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1 República Federativa do Brasil Ministério da Educação e Cultura Universidade Federal do Rio Grande do Sul Faculdade de Direito Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado Direito Comparado DIREITO INGLÊS (Desenvolvimento Histórico e Organização Judiciária) Monografia realizada como requisito parcial, complementar ao Seminário apresentado, para a obtenção de aprovação na disciplina Direito Comparado, ministrado pelos Professores Drs. Sérgio Porto e Cláudia Lima Marques, bem como para a obtenção do grau de Mestre em Direito. João Protásio Farias Domingues de Vargas PORTO ALEGRE Dezembro de 1993

DIREITO INGLÊS (Desenvolvimento Histórico e Organização Judiciária)

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A presente monografia é de natureza acadêmica, em seara de estudos de pós-graduação, calcada em pesquisa bibliográfica, centralizada na temática Direito Inglês. Aborda, sob dois enfoques complementares necessários, o desenvolvimento histórico e a organização judiciária. O conteúdo abrange 20 (vinte) séculos de história jurídica da Inglaterra, vindo do domínio territorial pelo Império Romano até à estrutura da organização judiciária existente na década de oitenta deste século. Não enfoca a história do direito material e nem do direito processual inglês, mas faz um apanhado da história geral do ordenamento jurídico, em suas estruturas e funções transformativas.

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República Federativa do Brasil Ministério da Educação e Cultura

Universidade Federal do Rio Grande do Sul Faculdade de Direito

Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado Direito Comparado

DIREITO INGLÊS (Desenvolvimento Histórico e Organização Judiciária)

Monografia realizada como requisito parcial, complementar ao Seminário apresentado, para a obtenção de aprovação na disciplina Direito Comparado, ministrado pelos Professores Drs. Sérgio Porto e Cláudia Lima Marques, bem como para a obtenção do grau de Mestre em Direito.

João Protásio Farias Domingues de Vargas

PORTO ALEGRE Dezembro de 1993

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João Protásio Farias Domingues de Vargas

DIREITO INGLÊS (Desenvolvimento Histórico e Organização Judiciária)

Versão de Revisão 102 - 29062004 - BH

Belo Horizonte, junho de 2004.

PORTO ALEGRE Dezembro de 1993

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DEDICATÓRIA

À PROF. MARJORIE CORRÊA MARONA , pelo amor, amizade, companheira de debates e de motivo de toda a minha grande alegria de viver. Ao PROF. CELSO DE MAGALHÃES PINTO , pelas incontáveis horas de debates sobre o Direito e a Vida do Direito em nossas vidas concretas, ao longo de vários anos de intensa amizade e convivência. Ao TÚLIO PROTÁSIO DE LEMOS DOMINGUES DE VARGAS , meu filho querido.

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AGRADECIMENTOS

Este texto é devedor de inúmeras pessoas. Citamos algumas delas, nas pessoas das quais queremos formalizar os nossos profundos agradecimentos. À PROFª. CLÁUDIA LIMA MARQUES , pelos dois semestres de Direito Internacional Privado, pelos semestres de Direito das Relações Internacionais, na graduação e, agora, no Mestrado em Direito, pelos dois semestres de Direito Comparado; que me ensinou, pelo exemplo, que a crítica persuasiva é um incentivo inabalável para a dedicação intelectual, alimento de todo progresso científico; Ao PROF. RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR , que me ensinou a gostar e a pensar os Juizados Especiais de Pequenas Causas, as “Smalls Claims Courts” brasileiras; Ao PROF. ADROALDO FURTADO FABRÍCIO , que me ensinou que o Direito Processual Civil tem suas fronteiras muito além de seus dogmas; Ao PROF. ALMIRO RÉGIS DO COUTO E SILVA , que em ensinou a compreender que o Direito Público não se resume no estudo da burocracia do Estado como forma de dominação. Às BIBLIOTECÁRIAS DA FACULDADE DE DIREITO DA UFRGS , pela dedicação durante todo o tempo da pesquisa, sempre solícitas para a busca de obras e periódicos em língua estrangeira. À PROFª. MARJORIE CORRÊA MARONA , pela correção dos textos em inglês, digitação confrontada com o texto datilografado e formatação eletrônica; Ao JÚLIO CÉSAR FARIAS DOMINGUES , pela digitação paulatina e correção ortográfica de grande parte do texto, durante o verão do ano de 2002, em Divinópolis, Minas Gerais.

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CITAÇÃO INTRODUTÓRIA

“Se o entendimento em geral é definido como faculdade de regras, a faculdade de julgar será a capacidade de subsumir a regras, isto é, de discernir se algo se encontra subordinado a dada regra ou não. A faculdade de julgar é um talento especial, que não pode de maneira nenhuma ser ensinado, apenas exercido. Eis porque ela é o cunho específico do chamado bom senso, cuja falta nenhuma escola pode suprir. Aguçar a faculdade de julgar, tal é a grande e única utilidade dos exemplos.”1

1 KANT, Immanuel. Introdução à Analítica dos Princípios. In: ___. Crítica da Razão Pura. 2 ed. Lisboa: Gulbenkian, 1989. pp. 177-178. Tradução de Manuel Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Os grifos constantes do extrato são nossos.

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SUMÁRIO

Dedicatória Citação Instrumental Sinopse Agradecimentos Prefácio Introdução Parte I – Desenvolvimento Histórico do Direito Inglês

Capítulo I – Períodos Anglo-Saxônico e da Formação da Common Law Capítulo II – Períodos de Formação da Equity e do Moderno Direito Inglês

Parte II – Organização Judiciária Inglesa Capítulo I – Jurisdição Superior Capítulo II – Jurisdição Inferior

Conclusão Apêndice I (Diagramas do Capítulo I – Parte II) Apêndice II (Resumo do Capítulo II – Parte II) Bibliografia Índice Analítico

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SINOPSE

A presente monografia é de natureza acadêmica, em seara de estudos de pós-graduação, calcada em pesquisa bibliográfica, centralizada na temática Direito Inglês. Aborda, sob dois enfoques complementares necessários, o desenvolvimento histórico e a organização judiciária. O conteúdo abrange 20 (vinte) séculos de história jurídica da Inglaterra, vindo do domínio territorial pelo Império Romano até à estrutura da organização judiciária existente na década de oitenta deste século. Não enfoca a história do direito material e nem do direito processual inglês, mas faz um apanhado da história geral do ordenamento jurídico, em suas estruturas e funções transformativas.

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ÍNDICE ANALÍTICO

DEDICATÓRIA ....................................... ................................................................................................. 3

AGRADECIMENTOS .................................... ........................................................................................... 4

CITAÇÃO INTRODUTÓRIA .............................. ....................................................................................... 5

SUMÁRIO ................................................................................................................................................ 6

SINOPSE................................................................................................................................................. 7

APRESENTAÇÃO ...................................... ........................................................................................... 11

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 14

PARTE I - DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO DIREITO INGL ÊS ................................................... 18

CAPÍTULO I - PERÍODOS ANGLO-SAXÔNICO E DA FORMAÇÃO DA COMMOM LAW .................... 19 SEÇÃO I - PERÍODO DO DIREITO ANGLO-SAXÔNICO ............................................................. 19

§ 1º - FASE DO DOMÍNIO ROMANO ...................................................................................... 20 §2º - DOMÍNIO ANGLO-SAXÔNICO ....................................................................................... 21

SEÇÃO II – PERÍODO DE FORMAÇÃO DA COMMON LAW ....................................................... 24 §3º - FASE DE CRIAÇÃO DOS TRIBUNAIS DA COMMON LAW ............................................ 25

1 – AS QUATRO INSTITUIÇÕES ORGÂNICAS ................................................................. 25 2 – A JURISDIÇÃO REAL .................................................................................................. 29

§4º - FASE DO TECNICISMO PROCESSUAL DA COMMON LAW ......................................... 33 CAPÍTULO II – PERÍODOS DE FORMAÇÃO DA EQUITY E DO MODERNO DIREITO INGLÊS ......... 36

SEÇÃO I – PERÍODO DE FORMAÇÃO DA EQUITY .................................................................... 37 §5º - FASE REVOLUCIONÁRIA DA EQUITY .......................................................................... 38

1 – ORIGEM DA EQUITY ................................................................................................... 38 2 – DESENVOLVIMENTO DA EQUITY .............................................................................. 40

§6º - FASE CONSERVADORA DA EQUITY ............................................................................ 44 1 – CONFLITO COM A COMMON LAW ............................................................................. 45 2 – DECADÊNCIA DA EQUITY .......................................................................................... 47 3 – RENOVAÇÃO DA EQUITY ........................................................................................... 49

SEÇÃO II – PERÍODO DO MODERNO DIREITO INGLÊS ........................................................... 50 § 7º - FASES DAS GRANDES REFORMAS DO SÉCULO XIX ................................................ 51 §8° - FASE DOS DESAFIOS DO SÉCULO XX .............. .......................................................... 54

1 – A CRISE DA COMMON LAW ....................................................................................... 55 2 – OS DESAFIOS ATUAIS ................................................................................................ 56 3 – A SOLUÇÃO CODIFICADORA ..................................................................................... 58

SEGUNDA PARTE – ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA INGLESA .... ......................................................... 59

CAPÍTULO I – JURISDIÇÃO SUPERIOR INGLESA ........................................................................... 64 SEÇÃO I – SUPREME COURT OF JUDICATURE ....................................................................... 64

§9º - HIGH COURT OF JUSTICE ............................................................................................ 65 §10 – CROWN COURT E COURT OF APPEAL ...................................................................... 67

1 – CROWN COURT .......................................................................................................... 67

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2 - COURT OF APPEAL ..................................................................................................... 69 SECCÃO II - HOUSE OF LORDS E JUDICIAL COMMITTEE OF THE PRIVY COUNCIL ............. 70

§11 - HOUSE OF LORDS ....................................................................................................... 70 1 – ORIGEM ....................................................................................................................... 71 2 – COMPOSIÇÃO ............................................................................................................. 72

§ 12 - JUDICIAL COMMITTEE OF THE PRIVY COUNCIL ....................................................... 73 CAPÍTULO II - JURISDIÇÃO INFERIOR INGLESA ............................................................................ 75

SECÇÃO I - JURISDIÇÃO COMUM ............................................................................................. 76 § 13 - COUNTY COURTS ....................................................................................................... 76

1 – ORIGEM E DESENVOLVIMENTO ................................................................................ 76 2 – SMALL CLAIM COURTS .............................................................................................. 79

§ 14 – MAGISTER’S COURT .................................................................................................. 80 1 – MAGISTRADOS ........................................................................................................... 81 2 – DELITOS CRIMINAIS ................................................................................................... 82

SEÇÃO II – JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA .............................................................................. 84 § 15 - CONTENCIOSO “QUASE-JUDICIÁRIO” (VISÃO DE RENÉ DAVID) .............................. 86

1 – COMPETÊNCIA PRELIMINAR ..................................................................................... 86 2 – COMPETÊNCIA MATERIAL ......................................................................................... 87

§ 16 – ALTERNATIVAS PROCESSUAIS (VISÃO DE RUTHERFORD, TODD E WOODLEY) .. 90 1 – ARBITRAGEM .............................................................................................................. 91 2 – CONCILIAÇÃO ............................................................................................................. 92 3 – TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS ................................................................................. 93 4 – PROCESSO ADMINISTRATIVO ................................................................................... 97

CONCLUSÃO ......................................... ............................................................................................. 101

BIBLIOGRAFIA ...................................... ............................................................................................. 118

APÊNDICE I A - DIAGRAMAS DA ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA INGLESA ...................................... 122

DIAGRAMA 1 - Estrutura Estatal Inglesa .................................................................................... 123 DIAGRAMA 2 - Câmara dos Lordes .......................................................................................... 124 DIAGRAMA 3 - Comitê de Apelação da Câmara dos Lordes ...................................................... 125 DIAGRAMA 4 - Comitê Judicial do Conselho Privado ................................................................. 126 DIAGRAMA 5 - Suprema Corte de Judicatura ............................................................................ 127 DIAGRAMA 6 - Corte de Apelação ............................................................................................. 128 DIAGRAMA 7 - Alta Corte de Justiça .......................................................................................... 129 DIAGRAMA 8 - Divisão do Banco da Rainha .............................................................................. 130 DIAGRAMA 9 - Divisão da Chancelaria ...................................................................................... 131 DIAGRAMA 10 - Divisão de Família ........................................................................................... 132 DIAGRAMA 11 - Corte da Coroa ................................................................................................ 133

APÊNDICE I B - DIAGRAMAS DA ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA INGLESA ...................................... 134

DIAGRAMA 12 - Cortes de Condado .......................................................................................... 135 DIAGRAMA 13 - Corte de Magistrados ....................................................................................... 136 DIAGRAMA 14 - Organismos Governamentais ........................................................................... 137 DIAGRAMA 15 - Tribunais Administrativos ................................................................................. 138 DIAGRAMA 16 - Comissões Parlamentares ............................................................................... 139 DIAGRAMA 17 - Organismos Não-Governamentais ................................................................... 140 DIAGRAMA 18 - ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA INGLESA GLOBAL. .......................................... 141

APÊNDICE II (ARTIGO JURÍDICO) ..................... ................................................................................ 142

INTRODUÇÃO. ................................................................................................................................... 142 I – DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA ENGLISH LAW ............................................................................ 143

§ 1º) Domínio Romano (1–16); ................................................................................................... 143 § 2º) DOMÍNIO ANGLO-SAXÔNICO (17-29); ........................................................................................... 145

§ 3º) Criação dos Tribunais da Common Law (30-48); ................................................................ 147 § 4º) Tecnicismo Processual (49-51); ......................................................................................... 150 § 5º) Fase Revolucionária da Equity (52-55); .............................................................................. 151 § 6º) Fase Conservadora da Equity (56-65); ............................................................................... 152

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§ 7º) Grandes Reformas do Século XIX (66-66); ......................................................................... 153 § 8º) Desafios do Século XX (67-69). ......................................................................................... 154

II – ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA DA ENGLISH LAW ................................................................................... 155 § 9) Alta Corte de Justiça (75-75); .............................................................................................. 156 § 10) Corte da Coroa e Corte de Apelação (76-78); .................................................................... 156 § 11) Câmara dos Lordes: Comitê de Apelação (79-81); ............................................................. 157 § 12) Câmara dos Lordes: Comitê Judicial do Conselho Privado (82-85); ................................... 157 § 13) Cortes de Condado (86-90); .............................................................................................. 158 § 14) Cortes de Magistrados (91-97); ......................................................................................... 159 § 15) Contencioso Quase-Judiciário (René David) (98-100); ....................................................... 160 § 16) Alternativas Processuais (Rutherford, Tood e Woodley) (101-106). ................................... 161

CONCLUSÃO ..................................................................................................................................... 162

ÍNDICE ANALÍTICO .................................. .............................................................................................. 8

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APRESENTAÇÃO

Em geral é incomum haver apresentação em trabalhos de pesquisa acadêmica, notadamente nos efetuados como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito. Eu mesmo não tenho conhecimento de nenhum, mesmo tendo acesso a todos, das centenas arquivadas na nossa Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito da UFRGS. O significado etimológico do vocábulo “prefácio” me possibilita fazer uma APRESENTAÇÃO DO TRABALHO àqueles que entendem serem componentes do grupo de leitores certos e de leitores potenciais deste tipo de texto: nossos próprios colegas de Mestrado e os estudantes da graduação em Direito. Entendo que o costume tornou o uso de prefácios apenas uma forma de enriquecimento do texto pelo argumento de autoridade do prefaciador. Não é isto o que busco aqui. Se não me valer deste prefácio, não posso me dirigir aos meus leitores, diretamente. Este fato levou, e continua levando muitos autores a se dirigir ao público através da introdução ou da conclusão, ou mesmo nas notas de rodapé, ou, até, o que é pior, dentro do próprio texto. Este uso, sim, está equivocado; o do prefácio, não. Tenho apenas um leitor obrigatório, além de mim mesmo, o Professor Orientador que avaliará criticamente o trabalho e, comparando-o com os produzidos anteriormente, sobre o mesmo tema, auferirá um conceito, na qualidade de Regente da disciplina Direito Comparado. A segunda categoria de leitores é a dos eventuais. Há os eventuais necessários, que são aqueles que farão um trabalho tendo por tema o aqui abordado; há os eventuais aleatórios ou facultativos, que são os curiosos, os amigos do autor, aqueles que se deparam com o texto na procura de algo

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complementar a outros temas e as autoridades que forem presenteadas com uma cópia. Ao meu leitor necessário, quero dizer o seguinte. Este texto foi feito com todo o carinho possível e representa o trabalho mais aprimorado que já elaborei em toda a minha vida acadêmica. Ele foi (originalmente) datilografado manualmente por mim mesmo, numa atividade que durou trinta dias. Tratou-se de um desafio que impus a mim mesmo, ao longo de 1993, principalmente no que diz respeito à confecção das notas de roda-pé, dos diagramas e do resumo. A razão desta dedicação está em que este é um trabalho que servirá de base para um dos parágrafos da minha dissertação de Mestrado. A segunda razão está na efetiva conquista de uma tecnologia prática que me possibilite redigir com esmero e precisão os trabalhos seguintes e , assim, de forma bem aprimorada, o trabalho que me dará o título de Mestre em Direito, com perfeito domínio temático e capacidade expositiva verbal. Entendo que o avanço tecnológico em pesquisa jurisprudencial e na confecção de trabalhos escritos depende de dois fatores indissociáveis, sendo um principal e o outro decorrente ou secundário. O fator principal é a firme determinação de produzir cientificamente, com dedicação continuada e honestidade intelectual, efetuando uma pesquisa tão exaustiva quanto possível, sempre duvidando criticamente da qualidade e procedência da informação colhida, não denegando as fontes de consulta aos seus leitores, por mais triviais que possam ser, bem como enfrentando, “palmo a palmo”, cada assunto conectado aos diversos enfoques tratados no tema. O segundo fator indissociável do avanço tecnológico e intelectual é a consciência da necessidade ou imperativo da continuidade da pesquisa já iniciada anteriormente. Deve-se tem a pretensão de superar os trabalhos anteriores. Se não fizermos isto, nunca conseguiremos enxergar mais longe do que alcança a nossa vista, da altura pequena em que naturalmente estamos colocados. A capacidade intelectual expressa esta experiência. Começar sempre do zero é contraproducente e corre-se o risco de nem dizer o que há muito já foi dito. Esta pretensão de superação dos trabalhos anteriores não significa - como pensam alguns que pretenderam dizer algo de definitivo e imutável em pesquisa jurídica - uma pretensão de superação moral da pessoa do autor anterior. Todos os trabalhos envelhecem e, de alguma maneira, se desatualizam. É a pesquisa que atualiza o conhecimento humano. A

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produção intelectual é um imperativo científico de necessidade civilizacional. Há quatro categorias que expressam um trabalho escrito e é sobre elas que deve recair o nosso estudo, na tentativa de superação tecnológica: o conteúdo (extensão), a precisão (profundidade), a forma (estrutura ou plano) e o estilo (maneira objetiva de abordar e expressar por escrito o tema do trabalho). O presente trabalho, ausente a falsa modéstia, pretende e efetivamente supera todos os trabalhos feitos até hoje no nosso Mestrado, sobre o mesma tema. E o faz em todas as categorias acima elencadas, ainda que não tenha a elegância visual que uma impressora computadorizada laiser possa fornecer. A situação econômica do autor e os seus propósitos pessoais franciscanos não o possibilitaram valer-se de tais instrumentos presentemente. Agora me dirijo aos leitores potencialmente necessários. Pelas razões retro postas que espero, sincera e ansiosamente, que ao longo de 1994 seja confeccionado um trabalho sobre o mesmo tema e que supere o ora apresentado, em sua totalidade categorial, pois esta é a única garantia do progresso científico e a maior gratidão que os meus colegas do mestrado podem me conceder, neste tocante. Se a tentativa se tornar um hábito, como conseqüência da dedicação em pesquisa, entre as turmas que virão, todos os méritos serão contabilizados no prestígio daqueles que irão entrar no mestrado e no prestígio daqueles que estão por colar o quarto grau em Direito. Coletivamente, o prestígio será da instituição que nos abriga. A ciência jurídica brasileira será a única herdeira deste avanço, que sem dúvida será sem precedentes, em benefício de toda a sociedade, letrada e iletrada. Após estas breves palavras prefaciais, um tanto provocadoras e desafiadoras, bem-vindos ao mundo da história geral do ordenamento jurídico inglês, no seu aspecto evolutivo e de organização judiciária.

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INTRODUÇÃO

A HISTÓRIA DO DIREITO INGLÊS tem uma narrativa que abrange VINTE SÉCULOS e não se confunde com a HISTÓRIA DA COMMON LAW como sistema jurídico vigente na Inglaterra a partir do feudalismo, no início da Baixa Idade Média. A história do direito inglês é a história do ordenamento, ou dos ordenamentos jurídicos que vigoraram no território onde atualmente se assenta a Inglaterra. Isto equivale a dizer que grande parte da História Geral inglesa é a história do Estado Inglês e de seu ordenamento jurídico. O presente trabalho não tem por tema a história do Direito Inglês enquanto globalidade, mas apenas parte de sua história, a HISTÓRIA DA ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. Para uma história do direito inglês seria necessário descrever, com completude, cada uma das instituições jurídicas existentes em cada momento, fase e período histórico, bem como narrar as modificações ocorridas no tempo, numa cadeia de sucessões que venha do princípio ao fim, é dizer, à atualidade. O tema abordado aqui é, portanto, o direito inglês no seu aspecto dinâmico, de sucessão histórica em grandes linhas. Subjaz a ele, como subtítulo implícito: um esboço da evolução histórica do direito inglês - em rápidas e genéricas pinceladas. Destarte, não se trata de nenhuma história particular do direito inglês, com títulos tais como “história do direito privado inglês”, “história da common law”, “história do processo inglês”, “história do casa dos lordes”, “história do parlamento inglês”, “história do statute law”, ou, ainda, “história

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dos institutos e conceitos do direito inglês”, “história da equity law”, “história dos writs ingleses”. Por outro lado, o texto desenvolvido abrange todos os institutos estatais de administração do direito2, cuja importância histórica se demonstrou de uma forma evidente. Aborda, ademais, uma perspectiva marcadamente política do direito, isto é, de como os soberanos administravam a justiça desde os primórdios, buscando surpreender as causas pelas quais determinados institutos organizacionais desenvolveram-se e outros não, ou porque outros tiveram de ser mantidos às custas de uma renovação funcional. A história do direito inglês, no seu aspecto evolutivo, demonstra que houve quatro domínios longos e marcantes e que influíram diretamente na configuração deste direito: 1) o domínio pelo Império Romano, na antiguidade, até o século V; 2) o domínio pelos Anglo-Saxões, que inicia no final da Antiguidade e segue até o final da Alta Idade Média (séculos V a XI); 3) o domínio pelos Francos ou Normandos (antigos franceses), daí ao século XVI; e, finalmente, 4) o domínio absolutista, iniciado no século XVI e terminado na Era Vitoriana, século XVIII. O primeiro domínio legou ao direito inglês a organização militar que serviu de instrumento para as decisões jurídicas (as centúrias); o segundo legou as primeiras leis escritas, sob a influência do direito canônico; o terceiro, ainda sob influência do direito canônico, legou o processo, que deu origem à Common Law, bem como à Equity, os primeiros tribunais reais e o Parlamento; por fim, o quarto domínio legou a institucionalização da Equity para além das bases e concepções romanistas iniciais, possibilitando, mais tarde, o surgimento da Equity Law. Dentre os quatro domínios históricos, dois foram estrangeiros (Romano e Franco), que recepcionaram o direito material costumeiro e local (Landlaw), dificultando a entrada do direito romano na Inglaterra, dando azo ao surgimento de um sistema jurídico que constituiu família no Mundo. No final do século XVIII e início do século XIX, as idéias revolucionárias francesas penetraram na Inglaterra, principalmente através de BENTHAM, o que compeliu à modificação do processo judicial e, mais

2 A parte histórica e da organização judiciária estão atualizadas até 1987, ano de publicação da obra mais recente utilizada na pesquisa

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tarde, impulsionou a reformulação global da organização judiciária, fazendo subsumir a equity na common law, com a supremacia desta última. O ideário codificador de BENTHAM é retomado no século XX, principalmente por SCARMAN, como “remédio” para tirar da crise em que hoje se encontra a common law, impotente diante dos desafios do início do novo milênio. A importância do estudo da evolução histórica do direito inglês e de sua organização judiciária está em que, numa perspectiva comparativista, permite compreender como um direito eminentemente jurisprudencial pôde sobreviver ao longo dos séculos, e, ainda, como este mesmo direito reage diante da necessidade de criação do direito legislado, que são, por sua vez, perspectivas reflexas das que apresenta o direito continental ou romanístico, qual seja esta, o modo de desenvolver um direito jurisprudencial quando o direito legislado é a principal fonte jurígena. A aproximação dos sistemas common law e civil law é uma realidade no mundo de hoje. Ambos os sistemas estão em crise. É possível que uma síntese equilibrada seja a alternativa de superação do atual estado de descrença em que se situa o Direito contemporâneo ocidental. O presente trabalho apresenta-se como uma pequena contribuição para um trabalho maior, de comparação entre direitos, como com o brasileiro, o norte-americano e o francês. A atualidade do tema está posta no fato de que a crise da civil law tem buscado subsídios jurídicos na common law, tanto o é que os JUIZADOS ESPECIAIS DE PEQUENAS CAUSAS foram inspirados, grandemente, no instituto da SMALL CLAIM COURT, inglesa e norte-americana, afora os remédios constitucionais. A estrutura do trabalho é simples. O plano é binário em simetria, com duas partes, abordando dois enfoques co-relacionados: evolução histórica e organização judiciária, respectivamente. Foi estabelecida uma hierarquia no desenvolvimento, de modo que a seqüência de divisões indica o aprofundamento temático, indo de parte a parágrafo e número, passando por capítulos e seções. A escolha desta forma estrutural se deve à necessidade de clareza e precisão, mesmo correndo o risco de evidenciar abordagens com excessiva concisão. Isto tem a virtude de possibilitar uma análise mais

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rigorosa por parte do leitor, que encontrará meios iniciais para dar continuidade à pesquisa no ponto que mais o interessar. As notas foram postas em roda-pé, declinando-se a fonte de todas as informações contidas no texto, requisito necessário para garantir a confiabilidade na informação e a continuidade da pesquisa. Foi pensando no leitor mais afoito e pouco dado a análises mais detidas, pouco familiarizado com as centenas de notas de roda-pé a interromper constantemente a leitura, que foi introduzido um apêndice (o de nº 2), em que se resume a totalidade da parte histórica e organizacional. Da mesma forma, para os de pouca capacidade de abstração, foram desenhados vários organogramas referentes a cada uma das cortes, comitês, tribunais e demais organismos administrativos, sob a forma de diagramas e postos em outro apêndice (o de nº 1), imediatamente após à conclusão. Foram criadas algumas denominações para caracterizar a evolução histórica, principalmente no tocante a fases e sub-fases históricas, bem como títulos, tais como “fase revolucionária da EQUITY”, fase conservadora da EQUITY”, “fase do tecnicismo processual da common law”, dentre outros; ao que se aponta como justificativa a necessidade de designação analítica por denominações específicas. A conclusão, aparentemente longa demais em relação ao trabalho, explica-se pela característica narrativa da parte histórica, o que enseja inferências de várias ordens, demonstrando-se rica para uma dissertação. A bibliografia disponível sobre o tema é restrita, estando grande parte das obras desatualizada, e outra tratando apenas do direito material e processual inglês, descurando da organização judiciária e evolução histórica, tema do presente trabalho. Toda a história só a é porque é incompleta. Sempre haverá possibilidade de desenvolver mais algum ponto que tenha restado obscuro ou tenha sido pouco aprofundado. De modo que este trabalho não tem a pretensão de dizer tudo, mas sim de dizer o substancial, que prepare o caminho para continuidade da pesquisa.

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PARTE I

DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO DIREITO INGLÊS

A História do Direito Inglês envolve vinte séculos, indo do século I da era cristã, com a conquista do território europeu situado ao norte do Canal da Mancha, pelo Império Romano do Ocidente, até os dias de hoje3. Os historiadores do Direito Inglês costumam dividir a História em quatro grandes períodos. O primeiro, denominado PERÍODO DO DIREITO ANGLO-SAXÔNICO, que inicia com a Conquista Romana e termina com a Conquista Franca ou Normanda, no século XI; o segundo, denominado PERÍODO DE FORMAÇÃO DA COMMOM LAW, que vai da Conquista Franca até o fim da Guerra das Duas Rosas, no século XV (1485); o terceiro, denominado PERÍODO DE CONFLITO ENTRE A COMMOM LAW E A EQUITY, que se estende daí até o século XIX (1832) com o Reform Act; e o quarto e último, denominado PERÍODO DO MODERNO DIREITO INGLÊS, que vai desta data até o presente momento, projetando-se para o futuro4.

3 GLASSON, Hisoire du Droit et dês Institutions de L’Anglaterre (1882), v. 1, § 2º; DAVID, Les Grands Systèmes de Droit Contemporainss (1982), nº 266. 4 DAVID, op. cit., nº 265; GLASSON, op. cit., faz a divisão em seis grandes períodos: anglo-saxônico, conquista normanda, fusão dos francos e saxões, de Eduardo III a Henrique VIII, reforma religiosa e Direito Atual, cada um correspondendo a um volume.

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CAPÍTULO I PERÍODOS ANGLO-SAXÔNICO E DA

FORMAÇÃO DA COMMOM LAW

Os dois primeiros períodos da História do Direito Inglês vão do século I ao século XV da era cristã, e podem ser abordados distintamente, levando em conta momentos marcantes, destacáveis lato sensu no tempo5. Desta forma, no PERÍODO DO DIREITO ANGLO-SAXÔNICO, teremos a FASE DO DOMÍNIO ROMANO e a FASE DO DOMÍNIO ANGLO-SAXÔNICO e no PERÍODO DE FORMAÇÃO DA COMMOM LAW, teremos a FASE DE CRIAÇÃO DOS TRIBUNAIS DA COMMOM LAW e a FASE DA CRISE DA COMMOM LAW6. Ambos os períodos históricos representam um BLOCO HISTÓRICO com contornos bem delineados, que vai desde os primórdios do Direito aplicado no território inglês, também denominado Direito Bárbaro, passando pelo surgimento e crise do tecnicismo processual da COMMOM LAW, já no início dos tempos modernos, com as MONARQUIAS ABSOLUTISTAS fortalecendo uma nova forma jurisdicional, a EQUITY7.

SEÇÃO I PERÍODO DO DIREITO ANGLO-SAXÔNICO

5 GLASSON, op. cit. Aborda a temática nos quarto primeiros volumes; DAVID, op. cit., nº 266/279. 6 Divisão proposta pelo autor, com base em DAVID e GLASSON, ops. cit. 7 GLASSON, v. 1, § 1º, fala em “direito bárbaro”; cf. infra Cap. II, desta mesma parte.

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Ainda que alguns escritores entendam que o chamado Direito Anglo-saxônico não tenha importância histórica para o surgimento e desenvolvimento da COMMOM LAW8, outros entendem que está neste período o germe do conteúdo material que vai ser trabalhado e aplicado pela mesma, uma vez que os COSTUMES LOCAIS foram preservados pelos FRANCOS quando da conquista da Inglaterra9. A importância histórica do período indica os elementos trazidos do DIREITO ROMANO através da FASE de seu domínio, com a contribuição da IGREJA CATÓLICA, bem como a fusão com o Direito local e aprimoramento da organização judiciária da fase de domínio anglo-saxônico10.

§ 1º FASE DO DOMÍNIO ROMANO

A Fase do domínio do Império Romano inicia no século I e termina com a Invasão dos Saxões, Anglos e Dinamarqueses11, no século V, perdurando por quatro séculos. O Imperador Romano CLAUDIUS, após vencer os Gauleses, invade a Inglaterra, dominada pelos BRETONS12. Estes viviam de forma desorganizada e em diversas tribos espalhadas pelo território, muitas rivais entre si, o que facilitou a dominação. Já nos anos de 78 a 86 d.C., os BRETONS se conciliaram com a dominação romana e não opuseram resistência capaz de expulsar os mesmo de seus territórios13. Segundo a História do Direito Romano14, a conquista se deu no PERÍODO DO PRINCIPADO, que vai de 27 a.C., quando o Senado investe OTAVIANO, futuro Augusto, no poder supremo, com o título de 8 DAVID, Les Grands Systèmes de Droit Contemporains (1982), nº 266; contra, GLASSON, Droit et Institutions de L’Anglaterre, que desenvolve o tema em 372 páginas (v. 1) 9 GLASSON, op. cit., v. 2, § 39; DAVID, op. cit., nº 267, sobre manutenção dos costumes locais. 10 GLASSON, op. cit., v. 1, sobre a fusão; DAVID, op. cit., nº 266, sobre a ligação com a Igreja Católica; e nº 267, sobre a manutenção dos costumes. 11 DAVID, op. cit., nº 266, fala em quatro séculos de dominação mas não fixa a data inicial; JÁUREGUI, Sistema Legal Inglês (1990), p. 7, afirma sem citar fonte bibliográfica, que Júlio Cezar, em 55 a.C., fez a primeira invasão em território inglês. 12 GLASSON, Histoire, op. cit., v. 1, p. 6. 13 GLASSON, Histoire, op. cit., v. 1, p. 7. 14 ALVES, Direito Romano (1983), v. 1, p. 2.

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PRINCEPS, até 285 d.C., com a subida do DIOCLECIANO ao poder, iniciando o PERÍODO DO DOMINATO. A FASE DO DIREITO CLÁSSICO ROMANO, vai de 126 a.C. a 305 d.C. A dominação romana se estende até o início do século V, isto é, na primeira década do ano 400 d.C. Roma já se encontra com o seu Direito na fase PÓS-CLÁSSICA ou ROMANO-HELÊNICA, que vai de 305 d.C. (ascensão de Diocleciano) até o ano de 565, com a morte de JUSTINIANO15. Portanto, o domínio romano na Inglaterra não conheceu fase mais desenvolvida do Direito Romano, que é a do DIREITO JUSTINIANEU, que vai de 527 a 565, época em que é iniciada a CODIFICAÇÃO ROMANA (527 d.C. – CORPUS IURIS ou CÓDIGO JUSTINIANEU16). Dado o fato de que não era costume de Roma enviar jurisconsultos às províncias conquistadas - mas poucos administradores, assessorados por soldados e escravos - somado ao pragmatismo romano em matéria jurídica, que só vai avançar no século VI, é de se entender que, ao par da diferença entre as línguas dos conquistadores e conquistados, não havia interesse em aplicar de forma sistemática o Direito Romano aos povos da Inglaterra, limitando-se a assegurar o domínio político-militar. É por esta razão que se pode dizer que o domínio romano não deixou vestígios do seu direito na Inglaterra, quase ou nada influindo no desenvolvimento dos direitos locais17.

§2º DOMÍNIO ANGLO-SAXÔNICO

A FASE DO DOMÍNIO ANGLO-SAXÔNICO inicia no século V, com a invasão dos saxões, anglos e dinamarqueses sobre o domínio romano18. Estas diversas tribos de origem germânica partilham entre si a Inglaterra,

15 ALVES, Direito, op. cit., v. 1, p. 2; JURS, Derecho Privado Romano (1965), § 15 e ss. 16 ALVES, op. cit., p. 55. 17 DAVID, Les Grands, op. cit., nº 266; JÁUREGUI, Sistema, op. cit., p. 07, afirma que os romanos eram mais conquistadores do que colonizadores; KOSCHAKER, Europa y el Derecho Romano (1953), p. 308, demonstra que o Direito Romano só vai influir na Inglaterra no século XII, com Vacarius. 18 GLASSON, Histoire, op. cit., v.1, p. 10; JÁUREGUI, Sistema, op. cit., p. 08, informa que a cultura romana foi introduzida na Inglaterra a partir de 597 d.c., com Santo Agostinho, juntamente com o Latim e o Direito Canônico.

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que vai assim permanecer até a terceira grande invasão, a dos antigos Francos ou Normandos, no século XI (1066)19. Os registros históricos desta fase se resumem a crônicas e leis escritas20, o que torna o conhecimento da mesma pouco acessível. Sabe-se que em 596 (século VI), a MISSÃO DE CANTOBÉRY conseguiu converter grande parte das tribos da Inglesa ao CRISTIANISMO, o que não havia sido conseguido com a FASE ROMANA. A importância deste evento está no fato de que o DIREITO CANÔNICO passou a ser aplicado à comunidade de fiéis ingleses e, com esta aplicação, ocorreu um ressurgimento indireto do Direito Romano na Inglaterra. Dentre as tribos invasoras, a que juridicamente mais rápido se desenvolveu foi a dos SAXÕES, que se estabeleceram ao SUL da Inglaterra, vencendo os BRETÕES localizados na área de concentração dos romanos. Os ANGLOS também se localizaram ao sul, próximo ao Atlântico. De modo que todo o sul inglês era compartilhado entre ANGLO e SAXÕES21. Ao NORTE ficavam os FICTES e SCOTS, primeiros habitantes da atual Inglaterra22. Estes povos se reuniram sob uma organização suprema chamada ASSEMBLÉIA DOS HOMENS LIVRES23, encarregada de firmar tratados de paz e de decidir sobre a guerra. A própria família dos SAXÕES formava uma comunidade unida por um liame legal24. Estes faziam guerras de conquista e terminaram por dominar os demais povos, impondo o seu Direito25. Em 455 d.C., CANTOBÉRY era a capital da região do KENT, sob o domínio SAXÃO, sede do reinado26. Daí porque, tendo os saxões se convertido ao cristianismo, através da Missão Religiosa de Santo Agostinho de Cantobéry, pode-se dizer que a Inglaterra se converteu a esta religião.

19 RICHARDSON, Law and Legislation from Aethelbert to Magna Carta (1980), paud DAVID, Les Grands, nº 287, nota 2. 20 GLASSON, Historie, op. cit., v.1, p. 10; STHEPMENSON, Sources of English Constitutional History (1937), p. 2. 21 GLASSON, Historie, op. cit., v.1, p. 12. 22 GLASSON, Historie, op. cit., v.1, p. 1 e 11. 23 GLASSON, Historie, op. cit., v.1, p. 12, 13. 24 GLASSON, Historie, op. cit., v.1, p. 13. 25 GLASSON, Historie, op. cit., v.1, p. 16, 17. 26 GLASSON, Historie, op. cit., v.1, p. 15; DAVID, Les Grands, op. cit., nº 226; JAÁUREGUI, Sistema, op. cit., p. 8.

