DIAGNÓSTICO SOCIOAMBIENTAL DO TERRITÓRIO DO LIXÃO MUNICIPAL DE MACEIÓ

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DIAGNSTICO SOCIOAMBIENTAL DO TERRITRIO DO LIXO MUNICIPAL DE MACEI LIXO, TRABALHO E CIDADANIA 2

Resumo No contexto da reIlexo a respeito dos riscos socioambientais encravados na progressiva produo de residuos solidos provenientes do descarte da sociedade de consumo edasrespostas do capital industrial na constituio do novo setor da reciclagem, e na base empirica dos resultados parciais de um diagnostico socioambiental realizado no territorio devidaetrabalhodoscatadoresderesiduossolidosdolixomunicipaldeMaceioAL,estetextodiscutea precarizaoeinsalubridadedotrabalhodestanovacategoriadaclasseproletariaemergentenasociedadedeindustrializao avanadados paises periIericos ao sistema econmico global. Buscase uma reIlexo qualiIicadora da indoledaexclusosocialdequesosujeitososcatadoresdemateriaisreciclaveis,nacondiodesujeitosdeum trabalho indispensavel aos lucros das cadeias produtivas industriais, a conteno das presses ambientais sobre os lixes eaoscustospublicosdosserviosmunicipaisurbanosdacoletadelixo.Aregulamentaodotrabalhodoscatadores nossistemasmunicipaisintegradosdegestoderesiduossolidosurbanosenascadeiasindustriaisdereciclagemso elementoscentraisdomovimentosocialdoscatadoresedaspraticascooperativistasemdiversascidadesbrasileiras, tidas como novos sistemas de produtivismo social. Discutese alguns indicadores de (in)sustentabilidadedas praticas cooperativistas de catadores,a partirdas principais caracteristicas Iundadoras da Cooperativa de Catadores atuante no territorio do estudo.

Introduo

"As lgrimas dos pobres comovem os poetas. No comove os poetas de salo, mas os poetas do lixo, os idealistas das favelas, um expectador que assiste e observa as tragdias que os polticos representam em relao ao povo". (Carolina de Jesus, Quarto de Despejo,2005, 47) Quemtemmaisde40anosecresceuemumacidadebrasileiratipicamenteindustrial,tem gravada na memoria a existncia de um personagem da vida cotidiana do seu bairro, andando pelas ruaspuxandoumacarroa,porvezespuxadaporumburrico,egritandoasuapresenacomo coletor(a)oucomprador(a)emtrocadealgunstrocados,dejornais,revistaseIerrovelho, vasilhamesdevidroeoutrostiposdeobjetosinutilizadosdoconsumoqueentulhavamoespao domesticoepodiamoudeviamserdescartados.Esteprotagonismourbanodo'catadordepapel, 'garraIeiro ou'sucateiroadquiriu visibilidade no inicio da decada de 60, com a publicao do diario pessoal de Carolina de Jesus (2005), em que relata a crueldade e o soIrimento de sua vida de catadora e moradora deuma das mais antigas Iavelas da cidade de So Paulo1.O trabalho precarizado decatao de rua dos materiais descartados do consumo nasce e se dissemina com a modernizao industrial dependente e correspondente exploso urbana sustentada noatendimentoaummercadoconsumidorurbanoemcelereexpansoparaatenderdemandas econmicasexternas.Oprogressodasociedadedeindustrializaoavanadaedohiperconsumo nospaisesdaperiIeriadosistemaeconmicoglobalrespondedemododeIinitivopelaproduo exponencial de lixo urbano. Por sua vez, o capitalismo industrial, capaz de potencializar e explorar economicamenteosriscosqueproduz,promoveumnovosetorindustrial,odareciclagemde materiaisdescartadosdoconsumo,aoqualestamarginalmenteintegradoumcontingentede catadores de materiais reciclaveis, representando a aIirmao de uma nova categoria de trabalho no interiorda classe proletaria. NareIernciadeumestudosocioambientalrealizadonoterritoriodolixomunicipalde MaceioAL2enocontextodaemergnciadeumnovosetorproletarionasociedadede industrializaoavanadaedohiperconsumo,estetrabalhopretende,combasenaconcepode politicasdeinserodocatadordematerialreciclavelcomotrabalhadorIormaldesistemas 1 Em sua primeira edio, o livro 'Quarto de Despejo provocou grande impacto. Embora rechaado pela critica literaria, ja se encontra em sua 8 edio. 2Pesquisa realizada mediante auxilio da FAPEAL Fundao de Apoio a Pesquisa do estado de Alagoas e do CNPq. 3 integrados de gesto municipal de residuos solidos, discutir as condies de realizao da excluso socialdocatadordemateriaisreciclaveis,aspraticasdemercadovoltadasparaasuainserona cadeia produtiva de residuos solidos, a partir de apoios a organizao cooperativista reprodutora da precarizao do trabalho. Sociedade de consumo e produo de lixo Estimase que a massa diaria de produo mundial de lixo urbano atinja atualmente a marca de 3 bilhes de quilos/ dia, dos quais o Brasil responde com 125 a 130 milhes, perto de 0,4 do totalmundial.NacidadedeNovaYork,cadapessoaproduz,emmedia,3kg/diadelixoena cidade deSo Paulo,1,5 kg/dia(http://www.ambiente.sp.gov.br ). Amedia brasileira de produo delixoporpessoaestaestimadaentre500ga1Kg,variandosegundoIatoressocio-econmicos microrregionais. Em 2003, a cidade de So Paulo produziu disparado cerca de 9mil toneladas/dia; Salvador, 1900 mil toneladas/dia; Fortaleza, 1430 mil toneladas/dia e Maceio 110 toneladas diarias de lixo (GERSRAD, 2004).No progresso do processo civilizador moderno-industrial, organizado a partir do paradigma retroalimentadopelosquatromotores:cincia,tecnologia,industriaeconsumo (Morin,1986,1997),osobjetosdoconsumodomesticodeprodutosindustrializadosdescartados comoinuteissealteramconsubstancialmente.NostermosIormuladosporJeanBaudrillard,a