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DIREITO TRANSINDIVIDUAIS EM ESPECIE.pdf

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OUTROS TÍTULOS DA COLEÇÃO E PRÓXIMOS LANÇAMENTOS v. 1 - Direito Penal - Parte Geral v.2 - Direito Penal -Parte Especial - Dos crimes contra a pessoa

aos crimes contra a família v.3 - Direito Penal -Parte Especial - Dos crimes contra a

incolumidade pública aos crimes contra a administração pública

v.4- Leis Especiais Penais -Tomo 1 v.5 - Leis Especiais Penais -Tomo li v.6 - Lei de Execução Penal v.7 - Processo Penal -Parte Geral v.8- Processo Penal - Procedimentos, Nulidades e Recursos v.9- Direito Administrativo v.10 - Direito Civil - Parte Geral v. 11 - Direito Civil - Direito das Obrigações e Responsabilidade

Civil v.12- Direito Civil- Direito das Coisas v. 13 - Direito Civil -Contratos v. 14 - Direito Civil -Famílias e Sucessões v. 15- Direito Agrário v.16 - Direito Constitucional -Tomo 1 v.17 - Direito Constitucional -Tomo li v.18- Processo Civil -Teoria Geral do Processo Civil v.19- Processo Civil- Recursos v.20 - Processo Civil - Processo de Execução e Cautelar v.21 - Processo Civil - Procedimentos Especiais v.22 - Leis Trabalhistas Especiais v.23 - Direito do Trabalho v.24- Processo do Trabalho v.25 - Direito Empresarial v.26 - Direito Penal Militar v.27 - Direito Previdenciário v.28' - Direito Tributário -Volume Único v.29 - Direito Processual Militar v.30- Direito Ambiental v.31 - Direito Econômico v.32 - Direitos Transindividuais em Espécie v.33 - Direito do Consumidor v.34- Juizados Especiais v.35 - Direito Internacional v.36 - Estatuto da Criança e do Adolescente v.37 - Direito Financeiro v.38 - Ética Profissional v.39 - Direitos Humanos v.40- Direito Eleitoral v.41 -Súmulas STF e STJ para Concursos

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COLEÇÃO SINOPSES PARA CONCURSOS

DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS

EM ESPÉCIE 1 NCLUI:

• Tutela Coletiva

• Processo Coletivo

• Ação Civil Pública

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Leonardo de Medeiros Garcia Coordenador da Coleção

Marcos Destefenni Promotor de Justiça.

Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutor e Mestre em Direitos Difusos (PUC/SP).

Mestre em Processo Civil (PUC/Campinas)

COLEÇÃO SINOPSES PARA CONCURSOS

DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS

EM ESPÉCIE INCLUI:

• Tutela Coletiva

• Processo Coletivo

• Ação Civil Pública

201 5

EDITORA fa.sPODIVM

www.editorajuspodivm.com.br

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EDITORA fasPODIVM

www.editorajuspodivm.com.br

Rua Mato Grosso, 175-Pituba, CEP: 41830-151 - Salvador-Bahia

Te!: (71) 3363-8617 /Fax: (71) 3363-5050

•E-mail: [email protected]

Copyright: Edições JusPODIVM

Conselho Editorial: Eduardo Viana Portela Neves, Dirley da Cunha Jr., Leonardo de Medeiros Garcia, Fredie Didier Jr., José Henrique Mouta, José Marcelo Yigliar, Mar­cos Ehrhardt Júnior, Nestor Távora, Robrio Nunes Filho, Roberval Rocha Ferreira Filho, Rodolfo Pamplona Filho, Rodrigo Reis Mazzei e Rogério Sanches Cunha.

Capa: Rene Bueno e Daniela Jardim (www.buenojardim.com.hr)

Diagramação: Cendi Coelho ([email protected])

Todos os direitos desta edição reservados à Edições JusPODIVM.

É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem a expressa autorização do autor e da Edições JusPODIVM. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuizo das sanções civis cabíveis.

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li Sumário

COLEÇÃO SINOPSES PARA CONCURSOS . .... ...... ..... .. . .. . .. .... .. ... . .. . .. .. .. . .•. . . ...... .. 7

GUIA DE LEITURA DA COLEÇÃO..................................................................... 9

PARTE 1 OBJETO DA TUTELA COLETIVA

CAPÍTULO 1

DIREITOS TRANSINDMDUAIS ....................................................................... 13 i. A tutela dos Hnovos direitos#............................................................. 13

2. A tutela dos direitos fundamentais e o controle das políticas públicas.................................................... 18

3. A tutela coletiva em face de serviços públicos................................. 21

4. A admissibilidade das ações coletivas.............................................. 23 5. Direitos transindividuais ou coletivos lato sensu............................... 31

CAPÍTULO li

DIREITOS TRANSINDMDUAIS EM ESPtCIE ..................................................... 35

i. Direitos difusos .................................................................................. 35

2. Direitos coletivos no sentido estrito (stricto sensu)........................... 37 3. Direitos individuais homogêneos ...................................................... 38

3.i. Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos ........ 43

PARTE li A AÇÃO CML P0BUCA

CAPÍTULO 1

MICROSSISTEMAS NORMATIVOS ................................................................... 47

1. Dos códigos aos microssistemas........................................................ 47

2. Microssistema da tutela coletiva....................................................... 51

3. Microssistemas e diálogo das fontes................................................. 60

CAPÍTULO li

AÇÃO CML POBLICA.................................................................................... 63

1. Noções gerais ..................................................................................... 63

2. o objeto da ação civil pública............................................................ 67

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MARCOS DESTEFENNI

2.i. A ação para o cumprimento de obrigações de fazer e de não fazer.................................... 80

3. Legitimidade ativa .............................................................................. 97

3.1. A legitimidade do Ministério Público......................................... 103

p.i. A tutela de direitos individuais indisponíveis............... 109

p. A legitimidade da defensoria pública ....................................... 110

3.3. A legitimidade das pessoas jurídicas de direito público.......... 114

3.4. A legitimidade dos órgãos da administração pública............... 115

3.5. A legitimidade das associações................................................. 117

3.6. A legitimidade dos sindicatos.................................................... 122

3.8. A legitimidade na ação popular................................................ 122

3.8.i. Ação popular multilegitimária ........................................ 123

3.8.2. A ilegitimidade ativa das pessoas jurídicas .................. 126

3.8.3. A questão da assistência................................................ 126

3.8.4. A flexibilização da competência em prol do cidadão... 127

3.9. A legitimidade na ação de improbidade administrativa.......... 127

3.10. Ação coletiva passiva ................................................................. 128

3.11. Ações pseudocoletivas............................................................... 132

3.12. Ações pseudoindividuais ........................................................... 133

4. Litisconsórcio, assistência e intervenção de terceiros...................... 138

5. Competência....................................................................................... 144

5.i. Conexão e continência............................................................... 154

6. A facilitação da defesa e a inversão do ônus da prova................... 164

7. Pedido, procedimento, sentença, recursos e reexame necessário......................................................... 171

8. Custas e liminares .............................................................................. 176

9. Relação entre demanda indivdiual e coletiva................................... 188

10. O regime da autoridade coisa julgada e dos seus efeitos................ 190

1i. Liquidação e execução....................................................................... 201

12. Prescrição ........................................................................................... 209

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Coleção Sinopses para Concursos

A Coleção Sinopses para Concursos tem por finalidade a prepara­ção para concursos públicos de modo prático, sistematizado e obje­tivo.

Foram separadas as principais matérias constantes nos editais e chamados professores especializados em preparação de concursos a fim de elaborarem, de forma didática, o material necessário para a aprovação em concursos.

Diferentemente de outras sinopses/resumos, preocupamos em apresentar ao leitor o entendimento do STF e do STJ sobre os prin­cipais pontos, além de abordar temas tratados em manuais e livros mais densos. Assim, ao mesmo tempo em que o leitor encontrará um livro sistematizado e objetivo, também terá acesso a temas atuais e entendimentos jurisprudenciais.

Dentro da metodologia que entendemos ser a mais apropriada para a preparação nas provas, demos destaques (em outra cor) às palavras-chaves, de modo a facilitar não somente a visualização, mas, sobretudo, à compreensão do que é mais importante dentro de cada matéria.

Quadros sinóticos, tabelas comparativas, esquemas e gráficos são uma constante da coleção, aumentando a compreensão e a memorização do leitor.

Contemplamos também questões das principais organizado­ras de concursos do país, como forma de mostrar ao leitor como o assunto foi cobrado em provas. Atualmente, essa "casadinha" é fundamental: conhecimento sistematizado da matéria e como foi a sua abordagem nos concursos.

Esperamos que goste de mais esta inovação que a Editora Jus­podivm apresenta.

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MARCOS DESTEFENNI

Nosso objetivo é sempre o mesmo: otimizar o estudo para que você consiga a aprovação desejada.

Bons estudos!

8

Leonardo de Medeiros Garcia

[email protected]

www.leonardogarcia.com.br

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Guia de Leitura da Coleção

A Coleção foi elaborada com a metodologia que entendemos ser a mais apropriada para a preparação de concursos.

Neste contexto, a Coleção contempla:

• DOUTRINA OTIMIZADA PARA CONCURSOS

Além de cada autor abordar, de maneira sistematizada, os assuntos triviais sobre cada matéria, são contemplados temas atuais, de suma importância para uma boa preparação para as provas.

Não obstante, boa parcela da doutrina, há tempos, sustentava a inconstitucionalidade da execução provisória, sob o argumento de que ela violaria princípios como a presunção de inocência e a digni­dade da pessoa humana.

Nesse prisma, reconhecendo a pertinência deste argumento, o Pleno do STF, em julgamento histórico proferido no HC n° 84078/MG, sob a relataria do então Ministro Eros Grau, na data de 5/2/2009, por 7 (sete) votos a 4 (quatro), resolveu por bem encerrar qual­quer polêmica decidindo que a execução provisória é inconsti­tucional, eis que afronta o princípio da não culpabilidade (art. 5°, inciso LVll, do Texto Constitucional). Corolário imediato disso é

• ENTENDIMENTOS DO STF E STJ SOBRE OS PRINCIPAIS PONTOS

~ Qual o entendimento do STF sobre o assunto?

O STF, no julgamento da ADIN n° i.570-2, decidiu pela inconstituciona­lidade do art. 3° da Lei n• 9.034/95 (no que se refere aos dados "fis­cais" e "eleitorais"), que previa a figura do juiz inquisidor, juiz que poderia adotar direta e pessoalmente as diligências previstas no art. 2°, inciso Ili, do mesmo diploma legal ("o acesso a dados, documen­tos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais").

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MARCOS DESTEFENNI

• PALAVRAS-CHAVES EM OUTRA COR

As palavras mais importantes (palavras-chaves) são colocadas em outra cor para que o leitor consiga visualizá-las e memorizá-las mais facilmente.

Conforme entendimento doutrinário prevalecente, o impedi­mento do juiz é causa de nulidade absoluta do ato processual. De se registrar que parcela minoritária, mas respeitável, da doutrina

l'. entende que o ato praticado por juiz impedido é inexistente, já que

falta jurisdição (NUCCI, 2008, p. 833-834). Já a suspeição é causa de nulidade relativa (NUCCI, 2008, p. 833-834).

• QUADROS, TABELAS COMPARATIVAS, ESQUEMAS E DESENHOS

Com esta técnica, o leitor sintetiza e memoriza mais facilmente os principais assuntos tratados no livro.

Ato inexistente: sequer Ingressa

no mundo jurídico. não produzindo

efeitos.

Ato nulo: ingressa no mundo jurídico. podendo ou não produzir

efeitos.

Ato irregular: Ingressa no

mundo jurídico e produz efeitos.

• QUESTÕES DE CONCURSOS NO DECORRER DO TEXTO

Através da seção "Como esse assunto foi cobrado em concurso?" é apresentado ao leitor como as principais organizadoras de concurso do país cobram o assunto nas provas.

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• Como esse assunto foi cobrado em concurso?

No concurso de Analista do Tribunal de justiça do Estado do Espírito Santo, promovido pelo Cespe/Unb, em 2011, questionou-se sobre os cri­térios de definição dos procedimentos ordinário e sumário: "O procedi­mento comum será ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja igual ou superior a quatro anos de pena priva­tiva de liberdade; ou sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a quatro anos de pena privativa de liber­dade. w. A assertiva foi considerada correta.

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Parte 1 OBJETO DA TUTELA COLETIVA

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CAPÍTULO 1

Direitos transindividuais sumãrio • i. A tutela dos ·novos direitos·; 2. A tutela dos direitos fundamentais e o controle das políticas públicas; 3. A tutela coletiva em face de serviços públicos; 4. A admissibilidade das ações coletivas; 5. Direitos transindividuais ou coletivos lato sensu.

1. A TUTELA DOS "NOVOS DIREITOS"

A ordem jurídica tutela direitos individuais e direitos transindi­viduais.

A tutela de direitos individuais teve precedência em relação à tutela de direitos transindividuais, de tal forma que sua sistematiza­ção é muito mais antiga e sedimentada.

Por exemplo, o Código Civil enuncia que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil (art. i 0 ). Assim, qualquer pessoa pode, por ato lícito ou ilícito, ser demandada pelo cumprimento dos deveres ou, então, demandar pela satisfação de seus direitos.

Parafraseando-se o art. 12 do Código Civil, é correto afirmar que qualquer um pode exigir que cesse a ameaça ou a lesão a qual­quer direito. Também é lícito reclamar perdas e danos e a aplicação das sanções previstas em lei.

Registre-se que, por imperativo constitucional, não se excluirá da apreciação jurisdicional nenhuma situação de ameaça ou de lesão a direito.

Para a tutela jurisdicional dos direitos individuais existe um sistema há muito regulamentado e sistematizado, constituído, basi­camente, pelo Código de Processo Civil, segundo o qual, fundamen­talmente:

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MARCOS DESTEFENNI

a) O sistema só pode ser acionado pelo titular do direito mate­rial, ou, excepcionalmente, por um substituto processual, ou seja, por quem não é titular do direito material mas, autori­zado por lei, atua em juízo em nome próprio na defesa do direito alheio. Por outras palavras, o direito de ação, isto é, de apresentar uma demanda em juízo, compete àquele que demonstra interesse e legitimidade. A legitimidade é um requisito para ingressar em juízo, sendo que o PNCPC, em seus arts. 17 e 18, continua a exigir interesse e legitimidade para postular em juízo, declarando que ninguém poderá plei­tear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico;

b) O direito de ação deve ser exercido, em regra, no foro de domicílio do réu (art. 46 do PNCPC);

c) A sentença tem eficácia inter partes, isto é, faz coisa julgada às partes entre as quais é dada.

Esse sistema, voltado à tutela de direitos individuais, não se demonstrou adequado à tutela dos chamados "novos direitos", ou seja, dos direitos transindividuais que se revelaram historicamente.

Várias circunstâncias e acontecimentos históricos determinaram a revelação de direitos transindividuais, especialmente a revolução

francesa, a revolução industrial e as guerras mundiais.

A Constituição Federal de 1988 consagrou um dos mais impor­tantes direitos difusos, qual seja, o direito ao meio ambiente ecolo­

gicamente equilibrado.

Os consumidores são dotados de direitos difusos, coletivos e individuais, homogêneos ou não. Assim também os idosos, as crian­ças, os adolescentes, as pessoas com necessidades especiais e outros.

Os direitos transindividuais apresentam algumas características que exigiram a criação de um novo sistema de tutela jurisdicional, pois o sistema clássico, apto à tutela de direitos individuais, mos­trou-se totalmente inadequado.

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I

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DIREITOS TRANSINDIVIOUAIS

De início, os interesses difusos, que são transindividuais, são titularizados por um número indeterminável de pessoas. Por exem­plo, quem são os titulares do direito ao meio ambiente ecologica­mente equilibrado? Quem tem interesse na proteção do patrimônio público?

Não há como elaborar uma relação dos titulares. Não há qual­quer interesse prático em se tentar determinar os titulares.

Aliás, muitos dos titulares do direito ao meio ambiente ecologi­camente equilibrado sequer estão concebidos, considerando que se trata de direito que pertence às futuras gerações, conforme enuncia o art. 225 da Constituição Federal. Trata-se de um direito intergera­cional, que pertence às presentes e futuras gerações.

De outro lado, apesar do elevado número de titulares, eles não apresentam, necessariamente, vínculo associativo, isto é, não estão associados. Com exceção dos titulares de direitos coletivos, que podem estar associados, as pessoas que titularizam direitos difu­sos e individuais podem estar ligadas apenas por vínculos táticos, decorrentes de um mesmo evento ou de uma circunstância tática ou jurídica semelhante.

Daí a preocupação em se identificar alguém que possa acionar o sistema jurisdicional, ou seja, que possa pleitear referidos direitos em juízo.

Mas não é só. A lesão ou a ameaça de lesão a direitos transin­dividuais interessa a um número extremamente grande de pessoas. Poderão ser produzidas lesões em massa, que repercutirá na vida de milhares de pessoas.

Assim, o sistema deve ser apto a reparar as mencionadas lesões e, mais do que isso, evitar que elas ocorram, pois muitas são irreparáveis.

Se não bastasse, há uma característica que torna complexa a tutela dos direitos transindividuais: eles são conflituosos.

o que isto quer dizer?

Quer dizer que não há consenso entre os titulares do direito transindividual sobre a forma como ele deve ser tutelado.

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MARCOS DESTEFENNI

O fato de o direito difuso ser titularizado por um número muito

grande de lesados, faz com que não haja, necessariamente, um con­

senso entre os titulares.

Há pouco tempo restou evidente essa característica. A propó­

sito, acompanhamos grandes e acirrados debates sobre a forma

como deve ser tutelado o patrimônio florestal brasileiro. Muitas

controvérsias surgiram nos debates da elaboração da nova legisla­

ção florestal (Novo Código Florestal). E, como se viu, existem diversos

setores da sociedade que têm ideias opostas, antagônicas sobre a

defesa desse recurso natural.

Todas essas características contribuíram para evidenciar a ine­

ficiência do processo civil clássico como instrumento de tutela juris­

dicional dos novos direitos.

Registre-se que a busca de um sistema processual mais efi­

ciente foi e é uma preocupação constante dos atuais processualistas.

Daí a afirmação, de Cappelletti, no sentido de que a realiza­

ção da garantia de acesso à justiça exigiu que o processo passasse

por ondas renovatórias, agrupadas pelo mencionado autor, em três

principais:

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i) Uma destinada à implementação da assistência judiciária gra­

tuita para os necessitados, fazendo que com os obstáculos

econômicos fossem reduzidos;

2) Outra para definir legitimados à reivindicação dos novos direi­

tos em juízo, ou seja, para apontar os adequados represen­

tantes judiciais da multidão que titulariza direitos transinvi­

duais;

3) E outra para estabelecer novos procedimentos, desenvolver

ou criar órgãos ou instituições voltados a garantir a tutela

efetiva dos direitos.

Vale a pena destacar as ondas renovatórias do processo:

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DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS

ONDAS RENOVATÓRIAS OBJETIVO

Implementação da assistência Remoção de obstáculos econômicos que limitam judiciária. Melhoria do sistema o acesso ao Judiciário (assistência judiciária). de assistência jurídica. Orientação no âmbito extrajudicial (assistência

jurídica).

Estabelecimento de legitimados Garantir o direito de acesso e propiciar a para a tutela dos direitos tran- repressão de condutas lesivas aos mencionados sindividuais . direitos.

Desenvolvimento ou criação de Estabelecimento de novos procedimentos. órgãos ou instituições voltados Garantia de uma prestação jurisdicional mais a garantir a tutela efetiva dos acessível e participativa. Simplificação dos pro-direitos. cedimentos existentes.

No Brasil foi elaborada uma legislação para garantir a presta­ção de tutela jurídica aos necessitados, tendo a Constituição Federal de 1988 elevado a referida garantia ao patamar constitucional. Com efeito, o art. 5°, inciso LXXIV, da Lei Maior, impôs ao Estado o dever de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprova­rem insuficiência de recursos.