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É nesta região que surge a primeira LEI ESCRITA de que se tem notícia na História Inglesa, datada de 601-04, sob o nome de DOOMS OF ALTHELBERTH, Rei do Kent27, sob a influência da Igreja. Esta lei é um marco, pois foi redigida em língua anglo-saxônica. Após, vem os DOOMS OF HLOTHAERE AND EADRIC, de 685-6, DOOMS OF WIHTRAED, em 695/6, DOOMS OF INE, em 688-95, DOOMS OF ALFRED, em 817-901, dentre outras28, sendo todos eles Reis saxões. Todas são escritas na mesma língua, distinguindo as prescrições por números sucessivos e através de frases curtas. A complexidade dos ditames aumenta progressivamente. A primeira lei de que se tem notícia no século XI é a do Rei ARTHELRED (DOOMS OF AETHELRED), de 980-1016, ou do Rei CANUTO (DOOMS OF CANUTO), de 1020-1034, que são mais elaboradas e complexas do que as anteriores29, também escritas em anglo-saxão. Observa-se uma passagem gradual, desde as primeiras, até à véspera da terceira grande invasão, de um método legislativo calcado no personalismo real para um método de extensão territorial das leis. No início do século XI, ainda que a Inglaterra se encontrasse com um poder político centralizado, as leis não unificaram o Direito Inglês, que permaneceu um direito costumeiro e local, aplicado através de uma organização judiciária ainda rudimentar, a ASSEMBLÉIA DOS HOMENS LIVRES, os HANDRED COURTS da era feudal30. Nesta época existem três tipos de jurisdição: a JURISIDÇÃO DO REI, que decide através de WRITS (Writing, escrito), a JURISDIÇÃO DOS COUNTY COURTS, que aplicam os costumes locais, com possibilidade de recorrer à justiça do Rei, e a JURISIDIÇÃO ECLESIÁSTICA, que aplica o direito canônico31. É esta organização judiciária o embrião da que se vai desenvolver no futuro, aproveitando o próprio procedimento e o sistema de provas aqui 27 STEPHENSON, Sources, op. cit., p. 2; “DOOM” significa sentença, juízo, no sentido espiritual do termo. 28 STEPHENSON, Sources, op. cit., pp. 4-12; DAVID, Les Grands, op. cit., nº 266. 29 STEPHENSON, Sources, op. cit., pp. 20/24; DAVID, Les Grands, op. cit., nº 266. 30 DAVID, Les Grands, op. cit., nº 266 e 269; ANCEL, “Utilidades e métodos do direito comparado” (1980), p. 61: “Após a conquista normanda (1066) as leis anglo-saxônicas existentes ficaram teoricamente em vigor conforme Guilherme, o Conquistador, proclamara. Elas continuaram, portanto, a ser aplicadas pelas jurisdições locais”. Mas desde que a paz do rei fosse ameaçada, podia-se recorrer à CURIA REGIS, isto é, na prática, aos juízes e aos grandes vassalos designados para fazer justiça nas províncias. 31 STEPHENSON, Sources, p. 25; DAVID, Les Grands, nº 269; GLASSON, Historie, V.1, p. 173 ss; GILISSEN, Introdução Histórica ao Direito (1979), p. 210, nota 72, sobre o significado etimológico do vocábulo “Writ”.

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existente, para melhorá-lo32, inclusive com o gérmen de formação do JÚRI33. Entretanto, nesta época, a distribuição da justiça não é centralizada e não há controle por parte do Rei sobre o direito aplicado.

SEÇÃO II PERÍODO DE FORMAÇÃO DA COMMON LAW

Como foi adiantado acima, este período histórico vai do século XI ao XV, da Invasão Franca ao fim da Guerra das Duas Rosas (1066-1485) A Guerra dos 100 Anos, entre França e Inglaterra se dá neste período (1337-1453). Apenas para ilustrar, a História do Direito Privado Alemão apresenta quatro períodos históricos, cuja localização temporal pode dar uma aproximação maior deste período do Direito Inglês no cenário europeu: I – séculos XIII a XIV: aparecimento de uma ciência jurídica européia; II – séculos XII a XIV: a sua expansão (recepção) por toda a Europa; III – Século XVII a XVIII: aparecimento e predomínio espiritual do moderno direito natural; IV – a Escola Histórica e os positivismos legal e conceitual, no século XIX; aos quais se agrega o colapso do positivismo e a crise do Direito, no século XX34. O surgimento da COMMON LAW é contemporâneo ao surgimento de uma ciência jurídica européia e com a sua recepção do Direito Romano (séculos XII a XVI). O surgimento da COMMON LAW se dá com a criação dos Tribunais do Rei, no século XI, pela decisão dos juízes que neles atuam35. A organização judiciária inglesa vai tomando, paulatinamente, uma configuração própria e especial, ao mesmo tempo em que os juízes vão desenvolvendo uma tecnologia processual cada vez mais característica

32 GLASSON, Histoire, op. cit., p. 23; sobre provas, p. 241 ss. 33 GLASSON, Histoire, op. cit., p. 255 (§26); sobre a organização judiciária dos Francos (Normandos), antes da invasão da Inglaterra, para comprar o avanço entre os dois povos, cf. §22, pp. 168-229. 34 WIEACKER, História do Direito Privado Moderno (1980), p. 11, para quem o início da RECEPÇLÃO do Direito Romano, na Europa Continental, com os primeiros desenvolvimentos científicos no campo jurídico, coincide com o surgimento dos primeiros Tribunais Ingleses e com o surgimento da COMMON LAW. 35 GILISSEN, Introdução, op. cit., p. 207.

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pelo seu casuísmo e rigorismo formal, dando pouca atenção para o conteúdo das decisões judiciais36. Podemos notar distintamente duas fases neste Período histórico: 1º) a FASE DE CRIAÇÃO DOS TRIBUNAIS REAIS, e 2º) FASE DO TECNICISMO PROCESSUAL, que já aponta para a crise do sistema da COMMON LAW. Ainda que se torne difícil precisar uma data exata para demarcar o início desta segunda fase, correndo-se o risco de arbitrariedade, mas para fins demonstrativos, podemos estabelecer o ano de 1285, com o surgimento do SEGUNDO ESTATUTO DE WESTMINSTER (STATUTE OF WESTMINSTER II), que coroa um acordo entre os Barões e o Rei, decidindo, em definitivo, que o Chanceler não poderá criar novos WRITS, fossilizando as fórmulas processuais e só permitindo a aplicação das existentes a casos similares (in consimilli casu)37. Não se podendo criar novos formulários padronizados ou procedimentos adequados à matéria em causa, os juristas centram a atenção na adequação da matéria à forma, fazendo dependente o direito da existência de forma para se fazer justiça. Este é o marco do FORMALISMO PROCESSUAL DA COMMON LAW38.

§3º FASE DE CRIAÇÃO DOS TRIBUNAIS DA

COMMON LAW

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AS QUATRO INSTITUIÇÕES ORGÂNICAS

O Direito Inglês apresenta QUATRO INSTITUIÇÕES ORGÂNICAS que tecem a base de todo o modelo da COMMO LAW, desde a sua origem

36 DAVID, Les Grands, nº 275. 37 GILISSEN, Introdução, op. cit., p. 210; STEPHENSON, Sources, op. cit., p. 173. 38 DAVID, Les Grands, op. cit., nº 279.

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até os dias atuais, sendo bem acentuada na fase de criação dos Tribunais do Rei39. São elas: 1) THE KING’S COUNCIL, 2) THE KING’S WRIT, 3) THE KING’S INQUEST e 4) THE DOCTRINE OF KING’S PEACE. O KING’S COUNCIL é o CONSELHO DO REI, também chamado CURIA REGIS ou CORTE DO REI40. Tem origem no WITAN, o CONSELHO DOS SÁBIOS dos reis anglo-saxônicos, que já apresentavam um governo centralizado em torno do Rei, tornando possível uma administração comum. O CONSELHO é uma continuação da forma de organização política do PERÍODO anterior41. Nele o Rei é auxiliado pelas principais figuras do Reino, os seus ministros e, em especial, pelo primeiro deles e conselheiro, CHANCELLOR. O KING’S COUNCIL, de sua forma una, com o evoluir dos tempos, e por uma necessidade administrativa, é dividido em dois grandes órgãos: 1) O GRANDE CONSELHO ou CONSELHO COMUM e 2) PEQUENO CONSELHO ou CONSELHO SELETO42. O CONSELHO COMUM DO REINO deu origem, no século XVII43, ao PARLAMENTO INGLÊS, enquanto o CONSELHO SELETO DO REINO dá origem aos três clássicos tribunais reais44. Em 1168, o REI HENRY II, cria o PRIMEIRO TRIBUNAL REAL, a COURT OF COMMON PLEAS, separando-o do CONSELHO SELETO, destinando-o ao processo e julgamento de conflitos entre particulares, principalmente os de ordem agrária, em termos de posse e propriedade45.

Sob o mesmo reinado é criado um SEGUNDO TRIBUNAL, a COURT KING’S BENCH, destinado a conhecer assuntos de interesse da COROA, tanto em matéria cível quanto em matéria criminal. Com o tempo se torna

39 RABASA, El Derecho Angloamericano (1944), p. 77. 40 DAVID, Les Grands, op. cit., nº 270. 41 RABASA, El Derecho, p. 77; TUNC, El Derecho de Los Estados Unidos de America (1957), pp. 152 ss., que refere que a CURIA REGIS só resolve os casos excepcionais, ficando o grosso das decisões para as jurisdições senhoriais, que aplicam os costumes locais. 42 RABASA, El Derecho, op. Cit., p. 90. 43 DAVID, Les Grands, op. cit., nº 272; RABASA, El Derecho, op. cit., p. 90 44 RABASA, El Derecho, op. cit., p. 90. 45 Idem, ibidem.

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um TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA, competente para, em certos casos, conhecer dos recursos interpostos contra as decisões proferidas pela COURT OF COMMON PLEAS, bem como das dos juízes itinerantes, que judicavam em trânsito pelo País, no acompanhamento da comitiva real46.

Por fim, do CONSELHO SELETO é destacado o TERCEIRO

TRIBUNAL REAL, a COURT OF EXCHEQUER, para tratar, em primeiro lugar, de questões administrativas relacionadas com o FISCO, para, num segundo lugar, tratar de outras matérias47.

A MAGNA CARTA (1215 – século XIII) estabelece que os JUÍZOS

ORDINÁRIOS (COMMON PLEAS) devem se fixar em WESTMINSTER (próximo a LONDRES), deixando de acompanhar o REI em suas viagens; na medida em que não foram criados outros tribunais, estes vão se fixando no mesmo local48. Desde Eduardo I (século XII) até o século XIX estes Tribunais permanecem no mesmo lugar.

O KING’S WRIT é uma ordem escrita do Rei mandando que um

funcionário seu cumpra o que nela está determinado. A sua origem está na organização política do Reinado Inglês, como meio de execução das ordens reais. Daí dizer-se que o rei governa por meio de WRITS. No início era apenas um meio administrativo do governo, mas com HENRY II se transforma49 em “autos” ou “mandamentos” dos juízes dos Tribunais da Coroa. A origem das ações e recursos judiciais do sistema de direito inglês está nos WRITS DOS MAGISTRADOS; mais precisamente, nos WRITS do Chanceler, primeiro ministro do Rei50.

O início judicial dos WRITS aponta para uma ordem dada pelo Rei,

através do CHANCELLOR, ao SHERIFF, que é um chefe político local e juiz de um tribunal local (COUNTY COURT), para que CITE o demandado, dando conhecimento do que lhe é pedido ou imputado, para que compareça perante o Tribunal do Rei a fim de contestar ou se defender51.

46 RABASA, El Derecho, op. cit., p. 91; DAVID, Les Grands, op. cit., nº 272. 47 RABASA, El Derecho, op. cit., p. 91; DAVID, Les Grands, op. cit., nº 269; no nº 270, o mesmo autor entende que o COMMON PLEAS é o Tribunal de Apelação, no que está contrário ao pensamento de RABASA. 48 STEPHENSON, Sources, pp. 115-126 (Magna Carta). 49 RABASA, El Derecho, op. cit., p. 91; DAVID, Les Grands, op. cit., nº 270. 50 RABASA, El Derecho, op. cit., p. 81 e 83. 51 RABASA, El Derecho, op. cit., p. 82; a ORDENÂNCIA era executiva; caso o devedor se recusasse a pagar, deveria comparecer perante o Rei e justificar a sua recusa, defendendo-se do que lhe fora imputado, em caso de conflito civil.

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Todas as ações judiciais eram, nos Tribunais do Rei, endereçadas ao CHANCELLOR, objetivando obter o WRIT correspondente à pretensão. O WRIT judicial foi criado em 1166 (no século XII), para regular ações possessórias entre os senhores feudais; em 1179 foi criado o segundo WRIT judicial, para regular ações de domínio entre os mesmos senhores feudais. Portanto, os WRITS judiciais têm origem dentro do DIREITO REAL INGLÊS, no sentido de direito das coisas52.

A terceira instituição orgânica do direito inglês é o KING’S INQUEST.

Trata-se da INQUISIÇÃO DO REI e é de origem romana, criada por estes para assuntos fiscais do Império53.

A INQUISIÇÃO ou INVESTIGAÇÃO era um procedimento

administrativo muito simples. Um funcionário do Rei saia de feudo em feudo fazendo perguntas aos ali residentes sobre diversas questões, como a extensão das terras, o que era plantado, a quantidade de animais existentes, quem era o proprietário das terras, animais e casas, tudo registrado por escrito. As perguntas eram feitas solenemente e as respostas eram dadas mediante juramento de dizer a verdade. Com base nestas notas, o Rei estipulava os impostos.

Este procedimento administrativo-fiscal foi transposto para questões

cíveis e criminais, transformando os perguntados na INQUIRIÇÃO em JURADOS, ou seja, que juraram dizer a verdade54.

O INQUEST substituiu o sistema probatório arcaico das ORDÁLIAS,

com seus “juízos de combate”, próprios do direito bárbaro, para adotar um método racional para dirimir controvérsias sobre o “melhor direito”, personificando através do JÚRI ou CORPO DE JURADOS. Em matéria penal, foi instituído o procedimento do INDICTMENT, em que uma pessoa faz a acusação pública perante o Tribunal do Rei, dando início ao processo contra presumidos responsáveis por delitos criminais. É a origem do GRANDE JÚRI que está no INQUEST e no INDICTMENT55.

O último instituto histórico que está na base da COMMOM LAW é a

DOCTRINE OF KING’S PEACE, a DOUTRINA DA PAZ DO REI. É a fonte primitiva da justiça penal e civil. Ela afirma que qualquer violação dos costumes locais ou das ordens do Rei, seja por particulares ou funcionários

52 RABASA, El Derecho, op. cit., p. 79 e 84; GILISSEN, Introdução, op. cit., p. 214. 53 RABASA, El Derecho, op. cit., p. 86. 54 Idem, ibidem. 55 RABASA, El Derecho, op. cit., pp. 78 e 87.

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da Coroa, violam a PAZ DO REINO, a PAZ DO REI. Com isso, os Tribunais Reais estão legitimados a avocar para si o julgamento de toda classe de atos que violem a PAZ DO REI56.

A doutrina da paz do rei ou da trégua tem origem anglo-saxônica

antiga e era justificadora dos julgamentos públicos. A mesma doutrina é a origem da moderna PAZ PÚBLICA ou PAZ SOCIAL. É a PAX ROMANA da Roma Antiga. Trata-se de uma ficção jurídica que dá direito a uma ação pela vítima contra o seu agressor57.

HENRY III, no século XIII, com base na doutrina da paz do reino, cria

o WRIT OF TRESPASS58, autorizando a promoção de ação contra o transgressor em caso de ato ilegal de violência, dando a base de origem dos conceitos de “ato ilícito” e “omissão”, bem como, para a LAW OF TORTS, que tutela a responsabilidade civil por ato ilícito59.

Estas quatro instituições orgânicas e históricas do Direito Inglês

norteiam todo o desenvolvimento da COMMON LAW e justificam a intervenção judicial do Rei no domínio privado, aplicando-se, também no surgimento e desenvolvimento da EQUITY, mutatis mutandis, através dos TRIBUNAIS DO REI.

2 A JURISDIÇÃO REAL

Afora a JURISDIÇÃO REAL, havia a chamada JURISDIÇÃO COMUM, nos primórdios do Direito Inglês. Sendo a primeira uma jurisdição de exceção, cujo acesso era economicamente caro e não constituía um direito, mas um privilégio concedido pelo Rei ao súdito, a maioria das demandas era processada e julgada pela segunda, formada por quatro jurisdições: as COUNTY COURTS ou HUNDRED COURTS (com origem na antiga ASSEMBLÉIA DOS HOMENS LIVRES anglo-saxônica), a 56 RABASA, El Derecho, op. cit., p. 87. 57 RABASA, El Derecho, op. cit., p. 88; TUNC, El Derecho, op. cit., p. 154, afirmando que “desde o final do século XII bastava que uma pessoa alegasse que a conduta de outra turbava a paz do reino, para que as jurisdições reais pudessem resolver o litígio, através de um WRIT, emitido pelo CHENCELER, em nome do rei, a um SHERIFF ou SENHOR local. 58 DAVID, Les Grands, nº 276, com detalhes sobre o WIRT OF TRESPASS; tb. Nº 273. 59 RABASA, El Derecho, op. cit., p. 89; HOLMES, The Common Law (1963), pp. 63-103, em que trata dos “torts”, abordando “trespass and negligence”, em termos de responsabilidade “liability” delitual; ARMINJON, Traité de droit Compare (1951), v. 3, pp. 167-196, em que aborda os “torts” (“les délits civils”), em termos de generalidade, exoneração, senção e tipologia; DAVID, Les Droit Anglais (1987), p. 116, “Les torts”.

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jurisdição dos senhores feudais (COURTS OF BARONS, COURT LEET e MANORIAL COURTS), a jurisdição eclesiástica (de direito canônico – CANON LAW) e as jurisdições municipais e comerciais, que aplicavam os regulamentos municipais e os costumes mercantis do comércio internacional (lex mercatoria, ley marchant), em caráter de privilégio concedido pelo Rei60. O MONOPÓLIO DA JUSTIÇA pelo Rei foi uma construção paulatina que acompanhou o processo de legitimação da dominação Franca na Inglaterra. Dado o poder de força do Rei, este tinha melhores condições de resolver os conflitos sociais do que os demais órgãos sobreviventes e que aplicavam os costumes locais. Naturalmente, a jurisdição real, inicialmente de exceção, vai-se tornando a jurisdição comum, levando à extinção das demais jurisdições. Assim, no século XV, final da Idade Média, os Tribunais Reais são os únicos a administrar a Justiça61. Pode-se elencar como causas deste fenômeno político-jurídico as seguintes: 1º) a administração da justiça proporcionava lucros e legitimidade política; 2º) a justiça real tinha uma organização superior às demais, com um sistema de provas racionais e calcado no contraditório; 3º) as suas decisões eram sempre cumpridas, sob pena de desobediência ao Rei, o que a tornava verdadeiramente eficaz62. Ao par destas causas, pode-se elencar, como conseqüências: 1) o alargamento da competência dos Tribunais Reais, criando os WRITS; 2) a modernização do processo e procedimentos judiciais, criando toda uma tecnologia completa de operar, mas segura quanto ao modo de agir, o que não havia nas demais jurisdições; 3) a criação e desenvolvimento do GRANDE JÚRI ou JÚRI POPULAR, aberto ao grande público, afastando o julgamento secreto e precário das demais jurisdições; 4) o confinamento das demais jurisdições a manterem um sistema arcaico de provas e para julgar questões de mínima importância, e sob a concessão de privilégio real para funcionar63. O processo judicial que deu origem à COMMON LAW iniciou com o CHANCELER, como foi retro mencionado. Quem recorre à justiça do Rei 60 DAVID, Les Grands, op. cit., nº 270. 61 DAVID, Les Grands, op. cit., nº 271; GLASSON, Histoire, op. cit., onde trata da fusão entre os Franco e os Saxões, a partir da Carta Magna (Grande Charter). 62 DAVID, Les Grands, op. cit., nº 271; KUHN, Principes de droit anglo-américan (1924), p. 6: os normandos conservaram a assembléia nacional ou WITAN dos conquistados, contudo, ainda que mantido, o direito do WITAN era formal e a maioria de seus componentes era normanda, o que garantia a predominância real nas suas decisões. 63 RABASA, El Derecho, pp. 113 ss; GILISSEN, Introdução, p. 214; DAVID, Les Grands, pp. 271 e 288.

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formula um pedido ao primeiro ministro do Rei, narrando o fato ou caso e pede a concessão de um WRIT, de uma ordem do Rei para a satisfação de sua pretensão através de um funcionário do Rei – o SHERIFF – agente local. O CHANCELER, discricionariamente, aceita ou não o pedido. Se o aceita, dá conhecimento ao Rei e, este, achando conveniente, reúne o seu Conselho, o KING’S COUNCIL ou CURIA REGIS, ocasião em que o pleiteante narra verbalmente os fatos e suas pretensões. O Rei decide pela concessão ou não do WRIT pleiteado64. Na medida em que o CONSELHO se reúne para ouvir a pretensão do pleiteante, se não decide automaticamente a concessão, mas recebe o pedido, fixa um conjunto de procedimentos adequados ao caso concreto, levando em conta: 1) a seqüência dos atos a realizar, 2) a maneira de regular os incidentes processuais, 3) a representação processual, 4) a admissibilidade dos meios de prova, 5) o momento da prova, 6) o meio de execução da decisão que for proferida, mandando citar o demandado para apresentar a sua defesa, através de um WRIT65. Os WRITS concedidos automaticamente eram executivos e satisfativos e, no início, não necessitavam de um procedimento probatório prévio, sendo decidido por “consciência e benevolência do rei”. Num segundo momento, o CONSELHO concede o WRIT apenas como instrumentos citatório para processar em conformidade com o caso; a execução da decisão do Conselho também é um WRIT. Os WRITS mais importantes são aqueles que fixam as regras de um processo judicial, que levam o nome da matéria primeiramente tratada, v.g, WRITS OF TRESPASS, WRIT OF ASSUMPSSIT. A medida que os pedidos de WRITS são feitos, novos processos são criados para o caso concreto. O WRIT (ou BREVIA, em latim) criado é reunido a todos os outros existentes, com os seus procedimentos, em uma relação que foi denominada BREVIA DE CURSU, contendo as fórmulas-padrão de cada WRIT66.

64 DAVID, Les Grands, op. cit., p. 154, quando observa que aos poucos os WRITS vão-se diversificando, à medida que o CHANCELER adquire mais poder, em nome do Rei, passando a ser comparado com freqüência a um PRETOR ROMANO, fixando procedimentos iniciais e terminais no processo judicatório. 65 DAVID, Les Grands, op. cit., nº 272. 66 DAVID, Les Grands, op. cit., nº 272; GILISSEN, Introdução, op. cit., p. 210, que refere que a brevia de cursu mais antiga data de 1227 e que só a partir do século XIII o termo WRIT, em inglês, passou a ser usado, como tradução do termo BREVIA, em LAW FRANCY; TUNC, El Derecho, op. cit., p. 155, informa que em 1258, pelas PROVISÕES DE OXFORD, havia sido proibido ao CHANCELLOR criar novos WRITS sem uma ordem dada pelo Rei, após ouvido o CONSELHO. A criação ilimitada de WRITS começa a sofrer ataques por parte dos senhores feudais, que tinham concessão real para instituir CORTES de distribuição de justiça mediante pagamento de tributos. Afirma que apenas parecia uma jurisdição comum a do Rei, mas só vai sê-la efetivamente, de direito, no século XIX.

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Vimos retro que o sistema dos WRITS (BREVIA) é utilizado pela primeira vez no século XII (1116), ofuscando a jurisdição dos BARÕES (COURT OF BARONS). Estes passam a se opor à criação de novos WRITS, que aumentavam o poder do Rei, diminuindo o seu. Em 1215, com JOÃO SEM TERRA, tentam impedir a expansão dos WRITS, iniciando um movimento político que vai ter sucesso em 1285, com a edição do STATUTE OF WESTMINSTER II67. Neste ficou estatuído que os WRITS só seriam criados “ex novo” em casos restritíssimos e havendo grandes semelhanças com casos já regulados pelos WRITS existentes. Nos famosos WRITS IN CONSIMILLI CASU, dando início à fossilização do processo da COMMON LAW. Para fugir a esta restrição legal, os Tribunais de Westminster criaram uma maneira de alargar a sua competência para além da fixada pelos WRITS do REGISTER OF WRITS, criando as acciones super causum (ACTION ON THE CASE). A proibição de criar novos WRITS limitava tanto processual como materialmente o direito da COMMON LAW, pois somente casos semelhantes aos já julgados poderiam ser julgados pelos Tribunais do Rei, de modo que as demais causas seriam da competência das COURTS OF BARON. As ACTIONS ON THE CASE apresentavam não um processo novo, pois seguia o WRIT de caso semelhante, mas uma formulação diferenciada, mais sofisticada: o pleiteante declarava preliminarmente os fatos da causa (CASE) e pedia aos juízes que, com base neles, recebessem e julgassem o litígio68. O PRINCÍPIO DA SEMELHANÇA aplicado ao desenvolvimento da COMMON LAW, como uma vitória política dos senhores feudais sobre o Rei, vai perdurar até 1832, no século XIX69. O artifício das ACTIONS ON THE CASE não foi suficiente para o alargamento da competência processual e material dos Tribunais do Rei de modo a dar curso ao desenvolvimento necessário do direito, acompanhando o desenvolvimento da sociedade em que era aplicada. Já em 1258, com as PROVISÕES DE OXFORD, os Barões conseguem PROIBIR A CRIAÇÃO DE NOVOS WRITS, sendo conciliados 67 GILISSEN, Introdução, p. 210; DAVID, Les Grands, op. cit., nº 272; STEPHENSON, Sources, op. cit., p. 173. 68 DAVID, Les Grands, op. cit., nº 272. 69 GILISSEN, Introdução, op. cit., p. 210.

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os seus interesses com os do Rei através da Carta de Westminster referida. Isto leva os juízes dos tribunais reais a concentrarem a sua atenção no processo existente e a dar muito pouca importância ao direito material pleiteado, iniciando uma nova era da COMMON LAW, a ERA DO TECNICISMO PROCESSUAL, que a fossiliza e dá azo ao desenvolvimento de um procedimento novo, fora dos Tribunais comuns do Rei, mais flexível e mais ágil, como que um DIREITO ALTERNATIVO INGLÊS, o que será tratado oportunamente70.

§4º FASE DO TECNICISMO PROCESSUAL DA

COMMON LAW

A partir do século XII (1258), a COMMON LAW se transforma em FORMAS DE AÇÃO (FORMS OF ACTIONS). Tudo o que é certo no sistema jurídico da época é o conjunto das regras processuais postas no REGISTER OF WRIT (Brevia de Cursu). O conteúdo da sentença é uma “caixa de Pândora”, dada a sua incerteza, geradora de incerteza jurídica, punha em risco a segurança material do Direito71. O FORMALISMO PROCESSUAL se instala na COMMON LAW, não apresentando alternativas a pretensões diferenciadas das previstas em decisões passadas de casos semelhantes. Esta situação vai se prolongar até o século XIX. O mais importante para o juiz é, dentro das fórmulas dadas, formular as questões de fato, que seriam submetidas ao JÚRI. Em 1856, seis séculos depois, todas as causas eram submetidas ao Júri, caindo em desuso os processos sem júri72.

70 RABASA, El Derecho, op. cit., p. 138; GILISSEN, Introdução, p. 210; Cf, infra §5º. A doutrina do precedente e do “distinguishing” (distinção) tem seus rudimentos históricos iniciais nesta fase; WILKINSON, Studies in the Constitutional History of the Thirtnnth and Fourteenth Centuries (1952), p. 180 ss., aborda o que denomina “The Council os Fifteen”, instalado em 1258-1265, durante o reinado de Henry III, que dita as Provisões de Oxford e submete, revolucionariamente, o poder jurisdicional do Rei ao Conselho, sob as idéias revolucionárias de SIMON de MONTFORT; Cf. tb., do mesmo autor, “The invention of Original Writs”, no século XIII, pp. 216 a 226. 71 DAVID, Les Grands. nº 273. 72 DAVID, Les Grands, nº 275.

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Com razão, diz DAVID73que: “A COMMON LAW não se apresenta como um sistema que visa à justiça; é mais um conglomerado de processos próprios para assegurar, em casos cada vez mais numerosos, a solução dos litígios”. A preocupação com o conteúdo da sentença ou com o direito material é secundário, e só muito tardiamente se torna ocupação dos juristas. Por esta razão, no direito inglês, ainda de certa forma, na atualidade, “REMEDIES PRECEDE RIGHTS”, o processo precede o direito subjetivo. E isto já era válido antes desta ERA FORMALISTA. Tanto o é que RANULF DE GRANVILL, que escreveu o primeiro tratado de direito inglês, 1188, na era de HENRY II, já afirmava que contratos ou convenções privadas não eram protegidas pelo Direito74. Sendo o direito da COMMON LAW um direito concedido discricionariamente pelo Rei, todo o direito é, por sua natureza, público. As relações privadas são reguladas fora da órbita do direito; pelas jurisdições que aplicam os costumes locais é que vão encontrar guarida, devendo se submeter a um processo arcaico e com provas aviltantes75 O interesse centrado no processo, o desenvolvimento de categorias jurídicas e conceitos à sombra do processo e a indistinção entre direito público e direito privado são as características mais marcantes do Direito Inglês76. Apontam-se estas como as causas da ausência de recepção do Direito Romano pela COMMON LAW. Exemplo do formalismo inglês está posto nas obras os tratados referentes os direito inglês, v.g, YEARS BOOKS, que compila leis e narra casos desde 1290, até 1536, cujo interesse é centrado no processo77. A conceitualística do direito inglês é precária fora do campo processual, dado o fato de que , para ser acolhida uma pretensão material, necessita haver conexão com os procedimentos existentes. Não se acolhe a pretensão pela matéria, mas pela adequação ao processo existente.

73 DAVID, Les Grands, nº 275, WILKINSON, op. cit., ps. 196-215, no texto intitulado “The council and the origins of the equitable jurisdiction of Chancery”, aproxima o surgimento da Jurisdição de Eqüidade aos problemas políticos enfrentados pelo Rei com o Parlamento (“Conselho”), na Alta Idade Média. 74 RABASA, El Derecho, p. 81; DAVID, Les Grands, nº 276; KOSCHAKER, Europa, p. 308, sobre a formação romanista de GRANVILL; Sobre a data exata, todos entendem entre 1187 e 1189, sob o título “Tractus de legibus et consuetunibus regni angliae”. 75 DAVID, nº 278. 76 DAVID, Les Grands, nº274. 77 DAVID, Les Grandes, op.cit., nº 275.

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É o que motivou MAITLAND78 a dizer que apesar de abolidas as FORMS OF ACTIONS, estas continuam a governar o direito inglês na atualidade. Este formalismo sempre presente é fator distintivo do direito inglês e dificulta o desenvolvimento do seu direito contratual, contrastando com o que ocorre com o direito continental, de origem romanística. Mas este formalismo não é fruto apenas de atos objetivos dos Tribunais ingleses; é também fruto de toda uma mentalidade milenar, conservadora, que se reproduz na prática formativa dos juristas da COMMON LAW79. A mentalidade processual do jurista inglês se reflete e é refletida pela prática processual, estando no bojo de todas as contradições que levaram ao parco desenvolvimento do seu direito privado, das categorias e conceitos deste, o que apresentaram os maiores empecilhos para uma recepção do direito romano, ainda que toda a Europa Ocidental e diversos países espalhados pelo mundo sofressem influência do mesmo80. O DIREITO ROMANO é, essencialmente, um DIREITO PRIVADO; O DIREITO INGLÊS é um direito, essencialmente, PÚBLICO. A oposição entre o privado e o público é flagrante, bem como a formação racionalista em contraste com uma formação empirista, como bem acentua a filosofia do empirismo inglês81.

78 MAITLAND, The forms of Actions at Common Law (1948), apud DAVID, Les Grands, op. cit., nº 277, nota 13. 79 KOSCHAKER, Europa, op. cit., p. 309 ss., sobre esta atitude intelectual e social e a não recepção do Direito Romano na Inglaterra; DAVID, Les Grands, op. cit., nº 279; “as universidades inglesas surgiram no século XIII, porém, somente no final do século XVIII (1758) foi criado o primeiro curso de Direito Inglês, em Oxford. O processo inglês apresentava uma complexidade desencorajadora para os pretendentes a jurista irem buscar o conhecimento pela teoria, pois esta de nada lhes serviria para o exercício da advocacia. Foram todos tradicionalmente formados na prática, e nesta nunca ouviram falar de Direito Romano, mas somente viam questões de processo e provas”. 80 KOSCHAKER, Europa, p. 309 ss. 81 KELSEN, Teoria Geral do Direito e do Estado (1990), cap. XII, trata da corrente jusfilosófica denominada Jurisprudência Realista, liderada por KARL N. LLEWELLYN, bem como trata da Jurisprudência Sociológica de Joseph E. Birghan; da teoria da Lei

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CAPÍTULO II PERÍODOS DE FORMAÇÃO DA EQUITY

E DO MODERNO DIREITO INGLÊS

O PERÍODO DE FORMAÇÃO DA COMMON LAW é compartilhado com o PERÍODO DE FORMAÇÃO DA EQUITY, não na forma clara desta, mas na sua forma embrionária, que vai do século XII ao século XIV, quando adquire a sua forma revolucionária em relação ao direito comum, fomentando uma rivalidade entre duas concepções de direito que só vai ser resolvida com a sua transformação radical dentro dos cânones da COMMON LAW82. Grande parte dos escritores de direito inglês abordam o PERÍODO HISTÓRICO confrontando as concepções de EQUITY com as da COMMON LAW, dentro do cenário político da luta jurídico-política83, que vai do término da Guerra das Duas Rosas, em 1485 (séc. XV) até o REFORM ACT, de 1832. O PERÍODO DO MODERNO DIREITO INGLÊS é típico do século XIX e se projeta por todo o século XX até os dias atuais. Tem início com as reformas do direito inglês, no século XIX, a contar do REFORM ACT de 1832, e pode ser estudado dividindo-se o período em duas eras: ERA DAS GRANDES REFORMAS (século XIX) e ERA DOS GRANDES DESAFIOS (século XX).

82 RABASA, El Derecho, op. cit., p. 136 ss.; DAVID, Les Grands, op. cit., nº 284, refere que ainda nos dias atuais os juristas e juízes ingleses não vêem com bons olhos a idéia de ressuscitar o movimento revolucionário da EQUITY e das continuidade à obra iniciada iniciada por LORD CHANCELLOR nos séculos desenvolvendo com ousadia novas doutrinas sobre a equidade. 83 DAVID, Les Grands, op. cit., nº 280 a 286, aborda, em bloco, o que denomina “A Rivalidade com a EQUITY (1485-1832)”; o mesmo autor, trata do Período moderno nos nº 287 e 288, sob a denominação “O Período Moderno”. Preferimos denominar “Formação da EQUITY” e “Moderno Direito Inglês” aos dois períodos históricos, para abranger as origens da EQUITY e as mudanças do direito inglês com base na aproximação romanista operada pelos STATUTS.

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O direito inglês não apresenta rupturas históricas, mas apenas continuidade. A formação da EQUITY, apesar de seu caráter revolucionário inicial, não consegue derrotar a COMMON LAW; pelo contrário, como se verá, é, de certa forma, derrotada por esta em sua parte substancial84. É da derrota da EQUITY que nasce o moderno direito inglês, com uma COMMON LAW unificada e renovada pelos ensinamentos e procedimentos desenvolvidos pela primeira85.

SEÇÃO I PERÍODO DE FORMAÇÃO DA EQUITY

O PERÍODO DE FORMAÇÃO DA EQUITY é o que corresponde aos séculos XII ao XX. Como a EQUITY não é todo o direito inglês, em geral, é tratado apenas enquanto formação em conflito com a COMMON LAW. A sua história é mais longa e a sua importância justifica um tratamento mais detalhado. Podemos estudar a EQUITY dividindo a sua história em duas fases: FASE REVOLUCIONÁRIA e FASE CONSERVADORA. A fase revolucionária vai desde o seu aparecimento até meados do século XVI, quando HENRY VIII rompe relações diplomáticas com Roma. A fase conservadora, daí até o século XX86. A FASE REVOLUCIONÁRIA apresenta duas divisões, assim como a FASE CONSERVADORA87.

84 Cf. Infra §5º, numa abordagem das origens à institucionalização. 85 A “derrota da EQUITY” diz respeito apenas à fase em que surgiu como alternativa jurisdicional, calcada no poder do Rei, para corrigir defeitos da COMMON LAW, funcionando como jurisdição paralela e como instância recursal última, à margem das instituições judiciais estabelecidas socialmente, mas que, nas disputas político-religiosas do século XVII, vem a perder o seu caráter revolucionário inicial; LOPES, A Equity e os Poderes do Juiz (1993), p. 97: “Com LORD ELDEN, os princípios de equidade adquiriram uma rigidez que levou ao surgimento de uma ‘rigor aequitas’, com justificação assentada na busca da segurança jurídica”. 86 RABASA, El Derecho, op. cit., p. 142. 87 Como anunciado anteriormente, estas divisões são construção do autor do presente texto, justificadas pelo transcurso histórico de evolução do Direito Inglês; LOPES, A Equidade, op. cit., pp. 96/7, afirma que em 1474 se deu a primeira manifestação do CHANCELLOR em seu próprio nome, com poderes delegados pelo Rei, dando origem a COURT OF CHANCELARY, SENDO QUE O Chanceler dirigia o processo sob à égide do “teocentrismo”, dada a ligação com o Clero, na Inglaterra Medieval, assemelhando-o ao do Tribunal Eclesiástico, de origem canônica.

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§5º FASE REVOLUCIONÁRIA DA EQUITY

A fase REVOLUCIONÁRIA DA EQUITY começa no século XII, junto com o nascimento da COMMON LAW, quando vem à lume o primeiro WRIT (1116), e se estende até o século XVI, no ano em que o Rei HENRIQUE VIII rompe com a IGREJA CATÓLICA88. Esta fase pode ser estudada fazendo um “corte histórico-epistemológico” no século XIV, dividindo-se em duas partes: a primeira vai do século XII ao XIV e, a segunda, do século XIV ao XVI. A primeira chamaremos SUB-FASE DE DESENVOLVIMENTO DA EQUITY89.

1 ORIGEM DA EQUITY

A ORIGEM DA EQUITY está nos WRITS do CHANCELER, nos primórdios do desenvolvimento da COMMON LAW e até antes, nos WRITS dos Reis anglo-saxões, em que os critérios de concessão do mesmo não está calcado em um direito consolidado mas em critérios embasados em conceitos de equidade, na acepção ética ou moral90. Somente com o desmembramento do KING’S COMMON PLEAS91, no século XII, do CONSELHO DO REI, indo fixar-se na região de WESTMINSTER, é que tem início a formação da COMMON LAW, com a confecção dos formulários processuais e expedição dos WRITS pelo LORD CHANCELER. Os WRITS expedidos sem um processo formular não constituem, tecnicamente, um WRIT comum, mas um WRIT extraordinário, no sentido de fugir ao formalismo típico desta linha diretiva.

88 GLASSON, Histoire, v.5, §181. 89 Preferimos a subdivisão em sub-fases porque expressa uma classificação histórica didaticamente eficiente. 90 RABASA, El Derecho, op. cit., p. 138; além de se tratar de uma concepção religiosa, é, também, religiosa, pois os CHANCELLORS eram, nesta fase, ligados à Igreja Católica. 91 A distinção entre WRIT ordinário e extraordinário separa a COMMON LAW da EQUITY, nesta fase.