estruturadasociedadedeconsumoegovernadapeloritmodeproduodosbens,naquala produodeexcedenteseIunodaprodutividadeindustrialedoritmodeproduosemlimites dasnecessidadesdeconsumo.Estadinmicaeconmicaegovernadaporumaprodigalidade culturalquesetraduzemdispositivoscomportamentaisobsessivosdeaquisiodeobjetos, 'simulacrosesinaiscaracteristicosdefelicidade,erapidoobsoletismodestes,emumaciranda que traz em seu bojo a propria Iuno produtora da estrutura das desigualdades sociais (Baudrillard, 2005, 20). Aalarmantequantidadeediversidadedolixourbanodomesticoeumriscoendogeno induzidoe indesejaveldoprogresso daindustrializao de modernidade avanada e correspondea umrelevantecomponenteintrinsecoda'sociedadederisco(Beck,2001).Aproduoindustrial dehorizontesemlimiteseaproduodosriscossointerdependentes,eaproduodelixo domesticonasociedadedeconsumorevelaumparadoxoIundadordocrescimentoeconmico: quantomaispujanteaeconomia,maislixoseproduzcomosinaldecrescimentodaprodutividade industrialedoconsumo,doisdosprincipaisindicadoresdotermmetrodocrescimentoda economiademercado(Calderoni,op..cit.).Talparadoxoentreteceoselementossimbolicosdas relaesescatologicasdasociedadecomosseusdejetoseresiduos,eporprolongamentocomo meio ambiente, nas quais a simbologia do lixo aparece to carregada de preconceito no imaginario popular.Umpreconceitosocialqueseestendeaoscatadoresderesiduossolidoseaosseus Iamiliares. Asdimensessocioambientaisdaproblematicadahiper-produodelixonasociedadede consumo pedemumademorada reIlexo a respeito da tendncia exponencial de produo de lixo como componente intrinseco das relaes entre produo industrial e o hiper-consumo, uma base da economia capitalista,e das caracteristicas deste paradoxo endogeno do capitalismo de modernidade industrialavanada.Todosistemacomplexoeparadoxal;umsistemaso ecomplexo porqueasua logicaeparadoxal(Barel,1989).Poresteprisma,acrescenteproduodelixonasociedadede consumo, na condio de parte endogena dos processos produtivos capitalistas, traduz um non sense queguardacontradiesintrinsecasdosparadigmasdasociedademovidapelosquatromotores: cincia, tecnologia, industria e consumo, e revela uma Iaceta crucial da subordinao da superIicie do Planeta as exigncias ilimitadas da logica utilitarista da civilizao moderna e da onipotncia do homem moderno (Dupuy, 2002; Latour,2000; Morin, op..cit., Moscovici,1993).Asociedadeindustrialavanadaproduzsistematicamenteascondiesqueasameaae buscarecriarasiproprianapotencializaoeexploraoeconmicadosriscos(Beck,op..cit). 4 Neste movimento,ocapitalindustrialvem respondendo ao dilema crescente produo de residuos do descarte do consumo, por meio de um progressivo aporte de novas tecnologias de reciclagem de residuos solidos, retroalimentando a consolidao de um novo setor industrial global caracteristico da modernidade de industrializao avanada.A reintroduo dos materiais descartados aos processos industriais originais esta projetada como altamente promissora em termos de ganhos do capital global (Calderoni, op..cit). De acordo com os dados do setor industrial, o Brasil ainda recicla menos de 5 de seu lixo urbano, Irente ao percentualde40nosEUAenaEuropaocidental.OPaisecampeomundialdereciclagemde latas de aluminio, das quais 85 so recicladas, e de papelo, cuja reciclagem e de 72.No entanto, areciclagemestarestritaapoucosmateriais,21deplasticoe38devidroedepapel (http://www.cempre.org.br,18.05.2005).Nestenovosetordenegocios,emvariascapitaisbrasileiras,ademaiscomosuascongnereslatinoamericanas,jaestoimplantadasbolsasde valores de residuos ligadas as Iederaes estaduais da industria, como e o caso de So Paulo (onde tambemhaumabolsadevaloresderesiduossolidosligadoaosindicatodostrabalhadoresna industriaquimica),RiodeJaneiro,Parana,Goias,Amazonas,Para,Bahia,CearaePernambuco. Empresas de assessoria e consultoria atuam conectadas na internet, buscando nichos de mercado e de agregao de valor aos residuos com maior capacidade de realizao de lucros.AparticipaodeentidadedoTerceiroSetorcomo,porexemplo,oCEMPRE (congregandoumgrupodeempresasdediIerentessetoresdaproduoindustrial),awebresol, InstitutoEthos,ABRELPE,dentreoutras,inscreveosprincipiosdaResponsabilidadeSocialedo Desenvolvimento Sustentavel no circuito dos negocios, sobre os quais a industria da reciclagem se apresentacomoderentabilidadeeconmicatovantajosaquantoambientalmentesadia,na qualidade de portadora de recursos tecnologicos que compatibilizam o progressoindustrial com a preservaoambientaleocontroledatemperaturadoplaneta.Odiscursosesustentaemdoisargumentos: de um lado, a decomposio da materia orgnica nos lixes e aterros sanitarios e Ionte geradorade gasmetano,cujanocividadeparaa atmosIeraequivalente aoCO,segundoinIormaa literaturaespecializada.Contudo,pode,quandocaptado,renderaosgestoresodireitode comercializarcreditosdecarbono,combasenoMecanismodoDesenvolvimentoLimpoMDL, um capitulo integrante do Protocolo de Kyoto, responsavel por um novo movimento do mercado de privatizaodosserviospublicosdelimpezaurbanaegestododestinoIinaldosresiduos (www.reciclaveis.com.br,31.05.2005).Deoutrolado,asinIormaessetoriaisindicamquea reutilizaoindustrialdereciclagemdesubprodutosdescartadosposconsumoproporciona economia de energia eletrica e de emisses atmosIericas, alem de