O Ministério Público (art. 129, Ili) foi considerado, pela Cons­tituição Federal, um adequado representante da sociedade para a tutela jurisdicional dos direitos transindividuais difusos e coleti­vos. Fundado na própria Lei Maior (art. 129, IX), a legislação ordi­nária legitimou o Parquet à tutela de direitos individuais homogê­neos ou não.

O Texto Fundamental (art. 134) foi além e criou a Defensoria Pública: A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdi­cional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5°, LXXIV.

O art. 98, 1, da CF, por sua vez, determinou que a União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados, criassem juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competen­tes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóte­ses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.

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MARCOS DESTEFENNI

Da Constituição, portanto, extraem-se exemplos da influência das ondas renovatórias do processo.

Anote-se, ainda, a constitucionalização de várias ações coleti­vas, que são aquelas movidas pelos legitimados previstos em lei e que pleiteiam a tutela dos direitos transindividuais. Por exemplo:

a) O art. 5°, LXXlll, da CF, legitimou qualquer cidadão a propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade admi­nistrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultu­ral, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

b) O mesmo artigo, no inciso LXX, consagrou o mandado de segurança coletivo, que pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organiza­ção sindical, entidade de classe ou associação legalmente cons­tituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.

c) O art. n9, Ili, constitucionalizou a ação civil pública.

Portanto, as ações coletivas existem para propiciar a tutela jurisdicional aos direitos transindividuais, haja vista a inadequação do processo civil individual, clássico, para a tutela dos mencionados direitos.

2. A TUTELA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O CONTROLE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

As ações coletivas podem ser propostas em face de qualquer pessoa, natural ou jurídica, de direito público ou privado.

Por isso, as ações coletivas acabaram se transformando em um importantíssimo veículo de controle das políticas públicas e de efeti­vação dos direitos fundamentais, especialmente dos direitos sociais, que, como se sabe, foram por muito tempo considerados, equivoca­damente, como direitos meramente programáticos.

As políticas públicas são os programas, as ações, as atividades desenvolvidas pelo Estado para implementar os direitos que são assegurados às pessoas e à coletividade em geral.

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DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS

o Estado nem sempre implementa os direitos fundamentais de forma direta, pois também pode fazê-lo por meio de parcerias e convênios com entidades públicas ou privadas.

Assim, o Estado age direta ou indiretamente para assegurar e concretizar os direitos reconhecidos em lei. Por exemplo, nas críti­cas áreas da educação e da saúde, que são direitos fundamentais de todos, cabe ao Poder Público desenvolver programas que pos­sam permitir o acesso universal a estabelecimentos de ensino e de saúde.

Políticas públicas também são impostas pela legislação. Pode­-se citar o exemplo da Lei n° 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente.

Assim, o Poder Legislativo e o Executivo são órgãos garantidores do desenvolvimento das políticas públicas.

Além disso, também se reconhece, na atualidade, um impor­tante papel ao Poder Judiciário no controle das chamadas políticas públicas.

Afinal, o Poder Judiciário também pode ser provocado a agir para garantir os direitos fundamentais da coletividade. Os principais agentes provocadores do Judiciário, na atualidade, são o Ministério Público e a Defensoria Pública, que têm legitimidade para promover ações que obriguem a efetivação dos inúmeros direitos fundamen­tais assegurados pela Constituição Federal e pelas demais leis.

Cabe observar que a sociedade também deve participar na for­mulação das políticas públicas, bem como no acompanhamento, na fiscalização e na avaliação dos programas, das ações e das ativida­des voltadas à efetivação dos direitos fundamentais.

A participação popular não só é permitida, como deve ser incentivada pelo Poder Público, existindo diversos instrumentos vol­tados à discussão, à elaboração e à realização das políticas públicas. Por exemplo, as audiências públicas são espaços especialmente des­tinados à discussão de planos que possam ser realizados.

Os planos são necessários para estabelecer diretrizes, priori­dades e objetivos serem alcançados em determinados lapsos tem­porais.

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MARCOS DESTEFENNI

Os programas, essencialmente, definem os planos que serão implementados pelas ações que possam alcançar os objetivos esta­belecidos.

Foi o desenvolvimento dos direitos fundamentais de segunda geração ou dimensão (direitos sociais) que trouxe profundos impac­tos para os ordenamentos jurídicos no sentido do desenvolvimento das políticas públicas, tendo em vista que são direitos que exigem uma atuação positiva do Estado.

Os direitos sociais contrapõem-se aos direitos de liberdade, ou seja, aos direitos de primeira geração (liberdades públicas), na medida em que os direitos sociais exigem, principalmente, uma atua­ção positiva, enquanto que os direitos de liberdade se caracterizam por impor limites (omissões) ao Poder Público.

Os direitos sociais são revelados no século XX como direitos que podem e devem ser exercidos contra o Estado, cobrando uma atuação positiva deste no sentido de propiciar o bem-estar social. Ou seja, cobrando políticas públicas, isto é, programas, ações e ativida­

des que possam assegurar os mencionados direitos.

Deve ser combatida e eliminada qualquer pretensão no sen­tido de transformar as normas que asseguram os direitos fundamen­

tais sociais em normas puramente programáticas, ou seja, dotadas de pouca eficácia e dependentes da intermediação legislativa para serem concretizadas.

Os direitos sociais têm sim eficácia imediata e exigibilidade administrativa e jurisdicional, não obstante as alegadas limitações por parte de muitos agentes públicos, que procuram reduzir a efi­cácia e a exigibilidade dos mencionados direitos, sob a alegação de exiguidade, carência ou limitação de meios e recursos.

E como se disse, a implementação dos direitos sociais, culturais e econômicos se dá por políticas públicas a serem desenvolvidas pelo Estado, de tal forma que a efetivação desses direitos também se transformou em um desafio para o Poder Judiciário. Em conse­quência, houve significativa judicialização da política, especialmente

por meio das ações coletivas.

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DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS

Como pode se configurar, em determinadas situações, uma falta de comprometimento do Poder Público com a efetivação dos direitos fundamentais, revela-se importante garantir o acesso ao Poder Judi­ciário e a órgãos públicos resolutivos, isto é, que possam cobrar das pessoas jurídicas de direito público, judicial e extrajudicialmente, a implementação dos direitos assegurados legalmente.

Assim, não basta a previsão ou o estabelecimento de um rol de direitos fundamentais. É imprescindível que existam meios admi­nistrativos e processuais que possam ser utilizados para a concre­tização dos direitos, ainda que seja pela provocação do Estado, no sentido de obrigá-lo a desenvolver as necessárias políticas públicas.

E é nesse contexto que deve ser destacado o importante papel dos órgãos públicos e das associações, todos legitimados para a propositura de ações coletivas.

Como os direitos fundamentais são individuais e coletivos (vide o art. 5° da CRFB), cabe ao Ministério Público e à Defensoria Pública agir para tutelar direitos individuais e transindividuais (difusos, cole­tivos e individuais homogêneos).

Assim, as ações coletivas propiciam o controle judicial das polí­ticas públicas, especialmente quando o próprio Poder Público viola, por ação ou omissão, os direitos coletivos, em função da falta de programas, de ações e de atividades para implementar os mencio­nados direitos.

Deve estar atento, portanto, o Poder Judiciário, para coibir a violação dos direitos fundamentais. Importante, por isso, que seja provocado pelos colegitimados à propositura de ações coletivas.

E as ações coletivas são um dos mais importantes instrumen­tos para a tutela de direitos fundamentais, notadamente os direitos sociais, que, reconhecidamente, carecem de mecanismos efetivos de tutela e, invariavelmente, deixam de ser concretizados pelo Estado, em todas as esferas: federal, estadual e municipal.

3. A TUTELA COLETIVA EM FACE DE SERVIÇOS PÚBLICOS

As ações coletivas também são importante instrumento de con­trole dos serviços públicos, ou seja, dos serviços prestados pelas pessoas jurídicas de direito público ou por empresas concessionárias.

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MARCOS DESTEFENNI

Cabe lembrar a incumbência dada pela Constituição Federal ao Ministério Público, no sentido de garantir a efetiva prestação dos serviços públicos. Assim dispõe o art. 129, li, da Lei Maior:

"Art. i29. São funções institucionais do Ministério Público:

li - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia".

E o Poder Judiciário vem admitindo ações coletivas para a tutela de direitos transindividuais na hipótese de prestação de serviços públicos.

Impensável pensar em possível falta de interesse de agir dos colegitimados para promover a defesa dos direitos metaindividuais dos vulneráveis no que se refere à prestação de serviços públicos.

Afinal, há, no caso, tutela do interesse público primário.

Assim, o Ministério Público e a Defensoria Pública têm impor­tante papel nesta questão, pois são órgãos públicos legitimados para a proteção e a tutela do interesse público primário, ou seja, daquele que coincide com os interesses gerais da coletividade.

Não cabe ao Ministério Público, por exemplo, zelar por interesse público secundário, assim considerado aquele interesse meramente econômico das pessoas jurídicas de direito público. O interesse que qualquer pessoa tem, seja natural, seja jurídica.

Daí a razão de não se reconhecer legitimidade ao Ministério Público para cobrar tributos em prol das pessoas jurídicas de direito público, ou, ainda, para atuar nas execuções fiscais. O STJ possui entendimento sumulado no sentido de que não cabe ao MP, em todo caso, atuar como órgão interveniente nas execuções fiscais (Súmula n. 189).

De fato, não cabe ao Ministério Público zelar pelo interesse público secundário, meramente patrimonial. Mas sim pelo interesse público primário, que é geral, que está relacionado ao bem comum da coletividade.

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DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS

No caso da prestação de serviços públicos há interesse público

primário, haja vista, inclusive, a presunção de relevância da questão para a coletividade.

A propósito, oportuna a manifestação da lª Turma do STJ (REsp no i.o66.252-MS, REL. MIN. TEORI ZAVASCKI):

"Encontra-se pacificado na lª Turma desta Cone o entendi­mento de que 'o Ministério Público está legitimado a promo­ver ação civil pública ou coletiva, não apenas em defesa de direitos difusos ou coletivos de consumidores, mas também de seus direitos individuais homogêneos, nomeadamente de serviços públicos, quando a lesão deles, visualizada em sua dimensão coletiva, pode comprometer interesses sociais relevantes. Aplicação dos arts. 127 e 129, Ili, da Constituição Federal, e 81 e 82, 1, do Código de Defesa do Consumidor' (REsp 41780.v'PR, lª Turma, Rei. Min. Teori Albino Zavascki, DJ

de 16.05.2005)".

Portanto, as ações coletivas também desempenham função essencial no que diz respeito à garantia da prestação adequada e efetiva de serviços públicos aos administrados.

4. A ADMISSIBILIDADE DAS AÇÕES COLETIVAS

As ações coletivas têm sido admitidas, de forma ampla, pelo Poder Judiciário. o presente tópico tem por objetivo ilustrar essa admissibilidade, considerando, ainda, alguns parâmetros utilizados, na prática, para fundamentar a decisão de admissibilidade ou de inadmissibilidade.

Por exemplo, admitiu-se ação coletiva no caso de alegação de desrespeito a direitos transindividuais na contratação de serviços educacionais por meio de cláusulas abusivas inseridas em contrato por adesão.

Nesse caso, vislumbra-se a legitimidade do Ministério Público, por força de normas constitucionais (art. 129, Ili e IX) e infraconsti­tucionais (art. 81, Ili, e art. 91, ambos do CDC, art. 21 da LACP), para promover; de forma ampla, ações coletivas na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, pois há interesse social

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MARCOS DESTEFENNI

em controlar a prestação de serviços educacionais. Há tutela de inte­resse público primário.

Se não bastasse, a atuação na área educacional favorece um número considerável de pessoas, o que revela a adequação da tutela coletiva, que pode, por meio de uma única demanda, tutelar vários contratantes.

O Poder Judiciário, às vezes, afirma até a obrigatoriedade no ajuizamento de ações coletivas, considerando a sua enorme impor­tância para a tutela do consumidor e de outros vulneráveis, no sen­tido de protegê-los de práticas que põem em risco direitos indispo­níveis, como a sua saúde.

Por exemplo, é cabível ação coletiva para coibir a venda de cigarros falsificados, o que pode tutelar, indiretamente, direitos patrimoniais do fisco (interesse público secundário). No caso, porém, o interesse público primário, no sentido de resguardar a vida e a saúde dos consumidores é preponderante.

É possível apontar, portanto, um dever de ajuizamento de ações coletivas, sobretudo ao Ministério Público. Afinal, a mencio­nada instituição foi escolhida pelo legislador (inclusive constituinte) como um órgão incumbido de zelar pelos direitos individuais e sociais indisponíveis.

Ademais, as ações coletivas têm função reparatória dos danos materiais e extrapatrimoniais e, também, preventiva de possíveis danos à saúde e à segurança. Devem ser coibidos os riscos provoca­dos por práticas no fornecimento de produtos e serviços considera­dos perigosos ou nocivos.

Exige-se, de fato, uma prevenção efetiva, além da reparação dos eventuais danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

Outro importante critério a ser analisado, quando se analisa o cabimento ou não de demanda coletiva, é o fato de ela estar des­tinada à proteção do direito à informação, que é transindividual, difuso e com características de essencialidade.

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DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS

O direito dos consumidores de serem adequadamente infor­mados sobre os preços, tarifas, seguros incluídos, por exemplo, é fundamental.

Cabe, pois, ação coletiva para proteger o direito à informação, como pronunciou a lª Turma do STJ (REsp N° 1.010.130-MG, REL. MIN LUIZ FUX), que entendeu legítima a pretensão condenatória deduzida em face de empresa concessionária de energia elétrica, pra obriga­-la a emitir faturas de consumo de energia com informações claras e ostensivas:

uo Ministério Público ostenta legitimidade para a proposi­tura de Ação Civil Pública em defesa de direitos transindivi­duais, como sói ser a pretensão de emissão de faturas de consumo de energia elétrica, com dois códigos de leitura ótica, informando de forma clara e ostensiva os valores cor­respondentes à contribuição de iluminação pública e à tarifa de energia elétrica, ante a ratio essendi do art. 129, Ili, da Constituição Federal, arts. 81 e 82, do Código de Defesa do Consumidor e art. 1°, da Lei 7.347/85. Precedentes do STF (AGR no RE 424.048/SC, OJ de 25/11/2005) e S.T.J (RESP 435.465/MT, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18.08.2009; REsp 806304/RS, PRI­MEIRA TURMA, OJ de 17/12/2008; REsp 520548/MT, PRIMEIRA TURMA, OJ 11/05/2oo6; REsp 799.669/RJ, PRIMEIRA TURMA, OJ 18.02.2oo8; REsp 6847n/OF, PRIMEIRA TURMA, OJ 23.11.2oo6 e AgRg no REsp 633.470/CE, TERCEIRA TURMA, OJ de 19/11/2005).".

Outrossim, o mesmo órgão jurisdicional, em voto proferido pelo mesmo relator (REsp N° 700.206-MG), reconheceu que cláusulas de carência e de fidelização, que obrigam a permanência do contratado por tempo cativo, bem como a cobrança de multa ou valor decor­rente de cláusula de fidelidade, ofendem interesses nitidamente transindividuais:

uo Ministério Público ostenta legitimidade para a propositura de Ação Civil Pública em defesa de direitos transindividuais, como sói ser a pretensão de vedação de inserção de cláusu­las de carência e fidelização, que obrigam a permanência do contratado por tempo cativo, bem como a cobrança de multa ou valor decorrente de cláusula de fidelidade (nos contratos vigentes) celebrados pela empresa concessionária com os consumidores de telefonia móvel, ante a ratio essendi do art. 129, Ili, da Constituição Federal, arts. 81 e 82, do Código de

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Defesa do Consumidor e art. i•, da Lei 7.347/85. Precedentes do STF (AGR no RE 424.048/SC, DJ de 25/11/2005) eS.T.J (REsp 8o6304/'RS, PRIMEIRA TURMA. DJ de i7/12/2oo8; REsp 520548/MT, PRIMEIRA TURMA, DJ 11/os/2oo6; REsp 799.669/RJ. PRIMEIRA TURMA, DJ 18.02.2008; REsp 684712/DF, PRIMEIRA TURMA, DJ 23.11.2oo6 e AgRg no REsp 633.470/CE, TERCEIRA TURMA, DJ de 19/12/2005)".

Também foi admitida ação civil pública para defesa dos consu­midores, para coibir negativa de renovação de apólice de segurado, sob a alegação de envelhecimento da massa de segurados (4• T do TJDFT, Apelação Cível n° 2007.oi.i.101673-2).

Um dos grandes parâmetros que tem sido utilizado pelos tri­bunais, quando se trata de decidir pela admissibilidade ou não de ações coletivas, é a presença do interesse e da relevância social.

Por exemplo, é cabível a tutela coletiva, pela presença do inte­resse social, quando ocorrem danos em face de maciça veiculação publicitária enganosa, que atinge muitas vítimas, conforme decidiu a 3• Turma do STJ (AgRg no AI N° i.323.205 - SP). No caso, foi destacado o fato de serem atingidas pessoas de baixa renda e simples.

Decidiu-se, pois, no mencionado caso, que há interesse social, que propicia a tutela coletiva, no caso de vendas fraudulentas a pes­soas simples e de baixa renda, mormente para se garantir à grande massa de vítimas carentes o acesso à Justiça e à reparação de seus prejuízos.

Há casos, inclusive, em que a ação coletiva é admitida por ser presumida a relevância social da questão discutida.

A propósito, no julgamento de recurso especial n° 6o5.755-PR (2• T), consignou-se que "o Ministério Público possui legitimidade ativa para promover a defesa dos direitos difusos ou coletivos dos consumidores, bem como de seus interesses ou direitos individuais homogêneos, inclusive no que se refere à prestação de serviços públicos, haja vista a presunção de relevância da questão para a coletividade".

A 3ª Turma do STJ (REsp 910.192-MG, RELATORA MINISTRA NANCY ANDRIGHI), de forma magnífica, afirmou a relevância social no caso

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DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS

de demanda coletiva versando sobre interesses individuais homogê­neos, ainda que disponíveis, a fim de se concretizar a garantia de Acesso à Jurisdição, que não pode ser violada por questões econô­micas e sociais:

"Desnecessário investigar, em cada caso, a relevância social a justificar a atuação do Ministério Público, bastando a demonstração de que se trata de direito difuso, coletivo ou individual homogêneo. Não se pode relegar a tutela de todos os direitos a instrumentos processuais individuais, sob pena de excluir do Estado e da Democracia aqueles cidadãos que mais merecem sua proteção, ou seja, uma multidão de desinformados que possuem direitos cuja tutela torna-se economicamente inviável sob a ótica do processo individual. Assim, assegurar direitos e viabilizar sua tutela é interesse do Estado Democrático de Direito e de todos os seus órgãos. Há relevância social no trato coletivo de interesses individuais homogêneos, ainda que disponíveis, e o Ministério Público é agente legítimo para tanto.

A questão ganha especial importância em hipóteses envol­vendo pessoas de pouca instrução e baixo poder aquisitivo, que, não obstante lesadas, veem-se tolhidas por barreiras econômicas e sociais, mantendo-se inertes. Essas situações clamam pela iniciativa estatal, por intermédio do Ministério Público, na salvaguarda de direitos fundamentais.

Outra não é a situação versada nestes autos, sendo inegável que o negócio desenvolvido pela recorrida vitimou principal­mente pessoas de classes menos favorecidas, atraídas pelo sonho de possuir uma linha telefônica em casa. que pouco ou nada fizeram após serem ludibriadas".

Aliás, o entendimento que vem prevalecendo é no sentido de que interesses individuais homogêneos são considerados rele­vantes por si mesmos, sendo desnecessária a comprovação desta relevância. Assim restou afirmado pela Ministra Nancy Andrighi, no julgamento do REsp 797.963 - GO, ao apreciar "disputa que envolve direitos individuais disponíveis".