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As partes poderiam pedir diretamente ao Rei o direito, requerendo WRIT, ou formular QUEIXA ao juiz ou Tribunal Real (QUERELA, BILLA), pedindo que julgue a causa proposta, com base no processo estipulado por um WRIT já existente. Os WRIT concedidos pelo CHANCELER, em nome do Rei, aplicando o direito comum já existente, não constituem ato eqüitativo, mas ato jurídico comum. A concessão de um WRIT fora das regras de direito, com base no critério abstrato de justiça, é um ato típico e eqüitativo. Trata-se mais de um ato político do que jurídico. Quando ainda não existia o KING’S BENCH92, e apelavam ao rei para fazer justiça contra uma decisão do COMMON PLEAS e o Rei tomava outra decisão, emitindo um WRIT, esta decisão não era de COMMON LAW, mas de equidade93. Quando se destaca da CURIA REGIS94 o segundo Tribunal Real, o KING’S BENCH, como tribunal competente para processar e julgar causas de interesse da Coroa e para agir como instância recursal, indo se estabelecer fixamente em WESTMINSTER, das decisões reputadas injustas deste, em primeira ou em segunda instância, a alternativa era recorrer à justiça eqüitativa e conscienciosa do Rei. Se este modificava a decisão, emitia um WRIT, fora das regras de COMMON LAW, com base no justo material95. Como os WIRTS do CHANCELER, em última instância, na qualidade de máximo poder político e sumo justiceiro, não fixavam regras processuais, os WRIT eram sempre únicos e não tinham força para vincular as decisões que fossem proferidas no futuro, mesmo que o CASE fosse semelhante. Os WRITS do CHANCELER, nestes casos, eram personalíssimos e atendiam mais ao caso concreto material do que a regras preestabelecidas de processo96. Estes WRITS eram verdadeiras decisões políticas e tinham por finalidade restabelecer a paz do reino quando os julgamentos proferidos pelos Tribunais de COMMON LAW não o conseguiam. Tais WRITS, não sendo fórmulas, não estavam em REGISTER OF WRITS, como os WRITS

92 DAVID, Les Grands, op. Cit., nº 272 ; O Tribunal de Queixas Comuns surge só no século XII; O Tribunal do Banco do Rei, no século subseqüente. 93 Pelo simples fato de que não aplicava a COMMON LAW, quando da proibição de criar novos WIRTS pelo CHANCELLOR, em 1258, tal não alcançava a utilização de meios de apelo à consciência e equidade do Rei, poder inerente à função real, tal qual o poder de INDULTO, que sobreviveu aos nossos dias. 94 Sobre o justo material, cf. Aristóteles, Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2000. 95 DAVID, Les Grands, op. Cit., nº 281. 96 Idem, ibidem.

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DA COMMON LAW. Estas decisões políticas através de WRITS OF EQUITY97 não poderiam ser contestadas pelos Tribunais, pois não tinham natureza jurídica98. As decisões do Rei, através do CHANCELER, nestes casos, constituíam um verdadeiro PODER POTESTATIVO, estavam acima de qualquer jurisdição dentro do Reino. Eram baseadas em critérios abstratos de justiça, eqüidade, consciência e ética99. Com a entrada em vigor da estatuição de 1258, que proibia a criação de novos WRITS (jurídicos)100, os casos que não pudessem ser enquadrados nas fórmulas processuais até então existentes não tinham acesso à justiça nos Tribunais do Rei. Isto ameaçava a PAZ DO REINO101, de modo que a única alternativa era recorrer à justiça moral do Rei, através do CHANCELLOR que tratava o CASE, não pelo aspecto processual, mas pelo aspecto material, dando maior importância ao fato concreto e às repercussões políticas da ausência de uma solução102. No século XIV, com a GUERRA DOS CEM ANOS103, o Rei passa a não ouvir mais os reclamos do CHANCELER em relação aos apelos dos súditos, pedindo justiça ética, delegando, na prática, poderes para que o mesmo tomasse decisões em nome dele, resolvendo o caso concreto, na qualidade de “depositário da consciência do Rei”104, expedindo o writ necessário105.

2 DESENVOLVIMENTO DA EQUITY

97 Mandados do Chanceler. 98 Natureza jurídica do direito comum. 9999 RABASA, El Derecho, p. 139. Tais critérios não apresentavam, ainda, corpo teórico, o que será atingido nos séculos XV e XVI, como se verá oportunamente. 100 Por distinção a WRITS político. 101 A doutrina da Paz do Reino, cf. supra, p. 11. 102 “Non Liquet”. 103 Entre França e Inglaterra (1337 a 1453). 104 RABASA, El Derecho, p. 139. 105 Id., ibid.; Cf. nota 86, supra; WILKINSON, Studies, op. cit. p. 196 ss, sobre as origens do poder jurisdicional de eqüidade do Chanceler; Cf. STUBBS, “The constitutional history of England in its origin and development”(1896), nº 234, p. 281 ss, já no século XIII está presente a Jurisdição de Eqüidade através do Chanceler, em “matters of Grace and favour”; e isto ocorre antes mesmo da instalação definitiva dos três Tribunais Reais clássicos. Informa, de outro lado, que ROBERT BURNELL foi o primeiro grande CHANCELLOR.

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A SUB-FASE DO DESENVOLVIMENTO DA EQUITY vai desta data, até o século XVI106, e se caracteriza pela distinção teórica entre a ética da eqüidade e a técnica do direito positivo, possibilitando uma consciência mais embasada do sentido abstrato ou natural da norma de justiça107. Em contrapartida, os juízes da COMMON LAW, com a aplicação estrita do direito positivo formalizado, rígido, produzem injustiças que não ficam abafadas nos meandros dos Tribunais, mas se espalham e chegam aos ouvidos do Rei, reclamando soluções potestativas. Este aplica a sua potestade judicial através do LORD CHANCELER, que aplica o CONCEITO DE EQÜIDADE, tido como superior ao CONCEITO DE DIREITO COMUM, na qualidade de ORDENAMENTO SUPLETIVO E CORRETIVO das DEFICIÊNCIAS e RIGIDEZ da justiça comum108. Na medida em que se enrijece o direito comum inglês, na mesma proporção se desenvolve, na “contra-mão”, um novo direito, calcado na eqüidade, fora da órbita da COMMON LAW. Este novo direito, alternativo por natureza ao direito positivo, traz seus princípios do DIREITO ROMANO, através de concepções dispostas no DIREITO CANÔNICO109. Por serem os primeiros CHANCELLORS eclesiásticos e, naturalmente, aplicarem o conceito abstrato de justiça posto no CANON LAW, baseavam suas idéias de EQÜIDADE considerando que os litigantes deveriam agir conforme os DITADOS DA RAZÃO e da CONSCIÊNCIA110. As decisões de eqüidade do CHANCELER se tornaram muito procuradas, tornando-se rotineira a “apelação” ao juízo eqüitativo do Rei, sempre que insatisfeita a decisão de um Tribunal da COMMON LAW, de sorte que se tornou necessário institucionalizar a função, o que transformou, gradualmente, a CHANCELARIA REAL, em um verdadeiro TRIBUNAL DE EQÜIDADE, sob o nome de COURT OF CHANCERY111.

106 Isto é, do início da Guerra dos Cem Anos. 107 Sobre eqüidade e poder criativo do Juiz, cf. AZEVEDO, justiça, op. cit. , p. 91 ss. 108 RABASA, El Derecho, p.139. 109 RABASA, El Derecho, p. 139; DAVID, Les Grands, nºs 301 e 302; WIEACKER, “História do Direito Privado Moderno (1980), p.61, informa que a “formação da ciência jurídica européia” (& 3º) conta, na Inglaterra, já no século XII, com VICARIUS, em Oxford (1139-1149), ensinando a doutrina do ‘ius civile’ em uma universidade papal, declinando como fonte bibliográfica SCRUTTON, “The influence of the roman law on the law of England, de 1885, Cambridge; a este respeito, vide KOSCHAKER, “Europa y derecho romano” (1953), p. 307 e ss. 110 RABASA, El Derecho, p. 139. 111 RABASA, El Derecho, p. 139. RABASA, El Derecho, p.139. RABASA, El Derecho, p.139.

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A COURT OF CHANCERY é um órgão jurisdicional inglês, de natureza extraordinária, naquela época competente para tentar resolver INJUSTIÇAS que resultavam da aplicação rígida e inflexível da lei comum, através de MANDAMENTOS e RESOLUÇÕES112. Assim, resolviam as controvérsias independentemente das normas positivas do direito comum, ou mesmo, contra o teor de seus princípios113. A CORTE DE EQÜIDADE, com o tempo, estipulou seu próprio procedimento e jurisprudência, tornando-se um verdadeiro RAMO DO DIREITO INGLÊS, passando a ser conhecido como EQUITY114. A RAZÃO e a CONSCIÊNCIA, sendo os princípios norteadores do novo direito insurgente, em relação ao direito positivo, o CHANCELER julgava com valores totalmente afastados dos habituais na COMMON LAW, valendo-se, principalmente, de CRITÉRIOS PESSOAIS sobre o que considerava como sendo o bem ou o mal no caso concreto. Dizia-se que a LEI DIVINA ou DIREITO NATURAL deve ser obedecida, mesmo que não se aplique a LEI POSITIVA, a LEI DOS HOMENS115. Ainda enquanto TRIBUNAL, estava fora da COMMON LAW o direito professado e aplicado pelo CHANCELER. Não havia nada escrito que pudesse dizer a norma aplicada ao caso apresentado ao CHANCELER, mas as suas decisões eram respeitadas e procuradas insistentemente, possuindo uma EFICÁCIA SOCIAL muito maior do que as da COMMON LAW, em fase crescente de fossilização, fonte crescente de descontentamento social116. Nos anos ora tratados, não há conflito entre os dois ramos: os juízes do common law aceitam, tranqüilamente, que o CHANCELER reforme as suas decisões. Inclusive, são eles que executam as decisões deste117 Antes das atividades de eqüidade do Chanceler se institucionalizarem, através da COURT OF CHANCERY, as suas decisões se chamavam

114RABASA, El Derecho, p. 139; DAVID, Les Grands, nº 296, “in fine”. Este ramo do direito inglês vai constituir sistema diferenciador entre o que é disposto em matéria e em processo pela jurisdição comum. 115 RABASA, El Derecho, p. 140; HUXLEY, apud KELSEN, op. cit. Teoria, p. 167. 116 RABASA, El Derecho, p.140. 117 RABASA, El Derecho, p. 140; TUNC, El derecho, p. 159, afirma: “No pricípio, a intervenção do Canceler nos tribunais de justiça não suscita oposição por parte das jurisdições de Westminster. Esta intervenção estava patrocinada pelo rei. O Chanceler resolve com onConselho. Em geral, colabora com os Tribunais e facilita seu desenvolvimento, principalmente quando entrega os WRITS que permitem àqueles atuar. La situação, entretanto, não poderia deixar de causar fricções. A partir da Guerra das Duas Rosas, o Chanceler atua sozinho e, desde o advento dos TUDORS, já não é um eclesiástico, mas um político”.

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WRITS, como vimos retro. Diferentemente passaram a se chamar INJUNCTIONS, quando da institucionalização, sendo auto-executáveis, com a mesma força e obrigatoriedade, lado a lado, dos WRITS da COMMON LAW118. O INJUNCTION é um mandado imperativo e proibitivo, mas de alcance limitado, que tem como objeto PREVENIR, através do processo judicial, a execução de toda classe de atos ilícitos, bem como ordenar o cumprimento de uma obrigação, conforme o direito ditado pela eqüidade119. Tinha força para obrigar tanto os indivíduos, como autoridades públicas. Dentro das suas limitações, está a restrição aplicativa exclusivamente à MATÉRIA CÍVEL120. Em suma, era um recurso civil, de caráter extraordinário e supletivo, acionável na falta de meios ordinários e adequados ao caso concreto, estabelecidos pelo direito positivo comum, a COMMON LAW; logo, como um CORRETIVO LEGAL e como COMPLEMENTO LEGAL121. O INJUNCTION era tão poderoso nesta época que o CHANCELER podia ditar ordens dirigidas pessoalmente à parte, a seu advogado, para que não ingressasse com a causa na Justiça comum, avocando a mesma para a sua jurisdição. Podia, ainda, quando o Tribunal comum já tivesse sentenciado, determinar que a mesma não fosse executada, proferindo uma decisão definitiva122. Naturalmente que este PODER excessivo, por assim dizer, descontentou de tal modo os juízes da COMMON LAW que os mesmos passaram a se articular com os senhores feudais e com outras forças políticas do Reino para barrar o avanço deste novo ramo do direito inglês, pois a EQUITY poderia até determinar que as autoridades judiciais ou administrativas não cometessem determinados atos atentatórios contra pessoas123.

118 RABASA, El Derecho, p. 141. 119 Idem, ibidem. 120 Idem, ibidem. 121 RABASA, El Derecho, p.141; TUNC, El Derecho, p. 159: “a partir de então (quando o Chanceler deixa de ser um religioso para ser um jurista ou político), muda a natureza de sua intervenção na administração da justiça; em lugar de prescindir da COMMON LAW só nos casos em que a BOA-FÉ ou a CARIDADE pareciam requerê-lo, prescinde sistematicamente de certas regras que o parecem antiquadas ou intrinsecamente más, avocando a si, uma vez mais, a CONDUTA DO PRETOR ROMANO. E, como precisamente, a COMMON LAW não tinha evoluído suficientemente, desde o momento em que se foi formando através dos costumes do século XI, sendo complicado e formalista, cheio de ficções e muitas vezes injusto, a jurisdição do Chanceler recebe o favor dos justifciáveis e os tribunais comuns sentem fundo a sua atividade. 122 RABASA, El Derecho, p. 141. 123 Id., ibid.

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O auge do desenvolvimento da EQUITY, em sua forma insurgente contra as determinações e modelos da COMMON LAW, dá-se às vésperas do “racha” entre a Inglaterra e Roma, na questão divorcista de HENRIQUE VIII124, entrando em declínio a partir de então, enquanto CONCEPÇÃO FILÓSIFICA DO JUSTO EQÜITATIVO aplicada como direito positivo125.

§6º FASE CONSERVADORA DA EQUITY

Esta fase do PERÍODO DE FORMAÇÃO DA EQUITY vai do século XVI ao século XX. Para estudá-la, tal qual o fizemos para a FASE REVOLUCIONÁRIA, dividiremos a fase em três partes, efetuando dois cortes epistemológicos: um no século XVII e outro no século XIX126. Desta maneira, tem a FASE CONSERVADORA, três SUBFASES. A primeira, do século XVI ao século XVII, com o primeiro corte no ano de 1642, ano do início da REVOLUÇÃO PURITANA127 na Inglaterra. A segunda subfase vai do século XVII ao século XIX, com o segundo corte no ano de 1832, ano da entrada em vigor do REFORM ACT. A terceira SUBFASE inicia, aí, e vai até os nossos dias128. À primeira subfase chamaremos SUBFASE DO CONFLITO; à segunda, subfase da DECADÊNCIA; à terceira, subfase da RENOVAÇÃO129.

124 GLASSON, Histoire, v.5. , & 181. 125 LOPES, Mônica Sette, A Eqüidade e os Poderes do Juiz (1993), p. 94 ss.; TUNC, El Derecho, p. 160: “Por outro lado, o Chanceler, convertido em homem político, sente o desejo de corrigir sistematicamente a COMMON LAW, assentado em regras novas que a completem ou modifiquem. Ao término de sua evolução, o Chanceler aplica um corpo de regras, quem sabe mais justo do que as da CAMMON LAW, entretanto, não menos rígido. Isto motivou MAITLAND a afirmar que ‘a EQUITY havia deixado de ser eqüidade’. A partir de então, inicia-se o conflito com os tribunais comuns, que vai se agudizar sobremaneira no século XVII.” 126 Corte epistemológico é divisão teórico-científica de fatos contínuos e indissociáveis do devenir histórico que, por questão de análise e estudo detalhado, são separados teoricamente. 127 A Revolução Puritana ou Guerra Civil Inglesa (1642-1649). 128 DAVID, Les Grands, nº 303. Sustentamos a data de 1832, mesmo que a “fusão” dos dois sistemas só vá se dar, efetivamente, a partir de 1875, pelo simples fato de que a mudança operada no processo da COMMON LAW influi diretamente no processo da EQUITY, processo que se torna marcante, meio século depois. 129As divisões são nossas.

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1 CONFLITO COM A COMMON LAW

A SUBFASE DO CONFLITO ENTRE EQUITY E COMMON LAW se caracteriza primordialmente pelo CONFRONTO entre duas JURISDIÇÕES, uma de natureza essencialmente política e outra essencialmente jurídica, em que a EQUITY sai vitoriosa, impondo-se sobre a COMMON LAW. É por esta razão que RENÉ DAVID afirma, com MAITLAND130:

“O direito inglês, assim, no século XVI, quase reuniu-se à família dos direitos do continente europeu, pelo triunfo da jurisdição de eqüidade do Chanceler e pela decadência da COMMON LAW”.

O rompimento da Inglaterra com Roma, em 1534, dada a recusa do Papa em divorciar HENRIQUE VIII, levando-o a fundar a igreja protestante anglicana, dando origem ao ANGLICANISMO, influiu diretamente na Corte do Rei, pois levou os auxiliares eclesiásticos (dentre eles os que desempenhavam a função de CHANCELER, responsável pela administração da JUSTIÇA DE EQÜIDADE) da COURT OF CHANCERY a serem substituídos, agora não mais por religiosos, mas por JURISTAS, os CHANCELLORS juristas131. A primeira e a mais grave conseqüência desta histórica substituição é que os novos administradores da justiça de eqüidade passaram a adotar NOVOS PRINCÍPIOS no gerenciamento da EQUITY, afastando-se dos princípios erigidos pelos eclesiásticos de natureza romano-canônica132. Ainda que a substituição tenha sido paulatina e não de todo removida, pois seria a extinção total da EQUITY, a influência da formação jurídica na COMMON LAW se fez notar desde o início133. Os critérios JURÍDICOS, e não critérios buscados na “razão”, na “consciência”, passam a ser adotados pelos NOVOS CHANCELLORS, dando rumo à COURT OF CHANCERY.

130MAITLAND, English Law andThe Renaissance (1901), apud DAVID, Les Grands, nº 297, nota 14. 131 RABASA, El Derecho, p. 142; DAVID, Les Grands, nº 297. 132 RABASA, El Derecho, p. 142. Podemos chamar a subfase, ora tratada de SUBFASE DE VITÓRIA DA EQUITY sobre a COMMON LAW. 133 Sobre a formação dos COMMON LAWYERS, DAVID, Les Grands, nº 295.

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Gradualmente foi sendo infiltrado na EQUITY um conteúdo legal análogo ao da COMMON LAW, através de seu direito positivo, tanto no procedimento quanto na jurisprudência134. Entretanto, o prestígio das COURT OF CHANCERY não decaiu. A procura continuou aumentando a ponto de os Tribunais comuns entrarem em verdadeira decadência. Os juízes comuns não eram ideologicamente contra os princípios eqüitativos, mas se opunham aos poderes concentrados nas mãos do CHANCELER, que os colocava em posição de subalternos juridicamente135. Os conflitos religiosos e políticos, tanto na sucessão monárquica quanto entre a Coroa e o Parlamento, contribuíram muito para a instabilidade jurídica reinante na época. A burguesia ascendente entrava em conflito com os interesses da monarquia absolutista, centralizadora do poder e onipotente perante os súditos136. O LORD CHANCELER era o exemplo mais potente do poder absoluto do Rei, tornando-se alvo das forças antimonarquistas e antiabsolutista, muitas vezes centrada no PARLAMENTO, aos quais se alinhavam muitos juízes da COMMON LAW137. Além do mais, a importação de princípios e procedimentos da COMMON LAW pela EQUITY, tornava mais patente que a modalidade de jurisdição discricionária do Rei era uma fachada da política de expressão do absolutismo, e não uma verdadeira jurisdição, calcada no direito comum inglês138. Corrobora o entendimento o fato de a NOVA EQUITY atrair para seu Tribunal todo o DIREITO MATERIAL que a COMMON LAW estava legalmente impedida de tratar desde 1258, com o Segundo Estatuto de Westminster, limitação que não atingia a Court of Chancery. Este fato

134 RABASA, El Derecho, p. 142; DAVID, Les Grands, nº 349, sobre a doutrina da “ratio”. 135 DAVID, Les Grands, nº 283; TUNC, El Derecho, ps.160-1, entende que o papel máximo da Chancelaria havia sido cumprido, ao ter criado, ao lado da COMMON LAW, adotando os costumes, condições de vida e consciência do século XIII, um novo sistema de direito, que se impunha de fato, sobre o antigo, adaptando-os às condições de vida e à consciência jurídica dos séculos XV eXVI. 136 Em 1649, o calvinista OLIVER CRONWELL derrota a tentativa de restauração católica na Inglaterra e instaura, com a ajuda do Parlamento de maioria protestante, apoiado pela burguesia, o regime republicano. 137 Em 1660, é restaurada a Monarquia com o Stuart Carlos II, acirrando as disputas que acabam por dividir o Parlamento em WHIGS (burgueses) e TORIES (absolutistas), que vai redundar na Revolução Gloriosa de 1688, cuja vitória cabe aos WHIGS, contra o Rei Jaime II. 138 DAVID, Les Grands, nº 282. A CÂMARA ESTRELADA (“Star Chamber”) era o aparelho repressor criminal e político mais eficiente, tendo surgido junto com a EQUITY “sistemática”.

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punha em risco os interesses dos juízes, sequiosos de poder expandir a sua competência jurisdicional. Isto é suficiente para deixar claro que havia muitas razões para que a rivalidade entre os dois sistemas perdurasse139. As modificações introduzidas na EQUITY, provenientes de moldes comuns, também influíram de forma decisiva no procedimento da justiça comum. Os common lawyers passaram a abordar o seu direito positivo dentro de doutrinas mais liberais, recebendo concepções de equidade, havendo uma aproximação entre os dois sistemas. Entretanto, esta influência recíproca não tem fundamento muito profundo na história do direito inglês, durante os anos que estamos tratando140. As forças políticas contra o poder do CHANCELER foi tanta que o Rei teve de pessoalmente intervir, para dirimir o conflito existente entre common lawyers e equity lawyers. Assim, em 1616, sob a pressão do juiz-presidente dos Tribunais do Rei, e chefe da oposição liberal protestante no Parlamento, que investe contra o Chanceler (o conflito LORD COKE vs. LORD ELLESMERE), intervém o Rei Jaime I141, pronunciando-se em favor da EQUITY142. Esta decisão foi respeitada aparentemente, pondo fim aos conflitos diretos, mas, em 1342, CARLOS I é decapitado, eclodindo a Guerra Civil (1642-1649) e implementa-se, ainda que por pouco tempo, a REPÚBLICA na Inglaterra, o que representou um sério golpe na jurisdição da Equity, cuja glória se deve ao absolutismo monárquico.

2 DECADÊNCIA DA EQUITY

A SUB-FASE DA DECADÊNCIA DA EQUITY começa com os conflitos políticos e religiosos assinalados, abrangendo os séculos XVII a XIX (de 1642 a 1832). O antagonismo entre as jurisdições não terminou nesta sub-fase, renovando-se, mas de uma forma menos explícita. A Equity sofre

139 RABASA, El Derecho, cit., p. 142. 140 Idem, ibidem. 141 RABASA, El Derecho, op. cit., p. 143. 142 Daí o surgimento formal da VITÓRIA DA EQUITY, que vai se manter até o início da Revolução Puritana; Cf. nota 145; o pano de fundo é claro: conflitos religiosos (católicos e protestantes), políticos (monarquistas e republicanos) e econômicos (burgueses e feudalistas).

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uma transformação radical em relação ao poder que o Chanceler possuía. É reconhecida a Court of Chancery como uma verdadeira jurisdição positiva, deixando se ser um tribunal político e superior à jurisdição da COMMON LAW143. Estando no mesmo patamar das demais cortes da jurisdição comum, e não sendo mais um instrumento nas mãos do monarca absolutista, reconhecido pelo Parlamento como jurisdição diferenciada, com processo e jurisprudência próprios, a EQUITY deixa de ser foco de conflito para a COMMON LAW144. A transformação que se opera a partir de então, mas já pronunciada desde a sub-fase anterior, é no sentida da conversão de “sistema original de consciência para dirimir injustiças do direito positivo” para “sistema definido de doutrinas jurídicas aplicáveis a determinada categoria de assuntos e mediante procedimentos especiais”145. A EQUITY perde a sua identidade original e começa a entrar em um processo crescente de “comunização”, adquirindo até a metodologia do REPORT da COMMON LAW, registrando oficialmente o conteúdo das decisões, como meio de estabelecer uma jurisprudência normativa calcada na regra do PRECEDENTE VINCULATIVO146. Estando obrigada a decidir com base nos seus precedentes, a COURT OF CHANCERY só se diferencia das COURTS OF COMMON LAW pela matéria a ser tratada; mesmo que o Chanceler conserve amplo poder discricionário e arbitral, segundo as circunstâncias de cada caso, não pode mais decidir discricionariamente, segundo a consciência individual, caso a caso, mas em conformidade com o CORPO DO DIREITO DA EQUITY, de natureza jurisprudencial vinculativa. 147

143 RABASA, El Derecho, op. cit., p. 143. 144 Idem, ibidem. 145 RABASA, El Derecho, op. cit., p. 143; DAVID, Les Grands, op. cit., nº 284, nota 16; TUNC, El Derecho, op. cit., p. 160, descreve: “Após as divergências do século XVI, no século XVII os tribunais comuns se enfrentam com os tribunais de EQUITY, em um violento conflito que só vai terminar após a intervenção direita do Rei JACOBO I, que, em 1616, por ARBITRAGEM, põe fim ao conflito, mantendo a jurisdição do Chanceler, mas mitigando o poder desta, submetendo os seus julgados, em 1624, à revisão recursal pela HOUSE OF LORDS. Com isso a EQUITY passa a ser instância jurisdicional reconhecida e aceira dentro do sistema judiciário global inglês. 146 RABASA, El Derecho, op. cit., p. 143. 147 RABASA, El Derecho, p. 143.

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Com isto, a EQUITY se transforma, em definitivo, em um novo sistema judicial do direito inglês, perdendo o caráter original de justiça abstrata do caso concreto. 148 O perfil definido de ramo do direito inglês positivado é obra, principalmente, de três Chancillors: 1) Lord Nottinghan, 2) Lord hardwick e 3) Lord Eldon. O primeiro foi o iniciador da REFORMA DA EQUITY e é tido como o fundador da EQUITY POSITIVA. 149 O segundo CHANCELLOR, sendo originário do KING´S BENCH, tratou de harmonizar os dois sistemas; enquanto o terceiro se dedicou à aplicação da Doutrina do Stare Decisis à EQUITY, tornando obrigatório á CORUT OF EQUITY acatar o que tenha decidido em casos similares anteriores. 150 É com este último que a EQUITY passa a apresentar a sua cara transmudada em traços firmes e caracterizadores da última subfase, a da RENOVAÇÃO. 151

3 RENOVAÇÃO DA EQUITY

A terceira e última subfase é a da RENOVAÇÃO DA EQUITY, que abrange os anos referentes aos séculos XIX e XX (1832 à atualidade). Não se trata de um ressurgimento da EQUITY ANTIGA, mas de uma EQUITY NOVA, que guarda muito pouco daquela. 152 Ela deixa marcada a função mais preventiva de vilações da lei do que repressiva, o que fica a cargo da COMMON LAW. 153

148 RABASA, El Derecho, p. 144; DAVID, Les Grands, n. 302. 149 RABASA, El Derecho, p. 144,: LORD NOTTINGHAN é o iniciador da reforma da EQUITY e é consagrado o fundador do racionalismo jurídico da equidade no direito anglo-americano. A EQUITY passa a ser vista como parte da COMMON LAW, que passa, por sua vez, a ter objeto mais amplo, para abranger um sistema global de direito positivo. 150 RABASA, El Derecho, p. 144. 151 Idem, p. 145. 152 Idem, ibidem. 153 Idem, p. 146: “Ao terminar o período do Juiz ELDON, este ramo do direito inglês já não seguiu sendo um meio de corrigir as deficiências e os rigorismos da COMMON LAW, mas um tipo de justiça, administrada pelos Tribunais Ingleses de Equidade, que tende a proporcionar recursos e meios processuais não só para remediar, mas, ante tudo, para prevenir as violações de direitos”.

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Com o REFORM ACT, de 1832, bem como com os posteriores, visando a culminar com a unificação dos tribunais reais, em 1873-1875 (JUDICATURE ACT) sob o nome de SUPREME CORUT FO JUDICATURE, a COURT OF EQUITY passou a ser uma sala ou divisão desta, sendo que todos os tribunais a ela ligados (Supreme) são competentes para aplicar tanto as regras de COMMON LAW quanto de EQUITY (Law and equity)154, sob um só procedimento unificado, de natureza processual e oriundo do primeiro sistema. O último resquício dos áureos tempos da EQUITY é o DIREITO DE PREFERÊNCIA em caso de conflito com aquela.155 Daí que se pode dizer, com toda a segurança, que o século XX aponta para uma fusão total dos dois modelos, originalmente tão diferentes e hoje tão assemelhados. O papel hoje desempenhado pela EQUITY pode ser desempenhado por qualquer Tribunal. É apenas uma técnica jurídica ao lado da COMMON LAW, com as devidas distinções. 156

SEÇÃO II PERÍODO DO MODERNO DIREITO INGLÊS

O último PERÍODO HISTÓRICO do Direito Inglês é chamado de Modernidade Jurídica. Tendo início nas primeiras reformas do século XIX, estende-se ao longo do século XX, cuja apreensão histórica se torna mais

154 DAVID, Os Grandes Sistemas Jurídicos Contemporâneos (1986), p. 314: “A distinção de common law e equity já não é, por isto, o que era antigamente; ela racionalizou-se em grande medida; a equity tende a tornar-se, se é que já não se tornou, o conjunto de matérias que se considera mais apropriados para se fazer julgar segundo um processo escrito, enquanto a common law se torna o conjunto de matérias que são apreciadas segundo o processo oral e outrora. De um modo geral, nos nossos dias j´[a não se pergunta qual é a sanção procurada, mas o ramo de direito no qual ela se encontra, para decidir se se está no domínio da common law ou da equity. A common law abrange, ao lado do direito criminal, todo o direito dos contratos e da responsabilidade civil (torts), os common lawyers aplicam aí livremente teorias tais como misrepresentation, undue influence, stopel, que foram por eles perfeitamente integradas na common law e mal se lembram de terem tido a sua origem na equity. A equity abrange o direito da real property, o dos trusts, das sociedades comerciais, o das falências, as questões de interpretação de testamentos e da liquidação de heranças. Algumas destas matérias pertencem historicamente à equity; para outras, pareceu simplesmente vantajoso que fossem tratadas segundo o processo e os métodos instituídos pela equity. 155 RABASA, El Derecho, p. 146. Em caso de conflito de competência entre as duas grandes linhas do Direito Inglês, a preferência cabe à EQUITY e não à COMMON LAW. 156 RABASA, El Derecho, pl. 146; DAVID, Les Grands, nº 296; PORTO, Considerações sobre a Estrutura do Direito nos Sistemas Jurídicos Comparados (198?), p. 26, afirma que “a distinção COMMON LAW e EQUITY não é mais, destarte, como antigamente; ela se racionalizou em grande parte: a EQUITY tende a tornar-se, se já não veio a ser, o conjunto de matérias que foi tido como apropriado para se processar e julgar por escrito, ao passo que a COMMON LAW tornou-se o conjunto de matérias que são processadas e julgadas segundo o procedimento oral de outrora”.

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dificultosa, dada a ausência do distanciamento temporal necessário para descrições e conexões necessárias em qualquer narração histórica.

Os tempos modernos do Direito Inglês pode ser dividido, com os mesmos critérios acima apontados, em duas fases157, a saber: FASE DAS GRANDES REFORMAS DO SÉCULO XIX e FASE DOS DESAFIOS DO SÉCULO XX 158.

§ 7º FASES DAS GRANDES REFORMAS

DO SÉCULO XIX

A Fase das Grandes Reformas do Direito Inglês durante o século XIX apresenta dois momentos particularmente marcantes, que dizem respeito à década de 30 e à década de 70, com a edição de dois estatutos ou leis primordiais, que dão um novo rumo ao direito159. O primeiro momento é o da entrada em vigor do REFORM ACT, de 1832160, que reformou o processo judicial do direito inglês, tanto da COMMON LAW quanto da EQUITY, durante o Reinado do Rei WILLIAM IV161. O segundo momento é o da expedição do ADJUDICATURE ACT, de 1873162, que reformou a organização judiciária inglesa de uma forma radical e sem precedentes, unindo os Tribunais de COMMON LAW e os Tribunais de EQUITY, durante o reinado da Rainha Vitória163.

157 DAVID, op. cit., nºs. 287 e 288. 158 SACARMAN, O Direito Inglês: A Nova Dimensão, (1978), p. 13. Sobre a EQUIDADE, a partir da UNIFICAÇÃO DO DIREITO INGLÊS, operada no último quartel do século XIX, cfr. PORTO, Considerações, op. cit., p. 26, que afirma que “A Eqüidade, enquanto ramo do direito destinado a corrigir a COMMON LAW, baseada em propósitos morais e de justiça, desnaturou-se. Com a unificação dos Tribunais, deixou de ter a EQUITY seu sentido e expressões históricas”; VENTURA, Common Law and Equity (1986): “Para os tribunais ingleses, as razões que nos séculos passados justificaram a intervenção do Chanceler, não existem mais. Caso haja aperfeiçoamento necessário, a função cabe ao PARLAMENTO, através de STATUTS” (2.3). 159 STEPHENSON, Sources, op cit., ps. 723/725 e 750/753. 160 STEPHENSON, Sources, p. 723. 161 STEPHENSON, Sources, p. 723. 162 STEPHENSON, Sources, p. 750. 163 STEPHENSON, Sources, p. 750.

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O MOMENTO DA REFORMA PROCESSUAL indica que foram abolidas as antigas formas de ação, que atavam o direito inglês num formalismo exacerbado e impedia o desenvolvimento do seu direito material. Com isto, os juristas ingleses passam a dar mais atenção para o conteúdo de suas decisões, possibilitando assim, o desenvolvimento de categorias mais amplas, classificatória e sistematicamente agrupadas em torno de conceitos bem delineados164. Por outro lado, são revogadas muitas leis e ab-rogadas outras, há muito em desuso (desuetudo), operando-se uma clarificação e arejamento do direito inglês, facilitando a sua aplicação pelos tribunais165. Com isto se torna possível a disposição de um ordenamento legal de maior acessibilidade, consolidando-se decisões importantes em um sistema coerente e unitário de regras, dentro dos moldes do pensamento inglês166. O ultradesenvolvimento de uma legislação do direito inglês (STATUTE LAW), que acompanhou o evoluir histórico desde o surgimento da COMMON LAW, não desfigurou o pensamento jurídico inglês nas suas peculiaridades, mas possibilitou um tratamento mais adequado às questões emergenciais, que não seguem o ritmo decisional dos Tribunais167. Pode-se dizer que houve uma REVOLUÇÃO NO DIREITO INGLÊS, no século XIX, uma vez que operou radicalmente fundo na estrutura processual da COMMON LAW e, também, da EQUITY, que havia “embarcado” na formalização processual, ainda que trabalhasse muito mais a questão de fundo das CASES168. Não se pode esquecer que a Revolução Norte-Americana de 1776 e a revolução Francesa de 1789, para citar dois exemplos, influenciaram a história do mundo inteiro, principalmente no tocante às idéias liberais burguesas e republicanas. JEREMY BENTHAN é um jurista inglês fascinado pela codificação operada na França, em 1804 (CODE

164 DAVID, Les Grands, nº 287. 165 KELSEN, Teoria, op. cit., p. 123-24; DAVID, Les Grands, nº 287. 166 DAVID, Les Grands, nº 301. 167 DAVID, Les Grands, nº 301; sobre o sistema legislativo inglês, v. FARIA, “O sistema legislativo inglês”(1992), abordados em termos de estrutura e função; sobre o STATUTE LAW, enquanto terceiro ramo do direito inglês, ao lado da COMMON LAW e da EQUITY LAW, v. PEZZELLA, “Statute Law” (1992), que aborda o tema em termos de elaboração e interpretação do Direito Inglês escrito (“Legislation”). 168 DAVID, Les Grands, nº 287; sobre a fonte deste, nota 18.

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NAPOLEÓN), que introduz, na Inglaterra do século XIX, uma visão de direito legislado, à base de idéias democrático-liberais, como forma necessária de dar respostas às demandas sociais que surgem com a SEGUNDA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL, saindo-se vitorioso, e influenciando sobremaneira a REMORMA PROCESSUAL de 1832169. O MOMENTO DA REFORMA DA ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA inglesa demonstra que a clássica tripartição das Cortes Judiciárias foi unificada, juntamente com a da Chancelaria e as demais existentes, em uma única CORTE, a partir de 1873, com a LEI DA JUDICATURA170. Foram extintas, como veremos na parte II171, as COURT OF CHANCERY, COURT OF ADMIRALTY, LONDON COURT OF BANKRUPTCY, COURT OF PROBATE e COURT OF MATRIMONIAL CAUSES, bem como a COURT OF EXCHEQUER CHAMBER, COURT OF APPEAL IN CHANCERY, FULL COURT OF MATRIMONIAL CAUSES, THE COURT OF CROWN CASES RESERVED, que são órgãos de segunda instância, antes da CÂMARA DOS LORDES, para a Inglaterra172. A unificação de todas estas cortes sob o nome de SUPREME COURT OF JUDICATURE, com apenas duas subdivisões, RIGHT COURT OF JUSTICE e COURT OF APPEAL, representa uma transformação profunda que vai influir na supressão da distinção formal entre tribunais de COMMON LAW e tribunais de EQUITY, possibilitando a qualquer jurisdição aplicar as regras de ambos os sistemas, desideologizando o judiciário em termos de filosofia do direito e política jurídica173.

