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Contexto da disciplina e como influencia nas consequências da configuração assumida.

Projeção do discurso antropológico para um época em que não poderia existi r efetivamente.

É um equívoco recorrente entre os autores, projetar a matéria para um período em que ela era epistemologicamenteimpossível. Em sentido próprio, a antropologia só se forma na segunda metade do séc. XIX. É claro que exi stiam traçosantropológicos em autores anteriores, mas, em sentido próprio, ela só se forma no séc. XIX. Esse século fornece ascondições epistemológicas para um novo discurso sobre o homem. Nesse século, surgem as disciplinas humanas.

Antropologia fala de um discurso especial, de caráter erudito, que se constrói num século específico, que é o XIX.Nosso curso se volta a uma disciplina que se insti tucionaliza no séc. XIX e constitui uma nova forma de enxergar o homem ea sociedade.

Centra-se essa abordagem da constituição e desenvolvimento do campo de análise e pesquisa da AJ do séc. XIX até hoje.Essa disciplina se forma no séc. XIX.E situá-la nesse século diz muito a respeito dessa disciplina, tendo em vista o contexto da época.A segunda metade do séc. XIX é marcada pela pretensão de potência hegemônica de uns países sobre outros, o conhecidoimperialismo.

Quando se fala em imperiali smo se refere à uma política de estado com a intenção de expandir a potencia de influência docapitalismo e englobar territórios, gerando zonas de influência que se efetivem de maneira adequada na lógica do capital:consumidores, fornecedores de matéria prima e industriais. Imperialismo é a lógica que se refere ao estado-nação.É diferente de Império - Antonio Negri e Michael Hardt: cuidam de diferenciar o que é império e o que foi imperialismo.Imperial ismo é uma política exercida centralizadamente no estado-nação, típica do séc. XIX. Hoje, no entanto, há malhasdifusas de poder e redes de influência que não se concentram mais no estado-nação, dá se chamar de império e não deimperialismo: o poder é uma rede difusa e não concentrado por entidade soberana.

No séc. XIX se coloca a ideia de imperialismo, que é nova, não se confundindo com as formas de dominação dos antigosimpérios e experiências anteriores a esse período.Eric Hobsbawn: A era dos impérios - é a que se estabelece entre os dois últimos decênios do séc. XIX e os anteriores à IGM(1880-1914). No contexto dessa análise, ele diz que "a supremacia econômica e militar dos países capitalistas não era

ameaçada a muito tempo. (.. .) Entre 1880 e 1914 foi um período no qual a maior parte do mundo foi formalmente dividiaem territórios sob domínio direto ou indireto de um pequeno grupo de estados (EUA, Japão, Alemanha, Inglaterra, França,etc.)".

O conceito de imperial ismo é um neologismo, surgindo no influxo dessa nova forma de dominação em que o ocidente selança contra o oriente.Não há dúvida de que a palavra imperialismo passou a fazer parte do vocabulário em 1890; adquiriu importância e nuncamais o perdeu. Os imperadores e impérios eram antigos. Mas o imperialismo era novo, sendo introduzida na política. Suaexplosão no uso geral data de 1890. É usado para denotar o movimento mais poderoso da política global do mundo atual.

É uma época de violência, em que um parcela da humanidade transformou outra em objeto de dominação e declassifi cação, construindo-o como contraponto negativo do ocidente. E a AJ serviu de ferramenta retórica para reforçaressa ideia do ocidente em dominar outras sociedades."Bulimia territorial": aponta essa caráter de patologia em que o ocidente tentou engolir o máximo possível de territórios nalógica do capital.A AJ manteve, sim, relação próxima com a expansão imperialista. É uma noção de afinidade eletiva. Não há relação decausa e efe ito mecânica, automática entre o imperialismo e a AJ, mas é de afinidade eletiva. O imperialismo fornece ocampo de atuação da AJ e a AJ fornece uma justifi cativa retórica para a dominação. É uma relação indi reta, pois não émuito clara nem exatamente intencional, mas aconteceu essa simbiose.

Norbert Roland: a AJ é filha da história do direito, nascendo a partir da atividade de pais fundadores. Seu desenvolvimentotem lugar num contexto internacional de dominação, dando às nações europeias seu campo de dominação.Há relação de fil iação da AJ com a história do direito. Os primeiros grandes teóricos da antropologia são juristas queimprimem suas análises em abordagem diacrônica, situando-se em abordagem histórica e temporal (por isso as primeirasescolas são evolucionistas). AJ é uma disciplina derivada da história do direito: Henry Sumner Maine - jurista que propõeuma teoria de evolução do direito (obra: "direito antigo"; "Ancient Law", 1861).Essa AJ que surge com relação de f ili ação à história do direito se constrói em contexto marcado da dominação colonial. Ela

surge nesse contexto e não passa ao lado dele. A colonização dará às nações europeias seus campos de experimentação,surgindo as escolas nacionais de antropologia. A AJ é condicionada por esse contexto.

Robert Weaver Shirley: compara o perfil da dominação colonial francesa e a inglesa para mostrar como esse perfi lrepercutiu na antropologia, não sendo i rrelevante o contorno da dominação para a antropologia. Há relação entredominação colonial e antropologia, pois, sem ela, o perfil da dominação seria irrelevante para o desenvolvimento da

Aula 2 - Constituição e desenvolvimento do campo de análise epesquisa da antropologia jurídicaquinta-feira, 8 de agosto de 201311:25

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disciplina, o que não aconteceu.Dominação francesa: queria transformar os colonos em "franceses" transportando sua racionalidade política e impondo-asaos colonos. É a dominação política direta. Repetiam que os franceses e os colonos eram descendentes dos gauleses.Dominação inglesa: Já os ingleses real izavam a dominação política indireta. Davam maior autonomia e reconheciam asdiferenças entre os colonos, apenas dominando o extrato superior da sociedade. Por isso, precisavam conhecer quemmandava, a partir de quais ritos e instrumentos de dominação. Reconheciam, portanto, maior autonomia aos colonos -precisando conhecê-los para dominá-los.Por isso, a antropologia era mais necessária ao perfil de dominação política indireta dos ingleses, tendo se desenvolvidoprimeiramente lá, do que ao perfil de dominação direta dos franceses, onde foi mais atrasada.

Essa relação da AJ com o imperialismo foi lida como relação direta e mecânica, sendo subproduto do expansionismoocidental. O professor não considera a a leitura mais adequada à complexidade desse processo, permeado decomplicações. A AJ manteve relação com o imperialismo, mas não se reduz a um mero produto dele.

Assim, a relação entre AJ e imperialismo é a de afinidade eletiva (conceito de Goethe e de Maw Weber, posteriormente -relação entre a ética protestante e o capitalismo - é uma relação complexa e não simplesmente mecânica e direta).Benoît de L'estoile - obra: "Antropologia, Império e Estados Nacionais". Sugere o caráter fecundo de se utilizar a expressão"afinidade eletiva" para relacionar AJ e imperialismo.

No contexto do séc. XIX, melhor conhecer é melhor dominar. A AJ fornecia um cabedal de conhecimento utilizado pelodominador imperial para otimizar a dominação imperial. Isso pode ter ocorrido apesar da intenção e mediante críticas,inclusive, dos próprios antropólogos. A AJ também é uma produção cultural, sendo que a cultura da época era impregnadade um sentido de superioridade do povo europeu sobre os demais. Assim, fornece uma justificativa retórica para essa

dominação colonial . Assim, há uma relação de dupla via: a AJ fornece o cabedal de conhecimento para otimizar adominação dos impérios (ainda que à revelia da AJ, pois o antropólogo pode não ter se engajado nesse projeto) e a AJ,impregnada pela ideologia de superioridade da época, fornece justificativa retórica para a dominação europeia.

A selvageria era substituída pela barbárie, que posteriormente leva à civil ização, sendo que o motor de mudança entreessas fases é o implemento tecnológico.Só se fala em civilização se se fala em barbárie: não é simplesmente uma antítese, é também uma relação de poder;assimetria em civi lização e selvageria. Esse esquema é de caráter etnocêntrico, pois o que é encarado com a civil ização é operfi l do ocidente. Civilizar é ocidentalizar. E, se a AJ fornece essa base teórica, ela cai como um luva para a ideologiaimperialista.

Talal Asap -"O encontro colonial" -por a AJ não ser mero produto do imperialismo, foi capaz de se colocar contrária a essadominação. Caso ela não fosse independente, serviria sempre a essa finalidade de dominação.

A AJ surge no contexto, marcado pelo imperialismo, não fugindo das vicissitudes da época; não passa ao lado deles.

Como ocorre o reflexo dos condicionamentos sociais, políticos e econômicos na constituição da análise e pesquisa da AJ?

O campo de análise e pesquisa da antropologia, no séc. XIX, estrutura-se em três elementos:Estudo dos chamados, naquele contexto, de povos "primitivos". -----> objeto-

Perspectiva de caráter etnocêntrico. -----> enfoque-

Saber vocacionado (ideia de Beruf - chamamento; Weber) à gestão de populações -----> finalidade-

Esses elementos mostram como as vicissitudes do séc. XIX influenciam a antropologia.Esses aspectos estão mutuamente imbricados. Falar em povo primitivo é concretizar a visão etnocêntrica. O próprio objetoé construído etnocentricamente, e não de forma inocente. Não de manei ra explícita, de engajamento do antropólogo, masporque o antropólogo comunga das ideologias de superioridade e raças (Gobineau: branca, amarela e negra -gradação de

potencial idade; mesticialidade gera degenerescência racial).

Por isso pode ser chamada de antropologia instrumental ou pragmática (Robert Shirley).

Estudo dos chamados povos primitivos:1-

Benoît de L'estoile - na divisão do trabalho das ciências sociais a antropologia especializou-se no estudo e classificação depovos, comumente, chamados de primitivos, atrasados, marginais, subdesenvolvidos ou pré-modernos. Definindo-os porrelação de exterioridade ao mundo dos antropólogos, composto pela técnica, saber, etc. Assim, o primitivo é o outro.Assim, é uma construção conceitual antitética e assimétrica.

Auguste Comte: Cours de philosophie positive: o que caracteriza a sociologia que tem por objeto o estudo das sociedademodernas e a antropologia teria por objeto o estudo das sociedades primitivas. Essa trivagem del ineia os contornos e oslimites do pensamento antropológico do séc. XIX. Porém, essa clivagem vai progressivamente se perdendo e o campo da

sociologia e o da antropologia vão se sobrepondo. A antropologia estudava as sociedades contrapontos do ocidente.

Etnocentrismo:2-

A ideia de um posicionamento etnocêntrico é disseminada na sociedade, na sua partilha de valores. Isso é reforçado naantropologia por ela se caracterizar em ser "armchair anthropology ou antropologia de gabinete". Não era umaantropologia sistematicamente realizada por pesquisa de campo. Eram dados colhidos de viajantes, administradores

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coloniais, etc. todo seu material de estudo são observações concretas, sem fi ltragem, que servem para reforçarestereótipos.O antropólogo fazia antropologia como se historiador fosse. E a história que se fazia na época era positivista, fazendo-secom documentos -cabe ao historiador relatar o passado como ele aconteceu, com base em documentos e os arquivoshistóricos. Os antropólogos recorrem a dados ofi ciais de administradores, missionários, etc., atravessados peloetnocentrismo, que será reforçado pelos antropólogos.

Isso se opera num contexto em que a antropologia se torna vocacionada a servir de instrumento à dominação colonial.

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O contexto do séc. XIX é um contexto marcado pela expansão imperialista.A antropologia vai jogar um papel i mportante no projeto político colonial que vai se desenvolver.A antropologia, que passa numa época de violência, não passa ao lado dela.A antropologia surge numa época na qual uma parcela da humanidade se arrogou o direito de tratar a outra como objeto deseu olhar classificatório que categoriza a sociedade segundo uma chave de classificação que provém do ocidente. Umaclassif icação pejorativa, uma desclassificação. Construir o outro como primitivo.

A instrumentalização desse conhecimento funcionará como veículo de sustentação da dominação colonial.

Há inequívoca relação entre a antropologia nascente na segunda metade do séc. XIX e um projeto política que a ultrapassa queé a expansão imperialista. Porém, apesar dessa relação inequívoca, ela não pode ser entendida em termos simplistas. Não sepode entender a antropologia como merco subproduto da expansão imperialista, que tenha sido mobilizada para sustentaressa dominação.

Há uma afinidade eletiva, conceito weberiano, entre a antropologia e a expansão do imperialismo. Há uma afinidade que operfil do saber antropológico terá com a pretensão de expansão colonial imperialista. É uma relação permeada porambivalências e ambiguidades. É importante afastar essa visão difundida e demasiado simplificadora que toma a antropologiacomo mera superestrutura para reforçar esse projeto de expansão econômica.Mas, muitas vezes, os próprios antropólogos se posicionavam contra o uso pelos estados dos conhecimentos que produziam.