Conforme se decidiu, "o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 81, parágrafo único, Ili, define os interesses individuais homogêneos como aqueles decorrentes de origem comum. Sua

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MARCOS DESTEFENNI

titularidade pertence a um número determinado ou determinável

de pessoas que tiveram seus direitos individuais violados de forma

similar por práticas a que foram submetidas. ( ... ) Assim, não é da

natureza individual, disponível e divisível que se retira a homogenei­

dade destes interesses, mas sim de sua origem comum".

Conclui-se, ainda, que:

"Desnecessário, portanto, investigar se na hipótese concreta há relevância social a justificar a atuação do MP/GO, bastando a demonstração que se trata de direito difuso, coletivo ou individual homogêneo. Não se pode relegar a tutela de todos os direitos a instrumentos processuais individuais, sob pena de excluir do Estado e da Democracia aqueles cidadãos que mais merecem sua proteção, ou seja, uma multidão de desin­formados, necessitados, carentes ou que possuem direitos cuja tutela torna-se economicamente inviável sob a ótica do processo individual. Assim, assegurar direitos e viabilizar sua tutela é interesse do Estado Democrático de Direito e de todos os seus órgãos. Há interesse social no trato coletivo de interesses individuais homogêneos, ainda que disponíveis, e o Ministério Público é agente legítimo para tanto".

Também tem sido reconhecida a relevância social na tutela do direito à moradia. Pode, portanto, ser pleiteada, por meio de ação

coletiva, a reparação de imóveis destinados a habitações populares

que apresentaram graves defeitos de construção.

Também já se vislumbrou o relevante interesse social no caso

de ação coletiva para a tutela dos usuários de transporte público.

Para o STJ, há relevância social na ação ajuizada para a tutela

de direitos individuais homogêneos de consumidores, em face de instituição financeira. É necessário considerar, também, os efeitos da

decisão em relação a potenciais futuros contratantes. Assim decidiu

a 3ª Turma do STJ, REsp 726.975-RJ, REL. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS

CUEVA, que destacou:

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"No caso em apreço, a discussão transcende a esfera de interesses individuais dos efetivos contratantes, tendo refle­xos em uma universalidade de potenciais consumidores que podem ser afetados por uma prática apontada como abu­siva.

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DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS

Nesse sentido, considerada a natureza da lesão e o número de pessoas atingidas, não está a merecer nenhuma censura a sentença primeva, perfilhada pela Corte de origem, que considerou legítima a atuação do Ministério Público, asseve­rando que os interesses individuais homogêneos, na medida em que, atingindo uma coletividade, passam a ter cunho social, assumem caráter indisponível sendo defensáveis, por­tanto, pelo Ministério Público#.

o fato de a demanda coletiva versar sobre direitos disponíveis não tem sido considerado um obstáculo à admissibilidade da ação. Confira-se, a propósito, julgamento da 3• Turma do STJ (AgRg no AI N° 1.323-205 - SP, RELATOR MINISTRO SIDNEI BENETI).

No julgamento do recurso especial n° 700.2o6 - MG, o Min. Luiz Fux foi peremptório: UA ação civil pública, na sua essência, versa inte­resses individuais homogêneos e não pode ser caracterizada como uma ação gravitante em torno de direitos disponíveis. O simples fato de o interesse ser supra-individual, por si só já o torna indisponível, o que basta para legitimar o Ministério Público para a propositura dessas ações".

O que não se admite é o processamento de ação coletiva para tutelar Interesses divisíveis e disponíveis de um grupo específico, e pequeno, de pessoas.

Assim decidiu a i• Turma do STJ:

HO Ministério Público somente pode figurar no polo ativo de demandas referentes à defesa de direitos individuais homo· gêneos e disponíveis em casos restritos, quando houver inte­resse público relevante, o que não se configura na situação em questão, porquanto essa traz consequências tão-somente a um grupo específico de indivíduos (. .. ).

Verifica-se que a presente ação cuida de interesses com características de divisibilidade e disponibilidade, na salva­guarda de direitos de um determinado número de sujeitos ativos, quais sejam, formandos de instituição de ensino supe­rior, visando a abstenção do pagamento de taxa de expedi· ção de diploma universitário.

Portanto, in casu, não há que se falar em direito indivi­dual homogêneo indivisível e indisponível, mas em direito

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patrimonial de um número específico de pessoas, repita-se, havendo a possibilidade da determinação de cada indivíduo lesado, sendo que devem obter a tutela de seus interesses por meio de ação própria" (REsp n• 1.115.112-PE, RELATOR: MINISTRO BENEDITO GONÇALVES).

Compreende-se o mencionado entendimento, pois devemos lembrar que as ações coletivas destinam-se a evitar a multiplicação de demandas individuais, naquelas hipóteses em que um única ação pode beneficiar um número razoável de pessoas que partilham de interesses comuns, decorrentes de uma mesma relação jurídica base ou que têm uma origem comum, tática ou jurídica.

Todavia, não é o fato de os beneficiários formarem um grupo determinado de indivíduos que impede, aprioristicamente, a demanda coletiva.

Por isso, é cabível ação coletiva para a tutela do direito à saúde e à vida de consumidores, atingidos por reajustes abusivos, ainda que os beneficiários constituam número determinado de indivíduos, como decidiu a 4• Turma do STJ (AgRg no REsp n° 512.382-DF).

Não se exige, também, para a admissibilidade da ação coletiva, que todos as vítimas tenham pretensões absolutamente idênticas.

Com efeito, o fato de a lesão repercutir de forma diversa em relação a cada uma das vítimas não impede a ação coletiva para a tutela de direitos individuais homogêneos.

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Essa questão foi muito bem destacada pela 3• Turma do STJ:

"Se há um determinado contrato-padrão de leasing finan­ceiro, ao qual aderem uma massa de pessoas em situação equivalente, não há como negar a existência de direito indi­vidual homogêneo passível de ser tutelado em juízo, como já reconheceu a jurisprudência desta Corte: REsp 457.579/DF (4• Turma, Rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 10/2/2003); REsp 579.096/MG (3• Turma, minha relatoria, DJ de 21/2/2005).

Vale frisar que a alegação do recorrente de que os direitos aqui discutidos são divisíveis e disponíveis não altera em nada a possibilidade de sua tutela coletiva em juízo. É da natureza dos direitos individuais homogêneos a sua divisibi­lidade e disponibilidade, podendo-se dizer que, em verdade,

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DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS

trata-se de direitos individuais com tutela coletiva por força de lei, e não direitos ontologicamente coletivos, do ponto de vista jurídico" (REsp n° 1.074.756 - MG, Rei•. Min•. Nancy Andrighi).

Como se vê, as ações coletivas representam um importantís­simo mecanismo para a efetividade da Justiça e para evitar a multi­plicação de demandas individuais.

Após a análise de casos extraídos da jurisprudência, constata­-se que as ações coletivas têm sido amplamente admitidas para a tutela de todos as espécies de direitos coletivos, inclusive para a tutela de direitos individuais homogêneos, cuja tutela coletiva tem relevância social presumida. Só não deve ser admitida a ação cole­tiva para a defesa de um número muito restrito de indivíduos e quando se constatar que a decisão não terá reflexos futuros.

Afinal, a possibilidade de reflexos futuros e benéficos a futuros contratantes, por exemplo, revela a existência de interesses difusos, tendo em vista um interesse indivisível de um número indeterminá­vel de pessoas.

5. DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS OU COLETIVOS lATO SENSU

Pelo que já se viu no presente trabalho, existem várias espécies de direitos transindividuais, ou, direitos coletivos no sentido amplo (lato sensu).

A doutrina, inicialmente, reconheceu a existência de direitos difusos e coletivos. Algumas ações foram regulamentadas para tute­lar mencionados direitos, valendo destacar a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81), a ação popular (Lei n. 4.717/65) e a ação civil pública (Lei n. 6.938/81, art. 14, e Lei n. 7 .347 /85).

Havia, contudo, uma lacuna que foi preenchida pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), que, em seu art. 81, parágrafo único, procurou sistematizar e apontar as principais características dos direitos transindividuais. Referido diploma normativo inovou ao possibilitar a tutela de direitos individuais homogêneos, de tal forma que passou-se a falar em uma divisão tripartite dos direitos

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coletivos (lato sensu): difusos, coletivos e individuais homogêneos, embora sejam genuinamente coletivos apenas os dois primeiros.

Além da classificação ser tripartite, é interessante notar que um mesmo fato pode violar direitos transindividuais de todas as espé­cies.

Fala-se, então, na necessidade de uma tutela jurisdicional tri­partite e conglobante, ou seja, que seja apta a tutelar direitos de todas as espécies e que seja apta a propiciar todo tipo de tutela.

A constatação foi magistralmente assinalada pela 37• Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão rela­tado pelo DES. SERGIO GOMES (Apelação n° 0138173-49.2010.8.26.0100).

No caso, discutiam-se, em sede de ação civil pública movida pelo Ministério Público, práticas abusivas e irregulares na cobrança de débitos de consumidores, "notadamente a ausência de prévia, formal, expressa e pessoal notificação da aquisição de créditos oriundos principalmente de contratos de serviços de telefonia".

E segundo restou consignado: "O ajuizamento da demanda pelo órgão ministerial foi fundado na tutela de interesses difusos, coleti­vos e individuais homogêneos, cumulativamente, de acordo com o quadro a seguir:

Interesses Proteção Sujeito a proteger

Difusos Futuros consumidores que possam Indeterminado. a vir sofrer o prejuízo e toda a sociedade.

Coletivos stricto sensu Consumidores que já tiveram seus Determináveis. supostos débitos cedidos à acio-nada Atlântico, mas ainda não sofreram efetivos prejuízos.

Individuais homogêneos Consumidores que já tenham Determinados. sofrido danos materiais ou morais em razão dos fatos discutidos.

A tutela almejada então é tripartite e conglobada. Ou seja, com base na mesma circunstância tática e legal, objetiva-se a proteção de

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DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS

três interesses, que embora diversos, não são excludentes entre si. o ajuizamento de ação civil pública com fulcro em dois ou mais interes­ses transindividuais não encontra óbice na legislação e é largamente admitido pela doutrina e pela jurisprudência".

Acrescentou a brilhante decisão: "Este raciocínio decorre tam­bém dos princípios da efetividade e economia processual. A propo­sição de demandas separadas para interesses diversos constituiria em um acúmulo indevido e inarredável de serviço, prejuízo para as partes e risco de decisões conflitantes".

Portanto, são três os direitos transindividuais que podem ser objeto, isolada ou cumulativamente, de tutela coletiva.

Importante uma análise mais detalhada nos capítulos seguintes.

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1. DIREITOS DIFUSOS

CAPÍTULO li

Direitos transindividuais em espécie Sumário • i. Direitos difusos; 2. Direitos coletivos no sentido estrito (stricto sensu); 3. Direitos indivi­duais homogêneos; p. Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos; Parte ii - a ação civil pública.

De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), em seu art. 81, parágrafo único, 1, interesses ou direitos difusos são os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.

Portanto, os direitos difusos apresentam as seguintes caracte-rísticas:

a) são transindividuais;

b) são indivisíveis;

c) são titularizados por um número indeterminável de pessoas;

d) não há, entre os titulares, um vínculo associativo.

Diferem dos direitos coletivos, principalmente, porque estes são titularizados por um grupo, uma categoria ou uma classe de pessoas. Além disso, os titulares dos direitos coletivos apresentam algum grau de associação, entre si, ou estão ligados com uma mesma parte con­trária por uma relação jurídica base.

Os direitos individuais homogêneos não são direitos genuina­mente coletivos. Apenas podem ser postulados em juízo de forma coletiva. Não são indivisíveis e seus titulares devem ser determina­dos na fase executiva.

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Direitos difusos genuínos são, por exemplo, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o direito à ampla informação do consumidor.

A jurisprudência releva outros vários casos de tutela de direitos difusos.

Já foi citado o direito de futuros consumidores que possam sofrer, no futuro, prejuízos em decorrência de práticas abusivas e irregulares na cobrança de débitos de consumidores. Uma mesma ação pode tutelar direitos individuais de consumidores que já foram lesados, mas também pode tutelar o direito (difuso) dos possíveis e indetermináveis futuros consumidores.

Também pode ser mencionado o direito de futuros consumidores que possam vir a sofrer prejuízos em decorrência de prática empre­sarial pouco transparente nos mecanismos empregados para a ava­liação a respeito da concessão de crédito. Nesse caso, há ofensa a direitos difusos, uma vez que é atingido o princípio da transparência e "devido ao prejuízo causado a um número não determinado de pessoas de forma indivisível" (5• CC do TJ/RS, Ap. Cív. n° 70056228737).

o direito à informação é difuso, por dizer respeito a uma massa de consumidores que não pode ser determinada.

Cabível ação coletiva, para tutela de direitos difusos, com o fim de apontar defeitos de projeto que comprometam a segurança de equipamentos.

Vislumbra-se a defesa de direitos difusos, igualmente, no caso de pedido de tutela inibitória, isto é, que evite a prática ou a reitera­ção de condutas ilícitas que possam causar danos aos consumidores.

O direito à segurança do consumidor também é difuso.

Há defesa de direito difuso, também, quando se formula em juízo, por meio de ação coletiva, pedido de condenação à indeniza­ção de danos morais sofridos pela coletividade.

Os direitos difusos podem ser tutelados por várias ações cole­tivas. As mais comuns são a Ação Popular, a Ação Civil Pública e a Ação Coletiva fundada nos arts. 91 e seguintes do CDC, que serão estudadas em capítulos próprios.

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DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS EM ESPÉCIE

2. DIREITOS COLETIVOS NO SENTIDO ESTRITO (STRICTO SENSU)

Para o Código de Defesa do Consumidor (art. 81, parágrafo único, 11), os direitos coletivos são os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.

Duas características chamam muito a atenção quando se pensa em direitos coletivos no sentido estrito: o fato de que são direitos que pertencem a um grupo determinável de pessoas e a existência de um vínculo associativo.

Os direitos coletivos, assim como os difusos, são indivisíveis. Porém, enquanto os difusos interessam a um número indeterminável de pessoas, os direitos coletivos pertencem a um grupo, categoria ou classe.

Os direitos difusos e coletivos, em função da característica da indivisibilidade, são considerados genuinamente coletivos. A indivi­sibilidade que se fala é a objetiva, isto é, não é possível decompor o direito de forma a atender, de maneira específica, cada um dos titulares.

De outro lado, os direitos individuais homogêneos não são genuinamente coletivos. Na verdade, são direitos individuais, divisí­veis, passíveis de fracionamento.

Os direitos coletivos diferem dos individuais homogêneos em função de os primeiros apresentarem as características da indivisi­bilidade e do vínculo associativo, características que não estão pre­sentes nos últimos.

Já se decidiu que a pretensão de reserva de vagas para deficien­tes físicos em concurso público tem natureza coletiva e é indivisível.

A característica da indivisibilidade foi bem apontada pelo STJ: "Considerando que, no caso concreto, o direito buscado na ação principal - reserva da vagas para deficientes físicos em concurso público - reveste-se de natureza coletiva, abrangendo diversos Estado-membros - concurso de nível nacional - não há que se falar em desmembramento da ação, porquanto a indivisibilidade da pre­tensão nela deduzida, impõem a extensão dos efeitos da decisão

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proferida à todos quantos forem atingidos pela suposta ilegalidade, independentemente da capital onde residam, uma vez que impon­derável se me apresenta a possibilidade de alteração de edital de concurso público de abrangência nacional, apenas em relação a um

Estado da Federação" (STJ, 3ª Seção, CC n° 109.435-PR, REL. MIN. NAPO­LEÃO NUNES MAIA FILHO).

A 2• Turma do STJ (REsp n° i.192.281-SP) entendeu que, em ação declaratória de nulidade de cláusula contratual que impõe o paga­mento da taxa de conservação aos adquirentes de parcelas em loteamentos, por beneficiar todos os adquirentes, de forma indivisí­vel, tutela direito coletivo no sentido estrito (art. 81, parágrafo único, li, do CDC).

Como se vê, haverá tutela de direitos coletivos no sentido estrito se a pretensão deduzida em juízo puder beneficiar um grupo de pessoas ligadas por uma relação jurídica base, entre si ou com a mesma parte contrária.

3. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGfNEOS

o sistema de tutela de direitos transindividuais propiciava, ini­cialmente, a tutela de direitos difusos e coletivos.

A tutela de direitos individuais homogêneos só foi sistematizada a partir da edição do Código de Defesa do Consumidor.

O estatuto consumerista não só definiu essa nova espécie de direito material coletivo (direitos individuais homogêneos), no art. 81, Ili, como também regulamentou a ação coletiva reparatória para a tutela das vítimas e de seus sucessores (arts. 91 e ss.).

E para o estatuto consumerista (art. 81, parágrafo único, Ili), inte­resses ou direitos individuais homogêneos são os decorrentes de origem comum.

Na verdade, não são direitos coletivos. São, em essência, direi­tos individuais passíveis de tutela coletiva.

Como se diz, são interesses individuais homogêneos não são coletivos em sua essência, mas no modo como são exercidos: "É da natureza dos direitos individuais homogêneos a sua divisibilidade

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e disponibilidade, podendo-se dizer que, em verdade, trata-se de direitos individuais com tutela coletiva por força de lei, e não direi­tos ontologicamente coletivos, do ponto de vista jurídico" (3• T do STJ, REsp n° 1.074.756-MG).

Importante destacar, desde já, que um dos grandes proble­mas relacionados à tutela dos direitos individuais homogêneos diz respeito à legitimidade do Ministério Público para pleiteá-los em juízo. Porém, o entendimento atual da jurisprudência é no sentido de que o Parquet tem legitimidade, como regra, para agir em juízo na defesa dos mencionados direitos. A relevância social, no caso, é presumida, considerando que evita o ajuizamento de inúmeras ações individuais; garante o acesso à Justiça; há previsão legal (art. 82, 1, do CDC) legitimando o MP. que tem amparo na Constituição Federal (art. 129, IX).

O STJ, por decisão de sua 3• Turma, relatada pela eminente Ministra Nancy Andrighi, fez uma importante síntese da questão:

"A Lei 7.347/1985, que dispõe sobre a legitimidade do Minis­tério Público para a propositura de ação civil pública, é apli­cável a quaisquer interesses de natureza transindividual, tais como definidos no art. 81 do coe, ainda que eles não digam respeito às relações de consumo.

Essa conclusão é extraída da interpretação conjunta do art. 21 da Lei 7.347/1985 e dos arts. 81 e 90 do Código de Defesa do Consumidor, os quais evidenciam a reciprocidade e com­plementaridade dos referidos diplomas legislativos, mas principalmente do disposto no art. 129, Ili da Carta Constitu­cional, que estabelece como uma das funções institucionais do Ministério Público, "promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos#.

Mesmo no que se refere aos interesses de natureza indivi­dual homogênea, após grande discussão doutrinária e juris­prudencial acerca da legitimação processual extraordinária do parquet, devido à ausência de menção expressa a tal categoria no texto constitucional e nos dispositivos da lei da ação civil pública, firmou-se entendimento no sentido de que basta a demonstração da relevância social da questão para que ela seja reconhecida.

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MARCOS DESTEFENNI

Nesse sentido, o STF pacificou a questão ao estabelecer que no gênero #interesses coletivosn, ao qual o art. 129, Ili, CF faz referência, se incluem os "interesses individuais homo­gêneosn cuja tutela, dessa forma, pode ser pleiteada pelo Ministério Público (RE 163.231/SP, Pleno, Rei. Min. Maurício Corrêa, DJ 29-06-2001).

E esta Corte, na mesma linha, já se manifestou no sentido de que "os interesses individuais homogêneos são considerados relevantes por si mesmos, sendo desnecessária a compro­vação desta relevãncian (REsp 635.8o7/CE, 3• Turma, minha relatoria, DJ 20.o6.2oost.

O STJ, por sua 2• Turma (AgRg no REsp n° 856.378-MG), enten­deu que o aumento abusivo de tarifa ofende interesses individuais homogêneos, tendo em vista a origem comum e o caráter divisível das pretensões. Além disso, é bom verificar que as vítimas têm idên­

tica relação jurídica com o mesmo prestador de serviço.