169 DAVID, Les Grands, nº 287; sobre a fonte deste, nota 19. A contribuição de JEREMY BENTHAM ao “jusracionalismo” pode ser vista com WIEACKER, “História do Direito Privado Moderno” (1980): “O combate de JEREMY BENTHAM (1748-1832) contra a casuística histórica e tradicional do ‘invisível’ “common law“ e a favor de uma codificação continental; na sua terra, porém, não encontrou nenhum eco significativo” (p. 314). O mesmo autor, p. 513, refere-se a BENTHAM como “rebento do iluminismo tardio”, ao lado de STUART MILL e JHERING, defensores do liberalismo, como a pandectística. Mais adiante, à p. 516, situa o jurista inglês na corrente positivista comtista, na vertente utilitarista, calcado na concepções de DARWIN. À p. 653 WIEACKER informa que BENTHAM influiu na formação do positivismo sociológico, tendo por modelo científico as ciências da natureza. NA visão de SCARMAN, Direito Inglês, op. cit., p. 96, ao propor a CODIFICAÇÃO DO DIREITO INGLÊS, tendo por base as consolidações de STATUTES existentes atualmente; nada mais faz do que ressuscitar, de uma forma renovada, o pensamento de BENTHAM, mais de um século depois. Sobre constituição e codificação, sob a influência de BENTHAM, v. GILISSEN. Introdução, op. cit., p. 216. Sobre a influência de BENTHAM na formação jurídica dos EUA, logo independente, DAVID, Les Grands, nº 362. 170 STEPHENSON, Sources, p. 750; DAVID, Les Grands, n° 287. 171 Cf. & 9° ss. 172 RABASA, El Derecho, p. 97/99. 173 RABASA, El Derecho, p. 99; GILISSEN, Introdução, op. cit. p. 215, referente à unificação jurídica inglesa: “Embora a legislação fosse considerada, na Inglaterra, secundária em relação à jurisprudência – apesar da composição democrática do Parlamento – ela conheceu, no século XIX, e sobretudo no século XX, um desenvolvimento notável. Foi por via legislativa (“statutes” de 1832-1833 e de 1873-1875) que foram introduzidas reformas profundas na organização dos tribunais e, por conseqüência, no processo e nas relações entre “common law” e “equity”. Do mesmo modo, foi por “statutes” que foram

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§8° FASE DOS DESAFIOS DO SÉCULO XX

A Fase dos DESAFIOS DA COMMON LAW NO SÉCULO XX dizem respeito, principalmente, aos problemas sociais surgidos durante, entre e após às duas Grandes Guerras Mundiais (1914-1918 e 1939-1945)174. Não nos é possível estabelecer, com um mínimo de segurança, uma divisão, ainda que meramente epistemológica, nesta fase do direito moderno inglês, uma vez que a Europa, como um todo, bem como o próprio mundo, está em franca e deliberada transformação. Daí a razão pela qual só nos é possível tecer considerações genéricas e referências puntuais sobre elementos do mesmo175. De qualquer forma, o Estado Moderno, no século XX, ingressa na ERA DO ESTADO SOCIAL ou do BEM ESTAR SOCIAL, e famoso WELLFARE-STATE em matéria de Direito Constitucional176. O ESTADO LIBERAL, calcado na idéia de um Estado guardião (gendarme), típico dos séculos XVIII e XIX, cede lugar ao ESTADO SOCIAL, calcado na idéia de um Estado responsável pelo bem-estar de seus cidadãos, tendo de intervir continuamente na sociedade civil para operar transformações radicais que garantam os compromissos assumidos de garantia de uma vida social digna e baseada em Leis gerais. Um ESTADO SOCIAL E DE DIREITO, intervencionista por natureza e publicizador das relações sociais177. As relações sociais entre ESTADO e SOCIEDADE CIVIL se entrelaçam de modo que uma ação meramente regulatória não é suficiente, tendo o Estado de agir de forma assecuratória, assumindo o papel de AGENTE ECONÔMICO principal. Esta nova atitude do Estado se

introduzidos um direito inteiramente novo e, em menor escala, um direito econômico novo, sobretudo depois de 1945, por pressão do “Labour Party”. 174 Para exemplificar, o final do séc. XIX é marcado, no plano internacional inglês, pela GUERRA DOS BOERES (1889-1902). 175 SCARMAN, O Direito, op. cit., é a obra mais completa editada no Brasil, sobre o moderno direito inglês, principalmente em termos de tendência modificadora. 176 DAVID, Les Grands, nº 288; SCARMAN, O Direito, p. 13 ss. 177 KELSEN, Teoria, op. cit., p. 183 ss; GALBRAITH, A Era da Incerteza (1977), p. 2 ss.

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reflete diretamente no Direito. Particularmente, na Inglaterra, a “mão visível”178. Os conflitos, no judiciário, já não são entre concepções jurídicas de COMMON LAW e de EQUITY, como no século XVII, mas entre o JUDICIÁRIO e o PARLAMENTO e a ADMINISTRAÇÃO179. Os conflitos, no judiciário, já não são mais entre concepções jurídicas de COMMON LAW e de EQUETY, como no século XVII, mas entre o JUDICIÁRIO e o PARLAMENTO e a ADMINISTRAÇÃO180.

1 A CRISE DA COMMON LAW

A crise em que entrou a COMMON LAW no século IV é sem precedentes perto da crise que enfrenta no século XX, com os desafios do MUNDO CONTEMPORÂNEO181. SCARMAN182, com toda a razão, levanta a seguinte colocação:

“Há no mundo contemporâneo desafios sociais, políticos e econômicos que destruirão o sistema (do common law) caso este não possa enfrentá-los. Estes desafios não são criados pelos juristas; eles certamente não podem ser eliminados por juristas; temos de enfrentá-los desfazendo-nos do sistema jurídico ou adaptando-o. Qual das atitudes tomaremos?”

A colocação acima demonstra que os desafios postos ao direito inglês são de ordem extrajurídica (METAJURÍDICA) e, portanto, vindos de fora do mundo jurídico. A influência de tais fatores (sociais, econômicos, políticos)

178 GALBRAITH, A Era, p. 3 ss, sobre a “mão invisível” de JOHN STUART MILL (em A Riqueza das Nações). 179 JAFE, English and American Judges as Lawmakers (1969), pp. 08/30 (“The functions of a judiciary in a moderns democracy”). 180 Cf. infra, §§ 15 e 16; PEZELLA, “Statute Law”, op. Cit., p. 12, citando ALLEN, “Las fuentes del derecho inglés” (1969), expressa a dimensão do conflito entre a produção de leis escritas e a produção de leis para o caso. 181 O Estado intervencionista na economia, regulamentando as relações sociais, cada vez mais complexas, através de incontáveis STATUTES (Legislação), dá a nova dimensão do Direito Inglês, “pondo em xeque” a COMMON LAW como um sistema jurídico-judiciário eficiente para as demandas do século XX. 182 SCARMAN, O Direito, p. 13.

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põe em risco a sobrevivência do sistema jurídico, logo, é por eles condicionado, tendo de responder a eles para poder sobreviver183.

2 OS DESAFIOS ATUAIS

Dentre vários desafios postos à COMMON LAW, cinco deles são destacáveis como principais: 1) Desafio proveniente do exterior (direitos humanos e mercado comum), 2) Desafio social (família e previdência social), 3) Desafio ecológico (meio-ambiente), 4) Desafio tecnológico (industrial), e 5) Desafio político (regional)184. O DESAFIO PROVENIENTE DO EXTERIOR se refere aos DIREITOS HUMANOS e à INTEGRAÇÃO EUROPEIA. A opinião pública internacional está em constante vigilância em relação à violação dos direitos humanos garantidos por inúmeros tratados internacionais, que dizem respeito a organismos como a OIT – Organização Internacional do Trabalho; a Carta das Nações Unidas de 1945 e a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948 demonstram a importância dos mesmos. A COMMON LAW não está preparada para por em prática e para defender eficazmente tais direitos que extrapolem da ordem nacional185. O Direito das Comunidades Européias (EUROPEAN COMMUNITES ACT), em 1972, reconhece uma fonte de direito, que deve ser aplicado pelos Tribunais internos, e a existência de um Tribunal, que não são controlados pelo Parlamento Inglês. Entretanto, a COMMON LAW não possui estrutura capaz de efetivar na prática este direito internacional, que é, ao mesmo tempo, interno186. O DESAFIO SOCIAL diz respeito a duas ordens gerais de coisas, típicas do mundo moderno. A primeira delas é a de que o Estado não pode

183 SCARMAN, O Direito, p. 13 ss; GILISEN, Introdução, p. 215, afirma que a concepção tradicional dos juízes ingleses, de interpretar a Lei escrita pela sua letra restritiva é “posta em xeque” diante da legislação dada na inspiração social, socializante, no welfare-state. 184 SCARMAN, O Direito, pp. 19-20; 185 SCARMAN, O Direito, pp. 24-5 e 41; 186 SCARMAN, O Direito, p. 33: O Tratado de Roma, que estabelece a Comunidade Econômica Européia, o Tratado de Paris, que cria a Comunidade do Carvão e do Aço, e o Eurotom, originando a Comunidade Atômica e, por fim, o Tratado de Unificação Européia; afirma o mesmo autor, às páginas 34: “o nosso sistema jurídico tem de adaptar-se a uma legislação (statute law) de novo estilo, que não do Parlamento Inglês”.

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negar aos cidadãos oportunidades de felicidade pessoal com escolha livre e igualdade de condições. A segunda ordem desafiante à COMMON LAW é o direito e garantia, pelo Estado, contra os males da pobreza, doença e velhice. Tudo isso importando na justa distribuição de riqueza como direito humano187. Estas mudanças sociais se apresentam como uma ameaça ao sistema jurídico inglês, pois é incapaz de dar resposta às questões de justiça social188. A NEW EQUITY no século XX não tem resposta para tais desafios e, muito menos, a COMMON LAW, naquilo que podem ter de diferentes entre si. As causas matrimoniais e destas decorrentes, como a tutela de menores e o divórcio como pensão; a administração e o controle da previdência social, são grandes desafios à flexibilidade do direito na luta pela sobrevivência. A sua redução a questões administrativas a serem resolvidas por organismos quase-judiciários sem revisão judicial de suas decisões não resolve o problema posto189. O DESAFIO ECOLÓGICO está intrinsecamente ligado ao problema do direito de propriedade e de posse. Os problemas ecológicos surgidos no século XIX, apesar de o judiciário ter remédios reparatórios e preventivos, referentes à população ambiental e danos ecológicos diversos, foi o Parlamento quem tomou a iniciativa eficaz. Na atualidade, ainda que haja remédio processual, o direito material mais resistente a estes desafios é o direito de propriedade, ponto de partida de todo o raciocínio jurídico da COMMON LAW. Somente um planejamento global pode solucionar este problema em grande escala190. O DESAFIO INDUSTRIAL está ligado ao anterior. Os conflitos resultantes das relações industriais e de desenvolvimento tecnológico têm como fonte principal as relações entre as organizações sindicais em confronto com os interesses de capital dos industriários, resultantes em paralisações, greves e BLACK-OUTS, com influência direta em outros interesses da sociedade, principalmente referentes a serviços básicos de

187 SCARMAN, O Direito, p. 41; 188 Idem, ibidem. 189 SCARMAN, O Direito, pp. 43, 47, 56-7; Cf. infra §15; O mesmo autor, à página 50 afirma: “O administrador diz que todas as informações estão nos seus arquivos e que as distinções encontram-se explicadas clara e completamente nos livros especificados. Mas os arquivos às vezes são falhos, e por que o direito aos benefícios devem ser necessariamente como o administrador interpreta? O cidadão poderá ter outras idéias e talvez esteja certo. O direito de apelar contra a decisão de um funcionário ou agente do governo deve ser efetivo. Cada plano tem o seu sistema especializado, e feito sob medida, de tribunais administrativos (ADMINISTRATIVE TRIBUNALS), sob a vigilância do CONSELHO DE TRIBUNAIS (Conuncil on Tribunals). Somente em 1958, com a Lei dos Tribunais e Investigações, foi introduzido um elemento de controle judicial, cuja efetivação prática raramente é efetivada pelos juristas”. 190 SCARMAN, O Direito, pp. 63, 67-8;

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consumo. A COMMON LAW, incapaz de interpretar o espírito da legislação, demonstra sua incapacidade para resolver tais problemas191. Por fim, O DESAFIO REGIONAL, referente à integração efetiva dos diversos países componentes da GRÃ-BRETANHA. As constantes ondas nacionalistas dentro do Reino Unido e a precariedade da organização judiciária globalmente estabelecida, dada a diversidade dos direitos existentes192.

3 A SOLUÇÃO CODIFICADORA

SCARMAN vê como alternativa uma CODIFICAÇÃO DO DIREITO INGLÊS, não à base da codificação romanista, mas adequada à realidade inglesa moderna, tendo por base uma reforma constitucional que resulte em uma CONSTITUIÇÃO ESCRITA que mantenha a ordem jurídica da COMMON LAW em termos renovados. Só assim, ocorrendo uma ADAPTAÇÃO DA COMMON LAW aos tempos modernos é que ela poderá sobreviver enquanto sistema jurídico eficaz na Inglaterra193.

191 SCARMAN, O Direito, pp. 73-4: “O desafio com os quais os juristas se defrontam é ganhar e manter a confiança do público no Direito como instrumento de controle. Não digo nada mais sobre as relações industriais do que o fato de os fracassos do Direito indicarem a necessidade, não a rejeição, mas da reavaliação do sistema jurídico: somente se a reavaliação não conseguir introduzir uma resposta aceitável, deveríamos embarcar nas águas desconhecidas, mas profundamente suspeitas, de uma atividade humana vital que se desenvolva fora do controle do Direito comum (general law)”. À página 73: “Creio e espero que todos concordem que um legar adequado dentro do Direito deve ser encontrado para as relações industriais. A questão que ainda não foi resolvida é onde deve ser este lugar”. 192 SCARMAN, O Direito, pp. 76/79; “Conforme reconhece a COMISSÃO REAL SOBRE A CONSTITUIÇÃO (Royal Comission on the Constitution), haverá o problema sério de como assegurar iguais direitos sociais, econômicos e pessoais, através das regiões independentemente governadas ‘de fato’ do Reino Unido (United Kingdom). Também será necessário assegurar que todos, em cada região do Reino Unido, usufruam dos direito declarados nos instrumentos internacionais dos quais o Reino Unido é uma parte” (p. 78). 193 SCARMAN, O Direito, p. 83 ss; A NOVA DIMENSÃO DO DIREITO INGLÊS, para o autor, passa pela efetivação de cinco (5) propostas ditas ‘experimentais’, a saber: 1) Uma nova carta constitucional que substitua a de 1689 e que seja elaborada pelo Parlamento, pelos juízes, pelas Comissões de Direito e pelo Governo, por meio de um programa por etapas, com estudos, pesquisas e consultas extensivas; 2) A base do novo acordo deveria ser as disposições legais básicas – inclusive uma Carta de Direitos (Bill of Rights) – e as restrições ao poder administrativo e legislativo, protegendo-o do ataque de uma escassa maioria parlamentar; 3) Uma Suprema Corte do Reino Unido (Supreme Court of United Kingdom) encarregada de proteger a constituição; 4) Deveria ser iniciado um estudo imediato sobre problemas da codificação do Direito Inglês; 5) Deveria ser estabelecido um mecanismo para tratar dos problemas paralelos ao desenvolvimento e da reforma do Direito, com referência especial ao Direito Administrativo”.

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PARTE II ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA INGLESA

A ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA INGLESA, como toda organização, é, ao mesmo tempo estrutural e funcional, no sentido de apresentar uma estrutura composta por diversos órgãos que desempenham funções diversificadas com uma unificação central. Daí poder se dizer que toda organização é um sistema organizacional, com ordem e unidade, o que permite um estudo mediante classificações descritivas194. Uma organização judiciária tem por objetivo a administração da JUSTIÇA195, no sentido distributivo do termo, uma das formas de expressão do poder e da soberania do ESTADO-NAÇÃO. È o objeto o ponto central e unificador de todo sistema. No plano político, pode-se dizer que é a forma administrativa do PODER JUDICIÁRIO196. Como toda organização é de índole administrativa, em se tratando de organização social, apresenta-se dentro de moldes hierárquicos e escalonados, podendo-se dizer que há órgãos superiores e órgãos inferiores, tendo por ponto de referência a amplitude ou extensão de poder que exercitam para determinar o funcionamento do outro197.

194 KELSEN, Teoria, op. cit., p. 191 ss. 195 KELSEN, Teoria, op. cit., p. 129. 196 KELSEN, Teoria, op. cit., p. 201 ss. “As normas de direito privado indubitavelmente desempenham uma função de proteger os interesses do Estado, o chamado interesse ‘público’. Se não o fosse, a aplicação do Direito privado não seria confiada aos órgãos do Estado. A única distinção válida é a que se baseia na diferença técnica entre o procedimento civil e criminal. Mas essa distinção não pode ser usada para distinguir o Direito Administrativo do Direito Privado” (p. 206). 197 KELSEN, Teoria, op. cit., p. 151.

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A jurisdição é a expressão do poder do Estado de distribuir a justiça entre os seus súditos, seja estes entre si, seja com o próprio Estado198. Toda jurisdição é exercida dentro de um âmbito temporal e espacial, into é, historicamente dada. O tempo e o espaço dizem respeito ao exercício da jurisdição, abstraindo os seus agentes. O exercício administrativo e jurisdicional, em um território, é feito através da delimitação de competências. Portanto, há órgãos competentes para processar, julgar e executar, com maior ou menor amplitude, os casos judiciais que lhes são submetidos199. Considerando em bloco a organização judiciária, a partir de seus grandes órgãos (TRIBUNAIS), a organização inglesa pode ser abordada sob o ângulo da JURISDIÇÃO SUPERIOR e da JURISDIÇÃO INFERIOR200. A organização judiciária na Fase romana da Inglaterra não deixou registro histórico201, mas pode-se inferir que as decisões políticas eram tomadas com força jurígena, e só na medida das necessidades de manutenção do poder político na terra estranha, deixando as tribos locais resolverem os seus conflitos pelo seus próprios meios. A organização na Fase anglo-saxônica, quando já possuía uma centralização política a Inglaterra, é muito simples, consistindo na JUSTIÇA DO REI e na JUSTIÇA DA ASSEMBLÉIA DOS HOMENS LIVRES202. O Rei decidia discricionariamente a Assembléia, com base nos costumes locais. Na fase FRANCA inicial, a organização é a mesma da Fase anterior: há a JUSTIÇA REAL (superior) e a JUSTIÇA LOCAL (inferior). A primeira age discricionariamente e a segunda aplica os costumes locais, através da mesma Assembléia. Entretanto, a complexidade aumenta, com a presença intensiva da Igreja Católica (Jurisdição Eclesiástica) e, com o surgimento do feudalismo, criando-se as Jurisdições dos Barões203.

198 KELSEN, Teoria, op. cit., p. 129 ss; “seja (entre) estes..., seja (entre) estes...”, isto é, respectivamente, relações privadas e relações públicas. 199 KELSEN, Teoria, op. cit., p. 155 ss; HART, O Conceito de Direito (1986), p. 33 ss.; Cf. infra § 9º ss. 200 Idem, ibidem. O vocábulo “tribunais” é tomado aqui na sua acepção continental; HART, à página 36 afirma: “Outras (regras) ainda estabelecem os cânones disciplinadores de um correto comportamento judicial e determinam o processo a seguir no Tribunal. Pode-se encontrar exemplos de tais regras, formando algo semelhante a um código judicial, na Lei dos Tribunais de Condados, de 1959”. 201 GLASSON, Histoire, v.1, pp. 6/8. 202 DAVID, Les Grands, op. cit., nº 269. 203 Idem, ibidem; Cf., ainda, supra, § 3º; TUNC, El Derecho, op. cit., p. 154, apregoa: “Os tribunais populares são os primeiros que vêm decair em sua importância sob a influência de diversas medidas ditadas pelo Rei e, principalmente na segunda metade do século XIII, por Henrique II. Esses tribunais, por outra parte, nunca tiveram a mesma importância que na França. Sua

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Ainda no Período de Formação da COMMON LAW204, A JURISDIÇÃO SUPERIOR é a CURIA REGIS ou o CONSELHO DO REI. JURISDIÇÃO INFERIOR é bipartida em Jurisdição eclesiástica e Jurisdição senhorial205. O Conselho do Rei se complexiza, bipartindo-se em CONSELHO MAIOR e em CONSELHO MENOR206. Do primeiro surgem o PARLAMENTO e o GOVERNO; do segundo, os primeiros TRIBUNAIS de justiça do rei207. Em 1168, desmembra-se da COROA (CONSELHO SELETO) a COURT OF COMMON PLEAS; depois, o KING’S BENHC e, por fim, o EXCHEQUER COURT208. Estes formavam a JURISDIÇÃO SUPERIOR, em relação à jurisdição dos senhores feudais (COURTS OF BARONS) e à jurisdição da Igreja (CANONS COURTS), a JURISDIÇÃO INFERIOR. Como a jurisdição inferior começou a entrar em decadência, com o desenvolvimento da jurisdição superior, o Rei mantinha sempre a última palavra em matéria de justiça; o apelo a ele de decisões dos Tribunais Reais se tornou comum, surgindo a EQUITY OF CHANCELER como JURISDIÇÃO SUPERIOR e os Tribunais se tornaram JURISDIÇÃO INFERIOR209. A primeira JURISDIÇÃO SUPERIOR, institucionalizada enquanto Tribunal de apelação, foi o KING’S BENCH210. No século XIV é institucionalizada a EQUITY e é criado um novo Tribunal, a COURT OF CHANCERY211. Posteriormente é criada a COURT

decadência prossegue no século XIII. Cessam de ter verdadeira importância no século XIV e já não subsistem no século XV, senão com uma competência muito excepcional. Paralelamente, os tribunais do Rei aumentam a sua competência, de um lado, com a ajuda de ficções bastante audazes e, por outro, sobre as bases do princípio segundo o qual o Rei é o soberano justiceiro do reino e o responsáveis pela paz pública”. À página 161: “As jurisdições eclesiásticas que haviam sido criadas no momento da conquista normanda, com a competência em matéria de contratos e delitos já não existem em 1857”. 204 Cf. supra, §3º. 205 DAVID, Les Grandes, op. cit., nº 269. 206 RABASA, El Derecho, p. 90. 207 Idem, ibidem. 208 Idem, ibidem; DAVID, Les Grands, op. cit., nº 287. 209 Cf. supra §5º, transformação ocorrida na prática; TUNC, El Derecho, p. 160: “Basta dizer que um violento conflito entre o CHANCELER e os TRIBUNAIS COMUNS foi resolvido arbitrariamente pelo Rei Jacobo I, em 1616, em favor do primeiro; e em 1621, as decisões da Equity são submetidas a recurso, na CÂMARA DOS LORDES”. 210 RABASA, El Derecho, op. cit., p. 91. 211 Idem, p. 95.

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OF ADMIRALTY, quando a MARINHA DE GUERRA adquire realce mundial e coloca a Inglaterra como Rainha dos Mares212. Mas surgem outros tribunais no século XIX, a partir do REFORM ACT (1832): COURT OF BANKRUPTCY, COURT OF PROBATE (1857, para casos de sucessão) e COURT OF MATRIMONIAL CASES (1857, para casos referentes ao matrimônio)213. Como órgãos de apelação, digamos segundo grau, foram criados, no mesmo século (antes de 1873) dezenove, mais quatro: COURT OF EXCHEQUER (para apelação em matéria fiscal), COURT OF APPEAL IN CHANCERY (para apelação em matéria julgada pela EQUITY), FULL COURT OF MATRIMONIAL CAUSES (Tribunal pleno para apelações em causas matrimoniais) e THE COURT OF CROW CASES RESERVED (para apelação revisional em causas de interesse da Coroa)214. A terceira, ainda antes de 1873, era composta por dois órgãos máximos da jurisdição superior: a HOUSE OF LORDS (também órgãos do Parlamento) e a JUDICIAL COMMITTEE OF THE PRIVY COUNCIL (para os demais países e territórios do Reino Unido)215. A partir de 1873, a configuração da organização judiciária inglesa muda totalmente. Há uma fusão dos tribunais anteriores e o surgimento de novos nomes, numa hierarquia mais complexa. A instância mais alta é formada pela HOUSE OF LORDS e pelo JUDICIAL COMMITTEE OF THE PRIVY COUNCIL (terceira instância e última)216. A segunda instância é formada pela COURT OF APPEAL (que é uma subdivisão da SUPREME COURT OF JUDICATURE, que apresenta secções para matéria penal e para matéria civil)217, que substituiu os quatro (4) tribunais de apelação intermediária existentes antes218. A primeira instância ficou configurada pela HIGH COURT OF JUSTICE (subdivisão da SUPREME COURT OF JUDICATURE), formada por cinco (5) divisões: CHANCERY DIVISION, COMMON PLEAS 212 Idem, ibidem. 213 Idem, p. 96. 214 Idem, p. 97. 215 Idem, p. 98; Cf. infra §§ 11 e 12; vimos supra que a Court of Chancery deixou de ser instância máxima em 1621. 216 RABASA, El Derecho, p. 102. 217 RABASA, El Derecho, p. 99. 218 Idem, p. 97 e 101.

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DIVISION, EXCHEQUER DIVISION, KING’S BENCH DIVISION e PROBATE DIVORCE AND ADMIRALTY DIVISION219. Em 1880, a COMMON PLEAS DIVISION e a EXCHEQUER DIVISION foram fundidas no KING’S BENCH DIVISION220. A JURISDIÇÃO INFERIOR foi criada a partir de 1846, através do COUNTY COURTS ACT221, e aprimorada em matéria criminal, com o COUNTY AND BOROUGH POLICE ACT222; mas é só no final da décsda de 70 e início da década de 80 que são emitidos os THE CRIMINAL LAW ACT (1977) e criada a COURT OF MAGISTRATES, em 1980, com o MAGISTRATES COURTS ACT223. Também se pode incluir na JURISDIÇÃO INFERIOR instituições e formas de solução de conflitos que não estritamente judiciais, como ocorre através de arbitragem, acordo extrajudicial, tribunais administrativos (TRIBUNALS) e processo administrativo224, desenvolvidos, principalmente a partir da década de 60 deste século225. A entrada em vigor, em 1984, do COUNTY COURTS ACT, valendo-se das disposições do THE CONSUMER CREDIT ACT, de CLAIM COURTS, dentro das COUNTY COURT, principalmente com a possibilidade de ARBITRATION226.

219 Idem, p. 99. 220 Idem, ibidem; com isto se verifica, que dos clássicos tribunais, Exchequer, Pleas, King’s Bench e Chancery na virada do século só restaram os dois último, ao lado da fusão de dois outros, existentes antes de 1875, Probate divorce and admiralty (probate, matrimonial e Admiralty – cf. p. 64, supra) Este enxugamento da máquina na administrativa do Judiciário inglês importa em re-hierarquização das Cortes, escalonado de maneira centralizadora, tendo por foco, na jurisdição superioi, a HIGH COURT e a HOUSE OF LORDS. 221 RUTHERFORD, Introduction to Law (1987), p. 34. 222 STEPHENSON, Sources, p. 735-6. 223 RETHERFORD, Introduction, p. 36. 224 Idem, p. 45/9. 225 Idem, p. 48-9. 226 Idem, p. 34; Cf. infra, §13; também, §16, sobre arbitragem; HART, O Conceito, op. cit., p. 37, cita o art. 48, I, do COUNTY COURTS ACT, de 1959, sobre competência, e.g., para ação reivindicatória do imóvel rural.

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CAPÍTULO I JURISDIÇÃO SUPERIOR INGLESA

A jurisdição superior inglesa é composta, na cúpula, por duas instâncias máximas, ambas órgãos específicos da CÂMARA DOS LORDES: 1) APPELATE COMMITTEE e 2) JUDICIAL COMMITTEE OF THE PRIVY COUNCIL. O primeiro é a instância máxima para o Judiciário Inglês (Inglaterra e País de Gales); o segundo é a instância máxima para todos os países e territórios ligados à Grã-Betanha, excluídos os dois mencionados.

Abaixo do APPELATE COMMITTEE OF HOUSE OF LORDS,

encontra-se a SUPREME COURT OF JUDICATURE, último degrau da organização judiciária antes de chegar à CÂMARA DOS LORDES, ápice do escalonamento hierárquico organizacional227.

Estudaremos primeiro a SUPREMA CORTE e depois a

CÂMARA DOS LORDES, nos seus dois desdobramentos.

SEÇÃO I SUPREME COURT OF JUDICATURE

A SUPREMA CORTE DE JUDICATURA apresenta duas grandes instâncias, sendo uma de primeiro e outra de segundo grau escalonário. A

227 RABASA, El Derecho, p. 102; DAVID, Les Grands, nº 327; sobre PRIVY COUNCIL, já no século XVII, Cf. TANNER, Constitucional Documents of the reigh of James I (1603-1625) whit an historical commentary (1960), pp. 128 ss. Sobre as Câmara do Parlamento Inglês, em especial a dos LORDS, cf. JENNINGS, The british constitution (1961), pp. 94 ss., cf. mesmo autor, The law and the constitution (1956), pp. 223 ss.

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primeira instância é composta por duas cortes: 1) HIGH COURT OF JUSTICE e 2) CROWN COURT. A primeira é de jurisdição civil; a segunda, de jurisdição criminal. A segunda instância dentro da Corte Suprema é formada por apenas uma corte: a COURT OF APPEAL228. Estudaremos, primeiramente, a HIGH COURT e, depois, a CROWN COURT e a COURT OF APPEAL.

§ 9º HIGH COURT OF JUSTICE

A ALTA CORTE DE JUSTIÇA inglesa é dividida em três (3) DIVISÕES, chamada DIVISIONAL COURT OF THE HIGH COURT cada uma: 1) THE QUEEN’S BENCH DIVISION, 2) THE CHANCERY DIVISION e 3) THE FAMILY DIVISION229. A competência de cada uma das divisões é meramente administrativa e não apresenta rigidez alguma, exceto para determinadas matérias especificadas em leis; de modo que qualquer causa pode ser proposta em qualquer delas, até porque há muito acabou a divisão do direito inglês em dois ramos (COMMON LAW AND EQUITY), estando ambos unificados sob um mesmo signo, a COMMON LAW230. Tratam-se de DIVISIONS que formam CIVIL COURTS, nada conhecendo em matéria criminal. Afora estas cortes, somente a jurisdição inferior, através das COUNTY COURTS tratam de matéria civil, como será visto oportunamente231. A composição da Alta Corte pode ser descrita a partir da existência de um PRESIDENT, de um LORD CHIEF JUSTICE, de um VICE-CHANCELER e de muitos JUSTICES, os PUISINES JUDGES232. No total há setenta e cinco (75) JUSTICES.

228 RETHERFORD, Introduction, pp. 35 e 38. Veremos, oportunamente, no §10, que a COURT OF APPEAL apresenta duas divisões materiais, a CIVIL DIVISION e a CRIMINAL DIVISION, para tratar de matérias civis e matérias criminais. De modo que da ALTA CORTE cabe apelação para a CIVIL DIVISION e, da CROWN COURT, para a CRIMINAL DIVISION. 229 RUTHERFORD, Introduction, pp. 33, 34; DAVID, Les Grands, nº 325. 230 RUTHERFORD, Introduction, p. 33; DAVID, Les Grands, nº 325. 231 RUTHERFORD, idem; cf. infra § 13. 232 DAVID, Les Grands, nº 325.

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O recrutamento dos componentes da Alta Corte é feito dentre ADVOGADOS altamente experientes e habilitados par advogar nos Tribunais Superiores. A investidura se dá através de ato nomeativo fetio pelo Rei233. O procedimento, em geral, apresenta duas faces, em termos de julgamento. São postas por um único juiz de primeira instância e, excepcionalmente, auxiliado por um Júri, cada uma das causas da Alta Corte234. A seção do Banco da Rainha (QUEEN’S BENCH DIVISION) é presidida pelo LORD CHIEF JUSTICE e composta por vários JUSTICES235. É competente, concorrencialmente, para todas as causa cíveis, como as demais Seções; trata, dentre outras, das ACTIONS IN CONTRAT AND TORT236. Apresenta, como subdivisão, duas outras cortes: ADMIRALTY COURT e COMMERCIAL COURT, como especialidade em questões de marinha mercante e de questões comerciais237. A seção da Chancelaria (THE CHANCERY DIVISION) é competente, principalmente, para questões referentes a TRUST, REVENUE CASES e WINDING-UP COMPANIES238. É dividida em duas cortes: COMPANIES COURT e BANKRUPTCY COURT, referentes a sociedades comerciais, falências e concordatas239. A seção de Família (THE FAMILY DIVISION) é competente para todas as causas referentes à família, incluindo divórcio, alimentos, casamento, dentre outras, testamentos e sucessão em geral. Não apresenta subdivisão como as outras240.

233 DAVID, Les Grands, nº 325; RUTHERFORD, Introduction, op. cit., pp. 51, 52. 234 DAVID, Les Grands, nº 325. 235 Idem, ibidem. 236 RUTHERFORD, Introduction, p. 33. 237 Idem, ibidem; DAVID, idem. 238 RUTHERFORD, Introduction, p. 33. 239 DAVID, Les Grands, nº 325. 240 Idem, ibidem.

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A CHANCERY DIVISION é presidida pelo LORD VICE-CHANCELER e é composta por vários JUSTICES. A FAMILY DIVISION é presidida por um PRESIDENT e tem vários JUSTICES241. Por fim, a doutrina menciona a existência de dois Tribunais na organização superior, a RESTRICTIVE PRACTICES COURT e o EMPLOYMENT APPEAL TRIBUNAL242.

§10 CROWN COURT E COURT OF APPEAL

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CROWN COURT

A CROWN COURT é a CORTE DA COROA, tendo sido criada em 1971 através do COURT ACT243. A sua competência exclusiva é para matéria criminal. Trata-se de uma CRIMINAL COURT, de primeira instância da JURISDIÇÃO SUPERIOR. Na jurisdição inferior, a instância criminal fica para as CORTES DOS MAGISTRADOS (MAGISTRATE’S COURTS). Para estas, aquela serve de segunda instância244. Somente os crimes mais sérios são julgados pela CROWN COURT245. Das sentenças da CROWN COURT, dependendo o caso, cabe apelação para a DIVISIONAL COURT OF THE QUEEN’S BENCH DIVISION246; em outros, para a CRIMINAL DIVISION OF COURT OF APPEAL247. Somente os casos mais importantes podem ser submetidos,

241 Idem, ibidem. 242 RUTHERFORD, idem ; DAVID, idem, à nota 3, refere-se aos tribunais: RESTRICTIVES PRACTICES COURT, criado em 1956 e reorganizado em 1976, e EMPLOYMENT APPEAL TRIBUNAL, criado em 1978. É de se ressaltar, contudo, que o autor não menciona suas fontes, deixando inclusive de mencioná-los obra posterior, sobre o mesmo tema, Lê Droit Anglaise, de 1987. RUTHERFORD, Introduction, op. cit., edição do mesmo ano de 1987, também não os menciona. Carecemos de obras mais atualizadas para resolver a dúvida que persiste, cabendo ao leitor o avanço neste ponto. 243 DAVID, Les Grands, nº 325; RUTHERFORD, Introduction, op. cit., p. 36; cf. ifra §14, sobre Corte de Magistrados. 244 RUTHERFORD, Introduction, op. cit., p. 37. 245 Idem, ibidem. 246 Idem, ibidem. 247 RUTHERFORD, idem, p. 37/39; DAVID, id., ibid..

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em último grau de recurso, tanto de acórdãos da DIVISIONAL COURT of the QUEE’S BENCH DIVISION, quanto da CRIMINAL DIVISION OF COURT OF APPEAL, para a HOUSE OF LORDS248. A composição da CROWN COURT é variada, sendo que o processo e julgamento se dá em conformidade estrita da natureza e gravidade das ofensas criminais249. Há diversos centros de trabalho em matéria criminal. Os centros de primeira categoria (FIRST TIERS CENTERS) são em número de 24 (vinte e quatro, sendo que neles judicam um Juiz da HIGH COURT JUDGE) ou um JUIZ DE CIRCUITO (“circuit judge”, neste caso, estando presente a HIGH COURT) na qualidade de PRESIDENTE250. Os CENTROS DE SEGUNDA CATEGORIA (Second Tiers Centers) são em número de dezenove (19) e são presididos, em conjunto, por juízes da Alta Corte e juízes de Circuito251. Os CENTROS DE TERCEIRA CATEGORIA (Thirds Tiers Centers) são em número de quarenta e seis (46), que são apenas visitados por juízes de Circuito252. Em suma, a CROWN COURT é composta por juízes da Alta Corte, por juízes de Circuito e, ainda, por uma terceira categoria, que não é juiz de carreira, o RECORDER253.

O recrutamento dos membros é feito dentre ADVOGADOS experientes, nomeados pela Rainha. Os Juízes de Circuito são juízes de carreira, com dedicação exclusiva e em tempo integral. Já os RECORDERS são JUÍZES TEMPORÁRIOS, advogados investidos temporariamente na função. Em 1975, havia trezentos e vinte e oito (328) RECORDERS, sendo que (40) eram SOLICITORS254.

248 RUTHERFORD, id., p. 39. 249 DAVID, Les Grands, n° 325. 250 RUTHERFORD, Introduction, p. 37. 251 Id., ibid.. 252 Id., ibid.. 253 Idem, ibidem; DAVID, idem; do mesmo autor, Le Droit Anglaise, p. 26: “La Crown Court est une formation nouvelle, créée em 1971 pour administer la justice en matièr criminel ne part aux tournées d’assises qui étaient effectuées en province par les judges de la High Court of Justice, d’autre part à des juridictions variées (Quarter Sessions notamment) qui n’étaient plus adaptées aux conditions de la société actuell”. 254 DAVID, Les Grands, n° 325; RUTHERFORD, Introduction, p. 37 e ps. 51 e 52.

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Quanto ao procedimento, as causas são julgadas por um Juiz monocrático, na sua maioria. Caso o acusado se declare inocente, o Juiz convoca um Júri para auxiliar no julgamento255. Não há a intervenção do MINISTÉRIO PÚBLICO em matéria penal, pois esta instituição256 não existe na Inglaterra. O processo se dá entre particulares. O entendimento é o de que a figura jurídica do Ministério destrói a igualdade processual entre as partes257.

2 COURT OF APPEAL

A COURT OF APPEAL é a CORTE especializada em recursos, constituindo o principal TRIBUNAL DE APELAÇÃO do sistema judiciário inglês, dentro da SUPREME COURT OF JUDICATURE258, estando fracionada em duas divisões: CIVIL DIVISION e CRIMINAL DIVISION259. A composição é feita pelos LORDS JUSTICES, em número de dezesseis (16), sendo que o presidente é o MASTER OF THE ROLLS260. O procedimento indica que as questões são distribuídas a um COLEGIADO DE JUÍZES, composto por três pessoas, que decidem pelo voto da maioria261. Há vários colegiados de juízes na Corte, sendo que um deles constitui a CRIMINAL DIVISION262. A composição desta CÂMARA CRIMINAL DE APELAÇÃO é a seguinte: um Juiz-Presidente, que é um LORD JUSTICE, e dois juízes da DIVISIONAL COURT OF THE QUEEN’S BENCH DIVISION.

255 DAVID, Id., ibid.; sobre o JÚRI, v. GILISSEN, Introdução op. cit., p. 214/15; JÁUREGUI, Sistema, op. cit., p.72/79; GLASSON, Histoire, op. cit.,v.6 && 336 (“le gran jury”), 337 (“petit jury”) e 338 (“verdict”); sobre o júri em matéria civil, cf. mesmo autor e mesmo volume, & 331; DAVID, Les Grands, n° 325. 257 O entendimento de DAVID, Les Grands, n° 332, é reproduzido em “Le droit anglaise”, p. 56: “II n’y a pas en Anglaterre de ministère public. Le procès penal se dércule comme un procès civil; c’est um procès entre um particular et un particulier”. 258 DAVID, id., ibid.. 259 Id., ibid. 260 Id., ibid. 261 Id., ibid. 262 RUTHERFORD, Introduction, p. 36; Cf.infra & 11: “There is further appeal, on points of law, to the “HOUSE OF LORDS” (Whith when sitting as the judicial committee of the House of Lords,…)”.

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A Câmara decide apenas pelo voto à unanimidade, não podendo haver voto dissidente263. Dos acórdãos da Court OF APPEAL cabe recurso, em casos estritos, ao JUDICIAL COMMITTEE OF THE HOUSE OF LORDS, como instância máxima, tanto em matéria civil quanto criminal264.

SECCÃO II HOUSE OF LORDS E JUDICIAL COMMITTEE OF

THE PRIVY COUNCIL

A TERCEIRA e última INSTÂNCIA do sistema de organização judiciária inglesa é composta de dois super-órgãos, a CASA DOS LORDES e o COMITÊ JUDICIAL DO CONSELHO PRIVADO265. A HOUSE OF LORDS apresenta duas funções, correspondentes a duas funções do Estado: jurisdicional e legislativa266, além de uma função dita política, que consiste em discutir políticas nacionais e internacionais e avaliar os projetos de leis apresentados pelos membros da Câmara dos Comuns267. Apenas nos interesse a função jurisdicional da HOUSE. O JUDICIAL COMMITTEE é o segundo comitê da HOUSE OF LORDS, ao lado do APPELATE COMITTEE, sendo sua função primordial a de servir de órgão recursal máximo das decisões tomadas pelos Tribunais de Alta Cúpula dos países da COMMONWEALTH e dos diversos territórios ingleses espalhados pelo Mundo, como é o caso da ILHA DAS MALVINAS. Na verdade é um COMITÊ DE APELAÇÃO para fora da INGLATERRA268.