diminuio da presso sobre o uso dos recursos naturais.Merece destaqueo Projeto de Lei 3912/04, que cria o Fundo de Incentivo a Reciclagem de ResiduosSolidos,vinculadoaoMMAeIBAMA,paraampararaexpansodosprocessos produtivos de dejetos solidos Tambem cabe assinalar a existncia de 74 projetos de lei reIerentes a gestoderesiduos,emtramitaonaCmaradosDeputados,emBrasilia.E,ainda,oimportante papel de instituies brasileiras de pesquisa no desenvolvimento de novas tecnologias, como UIscar - Universidade Federal de So Carlos, a Escola de Engenharia da UFMG e o CeIet - Centro Federal de Educao Tecnologica, de Curitiba, dentre outros(www.ambientebrasil.com.br).. Fundamentadosemumdostrslemasdo'Principiodos'3RsdeIinidonaAgenda21: 'Reduzir,ReaproveitareReciclar,ossinaisapontamumprogressotecnologicoexpressivo, inclusive de tecnologias brasileiras, na reciclagem da parte reutilizavel dos descartes do sistema de produoeconsumoere-introduonociclodeproduodeorigem.Nombitodolema Reaproveitamento,observaseosenlacesentreadimensoeconmicadacadeiaprodutivade residuossolidos e adimensocultural traduzida na criatividade desujeitos que urdem uma nova esteticanassoluescriativasdedesigndeobjetosproduzidosapartirderesiduosindustriaisdo posconsumo.EstebrevissimoquadroreIerencialnopodedeixardeconsideraraincluso,da ordemestimadade4,8milhes,dosrecursosdoProgramadeAceleraodoCrescimento(PAC), 5 recem instituido pelo governo Iederal, destinados ao tratamento do lixo, mediante investimentos em aterrossanitarios,unidadesdereciclagemdemateriais,centraisdetransbordoeoutrasmedidas sustentadas no objetivo de acabar com os lixes municipais (www.resol.com.br).AdistribuiogeograIicadasindustriasdereciclagemnoterritoriobrasileiroreproduzo desenhodasdesigualdadesinter-regionais,noespelhodoconceitode'RegioConcentradados 'SistemasTecnico-informacionaisIormuladoporMiltonSantos(2004,2005).DeIato, concentramsenaregioSudesteasindustriasdepontadoprocessoIinaldetransIormao industrialdosresiduosdestinadosaoreaproveitamentonoprocessoprodutivooriginal.Asregies Centro-OesteeNordestesediamsomenteindustriasintermediariasquerealizamopre-processamentodareciclagem.OsestadosdeSoPauloeMinasGeraisconcentramomaiorleque industrialportiposderesiduossolidosreciclaveis:pneus,papeis,plasticos,vidro,aoealuminio, comotambemdebateriaselmpadas.AregioNordestenoabriganenhumaindustriade reciclagemdebateriaselmpadasIluorescentes,muitoemboraestasestejamclassiIicadaspela ABNTdentrodacategoriaderesiduosperigosos,tendoosseusdescartesregulamentadospela Resoluo CONAMA 257/993. O sistema industrial de residuos implantado na regio Nordeste esta concentrado nos estados da Bahia, Ceara, Pernambuco, Paraiba e Rio Grande do Norte, com atuao predominante na etapa depre-processamentoparaoprocessoindustrialdetransIormaonasindustriasdoSudeste.Em Alagoas, IoiidentiIicada,ate omomento, apenas uma industria de processamento de dois tipos de plasticos(PEAD/PEBD).AscadeiascomerciaisderesiduossolidosemMaceiocontemplam somentepapeis(aparaepapelo),plasticos(PET,PEAD,PP,PEBD),vidroemetais(aoe aluminio).OsresiduosclassiIicadosnatipologiaderesiduosespeciais:baterias,lmpadas Iluorescentes e pneus, bem como embalagens cartonadas, isopor e plasticos do tipo PVC e PS no so comercializados4. Permanecem no lixo municipal, contribuindo com o agravamento do passivo ambiental do territorio, a respeito do qual se tratara no item a seguir.A cadeia comercial de residuos solidos em Maceio esta articulada segundo os seguintes elos deagenteseconmicos:1)ocatadorindividual,nolixomunicipalenasruas;2)gruposde comerciantes intermediarios que compram diretamente do catador, em pequena escala, que separam osmateriaissegundoumaclassiIicao generica; 3) pequenas e poucas cooperativas, 4) grupos de comerciantesemlargaescaladetentoresdetecnologiadeseparaoseletiva,limpezae enIardamento,segundoespecializaodetipodematerialeespeciIicaesdeterminadaspelas industrias. Esta e a etapa de agregao de valor aos materiais, os quais, ja ingressos na Iormalidade comercial, so exportados para as industrias localizadas em outros estados do Nordeste. Apos o pre-beneIiciamento, os materiais so enviados as industrias da ponta do processo industrial localizadas naregioSudeste.Osmateriaisnocomercializaveisexcluidosdaseparao,retornamaolixo municipal e la permanecem5. Lixes urbanos e o lixo de Macei Somente13,8dosmunicipiosbrasileirosdispemdeaterrossanitarios(www.ambientebrasil, 05.04.2004), e 68,4 do total de residuos solidos gerados nos municipios com populao acima de 20.000 habitantes so depositados em lixes e vazadouros a ceu aberto (IBGE, 2002). Nas cidades domundoemdesenvolvimento,agravidadedoproblemadadeposiodolixodomesticourbano estaassociadaacaoticaexplosodoespaourbano-industrialeaIormaodenovoscorredores, redesehierarquiasdeIunesurbanas,retroalimentadaspelasoposiesintegradorasentreo 3 Dispe a Resoluo CONAMA 257/99 que as baterias descartadas devem ser recebidas pelos estabelecimentos comerciais do produto, independente da marca e deve ser preservada a soluo cida, sendo vedado o seu descarte ou mesmo a sua manipulao. 4 As informaes aqui apresentadas foram produzidas por NOBRE Carlos Eduardo, 2005. 