Importante consignar que a tutela coletiva de direitos indivi­duais homogêneos não se restringe às questões consumeristas.

A 2• Turma do STJ (REsp n° 1.199.611-RS, RELATOR MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES) afirmou a possibilidade de tutela de direitos individuais de servidores públicos: UA jurisprudência atual, contudo,

entende que, o artigo 21 da Lei n. 7.347/85, com redação dada pela Lei n. 8-078/90, ampliou o alcance da ação civil pública também para a defesa de interesses e direitos individuais homogêneos não rela­

cionados às relações de consumo".

Devemos apontar algumas características importantes dos direi-

tos individuais homogêneos:

são direitos relacionados a pessoas que sofreram prejuízos divisíveis, ou seja, o dano não atinge a todos igualmente;

são atingidas pessoas que não têm um vínculo associativo prévio (entre si ou com uma mesma parte contrária);

os danos são decorrentes de um mesmo evento, de uma mesma circunstância tática.

Como há um número considerável de pessoas atingidas e exis­tem questões táticas comuns a serem discutidas, podem ser tutela­dos coletivamente, por meio de ação coletiva a ser ajuizada por um

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ente legitimado em lei que não é titular do direito material discutido em juízo (regime de legitimidade extraordinária e de substituição processual).

Registre-se que, em determinado momento da demanda (fase

de liquidação e execução), as vítimas devem ser identificadas e os danos devem ser quantificados.

Portanto, os direitos individuais homogêneos (acidentalmente coletivos), ao contrário dos direitos genuinamente coletivos, são

divisíveis.

Os direitos individuais homogêneos podem ser tutelados por meio da ação civil pública, não obstante a ação civil pública faça

referência à tutela de direitos difusos e coletivos. Ocorre que a Lei n. 8.078/90 determinou a integração entre os diplomas normativos que tutelam os direitos transindividuais e constituiu, assim, um microssis­tema para a tutela dos direitos transindividuais.

Daí o fato de ser admitida a ação civil pública contra o reajuste

de mensalidades de plano de saúde (STJ, 4• Turma, AgRg no REsp n° 512.382-DF, REL. MIN. ANTONIO CARLOS FERREIRA); em face da limita­ção do número de concessões de isenção de taxas para exame em universidades federais (REsp n. 1.225.010/PE, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA); na defesa de consumidores para garantir assistência à saúde (REsp n. 168.051/DF, Relator Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/5/2005).

Em passagem memorável, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de

Justiça do Estado de Minas Gerais (Apelação Cível n° i.0672.04.133380-4/003, Rei. Des. Eduardo Mariné da Cunha) bem constatou que os titulares de direitos individuais homogêneos, no caso de tutela cole­tiva, são indeterminados na ação de conhecimento e serão determi­nados na fase de execução:

"Na espécie, tem-se que a pretensão deduzida pelo Minis­tério Público na presente ação é obter a declaração de nuli­dade das cláusulas contratuais atinentes a reajustes das mensalidades dos planos de saúde comercializados pela requerida, que atingem todos os usuários residentes nas cidades descritas na exordial, ao argumento de que afrontam a legislação consumerista e o Estatuto do Idoso. Tratam-se,

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pois, de direitos individuais homogêneos, dotados de rele­vância social.

Registre-se que direitos individuais homogêneos são aqueles que dizem respeito a pessoas que, ainda que indetermina­das num primeiro momento, poderão ser determinadas no futuro e cujos direitos são ligadas por um evento de ori­gem comum, o que se amolda, perfeitamente, à hipótese dos autos".

Uma das grandes virtudes da tutela coletiva de direitos indi­viduais homogêneos é a facilitação do acesso à justiça. Principal­mente naqueles casos em que existem obstáculos econômicos para o acesso, bem como no caso de lesões que, individualmente, beiram a insignificância.

Pelo que se verifica, foi um grande avanço do Código de Defesa do Consumidor a sistematização da tutela coletiva de direitos indivi­duais homogêneos.

Importante, neste momento, elaborar o seguinte quatro:

DIREITOS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

Direito transindividual

Direito genuinamente coletivo

Difusos Direito indivisível

Direito ligado a pessoas indetermináveis

Inexistência de vínculo associativo entre os possíveis titulares

Direito transindividual

Direito genuinamente coletivo

Coletivos Direito indivisível

Direito ligado a um grupo, a uma classe ou a uma categoria de pessoas (pessoas determináveis)

Existência de vínculo associativo entre os titulares do direito

Direito individual passível de tutela coletiva (acidentalmente coletivo)

Direito divisível (será estabelecida o valor devido a cada um

Individuais dos indivíduos)

homogêneos Direito relacionado a pessoas que se envolveram em uma mesma questão de fato ou de direito (pessoas determinadas)

Inexistência de qualquer vínculo associativo prévio entre os pos-síveis titulares.

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DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS EM ESPÉCIE

3.1. TUTELA DE DIREITOS COLETIVOS E TUTELA COLETIVA DE DIREITOS

O Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), em seu art. 81, parágrafo único, procurou sistematizar e apontar as principais características dos direitos transindividuais. Referido diploma nor­mativo inovou ao possibilitar a tutela de direitos individuais homo­gêneos, de tal forma que passou-se a falar em uma divisão tripartite dos direitos coletivos (lato sensu): difusos, coletivos e individuais homogêneos. embora sejam genuinamente coletivos apenas os dois primeiros.

Com efeito, os direitos individuais homogêneos não são direitos genuinamente coletivos. Apenas podem ser postulados em juízo de forma coletiva. Não são indivisíveis e seus titulares devem ser deter­minados na fase executiva.

Os direitos difusos e coletivos, em função da característica da indivisibilidade, são considerados genuinamente coletivos. A indivi­sibilidade que se fala é a objetiva, isto é, não é possível decompor o direito de forma a atender, de maneira específica, cada um dos titulares.

Exatamente em função desta dicotomia (direitos genuinamente coletivos e direitos individuais passíveis de tutela coletiva) é que surgiram as expressões, atribuídas ao Ministro Teori Albino Zavascki, "tutela de direitos coletivos" e "tutela coletiva de direitos".

Há tutela de direitos coletivos quanto são pleiteados direitos genuinamente coletivos. isto é, difusos e coletivos. Há tutela coletiva de direitos no caso de direitos individuais homogêneos.

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Parte li A AÇÃO CIVIL PÚBLICA

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CAPÍTULO 1

Microssistemas normativos Sumário • i. Dos códigos aos microssistemas; 2.

Microssistema da tutela coletiva; 3. Microssistemas e diálogo das fontes.

l. DOS CÓDIGOS AOS MICROSSISTEMAS

A codificação do direito foi baseada em vários fundamentos: o princípio da generalidade, segundo o qual o Código deveria reger um aspecto bastante amplo da vida das pessoas (a vida civil ou penal, p. ex.); o princípio da completude, segundo o qual o Código seria um sistema fechado e apto a solucionar todos os problemas; a crença de que a lei seria a fonte formal do direito, principal ou única.

Todavia, os Códigos, pela generalidade de suas normas, foram perdendo espaço na regulação da vida das pessoas, sobretudo pela edição de inúmeras leis especiais.

Por isso, os Códigos, de normas gerais, acabaram se transfor­mando em normas subsidiárias, só aplicáveis quando inexiste uma lei específica ou, então, para complementar alguma lacuna da lei especial.

Percebe-se, também, que nos Códigos há predominância de um tipo de regramento (civil, penal ou administrativo), enquanto que as leis especiais são híbridas, apresentando dispositivos civis, penais, administrativos ...

Tamanha foi a evolução da legislação especial que Orlando Gomes, em 1983 ("A caminho dos microssistemas", ln Novos temas de direito civil, Rio de Janeiro: Forense, p. 47), proclamou: "O Código Civil funciona agora como direito residual, a reger unicamente os casos não-regulados nas leis especiais, tendo perdido a sua função de direito comum, de núcleo da legislação privada e de sede da disciplina das relações entre particulares".

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Assim, o direito assistiu ao nascimento de inúmeros microssis­temas normativos, materiais e processuais, que foram editados para reger determinado setor da vida das vidas (não toda a vida civil, p. ex.), com regras e princípios próprios.

A criação de microssistemas normativos está relacionada à superação do princípio da isonomia formal, que determinava tratar a todos igualmente.

Porém, a partir do momento em que se identificam vulnera­bilidades materiais e hipossuficiências processuais, percebe-se a necessidade de se acabar com esse tipo de isonomia.

De fato, a isonomia dos dias de hoje é material, ou seja, reco­nhece que nem todos são iguais e, portanto, não podem ser tratados igualmente.

Daí a necessidade de normas protetivas, no plano material e no processual.

Por exemplo, a Fazenda Pública é favorecida com um "micros­sistema de prerrogativas", como decidiu a ia Turma do Turma do STJ

(REsp 785991 / RJ):

"Deveras, a interpretação teleológica conspira em favor da intimação pessoal do representante municipal haja vista que a mesma participa do microssistema de prerrogativas da Fazenda Pública, categoria a que pertence os Municípios".

Um dos mais importantes microssistemas normativos é o de proteção do consumidor. Assim, constatada a existência de uma rela­ção de consumo, entre fornecedor e consumidor, há necessidade de aplicação de normas protetivas e que facilitem a defesa do consu­midor.

o seguinte trecho de acórdão proferido pela 3• Turma do STJ (REsp n93006 / SP) destaca a incidência do microssistema consu­merista: "A relação jurídica estabelecida entre as partes é de con­sumo e, portanto, impõe-se que seu exame seja realizado dentro do microssistema protetivo instituído pelo Código de Defesa do Consu­midor, observando-se a vulnerabilidade material e a hipossuficiência processual do consumidor".

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MICROSSISTEMAS NORMATIVOS

Referido microssistema, do ponto de vista material, adota um

conceito amplo de consumidor, abrangendo vítimas de um acidente

de consumo, a fim de que a incidência das normas protetivas sejam

mais ampla: "A regra do art. 17 do CDC, ampliando o conceito básico

de consumidor do art. 20, determina a aplicação do microssistema

normativo do consumidor a todas as vítimas do evento danoso, pro­

tegendo os chamados "bystandars", que são as vítimas inocentes de

acidentes de consumo" (STJ, 3• Turma, AgRg no REsp 1365277 / RS).

O microssistema também incide no caso da prestação de ser­

viços públicos" "As empresas públicas prestadoras de serviços

públicos submetem-se ao regime de responsabilidade civil objetiva,

previsto no art. i4 do coe. de modo que a responsabilidade civil

objetiva pelo risco administrativo, prevista no art. 37, § 6°, da CF/88,

é confirmada e reforçada com a celebração de contrato de consumo,

do qual emergem deveres próprios do microssistema erigido pela

Lei n. 8.078/90" (REsp 1210732 / se). Vale destacar, também, que o microssistema protetivo do con­

sumidor alterou antiquíssima orientação relacionada ao regime da

responsabilidade dos entes públicos, no caso de omissão: "Ordina­

riamente, a responsabilidade civil do Estado, por omissão, é subje­

tiva ou por culpa; regime comum ou geral esse que, assentado no

art. 37 da Constituição Federal, enfrenta duas exceções principais. Pri­

meiro, quando a responsabilização objetiva do ente público decorre

de expressa previsão legal, em microssistema especial. Segundo,

quando as circunstâncias indicam a presença de standard ou dever de ação estatal mais rigoroso do que aquele que jorra, segundo a interpretação doutrinária e jurisprudencial, do texto constitucional,

precisamente a hipótese da salvaguarda da saúde pública" (REsp

1236863 / ES).

A proteção do consumidor, no plano material, é ampla e envolve

todas as fases da relação jurídica: pré-contratual, contratual e pós­-contratual.

A responsabilidade, no microssistema consumerista, é, em regra, objetiva.

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Além do consumerista, existem vários outros microssistemas protetivos: em prol das pessoas com necessidades especiais, das crianças, dos adolescentes, dos idosos. Fala-se no microssistema de normas previdenciárias.

Em relação aos adolescentes, por exemplo, a 5• Turma do STJ (HC i65059 / DF) lembrou de seus aspectos materiais e processuais, consignando: UA aplicação das regras processuais penais às hipóte­ses regidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente se dá apenas de forma subsidiária, devendo-se respeitar as particularidades pró­prias deste microssistema, sob pena de tornar inócua as previsões nele contidas".

Outro microssistema processual importante, que deve ser citado, portanto, é o dos Juizados Especiais, que consagra princípios específicos, como os seguintes: da celeridade, da simplicidade e da concentração dos atos processuais.

A criação de microssistemas está muito relacionada à necessi­dade de se proteger determinados direitos fundamentais de pes­soas que necessitam de um tratamento distinto, ou seja, vulneráveis, hipervulneráveis e hipossuficientes.

A criação de microssistemas traz grandes impactos ao direito. Já chamamos atenção para o caráter híbrido as normas instituido­res de microssistemas. Além disso, outra característica que tem sido evidenciada é a da cumulatividade de competências, com ruptura da dicotomia da jurisdição em civil e penal. Por exemplo, já se fala em competência híbrida, no caso de varas especiais que cumulam jurisdição civil e penal, como tem ocorrido no caso da proteção das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

Outro problema que se verifica é o da harmonização dos microssistemas. Com efeito, é muito comum os magistrados serem chamados a decidir sobre qual norma é aplicável em determinada relação jurídica, pela existência, por exemplo, de dois microssiste­mas normativos.

Para exemplificar, proclamou a 6• Turma do STJ (AgRg no Ag 660449 / MG): uo Superior Tribunal de Justiça entende ser incabível a aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor

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MICROSSISTEMAS NORMATIVOS

às relações locatícias regidas pela Lei 8.245/91, porque se tratam de microssistemas distintos, pertencentes ao âmbito normativo do direito privado".

Outro aspecto que não pode passar despercebido é o da inapli­cabilidade da norma geral (Código) quando houver regra protetora no microssistema normativo.

A ia Turma do STF (HC 97539 / RJ), de forma atenta, mostrou a não incidência do Código, como norma geral, no caso de existir regra específica no microssistema: "A solução da causa passa pela adoção do princípio da especialidade das leis. Pelo que hão de prevalecer as regras e parâmetros do microssistema jurídico em que o Esta­tuto da Criança e do Adolescente consiste. Solução de todo condi­zente com a 'absoluta prioridade' constitucional conferida à criança e ao adolescente, cada qual deles expressamente qualificado como detentor de 'condição peculiar de desenvolvimento' (caput e inciso V do § 3° do art. 227 da CF)"

2. MICROSSISTEMA DA TUTELA COLETIVA

Para o presente trabalho, é importante destacar a existência do microssistema da tutela coletiva, ou seja, de um microssistema processual que rege as ações coletivas.

Enquanto muitas ações individuais são fundadas ou estão pre­vistas expressamente em um Código, as ações coletivas são regula­das por diversas leis esparsas, não existindo um Código de Processo Coletivo, embora já tenha sido apresentada proposta legislativa nesse sentido.

Embora não exista o Código de Processo Coletivo, as ações coletivas se integram e formam aquilo que se convencionou chamar de Microssistema da Tutela Jurisdicional Coletiva, que já foi reconhe­cido pela jurisprudência.

Tal interação foi possível por força da edição do Código de Defesa do Consumidor, cujo art. 90 estabeleceu: "Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inqué­rito civil, naquilo que não contrariar suas disposições".

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Além disso, o estatuto consumerista determinou, em seu art. , a

alteração da Lei n° 7.347/85,

An. 117. Acrescente-se à Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, o seguinte dispositivo, renumerando-se os seguintes:

"An. 2i. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título Ili da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumi­dor".

Vale destacar que a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor são as duas grandes normas do microssis­tema da tutela coletiva, mas não são as únicas. A importância da LACP foi bem destacada pela lª Turma do STJ (REsp 11o6515 / MG):

uos ans. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do coe, como nor­mas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, com o qual se comunicam outras normas, como os Estatutos do Idoso e da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natu­reza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados para "propiciar sua adequada e efetiva tutela" (an. 83 do CDC).

Apesar do reconhecimento jurisprudencial e doutrinário de que 'A nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'con­curso de ações' entre os instrumentos de tutela dos inte­resses transindividuais' (REsp 700.2o6/MG, Rei. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe 19/3/10), a ação civil pública é o instru­mento processual por excelência para a sua defesaH.

E vale lembrar que o CPC só é aplicável subsldiariamente ao microssistema da tutela coletiva.

Exemplo de aplicação subsidiária do CPC, em demandas coleti­vas, se deu no julgamento do REsp 1221254 / RJ: "A Lei de Improbidade Administrativa estabelece prazo de 15 dias para a apresentação de defesa prévia, sem, contudo, prever a hipótese de existência de litisconsortes. Assim, tendo em vista a ausência de norma específica e existindo litisconsortes com patronos diferentes, deve ser aplicada a regra do art. 191 do CPC, contando-se o prazo para apresentação

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MICROSSISTEMAS NORMATIVOS

de defesa prévia em dobro, sob pena de violação aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa".

o microssistema da tutela coletiva foi desenvolvido para que seja propiciada uma efetiva e adequada tutela aos direitos transin­dividuais.

leiro.

Assim enunciou a 1• Turma do STJ (REsp 695396 / RS):

"Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do coe, como nor­mas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natu­reza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados com o escopo de "propiciar sua adequada e efe­tiva tutela" (art. 83 do CDC)".

Para tanto, várias transformações ocorreram no direito brasi-

Por exemplo, o Ministério Público foi escolhido como órgão legi­timado a agir em juízo para defender os direitos transindividuais. Inclusive os individuais homogêneos.

Conforme bem observou a 1• Turma do STJ (AgRg no Ag 1249132 / SP), "o Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos".

No mesmo julgamento foi destacada a existência de vários ins­trumentos processuais aptos à tutela dos direitos transindividuais: "A Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no con­trole dos atos da Administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF/1988 como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interes­ses transindividuais, criou um microssistema de tutela de interes­ses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Cautelar Inominada, Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos

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MARCOS DESTEFENNI

concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas".

A máxima efetividade da tutela coletiva exige que o juiz não venha a extinguir o processo sem resolução do mérito, por carência de ação decorrente de ilegitimidade ativa, mas determine, ainda que o faça de ofício, a sucessão processual. Nesse sentido a lúcida lição da 4• Turma do STJ (REsp u92577 / RS):

"Diante do microssistema processual das ações coletivas, em interpretação sistemática de seus dispositivos (art. 5°, § 3°, da Lei n. 7.347/1985 e art. 9° da Lei n. 4.717/1965), deve ser dado aproveitamento ao processo coletivo, com a substitui­ção (sucessão) da parte tida por ilegítima para a condução da demanda. Precedentes".

Ou seja, no processo coletivo, a ilegitimidade ativa não deve determinar a imediata extinção do processo sem resolução do mérito.

Ainda sobre o direito de ação, no processo coletivo a verifica­ção do interesse de agir (necessidade-utilidade) também apresenta peculiaridades, pois, em ações coletivas, embora o exame das con­dições da ação também seja in status assenionis, isto é, conforme o afirmado pelo autor (teoria da asserção), basta que ele descreva os fatos de forma genérica, exemplificativa, sem detalhes muito especí­ficos das situações individuais.

Não se pode exigir, no âmbito das ações coletivas, especial­mente da ação coletiva que tutela direitos individuais homogêneos (arts. 91 e ss. do CDC), uma descrição pormenorizada das situações individuais. Aliás, não é que não se pode exigir. Seria absolutamente inadequado esse ingresso, na ação de conhecimento. Para a defi­nição das situações particulares existe a ação de liquidação e de execução.

Por sinal, cabe adiantar que a liquidação da sentença conde­natória é diferenciada, sendo esta outra peculiaridade do microssis­tema das ações coletivas.

Enquanto a liquidação é reservada, no processo individual, à discussão do valor devido, no âmbito coletivo seu objeto é maior,

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MICROSSISTEMAS NORMATIVOS

pois aí também se discute a questão do nexo entre a conduta do responsável e o dano sofrido pela vítima que deduz pretensão de

liquidação e de execução em juízo.