§ 11 HOUSE OF LORDS

263 “COMMITTEE” traduzimos por COMITÊ e não COMISSÃO (“COMISSION”), termo utilizado da Jurisdição Inferior. 264 MORAIS, “House of Lords” (1993), ps 8/10 e 12/14. 265 Id., p. 11/12. 266 SMITH, “The new commonwealth and its constitutions” (1964), cap. 1, ps. 1/37. 267 RABASA, El Derecho, p. 90. 268 STUBBS, “The constitutional history of England” (1896), v. 2, p. 234; STEPHENSON, Sources, ps. 153/54 e 159/161.

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1 ORIGEM

A CASA DOS LORDES tem origem no KING´S COUNCIL, ou CURIA REGIS, ou simplesmente COROA, como preferem alguns. O CONSELHO DO REI, após a INVASÃO FRANCA (Normanda), foi se tornando complexo a ponto de ser dividido administrativamente em dois: o GRANDE CONSELHO (COMMON COUNCIL) e o PEQUENO CONSELHO (SELECT COUNCIL)269. O SELECT COUNCIL, nos séculos XII e XIII, deu origem aos TRIBUNAIS DA COMMON LAW, a começar pela COURT OF COMMON PLEAS, primeiro tribunal de WESTMINSTER, O COMMON COUNCIL deu origem ao PARLAMENTO INGLÊS, no século XIII (1254-1275)270. A própria MAGNA CARTA, de 1215, no item 14, se refere ao CONSELHO GERAL DO REINO, composto por diversos membros do reino, convocados por carta, para deliberar em matéria tributária, indiciando o surgimento do Parlamento271. O PARLAMENTO INGLÊS é bicameral. Há a CÂMARA DOS COMUNS (HOUSE OF COMMONS) e a CÂMARA DOS LORDS (HOUSE OF LORDS). Esta é bipartida, em sua competência jurisdicional: APPLATE COMMITTEE e JUDICIAL COMMITTEE. No Parlamento, só a Câmara dos Nobres tem competência jurisdicional272. A dupla competência jurisdicional indica que o poder jurisdicional é extensivo para abranger a Inglaterra, diversos países da GRÃ-BRETANHA, diversos países de fora desta273 e a diversos territórios dominados. 269 STEPHENSON, sources, p. 118: “... and in order to have the common counsel of kingdom...”. 270 *STUBBS, Constitutional, v. 3, n° 426, sobre a história da divisão do Parlamento em duas casas. 271 De SMITH, The new, op. cit., ps. XIV A XVI e p. 2. 272 RUTHERFORD, Introduction, p. 36; DAVID, Les Grands, n° 326, não se refere a “Lords ex-chancellors”, mas só a Lords. 273 RUTHERFORD, Introduction, p. 36; DAVID, id., n° 326. *CAM, “SELECTED historical essays of F. W. Maitland” (1957), ps. 266/276, apresenta o texto de MAITLAND, intitulado “Willian Stubbs, Bishop of Oxford”, no qual comenta sobre a vida deste e a obra “Constitutional History”.

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2 COMPOSIÇÃO

No que diz respeito à composição da HOUSE OF LORDS, somente estão habilitados para julgar três espécies de Lordes, a saber: 1)LORD CHANCELLOR, 2)LORDS OF APPEAL IN ORDINARY e 3)EX-LORD CHANCELLORS274. O primeiro preside o Comitê. Quanto à competência, julga apenas em grau recursal, recursos provenientes da COURT OF APPEAL e, em casos extraordinários, recursos provenientes, diretamente, da HIGH COURT OF JUSTICE275. Recebe ou não o recurso discricionariamente, pois o conhecimento do recurso é um privilégio, não constituindo um direito subjetivo276. O procedimento na HOUSE OF LORDS é o seguinte. Toda causa é submetida a um COLEGIADO composto por cinco (5) ou (3) LORDS. Cada LORD examina, em separado, a causa, emitindo a sua opinião (SPEECH) sobre a admissibilidade ou não, para a qual é necessário decisão favorável da maioria. O mesmo se diga quanto ao julgamento do mérito da consulta277. É possível apelar inclusive, do COMITÊ DE APELAÇÃO DA CÂMARA DOS LORDES para o plenário da CÂMARA DOS LORDES, em casos excepcionais. Também é possível apelar, “per saltum”, de qualquer Corte, diretamente, para a Câmara dos Lordes, desde que sejam preenchidos os requisitos: 1°)que o juiz do processo o autorize; 2 °)que as partes consintam de comum acordo; 3°)que haja um ponto de Lei de imp ortância pública geral, no tocante à tramitação da Lei e 4°)que tenh a autorização da

274 David, Les Grands, id., ibid.; FRANCE, “L’anglaise juridique et le droit anglaise (1987), edição bilíngüe, n° 37 : Appeals from the country courts and the High Court are read in the Court of Appeal Civil Division, and may go on to the House of Lords (with the leave of court of the House)”. 275 DAVID, Les Grands, op. cit., n° 326. 276 JÁURÉGUI, Sistema, op.cit., p. 65: “La jurisdicción del a Cámara de los Lordes es casi la única y la más extensa. En los casos civiles, los lordes recibem apelaciones de las cortes de apelaciones, pero en este caso debe mediar un permiso de la Corte de Apelaciones o del Comité de Apelaciones de la misma Cámara de los Lordes. El fundamento de la apelación no puede ser una cuestión de interpretación de la ley, como ocurre en lo criminal. Pero una ley del año 1969 se introdujo en la legislación lo que se ha dado en llamar “LEAP FROG” (literalmente “salto del a rana”) o l oque nosotros llamamos “per saltum”. Isto significa que la posibilidad de apelar directamente desde cualquier corte a la Cámara de Lordes, sin necesidad de apelar previamente a la Corte de Apelaciones. (...).La apelación a la Cámara del os Lordes en asuntos criminales tiene un origen moderno. A pesar de que un “writ of error’ (recurso de error) estuvo siempre disponible antes del presente siglo, no existó un derecho general de apelación hasta que apareció la Ley d Apelaciones en lo Derecho Criminal de 1907”. 277 TANNER, “Constitutional documents of the reigh of James I (1603-1625) with an historical commentary” (1960), p. 131/139, sobre o CONSELHO PRIVADO no século XVII.

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Câmara dos Lordes. Os três primeiros podem ser alternativos à avocação da Câmara dos Lordes ou de seu Comitê de Apelação, caso em que se torna obrigatória a subida do recurso. Tudo isto apenas em matéria cível. Não sendo possível em matéria criminal278.

§ 12 JUDICIAL COMMITTEE OF THE PRIVY COUNCIL

O segundo Comitê da Câmara dos Lordes é o COMITÊ JUDICIAL DO CONSELHO PRIVADO, dentro de sua função jurisdicional279. A competência é estritamente recursal e não julga processos provenientes dos tribunais da SUPREME COURT OF JUDICATURE, pois estes o são pelo APPEAL COMMITTEE280. A sua competência se restringe ao julgamento, em máxima instância jurisdicional de recursos provenientes de (2) classes de Tribunais superiores, a saber: 1)SUPREMOS TRIBUNAIS DOS TERRITÓRIOS BRITÂNICOS de além-mar; 2)SUPREMOS TRIBUNAIS DOS PAÍSES DA COMMONWEALTH281. Muitos Estados da COMMONWEALTH aboliram esta instância jurisdicional, com o movimento de independência ocorrido neste século282. A composição do COMITÊ JUDICIAL é feita por duas classes de juízes: 1)JUÍZES DA CÂMARA DOS LORDES e 2)JUÍZES provenientes dos territórios e dos países da Commonwealth283. Isto porque tais juízes, freqüentemente, têm de aplicar um direito comum aplicado na Inglaterra, mas dos territórios ou Estados da proveniência dos recursos284.

278 Cf. supra, & 11. 279 RABASA, El Derecho, p. 102 (“UNITED KINGDOM”); DAVID, Les Grands, n° 326; De SMITH, The new, “preface”; STEPHENSON, Sources, ps. 839/841, sobre o “STATUTE OF WESTMINSTER OF 1932”. 280 De SMITH, The, new, ps. 38 ss: “degrees of dependence”; DAVID, Les Grands, n° 326, citando Austrália (parcialmente), Nova Zelândia, Gâmbia e Serra-Leoa; dentre os territórios, cita-se as FOLKLANDS (Ilhas Malvinas). 281 DAVID, Les Grands, n°326. 282 Id., ibid.. 283 Id., ibid.. 284 JÁUREGUI, Sistema, op. cit., p. 66: “Las decisiones de este Comitê Judicial son obligatórias para todas las cortes del territorio de onde provienen estas apelaciones. Las decisiones gozan de gran autoridad en todo el Commnwealth y en la Gran Bretaña”.

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As decisões do COMITÊ JUDICIAL, são denominados PARECERES, cuja função é subsidiar a solução de conflitos pela Coroa Inglesa. Entretanto, são verdadeiros acórdãos, cujo prestígio se compara às decisões proferidas pela mesma Câmara dos Lordes, na qualidade, de COMITÊ DE APELAÇÃO, nunca deixando de serem cumpridas285. Historicamente, o CONSELHO PRIVADO era o antigo CONSELHO REAL (a Curia regis ou “KING’S COUNCIL). Até o século XVII, este conselho dirigia todo o poder do Gabinete. Atualmente, suas funções se diferenciaram. É composto principalmente de MINISTROS DE GABINETE, ex-ministros e “LAW LORDS”, sendo seu presidente um membro do GABINETE, com o título de PRESIDENTE do CONSELHO PRIVADO. O COMITÊ JUDICIAL é apenas uma parte do CONSELHO PRIVADO. O “LORD CHANCELLOR” é o Presidente do CONSELHO e integra o COMITÊ, além dos CONSELHEIROS PROVADOS, que ocupam altas patentes judiciais, como os “LAW LORDS”286.

285 Matéria civil e criminal. 286Matéria administrativa “lato sensu” e “stricto sensu”.

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CAPÍTULO II JURISDIÇÃO INFERIOR INGLESA

A JURISDIÇÃO INFERIOR inglesa apresenta uma organização peculiar. É composta de duas ordens principais, que poderemos chamar de 1)JURISDIÇÃO COMUM287 e 2)”JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA”288. A JURISDIÇÃO COMUM é composta por JURISDIÇÃO CIVIL e por JURISDIÇÃO CRIMINAL. Estas duas são compostas por diversos tribunais distribuídos nas divisões administrativas do território inglês, os CONDADOS ou COUNTIES289. A JURISDIÇÃO CIVIL é expressa pelas COUNTY COURTS, enquanto a JURISDIÇÃO CRIMINAL se expressa nas COURTS OF MAGISTRATES290. A “JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA”291 pode ser vista de dois ângulos distintos: como “CONTENCIOSO “QUASE-JUDICIÁRIO” (VISÃO DE RENÉ DAVID) e como “ALTERNATIVA JURISDICIONAL” (VISÃO DE RUTHERFORD, TODD e WOODLET)292.

287 HAWKINS, “The oxford minidictionary” (1988): “county is major administrative division of a country”. 288 Cf. infra, §§ 13 e 14. 289 DAVID, Les Grands, n° 329, chama “contencioso quase-judiciário; RUTHERFORD, Introduction, p.45 ss, “Other institutions and process for the resolution of conflict”. 290 Preferimos as duas divisões para demarcar dois ângulos diferenciados de visão, porém completamente entre si. 291 Cf. infra, §§ 13 e 14. 292 O tratamento diferenciado diz respeito a uma divisão operada que separe o que é judiciário do que não é (ou só o é quase, i e., não em sua plenitude e reconhecimento legal). FRANCE, “L’anglaise juridique et le droit anglaise” (1978), chama às MAGISTRATES’ COURT de “TRIBUNAUX D’INSTANCE” e, às COUNTY COURTS, de ”TRIBUNAUX DE CONTÉ”, às ps.80-81. Em espanhol e em português, CORTE DE MAGISTRADOS e CORTE DE CONDADOS ou CORTES MUNICIPAIS. Para o significado etimológico do termo “court”, ver JÁUREGUI, Sistema, p. 61/62, como “pátio”, e que traduz por “TRIBUNAL DE JUSTIÇA”, modernamente. À p. 63, afirma que “la división entre cortes superiores y cortes inferiores es tradicional em la ley inglesa”.

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SECÇÃO I JURISDIÇÃO COMUM

Por Jurisdição Comum entende-se a jurisdição que trata de matérias civis e matérias criminais. Há uma espécie de corte para cada uma delas. As CORTES DE CONDADOS tratam das matérias cíveis. As CORTES DE MAGISTRADOS tratam da matéria criminal293. Cada espécie de Corte Comum apresenta características peculiares, razão pela qual merece tratamento diferenciado na abordagem294.

§ 13 COUNTY COURTS

1 ORIGEM E DESENVOLVIMENTO

A organização judiciária dos anglo-saxões, antes da conquista Franca, dava-se através de divisões militares chamadas CENTÚRIAS e DECÚRIAS, conforme fossem formadas por 100 ou por 10 homens. O mais antigo dos guerreiros de cada uma era o Chefe militar de cada divisão. Estes antigos guerreiros também exerciam o papel de magistrados ou juízes em suas divisões e eram chamados COUNT. (ancião, tal qual um senador romano). Eles se reuniam em assembléia de COUNT295. Portanto, enquanto exercício jurisdicional, havia uma Corte de Anciões, uma Corte de Centúrias e uma Corte de Decúrias, chamadas, respectivamente, COURT OF COUNT, COURT OF HUNDRED e COURT

293 GLASSON, Histoire, v. l., § 18, com detalhes sobre a hierarquia organizacional; à p. 471, nota 5, a origem do termo COURT (“comte”, “gerefa”, em francês, significado velho, idoso, ancião). 294 GLASSON, Histoire, v. l., os. 471/474; à nota 2, da p. 471, corrige FUSTEL DE COULANGES, neste tocante, sobre a obra “Orígenes des institutions politiques em France”. “ ‘COURT’ era, nesta época, le lugar em que se reunían, em los patios, cercados de paredes y sin techo”, segundo JÁUREGUI, Sistema, p. 62. 295 GLASSON, Histoire, p. 472; o A. Dá origem do termo ”sheriff’”, pelo “scir-geréfa” (“shire-reeve”).

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OF TEN (Count Court, Hundred Court e Ten Court)296. Todas como organizações reais, deliberavam em assembléias ou reuniões. O “CONT”, não podendo estando estar em todos os lugares,para exercer suas funções, passou a ser auxiliado pelo SHERIFF, o vigia do Count297. Com o tempo, o vocábulo COUNT deu origem ao significado de PROVÍNCIA, como COUNTY; no feudalismo, as terras de um CONDE formavam um CONDADO, subdividido em HUNDRED298. A jurisdição do HUNDRED e do COUNT foram mantidas pelos CONQUISTADORES FRANCOS, pois facilitava a convocação dos homens livres pelo Rei, quando quisesse fazer uma Assembléia da Nação, em caso de necessidade. Em última instância, podia-se apelar de uma decisão do TRIBUNAL DE CENTÚRIA ou do TRIBUNAL DO COUNT para a justiça do Rei299. Com o desenvolvimento do FEUDALISMO, estas jurisdições foram substituídas pelas jurisdições dos SENHORES FEUDAIS, surgindo as COURTS OF BARONS, dentre outras300, no século XII, só vindo a ressurgir as COUNTY COURTS na primeira metade do século XIX, com THE COUNTY COURTS ACT, em 1846301, sendo aprimoradas pelos COURT ACT de 1976302 e COUNTY COURTS ACT de 1984303. A competência das COUNTY COURTS é muito variada e pode-se dizer que é residual, em matéria cível, em relação à competência da HIGH COURT OF JUSTICE, principalmente pelo fato de que estas não julgam causas de valor inferior a duas mil libras esterlinas (₤ 2.000); sendo, ainda, competentes para processar e julgar questões de DIVÓRCIO com revelia304.

296 DAVID, Les Grands, n° 269; à nota 4, divisão de Condado, traduzível por província, município. 297 GLASSON, Histoire, p. 472; o Autor dá origem ao termo sheriff, pelo scir-geréfa (shire-reeve). 298 DAVID, Les Grands, nº 269; à nota 4, divisão de Condado, traduzido por província, município. 299 GLASSON, Idem, pp. 478-81. 300 DAVID, Id., nº 269; cita, também, outras cortes, como COURT LEET e MANORIAL COURT. 301 RUTHERFORD, Introduction, p. 34; JÁREGUI, Sistema, op. cit., pp. 68-9. 302 JÁEREGUI, Sistema, op. cit., p. 69. 303 RUTHERFORD, Introduction, p. 34; DAVID, id., nº 328; JÁREGUI, Sistema, op. cit., chama a estas cortes de CORTES DE CIRCUITO (p. 69): “Estas cortes existem desde la Edad Media, pero han perdido su importancia y han sido modernizadas por la Lei de Cortes de Condados de 1846” (p. 68). 304 DAVID, Les Grands, nº 328; RUTHERFORD, Introdiction, p. 34, refere-se a ₤ 5.000 (cinco mil libras esterlinas) e a competência para in contract actions e tort actions.

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De qualquer modo, pode-se ingressar com uma causa da competência ratione materiae da HIGH COURT na COUNTY COURT, se estiver contemplada pelo baixo valor; bem como se pode ingressar com uma causa da COUNTY COURT pelo valor, na HIGH COURT pela relevância da matéria305. O CONSUMER CREDICT ACT, de 1974, deu exclusiva jurisdição para as COUNTY COURTS processarem e julgarem as disputas referentes ao consumo que não estejam previstas no Ato, incluindo as nele previstas306. A composição da COUNTY COURT é feita por um JUDGE OF CIRCUIT (juiz de circuito) que é auxiliado por um REGISTRAR (oficial de registro, escrivão)307. Existem atualmente em torno de 300 juízes de circuito na Inglaterra e Gales308, sendo que são recrutados dentre ADVOGADOS experientes, os BARRISTERS309, e nomeados pela RAINHA, após indicação do LORD CHANCELLOR310. Os REGISTRARS são recrutados pelo JUDGE e por ele nomeados, dentre SOLICITORS com mais de sete anos de experiência advocatícia311, podendo exercer a função ao mesmo tempo em que exerce a advocacia, desde que não na mesma COURT, a partir da entrada em vigor, em 1984, do COUNTY COURTS ACT. O procedimento na Corte é simples. As causas são apresentadas perante o JUDGE, através do REGISTRAR (escrivão), que as processa e

305 RUTHERFORD, idem, ibidem. 306 Idem, ibidem; sobre o conceito de consumidor, na acepção jurídica, vide BENJAMIN, “O conceito jurídico de consumidor” (1990) e MARQUES, “Contratos no Código de Direito do Consumidor” (1992), pp. 50 ss. e 65 ss.; RUTHERFORD assim se espressa: “Conunty courts have been given, by statute, exclusive jurisdiction in some matters. The consumer Credict Act, 1974, for exemple, gives exclusive jurisdiction to county courts in relation to civil disputes arising out of the provisions of the Act”. Sobre a proteção do consumidor em contratos de compra e venda, v. AMARAL JÚNIOR, “Proteção do Consumidor no Contrato de Compra e Venda” (1993), terceira parte (a perspectiva do direito comparado), pp. 179/183 (2. Sistema Inglês), que afirma que “foi somente em 1893, com a promulgação do SALES OF GOODS ACT, que ocorreu a primeira sistematização das regras em matéria de vendas. Tal sistematização reflete em seu conjunto as características básicas do liberalismo econômico, permitindo às partes ampla liberdade na estipulação dos conteúdos contratuais”. Estes princípios passam a ser restringidos, principalmente a partir de 1973, visando a equilibrar as posições dos contratantes, pelo CONSUMER CREDIT ACT. 307 DAVID, Les Grands, op. cit., nº 328; RUTHERFORD, Introduction, p. 34. 308 JÁREGUI, Sistema, p. 69, cuja edição é de 1990; DAVID, idem, nº 328, refere-se a 260 só na Inglaterra, cuja edição francesa é de 1982 (8ª). 309 DAVID, Les Grands, op. cit., nº 328. Os barristers são os únicos advogados habilitados a dvogar em Corte Superior. Os solicitors só advogam na jurisdição inferior. 310 DAVID, Idem, ibidem. 311 RUTHERFORD, Idem, ibidem.

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as julga em uma única audiência, iniciando, imediatamente, a execução, que deve ser cumprida, sob pena de desobediência à decisão judicial312.

2 SMALL CLAIM COURTS

O REGISTRAR exerce duas funções bem distintas nas COUNTY COURTS. A primeira é a de ESCRIVÃO, como CHEFE DA SECRETARIA DA CORTE, onde são feitas as reclamações e marcadas as audiências, bem como estando presente nas audiências para auxiliar o JUDGE. A segunda função é a de JUIZ LEIGO ou ÁRBITRO313. A função jurisdicional do REGISTRAR institui na COUNTY COURT uma verdadeira SMALL CLAIM COURTS314, um verdadeiro JUIZADO DE PEQUENAS CAUSAS INGLÊS. O ADMINISTRATION OF JUSTICE ACT, de 1973, na tentativa de fortalecer a competência das COUNTY COURTS, para fazê-la atuar como TRIBUNAL DE PEQUENAS CAUSAS, estendeu o poder delas para poderem decidir por ARBITRAGEM, em causas de pequeno valor, não excedente a ₤ 500 (quinhentas libras)315. A Corte pode determinar que muitos processos judiciais sejam submetidos à arbitragem, qualquer que seja, e, em iguais termos, para decidir com base no JUSTO E NO RAZOÁVEL (a EQUIDADE E O JUSTO). As REGRAS DA CORTE determinam o poder do REGISTRAR para agir como ÁRBITRO, dentro dos limites de valor acima posto, exceto em caso de consentimento das partes, quando pode ultrapassar o montante316.

312 Idem, ibidem; DAVID, Le Droit esglaise, op. Cit., p. 33 : ”Dans chaque Cour de Comté on trouve, à côté du juge, un REGISTRAR, qui prépare l’audience publique du juge, et qui est habilité à statuer lui-même sur les affaires d’importance minime. Le REGISTRAR est le plus souvent un ‘solicitor’ de la localité, qui n’exerce pas sa function de REGISTRAR à temps complet”. 313 RUTHERFORD, Introduction, op.cit., p. 34; DAVID, Les Grands, op. cit., nº 328. 314 RUTHERFORD, Idem, ibidem; NETO, “Juizados Especiais de Pequenas Causas e Direito Processual Civil Comparado” (1985), pp. 71-3. 315 RUTHERFORD, idem, ibidem. 316 Idem, ibidem.

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A DECISÃO DO ÁRBITRO é registrada como JULGAMENTO e tem a mesma força de uma decisão proferida pelo JUDGE317. Quanto às custas judiciais, inexistem, se a causa é de valor inferior a ₤ 500, exceto para as despesas de citação da parte contrária; de modo que não há sucumbência para o vencedor318. Este procedimento desencoraja o acompanhamento por ADVOGADO (Legal Representation) e auxilia na celebridade do processo, incentivando as partes a CONCILIAR (CONSILIAÇÃO: settlement) seus interesses319. A introdução da COUNTY COURT ARBITRATION se demonstrou mais apropriada para as CAUSAS DE CONSUMO. Sendo estas de pequenos valores, constituem verdadeira oportunidade para os que tiveram seus direitos violados persegui-los judicialmente, sem custas, sem advogado e com resultados mais rápidos320. Das decisões das COUNTY COURT, seja por JULGAMENTO, seja por ARBITRAGEM, cabe recurso para a COURT OF APPEAL ou, antes, conforme o caso, para a respectiva DIVISIONAL COURT OF THE HIGH COURT. É possível levar uma causa desde a COURT OF COUNTY até a JUDICIAL COMMITTE OF THE HOUSE OF LORDS, desde que a questão seja relevante e tenha respaldo legal321.

§ 14 MAGISTER’S COURT

A justiça dos Magistrados é criação deste século, mas as suas origens se encontram nos JUÍZES DE PAZ, cuja função era de exercer a jurisdição inferior de repressão. No século XVIII, em 1972, operou-se uma verdadeira revolução, pois tais juízes passaram a exercer não só um papel de repressão policial, mas também a de JUÍZES DE INTRUÇÃO CRIMINAL. Posteriormente as duas funções, no século passado, foram distintas, mas o

317 RUTHERFORD, Introduction, p. 34. 318 Idem, ibidem; DAVID, Les Grands, nº 328, refere ₤ 200. 319 RUTHERFORD, idem, ibidem. 320 Idem, ibidem. 321 Idem, p. 35-6; DAVID, idem, ibidem, só refere a COURT OF APPEAL como instância recursal; cf. supra §11.

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JUIZ DE PAZ e o JUIZ DE POLÍCIA continuaram sendo juízes de exceção322. A definitiva institucionalização da MAGISTRATES’ JURISDICTION só vai se dar no final da década de 70 e início da de 80 deste século, com o CRIMINAL LAW ACT, de 1977, e o MAGISTRATES’ COURT ACT, de 1980323.

1 MAGISTRADOS

Toda matéria criminal, no direito inglês, na jurisdição inferior, é processada e julgada pelas MAGISTRATES’ COURTS (CORTE DE MAGISTRADOS). Há duas clássicas divisões dos delitos e duas classes de juízes que judicam nesta modalidade jurisdicional324. Os magistrados criminais são 1) os JUSTICE OF THE PEACE e 2) os STIPENDIARY MAGISTRATES. As infrações criminais são 1) PETTY OFFENCES (ou SUMMARY OFFENCES) ou 2) INDICTABLE OFFENCES325. Ambas as classes estão habilitadas para processar e julgar as duas classes de delitos assinaladas. O recrutamento dos JUSTICES OF THE PEACE é feito dentre os cidadãos da localidade da MAGISTRATE COURT, constituem verdadeiros JUÍZES LEIGOS, no sentido lato do termo, uma vez que não necessitam ser juristas326.

322 GLASSON, Histoire, v. 4, § 319; STEPHENSON, Sources, pp. 735 e 736, sobre Conuty and borough police Act”, de 1856. 323 RUTHERFORD, Introduction, op. cit., p. 36; JÁREGUI, Sistema, p. 69, 70: “Estas cortes tienen competencia civil y criminal y están presididas por dos o más magistrados legos (LAY MAGISTRATES), no pagados (jueces de paz), nombrados por el ‘chancellor’ directament, asistido por un empregado letrado”. 324 DAVID, Les Grands, nº 328; RUTHERFORD, Introduction, p. 36. 325 RUTHERFORD, idem, ibidem; DAVID, idem, ibidem; HAWKINS, The Oxford, op. cit., conceitua assim: “INDICTABLE is make or begning liable to indictment (make a formal accusation against the accused)”; “STIPENDIARY: recuving a stipend( salary)”. 326 DAVID, idem, ibibem; JÁUREGUI, Sistema, p. 69, sem citar a fonte bibliográfica, afirma que são nomeados pelo LORD CHANCELLOR.

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Pelo fato de serem leigos, são auxiliados por um jurista, denominado CLERK, que é seu secretário. Este é remunerado, mas os JUSTICES exercem suas funções gratuitamente327. A quantidade maior é de PEACE’S JUSTICE: cerca de 22.000328. Nos grandes centros urbanos e em LONDRES não há JUSTICES OF THE PEACE, mas sim STIPENDIARY MAGISTRATES. Exercem as mesmas funções daqueles, mas apresentam diferenças que não são desprezíveis329. São recrutados dentre ADVOGADOS (BARRISTERS e SOLICITORS) eleitos pelas corporações330, escolhidos pelo LORD CHANCELLOR e nomeados (investidura) pela RAINHA331. Ao contrário dos juízes de paz, são remunerados, assalariados, como o próprio nome indica, e exercem suas funções com dedicação exclusiva e em tempo integral, logo, sua função é incompatível com o exercício da advocacia332. Há a exigência de que tenham, no mínimo, sete anos de experiência profissional333. Quanto à competência, exercem-na tanto em delitos pequenos quanto nos grandes. Exceto em casos estipulados pela lei, não atuam em casos sem o auxílio de outro STIPENDIARY MAGISTRATE. Na prática, são juízes singulares334.

2 DELITOS CRIMINAIS

327 DAVID, idem, ibidem; HAWKINS, The Oxford, define CLARK como: “person employed to do written work in an office”; JÁREGUI, Sistema, op. cit., p. 69, cita como bibliografia, que tem detalhes sobre o tema, a obra “The Magistrates’ Courts”, de F. T. GILLES, Pelican Book, 1949, entretanto, não cita a cidade da publicação. 328 DAVID, Les Grands, op. cit., nº 328. 329 Idem, ibidem; JÁUREGUI, Sistema, p. 69. 330 DAVID, idem, nº 331; JÁUREGUI, idem, ibidem. 331 DAVID, idem, ibidem; JÁUREGUI, idem, ibidem, afirma que são nomeados pelo próprio LORD CHANCELLOR; RUTHERFORD, Introduction, op. cit., p. 36, ignora este aspecto. 332 DAVID, idem, nº 328; JÁUREGUI, idem, ibibem. 333 DAVID, idem, ibidem; JÁUREGUI, idem, ibidem. 334 DAVID, idem, ibidem; JÁUREGUI, idem, ibidem: “La gente Del pueblo califica a estas cortes como el lugar onde van a parar los borrachos. Pero quienes conocen a fondo sus funciones lãs calificam como mucama de la justicia, y otros como las cortes que hacen de todo”.

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As SUMMARY OFFENCES são julgadas ilimitadamente pelos MAGISTRATES (stipendiary and of peace), entretanto, não possuem competência para condenar a multa superior a ₤ 2.000 e nem a prisão superior a seis (6) meses335. As INDICTABLES OFFENSES possuem tratamento muito diferenciado. Dá-se dois tratamentos, levando-se em conta os critérios gravidade do delito e vontade do indiciado, que afeta diretamente a competência da Corte, limitando esta a proceder um PROCESSO PRELIMINAR (INDICIATORY) ou um PROCESSO DEFINITIVO (ACCUSATORY)336. Se a imputação indica a existência de um crime que deve se punido, com base nos precedentes, a mais de seis meses de detenção e/ou multa superior a ₤ 2.000, a Corte deve iniciar um PROCESSO PRELIMINAR de verificação de todos os indícios de culpabilidade presentes na ação delituosa (DOLO e CULPA), findo o qual decide através de uma sentença declaratória da existência ou não de tais indícios, remetendo os autos e o acusado para a CROWN COURT, que o processará e condenará, se for o caso. Entretanto, dado o fato de que a CROWN COURT, em geral, condena a penas pesadas, o acusado pode decidir pela manutenção do caso na CORTE DE MAGISTRADOS, como opção337. Neste caso, por opção do indiciado, fica prevento o juízo na jurisdição inferior, independentemente da gravidade do delito. Mas não são todos os casos que permitem tal opção, mas apenas os fixados em Lei e nos precedentes338. A maior desvantagem do acusado é que não pode se beneficiar da presença de um JÚRI, mesmo que se declare inocente, diferentemente se se tratasse de SUMMARY OFFENCE339.

335 RUTHERFORD, Introduction, p. 36; JÁUREGUI, Sistema, p. 69, refere-se a ₤ 1000 como teto máximo, para os delitos menores, os misdemeanours; DAVID, Les Grands, nº 328, silencia neste tocante. 336 JÁUREGUI, idem, ibidem; DAVID, idem, ibidem; RUTHERFORD, idem, ibidem. 337 Idem, ibidem. 338 DAVID, Les Grands, op. cit., nº 328; JÁUREGUI e RUTHERFORD silenciam neste tocante. 339 Idem, ibidem.

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Afora a competência criminal, a COURT OF MAGISTRATES apresenta uma pequena COMPETÊNCIA CIVIL, ainda que para casos restritíssimos, como são os casos de investigação de paternidade (affiliation proceedings), separação judicial (making of separation), manutenção da ordem (maintenance orders)340. Esta competência civil pode ser agrupada em duas classes: MATÉRIA DE DIREITO DE FAMÍLIA e MATÉRIA DE DÉBITOS FISCAIS (créditos referentes a serviços prestados por órgãos públicos, como taxas, contribuições, etc.)341. Das decisões dos MAGISTRATES cabe recurso, em matéria criminal, para a CROWN COURT e, em matéria civil, para a QUEEN’S BENCH DIVISION342.

SEÇÃO II JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA

Inexiste na Inglaterra uma JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA que possa se assemelhar à exercida pelos TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS FRANCESES343, entretanto, há inúmeros órgãos criados pelo Governo inglês que têm como função dirimir conflitos, fora do âmbito judicial, existentes entre particulares e entre estes e atos administrativos do Governo na aplicação dos inúmeros STATUTE LAW344. Para tanto, existem CONSELHOS (BOARDS), COMISSÕES (COMMISSIONS) e TRIBUNAIS (TRIBUNALS), todos eles excluídos do PODER JUDICIÁRIO. Entretanto, dado o fato de tratarem de conflitos interpessoais e de conflitos com a ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, de fato exercem um poder assemelhado ao jurisdicional, ainda que não de direito.

340 RUTHERFORD, Introduction, p. 36. 341 DAVID, idem, ibidem. 342 Idem, ibidem; RUTHERFORD, idem, p. 35, diagrama 2 e p. 38, diagrama 3; JÁUREGUI, Sistema, p. 69, sobre dados estatísticos: “Cabe señalar que por estas cortes pasan la maior parte de las causas criminales. Todos los procesos ciminales, com raras excepciones, comienzan em estas cortes y casi el 99% terminan em ellas”. 343 DAVID, Les Grands, nº 329. 344 Cf. infra, § 16.

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Daí a razão pela qual se pode agrupar estes organismos sob o título, entre aspas, de “JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA”345. A SUPREME COURT OF JUDICATURE, através das suas CORTES e DIVISÕES, é competente para julgar qualquer conflito existente entre cidadãos e o Estado, ou mesmo entre particulares, quando o conflito surge sobre a correta aplicação da LEGISLAÇÃO346.

Entretanto, para que conheça da causa referente à aplicação das Leis existentes, exige que antes tenham sido apreciadas por um dos órgãos específicos existentes para o tratamento preliminar da questão347. É evidente que a materialização destes ÓRGÃOS EXTRAJUDICIAIS, de tratamento meramente administrativo, pois não dão a última palavra em matéria de direitos, têm como função política primordial o DESAFOGAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO, pois esclareceram informativamente as pessoas a respeito do conteúdo das Leis, ordenam documentos de particulares para efetuarem cumprimentos legais e possibilitam a solução extrajudicial de conflitos através de ACORDOS, AJUSTES, diversos, minimizando a litigiosidade contida nas pretensões dos particulares348. Somente após esgotadas todas as possibilidades extrajudiciais é que as partes se habilitam a pleitear o que entendem ser o seu direito em relação ao Estado ou em decorrência deste a particulares349, perante um Tribunal superior. Os TRIBUNALS desta modalidade “quase-jurisdicional” nada, ou quase nada, têm a ver com o significado denotativo que o vocábulo assume para os países da chamada CIVIL LAW; nem mesmo tem o significado de COURT350. O estudo destes ORGANISMOS EXTRAJUDICIAIS, conotativamente denominados como integrantes de uma “JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA”,

345 DAVID, idem, ibidem, no tocante à denominação dos organismos, sem distinguir com precisão o tratamento de cada qual. 346 DAVID, Les Grands, n° 329. 347 Id., ibidem. 348 JÁUREGUI, Sistema, p. 69. 349 Id., ibid.; FRANCE, L’anglaise, op. cit., p. 162 ss, denomina, em inglês, “SPECIAL COURT” e, em francês, “JURISDICTIONS SPECIALES”, outras jurisdições que não serão aqui abordadas, mas inclui, dentre elas, os “administratif Tribunals (178) e as “Small Claims Arbitration” (p.186). 350 Os TRIBUNAIS são órgãos extrajudiciais e não são CORTES, na acepção tratada ao longo do trabalho. Para evitar confusão, melhor tomar o termo na acepção original, de “tribuna”, lugar onde se pode falar, discursar, queixar-se, ser ouvido.

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pode ser feito a partir de dois ângulos de apreciação, a que chamamos “CONTENCIOSO QUASE-JUDICIÁRIO” e “ALTERNATIVAS JURISDICIONAIS”, contemplando, respectivamente, a abordagem dada pelo francês RENÉ DAVID e pelos ingleses RUTHERFORD, TODD e WOODLEY351. Ao primeiro modo de abordagem, entendemos se tratar de aplicação de um método sintético; ao segundo modo, entendemos se tratar do uso de um método analítico. Ambos são partes necessárias para a clareza e distinções de estudo352.

§ 15 CONTENCIOSO “QUASE-JUDICIÁRIO”

(VISÃO DE RENÉ DAVID)

1 COMPETÊNCIA PRELIMINAR

A idéia de CONTENCIOSO indica a existência de litígio ou de pretensões afirmadas por uma parte e negada pela outra em satisfazê-la. A idéia de QUASE-JUDICIÁRIO demonstra que a existência do litígio não se projeta dentro do JUDICIÁRIO, mas fora dele. Não que este “fora” signifique uma autêntica extrajudicialidade, mas sim a presença de organismos que têm a aparência e a força que, muitas vezes, equivale-se à de um autêntico JUDICIÁRIO. Daí a idéia de “QUASE”, indicando um impulso para a JUDICIARIZAÇÃO353. São “como se” o fossem354.

351 Como já foi anunciado supra, a razão da abordagem dualista está no confronto e complemento de pontos de vistas. 352 CERVO, “Metodologia Científico” (1978), ps. 18/35, em especial, p. 31/33; Como vimos à nota 347, não trataremos das “Coroners’ Court” (cf. JÁUREGUI, op. cit., p. 70), “Juvenile Courts”, “Restrictive Practices Court” (cf. DAVID, op. cit., Les Grands, n° 325, nota 3), “The Count of Justice of the European Community”, “Criminal Injuries Compensation Board”. 353 Judiciarizar é tornar judiciário, órgão do judiciário, parte da máquina burocrática de distribuição da Justiça Estatal. 354 DAVID, Les Grands, n° 329.

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A composição destes ORGANISMOS é feita, em geral, por FUNCIONÁRIOS DO ESTADO e por PARTICULARES; de qualquer forma, por leigos ou não-juristas355. A competência é muito variada em termos materiais, mas em qualquer caso, cada ORGANISMO é específico para o tratamento dos conflitos; apresentam uma competência negativa em à competência das Cortes Superiores e Inferiores, pois está posta lá, onde tais Cortes não têm interesses em julgar; tratam de matérias que estão fora da competência das mesmas356, o que não deixa de ser uma competência residual357. A competência dos ORGANISMOS, além de ser residual, é uma competência que necessariamente deve anteceder o conhecimento da questão por uma Corte, o que a torna uma competência preliminar358.

2 COMPETÊNCIA MATERIAL

A competência material, como foi dito, é muito variada. Para se ter uma idéia mais nítida do alcance de tais ORGANISMOS, faz-se necessário apresentar, exemplificativamente, categorias de temas e a denominação dos assuntos tratados. Cita-se SETE: 1) econômica; 2) fiscal; 3) social; 4) inquilinato; 5) propriedade imobiliária; 6) administração militar; e 7) administração pública em geral359. Os ORGANISMOS ECONÔMICOS tratam de controvérsias que têm por objeto: 1) transportes aéreos; 2) marcas de fábrica; 3) direitos autorais; 4) transportes terrestres; 5) obtenção de espécies vegetais; 6) valores mobiliários e 7) radiodifusão360.