5 dem. 6 'circuitoinferioreo'circuitosuperiordecirculaodo capital, sob relaes emqueo circuito inIerior e sempre intrinsecamente dependente do circuito superior (Santos, 2004).Adiversidadedesetoresdocapitaledotrabalhoabrigadosnomundourbano,deacordo comMiltonSantos,comportaatividadesmarginaisdopontodevistatecnologico,organizacional, Iinanceiro,previdenciarioeIiscal,revelandoseramiseriaurbananoapenasIatordomodelo socioeconmicovigente,mastambemIatorimanentedeummodeloespoliadordeproduo espacial,cujossub-processoseconmicos,politicosesocioculturaisdo'processo,formae conteudodaproduourbanaentretecemasrealidadesdecarnciaedenegaodedireitos,ede subhumanizao de parcela consideravel da populao No limiar do seculo XXI, desaIia o mestre da GeograIia Critica, os 'polos marginais da economia entretecem o conteudo social de uma nova ordem urbana sustentadora em novas desigualdades sociais que, em grande medida, substituiram o tradicionalmodelodadesigualdadeurbanaruralbrasileira(Santos,2005)ParaMikeDavis,a explosodasIavelasnomundourbanodospaisesemdesenvolvimentovemimplodirosonhode geraes de urbanistas, cujas cidades projetadas para ediIicaes em vidro e ao se concretizaram, emgrandeparte,emconstruesdealvenariadeblocodecimentoaparente,restosdemadeira, plastico, amianto que acolhem a miseria urbana 'cercada de poluio, excremento e deteriorao` econvertidas,emalgunscasos,em'favelaslixo,ondeos'imigrantesurbanosindesefados`convivem com o lixo urbano (Davis,2006, 55,106).Os lixes urbanos que ladeiam as cidades brasileiras so o destino Iinal de mais da metade dovolumetotaldolixoproduzidonoBrasileabrigampoderososmananciaisdevetoresde contaminaoambientaledeinsalubridadehumana.AliteraturaespecializadainIormaqueos elementoscontaminantesdeumlixopodemseconcentrarnasub-superIiciedediIerentes compartimentosdoambiente:solo,sedimentos,rochas,materiaisusadosparaaterramentode terrenos, aguas subterrneas, alem da probabilidade de concentrao em paredes, pisos e estruturas deconstruesderivados.Oselementoscontaminantespodemsertransportadosapartirdesses meios, propagando-se por diIerentes vias: o ar, o proprio solo, as aguas subterrneas e superIiciais, determinandoimpactosnegativosnapropriaareae/ouemseusarredores |http://www.opas.org.br/ambiente/temas|. Junto com a antiga pratica da catao de rua, os lixes urbanos representam, hoje, o mundo do trabalho e de moradia de uma parcela da imprecisa populao de catadores estimada entre 200 a 800milpessoas,deacordocomoForumLixoeCidadania.Destas,indicase,35milvemaser crianas |Grimberg, 2002|. A Pesquisa Nacional de Saneamento Basico (IBGE, 2002), aplicada em uma amostragem de 1500 municipios brasileiros (o equivalente a 27) acusa a presena de 24.340 catadores exclusivamente nos lixes municipais, sendo 22 destes menores de 14 anos de idade.Apercepodoscatadoresquantoacontaminaoconstanteaqueestosubmetidosnos lixes urbanos, e decididamente constrangida pelas presses das urgncias a sobrevivncia. Milton Santosnosinstruiqueasdinmicasderelaessociaisexcludentessopermanentementere-elaboradaseobjetivadasemumterritorio,nointeriordoqualestocontidasasIormasdas estruturas econmicas e das estruturas mentais dos grupos humanos pertinentes (op..cit). Assim, as privaes aos meios essenciais de exercicio dos direitos de cidadania e ao mercado; a subjugao a umarotinadetrabalhocrescentementecompetitivadiantedocrescenteaumentodonumerode catadores; sem contar a propria condio residual do trabalho e o estigma da existncia entretecem dimensesdavidasocialreveladasemelementossimbolicosdesimbiosecomomeio,osquais atuamcontraapercepo dosriscospresentes no ambiente (Beck, op..cit.). Depende, portanto, da diminuiodetaispressesaaberturadoscaminhosapercepodoscatadoresparaasameaas contidas na contaminao ambiental do seu territorio de trabalho e de vida.Estepericlitantequadro temoseulugarnacidadedeMaceio.Nodenominadorcomumda contaminaoambiental,damarginalizaosocialedasegregaosocio-espacialproduzidasno interiordasuaIunourbana,olixomunicipaldacidaderetemumaparticularidadegeograIica: localizase entre os bairros de Cruz das Almas (no litoral) e Sitio S. Jorge (no tabuleiro),na bacia hidrograIica de Riacho dasAguas doFerro e, abarcando um perimetro de33ha(dos quais22ha 7 soocupadospelamassaderesiduos),olocaldetemesplndidapaisagemparaomardacidade conhecidacomo'paraisodasaguas,sendoesteomaioratrativodaindustriadoturismolocal. Integrado a area, achase o territorio Iaveladode duas comunidades de catadores a Vila Emater,subdivididaemVilaEmater1,com480casasdealvenariaebarracoseunspoucosmicro equipamentoscomerciaiseacooperativadoscatadoresCOOPLUM,ondeconvivemcatadores, excatadores,pequenoscomerciantesdemateriaisebiscateiros,eaVilaEmater2,compostade240 casas, quase que exclusivamente de barracos habitados por catadores do lixo e suas Iamilias. As IotograIias aereas, a seguir, mostram a viso panormica da estrutura do territorio: GERSRADUFALGERSRADUEstudosja comprovaram o colapso na capacidade de suporte do lixo municipal e situao de alto risco das condies ambientais do territorio: a presena constante de vetores e micro vetores transmissoresdedoenas,acontaminaodosubsoloeexalaodeodoresdesagradaveis.Todos comeIeitossinergicosnosbairroscircunvizinhosenocomprometimentodabalneabilidadedas praias, da atmosIera e da saude humana, e com a sua populao exposta a Iumaa, poluio visual e olIativaeaosvetoresdecontaminao,principalmentemoscas,ratos,urubus,dentreoutros |GERSRAD, 2004|. 