Quem chama atenção para esse tema é Benoît de L'estoile, com a obra "Antropologia, Impérios e Estados Nacionais".Imperialismo é política de estado nacional, sendo isso que o distingue do séc. XIX e da forma de dominação atual (dominaçãoem escala global). O imperialismo era uma política de estado. A antropologia era um veículo em relação com esse projeto deestado.

Se é uma rel ação de afinidade, o que expressa essa relação de afinidade entre saber antropológico e expansão imperialista?A antropologia fornece um cabedal de conhecimento que permite a otimização da dominação colonial. Sistematizaconhecimentos que, uma vez manejados pelos administradores coloniais, permite otimizar a dominação colonial.

-

-> Norbert Rouland - Antropologia JurídicaNa medida em que melhor se conhece uma realidade, mais facilmente e melhor a domina.A antropologia figura como um discurso retórico de legitimação da dominação colonial. O perfi l etnocêntrico do saberantropológico tornava fácil de sustentar o projeto político de dominação colonial - uma sociedade superior deve, logicamente,dominar uma sociedade inferior.

-

Essa antropologia do séc. XIX se construirá deconceitos antitéticos assimétricos: a expressão clara disso é a ideia deprimitivismo e civilização, que articula dois pontos antagônicos, valorando um e desvalorizando outro.

Características estruturantes do campo de análise e pesquisa da antropologia:

Elementos do Campo de análise da problemática do pluralismo e aculturação jurídicas:Estudo dos "povos primitivos" -> objeto do campo de análise e pesquisa1-Etnocentrismo -> enfoque2-Saber vocacionado à gestão de populações -> finalidade para a qual esse saber, voluntária ou involuntariamente, se dirige.3-

A antropologia surge no contexto do i mperialismo, havendo reflexos na configuração de seu campo de análise, de modo afazer com que ela surge com essas características e não outras. Há ref lexões desse contexto em sua configuração originária.Não é um rol exaustivo de características que a antropologia possuía em seu surgimento; é apenas um quadro exemplificativodas características essenciais da antropologia.São elementos que consti tuem e estruturam esse campo, dando-lhe certa configuração e não outra. Formam o núcleo

fundamental da antropologia, em seu surgimento.

É uma separação de elementos meramente didática, pois os elementos estão imbricados e amalgamados entre si.Falar do objeto primitivo já é construí-lo por uma visão etnocêntrica. Povo primitivo não é uma real idade ontológica, mas umaconstrução social europeia. Dessa forma, esses elementos estão muito ligados.O etnocentrismo aparece como característica fundamental e estrutural da antropologia do séc. XIX, o que é ressaltado porPirre Clastres - A sociedade contra o Estado. O etnocentrismo é tamanhamente central, que figurará, inclusive, como obstáculoepistemológico para a reconfiguração posterior da antropologia. O etnocentrismo, naturalmente, a vocaciona (chamanentopor afinidade) para ser instrumento da dominação colonial.Dessa forma, a construção do objeto implica o enfoque etnocêntrico e o etnocentrismo vocaciona a antropologia à gestão depopulações, justamente aqueles que são seu objeto, consideradas primitivas. São características relacionadas.

A antropologia, como se sabe, é coetânea da sociologia. As ciências sociais se formam nesse contexto do séc. XIX, havendodiversas razões - históricas, sociais e epistemológicas, para isso.

Assim, no momento em que a antropologia se forma, se formam também outras ciências.Dessa forma, é preciso encontrar umelemento que as distinga.Entre antropologia e sociologia a distinção se dá pelo objeto: Clivagem básica que opõe sociedade moderna e sociedadeprimitiva.Isso é confirmado por autores de época, como Auguste Comte (Curso de Fi losofia Positiva).

Aula 3 - História e característicasquinta-feira, 19 de setembro de 2013

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A sociologia tem por estudo uma configuração social entendida por sociedade moderna; e a antropologia tem por estudo umaconfiguração social resquício dessa, que é a sociedade primitiva.

A antropologia se especial izou na classificação e estudo de "grupos primitivos, atrasados, marginais, subdesenvolvidos ou pré-modernos; definidos todos por relação de exterioridade em relação ao mundo do antropólogo, esse sim civil izado, científico,etc.". Todos esses termos recebem uma inequívoca carga negativa, que se constrói em relação e oposição aos conceitos decivilização.

Reinhart Kosel leck utiliza a noção deconceitos antitéticos assimétricos (CAA): construções conceituais que articulam pares,em que um recebe uma carga positiva e outro uma carga negativa (por isso a polaridade de conceitos). A relação de

positivação de um polo e negativação de outro também implica em uma relação de poder e hierarquia, sendo que o conceitoque é valorado positivamente é preferível ao conceito que é valorado negativo.Ex. O primitivo é primitivo em relação ao civil izado, e o civil izado é civilizado em relação ao primitivo; sendo que são conceitosrelacionais.

Assim, a antropologia sustenta essa relação de hierarquia e dominação, por sua utilização de conceitos antitéticosassimétricos.

Artigo do professor - Anciente Law: um clássico revisitado 150 anos depoisNesse artigo, encontra-se uma discussão mais ampla das construções antitéticos assimétricas da antropologia do séc. XIX.O autor é evolucionista do séc. XIX - Henry James Sumner Maine

A antropologia do séc. XIX, na medida em que se constrói a partir de conceitos antitéticos assimétricos, reforça com uma cargacientífica um discurso que já vinha sendo feito no contexto político.Michael Hardt e Antonio Negri - ImpérioA antropologia se torna veículo de construção da alteridade, de construção do outro, o que serve para afirmar a própriaidentidade do ocidente, que se vê como superior e com o fardo de civi lizar as sociedades primitivas, protegê-las e trazê-las dainfanti lidade. A construção negativa de outros não europeus é o que fundamenta a própria identidade europeia. O nativo foiimportado para a Europa e dela exportado - construíram um ser, um desencontro cultural, diferenças físicas, etc.

Lewis Morgan - a sociedade evolui da selvageria até a barbárie em direção à civil ização (S-> B -> C). A Civi lização é aocidentalização da selvageria e da barbárie. O grande motor dessa mudança social é o implemento tecnológico.

Um discurso com esse perfil, de conceitos antitéticos, é facilmente apropriável por uma política de dominação colonial.

A antropologia deriva de estudos históricos, sendo que se identifica no outro um elo que ficou perdido e que não sedesenvolveu como nós. O outro é um passado cristalizado em confronto com o nós. Daí o fardo de acelerar sua civi lização,

para chegar ao presente civil izado. Aquela sociedade não é meu passado direto, mas a expressão das características que eu(Europa) tinha quando não desenvolvida.

A antropologia do séc. XIX é uma antropologia de gabinete, baseada no "material empírico" de relatos de viajantes.Lewis Morgan representação da passagem da selvageria para a civil ização se dá com o advento da escrita fonética; casamentomonogâmico; etc.

Robert Weaver ShirleyO intelectual do século XIX também partilha da idei a preconceituosa de hierarquia e superioridade.

Etnocentrismo aparece como uma questão central, ao ponto de ser um obstáculo epistemológico ao desenvolvimentoposterior da antropologia.

O etnocentrismo é uma postura que avalia outras culturas a partir da projeção de valores da cultura do analista. Ela projeta

seus próprios valores, à guisa de universalidade, para avaliação de outras culturas.Qualquer valoração carrega um subjetivismo. Há um saber de perfil etnocêntrico que assume uma dimensão valorativa querecebe um reforço metodológico do perfil da antropologia da época.

Armchair Anthropology -antropologia de gabinete:Os antropólogos, de maneira geral, não faziam pesquisa de campo de maneira sistemática. Muito embora pretendessemdesenvolver um saber de caráter empírico, lastrado na experiência.Robert Deliege: os relatos provinham de missionários, administradores coloniais, viajantes - que não tinham cientificismo parabuscar uma postura neutra.A antropologia também é muito influenciada pela disciplina da qual ela deriva, que é a história.O antropólogo do séc. XIX fazia antropologia como se historiador fosse. E a história do séc. XIX é a história positivista - Leopoldvon Ranke: "Cabe ao historiador descrever o passado tal como ele aconteceu". Havia uma crença muito forte nos documentosoficiais, que se encontravam nos arquivos históricos.Por isso o antropólogo busca seu material nos arquivos históricos, onde havia relatos de viajantes e missionários.

Por isso, a antropologia se controi num contorno etnocêntrico.

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A antropologia do séc. XIX fornecia um cabedal de conhecimentos que, quando utilizado pelo dominador colonial, otimizava adominação colonial.Diferentes perfis de dominação colonial - francesa e inglesa.Além disso, há a ideia de que a antropologia etnocêntrica, na medida em que corrobora a ideia de que a sociedade moderna énaturalmente superior às demais, acaba permitindo sustentar também que naturalmente deveria dominá-las e civil izá-las.

Essa configuração que a antropologia assumiu no momento de sua formação no séc. XIX vai, progressivamente, entrar emcrise. E dessa crise decorrerá uma pressão por reconfiguração antropológica, de seu campo de análise e pesquisa.

1ª grande crise da antropologia, que faz com que ela se altere radicalmente:

No caráter de estudos dos povos primitivos, surge uma crise quanto ao objeto de estudos da antropologia; crise de

delimitação entre antropologia e sociologia.

O caráter etnocêntricorelaciona-se com umacrise relativa ao pretenso estatuto de cientificidade da antropologia.

No caráter do saber vocacionado à gestão de populações relaciona-se a uma crise de delimitação entre o campo de sabercientífico e o campo político (do poder); é uma crise de delimitação entre o campo de saber e o campo de poder.

Para cada faceta da crise geral da antropologia, existe um elemento característico que entra em crise.

O objeto povos primitivos

Robert Deliège - Anthropologie sociale et culturalle -afirma que:O objeto da antropologiaentra em crise em pelo menos três dimensões: histórica, semântica e epistemológica.•

Histórica: o que se convencionou chamar de povo primitivo começa a se escassear e a desaparecer:-

ou porque o povo primitivo é extinto, por um supressão física;a)ou porque o povo primitivo é assimi lado ao "civil izado", por uma supressão cultural da sociedade, com o desmantelamento desua autoidentidade.

b)

É diferente falar em assimi lação, em que o grupo incorporado perde sua identi dade cultural; e falar em integração, em que aincorporação de um grupo a outro não decorre à perda da i dentidade cultural do grupo incorporado.Há, ainda, a desagregação dos impérios coloniais.

De qualquer forma, o objeto da antropologia, que era o povo primitivo, tende a desaparecer, o que levaria aodesaparecimento da própria antropologia -Levi Strauss.Semântica: progressivamente se perceberá que o conceito "povo primitivo" é um conceito problemático, porque carregado,inequivocamente, de uma carga semântica valorativa negativa; não pode ser científico, portanto. Dessa forma, começa atentar ser evitado o uso desse termo. Essa conceituação negativa de "povo primitivo" consiste num par antitético assimétrico.

-

Epistemológico: nenhum objeto precede ao enfoque. Povo primitivo não é uma realidade ontológica, mas uma construçãoarbitrária. Dessa forma, o objeto pode ser historicamente e arbitrariamente construído.

-

Benoît de L'estoil e -Os antropólogos voltam sua atenção para o patrimônio etnológico próprio: que é a cultura ocidental, de onde o antropólogovem.A sociedade ocidental era objeto da sociologia, dessa forma, o que faria então a antropologia?Diante da crise do objeto da antropologia, ela invade também o objeto que originalmente era consignado como objeto

exclusivo pela sociologia -a sociedade moderna.A identidade entre as duas discipl inas era marcada claramente pela diferença entre seus objetos. Essa nova configuração dese misturarem os objetos, evidentemente, leva a uma crise inicial.Hoje, não há mais uma delimitação precisa em função de um objeto, claramente delimitada, que sirva como critérios parasepará-los. Hoje, o que separa essas disciplinas é seu enfoque, por isso muitos antropólogos são também sociólogos. Isso éatualmente muito frutífero, mas, na época aparecia como uma crise de identidade.

Autores como Jean Copans, "Antropologia Estudo dos povos primitivos?", diz que a antropologia, hoje, também analisasociedades modernas e não apenas as sociedades "primitivas".É um método centrado em uma observação de escala menor da sociedade, seja primitiva ou moderna.

Sociedade complexa:Surge enraizada no evolucionismo (Spencer, etc.).Teríamos como decorrência da evolução social a passagem de sociedades simples para sociedades complexas. As sociedades

primitivas têm menor dinamismo em suas relações. Na evolução, há um implemento progressivo de complexidade nasrelações.O desenvolvimento de sociedades humanos não deve seguir, todas as vezes, o mesmo itinerário. Por isso o conceito desociedade complexa também é crítico. É uma ideia cara ao evolucionismo do séc. XIX, partindo da ideia de que a evolução levado simples ao complexo; mas é uma ideia que se altera.