355 Id., ibid.; Id., “Os grandes sistemas jurídicos contemporâneos” (1986), “Muito variados na sua composição, como nas suas atribuições e nos poderes, às vezes, são ligados à administração” (p.337). 356 DAVID, Les Grands, n° 329. 357 Residual é o sobrante, o restante das causas não previstas para os Tribunais Superiores (Cortes). 358 DAVID, id., ibidem. 359 Id., ibidem. 360 Id., ibidem., a partir daqui são reproduzidas, ipisis literis, as matérias declinadas pelo corporativista francês; entretanto, buscamos dar uma certa sistematicidade aos títulos, bem como uma aproximação à nossa tradição de separar matérias de direito público e de direito privado.

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Pelos exemplos dados, a CATEGORIA ECONÔMICA trata de assuntos referentes a diversos ramos do Direito, a saber: 1) Direito Comercial; 2) Direito Industrial; 3) Direito Autoral e 4) Direito de Consumo361. Os ORGANISMOS FISCAIS abordam debates sobre: 1) imposto de renda; 2) contribuição predial; e 3) fraude fiscal. Estes três exemplos denotam matérias referentes ao: 1) Direito Tributário: a) Execução Fiscal362. Os ORGANISMOS IMOBILIÁRIOS tratam de litígios que versam sobre: 1) propriedade imobiliária, em termos de: a) desapropriação; b) exploração ou uso do solo. Tais exemplos evidenciam matérias que se enquadram no campo do: 1) Direito Real (civil); 2) Direito Administrativo; 3) Direito Agrário; e 4) Direito Urbanístico363. Os ORGANISMOS SOCIAIS enfrentam problemas referentes a: 1) previdência social; 2) hospitais; 3) pensões; 4) contratos agrícolas; e 5) demissão de empregados. Os cinco exemplos denotam um tratamento referente aos seguintes ramos do Direito: 1) Direito Previdenciário; 2) Direito agrário; 3) Direito trabalhista; e 4) Direito Civil364. Os ORGANISMOS DE INQUILINATO tratam de: 1) locação de prédios com móveis dentro (mobiliada); e 2) locação não mobiliada. Os dois exemplos expressam um ramo do Direito civil, com fulcro na LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA365.

361Direito público e direito privado, distinção feita na CIVIL LAW (Direito Continental). 362Somente direito público. 363 Ambos os ramos. HERMÍNIO A. CARVALHO traduz do francês para o português “exploração da terra”, significando limitações para o uso do solo urbano, razão pela qual se enquadra nos parâmetros do DIREITO PÚBLICO, Direito Urbanístico. Com o significado de “explorar”, no sentido de plantar, arrendar, etc., estaria no campo oposto. Não nos parece ser o caso, pois estaria na “matéria social”. 364 Direito privado. 365 Direito privado.

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ORGANISMOS MILITARES são aqueles que tratam de problemas referentes ao serviço militar: 1) adiamento; 2) objeção de consciência. Os exemplos trazem à tona o tratamento de direitos referentes ao 1) Direito Administrativo366. Os ORGANISMOS ADMINISTRATIVOS EM GERAL são categorias genéricas que tratam de assuntos de interesses direto da ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, totalmente vinculados ao GOVERNO ESTATAL, razão pela qual são denominados de TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS367. Os TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS exercem duas classes de funções, uma distinta da outra: 1º) como CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO e 2º) como CONTROLE ADMINISTRATIVO368. Enquanto CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO, os Tribunais exercem uma atividade que tende a dirimir conflitos surgidos no seio da Administração Pública, onde uma das partes é o PODER PÚBLICO, enquanto gerenciador da máquina administrativa, e a outra parte é a)um particular ou b)o próprio PODER PÚBLICO, mas expresso por outros órgãos setoriais, dentro da hierarquia administrativa369. Enquanto CONTROLE ADMINISTRATIVO, os Tribunais exercem uma atividade meramente fiscalizadora dos seus próprios atos, isto é, se a Administração Pública, através dos seus diversos ORGANISMOS (incluindo os Tribunais): a)efetuou os INQUÉRITOS ADMINISTRATIVOS dentro dos moldes prescritos em lei e b)proferiu sua DECISÃO ADMINISTRATIVA dentro do processo administrativo específico370. Estes diversos ORGANISMOS acima postos são fiscalizados através do exercício de um CONTROLE EXTERNO. Tal controle é exercido: 1)pela

366 Direto público. 367 Direito público; DAVID, “Le droit anglais”, op. cit., p.36/39: “Au-dessus de toute cette diversité, notons seulement un principe fondamental – les organismes de contenieux administratif ne constituent pas en Anglaterre, comme en France, une hiérarchie de jurisdictions autonome, mais ils demeurent soumis au contrôle de la High Court, où neuf juges aujourd’hui sont spécialisés dans les litigies avec l’administration” (p. 37). E, adiante, à p.38, afirma – ”Les organismes de contentieux administratif sont une chose nouvelle en Anglaterre. Leurs développement, toutefois, n’a rien de contraire à l’espirit de la ”common law” – dansce sistème conçu de façon moins rigide que le droit français...”. 368 DAVID, Les Grands, n° 329. 369 Id., ibid.; KELSEN, Teoria, op. cit., p. 191 ss. 370 DAVID, id., ibid..

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HIGH COURT OF JUDICATURES e 2)pelos COUNCIL ON TRIBUNALS. O primeiro é quase teórico, mas o segundo é efetivo na prática371. Com isto se verifica que há duas grandes ORDENS de ORGANISMOS “QUASE-JUDICIÁRIOS”, como classificação genérica, tendo como critério específico à estatalidade: 1) ORGANISMOS GOVERNAMENTAIS e 2) ORGANISMOS NÃO-GOVERNAMENTAIS, isto é, os primeiros como ORGANISMOS ESTATAIS e os segundos como ORGANISMOS PRIVADOS372. O surgimento e crescimento numérico destes Tribunais de contencioso administrativo, na Inglaterra, se deve à quantidade de atribuições que o ESTADO MODERNO, na era do “WELFARE STATE”, teve de assumir, necessitando criar diversos organismos governamentais e não-governamentais, que solucionassem os conflitos surgidos no seio da distribuição dos incontáveis benefícios sociais necessários373, que constituem verdadeiros desafios para o moderno direito inglês374, antes de serem debatidos em juízo, tais como bureax, commissions et tribunaux375.

§ 16 ALTERNATIVAS PROCESSUAIS

(VISÃO DE RUTHERFORD, TODD E WOODLEY)

As ALTERNATIVAS PROCESSUAIS dizem respeito, exclusivamente, à matéria civil, uma vez que a matéria criminal sempre apresenta guarida através dos Tribunais inferiores ou superiores. Isto demonstra que as

371 DAVID, id., ibid.; DAVID, “Le droit anglaise”, p. 37: ”Le contrôle qui est exercé (”High Court”) sur leur activité est à vrai diré limité, e son étemdue est encore souvent assez mal définie. Une branche nouvelle du droit anglaise, l’administrative law, étudie tant les contrôles internes que le contrôle par la justice auxquels sont aoumises les administrations anglaise”. 372 DAVID, Les Grands, nº 329. 373 DAVID, Le droit anglaise, p. 36. 374 SCARMAN, O Direito, op. cit., “Introdução”. 375 DAVID, Le droit, op. cit., pp. 36-7 : ”L’Anglaterre ne comporte pas de Conseil d’Etat, et prier même de juridictions administratives aurait paru aux yeux une d’un Anglais, au début de notre siècle, être une inconvenance. Aujourd’hui encore, on ne peut concevoir une hiérarchie de jurictions qui échapperait au contrôle du povoir judiciare, représenté par les Cours supérieures que nous avons décrites. Une grane évolution s’enst produit toutefois, avec le décans les idées et dans institutions, et il existe aujourd’hui, pour statuer sur le constentieux et organismes divers auxquels on a été parfois jusqu’a donner le nom auguste de Cours, évocateur pourtant du pouvoir judiciaire. Des juridictions spéciales existent pareillement en grand nombre pour statuer sur le contentieux soulevé par l’application de diverses lois (en matière de loyers notamment), où l’on a voulu organiser une justice noins formaliste et moins coûteuse. Les organismes en question, auxquels on confie des fonctions ”quasi judiciaires”, son multiples et leur variété se prête mal à une systématisation ou même à un classement”.

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Cortes inglesas, através da COMMON LAW, ainda apresentam resquícios formalistas que nunca foram abandonados ao longo do desenvolvimento de sua história376. O formalismo das ações judiciais, a demora de seu processamento e o custo econômico levou a sociedade a desenvolver processos alternativos à jurisdição, de modo que um conflito civil pode ser resolvido, pelo menos tentado, através de quatro (4) meios alternativos: 1) ARBITRAGEM, 2) CONCILIAÇÃO, 3) TRIBUNAL EXTRAJUDICIAL e 3) PROCESSO ADMINISTRATIVO377.

1 ARBITRAGEM

A ARBITRAGEM é uma alternativa à jurisdição, antes de qualquer debate judicial, que pode ser utilizada em duas circunstâncias especiais: 1) ou uma lei assim determina, 2) ou as partes, de comum acordo, a aceitam378. A origem deste procedimento é muito antigo, mas a sua regulamentação legal se deu através do ARBITRATION ACT de 1972379. Esta modalidade é utilizada principalmente pelas Empresas, uma vez que podem escolher pessoa de sua confiança sem publicidade externa e, além disso, possibilita a escolha de um profissional, como ÁRBITRO, muitas vezes mais habilitado para a causa do que um próprio juiz de carreira380. O PROCEDIMENTO ARBITRAL regulado por lei determina que da decisão do Árbitro pode haver recurso para a HIGH COURT, desde que duas circunstâncias objetivas aconteçam. A primeira diz respeito à inexistência de uma CLÁUSULA PROIBITIVA DE RECURSO, caso em que

376 RUTHERFORD, Introduction, p. 45. 377 Id., ibid.; Cf. infra, um a um, distintamente, “In relation to non-criminal matters, however, alternative processes have developed because of the limitations of an action in a civil court. Such actions are formal, time-consuming and expensive. Because of these factors a non-criminal dispute may now be resolved: (a) by arbitration; (b) by an out-of court settlement; (c) by tribunal; and (d) by an administrative process”. 378 RUTHERFORD, Introduction, p. 45. 379 Id., ibid.. 380 Id., ibid..

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as partes ficam impossibilitadas de se valer da via jurisdicional para rever a decisão do Árbitro. A segunda, inobstante à existência de acordo de exclusão, levando em conta o caso concreto, a HIGH COURT pode autorizar o Recurso, mas exclusivamente se considerar que a decisão, em relação a questões meramente legais, pode, substancialmente, afetar o direito de uma ou mais partes envolvidas381.

2 CONCILIAÇÃO

A CONCILIAÇÃO (SETTLEMENT) é a segunda modalidade de alternativa à jurisdição. A grossa maioria dos conflitos é resolvida antes que um juiz tome conhecimento da existência do conflito entre particulares. Trata-se de uma FASE PRELIMINAR de um processo judicial, no qual, as partes têm a possibilidade de compor seus interesses, através da transação formalizada em juízo ou fora dele (SETTLE)382. O SISTEMA DE CONCILIAÇÃO, na Inglaterra, é muito incentivado pelos órgãos públicos, pois apresenta muitas vantagens em relação à decisão judicial. Em primeiro lugar, se a tentativa conciliatória é feita em juízo, não há custas para o pleiteante (PLAINTIFF), que tem a chance de se beneficiar das vantagens que o ACORDO (SETTLE) pode auferir sem nada dispender economicamente383. Em segundo lugar, se a tentativa conciliatória é inexitosa, inicia-se imediatamente o processo judicial, caso em que o pleiteante (agora autor) somente terá de pagar custas e demais despesas judiciais se for derrotado. O medo da derrota (“fear of losing” é o principal instrumento que leva ao acordo judicial, uma vez que o derrotado terá de pagar muito caro pelo movimento da máquina judicial contenciosa384.

381 Id., ibid.; Cf. CPC brasileiro, arts. 1072 a 1102, que estatui diferentemente, cf art 1101: “Cabe apelação da sentença que homologar ou não o laudo arbitral. Parágrafo único: a cláusula “sem recurso” não obsta à interposição de apelação...” com fundamento nos vícios enumerados na Lei. 382 RUTHERFORD, Introduction, p. 45. 383 Id., ibid.. 384 Id., ibid.; o CPC brasileiro, arts. 447/448; CCB brasileiro, arts. 1025 (transação, judicial e extrajudicial).

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Em terceiro lugar, a via do acordo, muitas vezes, é a única alternativa para uma parte de recursos econômicos moderados, quando está frente a frente de um litigante economicamente mais forte, preparado com meios processuais para resistir até o fim e, possivelmente, poderia levar à ruína o hipossuficiente, caso ele persistisse no litígio. Isto leva, inúmeras vezes, à desistência de uma causa justa; o que já não ocorre na fase conciliatória385. Estatísticas demonstraram que entre 1963 e 1964, não havia chances de vitória de um particular hipossuficiente diante de outro abastado ou de uma grande corporação386. Entretanto, também estes levam vantagens na fase conciliatória, uma vez que o número de acordo, de lá para cá, cresceu enormemente, o que leva a crer que a parte mais fraca não tem alternativa a não ser ACORDAR387. O procedimento que inicia a tentativa conciliatória e se processa contenciosamente, em caso de inviabilidade transacional, possibilita um recurso para a COURT OF APPEAL e, desta, conforme o caso para a HOUSE OF LORDS388.

3 TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS

A terceira modalidade de alternativa à jurisdição, na solução de conflitos, dá-se através dos TRIBUNAIS (TRIBUNALS). Estes não são tribunais jurisdicionais (“Court”), mas sim tribunais extrajudiciais (“tribunals”)389. Estes tribunais são conhecidos como TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (“administrative tribunals”) em razão de sua estreita 385 RUTHERFORD, Introduction, p. 45. 386 Id., ibid.. 387 Id., p. 46. 388 Id., ibid.; cf. supra, recurso “per saltum”, nota 275ª; No Brasil, a CONCILIAÇÃO está especialmente tratada na Lei Federal n° 7244/84 e, no Estado do Rio Grande do Sul, nas Leis 9446/91 e 9443/91, todas referentes aos JUIZADOS ESPECIAIS E DE PEQUENAS CAUSAS CÍVEIS, onde também está regulada a ARBITRAGEM, fora dos formalismos estatuídos no CPC e CCB, em matéria de transação. Em todos os casos de conciliação não cabe recurso. Atualmente tramita, no Senado Federal, um Projeto de Lei de criação nacional de Juizados Cíveis e Criminais, nos moldes pensados pelo Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Ex-Desembargador do Estado. 389 RUTHERFORD, Introduction, p. 46.

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conexão com várias partes da Administração Pública inglesa e pelo fato de que as suas decisões constituem um meio para uma decisão judicial. Daí o seu caráter judicial, ainda que não jurisdicional (“judicial character”)390. O CARÁTER JUDICIAL advém, principalmente, do fato de tais TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS fazem um trabalho de conhecimento (identificação do fato controvertido) e de decisão (determinam o que deve ser feito), com base no que está previsto na Lei (“Statute”), isto é, decidem os casos concretos com base em estipulações legais por ele aplicadas391. A origem de tais TRIBUNALS está no pós Primeira Guerra Mundial, quando a Inglaterra entrou na era do WELFARE STATE, dando origem a uma explosão das atividades governamentais, baseada na concepção do ESTADO PATERNAL (“paternal state”), daí a necessidade de criar um grande número deles, com o objetivo de tratar das querelas surgidas na distribuição dos vários tipos de benefícios estatais392. Os TRIBUNAIS são órgãos adjuntos da Administração Pública, fazendo parte de todo o Sistema Governamental. Sendo parte do Corpo Administrativo e apresentando características judiciais, constituem verdadeira CORTES DE LEI (“COURT OF LAW”), onde são aplicados os principais ESTATUTOS (“STATUTE LAW”), o que permite, também, chamá-las COURT OF STATUTE393. Com isto verificamos a existência de um conjunto de verdadeiras cortes que não aplicam a “common law”, na Inglaterra, mas sim são especializadas na aplicação do direito legislado, os “statutes law”, justificando-se sua existência como verdadeira jurisdição inferior e de natureza administrativa (“jurisdição administrativa”)394. Os TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS possuem uma jurisdição definida por estatutos (“statutory jurisdiction”) e estes fixam as causas que podem tratar, ou seja, de particulares entre si (pessoa física ou organização comercial), seja entre estes e um Departamento Governamental395.

390 Id., ibid.. 391 Id., ibid.. 392 Id., ibid.; sobre as instituições administrativas como instrumentos de ordenação legal, cf. STONE, “Social dimensions of Law and Justice” (1966), “chapter 14, III”, em especial § 15, “The Twentieth Century Administrative Explosion” com farta bibiliografia sobre o tema, bem como § 22, sob o título “Problems of Control by The Judiciary of Administrative Decision”. 393 RUTHERFORD, Introduction, p. 46. 394 O que comprova que a primeira interpretação dos STATUS é do GOVERNO e não do Judiciário, como entendem alguns. 395 RUTHERFORD, id., ibid..

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As CORTES ORDINÁRIAS (“Court of common law”), diferentemente das CORTES DE ESTATUTO (“Statute Court”), pautam-se restritivamente pela regra do precedente, aplicando a doutrina do “stare decisis”396. A possibilidade de não estarem adstritas às suas decisões anteriores encontrou sua razão de ser nas razões dadas pelo LORD PEARCE, no caso “Anisminic v. Foreign Compensatio Comission”. Primeiro, os Tribunais são mais baratos (“speed”), mias céleres (“cheapness”) e especializados (“expert knowledge”), tratando de pequenas matérias sempre repetidas, que não envolvem grande soma de dinheiro e a aplicação dos estatutos não exige matéria de grandes princípios jurídicos397. Todos os TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS, sem exceção, devem sua existência dos estatutos e para os estatutos398. Afora as características comuns de todos os Tribunais, acima postas, há outras que podem ser declinadas. Entretanto, afora elas, nada mais há em comum entre os diversos existentes399. São elementos básicos dos Tribunais: a FANQUEZA (“openness”), a HONESTIDADE (“fairness”) e a IMPARCIALIDADE (“impartiality”), no transcurso do processo como nas decisões e execuções400. A FRANQUEZA determina que as audiências nos Tribunais sejam públicas e os resultados publicados, devendo ser motivados ou justificados racionalmente. A HONESTIDADE está na aplicação das normas adequadas ao caso concreto, prestando todas as informações requeridas sobre a administração.

396 Id., ibid.: “Tribunals may be described as bodies, other than courts of law (grifo nosso), with statutory jurisdiction to determine claims, usually, but not necessarily, between an individual (or business organization) and a government department. Whereas the ordinary courts, in addition to the determination of individual disputes, seek to lay down a coherent system of law through the system of precedent, tribunals do not”. 397 RUTHERFORD, Introduction, p. 46. 398 Id., ibid.. 399 Id., ibid.. 400 Id. Ibidem; “However, certain basic elements were considered derirable by the FRANKS COMMITTEE ON ADMINISTRATIVE TRIBUNALS AND INQUIRIRES and, in the main, it is possible to distinguish features in tribunals with are referable to an attempt to achieve these. FRANKS consideres ‘openness, airmess and impartiality’ should be watchwords for tribunals”. Poderemos traduzir tais princípios gerais da administração pública, previstos na Constituição Federal Brasileira, art. 37, caput: legalidade (fairmess), publicidade (openness), impessoalidade (impartiality) e moralidade (fairness), apenas para efeitos comparativos entre sistemas.

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A IMPARCIALIDADE no curso da reclamação está na igualdade de tratamento para ambas as partes, sem favorecimento, ainda que os Departamentos do Governo tentem influir nas decisões mais importantes. Daí a necessidade de a sede do Tribunal não poder estar nas dependências físicas do mesmo Departamento que é parte no processo administrativo401. Quanto à composição dos Tribunais, é feita, em geral, por três (3) membros em cada AUDIÊNCIA. Os “INDUSTRIAL TRIBUNALS” são presididos por um CHAIRMAN, legalmente qualificado, selecionado a partir de uma lista de nomes tirados do corpo de empregados e empregadores402. Quem escolhe o CHAIRMAN é o LORD CHANCELLOR. A seleção dos nomes que irão para a escolha é feita pelo Ministério apropriado ao Tribunal. Alguns cargos são para tempo integral e assalariado, enquanto outros são para tempo parcial e apenas com ressarcimento de despesas feitas403. As decisões proferidas pelos Tribunais são, em geral, definitivas; entretanto, podem ser impugnadas por meio de REVISÃO ou APELAÇÃO404. As maiores vantagens que os Tribunais oferecem são o custo baixo e maior acessibilidade. Normalmente as audiências são gratuitas e as partes são incentivadas a comparecerem pessoalmente, sem representante legal. Conforme o caso, o Tribunal pode auxiliar no pagamento de um representante. Os TRADE-UNIONS são representados por trade union official, assim como os Departamentos do Governo por um official of the government department. Em geral, os Tribunais possuem carga de atividades muito grande e intensa, em relação às cortes comuns.

401 RUTHERFORD, Introduction, p. 46. 402 Id., p. 47. 403 Id., ibidem; sobre a constituição, v. FRANCE, L’anglais, op. cit., nº 69; no nº 68, exemplifica dois Tribunais Administrativos: General Medical Council e Disciplinary Committee of The Law Society. Poderíamos citar como exemplo, no Brasil, do equivalente a um TRIBUNAL INGLÊS, a Comissão de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, prevista na Lei nº 4.215/63, vg., art. 132, e. 404 RUTHERFORD, Introduction, p. 47.

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Quanto à regulamentação dos Tribunais, inobstante sua criação e regulação por Estatutos determinados, é feita por um ESTATUTO GERAL (general statute), o THE TRIBUNALS AND INQUIRIES ACT, de 1971405. Este estatuto aprimora o disposto no Ato de 1958, que criou o FRANKS COMMITTEE ON ADMINISTRATIVE TRIBUNALS AND INQUIRIES, bem como o COUNCIL ON TRIBUNALS406. A principal tarefa do COUNCIL ON TRIBUNALS, que é composto por 10 a 15 membros sem dedicação exclusiva, é fazer o levantamento da situação de cada Tribunal, com base nos quesitos formulados pelo PARLAMENTO INGLÊS; anualmente o COUNCIL faz um RELATÓRIO minucioso que é submetido ao LORD CHANCELLOR, que o submete ao PARLAMENTO407. É com base nestes RELATÓRIOS ANUAIS que são identificados os problemas e o desenvolvimento dos Tribunais, apontadas as soluções; em suma, auxiliam na formação de novas regras procedimentais dos Tribunais408. O ATO de 1971 possibilitou a apelação de decisão de Tribunal para a HIGH COURT OF JUSTICE, quando a controvérsia se refere a um ponto previsto em algum Estatuto. Também determinou que as decisões deveriam ser fundamentadas por escrito, uma vez que as mesmas podem ser REVISTAS JUDICIALMENTE ou REFORMADAS em grau de recurso409.

4 PROCESSO ADMINISTRATIVO

A quarta e última alternativa à jurisdição se dá através do PROCESSO ADMINISTRATIVO (administrative process) e tem por base o fato de que o direito dos cidadãos é mais abrangente do que os direitos básicos fixados

405 Idem, ibidem. 406 Idem, ibidem; DAVID, Les Grands, nº 337; FRANCE, L’anglaise, op. Cit., p. 179, referindo-se à formalização criativa de um Tribunal, assim se expressa : ”Ils sount, en règle générale, institués par ACTE DU PARLAMENT ou em virtu de povoirs conférés par la loi et fixant également leur composition, leurs fonctions et leurs procédure”. 407 RUTHERFORD, Introduction, p. 47. 408 Idem, ibidem. 409 Idem, p. 48.

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em lei, o que, para ter um tratamento adequado, com base no número de remédios extrajudiciais, deve cumprir uma finalidade com certos meios410. O PROCESSO ADMINISTRATIVO como instituição extrajudicial foi criado em 1967, através do PARLIAMENTARY COMMISSIONER ACT, que criou a figura do COMISSIONÁRIO PARLAMENTAR como fiscal do bom funcionamento da Administração Pública411. A tarefa principal do COMISSÁRIO é investigar as queixas ou reclamações de INJUSTIÇAS EM CONSEQUÊNCIA DE MÁ-ADMINISTRAÇÃO praticadas pelos funcionários públicos em detrimento dos Departamentos do Governo Central. O significado de injustices e de maladministration está associado ao significado de loss (perda) e de demage (dano), isto é, a perdas e danos como resultado de injustiças praticadas por servidores públicos ao utilizarem inadequadamente a máquina administrativa412. Muitos termos podem estar inseridos dentro do significado global de má-administração, dentre os quais se encontram: bias (preconceito), neglect (negligência), innatention (desatenção), delay (demora), incompetence (incompetência), perversity (pervercidade), turpitude (terpidez), arbitrariness (arbitrariedade)413. A jurisdição do COMISSÁRIO é limitada. Certas queixas não podem ser por ele investigadas como é o caso das referentes à esfera de autoridades locais, empresas públicas e Serviço Nacional de Saúde414. O COMISSÁRIO não está vinculado exclusivamente às queixas dos usuários dos serviços do Estado para agir. Pode, DE OFÍCIO, iniciar uma investigação que julgue relevante e necessária. O seu poder discricionário possibilita isso.

410 Idem, ibidem; FRANCE, L’anglaise, op. cit., chaptre 21, trata Fonction Publique (The Civil Service), abordando, em rápidas linhas, em termos de estrutura e função de diversas categorias de funcionários públicos. 411 RUTHERFORD, Introduction, p. 48. 412 Idem, ibidem. 413 Idem, ibidem; Tratam-se, como se pode verificar, de COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO (CPI; PIC), cuja função é apurar irregularidades na Administração Pública. É o Poder Legislativo fiscalizando o Poder Executivo. Diferentemente dos Tribunais, que são órgãos do Poder Executivo. Diferentemente, também, do sistema brasileiro, cuja formação é eminentemente casuística, enquanto na Inglaterra o órgão é permanente. 414 RUTHERFORD, Introduction, p. 48.

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As queixas investigadas e com responsabilidade apuradas não dão direito ao COMISSÃO de distribuir indenizações (demages) pelos danos causados. Entretanto, na prática, têm obtido gratuitamente recursos econômicos de certos Departamentos de Estado para cobrir indenizações. Está dentro da competência do COMISSÁRIO efetuar investigações paralelas e processos em curso. Se descobrir fatos relativos a matéria séria, como resultado de sua investigação, pode fazer um RELATÓRIO ESPECIAL e remetê-lo ao PARLAMENTO, em caráter de urgência, sugerindo que este avoque os autos do processo e julgue a causa415. As exclusões impostas ao COMISSÁRIO DO PARLAMENTO são objeto de outras categorias de COMISSÁRIOS existentes. Os HEALTH SERVICE COMMISSIONERS são os encarregados da fiscalização do Serviço de Saúde. Os COMMISSIONERS FOR LOCAL GOVERNMENT416 são responsáveis por investigar a má-administração que resulta injustiças nos Governos Locais (Estados). Ainda que as CORPORAÇÕES PÚBLICAS (public corporations) não estejam na alçada dos COMISSÁRIOS DO PARLAMENTO, há CONSELHOS CONSULTIVO (v.g. Electricity Consultative Council) que mediam as relações entre os consumidores do serviço prestado e o corpo empresarial fornecedor, exercendo, na prática, investigações a partir de reclamações feitas417. Além dos acima referidos, pode-se encaminhar uma reclamação para os REPRESENTANTES ELEITOS, sejam eles Membros do Parlamento ou Conselheiros Locais, que tomas as providências cabíveis em cada caso, valendo-se dos órgãos competentes para das conseqüência à notícia posta. Por fim, há o MINISTRO DA FAZENDA (Home Secretary), que é responsável pela investigação de prisão ilegal com base em processo criminal em que há falta no julgamento, com poder para enviar à COURT OF CROWN o seu relatório, sugerindo o PERDÃO necessário. São as chamadas vítimas da Justiça418.

415 Idem, ibidem. 416 Idem, ibidem; As comissões de inquérito são muito comuns em qualquer administração pública. O regulamento de tais processos, no Brasil, na órbita governamental, é dado pela Lei Federal nº 8112, de 11.12.90 – Processo Disciplinar. 417 RUTHERFORD, Introduction, p. 49. 418 Idem, ibidem.

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Todos estes ORGANISMOS apresentam caráter administrativo e têm como função CORRIGIR as falhas da administração do Estado, prevenindo injustiças ou apontando as reparações necessárias em cada caso concreto419.

419 Idem, ibidem; para ver pelo ângulo de CONTROLE SOCIAL a atividade efetuada tendo por base o processo administrativo, refere-se o texto Social Control na Social Order, de SAWER, na obra Law in Society (1973), pp. 126/146. Ao que tudo indica, mesmo nestes casos, as Cortes mantêm sua competência jurisdicional, se provocadas, com base nas provas eligidas em tais processos administrativos.

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CONCLUSÃO

Vimos, na Parte I, cada uma das fases e subfases dos quatro períodos históricos do ordenamento jurídico inglês; bem como, agora, terminamos de tratar, na Parte II, da hierarquia, composição e competência de cada uma das cortes da jurisdição superior e inferior, e dos organismos da jurisdição “administrativa”. Estamos, por esta razão, em condições de elencar algumas conclusões, tendo por base o breve desenvolvimento efetuado. Tal qual avançamos na matéria por partes, concluiremos por partes, não analiticamente, mas buscando uma síntese integrativa dos conhecimentos obtidos, para chegarmos a uma síntese conclusiva integrativa das duas partes do desenvolvimento420.

1 O início da História da Inglaterra ou Grã-Bretanha não coincide com o início da História do Direito Inglês. O Direito existente durante a Fase do Domínio Romano não apresenta registro escrito que permita a sua historificação descritiva, mas apenas conjecturas comparativas diante do Direito existente em Roma. O Domínio Romano tem início no Século I d.c., ainda que alguns entendam que tem início no século I a.c., pois a primeira invasão teria sido levada a cabo em 55 a.c., por Júlio César. A dominação romana termina no início do século V d.c., quando diversas tribos locais (anglos, saxões e dinamarqueses, dentre outras) enfrentam o exército romano e reconquistam o território.

420 DESCARTES, René. Discurso do Método (s.d), pp. 3 ss.; LEITE, A Monografia Jurídica (1987), pp. 2 ss.; sobre conclusções, cf. SALOMON, Como fazer uma monografia (1991), pp. 211 ss; SALVADOR, Métodos e técnicas de pesquisa bibliográfica (1986), pp. 179 ss.; ECO, Umberto, Como se faz uma tese (1991), pp. 25 ss.

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Apesar de a civilização romana ter sido mais evoluída do que a civilização dos povos existentes no território onde hoje fica a Inglaterra, ela não influi de forma determinante na História do Direito Inglês, fato este que pode ter origem na própria caracterização do domínio romano. A antiguidade inglesa não apresenta uma identidade que pudesse compor uma idéia de Inglaterra como temos atualmente. Era habitada por diversas tribos nômades que se deslocavam por todo o território da atual Grã-Bretanha e norte da atual Europa Continental. Eram chamados de Wikings ou bárbaros. Tinham origem indo-européia e, no século VI d.c., invadem Roma e derrotam o Império Romano, marcando o início da Alta Idade Média. Estas tribos, genericamente designadas anglo-saxônicas, possuíam uma organização política comunal que se refletia sobre a administração da justiça. Em sendo guerreiras, nômades e conquistadoras, possuíam um Direito muito rudimentar, baseado nos costumes tribais, decidindo todo e qualquer conflito surgido no seio social através de um procedimento oral e com decisões que emergiam como conseqüência do próprio sistema probatório, as ordálias, no qual os litigantes sobreviventes eram o vencedor da querela. Não conhecendo a escrita, não registravam a sua história, impossibilitando a memória jurídica permanente, cuja existência se dava através de informes verbais passados de geração a geração, principalmente pelos mais velhos ou anciões, tidos como sábios (Wisemen). Como o território era dividido aleatoriamente entre as diversas tribos existentes, não foi difícil ao Império Romano conquistar a terra, dado o poderio bélico e a experiência de conquistas adquiridas há séculos. Os saxões forma os primeiros derrotados e não opuseram resistência após o domínio. As demais tribos faziam constantes investidas contra a presença romana, colocando as posses do Império sempre em perigo, na insegurança constante de derrota possível. Com isto, a ocupação maior dos romanos era manter a possessão pela força das armas, não tendo condições de desenvolver-se de forma integrativa com a civilização local.

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Era comum em Roma a utilização dos derrotados como escravos, guerreiros e serviçais dos soldados romanos. Estes, na maioria provenientes da escória social romana, não dominavam a escrita e nem o latim clássico, mas apenas o vulgar. Não tinham condições de transmitir o avanço cultural romano para os povos conquistados. Por esta razão, sendo iletrados, os dominadores não conheciam o Direito Romano. Apenas cumpriam as ordens provenientes de Roma. O Direito dos povos locais não poderia deixar de ser mantido, pois a dominação não tinha condições de impor-se culturalmente. Logo, era a cultura das tribos locais que se impunha aos conquistadores. O fenômeno da aculturação só poderia se dar em escala muito baixa. De qualquer forma, eram impotentes para operar mudanças radicais que impusesse o Direito Romano como Direito positivo dominante. A adversidade de linguagem era outro fator de isolamento cultural entre romanos e anglo-saxões, principal veículo de contato cultural receptativo de experiências estranhas, apresentando-se falho como mecanismo de aprovação. Diante disto tudo, a alternativa romana era a de receber (recepção) o ordenamento jurídico local, permitindo que os conflitos entre particulares fossem resolvidos pelo próprio ordenamento jurídico existente. Apenas os conflitos que envolvessem os interesses do próprio Império Romano é que eram resolvidos de forma diferenciada, pelo Governador da terra conquistada. Este fenômeno da RECEPÇÃO DO DIREITO LOCAL vai se repetir na segunda dominação, que ocorre no século V d.c., e na terceira, do século XI d.c., o que vai permitir uma continuidade histórica do costume local como principal fonte do Direito aplicado no território. A principal contribuição romana para a civilização dominada foi a divisão do povo em formações militares ao estilo das existentes em Roma, i.e., por CENTÚRIAS e DECÚRIAS, que via permanecer durante toda a Idade Média, não só na Inglaterra, como também em toda a Europa Medieval Alta. São estas as divisões militares que permanecem, influindo na formação da organização judiciária anglo-saxônica, acompanhando a organização feita entre os cidadãos para a guerra, os centuriões e

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decuriões, que também tinham função política, a de assembléia geral de homens livres ou guerreiros. No século V e no século XVI são retomadas as raízes históricas das concepções de mundo dos povos autóctones ou originários do território inglês. Ocorrem verdadeiras reconstruções da civilização inglesa, renovando-se. Isto vai influir diretamente nas concepções jurídicas reinantes nas fases anteriores. Com o Domínio anglo-saxônico inicia o direito escrito, sob a denominação de “Dooms”, que dá origem aos “”Statutes”; com o Domínio absolutista, o início da reformulação das concepções de “equity” e sua aproximação com a “common law”, preparando a integração que vai ocorrer três séculos depois. Se o legado dos romanos é a organização militar que influi na organização judiciária do domínio posterior, o legado dos Francos é a common law e a equity, que não deixará de dominar como sistema jurídico inglês até os nossos dias, ainda que de uma forma muito diferenciada. Se o domínio romano se caracteriza, no campo jurídico, por atitude apática em relação às instituições existentes no seio das tribos dominadas, o mesmo já não se poderá dizer em relação aos francos, exceto no campo do direito material ou substancial, o que representa um progresso evidente, numa perspectiva comparativista entre os dois domínios, cuja formação de concepções de mundo se dão, originariamente, em civilização romanística. É o descaso jurídico dos romanos, pela globalidade do direito, no território inglês (ainda que isto possa parecer um contra-senso), e o descaso jurídico dos francos pela materialidade do direito privado, no mesmo território, mas em épocas diferenciadas para ambos, o que vai possibilitar o desenvolvimento do direito inglês como um sistema sui generis em relação ao direito continental, que tem matriz jurídico-filosófica e jurídico dogmática no direito clássico e pós-clássico. Não é difícil explicar as razões históricas de ausência de desenvolvimento jurídico operada pelos antigos romanos, na antiguidade inglesa, mas o mesmo já não se pode dizer em relação aos antigos franceses no mesmo território, no início da Baixa Idade Média européia, sob o primado do feudalismo. Se perguntarmos por que os romanos não legaram o seu direito aos antigos ingleses, tendo uma civilização há séculos mais desenvolvida, que criou a base de todo o direito ocidental e hoje vigora em toda a Europa

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continental, não se encontra explicação a não ser nas características da próprias dominação, na finalidade intrínseca desta e nas dificuldades enfrentadas na época. Efetivamente, a finalidade imperialista dos romanos não era a de colonizar os territórios conquistados, mas sim a de manter o domínio como forma de impedir o avanço de outros povos que disputavam a hegemonia mundial, ou seja, para a glória de Roma. Os homens letrados da antiguidade romana se concentravam em Roma. Nos primeiros anos da era cristã, o direito romano entra em decadência, só vindo a se desenvolver de forma renovada no século VI d.C., com o surgimento das escolas jurídicas no Império Bizantino (império romano do oriente). E é justamente o período de decadência do direito romano que se apresenta, historicamente, na época em que os romanos conquistam o território inglês. Por outro lado, a longa distância entre o território inglês e a sede do império romano do ocidente dificultava as interações globais entre os representantes de Roma no exterior e os homens letrados, que não costumavam acompanhar tais domínios, ficando na sede do império, o que, sem dúvida, trouxe reflexos negativos ao contato jurídico-civilizacional. Os soldados romanos eram iletrados e falavam um latim vulgar, não podendo ser depositários representantes do mundo cultural romano. A rusticidade da civilização das tribos locais inglesas, somada à relativa ignorância jurídica dos soldados romanos, guardiões dos interesses pretorianos, só poderia redundar em uma atitude receptiva e flexível em relação às crenças e formas de tutela dos conflitos sociais presentes no seio da organização dos dominados. Com isto, se dá uma verdadeira RECEPÇÃO DO DIREITO LOCAL, que, de forma geral, pode-se atribuir à Roma. É a primeira RECEPÇÃO do direito costumeiro local que ocorre no território inglês, de que se tem notícia. A segunda só vai ocorrer dez séculos depois, com a dominação franca, pois estamos tratando de dominação estrangeira, razão pela qual, apenas de forma distante, podemos falar em recepção jurídica no domínio anglo-saxão, a partir do século V. O desenvolvimento do direito privado romano só vai efetivamente ser materializado no século VI, com as compilações justinianéias. Até este momento o direito romano era calcado no processualismo formalista das ações da lei, onde só havia o direito se houvesse uma ação que o assegurasse.