No microssistema da tutela coletiva também se alterou a regra geral da competência territorial, para que as demandas coletivas sejam processadas no foro do local do dano e não no foro do domi­

cílio do réu (art. 2° da LACP e art. 93 do CDC).

Vale destacar, sobre a mencionada regra, que as normas do microssistema da tutela coletiva são aplicáveis a todas as ações coletivas. Por outras palavras, havendo alguma lacuna na regula­mentação de uma ação coletiva específica, a solução deve ser bus­cada dentro do microssistema normativo da tutela coletiva. Não no Código de Processo Civil.

Por exemplo, no caso de ação de improbidade administrativa, que é uma espécie de ação civil pública, a Lei n. 8.429/92 não tem regra específica sobre o foro competente. Aplica-se, então, o CPC? A resposta é negativa, pois, "diante de tal omissão, tem-se aplicado, por analogia, o art. 2° da Lei 7.347/85, ante a relação de mútua com­plementariedade entre os feitos exercitáveis em âmbito coletivo, autorizando-se que a norma de integração seja obtida no âmbito do microssistema processual da tutela coletiva" (CC 97.351/SP, Primeira Seção, Rei. Min. CASTRO MEIRA, DJe l0/6/09).

Além de a ação coletiva ser proposta no foro do local dos fatos, no microssistema da tutela coletiva a competência do foro do local do dano é absoluta e pode ser declinada de ofício.

A ampla cumulatividade de pedidos é outra exigência da máxima efetividade da tutela coletiva. Todavia, vale registrar que a mencionada amplitude objetiva da demanda só foi conquistada com a evolução da jurisprudência, pois já se entendeu que a mesma demanda não poderia conter pedidos condenatórios pecuniário e comportamental (fazer e não fazer).

Atualmente é proclamada a ampla cumulatividade de pedidos, como se extrai do seguinte julgado da 2• Turma do STJ (REsp 1269494 / MG):

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"Segundo a jurisprudência do STJ, a logicidade hermenêutica do art. 3° da Lei 7.347/1985 permite a cumulação das conde­nações em obrigações de fazer ou não fazer e indenização pecuniária em sede de ação civil pública, a fim de possibilitar a concreta e cabal reparação do dano ambiental pretérito, já consumado".

A máxima proteção devida aos direitos transindividuais tam­bém impõe seja passível de indenização o dano moral coletivo.

Nesse contexto, convém não esquecer dos princípios da máxima efetividade e da máxima amplitude da tutela coletiva, decorrente da previsão do art. 83 do CDC:

"Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela".

Outra característica que é típica do processo coletivo é o da possibilidade de pedido para migrar de polo da relação processual.

Com efeito, em ação coletiva (ação popular, ação de impro­bidade administrativa), a pessoa jurídica de direito público, citada para a demanda, pode pedir para integrar o polo ativo da demanda.

A ia Turma do STJ (REsp 791042 / PR) deu destaque ao fato de que a pessoa jurídica de direito público, em demanda coletiva que tutela o patrimônio público, pode ocupar qualquer dos polos da relação processual. Inclusive, habilitar-se como litisconsorte em qualquer dos polos:

"Nesse seguimento, ao Poder Público, muito embora legiti­mado passivo para a ação civil pública, nos termos do § 2°,

do art. 5°, da lei 7347/85, fica facultado habilitar-se como litis­consorte de qualquer das partes".

A inversão do ônus da prova também é outra característica marcante do microssistema da tutela coletiva.

De acordo com o consignado pela 4• Turma do STJ (AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO N° i.406.633 - RS), é cabível a inversão do ônus da prova em ação individual ou coletiva"

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"Não há óbice a que seja invertido o ônus da prova em ação coletiva - providência que, em realidade, beneficia a

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MICROSSISTEMAS NORMATIVOS

coletividade consumidora -, cabendo ao magistrado a pru­dente análise acerca da verossimilhança das alegações do ente substituto. Precedentes".

Nas execuções individuais da sentença coletiva devem ser apli­

cadas as regras do microssistema composto pela LACP e pelo CDC .

Sobre a execução, aliás, vale lembrar da eficácia expandida da decisão coletiva transitada em julgado, como reconhecida pela ia

Turma do STJ (AgRg no REsp 1357759 / GO)

"A indivisibilidade do objeto da ação coletiva, na maioria das vezes, importa na extensão dos efeitos positivos da decisão a pessoas não vinculadas diretamente à entidade classista postulante que, na verdade, não é a titular do direito mate­rial, mas tão somente a substituta processual dos integran­tes da respectiva categoria, a que a lei conferiu legitimidade autônoma para a promoção da ação. Nessa hipótese, diz-se que o bem da vida assegurado pela decisão é fruível por todo o universo de integrantes da categoria, grupo ou classe, ainda que não filiados à entidade postulante.

Aquele que faz parte da categoria profissional (ou classe), representada ou substituída por entidade associativa ou sindical, é diretamente favorecido pela eficácia da decisão coletiva positiva transitada em julgado, independente de estar filiado ou associado à mesma entidade, tendo em vista que as referidas peculiaridades do microssistema processual coletivo privilegia a máxima efetividade das decisões nele tratadas, especialmente considerando que o direito subje­tivo material (coletivo) se acha em posição incontroversa e já proclamado em decisão transitada em julgado.

O integrante da categoria possui legitimidade para propor execução individual oriunda de ação coletiva, mesmo que não tenha autorizado a associação ou o sindicato para lhe representar na ação de conhecimento".

Assim, em relação à execução, é importante observar que o pro­

cesso de liquidação e execução das sentenças proferidas no âmbito

de ações coletivas é regido pelas disposições da Lei da Ação Civil Pública, do Código de Defesa do Consumidor e, subsidiariamente,

pelo Código de Processo Civil.

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MARCOS DESTEFENNI

A existência do microssistema da tutela coletiva determina a existência de um prazo prescricional genérico no caso de ações cole­tivas. Adota-se, como paradigma, o prazo prescricional do art. 21 da Lei da Ação Popular, que é de cinco anos, sendo o termo inicial do prazo prescricional a ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo.

Oportuno resumir algumas das principais características do microssistema da tutela coletiva:

i) as ações coletivas são reguladas por diversas leis esparsas, não exis­tindo um Código de Processo Coletivo;

ii) diversos diplomas normativos se integram e formam aquilo que se convencionou chamar de Microssistema da Tutela Jurisdicional Coletiva;

iii) as duas principais normas são o Código de Defesa do Consumidor (art. 90) e a Lei da Ação Civil Pública;

iv) o CPC é de aplicação subsidiária;

v) para resolver problemas de lacuna, deve-se procurar, primeiro, no microssistema coletivo a solução. O CPC só é aplicável se não houver regra em alguma lei que integre o mencionado microssistema;

vi) há um concurso de ações para a tutela dos direitos transindividuais;

vii) o grande princípio a ser observado é o da máxima efetividade da tutela coletiva (art. 83 do CDC), de tal forma que devem ser admitidas todas as ações na defesa dos direitos transindividuais, bem como a ampla possibilidade de cumulação de pedidos;

viii) a ação coletiva deve ser proposta no foro do local do dano ou do local onde possa ocorrer o dano;

ix) é importante verificar, para definir o foro competente, a extensão do dano, isto é, se ele é localizado ou se é regional ou nacional;

x) a competência do foro do local do dano é absoluta;

xi) existem vários colegitimados para a tutela dos direitos transindivi­duais;

xii) a ilegitimidade do autor originário da ação coletiva não é motivo para a imediata extinção da ação coletiva. Cabe ao juiz a prévia oitiva do Ministério Pulico;

xiii) deve ser priorizada a possibilidade de aproveitamento da demanda e, pois, deve ser tentado o julgamento do mérito. A extinção sem reso­lução é a ultima ratio;

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MICROSSISTEMAS NORMATIVOS

xiv) na descrição dos fatos, ou seja, na exposição da causa de pedir tática, não é lícito exigir-se identificação de possíveis beneficiários (na ação de conhecimento). nem exigir-se uma pormenorizada descrição das situações táticas individuais;

xv) o interesse de agir (condição da ação), no processo coletivo, é pre­sumido em função da legitimação legal para agir, especialmente no caso do Ministério Público;

xvi) o juiz é dotado de maiores poderes no âmbito da tutela coletiva. poderes relacionados a condução, à instrução e ao julgamento da demanda. Bem como relacionados à efetivação dos provimentos juris­dicionais;

xvii) o juiz tem o poder de determinar a inversão do ônus da prova no âmbito das ações coletivas;

xviii) o regime da coisa julgada. no processo coletivo, é totalmente pecu­liar, especialmente pelo fato de que a sentença de procedência pode beneficiar quem não foi parte do processo;

xix) é possível o transporte da coisa julgada coletiva, isto é, uma pessoa pode se valor da coisa julgada coletiva para pleitear a liquidação dos danos individualmente sofridos. seguindo-se com a execução do mon­tante apurado;

xx) existe uma demanda específica para a discussão das situações indivi­duais, relacionadas às vítimas e. eventualmente, sucessores. Trata-se da ação de liquidação e de execução, que pode ser individual ou coletiva;

xxx) referida liquidação é peculiar. por permitir a discussão do nexo de causalidade.

xxii) devem ser apurados, na jurisdição coletiva, o dano material e o extrapatrimonial, inclusive o "dano moral coletivo".

xxiiii) em algumas ações coletivas ocorre um fenômeno de despolari­zação da relação processual, ou seja, os entes públicos tem legitimi­dade para atuar em qualquer dos polos da relação processual e, ainda, podem migrar de polo no curso da demanda;

xxiv) existem pretensões imprescritíveis no âmbito da tutela coletiva, como a relacionada à reparação de dano a direito ou interesse difusos. O prazo prescricional geral, para a reparação de danos individuais, é de cinco anos.

O presente livro, na sequência, vai explorar os referidos temas.

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MARCOS DESTEFENNI

3. MICROSSISTEMAS E DIÁLOGO DAS FONTES

A teoria do diálogo das fontes vem sendo utilizada em todos os ramos do direito, seja quanto à interpretação de normas materiais, sejam quanto à interpretação das normas processuais.

A ideia básica é a de harmonizar os diversos diplomas legais que possam ser aplicados a determinado caso concreto, por meio da superação das técnicas tradicionais de análise do plano hierárquico, da relação de especialidade ou generalidade e de outros.

Na seara do Consumidor, por exemplo, a jurisprudência vem reconhecimento que ela deve ser utilizada "para harmonizar a apli­cação concomitante de dois diplomas legais ao mesmo negócio jurí­dico" (REsp 1216673 / SP).

A mudança de paradigma é extremamente importante no con­texto dos microssistemas normativos, sobretudo pela necessária harmonização entre leis diversas e, até mesmo, entre microssiste­mas diversos.

Ela pode conduzir a resultados diversos daqueles decorrentes dos métodos tradicionais. Por exemplo, sempre foi ideia pacífica a de que a lei especial não pode ser derrogada pela lei geral.

Porém, a interpretação conduzida pelo diálogo das fontes pode levar a resultado oposto.

Por exemplo, a lª Turma do STJ (AgRg no REsp 1196537 / MG), "a fim de preservar a coexistência entre o Código de Defesa do Consu­midor e o novo Código Civil", entendeu que, "consoante a Teoria do Diálogo das Fontes, as normas gerais mais benéficas supervenientes preferem à norma especial (concebida para conferir tratamento pri­vilegiado a determinada categoria), a fim de preservar a coerência do sistema normativo".

Como se vê, o operador do direito deve estar atento para a necessidade de novos paradigmas hermenêuticos, a fim de buscar a melhor solução para o caso concreto.

E a teoria que prega o diálogo das fontes é fundamental para harmonizar os diversos microssistemas.

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MICROSSISTEMAS NORMATIVOS

A teoria foi muito bem exposta, no Brasil, por Cláudia Lima Mar­

ques.

Conforme a festejada autora ("O 'diálogo das fontes' como

método da nova teoria geral do direito: um tributo a Erik Jayme", in

Diálogo dos fontes: do conflito à coordenação de normas no direito bra­

sileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 19-20), "reconstruir

a coerência do sistema de direito ou de uma ordem jurídica nacio­

nal, em tempos pós-modernos, de fragmentação, internacionalização

e flexibilização de valores e hierarquias, em tempos de necessária

convivência de paradigmas e de métodos, de extrema complexidade

e pluralismo de fontes, não é tarefa fácil e exige muita ciência e sen­

sibilidade dos juristas.

Como afirma Erik Jayme, no que tange à teoria, 'o sistema jurí­

dico pressupõe uma certa coerência - o direito deve evitar a contra­

dição. o juiz, na presença de duas fontes ... com valores contrastan­

tes, deve buscar coordenar as fontes, num diálogo das fontes (Dialog

der Quellen)'. Diálogo das fontes, que, no direito brasileiro, significa

a aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes

legislativas, leis especiais (como o Código de Defesa do Consumidor

e a lei de planos de saúde) e leis gerais (como o Código Civil de

2002), de origem internacional (como a Convenção de Varsóvia e

Montreal) e nacional (como o Código Aeronáutico e as mudanças do

Código de Defesa do Consumidor), que, como afirma o mestre de

Heidelberg, tem campos de aplicação convergentes, mas não mais

totalmente coincidentes ou iguais.

É justamente a ausência de coerência que cria antinomias e

conflitos de leis no tempo (direito intertemporal ou transitório); é a

divisão em ordens jurídicas autônomas e nacionais que cria conflitos

de leis no espaço, a necessitar da coordenação do direito intertem­

poral privado".

Pelo que foi exposto, podemos afirmar que o microssistema

da tutela coletiva deve ser construído a partir da harmonização das

diversas normas envolvidas, constitucionais e infraconstitucionais.

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1. NOÇÕES GERAIS

CAPÍTULO li

Ação civil pública Sumário •1. Noções gerais; 2. o objeto da ação civil pública: 2.1. A ação para o cumprimento de obriga­ções de fazer e de não fazer; 3. Legitimidade ativa:

p. A legitimidade do ministério público; 3.1.1. A tutela de direitos individuais indisponíveis; p. A legitimidade da defensoria pública; 3.3. A legitimi­

dade das pessoas jurídicas de direito público; 3.4· A legitimidade dos órgãos da administração pública; 3.5. A legitimidade das associações; 3.6. A legitimi­dade dos sindicatos; 3.8. A legitimidade na ação

popular; 3.8.1. Ação popular multilegitimária; 3.8.2. A ilegitimidade ativa das pessoas jurídicas; 3.8.3. A questão da assistência; 3.8.4. A flexibilização da competência em prol do cidadão; 3.9. A legitimidade

na ação de improbidade administrativa; 3.10. Ação coletiva passiva; 3.11. Ações pseudocoletivas; 3.12. Ações pseudoindividuais; 4. Litisconsórcio, assistên­

cia e intervenção de terceiros; 5. Competência: 5.1. Conexão e continência; 6. A facilitação da defesa e a

inversão do ônus da prova; 7. Pedido, procedimento, sentença, recursos e reexame necessário; 8. Custas e liminares; 9. Relação entre demanda indivdiual e coletiva; 10. o regime da autoridade coisa julgada

e dos seus efeitos; 11. Liquidação e execução; 12.

Prescrição.

A ação civil pública foi regulamentada pela Lei n° 7.347, de 24 de julho de i985, tratando-se de uma das mais importantes ações voltadas à tutela dos direitos ou interesses transindividuais.

Inicialmente voltada à tutela de direitos difusos e coletivos, a ação civil pública também passou a tutelar direitos individuais homogêneos, o que se seu com a edição do Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90).

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MARCOS DESTEFENNI

Foi conceituada, inicialmente, como uma ação não-penal pro­movida pelo Ministério Público, ou seja, para que o Parquet promo­vesse a responsabilização, no âmbito civil, do autor de um dano a direito difuso.

Por exemplo, a Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dis­põe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, legitimou o Minis­tério Público para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente (art. i4, § io). Assim, se a ação penal movida pelo MP é chamada de "ação penal pública", a ação voltada à responsabilização civil deveria ser chamada de "ação civil pública". Prioriza-se, com o uso dessa terminologia, o fato de o legitimado ativo ser o Ministério Público, de tal forma que podería­mos distinguir as ações de iniciativa privada das ações de iniciativa pública.

Evidente que tal classificação é bastante sedimentada no direito penal, mas não tem maior importância no direito não-penal, sobre­tudo a partir do momento em que o sistema legitimou vários órgãos públicos à propositura da ação civil pública, após a edição da Lei n° 7.347/85. E, além disso, legitimou as associações, que não são órgãos públicos.

A ação civil pública, portanto, não pode mais ser concebida como uma ação não-penal movida pelo Ministério Público, pois o

art. 5° da Lei n° 7.347/85 revela a existência de vários colegitimados.

Não é errado, contudo, dizer que a ação civil pública é uma ação não-penal, movida por um ente legitimado em lei, com o fim de evitar ou reparar um dano causado a um bem jurídico supraindi­vidual. Mais especificamente, pode-se dizer, sem a preocupação de um conceito exaustivo, que a grande finalidade da ação civil pública é a responsabilização civil de alguém, em juízo, em função de ter causado ou estar na iminência de causar um dano a um direito ou interesse transindividual.

Depreende-se, desse conceito inicial, que a ação civil pública também deixou de ser uma ação reparatória e se transformação em uma ação que pode assumir caráter preventivo.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

É importante anotar, também, que não existe, propriamente, uma única ação civil pública. Existem várias, em função dos diversos procedimentos que podem ser seguidos quando um ente legitimado vem a juízo promover a ação civil pública.

Por exemplo, existe a ação civil pública para a responsabili­zação civil (não-penal) do agente que praticou ato de improbidade administrativa, fundada, mais especificamente, na Lei n. 8.429/92.

Assim, pode-se vislumbrar uma ação civil pública genérica, regu­lada pela Lei n. 7.347/85, bem como uma ação civil pública mais espe­cífica, com aspectos procedimentos próprios, embasada na Lei n.

8.429/92.

Se não bastasse, uma ação civil pública fundada na Lei n. 7.347/85 pode ser de conhecimento, cautelar ou de execução.

Conforme o art. 4º da Lei n. 7.347/85, com a redação dada pela Lei n• 12.966, de 2014, o ente legitimado poderá ajuizar ação cautelar, objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumi­dor, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Assim, a ação civil pública pode ser cautelar.

Também poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, nos termos do art. 3° da Lei n. 7.347/85.

Evidente que uma ação civil pública com pedido condenatório pecuniário não se desenvolverá da mesma forma que uma outra ação que tenha pedido de condenação ao cumprimento de obriga­ção de fazer e de não fazer.

Nada impede, de outro lado, que a ação civil pública tenha caráter possessório, por exemplo. Afinal, não é possível que o ente legitimado promova a ação civil pública com pedido de reintegração de posse de uma unidade de conservação, objeto de esbulho pos­sessório?

Sendo assim, não existe, propriamente, uma única ação civil pública.

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MARCOS OESTEFENNI

Existe uma ação coletiva, movida por ente legitimado em lei, que terá por fundamento imediato a Lei n. 7.347/85, que adotará o procedimento adequado a propiciar uma tutela efetiva ao bem jurí­dico defendido em juízo.

O nome dado à ação não é o mais importante. Por exemplo, não se nega que uma "ação de improbidade administrativa" seja uma "ação civil pública de responsabilização por ato de improbi­dade administrativa", com aspectos procedimentos específicos. De fato, antes de receber a petição inicial, deverá o magistrado garantir ao futuro réu a possibilidade de uma defesa preliminar, o que não ocorre em uma ação civil pública genérica.

Posto isso, resta evidente que a ação civil pública é uma ação que poderá seguir diversos ritos e poderá veicular diferentes pedi­dos, deduzidos isolada ou cumulativamente.

O que haverá de comum é o fato de ser uma ação voltada a evitar ou a reparar um dano a direito ou interesse transindividual, difuso, coletivo ou individual homogêneo, de não poder ser movida por qualquer pessoa e de ter um regime próprio em relação à coisa julgada e seus efeitos.

Na essência, a ação civil pública é uma ação coletiva e, por isso, tutela direitos transindividuais por meio de uma decisão que produz efeitos erga omnes ou ultra partes.