Aula 4 - Crise da antropologiaquinta -feira , 26 de setembro de 201311:14

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A antropologia, que tinha surgido como estudo dos povos primitivos, entra em crise e incorpora sua análise o estudo dasociedade moderna como um campo do saber antropológico.

Essas crises levam à necessidade de (RE)CONFIGURAÇÃO DO CAMPO DE ANÁLISE E PESQUISA DA ANTROPOLOGIA.

Etnocentrismo:•

É a característica central no surgimento da antropologia, porque constrói o objeto "povo primitivo" e também vocaciona seusaber à gestão de populações.Consiste numa postura valorativa. O pensamento etnocêntrico projeta os valores de uma certa cultura como critério paraavaliar outras culturas. Eleva os valores de uma cultura particular ao patamar de uma cultura universal ou universalivázel para

servir de critério de classificação de sociedades. Por essa razão o etnocentrismo tende a levar a caricaturas, na medida em quea sociedade se aproxima mais ou menos da sociedade "evoluída" ou "primitiva". Também podem eleger o critério tecnológicopara avaliar o progresso/evolução de uma sociedade ou não.

Se o etnocentrismo implica valoração, em última instância, implica também subjetivismo. Isso é incompatível com o ideal deobjetiv idade científica exigida pelas ciências. Por isso, começam a dizer que a antropologia não é ciência; levando à uma criserelativa à pretensão de cientif icidade da antropologia e à reconfiguração de seu campo de análise e pesquisa.

O etnocentrismo é reforçado pelo perfil metodológico da antropologia do séc. XIX, que é a antropologia de gabinete (armchairanthropology). Malgrado se diga que seja um observação empírica, da realidade, ela não se constrói da observação direta doobjeto. O antropólogo não vai a campo recolher os dados de suas análi ses, analisando escritos de terceiros (viajantes,missionários, governadores, militares, etc.) que são dotados de preconceito e subjetividade.Lewis Morgan -é o primeiro grande antropólogo a receber dados com uma certa sistematicidade (sobre relações familiares dediferentes povos), porque cria um formulário padrão e o envia para preenchimento em diversas partes do mundo.Lévy Bruhl; Durkhein; Marcel Mauss - não vão a campo recolher seus dados de pesquisa antropológica.Bronislaw Malinowski - introduziu a observação participante.

A antropologia do direito do séc. XIX é filha da história do direito. Portanto, o antropólogo do séc. XIX fazia antropologia comose historiador fosse. O historiador positivista fazia histórica se baseando em documentos oficiais, que desvelavam o passado"tal como ele ocorreu". Os documentos históricos estavam nos arquivos, constituindo-se de relatos de administradorescoloniais, etc.

A antropologia responde reconfigurando seu campo de análise e pesquisa, deixando de fazer "antropologia de gabinete" eassumindo uma pesqui sa de campo; porque, tendencialmente se neutraliza o comprometimento dos dados com uma visãoetnocêntrica e depreciativa que poderia comprometer a abordagem (como no caso dos relatos).

Vocação para gestão de populações:•

Essa vocação instrumentalizava a antropologia para fins políticos, levando a uma crise de delimitação dos campos do saber edo poder. Quando se instrumental iza o saber antropológico para fins políticos compromete o saber científico.

Malinowski - "Crime and custom in savage society" (crime e costume na sociedade selvagem).Afirma que "A finalidade prática da antropologia é ajudar o homem branco a governar, explorar e implementar (govern,exploit and improve) o nativo" - ele reafirma o caráter vocacionado da antropologia.Isso é incompatível com o estatuto de cientificidade.

Max Weber - a antropologia vocacionada é incompatível com o estatuto de cientif icidade da modernidade.Quando analisa o processo que conduz à emergência da sociedade moderna, afirma que esse processo é correlato àracionalização progressiva da sociedade e das diversas esferas sociais.Antes de nós, as sociedades tradicionais se caracterizavam por uma 'cosmovisão'. É uma visão global de mundo, partilhada demaneira consensual pela maioria dos indivíduos que integram uma certa sociedade. Essa cosmovisão tem uma base rel igiosaou metafísica. Para Habermas, a cosmovisão figura como algo semel hante a um enquadramento institucional das diversas do

agir, pensar (ex. direito, arte, ciência, política, economia e esfera íntima [amorosa ou erótica]).O processo que conduz à sociedade moderna é o processo de racionalização. Se no âmbito da sociedade tradicional, acosmovisão enquadrava essas diferentes instituições, ela servia também como limite a elas. Para Weber, a racionalizaçãoincide na cosmovisão de forma a dissolvê-la (do enquadramento institucional), o que leva ao desencantamento edesacralizamento do mundo, havendo uma separação das esferas do agir e passarão a ser caracterizadas por lógicas próprias.

Na sociedade moderna, por Weber (profana, marcada por politeísmo de valores; não há enraizamento das diversas esferas doagir num marco metafísico), há enorme pressão por autonomização dos diversos campos, dentre os quais a ciência.Assim, antropologia, na medida em que se vocaciona a fins políticos, não cumpre com seu ideal de autonomização. Há umapressão para que a antropologia se neutral ize rel ativamente à possibilidade de sua instrumentalização política.

Lucien Febure/Marc Bloch -Escola dos anais"O problema da descrença no séc. XVI" - afirma que Rabelé, um herege, é a expressão de uma excepcionalidade do séc. XVI,porque o homem dessa época não tinha aparelhamento mental para sair de uma visão enquadrada pela cosmovisão rel igiosada época.-> visão questionável, porque mesmo nos meios fora da eli te haviam hereges.

Havia um enquadramento institucional que condicionava a visão de mundo. O que mata a sociedade é a expl osão dessacosmovisão, com pressão para que se desenvolvam as lógicas de cada uma das esferas do agir e do pensar -porque deixa de

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haver um consenso social.

Isso força uma reconfiguração do campo antropológico.

Ex.Herman von Ihering (brasileiro), na qualidade de diretor do museu paulista de antropologia em 1909, publica um artigo emque propõe, explicitamente, o extermínio das populações indígenas se elas atrapalhassem a ascensão da sociedade brasileira.Marechal Rondon -cria, no ano seguinte, o serviço de proteção ao índio - que depois é substituído pela FUNAI.Esse é o problema de uma antropologia vocacionada a outros fins que não o saber.

A racionalização se implementa em termos globais, mas também no plano específico de cada uma das esferas: racionalizaçãodo direito; racionalização da esfera íntima; etc.

A antropologia tem um desenvolvimento curioso e, no limite, paradoxal (Maurice Godelier; Jean Copans; François LaPlantine;Claude Rivi ère). A antropologia se desenvolve negando sua configuração original, pois nega a possibilidade de suainstrumentalização política e a necessidade de sua cienti fização progressiva.

Séc. XIX - Contexto que figura como condição epistemológica ao efetivo florescimento da antropologia.Antes disso, haveria uma proto-antropologia. A antropologia em sentido próprio somente se configura no séc. XIX, pois antesestariam ausentes as condições sociais, históricas e epistemológicas para seu florescimento.

Norbert Rouland - Antropologia jurídicaFrançois LaPlantineA partir do séc. XVIII a antropologia começa a se tornar epistemologicamente possível; sendo apenas na segunda metade doséc. XIX que começam a surgir as primeiras obras de antropologia jurídica.Será preciso esperar o séc. XVIII para que se possa construir um projeto de ciência do homem; não ainda a ciência do homem,mas o projeto de sua constituição. É um projeto de saber não mais especulativo, mas sim positivo acerca do homem.Enquanto encontramos nos séc. XVI e XVII elementos para uma pré-história de antropologia é apenas no séc. XVIII queencontramos, verdadeiramente, o projeto de modernidade das ciências sociais. É apenas nessa época em que se constroem aspossibi lidades históricas, sociológicas, epistemológicas, etc.Começa a se formar no séc. XVIII, mas só se implementa no séc. XIX. Esse projeto antropológico, apesar de começar a seconfigurar como epistemologicamente possível, ainda não se implementa em função de 4 elementos fundamentais:Construção de um certo número de conceitos, começando pelo próprio conceito de homem, visto, a partir de então, nãoapenas como sujeito mas também como objeto do saber. Isso é inédi to e introduziria uma dualidade entre sujeito observantee sujei to observado, no âmago do próprio conceito de homem.

1-

Construção de um saber não simplesmente especulativo, mas fundado na observação; o que constituiria um novo modo deacesso o homem que passa a ser considerado em sua existência concreta - a partir de comportamentos, linguagem, relações

de produção, instituições, etc. é um saber empírico e não mais transcendental sobre o homem.

2-

Questão da diferença como problema fundamental. Haveria uma ruptura com a convicção de uma transparência imediata docódigo, colocando-se, pela primeira vez, a dimensão do impensável - num âmbito que não é permeado. Transparência domundo ao sujeito observador.

3-

Método indutivo como método fundamental da observação e análise. Ideia de que os grupos sociais deveria ser estudadoempiricamente, com a observação de fatos, para que a partir daí fossem extraídos princípios e conceitos gerais.

4-

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O saber que surge no séc. XIX não surge aleatoriamente, pois esse século fornece as condições sociais, históricas e, sobretud o,epistemológicas, para propiciar esse desenvolvimento.Françòis LaPlantine - o projeto de constituição de antropologia, no séc.XVIII, de um saber acerca do homem:Novo conceito acerca do homem - não mais transcendente-

Abandono de caráter especulativo acerca do homem, em sua objetividade empírica-

Quebra de uma premissa metafísica de imediatidade ou transparência do código acerca de si mesmas. É uma relação deintransparência, de impensado.

-

Progressiva substituição de um raciocínio de caráter dedutivo para um raciocínio de caráter indutivo.-

É um projeto que começa a se delinear no séc. XVIII, mas não se implementa nesse século, porque 1) a noção de homem com aqual ainda se trabalha é a ideia de um homem abstrato/transcendental (incompatível com a noção de homem que serátrabalhada posteriormente). Além disso, 2) o discurso antropológico do séc. XVIII ainda está plasmado na ideia de progressouniversal - de que todas os povos tendem a um progresso (havendo primitivos e civilizados).Malgrado seja o séc. XVIII um momento de vi rada, a antropologia somente florescerá no século XIX.

O séc. XIX é o momento no qual se torna efetivamente possível o desenvolvimento das ciências humanas. Entretanto, hádivergência na interpretação do processo que conduz ao séc. XIX com um contexto que tornará a antropologia efetivamenteviável.Há uma leitura que insiste em certo nexo de continuidade - premissa de que entre as ciências humanas do séc. XIX e o saberreflexivo que as antecedeu haveria um certo nexo de continuidade e desenvolvimento. Ex. Dan Sperber

I-

Há, por outro lado, uma perspectiva que insiste na descontinuidade ou na ruptura entre os saberes anteriores e os novos

saberes, especif icamente a antropologia. Ex. Michel Foucault (Arqueologia - as palavras e as coisas são uma arqueologia dasciências humanas - como se constrói o discurso das ciências humanas?)

II-

Conforme estejamos mais propensos a uma ou outra correntes, daremos aos saberes do séc. XIX maior ou menor grau deoriginalidade; de inovação, inclusive na antropologia.

Correntes - análiseMalgrado a antropologia surgir no séc. XIX, ela surge como uma derivação de reflexão que pré -existiu em relação a ela. É umaantropologia filosófica, com forte contorno especulativo. Ela dá origem, então, a pelo menos dois saberes, que terão apretensão de se constituírem como saberes empíricos a cerca do homem - a antropologia e a psicologia.

I-

No séc. XIX a antropologia se torna viável; mas, anteriormente, já existia a antropologia filosófica. A

antropologia filosófica é caracterizada pelo caráter especulativo que estrutura a reflexão acerca do homem (trabalha com umanoção abstrata do homem, transcendental).A partir do séc. XIX, surgem dois saberes: a) antropologia em sentido estrito e b) psicologia.O que as diferencia do tronco comum de que derivam (antropologia especulativa/filosófica) é que ambas pretendem serempíricas, tomando o homemA antropologia se divide em: a) antropologia física, de base biológica, com conceitos de raça/eugenia; e b) antropologia cult uralou social.A antropologia vai se desbiologizar, tornando-se mais uma antropologia cultural e social ; a antropologia física, atualmente, émuito residual. Françòis Dosse propõe, então, essa desbiologização do estudo do homem, para estudá -lo cultural e socialmente.Malgrado elas (antropologia física e cultural; psicologia) mudem de fe ição, em última instância, enraízam -se em solo comum(antropologia fi losófica). Há, então, uma relação de desenvolvimento e continuidade. Não há ruptura, mas um desdobramentopara se assumir uma abordagem empírica.