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Esta mentalidade antiqüíssima vai ser retomada pelos antigos francos, no século XI, para a reformulação do direito local inglês, mostrando grande desinteresse pela materialidade do direito. Esta atitude político-jurídica é típica de um Estado que só está preocupado com a solução do litígio, mas não com os reflexos sociais das soluções dadas à globalidade dos casos. Se os problemas individuais são resolvidos de forma imperativa, independentemente de contentamento dos súditos, os problemas coletivos se agravam, minando a legitimidade dos homens que se encontram no poder de mando. E estes problemas se politizam, caso em que a solução é partir para o abafamento pela força, eliminando fisicamente as lideranças insurretas, como exemplo para o desconcentrar das oposições ao soberano. É o que ocorre, em geral, na prática antiga, medieval e moderna inglesa e, de certa forma, no resto do mundo ocidental. A origem da common law está no centro de uma concepção jurídico-filosófica de manutenção do poder político. O direito como instrumento de dominação política, seja para desafogar as pressões sociais sobre o Poder do Rei, seja para fortalecer este poder, como conseqüência e intenção hegemônica. O Poder do Estado expressa através do ordenamento jurídico instituído, isto é, através do Direito Positivo vigente; seja ele escrito ou costumeiro, disseminado entre os súditos ou concentrado nas mãos dos soberanos. Todo domínio político ocorrido pela conquista bélica se expressa por um direito distribuído diretamente pelo soberano, que vai institucionalizando, com a passividade da aceitação do domínio que se efetiva. Os Francos, oriundos do Ducado da Normandia, tinham formação jurídica romanista, introduzida na Europa pelos padres da Igreja, ao longo da Idade Média e, desenvolvida pelas Universidades italianas do século XI (glosadores) e seguintes. Se perguntarmos por que os Francos resolveram recepcionar o direito substancial costumeiro e, no início, o direito processual local, aparecem luzes conducentes a uma resposta provisória. Efetivamente, o domínio Franco, no plano jurídico, se caracteriza por uma explícita intenção de CONTINUIDADE JURÍDICA, isto é, sem rupturas ente o velho e o novo ordenamento jurídico vigente. Com isso ocorre uma verdadeira RECEPÇÃO DO DIREITO COSTUMEIRO LOCAL INGLÊS; é a segunda recepção do direito inglês.

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A necessidade de ganhar a confiança dos conquistados leva a uma atitude semelhante. NICOLAU MAQUIAVEL, no Príncipe, escreverá isto quatro séculos depois, como sendo uma prática necessária que sempre ocorreu para a manutenção política em terras conquistadas que não prejudiquem os interesses do Príncipes. Os Francos aplicam esta política costumeira e se mantêm no poder. É só pelos reclamos dos súditos que passa a distribuir uma justiça diferenciada; mas, neste caso, emerge como força legitimadora do poder instituído. A reforma feudal operada no uso da terra, distribuindo-se possessões entre os nobres francos e a nobreza clerical,é a primeira intervenção jurídica séria feita pelos conquistadores, o que, necessariamente, vai influir numa reformulação do direito costumeiro local. Os nobres franceses antigos, na terra inglesa, não tinham força suficiente para mudar o direito costumeiro local; e também não tinham interesse em tal, pois demandaria uma reformulação global trabalhosa e arriscada; isto, somado ao conservadorismo cristão dos padres da igreja, que passaram a compor o CONSELHO DO REI (curia Regis ou king’s council), possibilitou a manutenção do direito substancial costumeiro, relegando ao Estado franco apenas a determinação das regras processuais de veiculação do direito existente, dando foco ao direito probatório, que os súditos locais entendiam como atrasado (prova pelos juízos de Deus ou “ordálias”). Portanto, a RECEPÇÃO DO DIREITO COSTUMEIRO LOCAL era um imperativo para a manutenção do poder político dos Francos. O rei não precisava criar um corpo jurídico determinado, escrito, em substituição ao existente. Bastava fixar as regras do seu processamento. Além do mais, o comércio inglês da época não era tão desenvolvido como o efetuado em certas partes da Europa, de modo que os conflitos surgidos neste campo eram poucos e já havia uma estrutura local capaz de resolvê-los satisfatoriamente. O interesse estatal calcado, juridicamente, em regras processuais, negligenciando o direito privado, tornou o direito positivo inglês um direito eminentemente público. Tudo isto, somado, dificultou, nos séculos seguintes, a RECEOÇÃO DO DIREITO PRIVADO ROMANO na Inglaterra. Pode-se afirmar que esta não se deu dada às periódicas recepções do direito privado costumeiro local, levadas a cabo pelos dominadores

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romanos, anglo-saxões e francos, continuadas no domínio absolutista monárquico do século XV, projetando-se, daí, para os séculos seguintes. O fato de os Francos só falarem o francês e só escreverem em latim, na corte jurídica, também dificultou a integração entre francos e ingleses antigos e, com isto, trocas substanciais de experiências jurídicas. Os WRITS (até antes do século XVI eram denominados BREVIA, ordem) eram redigidos (portanto, escritos) em latim. A law french, lei dos franceses, direito dos francos, é que inicia a unificação do direito inglês; não pelo direito material, mas pelo processual. Esta unificação se processa através dos senhores feudais, que passam a instituir cortes judiciais em suas possessões, em substituição às cortes oriundas do período anglo-saxão, isto é, dentro da “manor” (conjunto global de um senhor feudal, o land lord, envolvendo castelo, terras, casas dos servos da gleba e a court, onde se reunia o Conselho do Senhor Feudal e que ministrava a justiça local). O direito conhecido como comune ley, traduzido em inglês como common law, a lei comum do Reino Franco, não passava, em sua origem, de um conjunto de fórmulas processuais fixadas por escrito em cada WRIT, concedido discricionariamente pelo Rei aos seus súditos. À medida que surgiam novas controvérsias diante do poder jurisdicional do Rei, eram criadas novas regras processuais, arbitrariamente, para o julgamento da causa proposta e aceita pelo Conselho do Rei, mediante o aconselhamento direto do primeiro conselheiro, o CHANCELER, que era, também, um eclesiasta. Cada novo WRIT concedido para o julgamento de um caso novo era reunido em um conjunto denominado BREVIA DE CURSU, posteriormente chamado, em inglês, REGISTRE OF WRITS. A common law da época se resume no conjunto de BREVIAS concedidas pelo Rei, na distribuição da justiça. Percebe-se o caráter indutivo do surgimento das brevias, indo do particular (caso), para o geral (conjunto de casos). O direito vai sendo criado à medida que os casos novos vão surgindo. Em se aplicando a mesma fórmula processual, não desenvolvimento do direito comum, pois este se resume às fórmulas criadas para solução de litígios. Esta característica vai atravessar os séculos e chegar, com pouca modificação no século XIX (reforma processual da primeira metade do século). Não podemos esquecer que, antes do surgimento das primeiras fórmulas processuais, caracterizadores da common law inicial, enquanto

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processo revolucionário em relação ao direito costumeiro local, o Rei decidia as querelas mais importantes sem possuir nenhuma base positiva que não seu “livre arbítrio” ou “consciência de sumo justiceiro do reino”. Criava decisões jurídicas com finalidades meramente políticas, calcada na doutrina da PAZ DO REINO. Emitia WRITS sem criar regras processuais, o que só vem ocorrer posteriormente, mais de um século depois da instalação inicial dos novos conquistadores (1116). Os súditos apelavam para a consciência e equidade do rei, contra as decisões injustas das Cortes dos Senhores feudais, ou pelo fato de estas denegarem o conhecimento da causa existente. O Rei reunia a CURIA REGIS e decidia de plano, concedendo uma BREVIA, que era uma ordem emitida pelo rei para que um senhor feudal ou um representante seu, o Sheriff, cumprisse o que ali era determinado, sob pena de desobediência. Era um verdadeiro MANDADO JUDICIAL, como reconhecemos no Brasil. Quando a causa não era das mais importantes, determinava o processamento da causa, fixando regras processuais. Portanto, decidia com base na consciência e com base no processo. Estas duas formas de decisão judicial real estão na base de formação de dois sistemas jurídicos: a common law e a equity. Somente na primeira metade do século XVII é que o Rei perde o poder de exercer diretamente a justiça, através de decisão judicial de common law, que está na origem do controle judicial dos atos do Estado ou do Soberano. Portanto, durante cinco séculos (do XI ao XVI), o Rei foi, pessoalmente, fonte do direito inglês, ao lado dos costumes locais e dos processos da common law: é a razão como fonte jurídica, a razão real. Pode-se dizer que a common law e equity são irmãs, sendo a segunda a mais velha, ainda que a primeira tenha se desenvolvido mais rápido e se institucionalizado primeiro. Durante os cinco séculos de equity-equidade, ela desempenhou o papel de fase original e de fase revisora das decisões de common law. A posição de igualdade total entre os sistemas irmãos só vai se dar, efetivamente, na reforma da organização judiciária inglesa, operada no final do século XIX, no Período Moderno do Direito Inglês. A aproximação operada no século XVIII não fora suficiente para a determinação da paridae total, aceitando-se a diferenciação entre os mesmos.

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A common law é anterior ao surgimento das primeiras Cortes Reais ou Tribunais de Westminster. Ela surge com os primeiros WRITS, referentes ao direito local feudal, fixando-se fórmulas processuais para prova e sentença. Com a fixação da CORTE DE QUIXAS CUMUNS, no século XIII, com a Carta Magna, a common law já existia e já rivalizava com a jurisdição dos senhores feudais, que buscavam conter o poder jurisdicional do Rei. Portanto, jurisdição superior e inferior entram em conflito muito cedo na Inglaterra. Com a criação de mais dois tribunais reais, no mesmo período, a CORTE DO BANCO DO REI e a CORTE DO FISCO REAL, os senhores feudais investem pesado contra o Conselho do Rei, de onde se desmembravam tais cortes, conseguindo, em 1258, através da PROVISÃO DE OXFORD, em que o Rei ficou impedido de criar novos WRITS em seus tribunais. Esta é, historicamente, a primeira limitação real no exercício da jurisdição. A segunda vai se dar quatro séculos depois, investindo a common law contra o Rei, através de seus juízes, unidos ao PARLAMENTO. O Rei reconquista o seu poder jurisdicional de common law através do SEGUNDO ESTATUTO DE WESTMINSTER, em 1285, vinte e sete anos depois, mas de uma forma limitada. Durante este período, o Rei ficou proibido de aceitar casos jurídicos novos nos seus tribunais. Só os senhores feudais o podiam. Com o novo estatuto, passou a poder julgar casos novos se os mesmos fossem semelhantes aos casos já processados através dos WRITS existentes, não podendo criar novos processos judiciais. Este fato político leva a common law a entrar em uma fase de estagnação, que perdurará por seis séculos, até a reforma processual do século XIX. A alternativa que os juízes de common law encontraram foi criar actions on the case, isto é, direito de pleitear em juízo a serem processados segundo as fórmulas existentes (consimili casu). Como a limitação imposta ao Rei foi apenas quanto à criação de novos tipos processuais, fortaleceu-se o procedimeto primariamente existente, de buscar solução de litígios diretamente perante o Rei, apelando para a sua consciência e justiça eqüitativa. Os WRITS emitidos sem processo judicial formular era denominado INJUNCTION. Os tribunais reais era os executores das ordens reais e judiciais dadas através de tais instrumentos. Com o tempo, este procedimento foi se tornando mais complexo, dada a procura, passando o CHANCELER a empregar

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funcionários para receber as queixas feitas pelos súditos. As decisões do Chanceler se tornaram grau recursal em relação às decisões dos juízes comuns e dos juízes inferiores. O Chanceler, sendo um eclesiasta, até o início do século XVI, adota um procedimento oriundo do Direito Canônico, descrevendo um processo escrito, sem júri, com sentença secreta e inapelável, ao contrário do procedimento comum, que era eminentemente oral, com júri e sentença pública reformável. O procedimento da EQUITY, baseado na razão e consciência do rei e, portanto, discricionário, com a Reforma Religiosa entra em conflito com as demais jurisdições, mudando suas concepções de justiça. Quando a Inglaterra rompe relações diplomáticas com Roma, pela questão divorcista, e é criada da religião nacional anglicana, o Chanceler passa a ser um jurista, com formação na common law, e utiliza da EQUITY como instrumento de dominação política e de perseguição religiosa, ao lado da CÂMARA ESTRELADA, para os procedimentos políticos penais. É com o absolutismo monárquico que a EQUITY adquire maior importância e chega ao auge de seu desenvolvimento, já não mais com o perigo da romanização do direito inglês que ocorrera nos séculos XIV e XV, passando a sofrer uma rivalidade incessante por parte dos tribunais de common law, que só vai ser resolvida, definitivamente no século seguinte, quando tais juízes se unem ao Parlamento protestante, apoiados pela burguesia ascendente, e impedem o Rei de exercer jurisdição, cessando o seu papel histórico de fonte pessoal do Direito Inglês. A EQUITY entra em decadência e só vai se renovar no final do século XIX, como competência determinada pare certas matérias definidas pela tradição e pelos Estatutos, mediante um processo específico e peculiar. A DERROTA DA EQUITY representou a sua unificação e integração à common law, que passou a ser o sistema jurídicos hegemônico, tornando o Direito eqüitativo apenas um Direito historicamente superado. No século XX, o Direito Inglês necessita se adaptar às transformações operadas pela II Revolução Industrial e pelas duas Guerras Mundiais, que estão no fundamento do chamado Direito do Estado do Bem Estar Social. A necessidade de mudar a sociedade civil, através de intervenções estatais intensivas, mediante incontáveis ESTATUTOS ou LEIS PARLAMENTARES, põe em risco a idéia de eficácia da common law global, levando o sistema jurídico a uma crise sem precedentes em sua

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história, muito superior à crise sofrida com o desenvolvimento da EQUITY, nos séculos XIV e XV. Se a primeira rivalidade foi da common law contra os tribunais senhoriais inferiores, se a segunda rivalidade foi da common law com a equity, a terceira rivalidade será com o statute. São rivalidades entre a aplicação de direitos sugeridos com fontes diferenciados. Efetivamente, os statutes como fonte de direito , tendem, na atualidade, a se sobreporem ao direito dos juízes, que judicam pela common law. A briga entre common law, e nesta se inclui hoje a equity, e os statutes é semelhante, em termos, à antiga briga com a equity. São os juízes da common law que tinham de executar e aplicar as decisões da equity; são os mesmos que hoje têm de aplicar os statutes. Se os injunctions eram decisões do Rei, os statutes são decisões dos legisladas pelo Parlamento. A common law derrotou a equity vinculando-a ao Parlamento, via Câmara dos Lordes; hoje não há como a common law repetir o jogo estratégico que deu certo. O plano atual de combate dos juízes da common law é tomar os estatutos como fórmulas sem conteúdo diretivo, que devem ser preenchidas com base no direito já firmado pela common law, através de seus precedentes. Com isto, frustram o espírito das leis parlamentares, dificultando o cumprimento da finalidade para a qual foi criada. Agem como os juristas franceses, deslumbrados com o Código de Napoleão, furtando-se deliberadamente de interpretar as leis, limitando-se a aplicar a literalidade do que está disposto; e, com um plus, tendo por fundo suas próprias decisões judiciais. Não interpretam os Estatutos segundo sua finalidade, mas segundo a finalidade da common law: manter o Direito posto e evitar mudanças. O Governo também passou a legislar, criando regulamentos administrativos (Administrative Law), erigindo uma nova fonte de Direito, setorial dentro do Estado. Com isso fica posto em risco o monopólio dos juízes legisladores. Além disto, deparam-se com uma terceira fonte do Direito positivo, diferente do Governo e do Parlamento: o Parlamento Comunitário Europeu, tendo de aplicar um Direito externo que é, ao mesmo tempo, interno.

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Todos estes fatores, somados às crises políticas existentes entre os países da Commonwealth e a Inglaterra, como são os casos da Irlanda e da independência dos países e territórios controlados, levaram o sistema da common law a entrar em uma crise da qual ainda não emergiu. São apontadas algumas alternativas solutivas, de natureza radical, em relação ao status quo atual. LORD SCARMAN propõe a codificação do Direito estatutário, a adoção de uma Constituição escrita para e Inglaterra e a criação de uma Suprema Corte do Reino Unido, extinguindo o Comitê Judicial do Conselho Privado, ligado à Câmara dos Lordes. Tudo isto, inevitavelmente, reflete-se na organização judiciária inglesa, instrumento de veiculação dos litígios carentes de decisão jurisdicional, ao longo da História.

2 A Organização Judiciária Inglesa é toda hierarquizada. Entretanto, esta hierarquia não é rígida o suficiente para impedir que se possa queimar etapas na tramitação judicial, efetuando-se verdadeiros saltos, v.g., de um tribunal inferior à Câmara dos Lordes, sem passar pela Alta Corte ou pela Corte de Apelação. A origem das Cortes judiciais inglesas está no Kings´s Council (Curia Regis), tendo-se desmembrado o primeiro tribunal real já no século XIII, com a Carta Magna. O Conselho do Rei, uno a princípio, divide-se funcionalmente em dois: Grande Conselho ou Conselho Comum e Pequeno Conselho ou Conselho Seleto. O primeiro era órgão político e deu origem ao Parlamento e ao Governo; o segundo era órgão judicial e deu origem às quatro primeiras cortes inglesas: Corte de Queixas Comuns, Corte do Banco do Rei, Corte do Fisco e Corte do Chanceler ou da Chancelaria. Toda a jurisdição superior inglesa tem origem nestes três tribunais de common law e no tribunal de equity. A jurisdição inferior tem origem nas cortes dos senhores feudais e, mais remotamente, nas cortes de centúrias e nas cortes de anciões, da Era Anglo-Saxônica: Hundred Courts e County Courts. Somente a chamada jurisdição administrativa, que integra, teoricamente, a jurisdição inferior, não tem precedente histórico que vá além do século XX, com o Estado do Bem-Estar Social.

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Dentre as funções sociais das jurisdições inferiores está a político-jurídica: desafogar a jurisdição superior. Efetivamente, a grande maioria das causas são processadas e julgadas perante estas jurisdições, o que coloca a jurisdição superior no papel de instância recursal das decisões destas. Ainda que pareça óbvio, trata-se de fenômeno historicamente recente. Se não meramente inicial, pelo menos, cumulativamente, como instância preparatória para o exercício jurisdicional superior. O ápice do sistema jurisdicional inglês está no seio do Parlamento, dentro da Câmara dos Lordes. Comparando-se, equivaleria a dizer que o Supremo Tribunal Federal brasileiro fosse um órgão do Senado Federal. Esta situação iniciou em 1624, quando a Corte da Chancelaria passou a ter suas decisões revisadas pela Câmara dos Lordes, como último grau recursal, situação que permaneceu até os nossos dias. É por esta razão que inúmeros estudiosos do Estado inglês afirmam que não há um verdadeiro poder judiciário inglês, dado o fato de estar vinculado ao Parlamento (Poder Legislativo). Isto não é correto, uma vez que o Plenário da Câmara política dos Lordes não tem poder para modificar uma decisão judicial tomada pela Câmara jurídica dos Lordes. A vinculação é meramente administrativa. Com isto não se quer dizer que não possa haver influência políticas sobre as decisões mais importantes. Mas isto ocorre em qualquer organização estatal. O que importa é que, enquanto instância jurisdicional, o órgão da Câmara dos Lordes, competente para julgar, é independente e autônomo, o que faz a garantia irretorquível da existência de um Poder Judiciário inglês como o de qualquer país democrático. A instância jurisdicional da Hause of Lords é composta de dois órgãos: o Comitê de Apelação e o Comitê Judicial. O primeiro é competente para os recursos provenientes da Inglaterra e País de Gales. O segundo, para os recursos provenientes dos supremos tribunais dos países integrantes da commonwealth e territórios ingleses de além-mar (i.e., de fora da Grã-Bretanha).

O Comitê Judicial é órgão do Conselho Privado, que integra a Câmara dos Lordes. Ele é composto por juízes ingleses e por juízes vindos do país de origem dos recursos. Tomam as decisões por unanimidade, expressos em um Parecer, que é um verdadeiro acórdão, pois tem força executiva.

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O Comitê de Apelação julga, em geral, os recursos interpostos das decisões proferidas pela Corte de Apelação. Excepcionalmente, pode julgar recursos provenientes de cortes de primeiro grau, da jurisdição inferior ou superior. Em geral, os julgamentos per saltum se dão em matéria referente aos direitos oriundos de Estatutos. Abaixo da Câmara dos Lordes está a Suprema Corte de Judicatura, que apresenta uma instância recursal e duas instâncias de primeiro grau, uma para matéria cível, a Alta Corte de Justiça, e uma para matéria criminal, a Corte da Coroa. A instância recursal é a Corte de Apelação. A Corte de Apelação é segmentada em duas divisões: Divisão Cível e Divisão Criminal. Aprimeira recebe recursos da Alta Corte e, a segunda, da Corte da Coroa. As decisões de apelação são colegiadas; as demais não. A Alta Corte de Justiça é composta por três divisões: Divisão do Banco da Rainha, Divisão da Chancelaria e Divisão de Família. A primeira é composta por duas cortes: Corte do Almirantado (Direito Marítimo) e Corte Comercial (Direito Comercial). A segunda é dividida em duas cortes: Corte de Companhias (Direito Societário) e Corte de Falências (Direito Falimentar). A terceira não tem divisões internas. A jurisdição inferior é composta por Jurisdição Comum e por Jurisdição Administrativa. A primeira é verdadeiramente jurisdicional. A segunda, no entendimento de alguns, é quase-jurisdicional ou pouco mais do que meramente extrajudicial, dado o controle jurisdicional administrativo que impera sobre ela. A Jurisdição Comum é composta por duas modalidades de cortes: Cortes de Condado e Cortes de Magistrados. As primeiras têm competência cível exclusiva; as segundas têm competência principalmente criminal, com uma pequena competência cível determinada por Estatutos, em geral para pequenos tributos e para questões de família. Existem, também, outras cortes, ditas especiais, que tratam de Direitos do Menor, Direitos de Mineração, Direitos do Consumidor, dentre outros, que surgem conforme a demanda em determinadas localidades. A Jurisdição Administrativa é composta por organismos governamentais, não-governamentais e organismos parlamentares, bem como utilizam instrumentos extrajudiciais específicos, como a Conciliação e a Arbitragem, o Processo Administrativo e o Inquérito Administrativo. A

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grande maioria das causas que têm origem nos direitos estatuídos em Estatutos e são dirimidas através destes órgãos. A Inglaterra, como o Brasil, não possui Contencioso Administrativo. Os seus tribunais administrativos são órgãos governamentais que se valem do processo administrativo para resolver, extrajudicialmente, os conflitos em que o Governo seja parte. Podemos exemplificar estes órgãos com qualquer órgão administrativo brasileiro, que tenha uma instância recursal própria, como é o caso do Instituto Nacional da Securidade Social (INSS). Como exemplo de organismo não-governamental instituído por lei, podemos exemplificar com as comissões éticas dos organismos de determinadas categorias profissionais, como a Ordem dos Advogados do Brasil, o Conselho Nacional de Medicina, o Conselho Nacional de Engenheiros e Arquitetos. Quanto ao inquérito administrativo levado a cabo pelo Parlamento inglês, ele se dá sob a direção de um Comissário Parlamentar, órgão permanente cuja função é fiscalizar as atividades dos órgãos da administração pública quanto à correta aplicação dos Estatutos e ocorrências de má-administração que causem prejuízos a terceiros. Fiscalizam, também, atividades jurisdicionais, no âmbito da administração da justiça. Os juízes não são eleitos na Inglaterra, como ocorre nos Estados Unidos da América. Eles são, em geral, indicados pelo Chanceler e nomeados pelo Rei, sendo neste ato investidos da função judicante. Somente os Juízes de Paz são leigos, posto que escolhidos dentre cidadãos da localidade da Corte de Magistrados. A sua competência é predominantemente penal e não são pagos pelo exercício da função; entretanto, são reembolsados das despesas que tenham feito. Já os componentes dos organismos administrativos são, em geral, todos leigos. A maioria é funcionário público e exerce atividades cumuladas com as funções de organismos. As dependências são comuns entre o órgão administrativo-parte e o organismo-processador do conflito com particulares.

3 Costuma-se dizer que para compreender o Direito Inglês é preciso analisar a sua história primeiro, eis que a maioria dos seus institutos somente podem ser assim compreendidos. Trata-se de uma meia verdade, eis que a historicidade é típica de qualquer fenômeno jurídico. Porém, é

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certo que, para a mentalidade continental, sem o amparo histórico, o Direito Inglês se torna praticamente incompreensível e, até, de certa forma, aparentemente “irracional”. O costume não se confunde com a história. Ele é parte desta, assim como tudo o que ocorre em sociedade. Na verdade, um ordenamento jurídico que seja calcado nos costumes dificulta mais a distinção entre o que é jurídico e o que é político, religioso, moral, i.e., dificulta a separação do objeto de estudo do Direito. Mas isto não impede que a distinção seja feita. O Direito Inglês não tem como característica a sua historicidade, pois a historicidade é característica de todos os Direitos. Encerremos com as grandes características atuais do Direito Inglês, neste final de século XX.

A primeira característica peculiar do Direito Inglês é ter a decisão do juiz como fonte do Direito geral (Juges as Lawmarkers), criador de normas jurídicas gerais, tal qual um parlamentar continental, através da denominada regra do precedente. A segunda característica marcante é a de ser o Parlamento um órgão de cúpula do Poder Judiciário. A terceira característica é apresentar alta resistência ao direito legislado, os Estatutos Parlamentares. A quarta característica é a aversão a uma codificação do Direito Privado, ao estilo do direito continental. Por fim, como quinta característica, o sistema da common law está em profunda crise, da qual não conseguiu ainda se desvencilhar.

O Direito Inglês busca amparo no Direito Continental que, com sua

própria crise, ampara-se naquele. As duas famílias em crise tendem, para lembrar Hegel, como tese e antítese, buscar uma síntese superadora dos seus problemas mais relevantes da atualidade.

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APÊNDICE I A - DIAGRAMAS DA ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA INGLESA

I - JURISDIÇÃO SUPERIOR Sumário:

DIAGRAMA 1 - Estrutura Estatal Inglesa ...................................................... 123 DIAGRAMA 2 - Câmara dos Lordes ............................................................. 124 DIAGRAMA 3 - Comitê de Apelação da Câmara dos Lordes ..................... 125 DIAGRAMA 4 - Comitê Judicial do Conselho Privado ................................. 126 DIAGRAMA 5 - Suprema Corte de Judicatura .............................................. 127 DIAGRAMA 6 - Corte de Apelação ................................................................ 128 DIAGRAMA 7 - Alta Corte de Justiça ............................................................. 129 DIAGRAMA 8 - Divisão do Banco da Rainha ................................................ 130 DIAGRAMA 9 - Divisão da Chancelaria ......................................................... 131 DIAGRAMA 10 - Divisão de Família ............................................................... 132 DIAGRAMA 11 - Corte da Coroa .................................................................... 133

123

DIAGRAMA 1 Estrutura Estatal Inglesa

REI

GOVERNO

CÂMARA DOS LORDES

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

SOCIEDADE CIVIL

PESSOAS FÍSICAS PESSOAS JURÍDICAS

CÂMARA DOS COMUNS

PARLAMENTO

124

DIAGRAMA 2 Câmara dos Lordes

REI

PARLAMENTO GOVERNO

CÂMARA DOS LORDES CÂMARA DOS COMUNS

CONSELHO PRIVADO COMITÊ DE APELAÇÃO

COMISSÕES PARLAMENTARES

125

DIAGRAMA 3

Comitê de Apelação da Câmara dos Lordes

REI

PARLAMENTO

CÂMARA DOS LORDES CÂMARA DOS COMUNS

COMITÊ DE APELAÇÃO

SUPREMA CORTE DE JUDICATURA

126

DIAGRAMA 4

Comitê Judicial do Conselho Privado

REI

PARLAMENTO

CÂMARA DOS LORDES

CONSELHO PRIVADO COMITÊ DE APELAÇÃO

COMITÊ JUDICIAL

COMMONWEALTH TERRITÓRIOS

SUPREMAS CORTES CORTES SUPERIORES

IRLANDA ESCÓCIA FOLKLANDS

127

DIAGRAMA 5

Suprema Corte de Judicatura

REI

PARLAMENTO

CÂMARA DOS LORDES CÂMARA DOS COMUNS

COMITÊ DE APELAÇÃO

SUPREMA CORTE DE JUDICATURA

128

DIAGRAMA 6

Corte de Apelação

REI

PARLAMENTO

CÂMARA DOS LORDES CÂMARA DOS COMUNS

COMITÊ DE APELAÇÃO

SUPREMA CORTE DE JUDICATURA

CORTE DE APELAÇÃO

DIVISÃO CÍVEL DIVISÃO CRIMINAL

129

DIAGRAMA 7

Alta Corte de Justiça

COMITÊ DE APELAÇÃO

SUPREMA CORTE DE JUDICATURA

CORTE DE APELAÇÃO

DIVISÃO CÍVEL DIVISÃO CRIMINAL

DIVISÃO DE FAMÍLIA

DIVISÃO DO BANCO DA RAINHA

DIVISÃO DA CHANCELARIA

ALTA CORTE DE JUSTIÇA

130

DIAGRAMA 8

Divisão do Banco da Rainha

SUPREMA CORTE DE JUDICATURA

CORTE DE APELAÇÃO

DIVISÃO CÍVEL DIVISÃO CRIMINAL

DIVISÃO DO BANCO DA RAINHA

ALTA CORTE DE JUSTIÇA

CORTE DO ALMIRANTADO

CORTE COMERCIAL

131

DIAGRAMA 9

Divisão da Chancelaria

CORTE DE APELAÇÃO

DIVISÃO CÍVEL DIVISÃO CRIMINAL

DIVISÃO DA CHANCELARIA

ALTA CORTE DE JUSTIÇA

CORTE DE COMPANHIAS CORTE DE FALÊNCIAS

132

DIAGRAMA 10

Divisão de Família

CORTE DE APELAÇÃO

DIVISÃO CÍVEL DIVISÃO CRIMINAL

DIVISÃO DE FAMÍLIA

ALTA CORTE DE JUSTIÇA

133

DIAGRAMA 11

Corte da Coroa

REI

PARLAMENTO

CÂMARA DOS LORDES

COMITÊ DE APELAÇÃO

SUPREMA CORTE DE JUDICATURA

CORTE DE APELAÇÃO

DIVISÃO CÍVEL DIVISÃO CRIMINAL

CORTE DA COROA ALTA CORTE DE

JUSTIÇA

134

APÊNDICE I B - DIAGRAMAS DA ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA INGLESA

II - JURISDIÇÃO INFERIOR Sumário:

DIAGRAMA 12 - Cortes de Condado ...................................................... 135 DIAGRAMA 13 - Corte de Magistrados ................................................... 136 DIAGRAMA 14 - Organismos Governamentais ....................................... 137 DIAGRAMA 15 - Tribunais Administrativos .............................................. 138 DIAGRAMA 16 - Comissões Parlamentares ............................................ 139 DIAGRAMA 17 - Organismos Não-Governamentais ............................... 140 DIAGRAMA 18 - ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA INGLESA GLOBAL. ...... 141

135

DIAGRAMA 12 Cortes de Condado

DIVISÃO DO BANCO DA RAINHA

CORTE DO ALMIRANTADO

CORTE COMERCIAL

CORTES DE CONDADO

ARBITRAGEM JULGAMENTO

PEQUENAS CAUSAS - CONSUMIDOR

136

DIAGRAMA 13

Corte de Magistrados

DIVISÃO DO BANCO DA RAINHA

CORTE DA COROA

CORTES DE MAGISTRADOS

MATÉRIA CRIMINAL

PEQUENOS DELITOS GRANDES DELITOS

MATÉRIA CÍVEL

137

DIAGRAMA 14 Organismos Governamentais

REI

GOVERNO PARLAMENTO

CONSELHO DE MINISTROS

MINISTÉRIOS

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ÓRGÃOS ADMINISTRATIVOS

TRIBUNAIS COMISSÕES CONSELHOS

ORGANISMOS GOVERNAMENTAIS

138

DIAGRAMA 15 Tribunais Administrativos

ÓRGÃOS ADMINISTRATIVOS

TRIBUNAIS COMISSÕES CONSELHOS

CONSELHOS DE TRIBUNAIS

TA TA TA TA TA TA TA TA TA TA

TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS

139

DIAGRAMA 16 Comissões Parlamentares

REI

PARLAMENTO GOVERNO

COMISSÕES PARLAMENTARES

CÃMARA DOS LORDES

CÃMARA DOS COMUNS

ÓRGÃOS ADMINISTRATIVOS

FISCALIZAÇÃO VIA PROCESSO ADMINISTRATIVO

RELATÓRIOS PERIÓDICOS

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DIAGRAMA 17 Organismos Não-Governamentais

REI

PARLAMENTO GOVERNO

ORGANISMOS NÃO-GOVERNAMENTAIS

CÃMARA DOS LORDES

CÃMARA DOS COMUNS

STATUTES

SOCIEDADE CIVIL

Comissões e Conselhos

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DIAGRAMA 18 ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA INGLESA GLOBAL

REI

Governo Parlamento

Câmara dos Lordes Câmara dos Comuns Statutes

Ministérios

Administração

Organismos Administrativos

Conselhos de Tribunais

Tribunais Administrativos

Comitê de Apelação Conselho Privado

Comissões Parlamentares

Suprema Corte de Judicatura Comitê Judiciário

Corte de Apelação Commonwealth Territórios de

Além Mar

Divisão Cível Divisão Criminal

Alta Corte de Justiça Corte da Coroa

Divisão do Banco da Rainha Divisão da Chancelaria Divisão de Família

Corte de Falências Corte de Companhias Corte do Almirantado Corte Comercial

Cortes de Condado Cortes de Magistrados

Arbitragem Julgamento

Pequenas Causas Consumidor

Matéria Cível Matéria Criminal

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APÊNDICE II (Artigo Jurídico)

DIREITO INGLÊS DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO E ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA

por João Protásio Farias Domingues de Vargas

Mestrado em Direito na UFRGS Sumário

Introdução. I – Desenvolvimento Histórico da English Law: § 1º) Domínio Romano (1–16); § 2º) Domínio Anglo-Saxônico (17-29); § 3º) Criação dos Tribunais da Common Law (30-48); § 4º) Tecnicismo Processual (49-51); § 5º) Fase Revolucionária da Equity (52-55); § 6º) Fase Conservadora da Equity (56-65); § 7º) Grandes Reformas do Século XIX (66-66); § 8º) Desafios do Século XX (67-69). II – Organização Judiciária da English Law: § 9) Alta Corte de Justiça (75-75); § 10) Corte da Coroa e Corte de Apelação (76-78); § 11) Câmara dos Lordes: Comitê de Apelação (79-81); § 12) Câmara dos Lordes: Comitê Judicial do Conselho Privado; § 13) Cortes de Condado (86-90); § 14) Cortes de Magistrados (91-97); § 15) Contencioso Quase-Judiciário (René David) (98-100); § 16) Alternativas Processuais (Rutherford, Tood e Woodley) (101-106). Conclusão. Bibliografia.

Introdução. 0. O presente artigo tem como temática central o Direito Inglês e enfoca o conteúdo posto pelo próprio título: a evolução histórica e a organização judiciária inglesa. O desenvolvimento do texto segue estas duas divisões. Ao final, a referência bibliográfica traça o caminho da pesquisa. Trata-se da síntese de uma monografia de mesmo título, apresentada na Disciplina Direito Comprado, do Curso de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1994. O pesquisador mais exigente, se quiser ter um detalhamento maior, terá de se abeberar no texto que originou o presente

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Artigo. Entretanto, a leitura do presente possibilita uma visão panorâmica inicial dos dois enfoques propostos. I – Desenvolvimento Histórico da English Law § 1º) Domínio Romano (1–16); 1. O início da História da Inglaterra ou Grã-Bretanha não coincide com o início da História do Direito Inglês. 2. O Direito existente durante a Fase do Domínio Romano não apresenta registro escrito que permita a sua historificação descritiva, mas apenas conjecturas comparativas diante do Direito existente em Roma. 3. O Domínio Romano tem início no Século I d.c., ainda que alguns entendam que tem início no século I a.c., pois a primeira invasão teria sido levada a cabo em 55 a.c., por Júlio César. A dominação romana termina no início do século V d.c., quando diversas tribos locais (anglos, saxões e dinamarqueses, dentre outras) enfrentam o exército romano e reconquistam o território. 4. Apesar de a civilização romana ter sido mais evoluída do que a civilização dos povos existentes no território onde hoje fica a Inglaterra, ela não influi de forma determinante na História do Direito Inglês, fato este que pode ter origem na própria caracterização do domínio romano. 5. A antiguidade inglesa não apresenta uma identidade que pudesse compor uma idéia de Inglaterra como temos atualmente. Era habitada por diversas tribos nômades que se deslocavam por todo o território da atual Grã-Bretanha e norte da atual Europa Continental. Eram chamados de Wikings ou bárbaros. Tinham origem indo-européia e, no século VI d.c., invadem Roma e derrotam o Império Romano, marcando o início da Alta Idade Média. 6. Estas tribos, genericamente designadas anglo-saxônicas, possuíam uma organização política comunal que se refletia sobre a administração da justiça. Em sendo guerreiras, nômades e conquistadoras, possuíam um Direito muito rudimentar, baseado nos costumes tribais, decidindo todo e qualquer conflito surgido no seio social através de um procedimento oral e com decisões que emergiam como conseqüência do próprio sistema

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probatório, as ordálias, no qual os litigantes sobreviventes eram o vencedor da querela. 7. Não conhecendo a escrita, não registravam a sua história, impossibilitando a memória jurídica permanente, cuja existência se dava através de informes verbais passados de geração a geração, principalmente pelos mais velhos ou anciões, tidos como sábios (Wisemen). 8. Como o território era dividido aleatoriamente entre as diversas tribos existentes, não foi difícil ao Império Romano conquistar a terra, dado o poderio bélico e a experiência de conquistas adquiridas há séculos. Os saxões forma os primeiros derrotados e não opuseram resistência após o domínio. 9. As demais tribos faziam constantes investidas contra a presença romana, colocando as posses do Império sempre em perigo, na insegurança constante de derrota possível. Com isto, a ocupação maior dos romanos era manter a possessão pela força das armas, não tendo condições de desenvolver-se de forma integrativa com a civilização local. 10. Era comum em Roma a utilização dos derrotados como escravos, guerreiros e serviçais dos soldados romanos. Estes, na maioria provenientes da escória social romana, não dominavam a escrita e nem o latim clássico, mas apenas o vulgar. Não tinham condições de transmitir o avanço cultural romano para os povos conquistados. 11. Por esta razão, sendo iletrados, os dominadores não conheciam o Direito Romano. Apenas cumpriam as ordens provenientes de Roma. O Direito dos povos locais não poderia deixar de ser mantido, pois a dominação não tinha condições de impor-se culturalmente. Logo, era a cultura das tribos locais que se impunha aos conquistadores. O fenômeno da aculturação só poderia se dar em escala muito baixa. De qualquer forma, eram impotentes para operar mudanças radicais que impusesse o Direito Romano como Direito positivo dominante. 12. A adversidade de linguagem era outro fator de isolamento cultural entre romanos e anglo-saxões, principal veículo de contato cultural receptativo de experiências estranhas, apresentando-se falho como mecanismo de aprovação.

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13. Diante disto tudo, a alternativa romana era a de receber (recepção) o ordenamento jurídico local, permitindo que os conflitos entre particulares fossem resolvidos pelo próprio ordenamento jurídico existente. Apenas os conflitos que envolvessem os interesses do próprio Império Romano é que eram resolvidos de forma diferenciada, pelo Governador da terra conquistada. 14. Este fenômeno da RECEPÇÃO DO DIREITO LOCAL vai se repetir na segunda dominação, que ocorre no século V d.c., e na terceira, do século XI d.c., o que vai permitir uma continuidade histórica do costume local como principal fonte do Direito aplicado no território. 15. A principal contribuição romana para a civilização dominada foi a divisão do povo em formações militares ao estilo das existentes em Roma, i.e., por CENTÚRIAS e DECÚRIAS, que via permanecer durante toda a Idade Média, não só na Inglaterra, como também em toda a Europa Medieval Alta. 16. São estas as divisões militares que permanecem, influindo na formação da organização judiciária anglo-saxônica, acompanhando a organização feita entre os cidadãos para a guerra, os centuriões e decuriões, que também tinham função política, a de assembléia geral de homens livres ou guerreiros.