A característica da legitimidade restrita é decorrência de uma opção legislativa, que poderá ser diferente quando assim se enten­der conveniente. Não é da essência da ação civil pública ou das ações coletivas em geral, pois nada impede que se admita a propo­situra da ação por qualquer pessoa, como já ocorre, por exemplo, no sistema americano.

Mais importante do que o aspecto da legitimidade ativa é o relacionado ao objeto da ação, isto é, do direito material coletivo ou individual homogêneo discutido em juízo.

A questão terminológica também não é importante. Não inte­ressa se a ação seja chamada de "ação civil pública" ou de "ação coletiva", porém, é tradicional, no Brasil, a denominação "ação civil pública".

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Pelo que esclarece a doutrina, a expressão "ação civil pública" foi empregada, legislativamente, no Brasil, de forma pioneira, pela Lei Complementar Federal n. 40, de 14 de dezembro de 1981, já revo­gada, que estabelecia normas gerais a serem adotadas na organização do Ministério Público estadual.

O art. 30, Ili, do mencionado diploma normativo, estabelecia ser função institucional do Ministério Público, promover a ação civil pública, nos termos da lei.

Porém, vale registrar que a origem da preocupação com a regu­lamentação de uma "ação civil pública" decorre da previsão, na Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispôs sobre a Política Nacio­nal do Meio Ambiente, e legitimou o Ministério Público a promo­ver a ação de responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente (art. 14, § 10).

Sendo assim, é equivocado pensar que a Lei n. 7.347/85 criou a "ação civil pública". Na verdade, mencionado diploma normativo regulamentou a "ação civil pública".

2. O OBJETO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A ação civil pública foi regulamentada pela Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, que já foi objeto de muitas alterações legislativas.

Trata-se de ação que pode ser movida para responsabilizar, civilmente, aqueles que coloquem em risco ou causem dano ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, por infração da ordem econômica, à ordem urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos.

A questão do objeto da ação civil pública é bastante recorrente em concursos públicos.

~ Aplicação em concurso público:

Por exemplo, na prova para Técnico do MP (MPE-MG - FURMAC - 2007), o examinador enunciou alternativas para que o candidato assinalasse aquela que poderia ser objeto de ação civil pública:

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MARCOS DESTEFENNI

A) ordem tributária

B) ordem financeira

C) ordem urbanística

D) ordem previdenciária

Atento à literalidade do parágrafo único do art. lº da Lei n. 7.347/85, a primeiro alternativa deve ser descartada, pois não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições pre­videnciárias, o FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos benefi­ciários podem ser individualmente determinados. Por isso, também restam afastadas as alternativas "b" e "d". Assim, correta a alternativa "c".

A questão da discriminação étnica também tem sido cobrada

nos concursos. E será bastante a partir de agora, tendo em vista a

recente reforma na Lei da Ação Civil Pública pela Lei n. 12.966, de

2014, que acrescentou o inciso VII ao art. 1°, para constar, expres­

samente, o cabimento da ação para as ações de responsabilidade

por danos morais e patrimoniais causados à honra e à dignidade de

grupos raciais, étnicos ou religiosos.

• Aplicação em concurso público:

No concurso de Analista (MPE-SE- FCC - 2013) o candidato deveria assina­lar a alternativa que dizia respeito a esta questão. Perguntou o examina­dor se a ação civil pública será cabível para apurar responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados por ato de discriminação étnica. Claro que sim. Neste caso há tutela de direitos transindividuais. Além disso, como se disse, o an. 1°, VII, da Lei n. 7.347/85, admite a ação, expressamente.

A relação do objeto da ação civil pública, veiculada pelo art.

i 0 da Lei n. 7.347/85 é exemplificativa, pois a ação é cabível no caso

de lesão ou ameaça de lesão a qualquer outro interesses difusos,

coletivos ou individuais homogêneos.

Ao julgar questão de ordem, na AC 2836 MC, a Segunda Turma do

STF ratificou o entendimento no sentido de que a ação civil pública

também pode ser ajuizada, pelo Ministério Público, para a tutela de

direito individual indisponível:

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

#Decisão singular concessiva da antecipação dos efeitos da tutela recursai. Constitucionalmente qualificada como direito fundamental de dupla face (direito social e individual indis­ponível), a saúde é tema que se insere no âmbito de legiti­mação do Ministério Público para a propositura de ação em sua defesa. Espera pelo julgamento de mérito do recurso extraordinário que pode acarretar graves prejuízos à saúde do interessado. Presença dos pressupostos autorizadores da medida. Questão de ordem que se resolve pelo referendo da decisão concessiva da antecipação dos efeitos da tutela recursai".

Evidente que a ação civil pública, para a tutela de direito indivi­dual, não será, propriamente, uma ação coletiva, mas sim uma ação civil movida pelo Ministério Público. Afinal, o objeto da ação não será a tutela de direito transindividual.

De qualquer forma, é importante anotar o cabimento de ação civil pública para a tutela de direito individual.

Além disso, aquele que se prepara para os concursos públicos precisa ter bastante convicção de que a ação civil pública pode ser utilizada, inclusive pelo Ministério Público, para a tutela de direitos individuais homogêneos, sobretudo no caso de direitos individuais indisponíveis.

Veja a seguinte decisão do Pretório Excelso, no julgamento do RE 820910 AgR / CE (2• Turma, Julgamento: 26/08/2014, Publicação: DJe-171, DIVULG 03-09-2014 PUBLIC 04-09-2014):

HO acórdão recorrido está em harmonia com a jurisprudência desta Cone firmada no sentido de que o Ministério Público possui legitimidade para ingressar em juízo com ação civil pública em defesa de interesses individuais indisponíveis, como é o caso do direito à saúde.

A jurisprudência desta Cone firmou-se no sentido de que é solidária a obrigação dos entes da Federação em promover os atos indispensáveis à concretização do direito à saúde, tais como, na hipótese em análise, a realização de trata­mento médico por paciente destituído de recursos materiais para arcar com o próprio tratamento. Ponanto, o usuário dos serviços de saúde, no caso, possui direito de exigir de

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MARCOS DESTEFENNI

um, de alguns ou de todos os entes estatais o cumprimento da referida obrigação.

Em relação aos limites orçamentários aos quais está vincu­lada a ora recorrente, saliente-se que o Poder Público, res­salvada a ocorrência de motivo objetivamente mensurável, não pode se furtar à observância de seus encargos consti­tucionais.

Este Tribunal entende que reconhecer a legitimidade do Poder Judiciário para determinar a concretização de políti­cas públicas constitucionalmente previstas, quando houver omissão da administração pública, não configura violação do princípio da separação dos poderes, haja vista não se tratar de ingerência ilegítima de um poder na esfera de outro#.

A ação civil pública também concorre com outras ações cole­tivas para a tutela dos direitos transindividuais. Por exemplo, é admissível sem prejuízo de eventual ação popular, ação por ato de improbidade administrativa. mandado de segurança coletivo, ação coletiva ressarcitória para a tutela de direitos individuais homogê­neos (CDC, arts. 91 e ss.).

É fundamental frisar que o parágrafo único do art. lº da Lei n. 7.347/85 passou a veicular uma restrição muito importante ao cabi­mento de ação civil pública.

Segundo o mencionado dispositivo legal, incluído pela Medida provisória n° 2.180-35, de 2001, "não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições pre­videnciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou

outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados".

No concurso de Analista de Promotoria 1 - Assistente Jurídico -MPE-SP (VUNESP 2010) o examinar questionou se é correto afirmar que a Ação Civil Pública poderá ser proposta para discussão de tri­butos, contribuições previdenciárias e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, cobrando o texto legal mencionado no tópico anterior.

Por força da mencionada restrição, a ação civil pública não tem sido admitida para o impugnar a cobrança de tributos ou para

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

pleitear a sua restituição, sob o argumento de que não haveria, nessa hipótese, uma relação de consumo entre o Fisco e o contribuinte.

Todavia, não se aplica a restrição do parágrafo único do artigo 1° da Lei 7.347/1985 no caso de ação civil pública que tutela o patri­mônio público, isto é, quando a ação pretende defender "a integri­dade do erário e a higidez do processo de arrecadação tributária". Ocorre que, nesse caso, não há discussão de direitos meramente individuais, mas sim verdadeira tutela de direitos difusos, relaciona­dos à proteção do patrimônio público.

No julgamento do RE 576155 / DF, pelo STF, assim restou consig­nado:

"O TARE não diz respeito apenas a interesses individuais, mas alcança interesses metaindividuais, pois o ajuste pode, em tese, ser lesivo ao patrimônio público.

A Constituição Federal estabeleceu, no art. 129, Ili, que é fun­ção institucional do Ministério Público, dentre outras, "pro­mover o inquérito e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos". Precedentes.

O Parquet tem legitimidade para propor ação civil pública com o objetivo de anular Termo de Acordo de Regime Espe­cial - TARE, em face da legitimação ad causam que o texto constitucional lhe confere para defender o erário.

Não se aplica à hipótese o parágrafo único do artigo 1° da Lei 7.347/1985".

Vale registrar, também, a situação da Súmula n. 470 do STJ, segundo a qual "o Ministério Público não tem legitimidade para plei­tear, em ação civil pública, a indenização decorrente do DPVAT em benefício do segurado".

~ Aplicação em concurso público:

Sobre o processo coletivo, o concurso de Procurador do Município de Cuiabá/MT (2014 - FCC) cobrou do candidato a análise da seguinte pro­posição: .. O município tem legitimidade para ajuizar ação civil pública para cobrança de IPTU de munícipes que possam ser individualmente determinados".

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MARCOS DESTEFENNI

A afirmativa é incorreta, pois não cabe a ação coletiva para cobrar pessoas

determinadas. Analogicamente, já decidiu o STJ que "o Município não tem

legitimidade para promover ação civil pública visando obstar a cobrança de

tributos, por se tratar de direitos individuais homogêneos, identificáveis e

divisíveis, que devem ser postulados por seus próprios titulares. Preceden­

tes análogos: REsp n° 71.965/SP, Rei. Min. CASTRO MEIRA, D} de 16/o8/04 e REsp

n° 302.647/SP, Rei. Min. FRANCIULLI NETTO, D} de 04/oB/03" (REsp 762839 / SP).

• Aplicação em concurso público:

Sobre o patrimônio histórico, como objeto da ação civil pública, no con­curso para Procurador Legislativo (Câmara de Vereadores de São Paulo/ SP - 2014 - FCC), foi elaborada a seguinte questão: "A Câmara Municipal de Limoeiro vota a alteração do nome de uma das ruas principais da cidade, denominada R. Dr. Bento Junqueira, pretendendo nomeá-la R. Professor Pedrinho, ex-prefeito, recentemente falecido. A Associação de Proteção ao Patrimônio Artístico, Histórico e Turístico de Limoeiro, regularmente constituída há mais de um ano, e que tem por finalidade institucional a proteção do patrimônio histórico da cidade, propõe Ação Civil Pública contra a Câmara Municipal para questionar a mudança, ale­gando lesão à memória e à história de Limoeiro, por ser Bento Junqueira um de seus fundadores. Em sua defesa, a Câmara Municipal alega não caber ação civil pública na hipótese afirmando o não enquadramento da situação naquelas previstas em lei para legitimar a demanda, bem como tratar-se de decisão legislativa insuscetível de interferência do Judiciário e que, em tese, interessaria apenas à família Junqueira. Recebendo a inicial, o juiz:

A) não admitirá a ação civil pública, por existir na hipótese interesse somente à família Junqueira para discutir a alteração.

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B) não admitirá a ação civil pública, por estar dirigida contra lei em tese.

C) admitirá a ação civil pública, em tese, por ser possível sua proposi­tura para a proteção de denominação de ruas, o que se configura como patrimônio histórico que, por sua vez, integra a ordem urba­nística; por esse motivo, afastará o argumento de interesse mera­mente individual no caso, bem como a alegada impossibilidade de interferência do Judiciário, pelo principio constitucional da inafasta­bilidade da jurisdição.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

D) admitirá a ação civil pública, em tese, por tratar a hipótese de inte­resse individual homogêneo respeitante ao patrimônio histórico.

E) não admitirá a ação civil pública, porque a denominação de ruas é de responsabilidade exclusiva do Legislativo Municipal, não cabendo a interierência do Judiciário.

Como é admissível a ação civil pública, nos termos do an. 1°, Ili, da Lei n.

7-347/85, para a proteção de bens e direitos de valor histórico, deve ser

assinalada a alternativa "c".

Ademais, a proteção do patrimônio público não é questão indi­vidual ou relacionada a apenas uma família, envolvendo direitos e interesses transindividuais. Afinal, a denominação de ruas envolve a proteção do patrimônio histórico, cuja lesão ou ameaça de lesão não pode deixar de ser apreciada pelo Poder Judiciário.

No presente tópico também é importante destacar que a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos não se restringe às questões consumeristas. Tem sido admitida a ação, por exemplo, para a defesa de servidores públicos.

Outro ponto a ser destacado é o fato de que a ação civil pública deve propiciar uma tutela tripartite e conglobada.

O que isto quer dizer?

Tripartite pelo fato de que a ação pode ter por objeto a tutela dos três direitos e interesses transindividuais: difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Conglobada pelo fato de que, na mesma ação, pode ser plei­teada a reparação de danos ou que sejam evitados danos aos men­cionados direitos transindividuais.

Assim, a mesma circunstância tática e legal pode ensejar tutela coletiva tripartite e conglobada, ou seja, a tutela de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

É extremamente importante a ampla possibilidade de judicia­lização de lesões (ou de ameaça) a interesses transindividuais de todas as espécies.

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MARCOS DESTEFENNI

A Quarta Turma do STJ, no julgamento do REsp 1293606 / MG (DJe 26/09/2014), ressaltou a possibilidade de lesões múltiplas e a neces­sidade de uma tutela juris.dicional apta a tutelar referidas situações:

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MAs tutelas pleiteadas em ações civis públicas não são neces­sariamente puras e estanques. Não é preciso que se peça, de cada vez, uma tutela referente a direito individual homo­gêneo, em outra ação uma de direitos coletivos em sentido estrito e, em outra, uma de direitos difusos, notadamente em se tratando de ação manejada pelo Ministério Público, que detém legitimidade ampla no processo coletivo. Isso porque embora determinado direito não possa pertencer, a um só tempo, a mais de uma categoria, isso não implica dizer que, no mesmo cenário tático ou jurídico conflituoso, violações simultâneas de direitos de mais de uma espécie não possam ocorrer.

No caso concreto, trata-se de ação civil pública de tutela híbrida. Percebe-se que: (a) há direitos individuais homo­gêneos referentes aos eventuais danos experimentados por aqueles contratantes que tiveram tratamento de saúde embaraçado por força da cláusula restritiva tida por ilegal; (b) há direitos coletivos resultantes da ilegalidade em abs­trato da cláusula contratual em foco, a qual atinge igual­mente e de forma indivisível o grupo de contratantes atuais do plano de saúde; (c) há direitos difusos, relacionados aos consumidores futuros do plano de saúde, coletividade essa formada por pessoas indeterminadas e indetermináveis.

A violação de direitos individuais homogêneos não pode, ela própria, desencadear um dano que também não seja de índole individual, porque essa separação faz parte do próprio conceito dos institutos. Porém, coisa diversa consiste em reconhecer situações jurídicas das quais decorrem, simul­taneamente, violação de direitos individuais homogêneos, coletivos ou difusos. Havendo múltiplos fatos ou múltiplos danos, nada impede que se reconheça, ao lado do dano indi­vidual, também aquele de natureza coletiva.

Assim, por violação a direitos transindividuais, é cabível, em tese, a condenação por dano moral coletivo como categoria autônoma de dano, a qual não se relaciona necessariamente com aqueles tradicionais atributos da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico)".

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E para que o Judiciário possa responder de maneira célere e efetiva às demandas coletivas, é imprescindível admitir uma ampla cumulatividade de pedidos em sede de ações coletivas.

Sobre a questão, lapidar a decisão proferida pela 2• Turma do

STJ (REsp 1269494 / MG):

"Segundo a jurisprudência do STJ, a logicidade hermenêutica do art. 3° da Lei 7.347/1985 permite a cumulação das conde­nações em obrigações de fazer ou não fazer e indenização pecuniária em sede de ação civil pública, a fim de possibilitar a concreta e cabal reparação do dano ambiental pretérito, já consumado. Microssistema de tutela coletiva".

~importante exemplificar com a prática forense, ou seja, citando várias ações que têm sido admitidas para a defesa dos vulneráveis:

i. É cabível ação civil pública com pedido de nulidade de cláusula contratual de eleição de foro;

2. É cabível ação para acesso às informações constantes de cadastro ou banco de dados;

3. Outras ações, além do habeas data, podem ser utilizadas para acesso a informações ou banco de dados;

4. É cabível ação revisionai de cláusulas contratuais, inclusive com a modificação do conteúdo contratual;

5. Admite-se pedido de restituição ou repetição dos valores pagos;

6. É admissível ação mandamental de cancelamento de regis­tro negativo indevido;

7. Ação civil pública pode pleitear o reconhecimento de prá­tica comercial abusiva;

8. A ação civil pública pode questionar a veiculação de publi­cidade enganosa;

9. Pode-se exigir a reparação de dano moral coletivo. Inclu­sive com cumulação de pedidos reparatórios;

10. Cabe ação para exigir relação de consumidores que cele­braram contrato com o fornecedor;

11. É admissível pedido de ordem para que o réu publique extrato da sentença em jornal de grande circulação;

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12. É cabível ação cautelar de antecipação de prova;

13. Devem ser admitidas todas as ações preventivas e repa­ratórias;

14. Pode-se cumular os pedidos de condenação a pagar quantia e de obrigação de fazer na mesma demanda;

15. Cabe ação de prestação de contas.

Por fim, neste importante tópico, é fundamental lembrar da possibilidade do controle jurisdicional das políticas públicas, reivin­dicável por meio de ação civil pública.

Como o Poder Público pode violar direitos difusos por falta de políticas públicas que assegurem direitos fundamentais, a ação civil pública é um instrumento adequado para cobrar a ação ou a omis­são inconstitucional das pessoas jurídicas de direito público.

A ampla discussão sobre a possibilidade de controle judicial de políticas públicas pelo Poder Judiciário decorre da consagração, na Constituição Federal de i988, dos direitos sociais como direitos fundamentais.

Foi pioneira, portanto, a CF de 88, ao erigir os direitos sociais à categoria de direitos fundamentais exigíveis judicialmente.

A questão da posição topográfica dos direitos sociais (art. 60) não pode ser legitimamente invocada para obstar a eficácia ime­diata dos mencionados direitos, prevista em dispositivo anterior, ou seja, no art. 5°, inciso 1, da Lei Maior.

Ocorre que os direitos fundamentais não estão todos previstos no art. 5°. Para eliminar qualquer dúvida, deve ser invocado o art. 5º, § 2° da CF: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela ado­tados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

Sendo assim, os direitos sociais são formal e materialmente fundamentais, de tal forma que são sim exigíveis judicialmente. Inclu­sive por ações coletivas.

Há, como se disse, uma dupla fundamentalidade: formal e material.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Os direitos sociais são formalmente fundamentais pois assim enuncia a CF.

Materialmente, são bens jurídicos dotados de extrema relevân­cia e essencialidade.

Por isso que são protegidos contra possíveis investidas limita­doras (art. 60, § 4°, IV, CF), são submetidos ao regime do § 1° do art. 5° da CF, segundo o qual têm aplicação imediata e, o que é principal, têm eficácia plena e imediata, vinculando os agentes públicos.

O fato de que eficácia pode ser diferente em função do direito que se pretende tutelar não pode ser considerado um obstáculo à sua reivindicação judicial, em ações coletivas ou individuais.

Questões como a saúde, a assistência social, a moradia, a pre­vidência social, a remuneração das pessoas não podem ser imunes ao controle jurisdicional. Especialmente quando são negligenciadas pelos outros Poderes.