'Pra que tanto ceu, pra que tanto mar?`, intriga a cano 'Inutil paisagem de Tom Jobim, na conIrontao dapaisagem do mar de Maceio intermediada pelas montanhas de lixo que exalam cotidianamente um odor Ietido e esto sobrevoadas por grupos de urubusque disputam os residuos com os catadores. As imagens a seguir conIerem paisagem ao discurso: Diagsoamb 8 Asorigensdolixoremontamadecadade1930,quando,aexemplodeoutras vintecidadesbrasileiras,opoderpublicomunicipalimplantouumsistemade compostagem de residuos degradaveis em adubo orgnico, denominado sistema Becari, particularmente destinado a suprir a monocultura canavieira. Em 1935, Maceio contava com129.105habitantes,cujaproduoderesiduoserapredominantementeorgnico. Hoje,apenas33dototaldelixoproduzidopelacidadecorrespondemaesta modalidade(GERSRADop..cit.).OsistemadecompostagemIuncionoudurantetrs decadas, ao longo de um periodo em que a populao urbana cresceu, adotando valores e habitos de sociedade de consumo, modiIicando, por conseqncia, a composio dos residuoseavolumandoosresiduosno-degradaveis.NaperdadeeIicincia,osistema de compostagem Ioi sendo relegado, ate porque, possivelmente, a produo canavieira, jaquimicamenteadubada,deleprescindia.Em1967,osistemadecompostagemIoi deIinitivamenteabandonadoeasuaareatransIormadaematerrosanitario.Contudo, eIetivamente,tornouseumlixoaceuaberto,oqual,hatrintaenoveanos,Iuncionasem qualquer sistema eIicaz de tratamento, sem licena de Iuncionamento e recebendo, em 2005, 660 t./dia de lixo domesticoe 440 t./dia de residuo inerte6. Em 1970, a capital estadualcontavacomumapopulaode269.415habitantes,pertode30da populaoatual.UmconjuntodeIatores,dentreosquais:oxodoruralprovocado pelamecanizaodamonoculturacanavieiraereconcentraoIundiarianocontexto doProAlcool,adeterioraourbanadepartedaporosuldacidadeprovocadaa partirdaimplantaodopolocloroquimico,eoincrementodaindustriadoturismo localimpulsionaramaexpansodoslimitesurbanosemdireoaporonorte litornea sobre antigas areas rurais, em um processo que envolveu o territorio do lixo. Recentemente,Ioiimplantadaumanovapistadeacessoquemargeiaoterritoriodos catadores,desencadeandoosconhecidosprocessosdeespeculaomercantilnousoe ocupao da terra urbana. O processo, forma e conteudo das Iunes urbanas do territorio, esculpiramlhe asIeiesdeenclave,conquantoreveleopropriomodocomoseIazacidade. ArrastasehaanosadecisopoliticadoPoderMunicipaldeporIimaexistnciado lixo,comaconstruodeumaterrosanitariorespeitadordanormatividadetecnica paraestetipodeequipamento,deIinidapelaResoluoCONAMA237/97.Oimpasse respondeporumcontenciosojudicialdelargoespectro,demandadopeloMinisterio PublicoeoorgoestadualdemeioambientecontraaPreIeituraMunicipal. Reiteradamenterepercutidopelamidialocal7,asoluoparaoproblemadolixo municipalpareceestaraindalongedeseralcanada.RazesdediIerentesordensse conjugamnoimpassedapoliticapublica,arrastadoapartirdaconcepopontuale excludente com que o Poder Publico Municipal vem Iormulando as respectivas aes.Aspraticasdecorreodossistemasdedepositosdelixourbano,criaode novas areas e sistemas de disposio e recuperao de areas degradadas conduzidas em diversascidadesbrasileiras,demonstramqueestassopartesindissociavelmente interdependentes de um sistema complexo de politica publica. No lastro da Agenda 21 brasileiraeapartirdediIerentesprismas,apoliticapublicadegestomunicipalde residuossolidosepensadasegundoasconcepesdeumsistemaintegradodegesto 6 Ver Ministerio Publico Federal, Procuradoria da Republica em Alagoas. Termos de Ajuste de Conduta 1udicial. ReI. Ao Civil Publica n 2004.80.00.006780-4. 3 Vara da Justia FederalSeo Judiciaria do Estado de Alagoas, Maceio (AL), 01 de agosto de 2005. 7 No periodo demaro de 2002 a janeiro de 2006. Foram encontradas 91 materiasjornalisticas reIerentes aolixo municipal publicadas no jornal Ga:eta de Alagoas, o jornal de maior circulao no estado. 9municipal, regido segundo as perspectivas da sustentabilidade do desenvolvimento. Por principio, a Iormulao do sistema abarca as dimenses ambientais, sociais, culturais as dimenseseconmicas,politicaseinstitucionaisdamateria.Porconseguinte,a organizaodosistemarequerserpensadasegundoconcepesmetodologicas interdisciplinareseabertaaparticipaoproativadossujeitoseatoressociais implicadosnapoliticapublica.Aestruturaodosistemarequeraarticulaoentreos niveismunicipal,estadualeIederaldegovernoeasesIerasdospoderesExecutivo, Legislativo e Judiciario; a articulao com os grupos sociais envolvidos; a identiIicao detecnologiasadequadasasrealidadeslocais;oselementosestruturantesde continuidadedapoliticapublicano longoprazo;eIinalmenteainserodoscatadores como trabalhadores Iormais da cadeia produtiva de residuos solidos.Assimcompreendido,umsistemamunicipalintegradodegestoderesiduos solidosmostrasecomoumsistemamultidimensionaldepoliticapublica,cuja concepo,Iormulaoegestoabarcam,alemdosaspectoscientiIicos,tecnologicos, legais, Iinanceiros e administrativos uma Iundamental dimenso socioambiental, da qual a cultura e a sociopolitica so integrantes. Embora seja recente o campo de pesquisa, e expressivaaliteraturaespecializadarelativaasdimensestecnicocientiIicase econmicas da tematica, ao passo que dela ainda carecem as contribuies das cincias sociais e humanas.