§ 2º) Domínio Anglo-Saxônico (17-29); 17. A decadência do Império Romano do Ocidente se faz sentir nas terras anglo-saxônicas. No século V d.c., logo nos primeiros anos, as diversas tribos locais, incluindo os dinamarqueses, invadem os territórios de domínio romano, expulsando-os. O mesmo fenômeno se dá no resto da Europa, até que, no século VI, a totalidade do Império Romano é vencida no Ocidente, sobrevivendo apenas o Império Romano do Oriente, com sede em Constantinopla (atual Istambul, na Turquia), marcando o fim da Idade Antiga e início da Idade Média. A segunda invasão dá origem ao DOMÍNIO ANGLO-SAXÔNICO, na Alta Idade Média, e assim permanece até o início do Feudalismo, no século IX, indo terminar com a terceira dominação, agora pelos antigos Franceses, os Francos ou Normandos, no século XI.

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18. Já em 476, no século V, os bárbaros invadem Roma, que é retomada em 553, mas novamente é invadida, em 568, agora em definitivo, sobrevivendo apenas o Império do Oriente, que é derrotado em 1453, pelos Turcos Otomanos, dando início à Idade Moderna Ocidental. É no século V que o estudo do Direito ressurge no Império Romano do Oriente, com o ressurgimento de novas Escolas de Direito. Já havia as compilações jurídicas feitas por Teodósio II (as Pré-Justinianéias). As compliações justinianéias, iniciadas em 527 e terminadas em 534, dão origem ao Corpus Iuris Civilis . 19. Outro legado dos romanos à civilização bárbaro-inglesa é a aproximação com a Igreja Católica, pois o Império Romano já havia se convertido ao cristianismo e determinado o mesmo como religião oficial. 20. Os dominadores romanos trouxeram os padres da Igreja para dentro do território anglo-saxônico. Estes, letrados e com formação jurídica calcada no Direito Romano, desenvolveram o Direito da Igreja, o Direito Canônico. Tendo permanecido com suas Ordens religiosas no território inglês antigo, passaram a influenciar a civilização anglo-saxônica em todos os ângulos culturais existentes. 21. Assim é que, no século VI, sob a influência da Igreja, os anglo-saxôes se convertem ao Cristianismo, através da Ordem da Cidade de Cantobéry. E a influência já se faz notar no século seguinte, com a redação das primeiras leis escritas que se tem notícia. Elas eram, inicialmente, denominadas DOOMS (Sentença de cunho religioso, v.g., Doomsday – dia do juízo final). 22. A redação de tais leis seguem o estilo da redação dos livros do Novo Testamento, com parágrafos cursos, em geral de uma frase só, com numeração seqüencial não muito extensa, em linguagem simples e na forma gráfica latina. 23. Pode-se notar nos DOOMS o início do Direito escrito inglês, cujo desenvolvimento vai redundar nos WRITS do século XI, nas CARTERS, ORDINANCES, DECISIONS, DICTUMES, STATUTES do século XII e nos ACTS do século XVI, dentre outros instrumentos político-jurídicos. 24. Em grandes linhas, pode-se afirmar que o Direito escrito inglês precede, temporalmente, em muito, o Direito da COMMON LAW, cujo veículo formal era o WRIT e, o veículo material, o COSTUMARY LAW.

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25. A organização social e política dos anglo-saxões era militarizada, com divisões em centúrias e decúrias, ou seja, por cem e por dez homens em cada grupo e sub-grupo. A organização judiciária primitiva segue o mesmo processo. Em cada decúria e centúria, o mais antigo dos componentes era o juiz e decidia os conflitos existentes entre os seus pares. 26. Cada centúria (Hundred) tinha o seu pátio fechado de reuniões em assembléia, as COURTS. O mesmo se diga quanto às decúrias. O ancião de cada formação militar, tido como homem sábio (viseman) era o COUNT (literalmente, ancião; garefa, em francês). Os COUNT de cada centúria ou de cada decúria se reuniam para decidir litígios existentes entre membros de diversas formações, denominada COUNTU COURTS. As de uma mesma centúria era a HUNDRED COURT. 27. O processo entabulado pelo COUNT era eminentemente oral, sem nenhum registro escrito, executando-se a decisão tomada imediatamente, em presença dos litigantes. A fonte do direito material civil e criminal era o “costume local”, conhecido pelo COUNT. 28. As questões políticas e administrativas de interesse do reino eram decididas pelo Rei, mediante o aconselhamento dos COUNT (conselho de anciões do reino). Com o tempo, este conselho se institucionaliza, com o nome de WITAM (“Conselho de Sábios”), origem do CONSELHO DO REI (“KING’S COUNCIL”). 29. Muitos desses sábios anciões eram membros da Igreja, padres, bispos e arcebispos e compunham o Conselho do Rei. O mais antigo destes era o PRIMEIRO CONSELHEIRO DO REI, que mais tarde vai dar origem ao CHANCELER (“CHANCILLOR”), principal órgão político depois do Rei, cujo papel vai estar no centro do surgimento da “COMMON LAW” e da “EQUITY”, a partir do século XI.

§ 3º) Criação dos Tribunais da Common Law (30-48); 30. A terceira invasão sobre o território da Inglaterra é levada a cabo pelos antigos FRANCESES, atendidos pela denominação de FRANCOS ou NORMANDOS. Ela teve início no século XI, consolidando-se a conquista

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no ano de 1066 d.c., quando o Duque da Normandia, Guilherme, O Bastardo ou O Conquistador, derrota e depõe o Rei dos Anglo-saxões. 31. Tal qual o domínio romano, os francos não revogam as normas jurídicas existentes e aplicadas pelos dominados. Pelo contrário, decidem pela manutenção do ordenamento jurídico existente, operando uma verdadeira Recepção do Direito Costumeiro Local (Land of Law). É a Segunda Recepção do Direito Inglês, operada antes do surgimento da common law. 32. Na linguagem kelseniana, houve uma mudança da norma fundamental, revogando, in bloco, o ordenamento jurídico existente e tornando-o, ato contínuo, ordenamento novo, o Ordenamento Jurídico Franco. 33. A conquista franca marca oficialmente o início do Feudalismo Inglês, através da reformulação do domínio e do uso da terra, agora dividida em Feudos, distribuídos entre os senhores feudais de origem granca (Tenors), cujo domínio passou para as mãos do Rei, que efetuava concessões precárias com encargos específicos, tais como garantir a presença de exército particular, plantar, distribuir justiça e pagar tributos. 34. A cada Tenor (Tenência) correspondia uma manor, expressa pela totalidade das terras de um mesmo senhor feudal (Landlord), o castelo feudal, as casas dos servos da gleba e dos susseranos, bem como os tribunais judiciais e o conselho do governo do feudo. Daí as Manorial Courts, as Barons Courtsi e as Leet Courts. 35. São os conflitos sobre a posse e propriedade da terra feudal que impõe ao novo regime dos Francos a necessidade de evitar o sub-enfeudamento e regular uso da terra através de uma decisão real obrigatória para todos chamada WRIT, já no ano de 1166, no reinado de Henique II. 36. Os Writs são sucedâneo dos Dooms dos reis anglo-saxônicos. Trata-se de uma ordem dada pelo Rei a um representante seu (o Shariff) ou a um senhor feudal (o |Landlord), para que cumpra o que ali está determinado. 37. Os Francos mantêm o WITAM (Conselho de Sábios) composto por conselheiros do Rei, mediado pelo primeiro conselheiro, o CHANCILLOR (atualmente Primeiro Ministro).

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38. A Ordinance Concerning Trials de 1079, que ordenou o trial by battle (processo pelo duelo), Ordinance on Church Courts, possibilitando a criação de Cortes Eclesiásticas, denota os primórdios da nova jurisdição inglesa. 39. É com o Rei Henrique II que foram introduzidas as principais intervenções reais no domínio da organização jurisdicional inglesa, através das Constitutions of Claredon, de 1066, a Assize of Northampton, de 1176, e o Writ of Rigts, definindo o direito de pedir justiça ao Rei. 40. A instituição do CONSELHO DO REI também se dá neste reinado, como instância jurisdicional real única. Efetivamente, o Conselho do Rei apresenta duas secções: o CONSELHO COMUM ou GRANDE CONSELHO e o CONSELHO SELETO ou PEQUENO CONSELHO. O primeiro, historicamente, deu origem ao PARLAMENTO e ao GOVERNO. O segundo deu origem aos primeiros TRIBUNAIS REAIS (King’s Courts). 41. A política laisse-feareI em matéria jurídica logo do início da dominação vai sendo deixado de lado, surgindo Cortes Senhoriais em substituição às HUNDREDS COURTS, dentre outras. Como a função jurídica pertence a estes, ao Rei cabe decidir apenas excepcionalmente. WRITS e a procura maior da justiça do Rei, surge a COMMON PLEAS COURT, que se separa do CONSELHO SELETO e vai se instituir em WESTMINSTER, por determinação da CARTA MAGNA de 1215, do Rei João Sem Terra. 42. Antes da instituição fixa da primeira Corte Real de Justiça, os Barões já se movimentavam para impedir que o Rei pudesse exercer a justiça através de WRITS, pois ela desprestigiava a justiça dos senhores feudais, impedindo que os mesmos lucrassem com a exploração de suas Cortes, concessões do próprio Rei. 43. O Poder Jurisdicional do Rei era baseado em quatro instituições básicas, o saber: o Conselho, o Inquérito, as Ordens e a Doutrina da Paz do Reino: o Council, o Inquest, os Writs e Peace of Kingdom. 44. Com a fixação do primeiro tribunal real, os senhores feudais fazem nova investida para deter a expansão do poder jurisdicional do Rei, conseguindo-o em 1258, através das PROVISÕES DE OXFORD; de modo que o Rei, através do Conselho Seleto, via Chanceler, ficou definitivamente impedido de criar novos WRITS, fosse em que caso fosse.

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45. Com isto, todos os casos que não se enquadrassem nos WRITS já existentes, não poderiam ser julgados pela jurisdição real. Com isto restou diminuindo o poder do Rei, prejudicando a tentativa de monopólio do poder jurisdicional. 46. Mas, em 1285, através do STATUTE OF WESTMINSTER II, o rei recupera o seu poder jurisdicional, ainda que de forma limitada, pois apenas pode pegar casos novos se estes forem semelhantes aos casos para os quais já existia um processo fixado por WRIT. A alternativa foi criar ações para os casos específicos, caso fosse pedida a aceitação da causa em nome da especificidade do caso, para processamento com base em WRIT já existente. 47. Diante da impossibilidade de criar novos WRITS, e não parando a procura de justiça do Rei, o Chanceler passou a valer-se, em nome do Rei, como depositário da consciência deste, de um novo procedimento, diferenciado do estipulado nos WRITS, tendo por inspiração o Direito Romano-canônico, com fundamento na consciência ética de sumo justiceiro do Rei, dando vasão à demanda não mais comportada pelos Tribunais Reais, agora acrescidos da Corte do Banco do Rei e da Corte de Tributos. 47. Diante da impossibilidade de criar novos WRITS, e não parando a procura de justiça ao Rei, o Chanceler passou a se valer, em nome do Rei, de depositário da consciência deste, com um novo procedimento, diferenciado do estipulado nos WRITS, tendo por inspiração o Direito Romano-Canônico. Dotado de fundamento na consciência ética de sumo justiceiro do Rei, deu vasão à demanda não mais comportada pelos Tribunais Reais, agora acrescidos da Corte do Banco do Rei e da Corte de Tributos. 48. Paralelamente a isto, os juízes dos Tribunais Reais, não podendo aceitar casos novos que não se enquadrassem nos WRITS existentes, passaram a aprimorar o processo judicial, dando origem a uma sofisticada tecnologia processual.

§ 4º) Tecnicismo Processual (49-51);

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A sofisticação tecnológica do processo levou a uma atitude de desconsideração para com o conteúdo das decisões judiciais, pouco se importando os juízes se decidiam fazendo justiça no caso concreto ou não. 49. O século XIV é marcado pelo exclerosamento do Direito Inglês ministrado pelos Tribunais de COMMON LAW. Resumindo-se o Direito ao processo judicial, todo o Direito Inglês apresentava uma natureza pública, sendo os conflitos de direito privado dirimidos pelos tribunais eclesiásticos ou pelos tribunais dos barões, ou ficava sem solução judicial. 50. Com isto, o Direito material inglês passou a não ter desenvolvimento substancial. Isto, somando-se ao processualismo e ao publicismo do direito inglês, impossibilitou a RECEPÇÃO do DIREITO ROMANO, de natureza eminentemente material e privado. 51. A não recepção romana fomentou o desenvolvimento da justiça do Rei, através do poder jurisdicional de exceção, em última instância, fora das fórmulas convencionais, com um procedimento diferenciado e com novos fundamentos filosóficos.

§ 5º) Fase Revolucionária da Equity (52-55); 52. O CHANCELER, sendo um homem ligado à Igreja Católica, recebia os pedidos denegados pela justiça comum ou em grau de recurso de decisões proferidas por esta, submetendo-os ao CONSELHO SELETO, para decisão. Segundo a discricionariedade do Rei, aceitava ou não o pedido de justiça. Aceitando, o Chanceler, ouvido o Conselho Seleto, dava uma decisão em nome do Rei, emitindo um WRIT que deveria ser executado pelos Tribunais comuns. 53. Esta decisão, proferida fora das regras de direito comum, tinha por fundamento a doutrina da boa consciência do Rei, na qualidade de sumo justiceiro do Reino, somada à doutrina da PAZ DO REINO. A boa consciência tinha por cerne a EQÜIDADE, a justiça material no caso concreto. 54. Com o aumento da procura de decisões diretas do Rei, o Chanceler foi criando um novo procedimento judicial, escrito, SEM JÚRI POPULAR e com decisão secreta, não fundamentada em direito pré-

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existente. Com isto criava um tipo de direito novo, de natureza eminentemente política e à base de procedimentos tirados do processo romano-canônico. 55. Com o tempo, a jurisdição do Chanceler se separou do Conselho Seleto, tal qual o fizeram os tribunais comuns, sendo instituída uma CORTE DE EQUITY, a COURTE OF CHANCERY. Naturalmente foi se tornando um tribunal superior em relação aos tribunais comuns. Isto vai assim perdurar até o início do século XVI.

§ 6º) Fase Conservadora da Equity (56-65); 56. Na Idade Moderna Ocidental, HENRIQUE VIII deu início ao surgimento da MONARQUIA ABSOLUTISTA inglesa. Não tendo o Papa aceito divorciar o Rei, este rompe relações com Roma, cassa os direitos políticos dos padres da Igreja e cria uma nova religião, de cunho nacionalista, denominada ANGLICANISMO. Era um credo eminentemente inglês (anglo, angli). Com isto, o Chanceler, que desde o século XI era um Padre, passa a ser leigo. O cargo passa a ser ocupado por um homem letrado, entendido de leis (jurista), da confiança política do Rei e membro da nova religião. 57. Isto faz com que haja uma mudança radical nas concepções de ministração da justiça nas Cortes da Chancelaria, pois a única maneira de formação jurídica da época era através da prática nos tribunais de common law. 58. Com a alternância dos Reis católicos e protestantes no trono inglês, os conflitos religiosos atingem os interesses jurídicos e políticos, tanto dos juízes quanto do Parlamento, em relação à Coroa. A crise se aguça quando o protestantismo se alastra pelos membros do judiciário e do Parlamento, diante de um Rei católico, auxiliado por um eclesiasta no Tribunal de Equity, somado ao poder de uma burguesia emergente que se enriqueceu com o comércio marítimo de além-mar. 59. A jurisdição do Chanceler, ao lado da CÂMARA ESTRELADA, era instrumento político do Absolutismo Monárquico contra os seus inimigos, fossem eles membros do Parlamento ou dos Tribunais. A Chancelaria e a STAR CHAMBER se tornaram um antro de corrupção e seus atos passaram a se resumir em desmandos políticos e perseguição religiosa.

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Com isto, o prestígio da COURT OF CHANCILLOR entra em decadência diante dos jurisdicionados. 60. O Rei, com isto, passa a avocar para si causas que estavam sendo julgadas pelos juízes comuns ou a proibir as partes e a seus advogados de proporem determinadas causas perante tais tribunais, decidindo as querelas com base nos seus interesses absolutistas. 61. No início do século XVII, o conflito chega ao auge, tendo o Rei de arbitrar a permanência e a supremacia do poder jurisdicional do Chanceler sobre a jurisdição comum. É a vitória da EQUITY. Mas dura pouco tempo, pois em 1624, os juízes comuns, unidos à maioria protestante do Parlamento, liderados pelo LORD COKE, impõem restrições ao poder jurisdicional do Rei, decidindo que este não tem poderes jurisdicionais fora da jurisdição estatuída. O Tribunal de EQUITY passa a ser controla pela CÂMARA DOS LORDS, como instância recursal. 62. A EQUITY é obrigado a tomar suas decisões com base em seus precedentes judiciais, através do procedimento especial por ela elaborado, não podendo tratar de matéria de competência da COMMON LAW, mas apenas aquelas que não são por esta tratados. A EQUITY se institucionaliza com um processo especial para matérias determinadas. 63. Com as reformas processuais do século XIX, a nova organização judiciária colocou a EQUITY dentro de uma estrutura judicial nova, ao lado dos demais procedimentos judiciais tradicionais, transformando a COURT OF CHACERY em uma divisão da Alta Corte, dentro da Suprema Corte, a CHACERY DIVISION. 64. A EQUITY se renova, deixando de ser uma jurisdição de exceção, para se tornar uma verdadeira linha (parte ou divisão) do sistema jurídico inglês, ao lado da COMMON LAW, tal qual, no mundo continental, há a divisão entre Direito Público e Direito Privado. 65. A grande contribuição da EQUITY, historicamente, foi dar vazão ao processamento do TRUST, em matéria de direito de propriedade, instituto peculiar do Direito Inglês.

§ 7º) Grandes Reformas do Século XIX (66-66);

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66. As transformações do processo e da organização judiciária ingleses, instraura-se o período do moderno Direito Inglês, que vai ter de enfrentar os desafios do Mundo Moderno. Se o processo comum foi renovado na primeira metade do século XIX, para dar vazão ao direito material, ocupando-se da sentença em termos de conteúdo, e se a organização judiciária foi unificada e reformulada de modo a criar um suporte burocrático-judicial capaz de enfrentar os problemas sociais surgidos com a Segunda Revolução Industrial, no século XX, terá de solucionar os problemas antigos e renovados pelas duas Grandes Guerras, bem como os novos problemas surgidos com o agigantamento da máquina adminsitrativa do Estado, no WELFARE STATE, para a distribuição de incontáveis benefícios sociais.

§ 8º) Desafios do Século XX (67-69). 67. Dentre muitos, há vários desafios que a COMMON LAW até o presente momento não conseguiu resolver de forma satisfatória, enquanto sistema jurídico global na Inglaterra.

Trata-se de desafios referentes à integração dos diversos países britânicos, da integração inglesa à UNIFICAÇÃO EUROPÉIA, com o surgimento de leis que devem ser aplicadas pelos Tribunais e que não foram decididas pelo Parlamento Inglês. 68. Outros desafios dizem respeito aos problemas surgidos entre Indústrias e Sindicatos, no tocante aos direitos sociais, à participação nos lucros, pagamento de encargos previdenciários, contribuições e distribuição de benefícios. Os problemas surgidos com o meio-ambiente, lixo atômico, poluição generalizada, em contraposição ao direito de propriedade, são outros desafios que a COMMON LAW ainda não conseguiu resolver até os dias atuais. 69. Um conjunto de soluções possíveis são levantadas por LORD SCARMAN. Todos os problemas de um País se refletem no funcionamento de seu ordenamento jurídico. Para tanto a solução seria uma reformulação global do Estado Inglês, a começar pela confecção de uma Constituição escrita, a Criação de um Tribunal do Reino Unido, uma SUPREMA CORTE (Supreme Court of the United Kingdom), bem como a institucionalização de mecanismos hábeis para a solução de problemas administrativos e para os surgidos no processo de reforma do Direito Inglês.

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II – Organização Judiciária da English Law 70. Desde a Reforma da Organização Judiciária operada no final do século XIX, pouca coisa de substancial mudou em termos substanciais. Há duas grandes divisões classificatórias da organização judiciária inglesa: uma Jurisdição Superior e uma Jurisdição Inferior. A primeira é formada por Tribunais ou Cortes Superiores. A segunda é formada por Tribunais ou Cortes Inferiores, mais uma Jurisdição dita Administrativa ou extra-judicial. 71. No ápice da pirâmide do ordenamento jurídico está a CÂMARA DOS LORDES, órgão do PARLAMENTO, dividido em duas partes. A primeira é o COMITÊ DE APELAÇÃO, para as decisões da Inglaterra e País de Gales. A segunda é o COMITÊ JUDICIAL, para as decisões dos países componentes do Reino Unido e territórios de além-mar, membros da COMMONWEALF. 72. Abaixo do COMITÊ DE APELAÇÃO está a SUPREMA CORTE DE JUDICATURA, com uma jurisdição de primeiro grau e uma jurisdição de segundo grau. A primeira é a ALTA CORTE DE JUSTIÇA e, a segunda, a CORTE DA COROA. A jurisdição de segundo grau é composta pela CORTE DE APELAÇÃO. A de primeiro grau é dividida em duas cortes, sendo uma para matéria cível e a outra para matéria criminal. 73. A CORTE DE APELAÇÃO tem duas divisões: uma para recursos cíveis, a CIVIL DIVISION, e outra para recursos criminais, a CRIMINAL DIVISION. A ALTA CORTE DE JUSTIÇA está dividida em três divisões: a DIVISÃO DO BANCO DA RAINHA, a DIVISÃO DA CHANCELARIA e a DIVISÃO DE FAMÍLIA. A Divisão do Banco da Rainha está ramificada em duas cortes: a CORTE DO ALMIRANTADO e a CORTE COMERCIAL. A Divisão da Chancelaria está subdividida em duas cortes: CORTE DE COMPANHIAS e CORTE DE FALÊNCIA. A Divisão de Família não possui subdivisões internas. 74. A Jurisdição Inferior está dividida em duas jurisdições diferenciadas: a JURISDIÇÃO COMUM e a JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA. A primeira é composta pelas CORTES DE CONDADO e CORTES DE MAGISTRADOS. A segunda é composta por TRIBUNAIS EXTRAJUDICIAIS e TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS, expressos em termos de contencioso quase-judicial e alternativas processuais. Também são chamados de CORTES ESPECIAIS.

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§ 9) Alta Corte de Justiça (75-75); 75. A ALTA CORTE DE JUSTIÇA é composta por um Presidente, com o título de Lord Chefe Judicial, integrada pelo Lord Vice-Chanceler e por vários JUSTICES, denominados PUISINES JUDGES. O recrutamento se dá através de advogados (barristers) com investidura pelo Rei. O procedimento se desenvolve perante um Juiz, auxiliado por um Júri. A competência é exclusivamente cível. Excepcionalmente, a Divisão do Banco da Rainha pode julgar questões criminais, através de sua Criminal Division. O processo da Chancery Division é típico de EQUITY e seu titular é o Lord Vice-Chancilor.

§ 10) Corte da Coroa e Corte de Apelação (76-78); 76. A CORTE DA COROA foi criada em 1971. Tem competência exclusivamente criminal. Serve de segunda instância para as Cortes de Magistrados. De suas sentenças cabe recurso, conforme o caso, para a DIVISÃO CRIMINAL da CORTE DO BANCO DA RAINHA, que pode ser qualquer de suas duas divisões, em matéria de marinha mercante e questões comerciais. Pode-se apelar, também, para a CRIMINAL DIVISION da CORTE DE APELAÇÃO, da CÂMARA DOS LORDES. 77. A composição da CORTE DA COROA é feita por juízes da ALTA CORTE DE JUSTIÇA, os PUISINES JUSTICES, bem como por JUÍZES TEMPORÁRIOS, os RECORDERS, que são advogados. Os julgamentos são feitos por um PUISINE ou RECORDER, auxiliado por um Júri, caso o acusado se declare inocente. Não existe MINISTÉRIO PÚBLICO no Direito Inglês. 78. A CORTE DE APELAÇÃO é o mais alto tribunal recursal dentro da SUPREMA CORTE DE JUDICATURA. É presidida por um MASTER OF THE ROLLS e os julgamentos se dão através de turmas compostas por três LORDS JUSTICES, decidindo pelo voto da maioria. A sua DIVISÃO CRIMINAL tem como presidente um Lord Justice, mais dois Puisines Justices provenientes das divisões da DIVISÃO DO BANCO DA RAINHA, da ALTA CORTE DE JUSTIÇA, quando a apelação é contra decisão desta. De seus acórdãos cabe recurso para o COMITÊ DE APELAÇÃO DA CÂMARA DOS LORDES.

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§ 11) Câmara dos Lordes: Comitê de Apelação (79-81); 79. O PARLAMENTO inglês é dividido em duas grandes casas ou câmaras: CÂMARA DOS COMUNS e CÂMARA DOS LORDES. A Câmara dos Lordes é dividida em dois comitês: COMITÊ DE APELAÇÃO e COMITÊ JUDICIAL. O Comitê Judicial integra o CONSELHO PRIVADO (Privy Council) e serve exclusivamente à COMMONWEALTH e territórios. O Comitê de Apelação serve à Inglaterra e País de Gales. 80. A composição é feita por um Presidente, o LORD CHANCELER, por LORDES DE APELAÇÃO ORDINÁRIA e por EX-CHCELERES, no COMITÊ DE APELAÇÃO. Em geral, os segundos são juízes provenientes da CORTE DE APELAÇÃO, PUISINES JUSTICES ou LORDS JUSTICES, a exemplo de OLIVER WANDELL HOLMES e LESLIE SCARMAN. A competência é para recursos da CORTE DE APELAÇÃO ou de qualquer outra corte, inclusive das de jurisdição inferior, se a matéria for extraordinária, per saltum (LEAP FORG). 81. O COMITÊ DE APELAÇÃO é um colegiado composto por 5 (cinco) membros e decide por maioria simples. A sua decisão é um PARECER (SPEECH), teoricamente, porque, na prática, é um verdadeiro ACÓRDÃO, sendo sempre cumprido. Não é possível quebrar o avanço hierárquico em matéria criminal, de modo que só se admite salto, sem passar pela CORTE DE APELAÇÃO, em matéria cível relacionada à interpretação e aplicação procedimental de STATUTES.

§ 12) Câmara dos Lordes: Comitê Judicial do Conselho Privado (82-85); 82. O COMITÊ JUDICIAL, órgão do CONSELHO PRIVADO da CÂMARA DOS LORDES, não se comunica com o COMITÊ DE APELAÇÃO. A sua competência é para recursos provenientes das ALTAS CORTES dos países da COMMONWEALTH. Por exemplo, um recurso proveniente da ESCÓCIA ou das FOLKLANDS (Ilhas Malvinas). 83. A sua composição é de juízes da CÂMARA DOS LORDES e de juízes dos Tribunais de onde advém o recurso. Constituem uma Turma

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Judicial e decidem por maioria, na forma de SPEECH (pareceres com força de acórdão em último grau de jurisdição). 84. A JURISDIÇÃO INFERIOR é composta por CORTES, TRIBUNAIS e ORGANISMOS diversificados. Só as Cortes e Tribunais exercem verdadeira jurisdição. Os Organismos são ligados ao Governo ou ao Parlamento. A jurisdição inferior é dividida em JURISDIÇÃO COMUM e JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA. 85. A JURISDIÇÃO COMUM é composta por dois tipos de cortes: as CORTES DE CONDADO e as CORTES DE MAGISTRADOS. Elas possuem, respectivamente competência cível e competência criminal. A Corte de Magistrados tem, supletivamente, uma pequena competência cível. Em geral, os juízes de tais cortes são LAY MAGISTERS, i.e., JUÍZES LEIGOS, que judicam mediante a assistência de secretários entendidos em Direito.

§ 13) Cortes de Condado (86-90); 86. As CORTES DE CONDADOS têm origem histórica nas antigas COUNTY COURTS ( Cortes de Anciões), do Período Anglo-Saxônico. As atuais são muito diferentes. Foram ressuscitadas em 1846, através do COUNTY COURTS ACT, e reformuladas em 1976, através do COURT ACT. Têm competência residual em relação às cortes da ALTA CORTE DE JUSTIÇA, rationae materiae, e competência para causas cíveis não superiores, rationae valorae, a £ 5.000 (cinco mil libras esterlinas). 87. Processam e julgam, principalmente, a partir de 1974, causas referentes ao CONSUMO PRIVADO (CONSUMER CREDIT ACT). Possuem uma composição simples. Um JUIZ DE CIRCUITO processa e julga, em primeira instância, auxiliado por um REGISTRAR. O Juiz de Circuito é um advogado indicado pelo CHANCELLOR e investido pelo Rei. O Registrar é também um advogado, em geral um SOLICITOR, nomeado pelo Juiz da Corte do Condado, que desempenha o papel de Escrivão e de Árbitro. 88. As CORTES DE CONDADO possuem dois tipos de procedimentos, um comum e outro especial. O procedimento especial é típico das CORTES DE PEQUENAS CAUSAS (Small Claim Courts), tendo como matéria principal conflitos referentes aos DIREITOS DO

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CONSUMIDOR. Nestas, o REGISTRAR desempenha o papel de ÁRBITRO e de CONCILIADOR JUDICIAL, com poderes para decidir com base na doutrina de justiça e eqüidade. 89. As decisões dos ÁRBITROS, que podem ser escolhidos livremente pelas partes, têm força cogente e delas cabe recurso para uma das divisões da ALTA CORTE DE JUSTIÇA ou, conforme o caso, diretamente para a CORTE DE APELAÇÃO ou para o COMITÊ DE APELAÇÃO da CÂMARA DOS LORDES. 90. As CORTES DE PEQUENAS CAUSAS INGLESAS são bastante diferentes das existentes nos Estados Unidos, bem como dos JUIZADOS ESPECIAIS DE PEQUENAS CAUSAS BRASILEIROS (modelado no estilo Yankee, à distinção dos próprios do Estado do Rio Grande do Sul, na legislação de 1991).

§ 14) Cortes de Magistrados (91-97); 91. As CORTES DE MAGISTRADOS são compostas por duas (2) categorias de juízes: JUÍZES DE PAZ e JUÍZES ASSALARIADOS. Os Juízes de Paz são honorários e, como o próprio nome denuncia, os segundos são assalariados. A competência é, em geral, de matéria criminal, entretanto, excepcionalmente, podem ser julgadas causas cíveis, geralmente em matéria de família. 92. Os JUÍZES DE PAZ têm história tradicional e existem desde o século XV, adquirindo poderes de instrução criminal em 1972. Originalmente, acumulavam poderes de polícia. Essas funções foram desmembradas posteriormente. Em 1977, o CRIMINAL LAW ACT e, em 1980, o MAGISTRATES’ ACT, foram dados os contornos atuais do instituto. 93. Ambas as classes de juízes são competentes para processar e julgar ofensas criminais de todos os tipos, grandes ou pequenas. No caso de causas pequenas, abre-se um PROCESSO PRELIMINAR de averiguação da culpabilidade, remetendo os autos para a CORTE DA COROA, para julgar o caso, a menos que o acusado opte pelo julgamento na própria Corte, apostando em uma pena menor, pois não podem condenar a mais de 6 (seis) meses de prisão, e nem em multa superior a £ 2.000 (duas mil libras esterlinas).

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94. Os JUÍZES DE PAZ são juízes leigos e judicam mediante o auxílio de um secretário versado em Direito, o CLERK, que é um funcionário remunerado. Já os juízes de paz são recrutados dentre cidadãos e podem ser remunerados ou não. Os JUÍZES PAGOS são recrutados dentre advogados experientes, escolhidos pelo CHANCELER e investidos pelo Rei. Judicam apenas nos grandes centros urbanos com dedicação exclusiva. Teoricamente, judicam com outro JUIZ PAGO, entretanto, na prática, são juízes monocráticos. 95. A competência civil é em matérias enumeradas em lei, sendo direcionadas para direitos de família e para pequenos débitos fiscais, em geral referentes ao Condado. De sua decisão cível cabe recurso para a ALTA CORTE, DIVISÃO DO BANCO DA RAINHA. 96. A JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA, normativamente, não constitui jurisdição, assim como as instâncias administrativas brasileiras não o são. São órgãos governamentais e órgãos legislativos que possuem funções específicas. O importante é que os diversos e incontáveis ORGANISMOS ADMINISTRATIVOS que formam a “jurisdição administrativa” são, sempre, instituídos através de um STATUTE, cujo processo esta nele regulado, bem como a matéria de sua competência. 97. Há duas maneiras de ver tais organismos. A primeira é FRANCESA, representada por RENÉ DAVID, que declina a síntese golbal de tais organismos; a segunda é INGLESA, representada por RUTHERFORD, TOOD e WOODLEY, que expressam uma maneira analítica, sob o título de ALTERNATIVA PROCESSUAL E INSTITUCIONAL.

§ 15) Contencioso Quase-Judiciário (René David) (98-100); 98. os organismos extrajudiciais da jurisdição administrativa possuem um papel de contencioso quase-judicial, pois não a exercem de direito, mas sim de fato. Tais ORGANISMOS podem ser GOVERNAMENTAIS e NÃO-GOVERNAMENTAIS, conforme sejam instituídos pelo Governo ou não. Dentre as ENTIDADES GOVERNAMENTAIS estão, principalmente, os TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS, que não podem ser equiparados aos dos franceses, mas aos existentes no Brasil. As ENTIDADES NÃO-GOVERNAMENTAIS são aquelas criadas por lei, mas que são dirigidas por particulares, como são os casos das CIPAS brasileira (“Comissões

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Internas de Prevenção de Acidentes”), dentro das Empresas de médio e grande porte. 99. Os ORGANISMOS GOVERNAMENTAIS constituem competência obrigatória inicial, antes de se ingressar com qualquer ação judicial, referente a matérias reguladas por ESTATUTOS, como benefícios previdenciários (tal qual ocorre no Brasil, na prática). Assim, há um organismo para cada matéria, podendo-se exemplificar em termos de economia, fisco, benefícios sociais, inquilinato e administração em geral, tanto no que nó denominamos direito privado quanto em direito público. 100. Fato importante é que tais organismos servem como meio de desafogamento do Poder Judiciário. A sua competência, em geral, está ligada ao que é novo em matéria de direito e ainda não tem regulamentação judicial. Em suma, é o direito que advém dos ESTATUTOS LEGAIS, na época do WELFARE. Em geral, atendem pelos nomes de TRIBUNAIS, COMISSÕES e CONSELHOS. Se trata-se de um Tribunal, tem por função controlar os atos de administração, quanto à legalidade de seus atos, segundo os dispositivos estatutários.

§ 16) Alternativas Processuais (Rutherford, Tood e Woodley) (101-106). 101. Como ALTERNATIVAS PROCESSUAIS as instituições extrajudiciais se apresentam como mecanismos de composição de controvérsias : a ARBITRAGEM, a CONCILIAÇÃO, as decisões administrativas através de Tribunais Extrajudiciais e os processos administrativos não-governamentais, que fiscalizam os atos dos órgãos governamentais. 102. A CONCILIAÇÃO EXTRAJUDICIAL é um mecanismo de composição de litígios que ainda não chegou perante o Judiciário. Em geral é utilizado pelas grandes empresas e se materializam através de um ACORDO que tem força de um contrato, sendo obrigatório para as parte acordantes. 103. A ARBITRAGEM EXTRAJUDICIAL é um mecanismo que sucede à conciliação frustrada. As empresas utilizam muito a modalidade, pois podem contar com um árbitro muito melhor preparado do que um juiz para julgar a especificidade da causa. As regras são definidas por Estatutos e vale o acordo de irrecorribilidade, que só pode ser quebrado por uma Corte, em casos excepcionais, para equilibrar a relação.

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104. Os TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS são órgãos administrativos instituídos pelo governo, para dirimir conflitos em que a Administração Pública seja parte. Pautam-se pelos princípios da imparcialidade, legalidade, moralidade e publicidade. As comissões de inquérito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (“Comissão de Sindicância”) podem ser exemplos correlacionais de tais processos em Tribunais ingleses, com as devidas diferenças. 105. Há um CONSELHO DE TRIBUNAIS que gerencia o conjunto de vários Tribunais, faz levantamento de dados estatísticos e cria condições de melhoramento funcional dos mesmos, expressando os resultados através de um Relatório Anual. 106. O PROCESSO ADMINISTRATIVO é, na verdade, um processo sobre a administração, pois é dirigido por um COMISSÁRIO PARLAMENTAR, instituído em 1967, pelo PARLAMENTARY COMMISSIONER ACT, com a função de investigar atos de ilegalidade cometidos no mal exercício da administração pública. Não está habilitado para investigar a administração de autoridades locais, de empresas públicas e nem do Serviço Nacional de Saúde, que o são por outros comissários. Tratam-se de organismos corretivos com alto poder discricionário e agem mediante provocação ou não, fazendo Relatório Periódico ao PARLAMENTO. Trata-se, portanto, de órgão corretivo instituído no PARLAMENTO INGLÊS. Conclusão. 107. Vimos, na Parte I, cada uma das fases e subfases dos quatro períodos históricos do ordenamento jurídico inglês; bem como, agora, terminamos de tratar, na Parte II, da hierarquia, composição e competência de cada uma das cortes da jurisdição superior e inferior, e dos organismos da jurisdição “administrativa”. 108. Costuma-se dizer que para compreender o Direito Inglês é preciso analisar a sua história primeiro, eis que a maioria dos seus institutos somente podem ser assim compreendidos. Trata-se de uma meia verdade, eis que a historicidade é típica de qualquer fenômeno jurídico. Porém, é certo que, para a mentalidade continental, sem o amparo histórico, o Direito Inglês se torna praticamente incompreensível e, até, de certa forma, aparentemente “irracional”.

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109. O costume não se confunde com a história. Ele é parte desta, assim como tudo o que ocorre em sociedade. Na verdade, um ordenamento jurídico que seja calcado nos costumes dificulta mais a distinção entre o que é jurídico e o que é político, religioso, moral, i.e., dificulta a separação do objeto de estudo do Direito. Mas isto não impede que a distinção seja feita. O Direito Inglês não tem como característica a sua historicidade, pois a historicidade é característica de todos os Direitos. Encerremos com as grandes características atuais do Direito Inglês, neste final de século XX.

110. A primeira característica peculiar do Direito Inglês é ter a decisão do juiz como fonte do Direito geral (Juges as Lawmarkers), criador de normas jurídicas gerais, tal qual um parlamentar continental, através da denominada regra do precedente. A segunda característica marcante é a de ser o Parlamento um órgão de cúpula do Poder Judiciário. A terceira característica é apresentar alta resistência ao direito legislado, os Estatutos Parlamentares. A quarta característica é a aversão a uma codificação do Direito Privado, ao estilo do direito continental. Por fim, como quinta característica, o sistema da common law está em profunda crise, da qual não conseguiu ainda se desvencilhar.

111. O Direito Inglês busca amparo no Direito Continental que, com

sua própria crise, ampara-se naquele. As duas famílias em crise tendem, para lembrar Hegel, como tese e antítese, buscar uma síntese superadora dos seus problemas mais relevantes da atualidade.