O comando de efetividade dos direitos fundamentais não se dirige apenas ao Poder Legislativo, mas também ao Poder Judiciário e ao Poder Executivo.

A vinculação do legislador é inquestionável, existindo mecanis­mos constitucionais para o controle da omissão, como, por exemplo, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e o Mandado de Injunção.

Há, também, vinculação do Poder Executivo, o que torna sua omissão relevante e passível de controle jurisdicional.

Por isso, é possível reivindicar os direitos sociais. Há EXIGIBILI­DADE JUDICIAL.

O próprio STF já proclamou a plena eficácia e a exigibilidade imediata de direitos fundamentais sociais.

Para ilustrar, pode ser citada a ementa do julgamento do ADI 3768 / DF:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 39 DA LEI N. 10.741, DE 1° DE OUTUBRO DE 2003 (ESTATUTO DO IDOSO), QUE ASSEGURA GRATUIDADE DOS TRANSPORTES PÚBLICOS URBANOS

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E SEMI-URBANOS AOS QUE TÊM MAIS DE 65 (SESSENTA E CINCO) ANOS. DIREITO CONSTITUCIONAL. NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA PLENA E APLICABILIDADE IMEDIATA. NORMA LEGAL QUE REPETE A NORMA CONSTITUCIONAL GARANTIDORA DO DIREITO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.

1. O art. 39 da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) apenas repete o que dispõe o § 2° do art. 230 da Constituição do Brasil. A norma constitucional é de eficácia plena e aplicabi­lidade imediata, pelo que não há eiva de invalidade jurídica na norma legal que repete os seus termos e determina que se concretize o quanto constitucionalmente disposto.

2. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improce­dente".

Ademais, está consagrado o direito-garantia ao mínimo exis­tencial.

O mínimo existencial é tanto um direito (inclusive subjetivo),

quanto uma garantia, sobretudo pelo fato de estar implicado nas condições materiais que asseguram uma vida com dignidade.

Originário da Alemanha (ele é atribuído ao jurista Otto Bachof),

no início da década de 50, o direito-garantia ao mínimo existencial exige atuação positiva (e não simplesmente negativa) dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) na sua implementação.

Não basta o Estado assegurar que a vida não seja suprimida de maneira violenta (o que também não faz bem), pois ele deve promo­

ver condições de vida digna, em vários aspectos, inclusive de lazer.

Pode-se, pois, cobrar desde o auxílio material do Estado, como a promoção de outros bens e valores, como a acessibilidade à cul­tura.

A garantia tem status constitucional e não se limita ao mínimo vital, ou seja, ao mínimo indispensável para a sobrevivência, pois, como se disse, também envolve questões sócio-culturais.

A doutrina brasileira costuma deduzir o direito-garantia do 170

da CF, segundo o qual "a ordem econômica, fundada na valorização

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do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social".

É evidente que a implementação dos direitos sociais envolve questões econômicas. Aliás, a implementação de qualquer direito exige recursos. Por isso, a invocação da respeitável tese da "reserva do possível", igualmente de origem alemã, não pode ser um obstá­culo absoluto à implementação dos direitos sociais fundamentais.

Limites financeiros e questões orçamentárias não podem ser ignorados, mas também não podem obstaculizar a exigibilidade judi­cial dos mencionados direitos, uma vez que a Constituição Federal assume um compromisso no sentido de que a sua efetivação é obri­gatória.

E se há o dever de agir, a omissão se torna ilegal e inconstitu­cional.

Atento a possíveis limites táticos e jurídicos à efetivação dos direitos fundamentais, o Poder Judiciário deve acolher ações indivi­duais e coletivas que busquem a efetivação dos mencionados direi­tos.

A efetivação jurisdicional dos direitos fundamentais, por meio de ações coletivas, é possível a partir do momento em que a Lei n. 7.347/84, além do próprio coe (Lei n. 8.078/90), enuncia que "a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumpri­mento de obrigação de fazer ou não fazer" (LACP, art. 3°).

Ora, a possibilidade de que a ação tenha por objeto o cumpri­mento de obrigação de fazer e de não fazer torna indiscutível a pos­sibilidade de controle jurisdicional das políticas públicas, efetiváveis por ações e omissões do Poder Público.

Ademais, a LACP, em seu art. 11, determina que o juiz envide esforços para o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica.

Se cabe execução específica das obrigações de conduta, não há como negar a obrigação de que o Poder Judiciário exija a pres­tação de meios e recursos relacionados à asseguração do mínimo existencial.

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2.1. A AÇÃO PARA O CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES DE FAZER E DE NÃO FAZER

A ação civil pública com pedido de imposição de obrigações de fazer e de não fazer tem fundamento em diversos dispositivos legais do microssistema da tutela coletiva.

Com efeito, estabelece a LACP, em seu art. 3°, que a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Por sua vez, o art. 11 do mesmo diploma dispõe: Na ação que renha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.

O cabimento da tutela de forma liminar decorre do art. 12 da Lei n. 7.347/85: Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

O CDC também é fundamental para embasar referida ação, sendo um estatuto mais amplo, completo e recente sobre a matéria, especialmente em função de seu art. 84, ao qual remetemos o leitor.

Subsidiariamente, o art. 461 do CPC também pode ser invocado, contendo alterações recentes sobre o tema.

Posto isso, pode-se dizer que a ação com fundamento nos men­cionados dispositivos legais e que tenha por objeto a imposição de obrigações de fazer ou de não fazer, pode pleitear provimento juris­dicional condenatório, mandamental e executivo.

Além disso, a demanda pode ser voltada à obtenção de tutela jurisdicional de remoção de um dano, isto é, ser reparatória, ou, ser voltada à prevenção do dano (tutela preventiva, cautelar, inibi­tória ... ).

Afinal, a função jurisdicional não pode se limitar à questão da reparação de um dano, tendo em vista que a Constituição Federal torna induvidosa a possibilidade da pretensão voltada à prevenção (CF, art. 5°, XXXV).

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Dentre as ações preventivas, já que o estudo das ações repa­ratórias é bastante difundido, assim como o das medidas cautelares e antecipatórias, cabe lembrar da possibilidade de tutela inibitória.

A tutela inibitória não se confunde com a tutela cautelar, pois enquanto a cautelar tem natureza conservativa, a inibitória é espécie de tutela satisfativa, no sentido de atuar o direito material, de plei­tear provimento definitivo e de ser fundada em cognição exauriente.

A grande vocação da tutela inibitória é a prevenção do ilícito, isto é, da prática da conduta ilícita ou de sua reiteração.

Ao lado da tutela de remoção do ilícito, cumpre importante papel preventivo.

Cumpre lembrar que, enquanto a tutela reparatória é voltada ao passado, pois pretende remover um dano já concretizado (tutela de remoção do dano), a tutela inibitória volta-se para o futuro, pre­tendendo impedir ou fazer cessar o comportamento ilícito.

De observar que a atuação, no caso, é sobre o comportamento futuro do réu, ou seja, para que tenha uma nova conduta, positiva ou negativa, ou, uma nova ação ou omissão.

Como o comportamento é esperado no futuro, sobressai a importância de o juiz ser dotado do poder de determinar medidas que possam induzir esse comportamento.

Vale acrescentar que, enquanto na ação reparatória o objeto central da discussão reside na ocorrência ou não de um dano e na responsabilidade pela sua reparação, na ação inibitória procura valorar-se a conduta, para definir se ela é lícita ou ilícita.

A referida distinção é essencial, sobretudo para evitar-se a dis­cussão acerca do dano em ação inibitória, o que prejudica a sua efetividade. Há, por isso, em linguagem mais técnica, um corte na cognição do juiz.

A tutela inibitória, assim como a de remoção do ilícito, cumpre importante função preventiva da jurisdição, que conta com amparo constitucional (CF, art. 5°, XXXV).

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Por isso, pode-se dizer que a Lei Maior permite o controle de atos que configurem ameaça a direito (função inibitória), não se limi­tando à tutela da lesão (ressarcitória ou reparatória ou repristina­tória).

Sem dúvida há um enorme incremento da garantia, sobretudo porque houve a preocupação expressa com a tutela preventiva de caráter inibitório, com função prospediva, isto é, voltada à modula­ção do comportamento futuro.

Assim, a tutela individual ou a coletiva pode ser exercida em face de qualquer situação de lesão ou de simples ameaça de lesão. Quando a tutela inibitória é pleiteada a título individual, fala-se em tutela inibitória individual. Se o objeto da ação é um direito transin­dividual (difuso, coletivo ou individual homogêneo), fala-se em tutela inibitória coletiva. Ambas têm fundamento constitucional.

E não devemos esquecer de que todos os poderes são desti­natários do comando constitucional: o legislador é obrigado a criar mecanismos de tutelas jurisdicionais para todas as situações, de lesão ou de mera ameaça; o Judiciário não pode negar-se a apre­ciar ações preventivas como, por exemplo, um mandado de segu­rança preventivo; o Executivo não pode estabelecer, por meio de seu poder legislativo, medidas provisórias, decretos ou quaisquer outros instrumentos limitadores do direito de acesso ao Judiciário, embora tal prática, infelizmente, não seja rara no direito brasileiro.

Considerando que a tutela inibitória é voltada à conduta ilícita, assim entendida como a ação ou omissão contrária à ordem jurídica, a intervenção do Judiciário, numa ação preventiva, é voltada à impo­sição de um novo comportamento.

Por outras palavras, numa ação inibitória a sentença poderá impor ao responsável pela conduta ilícita uma conduta, isto é, uma obrigação de fazer ou de não fazer.

Se a ação inibitória tiver por objeto um direito transindividual, seu fundamento legal principal e genérico é o art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, que, aliás, foi transportado ao Código de Processo Civil, originando o citado art. 461.

Há vários outros dispositivos legais que podem ser invocados.

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Com idêntica redação há o art. 213 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.o69/90).

A tutela jurisdicional inibitória também encontra fundamentos em diversos outros dispositivos legais.

O Código Civil de 2002 inovou ao prever um capítulo destinado à tutela específica dos direitos da personalidade (arts. 11 a 21). O art. 12 do Código Civil dispõe, expressamente, sobre o direito de exigir que cesse a ameaça a direito da personalidade, sem prejuízo do direito de reclamar perdas e danos e de outras sanções previstas em lei.

Caso interessante envolvendo a tutela inibitória em face dos direitos da personalidade foi apreciado pela 3ª Turma do STJ (REsp 1388994 / SP, DJe 29/11/2013), em que o autor pretendia inibir conduta que pudesse violar a sua honra subjetiva. Vale a pena reproduzir a ementa do mencionado julgado:

"O deferimento da tutela inibitória, que procura impedir a violação do próprio direito material, exige cuidado redo­brado, sendo imprescindível que se demonstre: (i) a pre­sença de um risco concreto de ofensa do direito, eviden­ciando a existência de circunstâncias que apontem, com alto grau de segurança, para a provável prática futura, pelo réu, de ato antijurídico contra o autor; (ii) a certeza quanto à viabilidade de se exigir do réu o cumprimento específico da obrigação correlata ao direito, sob pena de se impor um dever impossível de ser alcançado; e (iii) que a concessão da tutela inibitória não irá causar na esfera jurídica do réu um dano excessivo.

A concessão de tutela inibitória para o fim de impor ao réu a obrigação de não ofender a honra subjetiva e a imagem do autor se mostra impossível, dada a sua subjetividade, impossibilitando a definição de parâmetros objetivos aptos a determinar os limites da conduta a ser observada. Na prá­tica, estará se embargando o direito do réu de manifestar livremente o seu pensamento, impingindo-lhe um conflito interno sobre o que pode e o que não pode ser dito sobre o autor, uma espécie de autocensura que certamente o ini­birá nas críticas e comentários que for tecer. Assim como a honra e a imagem, as liberdades de pensamento, criação,

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expressão e informação também constituem direitos de per­sonalidade, previstos no art. 220 da CF/88.

A concessão de tutela inibitória em face de jornalista, para que cesse a postagem de matérias consideradas ofensivas, se mostra impossível, pois a crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não pode ser aprioristicamente censurada.

Sopesados o risco de lesão ao patrimônio subjetivo indivi­dual do autor e a ameaça de censura à imprensa, o fiel da balança deve pender para o lado do direito à informação e à opinião. Primeiro se deve assegurar o gozo do que o Pleno

do STF, no julgamento da ADPF i30/DF. Rei. Min. Carlos Britto, DJe de o6.11.2009, denominou sobredireitos de personali­dade - assim entendidos como os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa, em que se traduz a livre e plena manifestação do pensamento, da criação e da informação - para somente então se cobrar do titular dessas situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitu­cionais alheios, ainda que também formadores da persona­lidade humana.

Mesmo que a repressão posterior não se mostre ideal para casos de ofensa moral, sendo incapaz de restabelecer por completo o status quo ante daquele que teve sua honra ou sua imagem achincalhada, na sistemática criada pela CF/88 prevalece a livre e plena circulação de ideias e notícias, asse­gurando-se, em contrapartida, o direito de resposta e todo um regime de responsabilidades civis e penais que, mesmo atuando após o fato consumado, têm condição de inibir abu­sos no exercício da liberdade de imprensa e de manifestação do pensamento.

Mesmo para casos extremos como o dos autos - em que há notícia de seguidos excessos no uso da liberdade de imprensa - a mitigação da regra que veda a censura prévia não se justifica. Nessas situações, cumpre ao Poder Judiciá­rio agir com austeridade, assegurando o amplo direito de resposta e intensificando as indenizações caso a conduta se reitere, conferindo ao julgado caráter didático, inclusive com vistas a desmotivar comportamentos futuros de igual jaez.

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A aplicação inflexível e rigorosa da lei também produz efeito preventivo - tal qual o buscado via tutela inibitória - deses­timulando não apenas o próprio ofensor, mas também ter­

ceiros propensos a adotar igual conduta. Ademais, nada impede o Juiz de compensar os danos morais mediante fixa­ção de sanções alternativas que se mostrem coercitivamente

mais eficazes do que a mera indenização pecuniária. Em outras palavras, a punição severa do abuso à liberdade de imprensa - e ainda mais severa da recalcitrância - serve tam­

bém para inibir lesões futuras a direitos da personalidade como a honra e a imagem, cumprindo, ainda que de forma

indireta, os ditames do art. 12 do CC/02.

O fato de a violação à moral correr o risco de se materiali­zar por intermédio da Internet não modifica as conclusões

quanto à impossibilidade de prévia censura da imprensa. A rede mundial de computadores se encontra sujeita ao mesmo regime jurídico dos demais meios de comunicação.

O maior potencial lesivo das ofensas via Internet não pode ser usado como subterfúgio para imprimir restrições à livre

manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação, cuja natureza não se altera pelo fato de serem veiculadas digitalmente. Cumpre ao Poder Judiciário

se adequar frente à nova realidade social, dando solução para essas novas demandas, assegurando que no exercício do direito de resposta se utilize o mesmo veículo (Internet),

bem como que na fixação da indenização pelos danos morais causados, se leve em consideração esse maior potencial lesivo das ofensas lançadas no meio virtual. Para além disso, caso essas medidas se mostrem insuficientes, nada impede a imposição de sanções alternativas que, conforme as peculia­ridades da espécie, tenham efeito coator e pedagógico mais eficientes do que a simples indenização".

Oportuno registrar, também, que há várias ações no ordena­mento jurídico brasileiro, previstas expressamente pelo legislador, que têm caráter inibitório.

Nesse caso, quando há expressa tipificação legal, diz-se que há uma tutela inibitória típica.

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Sabemos que os arts. 461 do CPC e 84 do CDC prestam-se à tutela inibitória de forma genérica.

Assim, pode-se falar em tutela inibit6ria típica e atípica.

Como exemplo de tutela inibitória típica, podemos citar o Inter­dito Proibitório, previsto no art. 932 do CPC: O possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito.

Evidencia-se o caráter inibitório da referida ação a partir do momento em que se constata que basta a prova do justo receito de ser molestado na posse. Independe a prestação jurisdicional da concretização da ameaça, isto é, do dano.

A ação de nunciação de obra nova (art. 934 do CPC) também pode ter natureza inibitória ao possibilitar seja alguém impedido de construir em contravenção da lei, do regulamento ou de postura. Não há que se esperar a efetiva lesão.

Por fim, não devemos esquecer de citar o Mandado de Segu­rança Preventivo.

O mandado de segurança, assim como a tutela jurisdicional, pode ser: a) Repressivo: quando a ilegalidade já foi cometida; b) Preventivo (inibitório): quando há uma ameaça a um direito líquido e certo. Assim, aquele que demonstrar justo receio de sofrer um dano a um direito líquido e certo, pode pleitear a segurança. Basta, nesse caso, provar a ocorrência de uma situação concreta e objetiva de iminente lesão a direito líquido e certo.

Portanto, ao lado de algumas ações típicas que possuem natu­reza inibitória, existe a possibilidade de que uma ação seja fundada no artigo 461 do CPC, sobretudo porque as ações não estão todas tipificadas pelo legislador.

Na verdade, prevalece a atipicidade da tutela jurisdicional.

E mesmo em sede de ação inibitória deve prevalecer a tutela específica que, conforme o conhecido conceito chiovendiano, exige seja prestado ao titular do direito material tudo e exatamente aquilo

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que lhe é devido e na forma que é devido. Há flagrante redução da efetividade da tutela jurisdicional quando o autor só consegue uma tutela genérica, isto é, uma indenização no lugar da atividade que era devida e esperada pelo credor.

O ideal do cumprimento específico de uma obrigação não se restringe às obrigações de fazer e de não fazer. Também deve ser cumprida na forma estabelecida a obrigação de entrega de coisa (art. 461-A do CPC).

Em síntese, toda obrigação deve ser tutelada de forma espe­cífica. Só a impossibilidade do adimplemento justifica a conversão da obrigação originária em obrigação de reparar as perdas e danos. Nesse caso, o processo não leva à tutela específica, mas sim a uma tutela genérica.

Na atualidade, o caminho a ser percorrido é o seguinte:

a) a exigência de efetividade do processo determina que haja uma tutela específica das obrigações;

b) não sendo possível a tutela específica, deve-se buscar, com amparo no art. 461, § 5° do CPC, a obtenção de um resultado prático equivalente;

c) a obrigação somente se converterá em perdas e danos se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente.

Já se decidiu que a busca de resultado equivalente é dever do juiz e a norma que impõe essa busca é de ordem pública.

Para cumprir esse ideal de efetividade do processo, o juiz poderá até agir de ofício e determinar as medidas necessárias (art. 461, § 5°, do CPC), isto é, as medidas de apoio que forem adequadas ao caso concreto, estejam ou não previstas em lei.

Dentre as medidas de apoio que podem ser utilizadas pelo magistrado, a principal é a astreinte, que deve ser entendida como uma multa coercitiva não compensatória cujo valor e cuja periodi­cidade é estipulada pelo Poder Judiciário, de incidência a partir do inadimplemento e de exigibilidade condicionada ao efetivo reconhe­cimento do direito do requerente.

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O vocábulo "astreinte" é de origem francesa (latina) e está ligada à ideia de pressionar, obrigar, apertar. O instituto, que é apontado como uma das mais originais e importantes criações da jurisprudência, em face da necessidade da criação de meios eficien­tes para a efetivação das obrigações de fazer e de não fazer. Porém, acabou se expandindo como técnica para a efetivação de outras obrigações (entrega de coisa).

Trata-se de medida coercitiva patrimonial, sem caráter com­pensatório, processual (executiva indireta), de caráter jurisdicional.

Muitas vozes anunciam a astreinte como "multa cominatória diária". Referido conceito, todavia, está superado e não pode mais ser repetido. A astreinte é uma multa periódica, não necessaria­mente diária.

Afinal, em muitas situações não tem sentido falar em multa diá­ria . Isso ocorre, por exemplo, nas obrigações de não fazer. Nessa hipótese, pode o juiz fixar a multa com valor fixo. Nada impede, por­tanto, seja a periodicidade fixada pelo juiz, ante as peculiaridades do caso concreto.

A astreinte não tem caráter punitivo, ao contrário de outras multas, como, por exemplo, aquela decorrente de ato atentatório ao exercício da jurisdição (Contempt of Court).