Françòis Dosse afirma que:

 Antropologia filosófica (especulativa) [ex. Aristóteles - o homem é um ser político - estuda o homem abstratamente]:Psicologia: estuda os caracteres e manifestações individuais do homem1-Antropologia: procura estabelecer o que são os humanos e como se desenvolvem em sociedade.2-Física: passou a ser progressivamente deixada de lado em virtude de sua visão racista e eugenista. (desbiologização do estudo)a)Cultural ou social: hoje é a única em que se pensa quando se fala em "antropologia".b)

Henry Meine: 1861 - Direito Antigo/Ancient Law - afronta os autores caracterizados como teóricos da antropologia fi losófica. Eleos afirma como se fossem autores de teoria conjectural (Locke e Hobbes; Burlamark; Rousseau; Montesquie). São teorias complausibilidade até certo ponto, mas depois começa a supor uma certa espécie de homem que não necessariamentecorresponde à realidade. São teorias conjecturais fundadas em bases especulativas. São teorias francamente especulativas emrelação ao homem e a sociedade, não fundada em observação. Porém, curiosamente, a própria antropologia de Henry Meinenão está fundada na observação, porque se baseava nos escritos de missionários, etc - antropologia de gabinete.

Michel Foucault tenta mostrar como há um rearranjo grande na ordem do saber que leva à ruptura.II-

Vale-se do conceito de epistêmico - Épistémè: figura como um horizonte de saber possível em uma certa época histórica. Háuma configuração discursiva do saber orientada pela episteme da época em que esse saber se desenvolve.A episteme é o conjunto de relações que liga diferentes tipos de discurso numa determinada época histórica. Ela se refere atodos os fenômenos de relação entre as ciências e os diferentes discursos científicos de cada época. Mas, é um espaço dedispersão, um campo aberto que figura como o que entrecruza os discursos de uma certa época histórica, dando a eles umaorientação e não outra.

Aula 5 - Antropologia, etnologia e etnografiaquinta-feira, 3 de outubro de 201311:18

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 Entre uma episteme e outra não há uma relação de continuidade, mas relação de rearranjo e rearticulação profunda. Oconhecimento não se constrói por um acúmulo contínuo, mas por alterações e reformas. As ciências humanas assumem umcaráter fortemente inaugural na forma de pensar e estudar o homem, que não encontraria uma relação com um saber anterior.O saber antropológico que se constitui a partir da formação das ciências humanas não encontrará numa antropologia fi losóficao seu solo de origem.Haverá uma grande importância na distinção entre empírico e transcendental, possibilitando estudar o homem a partir de suaempiria. A ciências humanas surgiriam a partir da ruptura com a episteme clássica que levará ao surgimento da epistememoderna, fazendo surgir, de ntre esses saberes humanos, a antropologia.

As ciências humanas não receberam por herança um domínio linear, dimensionado e não desbravado. O séc. XVIII não lhes

transmitiu um espaço circunscrito ainda vazio que elas tivessem que cobrir ou analisar. O campo epistemológico percorridopelas ciências humanas não foi prescrito de antemão. Nenhum filosofia, opção política ou moral, ciência, análise daemoção/senações/paixões, jamais encontrou algo como o "homem", pois o homem não existia - esse homem da empiria; essenovo modo de enxergar o homem. Assim, as ciências humanas têm um caráter radicalmente novo, que inauguram uma novaforma de pensar o homem.

Há uma certa tendência de se corroborar a visão de Foucault (apesar de não existir verdadeiro ou falso), rejeitando a visão"ingênua" de que o saber seria um acúmulo constante, uma aquisição progressiva de saberes. Na verdade, os saberes humanossurgem da exaustão do quadro epistêmico que os precedeu; e inauguram uma nova forma de ver o homem a partir de umcontexto propício no séc. XIX.

Distinção entre:

Etnografiaa)

Jurídica-

Etnologiab)Jurídica-

Antropologiac)Jurídica-

Essa é uma seara pantanosa por uma série de motivos. As duas tradições da antropologia divergem na conceituação dessestermos: francófona (França; Canadá; países da África que foram colonizados pela França) e anglófona (Grã -Bretanha; Eua;Austrália; Canadá -é a mais usada atualmente, até mesmo por causa da difusão da língua).

há diferenças entre a conceituação dos termos na tradição francófona e anglófona:Francófonos denominaram de etnologia o que os anglófonos denominaram de antropologia.Há uma tendência da antropologia anglófona preferir o termo antropologia e não o termo etnologia. E a progressivaascendência da antropologia anglófona levou os franceses, tradicionais, a tomarem etonologia como sinônimo de antropologia.

Philippe Laburthe-Toira ---->Jean Pierre Warnier --->

Levi Strauss -distingue os três termos didaticamenteEssas perspectivas se diferenciam por preponderar em cada uma delas um aspecto prioritárioEtnografia: Preponderantemente descritivaa)

Etnologia: Preponderantemente interpretativab)

Antropologia: Preponderantemente generalizadora - por isso tem uma vocação totalizante; é uma dimensão que extrapola oâmbito do particular em direção ao geral. Por isso, ela tende a ser uma construção mais abstrata,precisando, para ser geral, teruma linguagem mais geral e abstrata do que as outras duas.

c)

Malgrado as três sejam diferentes, isso não nos habilita dizer que elas constituam disciplinas diferentes. Elas não constitue mdisciplinas diferentes. Então, o que são?Lei-Strauss - são fases, etapas ou momentos de uma mesma pesquisa.Não são disciplinas distintas, mas etapas de uma mesma - que é a Antropologia, porque para generalizar é preciso, antes,descrever os dados e interpretá-los. A antropologia está fundada na pesquisa etnográfica e etnológica.

Isso tem a ver com a reconfiguração etnológica da antropologia. O que alimentava a antropologia, antes, eram relatosprovenientes de segundas mãos - essa antropologia é reputada não científica, mas mal construída em termos metodológicos -não compatível com o ideal metodológico. Para tentar neutralizar a antropologia em relação ao seu déficit de cientificidade(Franz Boas e Bornislaw Malinowsk) propõem uma reformulação metodológica, sendo que o último é fundador do métodoparticipante, possibilitando captar como a sociedade se estrutura efetivamente.

As três não constituem discipl inas diferentes ou concepções distintas dos mesmos estudos. São, ao contrário, etapas, meios oufases da mesma disciplina. A preferência por um ou por outro é apenas para priorizar a descrição, interpretação ougeneralização dos dados. Além disso, a descrição implica, também, interpretação -sendo que mesmo a etnografia é apenaspreponderantemente, mas não e xclusivamente, descritiva; e assim sucessivamente.

A antropologia faz, então, ao final, um inventário da diversidade humana para, a partir do que é diverso, extrair o que éinvariável ou estruturante - faz comparações.

Norbert Rouland - Antropologia jurídica - cuida de defini r o que é etnografia jurídica, etnologia jurídica e antropologia jurídica.

Etnografia jurídica:a)

 

Obra: ethnol ogie-anthropologie

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Consiste na coletae descrição de dados quali ficados como jurídicos nos níveis dodiscurso, das práticas e das representações

no seio de uma determinada sociedade.Ressalva do professor: é uma determinada configuração social (sociedade é uma visão restritiva).

Etnologia jurídica:b)

Preocupa-se em interpretara articulação existente entre esses três níveis (discurso, práticas e representações) nofuncionamento geral de uma dada sociedade (configuração social).

Antropologia jurídica:c)

Procura realizar um ordenamento da cultura humana em sua generalidade , no que se refere ao domínio do direito, mediante a

comparação entre os sistemas jurídicos de todas as sociedades que se possa observar.

É a ideia de um substrato comum, diferenciando o que é cultura (particularidade regrada)e o que é natureza (universal). Não édireito natural, posto por jus naturalismo, universal no mundo. Mas uma estrutura comum na particularidade regrada. Varia, delugar para lugar, mas na essência é a mesma - não é "natural", mas "cultural". São equivalências funcionais para responder aosmesmos problemas.

Há grande controvérsia, no entanto, no que concerne a essas definições.

Falar em direito é simples em uma sociedade como a nossa em que ele aparece com uma identidade autônoma. O problemasurge nas sociedades nas quais a esfera jurídica não exista ou não é devidamente separada de outras esferas (religião, etc.). Oque permite qualificar certos dados como jurídicos em uma sociedade em que ele s não aparecem como tal?É um trabalho de interpretação do etnógrafo, que tenta captar o que, segundo nossa visão, seria o direito naquela sociedade.Isso leva a uma projeção do que entendemos como direito a outras sociedades (seminário 2). Traduzimos à sociedade o que

endentemos como direito. Não nos deparamos como algo que possa ser chamado de direito, sendo necessária uma observaçãoparticipante para interpretar, de forma não aleatória.

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Antropologia jurídica:

Busca em toda sociedade os meios institucionais existentes para resolver confl itos. É uma das definições antropológicasacerca do direito. O que essa definição expressa em termos de enfoque em relação ao direito: tenta definir traços gerais dodireito; como ele se expressa em sua generalidade. Por isso, a antropologia tem sua vocação generalizante, que implica umacomparação com o que é diverso para encontrar o que é estruturalmente invariável.

-

Observa externamente o direito. É um ponto de vista externo na observação do direito, que não coincide, necessariamente,com o ponto de vista do participante (juiz, etc.). É a ótica do cientista social direcionado ao direito. Há uma tendência a s ecaptar o direi to em um âmbito mais amplo nos fatos sociais.

-

Tem caráter zetético próprio da antropologia. É diferente do enfoque dogmático - inegabilidade dos pontos de partida, parainstrumental izar o direito visando a decibilidade dos conflitos. Enquanto perspectiva zetética, a antropologia tem um caráterproblematizador do direito - indagar, questionar, etc.

-

É essencial ao enfoque antropológico:Sua pretensão generalizadora-

Sua inquesti onável dimensão problematizadora do direito-

Seu ponto de vista externo na observação do objeto "direito".-

São os traços característicos desse enfoque da antropologia jurídica que será estudada no curso. É por esses enfoques que aantropologia constrói o direito. É o enfoque que constrói o objeto.

Duas problemáticas que serão analisadas pela antropologia jurídica - são o foco fundamental do curso:Aculturação jurídicaa)Pluralismo jurídicob)

A primeira grande configuração teórica assumida pela antropologia do séc. XIX, que será o enraizamento concreto dascaracterísticas estruturantes de análise antropológica, baseia-se em:Saberes dos povos primitivos-

Eurocentricamente-

Vocacionado à gestão de povos-

Evolucionismo é a concreção desses traços gerais que caracterizam a antropologia em sua formação. É a ideia da estrutura

em que se funda a antropologia.O etnocentrismo que marca, estrutura, o viés antropológico do séc. XIX faz com que a antropologia seja vocacionada comoinstrumento de aculturação jurídica. O discurso antropológico é mobi lizado subsidiariamente como instrumento, de formaretórica, para sustentar políticas de aculturação jurídica. A própria antropologia serviu aos propósitos da aculturação, aind aque de maneira retórica e não proposital.

Boa Ventura de Souza Santos - Hermenêutica diatópica -concepção multicultural dos direitos humanos

Evolucionismo

Foi, inquestionavelmente, a mais influente abordagem antropológica do séc. XIX. É o século do evolucionismo. É aantropologia prevalecente, predominante - a antropologia evolucionista. O que não implica numa adesão direta às tesesdarwinistas.Um dos fundadores da antropologia evolucionista foi Henry James Sumner Maine.

Maine tem um texto chamado Anciente Law (1861) - é o texto pelo qual a antropologia jurídica efetivamente se constitui.V, Bachofen - Das Mutterrecht - também é um texto fundante da antropologia jurídica.Ambos rompem com a antropologia filosófica, de caráter especulativo, que tomava o homem como ser transcendental. Sãoautores que se contrapõe a essa concepção, sendo fundadores do discurso antropológico em relação ao direito.

Phil ippe Descola, Norbert Rouland (institucionalizador da antropologia jurídica - publicou "Antropologia jurídica") e DarcyRibeiro (neoevolucionista - "O processo civili zatório". Tenta construir uma grande teoria da evolução, conjugando a teoriaevolucionista antropológica e o marxismo).-> Marx e Engels foram leitores de autores evolucionistas do séc. XIX - Lewis Morgan - sendo que há ecos dessa influêncianos textos marxi stas. Darcy Ribeiro, então, tenta levar o pensamento marxista as duas últimas consequências, aderindo àvisão neoevolucionista.