Catao e precarizao do trabalho SocadavezmaiscrescentesaspressesjudiciaisdoMinisterioPublico EstadualedoorgoestadualdemeioambientecontraaPreIeituraMunicipalde Maceio,comaquaisseassociamaspressesdocapitalimobiliarioedaindustriado turismo.Desdeagostode2005,encontrasevigente(emsucessivosadiamentosde execuo)umTermodeAjustedeCondutaJudicialcomprometidopelaPreIeitura MunicipaljuntoaoMinisterioPublicoEstadualdeAlagoas,peloqualcabeaessa:'a implantaodeumaterrosanitario,acriaoeoperacionali:aodeumapolitica publicadecoletaseletivadosresiduossolidosurbanos,arecuperaoambientalda areaocupadapeloLixo,comodesenvolvimentodeumprogramasocialvoltadoaos habituais catadores de lixo daquele local`. O compromisso judicial e explicito quanto a responsabilidade do Poder Municipal em operacionalizar um Programa Social destinado aintegraosocioeconmicadoscatadores.AClausula13dispeexpressamentea respeitodeaesdirecionadas'...asuainserocomoparceirosnosistemaintegrado de gesto de residuos`(Ministerio Publico Federal, 2005).Peranteavulnerabilidadedodesamparoaquesosujeitoseainseguranaque sustenta 'alma defavelado,comoescreveu Carolina de Jesus: que 'quando tem fome recorreaolixo,cataverdurasnasfeiras,pedemesmolaeassimvovivendo(Jesus, 2005:56),competeaoMinisterioPublico assegurar o campo dos direitos a visibilidade publicaeasreivindicaesdoscatadoresdolixo,emsuasaIlitivasinterrogaes dirigidasaopodermunicipal,comrelaoaoseuIuturoapartirdoencerramentodo lixo,Edestelugardomundodosexcluidosque,desde1991nobojododebate socialvinculadoadeIiniodeumapoliticanacionalderesiduossolidosque acompanhou o Projeto de Lei N. 203/9 organizase o movimento social nacional de lutapeloreconhecimentodosdireitossociaisdoscatadoresedigniIicaodeum trabalhotoindispensavelparaacadeiaprodutivadosresiduossolidosquanto 10socialmentemarginalizado,estigmatizadoedenegatoriodosdireitossociaisdo trabalho. A catao de materiais descartados do consumo domestico e atividade marginal damodernizaoindustrialdospaisessubdesenvolvidos,desdeasorigens.Os catadoresderua,emaistardetambemdoslixes,sempreintegraramapopulao excluida da sociedade brasileira. Desde a inscrio do conceito de excluso social pela sociologiaIrancesa,nadecadade70,buscaseampliaroscaminhosdecompreenso, interpretaoeexplicaosociologicaeIilosoIicadamiseriaurbana,indoalemdas dimenses de analise adstritas ao problema da renda monetaria. A emergncia na arena politicadosmovimentossociaisquederamvisibilidadeaosrepresentantesdos excluidos,desdeosanos80,trouxeimportantescontribuiesparaareIlexo sociologica,traduzidaemvolumosabibliograIiaIocalizadanacapacidadeativados sujeitossociaisembuscarosmeiosmaisadequadosderealizarainclusosocial. Buscase,apartirdasespeciIicidadesdoselementosestruturantesdascadeiasda excluso,acompreensoeinterpretaodoconstructocristalizadonascondies cotidianas da privao na vida pessoal, coletiva e de trabalho,assim como dos modos comoseIixamosreIerentesdeumaidentidadesocialassociadaaprivaoe, particularmente a privao aos direitos do contrato social democratico |Escorel, 1999|. Nestamesmaperspectiva,tambemeobservadoqueamiseriaurbanaereveladorada patologiasocialdasextremasdesigualdades,noporsipropria,mas,antesporseus componentesdedenegaoaocampododireitoedaexclusodocontratosocial.Sob estengulooproblemasociologicodamiseriaurbanasesustentano'modocomoos direitos de cidadania so negados na trama de relaes sociais|Silva Telles, 2001|.Em1999,IoicriadooMovimentoNacionaldosCatadores(as)deMateriais Reciclaveis(MNCR),cujaentradaoIicialnaarenapoliticaocorreuem2001,no1 Congresso Nacional dos Catadores(as) de Materiais Reciclaveis, realizado em Brasilia, reunindoemtornode1.700catadoresecatadoras.Nohistoricodasatividades organizativas divulgadas pelo movimento social, no qual se inclui a articulao politica doscatadoresdomundolatinoamericano,algumasconquistasIoramalcanadas (http://www.movimentodoscatadores.org.br ). Dentre elas, cabe destacar apromulgao do Decreto de 11 de setembro de 2003, que 'Cria o Comit Interministerial da Incluso SocialdeCatadoresdeLixoedeIineaarticulaodepoliticassetoriaispara acompanhamentoeimplementaodosprogramasvoltadosapopulaocatadorade lixo nas localidades brasileiras. Ademais, portando o n 5192.05, a ocupao de catador dematerialreciclavelachaseregistradanaCBOClassiIicaoBrasileirade Ocupaes,editadapeloMinisteriodoTrabalho,em2002.Excluidosdosdireitos sociaisdotrabalho,oscatadoresdemateriaisreciclaveisdesempenhamumaatividade detrabalhodesumanecessidadeeconmicaparaacadeiaprodutivadosresiduos solidos,paraoserviopublicodecoletadelixoenacontenodamassadelixodos lixesurbanos.Aexistnciasocialdocatadorpodeserindesejavel,poremoseu trabalho e economicamente necessario. Este autoreconhecimentoaparece nitidamente no modo como se apresenta publicamente o MNCR:

