deixam de ser indígenas. Ao mesmo tempo em que as propagandas são passíveis de

análises críticas, podemos problematizar cada uma delas para discutir a respeito da variedade

de representações que também demonstra a diversidade de povos indígenas. Assim,

acreditamos que não há como finalizar o trabalho por não ser obra acabada. O consideramos

como um “pontapé inicial” para que consigamos, através do Ensino de História, respeitar,

compreender e reconstruir as concepções sobre Histórias e Culturas indígenas sem

estereotipias criadas e difundidas por grupos sociais dominantes.

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