Características fundamentais atribuídas a esse modelo:

Perspectiva diacrônica:1-

Diacronia - a variável "tempo", "histórica" é importante. É uma análise que se estrutura ao redor/através do tempo; davariável histórica. Dia - através de; cronus - tempo.A antropologia jurídica é fi lha da história do direito (Norbert Rouland). Portanto, a antropologia jurídica surge como umaderivação dos estudos históricos, o que propicia uma abordagem diacrônica do direito ao longo da história. O antropólogodo séc. XIX fazia antropologia como se historiador fosse, o que evidencia o perfil diacrônico.A abordagem capacitada a apreender o fenômeno evolucionista, que se desdobra ao longo da temporalidade histórica, é a

Aula 6 - Evolucionismo e Antropologia jurídicaquinta-feira, 10 de outubro de 201311:19

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da diacronia. A própria projeção do enfoque da histórica constrói o objeto de forma comparativa e diacrônica - comparasociedades primitivas e modernas, traçando a evolução entre el as.O próprio Maine foi um professor de história. A antropologia evolucionista, então, se constrói baseada em uma abordagemdiacrônica.

Antropologia de gabinete:2-Marca o contorno metodológico da antropologia no momento de sua formação.É uma antropologia que, metodol ogicamente falando, não se estrutura na pesquisa si stemática de campo para encontrar olastro empírico que ela pretende ter. a antropologia do séc. XIX se pretende distinta da antropologia filosófica porque nãoavalia o homem em sua abordagem abstrata e transcendental. Ela se pretende empírica, sendo que acredita que os relatos

de missionários, administradores, etc. - e toda sorte de observações assistemáticas - conferem esse "empirismo" ecientificismo. Na medida em que o antropólogo não ia a campo para colher os dados empíricos para sua abordagem, fazendo"ciência" com os dados de terceiros (preconceituosos), corroborava a visão etnocêntrica difundida na sociedade - aantropologia de gabinete servia de reforço positivo ao etnocentrismo.O que preponderava era a história positivista, sendo que o historiador devia descrever o passado tal como ele aconteceu,tendo a crença de que o documento oficial permitia a reconstrução plena do passado. Construída nesses mol des, aantropologia do séc. XIX também vai se basear nos documentos oficiais para construir o seu objeto - isso corrobora, ainda, oaspecto diacrônico da antropologia.

Visão do progresso tecnológico como motor da evolução social3-A sociedade será tanto mais evoluída quanto mais tecnologicamente superior ela for. Porém, i sso é uma crendice: umasociedade superior tecnologicamente não necessariamente o será estética, moral, juridicamente, etc.O implemento da técnica leva a saltos evolutivos na evolução e articulação social.

Lewis Morgan: A tese de que a sociedade evolui da selvageria -> rumo à barbárie -> até atingir a civili zação. O que leva apassagem de uma fase à outra é justamente o incremento tecnológico. Esse é o motor da evolução social - expressão doprogresso tecnológico. Isso é especialmente ressaltado por Darcy Ribeiro, que tentava encontrar o ponto de articulação daantropologia evol ucionista com o marxismo.Darcy Ribeiro diz, ao comentar Morgan: dentre as fontes clássi cas, destaca Ancient Society, de Morgan, que demonstra, pelaprimeira vez, que a história humana é uma em sua origem, em sua experiência e seu progresso. Daí advir a ideia de umaevolução unil inear. Sendo por isso suscetível de dividir -se uniformemente em três etapas gerais de civ ilização: selvageria,barbárie e civili zação (sendo as duas primeiras divididas em inferior, média e superior). A partir da selvageria inferior (co letade frutos, raízes, nozes) o homem alcança a etapa média com o fogo e a superior com arco e fl echa. A cada uma dessasetapas de progresso tecnológico há modos particulares de organização social e conteúdos específicos de visão de mundo ecorpos de crenças e valores. É o progresso tecnológico que leva à alteração na organização social, vi são de mundo e corposde crenças e valores. É o próprio Marx que reclama a reconstrução histórica da sociologia - que seria o equivalente àevolução de Darwin. A história de criação das técnicas produtivas, base da organização social, é que mostra a evolução dasociedade.

Por isso, o Ocidente, em progresso tecnológico, vê-se inquestionavelmente superior em relação aos demais povos.

É óbvio que se elege o critério de desenvolvimento tecnológico para a comparação da evolução social, a sociedade ocidentalganha. Porém, se elegermos outro critério, como o nível de suicídio em uma certa sociedade (rel acionado à dimensãoexistencial do indivíduo), inverte-se a situação, pois qualquer sociedade aborígene ganha da Suécia. Tudo depende, então, docritério que se maneja para traçar a comparação entre as sociedades.O critério tecnológico apenas corrobora a premissa de partida: o ocidente é superior, porque é tecnologicamente maisavançado.

As sociedades são vistas como um conjunto coerente e unitário subordinado a leis gerais de transformação4-Compreenda a sociedade como parte integrante de um todo, subordinado a leis gerais de transformação. A teoriaevolucionista é uma enunciação de lei geral de regência que se suporia aplicável a quaisquer sociedades. Parte -se dapremissa de que as sociedade não são diferentes, mas fazem parte de um conjunto, sendo possível aplicar a ela um conjunto

de leis gerais.O direito evolui saindo do status em direção ao contrato - Maine.O movimento geral da evolução jurídica é de uma situação regida da ideia de status para a ideia de contrato. Supõe -se quetodas as sociedade são constitutivas de um mesmo conjunto geral, coerente e unitário, permitindo -se esse estabelecimentode leis gerais de transformação de uma para outra - estão em uma mesma linha.

Passagem por estágios idênticos e sucessivos5-Se a sociedade se consti tui em um conjunto coerente e unitário subordinado a leis gerais de transformação, evidentementeque evoluem passando pelos mesmo estágios evolutivos, seguindo o mesmo itinerário. Isso mostra, então, o carátervocacionado da antropologia -> para Morgan, civi lização é o ocidente; se as sociedades desenvolvem -se seguindo o mesmoitinerário, as demais estão atrasadas em relação ao ocidente; se estão atrasadas, cabe ao ocidente levar à civilização àssociedades primitivas e bárbaras.

Ideia de uma concepção linear do tempo6-

Teleologia histórica. O progresso é linear, sendo que a história passa por etapas. Encontramos um ponto final para o qual oprogresso se dirige, que é, para Morgan, a civil ização. Há uma teleologia histórica, sendo que a civilização se dirige a umponto de convergência na evolução.

Henry James Sumner Maine

Constrói uma visão com pretensões de ciência, fundante do campo antropológico relativamente à análise do direito.

Página 14 de Antropologia

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Livro de referência: Ancient Law

Niklas Luhmann:Autores típicos da abordagem clássica da sociologia jurídica: Maine, Marx, Durkheim e Weber.-

Autores de frontei ras para a superação da abordagem clássica: (não entendi os nomes).-

Maine é central na consti tuição do campo sociológico da abordagem do direito. Também ele fundamenta a visãoantropológica do direito.

A partir da comparação do direi to (direi to comparado) e de seu conhecimento profundo de história do direito, Maine afi rma

que as sociedade evoluiriam do status para o contrato.Ele acredita em uma ruptura de sua abordagem no que concerne ao quadro de uma visão especulativa acerca o homem -teorias conjecturais/especulativas a cerca do homem.

Status e contrato não são, para Maine, insti tutos jurídicos específicos. Tem -se a ideia de que estamos diante de formasessenciais e gerais de articulação do direito/fenômeno jurídico. São princípios básicos de construção da ordem jurídica, e nã opropriamente i nstitutos jurídicos específicos.Nas sociedades primitivas, fundadas na dimensão de pouca variabilidade social, o direito tem uma dimensão mercada pelaposição que o indivíduo detém na sociedade a que ele pertence. Assim, direitos e obrigações dos indivíduos são fixadosrigidamente pelo status que o indivíduo tem na sociedade em que el e pertence. O status é um princípio básico de construçãoda relação jurídica; a relação se constrói a partir da posição que o indivíduo possui na sociedade. Posteriormente, nasociedade moderna, os direitos e as obrigações passam a ser determinados por contratos - não é mais a posição do indi víduoque predetermina as relações que o indivíduo pode contrair, mas a articulação da vontade entre os indivíduos. Há uma

evolução de uma forma de organização jurídica em relação a outra. Para Maine, a construção jurídica fundada no contrato émelhor que a de status, porque é mais racional.

Direito das sociedades primitivas - no tempo de seu primitivismo - para Maine (tem uma construção de gabinete -> é rebatidopor Malinowski, que faz observação de campo):O indivíduo está submerso no grupo. Portanto, não pode ser tomado de forma isolada. Há uma quebra do paradigmafundamental do contratualismo clássico - o homem natural é livre e igual; o indivíduo não existe individualmente - estádisperso e i merso no grupo. Os indivíduos não são prévios ao grupo que integram, mas são partes do grupo.

1-

Como decorrência dessa dissolução do indivíduo no grupo não há o correlato do que se entende modernamente comodireitos e obrigações individuais. O que predetermina as relações entre os indivíduos são relações marcadas pelo status.

2-

O direito primitivo se estrutura visando ajustar-ser a um sistema de pequenas corporações, de modo que as transações jurídicas seriam entabuladas a partir de relações entre corporações e não entre indivíduos.

3-

Isso é tão intenso que o próprio crime não é uma ação individual, mas sim um evento coletivo. Crime is a corporate act. Otabu vigora muito nessas sociedades primitivas - é a própria comunidade que sofre a sanção, em termo gerais, quando

alguém comete um crime.

4-

Posicionamento crítico de Maine em relação à antropologia filosófica. É preciso criticar a concepção do homem como serracional e livre, considerado individualmente no estado de natureza, por não ser uma visão verossímil, tendo na verdadeuma base especulativa - são teorias conjecturais. O homem não é ser racional e individual , pois já se encontra organizado emfamílias, subordinados ao poder paternal (pater familias). A observação nos mais diversos âmbitos sociais dá indicações deque a sociedade em tempos primitivos não foi uma coleção de indivíduos. De fato ela foi uma agregação de famílias. Aunidade da sociedade antiga foi a família, enquanto na sociedade moderna é o indivíduo.

5-

O homem selvagem não teria limitações ou capacidade de acordo racional - quebra o pensamento contratualista - poisracionalidade é uma questão/aquisição evolutiva.

6-

O movimento progressivo da sociedade foi uniforme pelo menos em um aspecto, dando-se da passagem do estatuto para ocontrato. O contrato é uma aquisição evolutiva moderna. Critica Locke e Hobbes, pois especulam acerca do homem, sendoque suas teorias progressivamente se afastam de uma concepção científica.

7-

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Tese fundamental de Maine: a sociedade evolui em suas situações jurídicas saindo de uma articulação ao redor da ideia destatus para uma articulação ordenada ao redor da ideia de contratos.Ele faz uma crítica às concepções especulativas, de tentarem captar o homem em uma observação genérica e abstrata,preferindo uma visão "empírica" do homem.

Sociedades nos tempos primitivos: o indivíduo está submerso ao grupo, não há individualidade; e, portanto, não há direitos e

obrigações individuais.Além disso, Maine afirma que no direito primitivo há estruturação ao redor de pequenas corporações e não do indivíduo,sendo que até o próprio crime é coletivo e não feito por uma única pessoa.O homem está articulado a partir de uma organização concreta, que é a família, para depois elaborar uma organização maiscomplexa. Maine afirma, ainda, que a racionalidade é uma aquisição evolutiva do homem e não inerente a ele, que é opressuposto das teses contratualistas.

Evolução do direito - Maine:A organização social tende a se modificar mediante o desenvolvimento social, que engendra um implemento de complexidadedecorrente do aumento quantitativo e de mais interdependências econômicas. Isso dissolve as formas convencionais ecompactas de articulação, como é o caso da noção de status. Daí emerge a figura de indivíduo e uma nova forma dearticulação, que é o contrato. O contrato seria o li vre acordo de vontades racionalmente convencionado. O direito, articuladodessa maneira, seria mais evoluído que aquele com base no status justamente por ser racional.

Por isso, Maine critica as teorias conjecturais, visando dois grandes autores: Hobbes e Locke.Malgrado as diferenças de um ou outro autor, o importante é que comungam de uma premissa comum, mais importante quesuas distinções (perfil absolutista ou liberal). Eles comungam da dimensão especulativa que mobilizam para trabalharem anoção de homem. As duas teorias se assemelham no que concerne na pressuposição fundamental não histórica e especulativaacerca do homem. É i sso que Maine procura evitar, pois busca captar o homem em sua positividade empírica.Porém, o lastro empírico da teoria de Maine é questionável, porque não houve uma observação da realidade, mas foi pautadaem relatos (perspectiva etnocêntrica).

Discussão entre o paradigma normativo (Al fred R Radcliffe -Brown: estrutura e função na sociedade primitiva- 1952) e oparadigma processual (Bronislaw Malinowski: crime e costume na sociedade selvagem - 1926)

Franz Boas e Malinowski : responsáveis pela cientificização da antropologia, trabalhando numa reconfiguração metodológicapara a pesquisa de campo.

Tentativa de sistematizar, fei ta por John Comaroff e Simon Roberts.Pluralismo jurídico: a concepção ou paradigma normativo será mais refratário a um pluralismo jurídico do que o paradigmaprocessual.