'AprofissoCatadordeMaterialReciclavelexistedesde meadosde1950.Ocatadorsemprefoivistocomoumsufeito excluidosocialmente.Contudo,noscatadoressempre prestamosumservioasociedade,mesmosemdelarecebero reconhecimento,nemdopoderpublicoreceberopagamento devidopor tal trabalho`. (http.//www.movimentodoscatadores.org.br, 18/02/2007). 11 A partir do quadro teorico da 'nova questo social urdida nos eIeitos perversos daglobalizao,IormuladoporRobertCastel(1995),cabereIletira respeitodaindole daexclusosocialdocatadordemateriaisreciclaveis,tendoporreIernciaa emergnciadeumanovacategoriadetrabalhadoresurbanos,radicadanaequao perversa:asociedadehiper-industrializadaedeconsumoengendraumsub-trabalho economicamentenecessarioaosetorprodutivoe,aomesmotempo,mantemnoe excluidodocampodosdireitossociaisdotrabalho.Assim,oscatadoresdemateriais reciclaveisexcluidosdomercadodetrabalhoIormalvmsendoestimulados,pelo propriomercadodereciclaveiseeventualmente,comoapoiodepoderespublicos municipais,aseorganizarememcooperativaseoutrasIormasassociativasquelhes concedaanecessariageraoderendaeadigniIicaoproIissional.Emgeral,so iniciativasapoiadaspororganizaesdoTerceiroSetor,redesdeONGs,mascom inserodebilempoliticaspublicasdedesenvolvimentosocialassociadasagesto municipal integrada de gesto do lixo. Nesta considerao,a pratica cooperativista dos catadores merece soIrer uma reIlexo..Como tendncia geral, novas praticas de organizao cooperativista do trabalho e gerao de renda acompanham as transIormaes engendradas no mercado de trabalho enorecrudescimentododesemprego,nointeriordaglobalizao.Praticasalternativas deorganizaocooperativistadecategoriasdetrabalhadoresexcluidosdosprocessos produtivos Iormais vm sendo conduzidas na base dos principios teoricos da Economia Solidaria.Paraestaproposio,aspraticasdetrabalhoautogestionariorepresentampraticas pontuais de resistncia ao desemprego e ao subemprego e a Ialta de perspectiva denovacolocaonomercadodotrabalhoIormal(Singer,2003;Magera,2004).Paul Singer assinala trs tipos de cooperativas ingressas no mercado de trabalho globalizado: aquelas Iormadas por trabalhadores que assumem a massa Ialimentar ou pre-Ialimentar de empresas das quais ja Ioram trabalhadores Iormais; aquelas criadas por trabalhadores desempregados dos setores industrial e de servios; e aquelas Iormadas por contingentes detrabalhadoresematividadesmarginalizadasouestigmatizadas,ondepredominaa baixa ou nenhuma Iormao educacional e as maioresdiIiculdades de autogesto e, em contrapartida, adependncia de apoios externos. (Singer,op..cit.).Resguardando a existncia de poucas praticas bem sucedidas de cooperativismo decatadoresdemateriaisreciclaveis,agrandemaiorianoalcanaaIerirrendade1 Salario Minimo aos cooperados e tampouco autonomia gestionaria. No e desprezivel o numerodeensaiosdeorganizaocooperativistaquenovingamouquesemantem dependentesoututeladas asentidades de apoio. A precarizao do trabalho do catador nosetraduzapenasnaexclusoaseguridadesocial,mastambemnaIragilidadedos vinculossociaisqueregemotrabalhodacataocomoaunicaouaultimaalternativa possivel,impondomarcasdedeIicitdecidadaniadediIicilsuperao.PaulSinger assinalaaautodescrenageneralizadanacapacidadedeossubtrabalhadoresagirem comauto-eIicinciaeanecessidadedeapoiadoresexternosnolongoprazoedesdea gestao do trabalho cooperativado (idem). Castel vai mais longe quando assinala que a desvinculaosocialdotrabalhorespondepelasextremasdiIiculdadespresentesna organizaocooperadadetrabalhadoressujeitosdeumaduplaprecarizao:noplano dos direitos sociais e no plano do proprio sentido da desvinculao, onde se entretece a identidade em negativo, discriminada e estigmatizada, que se relaciona com a realidade a partirdaindiIerena, naturalizao, conIormismo e sujeio ao divino, Iormandoum constructoqueatuacomoresistentebarreiraaconstruodelaosdesolidariedadee conIiana proprios do cooperativismo.12EmestudorealizadojuntoaumacooperativadecatadoresemSorocabaSP, GeraldoMageraobservaqueaindustriadareciclagemsustentaosseuslucrosna precarizaodotrabalhodocatador,aomesmotempoemqueestimulao cooperativismocomopartedacadeiaprodutiva,oquenopodegerarsenoa organizaodotrabalhoprecarizado(op..cit.).Aorganizaocooperativistade catadoressomentepoderaapontarparaamelhoriaderendadoscatadores,casoa inserosocioeconmicanosetorprodutivocomporteaesnoterrenodaspoliticas publicas, em parceria com os setores produtivos.Eimprescindivelapresenadopoderpublicocomoagentecatalisadorde politica publica nesta direo, por mais ativas que sejam as entidades do Terceiro Setor eoscompromissoscomosprincipiosdaResponsabilidadeSocialdosetorprodutivo. Contudo,nobastaapenasassegurarapresenadopoderpublico,semoabandonode concepesclientelistasepaternalistaseaadoodeconcepesprogramaticase organizativasde capacitao proIissional, nas quais seassociem programas de resgate da propria humanidade dos catadores, sujeitos precarizados, estigmatizados e portadores de uma identidade em negativo. OsmaleIiciosqueossigniIicantesdaausnciadedigniIicaodotrabalho impemcomosoIrimentoeviolnciasquealimentamapropriasubestimaoda digniIicao humana, a respeito do que discorre Christophe Dejours (2005),permeiam avidadoscatadoresedesuasIamilias,avidadascrianasqueaoentraremnaescola soconstrangidasatomarbanhoantesdeadentrarasaladeaula,respondendoem grande medida pelo escapismo nas drogas e no alcoolismo. Uma depoente, catadora do lixo de Maceio, cooperada da COOPLUM a cooperativa instalada no lixo de Maceio e militante do MNCR, traduznos a violncia contitida na vivncia do estigma social ao catador: ...`Ocatadoreumtrabalhadorquetiraosustentodolixo....equando a gente di: que e catador de lixo, muita gente acha que a gente e sufo... ate se a gente pedir um copo d agua, e receber um caneco, quando a gente devolve a pessoa fogano mato, fa aconteceu isso comigo..