Paradigma normativo:Considera que o estudo do direito se identifica com o conhecimento e identificação de normas - articulação normativa.1-O direito se consiste num controle social mediante o exercício pelo emprego sistemático da força disponível em umasociedade politicamente organizada.

2-

Já que o foco da abordagem são as regras/normas, todo comportamento que diverge das normas é patológico e desviante. Atendência é se focar nas normas e as sanções dos comportamentos desviantes.

3-

Direito é uma forma específica de controle social a partir de uma base normativa.É preciso analisar os códigos e normas que coordenam a vida social e o comportamento dos seus atores.Por isso, esse paradigma normativo é associado a uma visão positivista do direito. É uma perspectiva teórica que capta odireito pelo âmbito normativo. Foca-se no comportamento que corresponde ao comportamento normativo e todo o que

diverge é patológico. O positivismo é uma auto-observação, dos teóricos do direito sobre o direi to. No caso do paradigmanormativo, é uma observação externa do direito pelos antropólogos do direi to.Radicliffe-Brown - pp. 244-245: as instituições legais são estudadas quase sempre abstratamente em relação ao restante dosistema social a que pertence. É o método mais conveniente para advogados. Mas, é insuficiente para a pesquisa do direito -não é suficiente estudar o direito como instituição abstrata e destacada; deve -se observar o direito no contexto de seucondicionamento social.

Paradigma processual:Ênfase na análise dos processos sociais normativos - não são mais as estruturas normativas, mas os modelos de interaçãosocial.

1-

Ênfase na reciprocidade e não na coerção - o direi to assume uma função essencialmente de reciprocidade, sendo uma forçaque liga os indivíduos na medida em que tenham direitos e obrigações recíprocas.(normativo: prioriza o controle; processual: prioriza a reciprocidade).

2-

A tendência da análise se dirige à interação entre os litigantes e não à atuação de autoridades judiciais. Há ênfase nasconstruções argumentativas e nas estratégias entre as partes, o que é coerente com a ideia de direito como processo e nãocomo instituição normativa.

Malinowski:"Os argonautas do pacífico ocidental" e "Crime e costume na sociedade selvagem".

Aula 7 - Paradigmas normativos e processuaisquinta-feira, 17 de outubro de 201311:11

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 Déficit de embasamento metodológico da disciplina. Para a maioria dos leigos e especialistas, a antropologia ainda éessencialmente objeto de interesse arqueológico. É necessário refundar a antropologia para não servir mais como captura doexotismo das sociedades ditas "selvagens".Ele é um autor muito bom em etnografia - elaborada análise de campo, mas com deficiência/pobreza teórica e simplismos naconstrução do arcabouço teórico da análise (Eunice Duhram). Enorme riqueza, vivacidade da construção etnográficacontrapõe-se à pobreza teórica marcada por simplismos, o que compromete o alcance de sua análise.

Malinowski constrói uma visão funcionalista do direitoO antropólogo deve permanecer um longo período convivendo com a sociedade que pretende descrever. Isso é uma ideia quese inicia com a antropologia anglófona; e chega tardiamente à antropologia francófona.

A articulação atual de certa sociedade não se explica por seu estado anterior de articulação social. O que é preciso écompreender o modo como se dá a articulação no momento em que está a observando, e não a partir de uma abordagemcronológica. É uma abordagem sincrônica e não diacrônica. Afirma que o evolucionismo é pouco explicativo de como associedades se articulam.

Como sair da abordagem etnográfica para a antropológica? Da abordagem específica para a geral? Como generalizar os dadospara uma abordagem antropológica? Que tipo de método deve ser util izado?Na medida em que há centralidade na pesquisa de observação participante e empírica, de concretude particular de umacultura específica, surge o problema de como generalizar os dados.As conexões que Malinowski apreende estão presas a um costume particular. Nesse sentido, toda explicação nesse contexto éuma explicação particular. Mas, deve haver a comunicabili dade entre a subjetividade do observador e do observado, que sefundamenta em algo comum a ambos. A própria justificação da existência da antropologia implica a possibil idade de, a partirdo conhecimento de uma cultura específica, tecer considerações gerais sobre as sociedade humanas.Estuda-se a particularidade concreta da sociedade, mas há uma premissa teórica importante: ao observar a cultura particular,só se é capaz de compreendê-la na medida em que algo na subjetividade do observador se comunique com algo nasubjetividade do observado. Só assim, as categorias de uma outras sociedade é compreensível para o observador. Deve haverum elemento comum que une a subjetividade do observador e do observado. O que está na base disso são imperativosbiológicos comuns, pois são naturais; o que varia de cultura para cultura são os modos de satisfazer esses imperativosbiológicos. É por esse imperativo comum que se torna possível compreender sociedades diferentes das do observador. Porisso, seria extrapolar uma abordagem de etnografia para uma abordagem antropológica.Porém, isso propicia simplificações polêmicas. Malinowski simplifica muito a questão ao reduzi -la a dois planos: de um lado oparticular, específico e de outro o universal, a Cultura Humana em geral.Entre esses dois extremos, buscando uma relação direta entre eles, abandonou-se a análise dos processos conscientes einconscientes de elaboração (...).

Buscando o que poderia haver de geral por detrás da particularidade dos costumes, Malinowski diz que as características

biológicas do homem determinam suas necessidades, o que propicia a comparação: as sociedade respondem de maneirasdiferentes a imperativos biológicos iguais - é funcionalista.Como a satisfação das necessidades básicas podem ser satisfeitas de diversos modos, explica -se a universalidade da cultura -necessidades biológicas naturais - e suas especificidades - que é a concreta satisfação dessas necessidades.Compreender o particular implica o geral. As culturas se constroem como funcionalmente estruturadas a dar respostas aosimperativos naturais.

Direito e a ordem primitivos - crime e castigo na sociedade primitivaDogma da Mentalidade primitiva: mentalidade pré -lógica - indivíduos estão automaticamente propensos a uma submissãoautomática ao costume.

1-

Porém, para Malinowski , a ideia de que o selvagem se submete automaticamente e irrefletida ao costume é descompassadacom o que é observado na abordagem empírica.O direito se relaciona com a ideia de reciprocidade e interdependência entre os indivíduos num complexo refletido, e nãoirrefletido.

Dogma do comunismo primitivo: relações difusas, não articuladas.2-Para o autor, isso é uma visão preconceituosa e etnocêntrica; e não real.

Reciprocidade: como base da estrutura social.As cadeias de reciprocidade e serviços mútuos constituem a base da estrutura social.Critica a tese do Maine de que não haveria, em sociedades primitivas, o correlato do moderno direito civil (pois seria umdireito repressivo, rígido, refratário à mudança social e não livre interação entre indivíduos). Malinowski insiste na ideia dereciprocidade, na interação entre os indivíduos- e isso é estruturante do liame social.

Nesse contexto, trabalha-se a ideia do direito numa visão mais processual. O direito abrange toda a cultura e toda aconstituição tribal dos nativos.Especificidade das regras qualif icadas como jurídicas em oposição daquelas de costume.Contrapõe-se a Sidney Hartland: para esse autor, direi to não se destaca de costume nas sociedades primitivas. A percepção desemelhanças do sel vagem é diferente da nossa, vendo semelhança entre objetos que nada tem em comum. O homem seposta irrefletidamente em relação as coisas, sendo que o direito é um dado disperso ou inexistente.Malinowski : pode-se e deve-se observar especificidade das regras do direito, destacando-as das regras de costume. Osselvagens têm uma classe de regras compulsórias não fundante no caráter mítico, não imposta por Deus ou com sançãodivina, mas provém de uma aglomeração social - são fundadas em uma força aglutinadora de caráter puramente social.

 

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O que caracteriza a norma jurídica é seu caráter compulsório e sua origem no processo de articulação social.As regras do direito sobressaem no que são sentidas como obrigações de uma pessoa e direitos legítimos de outras - é a ideiade reciprocidade. Há mais, as regras não são sancionadas apenas por motivos psicológicos, mas têm maquinaria oumecanismos social de força compulsória, baseada na dependência mútua e no arranjo equivalente de serviços recíprocos. Oque caracteriza a compulsoriedade das normas é sua reciprocidade, serviços múltiplos que articulam o liame social - é umalógica de processo no qual o direito tem uma função geral de articulação social.O direito sempre aparece como uma resposta de caráter social, e não religioso, para a articulação social - respaldado nummecanismo social de compulsoriedade.É evidente que a maneira cerimoniosa em que as transações são feitas aumenta sua força compulsória, mas ela não serestringe às cerimônias, mas na consciência de que os serviços se articulam em uma cadeia complexa de prestações e

contraprestações. Por isso, o direito tem um caráter racional e não de absorvição irrefletida de considerações míticas e decostume. É a dispersão do indivíduo no grupo que dá o caráter compulsório, de obrigatoriedade, das regras - pois hácompromissos mútuos."Nas sociedades rudimentares o que vige é o direito de caráter repressivo e na sociedade moderna vige o direito restitutivo" -Malinowski : isso é mentira; há no direito uma dimensão dispositiva, sendo que há possibilidade de construir relações jurídica apartir de livre acordo de vontades, o que é similar ao contrato. O direi to não se baseia exclusivamente nem primordialmenteno caráter repressivo. Diz -se que nas sociedades primitivas, o âmago das legislações são tabus, constituindo em proibições -isso é uma decorrência do dogma do caráter irrefl etido dos costumes; mas não condiz com a realidade.Se procurarmos encontrar um rótulo moderno, e inadequado, para as regras, poderíamos chamadas de direito civil. É possívelencontrar em sociedades selvagens não apenas a dimensão repressiva, mas um correlato, ainda que inapropriado por seretnocêntrico - é um direito de caráter dispositivo e não meramente repressivo. Consiste num conjunto de obrigaçõesconsideradas corretas pelo grupo e reconhecidas como dever pelo outro - mantendo-se por sua publicidade. São regraselásticas e amplas, havendo penas por seu descumprimento.

O direito representa um aspecto da vida tribal, ao lado de sua estrutura, mais do que um arranjo independente e descolado -é a ideia de captar o direi to no geral, no contexto. O direito é o mecanismo social real que aparece nas obrigações tal como sepode observá-las.

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Aparo institucional que dá um caráter de obrigatoriedade. O direito serve como elemento que sedimenta relações dereciprocidade. Reciprocidade é fundamental na sedimentação social; e o di reito é importante para essa reciprocidades,porque conecta obrigações, de um lado, e di reitos legítimos, de outro. O indivíduo, na sociedade primitiva, calcula,racionalmente, como deve agir.

Malinowski, observando o modus operandi do direito em uma ilha, desmonta a ideia de que o direito primitivo seria, senãoexclusivamente, mas preponderantemente repressivo (Maine e Durkheim). Para Malinowski diz que é possível encontrarregras de direito civi l, que têm uma relação dispositiva, de li vre acordo de vontades, ainda que não possa ser devidamentechamado de direito civil .

Malinowski se vê como um autor funcionalista, sendo que o central para ele é a função. A cultura é algo que satisfazfuncionalmente imperativos biológicos que são gerados. A cultura tem uma estrutura funcional, sendo que adimpli asmesmas necessidades/imperativos biológicos mas de formas diferentes.

Radcliffe-Bronw -mobiliza o conceito de estrutura, articulando-o ao conceito de função. Por isso, seu pensamento pode serchamado de estrutural-funcionalismo ou funcionalismo-estrutural. Mas, ele considera que a estrutura social é um dadoexistente no mundo, assim como os indivíduos.O estruturalismo de Levi -Strauss é de outra ordem, fundado na linguagem. Ele entende a estrutura como esquema de

observação da realidade social, e não como a própria realidade social/algo que pode ser encontrado nela.

Paradigma normativo

Alfred Radcliffe-Brown é uma figura importante no âmbito da antropologia anglófona. É um autor que não se senteconfortável em ser rotulado como funcionalista, ainda que o seja preponderantemente.Contrariamente ao que acontece com Malinowski, que convive com sofi sticação etnográfica e com uma teoria bastantepobre, Brown tem uma produção etnográfica simples, mas uma construção teórica muito bem elaborada e mais complexa.Ele considera que toda teoria é um esquema de interpretação que deve explicitar os conceitos que a fundamentam. Elemobiliza os conceitos de: estrutura, processo e função. Por isso é considerado funcionalista -estrutural.Apesar de sua teoria ter uma gama de conceitos mais ampla que em Malinowski, o conceito de função é central, porque faza interconexão entre estrutura e processo. É por essa razão que é classificado como teórico do funcionalismo, malgrado elenão queira ser. Ele afirma, em "Estrutura e função na sociedade primitiva", que tem sido considerado pertencente à escolafuncional de antropologia social, sendo um de seus chefes; mas afirma que essa escola não existe, sendo um mito criado por

Malinowski.Na tentativa de se afastar dessa perspectiva funcionalista, Brown propõe uma teoria articulada ao redor de uma tríadeestrutural formada por:Estrutura-

Processo-

Função-

Bronw considera que a antropologia é um ramo de ciência da natureza, tendo o mesmo rigor que a biologia, etc. ele pensa aestrutura como um dado real, observado à maneira de observação de ciência natural; Levi -Strauss é responsável por umadesbiologização da antropologia - é uma ciência que se insere no ramo das ciências da cultura.Browm: Entendemos por teoria um esquema de interpretação aplicado à compreensão de fenômenos de determinadaespécie . Teoria é um esquema de interpretação que visa ser aplicável à compreensão de fenômenos de determinadaespecíe. Teoria consiste em um conjunto de conceitos analíticos, definidos em relação com a realidade concreta e commútua articulação lógica. Por isso, ele se propõe a dar conceitos que mobiliza para analisar certa parcela do real, que é asociedade, analisando antropologicamente os fenômenos que classifica como sociais. Assim, os conceitos fundamentais de

que lança mão são os conceitos de estrutura, processo e função. A teoria pode ser enunciada por meio desses três conceitosfundamentais, relacionados entre si. No caso da teoria esboçada por ele, articulará os conceitos de processo, estrutura efunção - afirma que essa teoria decorre de escritos antigos (argumento de autoridade) como Montesquie, Conte, Spencer,Durkhein e pertence à uma tradição cultural de 200 anos.A teoria enquanto sistema de interpretação de fenômenos, que se estrutura ao redor de conceitos analíticos, que têmrelação com a realidade concreta e mútua articulação - ele tem que explicar cada um dos conceitos, definindogenericamente esses conceitos para, depois, definir o que é estrutura social, processo social e função social.

Estrutura, em termos genéricos, é o ajuste ordenado das partes ou componentes de um todo .Só há estrutura onde há ordenação; onde as relações são contingentes/casuais, não há estrutura.Ex. uma composição musical tem uma estrutura do mesmo modo que uma fase, porque têm arranjos coordenados desímbolos com signif icados. Há ordenação do discurso. Um edifício, uma molécula e um animal têm estrutura. A estruturaarticula ordenadamente elementos; sendo que o que as caracteriza é a especificidade dos elementos que as compõe.

A estrutura deve ter uma certa continuidade e dinâmica que aponte para essa continuidade.Processo é a dinâmica que permite que a estrutura se organize de forma contínua, de uma forma e não de outra.Funçãoé o elemento que interconecta estrutura e processo . Na medida em que os elementos de uma estrutura cumpremuma função que permitem que essa função mantenha uma dinâmica que aponte para uma continuidade.A estrutura social se conecta à sua dinâmica na medida em que os elementos que a constituem desempenham suasfunções, fazendo com que a estrutura se mantenha.

 

Aula 8 - Malinowski: estrutura, processo e funçãoquinta-feira, 24 de outubro de 201311:18

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A função tem múltiplos sentidos. Na fisiologia, o conceito de função é de fundamental importância para tratar dainseparável relação da estrutura e do processo de vida orgânica. Um organismo complexo, como o corpo humano, tem umaestrutura em termo da disposição de órgãos, tecidos e f luidos. Um organismo tem também vida e a esta designamos porprocesso, que é a dinâmica que dá continuidade à estrutura biológica. A noção de função orgânica interconecta a estruturado organismo ao seu processo vital. Ex. é função do coração bombear sangue através do corpo. O coração é constitutivo daestrutura biológica e, na medida em que reali za sua função, ele conecta a estrutura com sua dinâmica vital, permitindo avida - se ele deixar de realizar sua função, a estrutura perece, porque deixa de se conectar com a vida.A estrutura social seria um ajuste de pessoas, que tem uma dinâmica para qual o adimplemento de funções que têm papelsocial. As coisas se operam de maneira análoga na sociedade e na biologia/fisiologia. O conceito de função pode serempregado para designar a interconexão entre estrutura social e processo social - o conceito de função é o mesmo.

Estrutura social consiste no ajuste ordenado de pessoas em relações controladas ou mediadas por instituições (as pessoassão o elemento fundamental).Pessoa, para Brown, não coincide com o indivíduo focado por sua identidade biológica. Os componentes da unidade deestrutura social são pessoas, e pessoa não é organismo, mas um ocupante da estrutura social - um feixe de relações.Personalidade social: complexo formado por todas as suas relações socais formadas com os outros - não é sua dimensãobiológica, mas social. Todo ser humano é, ao mesmo tempo, indivíduo e pessoa - como indivíduo é organismo biológico - e éfocado pela fisiologia/biologia; como pessoa é um complexo de relacionamentos sociais - e é nesse aspecto que é focadopela antropologia.Como pessoa, o ser humano é objeto de estudo do antropólogo social, pois não se podem estudá -las a não ser em suaestrutura social. Nem podemos estudar a estrutura social exceto em termos de pessoas que são as unidades que acompõem. Pessoas são o elemento que estrutura o social.Concebe a antropologia social como a ciência teórico natural da sociedade humana; a investigação dos fenômenos sociais

por métodos semelhantes aos empregados nas ciências físicas e biológicas. Chamaria ao assunto de sociologia comparada.Os fenômenos sociais constituem uma classe distinta de fenômenos naturais, por se relacionarem às estruturas sociais, quesão tão reais quanto os organismos. Ele está observando a natureza pelo âmbito de sua expressão social, e não natural.Considera que a relação entre pessoas não se articula naturalmente. O enfeixamento de relações entre pessoas não se dáde maneira espontânea. O que permite a emergência da estrutura social é a mediação institucional. É a intervenção deinstituições que permite que a articulação entre pessoas, imprimindo -lhe ordenação e possibilitando a emergência daestrutura social. Sem a intervenção de instituições, as relações entre indivíduos é casual e caótica.As relações sociais das quais a rede contínua constitui a estrutura social, não são desordenadas. É a intervenção de normas,regras ou padrões, chamados genericamente de instituições, que criam regularidades e permitem que emirjam a estruturasocial. Em qualquer relação no seio de uma estrutura social, uma pessoa tem razão de agir de determinada forma e esperarque os outros também ajam assim. É essa padronização de relações que lhes garante estabilidade, fazendo com que nãosejam aleatórias. Em acontecendo isso, emerge a estrutura social. Não são quaisquer relações sociais que permitem aemergência de estruturas, pois as aleatórias e contingentes não a formam. Para formar uma estrutura é preciso a mediaçãoinstitucional, ou seja, a interferência de normas, regras e padrões. A estrutura social tem uma dinâmica, que é o processo de

vida social, voltado à continuidade da estrutura. Esse emaranhado de relações sociais que se constitui em uma estrutura searticula a partir do processo de vida social que remete à sua continuidade. Para isso, é fundamental que ocorra oadimplemento de funções na estrutura. Se considerarmos um determinado aspecto da vida social como o castigo ao crimeou aplicação de sanções penais a certos tipos de conduta, mediante um processo social; é necessário que essa função sejaadimplida para que o arranjo de relações entre pessoas se mantenha igual . Há o castigo ao crime, para não haver umdesarranjo na estrutura das relações sociais, para que o processo de vida social se interconecte com a estrutura e mantenhasua continuidade - como a função vital de um organismo.

Em qualquer forma de vida social há um certo padrão de comportamento, que gere expectativas entre os indivíduos. Essepadrão são os usos ou costumes, conjunto de práticas reiteradas que geram um determinado padrão de comportamento,porque geram expectativas nos indivíduos. As condutas habituais podem ou não vir a ser sancionadas no caso de seuadimplemento ou descumprimento. Diante desse padrão, pode haver o cumprimento ou desvio; em alguns casos haveráreação em relação a isso: uma sanção.

Sanção social consiste na reação do corpo social ou parte signif icativa dele em relação a determinado comportamento que éou não aprovado.Os modos de conduta podem ser chamados de costumes e usos. Todos os usos sociais têm por trás de sai a autoridade dasociedade, mas alguns deles são sancionados e outros não.

Sanção é uma reação por parte da sociedade ou parte de considerável número de seus membros a uma conduta que éaprovada ou desaprovada.Essas reações podem ser de:Aprovação-

Reprovação-

Correspondência ou não às expectativas geradas pelos usos.Organizada - se for institucional-

Difusa - se for espontânea-

Quando a reação é de aprovação, a sanção é positiva. Quando a reação é de reprovação, a sanção é negativa.Reação espontânea aponta para uma sanção di fusa. E uma reação institucional aponta para uma sanção organizada.

Positiva Negativa

difusa Sanção difusa positiva 

Sanção difusa negativa 

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É reação de aprovação espontânea É reação de reprovação espontânea

organizada Sanção organizada positivaÉ reação institucional de aprovação

Sanção organizada negativaÉ reação insti tucional de reprovação

Sanção difusa negativaEx. Riso espontâneo:Riso é mobilizado como ferramenta fundamental de reprovação social.

Sanção organizada negativa:

Ex. sanção penal de di reito penalÉ institucionalizada no seu modus operandi

Sanção organizada nos remete ao direi to. O direito é coextensivo em relação às sanções organizadas.

O campo do direi to será considerado coextensivo ao das sanções organizadas. Isso é importante para inscrever Brown noparadigma normativo, tendo uma noção restritiva de direito, pouco flexível ao pluralismo jurídico. "Direito é o controlesocial através da aplicação sistemática da força na sociedade poli ticamente organizada".Em função disso, onde não houver organização política explícita, não haverá direito. Assim, o rol de sociedades portadorasde direi to é bastante restrito. Por isso, dialoga mal com uma perspectiva pluralista.Natureza complexa e difusa que constitui o direito primitivo.

A sanção social em relação a comportamentos que desviem o padrão da sociedade cumpre uma função de restabelecer aeuforia social - é o efeito de colocar as coisas em lugar próprio. Na medida em que as coisas são postas em seus lugarespróprios, isso reforça o arranjo ordenado de pessoas em sua estrutura.

Norbert Rouland - distingue paradigma normativo e processualO paradigma normativo considera que o Direito é um controle social; define o direito em relação à sua forma, de controlenormativo. A vida social é definida por normas de comportamento social e de comportamento desviante. Daí a ênfase dadaàs instituições e à aplicação do direito como controle social.Pelo paradigma processual, ao definir a autoridade do direi to em termos de uma autoridade central, códigos, cortes,chegamos à conclusão de que seria obedecido de forma espontânea em relações primitivas. (??)A perspectiva processual, de Malinowski, enfatiza a reciprocidade e não a coerção, sendo que o direito assume relação dereciprocidade como força que liga os indivíduos entre os grupos, em cadeias múltiplas de serviços. É essa reciprocidade queassegura a coerência e coesão da sociedade. O comportamento é regulado por comportamentos sociais do que porinstituições e por processos do que por normas.

A perspectiva normativa, quando relacionada com o pluralismo jurídica, dialoga mal, porque restringe o rol de sociedadesque têm direi to, porque precisa haver instituições explícitas; e não dá conta do desconhecimento geral das normas pelosindivíduos. Dado esses dois paradigmas, um deles dialoga melhor com o pluralismo jurídico e o outro dialoga menos. Oparadigma normativo está mais preso à concepção ocidental do direito do que o paradigma processual. O paradigmanormativo é inf luente: Maine, Radicliffe-Brown, etc.

Debate versa sobre a possibilidade e conveniência de se utilizar o método comparativo entre culturas para abordar odireito. -> Max Gluckmann (as ideias na jurisprudência Barotse) X Paul Bohannan (justiça e julgamento entre os Tiv)

São dois autores africanistas, mas com concepções diferentes acerca do modo como é possível trabalhar a concepção dodireito em sociedades diversas da ocidental.Gluckmann - método comparativo, mobil izando o vocabulário jurídico ocidental para fazer a mediação entre o direi toocidental e o direito das sociedades africanas. O que articula as relações sociais nessas sociedades é a noção de dívida, que

é similar ao direi to arcaico ocidental. Ele fará isso mobili zando vocabulário ocidental para traduzir essas experiências jurídicas no âmbito da comparação antropológica. Abordagem etnocêntrica, distorcendo a experiência concreta daespecif icidade da organização jurídica dessas sociedades em relação à nossa.

Bohannan - abordagem refratária ao método comparativo. É contrário à abordagem comparativa, sublinhando asespecif icidades e as particularidades das sociedades que estuda. Ele é refratário à suposta universalidade das categorias

 jurídicas; e à tendência de projeção de universalidade a partir de concepções ocidentais. A prática e utilização de termos econceitos jurídicos próprios das sociedades ocidentais para as sociedades outras deve ser evitada ou suprimida. Osantropólogos devem privilegiar a análise específica de cada sociedade, o que ele chama de sistema folk. Tenta -se projetar osistema folk ocidental às sociedades orientais, o que ele tenta evitar.Porém, a crítica é que isso inviabil iza a comparação entre culturas e o projeto antropológica de universalização. É impossíve la comparação macrossocial, sendo apenas possível fazer etnografia e não antropologia. Por isso Gluckmann considerapossível e desejável que se faça paralelismos entre os diferentes direitos.