`. A COOPLUM - Eu separo meu lixo - Cooperativa de Recicladores do Municipio UrbanodeMaceio,situadanaareamunicipaldolixo,Ioicriadaem2001,sob determinanteinterveninciadaSLUMSuperintendnciadeLimpezaUrbanade Maceio,congregando,emumaaoisolada,umgrupo22catadorescooperados,na tentativadecontrolarasatividadesdecataonolixo.Empoucotempo,ogrupo decresceuemcercade40,mantendosenacoletaseletivaportaaporta, implementadaempoucosbairros,enasegregaodomaterialreciclavel.Comserias diIiculdadesnoprocessodecoletaecomercializaodomaterial,aCOOPLUM mantem-se inteiramente dependente da SLUM e das interrupes nas aes de politicas publicasderivadasdosistemaeleitoralbrasileiro.Nodispederegimentointerno, indicandodiIiculdadesnaexplicitaodasregrascomuns;assucessivasdiretorias enIrentam,alemdegravesempecilhosadministrativos,gravesdiIiculdades comunicativasederepresentaojuntoaoscooperados,aosustentarema representatividadeemdiIerenciaesinternastacitasqueaguamajaIragil representatividadedasrelaesassentadasembasesimediatas,sobodominioda urgncia (PandolIi, 2003).PrecariamenteinstaladaemumpequenogalpocedidopelaSLUM,cabeum parnteses,acooperativapossuiumabibliotecaIormadaporlivrosprovenientesda 13coletaseletiva,cujostituloscorrespondem,inclusive,aobrasdeescritores representativos da literatura universal e brasileira.A media do volume mensal de materiais coletados pela COOPLUM e da ordem de 4t. de papelo, 3t. de aparas, 300 kg de aluminio, 1.400 kg de lata de ao e 1.200 kg deplastico,emboraestenumerosejamuitovariavel,talcomoeinstavelopreodos materiais,exclusivamenteestipuladospelasindustriascompradoras.Arendamedia mensal dos cooperados varia entre R$200,00 a R$240,00, dependendo da quantidade e dotipodematerialcoletadoecomercializado.Comosev,aorganizaoda cooperativanoresultouemaumentodarendaaoscatadores.Aocontrario,acoleta individualevendadiretaaosprimeirosintermediariosdocomercio,cujospontosde compralocalizam-senopropriolixo,mostra-semaisvantajosadoqueosganhos conseguidos por meio da cooperativa.AcapacidadeoperativadaCOOPLUMestalimitadaaoestagioprimarioda cadeiaprodutiva:coleta,separaoevendadeumvolumedematerialpouco signiIicativoemrelaoaoquechegaaolixo,erestritoaogrupodemateriais concentradoempapel,papelo,vidro,latadeaoealuminio.Alemdapequena quantidadeediversidadedemateriaispassiveisdeintroduonomercadolocal,a cooperativa no dispe de equipamentos tecnologicos para a segregao e enIardamento dosmateriais,oqueimpossibilitaaminimaagregaodevalor.AdiversiIicaoea apropriao dos processos de segregao, enIardamento e transIormao inicial, ressalta Magela,soelementosessenciaisparaaagregaodevaloraosmateriais.Corrobora decisivamentecomaprecariedadedaCOOPLUM,oIatodeoestadodeAlagoasno dispor de industrias de reciclagem, a exceo da unica industria anteriormente aludida. DoqueIoiapresentado,resultaserdebilalegitimidadedaCOOPLUMjunto aos catadores do territorio do lixo. Apenas 37,3 dos moradores indicam conhecer ou ja terem ouvido a Ialar em cooperativa, mas poucos sabem inIormar em que consiste o cooperativismodecatadores.QuantoaCOOPLUM,14avemcomouma organizao social Iavoravel a coleta e reciclagem de residuos solidos, mas somente 6 indicamna como auIerivel de melhores condies de trabalho. Em contrapartida, 81 declaram no depositar conIiana na direo da cooperativa.AamplamaioriadoscatadorespreIereotrabalhoindividualnolixo,correndo variosriscos,entreeles,corteseIerimentosproduzidosporobjetoscortantes,pedaos de vidro e residuos dos servios de saude RSS, em particularagulhas de injeo que so levados para deposito, evidenciando a inobservnciado poder publico para com as normaslegaisestabelecidaspelalegislaoambiental.Sujeitosaumajornadade trabalho,quemuitasvezesadentraanoite,separamindividualmenteomaterial coletado, vendendoos aos primeiros atravessadores por preos aquem do mercado. Concluses preliminares Odesenvolvimentodependentedaeconomiabrasileira,centralmentepensado comIoconoatendimentoaummercadoconsumidorurbanoemcelereexpansoe sempre respondendo a demandas exterioresresultou em umamodernizao amparada naexpansodaclassemediaurbanaenoqueMiltonSantosdesignapor'novas equaesdeumconsumopopularintermitente,sustentadonaseduodospobresao consumo diversiIicado, como porta de entrada a 'cidadania de mercado, e amplamente estimulado porsistemas extensivos de credito, orientados pelas demandas da expanso industrial.Amodernizaobrasileiraamparadanoenormedesenvolvimentoda produomaterial,industrialeagricolaprovocouumamudanaexponencialna estrutura do consumo. (Santos,2005:39). 14Obviamente, a incluso social e a diminuio das extremas desigualdades sociais eprioridadenacionalurgenteeinadiavele,seguramente,estapromoosocialpassa pelacriaodesistemasde'produtivismosocial,comoacentuaCelsoFurtado: empregarapopulaomiseravel,pormeiodeincentivossociais,paraqueoBrasil produza os bens e servios essenciais para toda a populao. A complexidade do desaIio consisteemsedescobrirmodoseIormasdeintervenopublicaquereconheamas particularidadesregionaisesejamcapazesdesuperaraexclusosocial,semesperar mudanasproIundasnasestruturaseconmicasglobalizadas|Furtado,1999|.A inclusosocialdosmiseraveisbrasileiros,daqualeparteainclusodoscatadoresna cadeia produtiva dos residuos solidos, eto essencial para a construo da democracia como e um desaIio de politica publica de alta complexidade, cuja urgncia no admite restringi-la a programas oIiciais de renda minima, nem a aes pontuais do mercado de estimulo a organizao cooperativistados catadores.A educao para a cidadania e a pedradetoquedasviasdeinclusosocialeissopressupeoreconhecimentodos excluidos comosujeitos de sua incluso social. Referncias bibliogrficas BAREL,Yves,1989.Leparadoxeetlesvstemeessaisurlefantastiquesocial. Grenoble, FR : Presses Universitaires de Grenoble. BAUDRILLARD, Jean, 2005.A sociedade de consumo. Lisboa : Edies 70 LTDA. BECK, Ulrich, 2001. 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