É um debate com conotações epistemológicas muito fortes. É um problema da antropologia, e não apenas da antropologia jurídica.

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Gluckmann: mobili za análises do próprio Bohannan, tenta mostrar que nas sociedades menos complexas, o que é centralna articulação do direito seria a noção de dívida.

Sally Falk Moore mostra que há uma premissa no pensamento de Gluckmann de que não há uma diferença delógica/raciocínio entre o direito nas sociedades tribais e o direito nas sociedades ocidentais (isso era um senso comum,porque acreditava-se que o homem primitivo teria uma espécie de raciocínio pré-lógico). Gluckmann mostra que oraciocínio é o mesmo; é análogo; o homem primitivo não tem um raciocínio pré-lógico. Assim, se os pensamentos sãoanálogos, ele acredita que é possível comparar os diferentes pensamentos e sistemas de direito. Não é um meroetnocentrismo ingênuo, porque ele acredita ser possível util izar os termos ocidentais para comparar com as sociedadestribais porque os pensamentos são análogos, e não porque existe hierarquia ou superioridade ocidental.

Sally diz que: o seu argumento é de que as normas, nas sociedades africanas e o raciocínio jurídico se ligava a princípioslógicos que fundam todos os sistemas jurídicos. O Gluckmann queria mostrar que os africanos e seus sistemas legais, talcomo praticados, tinham uma racionalidade (sentido weberiano do termo) semelhantes aos da sociedade ocidental. Isso,porém, gera a ideia de uma "ocidentalização falsificadora" da comparação, de que ele estaria imputando umainferioridade às sociedades tribais -mas sua premissa não é essa.

A noção de dívida serve para articular as relações de direi to na sociedade tribal. E Gluckmann compara essa sociedadetribal com outras sociedades e também com aquilo que a sociedade ocidental foi no passado, como sociedade romana,egípcia, etc. Há uma premissa da teoria evolucionista de Maine: o essencial na construção de um raciocínio jurídico seriaa noção de status.

HKA:Haveria uma l ista de objetos com riqueza comercial ou ritual, que deveriam ser dados em pagamento no caso deinfração de alguma regra. Assim, as reivindicações legais e comerciais são, igualmente, relações de dívida. E as punições,entre eles, baseando-se no status que esses indivíduos têm na sociedade, também se baseiam na noção de dívida.Gluckmann afirma que isso também ocorre quando Bohannan estuda a comunidade Tiv.Dada o mapeamento de analogia em sociedades díspares, essa analogia poderia ser traduzida para um conceitoconhecido, como é o de dívida, traduzindo em termos comuns o que há de geral em torno do direito de sociedadesmenos complexas. Na noção ocidental de dívida há o correlato que permite comparar a categoria Invô (Tiv) ou Hka.

Bohannan afirma que o erro principal da análise etnográfica e social é o de elevar sistemas folk como o direito destinado

à ação em nosso sistema ao status de um sistema analítico e tentar organizar os dados brutos de uma sociedade dentrodessas categorias. É a ideia de universalizar e projetar o sistema britânico para avaliar outras sociedades, o que soa comoalgo problemático e etnocêntrico.A projeção de conceitos ocidentais para comparar/mediar culturas é problemático, gerando distorções e falseamento.Mas, se assim é, como proceder à comparação? Porque isso, no limite, inviabilizaria a comparação.

Problemas da ideia de Bohannan:Se é possível comparar-se sistemas legais diferentes: já que se insiste na especificidade e particularidade de cada sistema-

Se for possível fazer a comparação, em que linhagem de termos é possível fazê -la sem que isso implique distorções dosistema legal: quais os critérios que podem ser utilizados para fazer a comparação?

-

Para Gluckmann, Bohannan não é capaz de discutir e comparar os dois sistemas jurídicos, ficando preso à categoria Injôque aparece entre os Tiv (B: afirma que a noção de dívida não serve para comparar com a noção Tiv, em que não entra

uma palavra como contrato. O que acontece é não é que os Tiv não tenham contratos, mas não os tem em nossostermos - nos termos de nosso sistema). Para Gluckmann, há então um solipsismo cultural, porque não é possívelcomparar. Deve-se tentar relacionar as particularidades de um sistema folk aos outros elementos da realidade social.O que Bohannan imagina ser específico ao sistema folk Tiv seria amplamente encontrado no sistema tribal de outrassociedades e à sociedade ocidental antiga. Com algum cuidado, é possível usar esses conceitos para comparação eanálise . Não é preciso forçar uma comparação; mas, com cuidado, utili zar conceitos para entabular comparação eanálise . É possível atribuir às sociedades tradicionais e menos complexas uma articulação fundada na noção de status,que lhes daria uma feição semelhante, podendo encontrar elementos análogos, apesar das particulardidades. Assim, aoanalisarmos os si stemas tribais, devemos verificar que a sociedade é predominantemente organizada em uma noção destatus (isso vem de Maine). Esse aspecto é fundamental em Maine.

4 traços fundamentais para Bohannan:Como se deve fazer uso dos termos nativos em etnografia?1-

Ideia de sistema folk e a forma pela qual a distorção inevitável das ideias nativaspode ser controlada por essa noção.2-A distorção é inevitável , vai acontecer, mas se mobiliza o sistema folk é possível controlá -la.Ginásticas intelectuais e quimeras comparativas: que seriam o que aconteceria em perspectivas como a do Gluckmann3-Como articular abordagem etnográfica com comparação? Tentativa de construção que norteie uma comparaçãocontrolada.

4-

 

Aula 9 - Gluckman X Bohannanquinta-feira, 31 de outubro de 201311:21

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No que concerne ao primeiro aspecto, em relação aos termos nativos. O problema fundamental que B. encontra é a justaposição de formas, pensamentos e conceitos ocidentais os sistemas jurídicos que são estudados. A interpretaçãoconsiste na justaposiação e ideias ocidentais a outras estruturas - e isso é um problema. Porém, ele sabe que se não háessa justaposição, como permitir a compreensão do antropólogo sobre a sociedade que ele não conhece. Parece quequando o pesquisador usa termos comuns à sua sociedade, facilita para o leitor, mas difi culta para si. Mas, se ele usatermos nativos, facil ita para si (que só descreve), mas dificulta para o leitor. Uma solução seria usar notas explicativas:usar os termos nativos, mas explicar o que acha que esse termo significa em nossa sociedade.Isso não torna a etnografia fácil ; a etnografia não é fácil. Há casos em que o uso da palavra ocidental compromete atradução, sendo que nesses casos não será possível traduzir. A ciência do direi to inglesa desenvolveu uma baseconceitual para descrever o sistema inglês. Os Tiv não desenvolveram uma ciência do direito, sendo que a linguagem queos ocidentais util izam não corresponde à que eles usam. As duas linguagens, em si, não são entidades equivalentes.Quando alguém justapõe uma em relação à outra não se está, simplesmente, mudando a linguagem, mas muda-se aforma de comunicação. É uma imposição de forma de comunicação que não encontra correlato com que o que asociedade tribal conhece, gerando uma distorção que no limite implica erro.O sistema folk Tiv idealiza o processo legal Tiv. É uma idealização do modo pelo qual se operam as relações nessasociedade. Se o sistema folk é o modo pelo qual a comunidade nativa representa as relações jurídicas que acontecem emseu seio; isso é tão arbitrário quando atribuir os termos da sociedade ocidental para comparar com a sociedade tribal .Julgar que o sistema de representação da experiência nativa ou o sistema de representação da sociedade ocidental sãotão arbitrários um quanto o outro, então o melhor é usar a noção o antropólogo conhece, que é o da sociedadeocidental.Sistema folk: Consiste na estruturação da experiência jurídica. Não é a experiência em si mesma, não é o real; mas ainterpretação dessa experiência. É um constructo comunicativo, não é o real.Sistema análitico é a interpretação científica do sistema folk. É a abordagem antropológica. E todo problema aparece

quando se erige um sistema folk à qualidade de um sistema analítico. Captar uma especificidade de um sistema folk,util izando-o como parâmetro e critério universalizável para comparar com outras sociedades.

O que interessa não é analisar se um aspecto de um determinado sistema folk é ou não singular, mas como ele se ajusta(articulada) no sistema mais amplo em que ele subexiste (na estruturação da experiência jurídica que acontece nessaprópria sociedade). As comparações prematuras geram prejuízos à etnografia, obscurecendo a compreensão do modopelo qual a categoria se operacionaliza na sociedade em que opera, em seu contexto.

(perdi a concentração nesse ponto da aula e as anotações ficaram comprometidas).

O sistema folk é o etnógrafo pensa e diz e que permite integrar com sucesso com as pessoas que está estudando. É acompreensão do etnógrafo sobre a sociedade com que tem contato.

Um sistema folk é aperfeiçoado através da discussão contínua do etnógrafo com a sociedade estudada. E o sistemaanalítico se aperfeiçoa através da discussão contínua do etnógrafos com outros.

Por isso ele critica quimeras da comparação, que seriam ginásticas intelectuais encontradas em autores comoGluckmann.

(voltei, nesse ponto, a me concentrar).

Tradição às avessas: a tradução da língua e da cultura do povo estudado para a linguagem técnica da antropologia étrabalho da etnografia. O perigo é começar com a linguagem própria da cultura do etnógrafo, projetando-a para asociedade estudada. Deve-se fazer o caminho inverso: partir dos termos da cultura estudada para verificar se hácorrespondente na cultura ocidental, do etnógrafo. Se não houver correspondente, não se deve fazer a tradução.Gluckmann simplesmente traduziria o sistema inglês para os povos estudados: tradução às avessas; é um sistema de

aculturação.

Então, qual processo torna possível aferir variáveis que podem ser controladas e comparáveis?Rejei ta-se uma comparação feita com a linguagem ocidental a priori.Deveria existir uma linguagem neutra, ou tendencialmente neutra, semelhante à do computador. Porém, essa l inguagemnão existe ainda e o problema permanece. Não existe uma linguagem neutra que permite entabular uma comparaçãocontrolada. Bohannan acreditava que essa linguagem seria desenvolvida - tinha muita crença nisso. Porém, isso nãoaconteceu.Ele diz querer comparar pontos de vista, propondo uma linguagem independente e nova, sendo uma linguagem decomputador. Contudo, essa linguagem não se desenvolveu e isso põe um problema para a atualidade.Como fugir ou neutralizar essa ocidentalização? Projeção de conceitos ocidentais para avaliar uma cultura?

Nobert Rouland:

Não parte da premissa ingênua de que a comparação se estrutura sem distorção; mas tenta minimar essas distorções.Contrapondo as duas perspectivas e diante da inexistência de algo que a supere, ambas as posições tem vantagens edesvantagens:Bohannan tem uma maior precisão analítica (centrada nas singularidades), mas paga um preço com isso, pois tornamacrocomparações impossíve is, porque a linguagem neutra não se efetivou até agora, levando a um solipsismo analíticona abordagem entre culturas/antropológica;

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 Gluckmann evidentemente facilita a macrocomparação entre culturas, porque se baseia na cultura ocidental, mas paga opreço da falta de precisão na captação da especif icidade, possivelmente impondo uma visão etnocêntrica.Assim, deve-se articular a comparação ao redor de dois princípios fundamentais:Comparar não os elementos específicos entre si (e x. Injo e dívida), mas os sistemas aos quais pertencem os elementosque serão analisados, na medida em que dão os sistemas que dão signif icados àqueles elementos. Verificar se háequivalências funcionais entre as diferentes categorias. Remaneja-se o foco da abordagem da categoria específica para osistema que dá sentido àquela categoria. Centrar o foco no sistema folk, que dá sentido à categoria.

1-

Distinguir a comparação entre sistema culturais que têm a mesma lógica e sistema culturais que têm lógicas distintas. Noprimeiro caso,de sistemas com lógica similar, pode-se fazer confrontação das respostas dadas pelos si stemas às questõesidênticas. No segundo caso, é preciso uma mediação que tenha por base a tentativa de encontrar equivalentesfuncionais. (ex. direitos humanos -noção ocidentalizante). Em se tratando de sociedades com lógicas diferentes não sedeve aplicar um suposto ideal de direitos humanos, mas procurar o que poderia servir de equivalente ao conceitoocidental (Boaventura).

2-

Norbert Rouland fala que não há valores ou normas jurídicas transcendentes às sociedade ou culturas, porque só temsignificação em relação ao sistema no qual ele opera. Mas, a comparação é possível se se considerar esses dois critériosacima.

Problema da aculturação jurídica:(blá, blá, blá...)

(Está faltando o final).

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Está faltando.Aula 10 -quinta-feira, 7 de novembro de 201317:54