No julgamento do REsp 947.555/MG (DJe de 27/04/2011), a Segunda Turma do STJ bem destacou o fato de que a astreinte é voltada ao futuro (induzir o futuro comportamento), enquanto que outras multas, de caráter punitivo, são voltadas ao passado:

"Diferem, substancial e finalisticamente, a multa coercitiva judicial (astreintes) e a multa administrativa, bem como outras medidas que possam ser utilizadas pelo Administra­dor no exercício de seu poder de polícia. Primeiro, porque as astreintes não apresentam natureza punitiva (= índole retrospediva), mas tão-só persuasiva (=índole prospediva); segundo, porque visam a garantir a autoridade e a eficácia da própria decisão judicial, em nada afetando ou empobre­cendo os poderes inerentes à Administração Pública".

A finalidade da multa não é compensatória. Nos exatos termos do § 2° do art. 461 do CPC, a indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa.

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Portanto, a multa tem natureza coercitiva, sendo mecanismo do qual o juiz pode utilizar-se para coagir o devedor a cumprir a obrigação.

A astreinte é fixada pelo juiz, de ofício ou a requerimento, no bojo de procedimento destinado à efetivação de uma obrigação. O juiz deve fixar o valor da multa, a periodicidade da sua incidência e a data a partir da qual será devida.

Questão tormentosa diz respeito ao momento em que ela se torna exigível, isto é, passível de execução coercitiva (execução por quantia).

Não se deve confundir o momento da exigibilidade da multa com o momento de sua incidência. A incidência ocorre no exato ins­tante do inadimplemento (relativo). Cientificado o devedor (pessoal­mente), a multa incide a partir do momento em que se verificar o descumprimento da ordem. Ou seja, desde o dia em que se esgotar o prazo judicial fixado para o seu cumprimento.

Assim advertiu a Primeira Turma do STJ, no julgamento do REsp i.098.028/SP: "É cediço que a função multa diária (astreintes) é ven­cer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação de fazer (fungível ou infungível) ou entregar coisa, incidindo a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância. Precedentes do STJ: AgRg no Ag 1025234/SP, DJ de 11/09/2008; AgRg no Ag 1040411/RS, DJ de 19/12/2008; REsp 1067211/RS, DJ de 23/10/2008; REsp 973.647/RS, DJ de 29.10.2007; REsp 689.038/RJ, DJ de 03.08.2007: REsp 719.344/PE, DJ de 05.12.2006; e REsp 869.1o6/RS, DJ de 30.1i.2oo6".

Cabe advertir, também, que a incidência é futura, inexistindo possibilidade de efeitos retroativos. De fato, os efeitos da astreinte são futuros. A propósito, assim decidiu a Terceira Turma do STJ, no julgamento do REsp i.047.957/AL (DJe de 24/o6/2011): "Não podem retroagir os efeitos das astreintes, de modo que alcancem obrigação imposta em decisão proferida anteriormente, sem estipulação de multa cominatória".

O momento da exigibilidade, porém, é polêmico.

Em se tratando de ações coletivas, há norma expressa: o § 20 do art. 12 da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85). No mesmo

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sentido o § 3° do art. 83 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/ 2003): A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.

A Terceira Turma do STJ entendeu necessário o trânsito: "A multa diária fixada antecipadamente ou na sentença, consoante CPC, art. 461, §§ 3° e 4º só será exigível após o trânsito em julgado da sen­tença que julga procedente a ação, sendo devida, todavia, desde o dia em que se deu o descumprimento" (REsp i.016.375/RS, DJe de 21/02/2011).

A melhor interpretação, todavia, e com o devido respeito a quem pensa de forma diferente, parece-nos aquela que não retira a possibilidade de imediata execução da multa, para não acabar com a efetividade da astreinte. Se a decisão não é definitiva, deve-se permitir a execução, adotando-se, todavia, a técnica da execução provisória (art. 475-0 do CPC), podendo o juiz exigir, por exemplo, a prestação e caução.

A multa deixa de incidir na impossibilidade de cumprimento da ordem. Quando a ordem for cumprida, a multa incide até o dia anterior ao do adimplemento.

Além disso, se o credor desistir da tutela específica, a multa incide até o dia em que for pedida a conversão em perdas e danos.

Discute a doutrina se a multa coercitiva fixada pelo juiz deve reverter em prol do Estado ou da parte contrária.

Em se tratando de processo coletivo voltado à tutela de direitos difusos e coletivos, a multa será arrecadada pelo Fundo previsto no art. 13 da Lei n. 7.347/85. No caso da tutela de direitos individuais homogêneos, entendemos que a multa deve beneficiar as vítimas.

No caso de processo individual, o entendimento predominante, na doutrina e na jurisprudência, é no sentido de que a multa deve reverter em benefício da parte contrária (da parte credora) e não do Estado.

Já se entendeu possível destinar parte do valor das astreintes ao credor e parte ao fundo de defesa de interesses difusos (art. 13 da LACP).

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A Segunda Turma do STJ, no julgamento do REsp 947.555/MG (DJe de 27/04/2011), após destacar que "fazer valer a autoridade da pres­tação jurisdicional é uma das mais evidentes expressões concretas do Estado de Direito e da posição dos juízes de garante último dos direitos e deveres a ele inerentes", consignou outra importante dife­rença do regime da fixação das astreintes no processo individual e no processo coletivo: "Nos termos do art. 461, § 4°, do CPC ('O juiz poderá ... impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor .. .'), a cominação de astreintes é facultativa. De maneira diversa, no campo da Ação Civil Pública, considerando a natureza dos sujeitos, direitos e bens protegidos, a própria lei se encarrega de indicar a sua obrigatoriedade ('o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de reque­rimento do autor', art. 11, da Lei 7.347/1985), sempre que presentes indícios ou risco de que o réu resistirá ao cumprimento do provi­mento judicial".

A dosimetria do valor deve atender a duas circunstâncias: a situação patrimonial do devedor inadimplente e o grau de sua resis­tência.

É necessário ter consciência de que a fixação da multa coerci­tiva também depende da análise de sua razoabilidade.

A Primeira Turma do STJ, no julgamento do REsp 1.o69.441/PE (DJe de 17/12/2010), enfrentou a questão da multa aplicada contra a Fazenda Pública, no bojo de ação de mandado de segurança, e entendeu, nesse caso específico, que a fixação da multa não era razoável, por se tratar de obrigação de exibir documento: "A impo­sição de multa pecuniária, em desfavor da Fazenda Pública, pelo descumprimento da ordem de apresentação dos documentos requi­sitados pela autoridade judicial revela-se desarrazoada em virtude da possibilidade de expedição de mandado de busca e apreensão, à luz dos artigos 461, § 5°, e 461-A, § 2°, do CPC, notadamente quando não configurado o intuito recalcitrante do devedor".

Do mesmo julgado também é importante destacar o seguinte trecho: "ln casu, cuida-se de multa cominatória imposta pelo juízo

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singular, em sede de mandado de segurança, uma vez vislumbrado o descumprimento, pela Fazenda Nacional, da ordem judicial de que fossem apresentadas cópias das fichas financeiras dos servidores públicos federais (substituídos processuais) 'para apuração de des­conto feito nos seus vencimentos, embora houvesse determinação judicial vedando tal desconto'.

Consectariamente, a possibilidade de expedição de mandado de busca e apreensão dos documentos requisitados pela autoridade judicial (artigos 461, § 5°, e 461-A, § 2°, do CPC) torna desarrazoada a fixação de multa pecuniária pelo descumprimento da ordem de apresentação, máxime quando existente pedido de dilação de prazo formulado pela Fazenda Pública, o que afasta a caracterização de seu suposto intuito recalcitrante".

Outra importante questão: a multa coercitiva pode ser imposta para forçar o cumprimento de obrigações fungíveis ou infungíveis.

Assim consignou a Primeira Turma do STJ, no julgamento do REsp i.069.441/PE (DJe de 17/12/2010): "O Código de Processo Civil autoriza o juiz, de ofício ou a requerimento, a determinar medidas necessá­rias para assegurar a efetivação da tutela específica pretendida nas ações que tenham objeto o cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer (fungíveis ou infungíveis) ou de entregar coisa, bem como para garantir a obtenção do resultado prático equivalente (artigos 461 e 461-A)".

Necessário citar, também, o posicionamento da Terceira Turma do STJ, em caso que envolvia o inadimplemento de obrigação per­sonalíssima:

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"É admissível a aplicação de multa no caso de inadimple­mento de obrigação personalíssima, como a de prestação de serviços artísticos, não sendo suficiente a indenização pelo descumprimento do contrato, a qual visa a reparar as des­pesas que o contratante teve que efetuar com a contratação de um outro profissional.

Caso contrário, o que se teria seria a transformação de obri­gações personalíssimas em obrigações sem coerção à execu­ção, mediante a pura e simples transformação em perdas e danos que transformaria em fungível a prestação específica

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contratada. Isso viria a inserir caráter opcional para o deve­dor, entre cumprir ou não cumprir, ao baixo ônus de apenas prestar indenização" (REsp 482.094/RJ, DJe de 24/04/2009).

O valor é essencialmente modificável, isto é, poderá ser alte­rado, de ofício ou a requerimento, para mais ou para menos, em decisão fundamentada, após a oitiva das partes.

Além de modificar o valor da multa, o juiz tem poder para alterar a periodicidade.

O § 6° do art. 461 do CPC é expresso quanto à possibilidade de alteração: o juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodici­dade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou exces­siva.

Noticiou o Informativo n° 0481 do STJ o posicionamento da Quarta Turma: "Como consabido, a jurisprudência deste Superior Tri­bunal é firme no sentido de que o valor fixado a título de multa, uma vez modificada a situação em que ela foi cominada, pode ser revisto a qualquer tempo, Inclusive ap6s o trânsito em julgado, na

fase executiva, sem que isso configure ofensa à coisa julgada" (REsp i.239.714-RJ) - destaque nosso.

Não nos parece adequado o entendimento que procura impor limites ao valor da multa. Pelo contrário, a multa deve representar um estímulo para o devedor, de tal forma que, se não puder ultra­passar o valor da obrigação cujo adimplemento é buscado, não terá caráter coercitivo.

Assim decidiu a Primeira Turma do STJ (REsp 770.753/RS, DJ de 15/03/2007, p. 267): "O valor da multa cominatória pode ultrapassar o valor da obrigação a ser prestada, porque a sua natureza não é compensatória, porquanto visa persuadir o devedor a realizar a prestação devida.

Advirta-se, que a coerção exercida pela multa é tanto maior se não houver compromisso quantitativo com a obrigação principal, obtemperando-se os rigores com a percepção lógica de que o meio executivo deve conduzir ao cumprimento da obrigação e não inviabi­lizar pela bancarrota patrimonial do devedor".

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Oportuna, em relação à questão, o mencionado pela Terceira Turma do STJ: "O valor justo da multa é aquele capaz de dobrar a

parte renitente, sujeitando-a aos termos da lei. Justamente aí reside o grande mérito da multa diária: ela se acumula até que o devedor

se convença da necessidade de obedecer a ordem judicial" (REsp

i.022.038/RJ, DJe de 22/10/2009).

A multa deve ser cobrada por meio do procedimento para a

execução por quantia certa. Na verdade, devem ser seguidas as

regras do cumprimento de sentença (475-J e seguintes), conside­rando que é fixada judicialmente e que a decisão que a impõe tem eficácia executiva.

Como a multa é fixada judicialmente, é possível requerer, nos próprios autos, a sua execução, devendo o credor apresentar a

memória discriminativa dos cálculos.

Vale registrar o entendimento da Quarta Turma do STJ, noticiado pelo Informativo no 0481: "O procedimento previsto no art. 475-J, no

tocante à multa, somente pode ser aplicado após a decisão judicial definitiva de acertamento de seu valor. ln casu, a alteração subs­

tancial da multa nas instâncias judiciais demonstra que não se pode falar propriamente em condenação ao pagamento de quantia certa

ou já fixada em liquidação, como exigido pelo art. 475-J do CPC, pois

tal situação somente ocorrerá com o trânsito em julgado do acórdão

no REsp" (REsp 1.239.714-RJ).

A utilização da astreinte não se restringe à obtenção da tutela específica. Também é possível no caso da busca de resultado prático

equivalente.

Nesse sentido o pronunciamento da Primeira Turma do STJ, no julgamento do REsp i.o69.441/PE (DJe de 17/12/2010): "O Código de Processo Civil autoriza o juiz, de ofício ou a requerimento, a deter­minar medidas necessárias para assegurar a efetivação da tutela específica pretendida nas ações que tenham objeto o cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer (fungíveis ou infungíveis) ou de entregar coisa, bem como para garantir a obtenção do resultado prático equivalente (artigos 461 e 461-A)".

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É possível a imposição da multa mesmo diante da Fazenda

Pública. Para ilustrar, assim proclamou a Primeira Turma do STJ, no

julgamento do REsp i.o69.441/PE (DJe de 17/12/2010): "O Codex Pro­cessual, entre outras medidas coercitivas, atribuiu ao juiz a facul­

dade de impor multa cominatória (astreinte) em desfavor do deve­

dor (ainda que se trate da Fazenda Pública), tendo por escopo inibir

o descumprimento das obrigações de fazer ou não fazer (fungíveis

ou infungíveis) ou de entregar coisa, sendo certo que a aludida pena

pecuniária incide a partir da ciência do obrigado e da sua recalci­

trância (Precedentes do STJ: REsp u62.239/PR, Rei. Ministro Humberto

Martins, Segunda Turma, julgado em 26.08.2010, DJe 08.09.2010; AgRg

no REsp i.176.638/RS, Rei. Ministro Haroldo Rodrigues (Desembarga­

dor Convocado do TJ/CE), Sexta Turma, julgado em 17.08.2010, DJe

20.09.2010; AgRg no Ag i.247 .323/SC, Rei. Ministro Herman Benjamin,

Segunda Turma, julgado em 08.o6.2010, DJe oi.opo10; e REsp 98p80/

SP, Rei. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 16.04.2009, DJe

20.05.2009)".

Deve ser admitida sua utilização na ação de mandado de segu­rança. Afinal, se a medida coercitiva pode ser aplicada no caso das

ações comuns, com muito mais razão deve ser utilizada na ação que

requer o máximo de efetividade.

A utilização da astreinte, no direito brasileiro, é bastante ampla,

conforme se depreende do que foi analisado até aqui.

Importante destacar que a multa coercitiva também pode ser

fixada no caso de ação popular, conforme destacou a Primeira Turma do STJ, no julgamento do REsp i.098.028/SP: "A execução de multa diária (astreintes) por descumprimento de obrigação de fazer,

fixada em liminar concedida em Ação Popular, pode ser realizada nos próprios autos, por isso que não carece do trânsito em julgado da sentença final condenatória"'.

A utilização da astreinte pode ocorrer para a efetivação de

qualquer provimento judicial, antecipatório ou final. Assim, pode-se aplicar a multa coercitiva para o cumprimento de decisões interlocu­tórias, sentenças e acórdãos.

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Por força de expressa disposição legal, é cabível a aplicação das medidas de apoio e, portanto, da astreinte, no caso de obriga­ção de entrega de coisa.

Com efeito, assim determina o § 3° do art. 461-A: Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1° a 60 do art. 461.

Incensurável, pois, a advertência feita pela Primeira Turma do STJ no julgamento do AgRg no AREsp 23.782/RS (DJe de 23/03/2012): "É cabível, mesmo contra a Fazenda Pública, a cominação de multa diária - astreintes - como meio coercitivo para cumprimento de obrigação de fazer (fungível ou infungível) ou para entrega de coisa. Precedentes: AgRg no Ag 1.352.318/RJ, Relator Ministro Benedito Gon­çalves, Primeira Turma, DJe 25/2/2011; AgRg no AREsp 7.869/RS, Rela­tor Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 17/8/2011; e AgRg no REsp 993.090/RS, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 29/11/2010".

Todavia, é bom lembrar que a própria Primeira Turma do STJ, no julgamento do REsp i.069.441/PE (DJe de 17/12/2010), já destacou que a fixação da astreinte não é a medida preferencial: "Forçoso destacar que o artigo 461-A, do CPC (incluído pela Lei 10.444/2002), no que concerne à obrigação de entregar coisa, determina que, não cumprida a obrigação no prazo fixado pelo juiz, expedir-se-á, em favor do credor, mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel (§ 2°)".

A posição predominante no direito brasileiro é no sentido de que a improcedência do pedido principal torna inexigível a multa cominada, bem como permite a repetição daquilo que já foi pago.

A Quarta Turma do STJ, por exemplo, determinou a "supressão de astreintes, fixadas em cautelar, haja vista a improcedência ulte­rior do pedido na ação principal (AgRg no Ag i.022.190/SP. DJe de 11/04/2011)".

No mesmo sentido o entendimento da Terceira Turma do STJ: "A antecipação dos efeitos da tutela, conquanto produza efeitos ime­diatos à época do deferimento, possui a natureza de provimento antecipatório, no aguardo do julgamento definitivo da tutela juris­dicional pleiteada, que se dá na sentença, de modo que, no caso de procedência, a antecipação resta consolidada, produzindo seus

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efeitos desde o momento de execução da antecipação, mas, sobre­vindo a improcedência, transitada em julgado, a tutela antecipada perde eficácia, cancelando-se para todos os efeitos, inclusive quanto a multa aplicada (astreinte)" (REsp i.016.375/RS, DJe de 21/02/2011).

O direito à repetição surge em função da improcedência da ação principal, bem como, eventualmente, da procedência de ação rescisória que afirme a inexistência do direito material da parte anteriormente vencedora.

3. LEGITIMIDADE ATIVA

As ações coletivas não podem ser propostas por qualquer pes­soa, mas apenas por aqueles entes legitimados pelo legislador.

No Brasil, a escolha do representante adequado para agir em juízo é feita pelo Legislativo. Por isso se diz que o nosso sistema é ope legis. Em oposição ao mencionado sistema, é possível que a legi­timidade ad causam seja ampla, quando caberá ao juiz decidir, em demanda concreta, ajuizada por qualquer pessoa, se aquele que se apresentou em juízo é um adequado representante da coletividade (sistema ope judieis).

Além de a escolha recair sobre o legislador, o autor das ações coletivas não é titular do direito material, de tal forma que afirma­mos, no caso, a legitimidade extraordinária. Tal ocorre quando o autor pleiteia, em juízo, em nome pr6prio, direito alheio.

Por isso, no processo coletivo é comum a substituição proces­sual. ou seja, o titular do direito de ação não é titular do direito material (legitimidade extraordinária) e atua em juízo no lugar do titular (substituição processual).

É muito importante, neste momento, saber a diferença entre a representação e a substituição processual.

Sobre a questão, é bastante elucidativa a situação das entida­des associativas.

De acordo com o art. 5°, XXI, da CF, "as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para repre­sentar seus filiados judicial ou extrajudicialmente" - destaque nosso.

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Trata-se de situação em que a entidade associativa atua como representante judicial de seus filiados. Nesse caso, exige-se a prova da expressa autorização.

No processo coletivo, porém, as entidades associativas (art. 5°, V, da Lei n. 7.347/85 e art. 82, IV, da Lei n. 8.078/90) são substitutas processuais de determinadas categorias. Ou seja, elas atuam como parte no processo, defendendo, em nome próprio, direito alheio. Não há, nesse caso, necessidade de autorização expressa para agir em juízo. Afinal, a entidade associativa é parte e, nessa condição, age em juízo.

Além disso, no caso de substituição processual, a decisão judi­cial obtida pelo ente legitimado vai favorecer todos os membros de uma classe ou categoria, ainda que não sejam vinculados, isto é, filiados à entidade.

A 2• Turma do STJ (AgRg no AREsp 33861 / RS) bem analisou a questão da legitimidade dos sindicatos:

Moe acordo com a orientação do STF e do STJ, os sindica­tos possuem ampla legitimidade para defender em juízo os direitos da categoria, não apenas na fase de conhecimento, mas também em liquidação e em execução de sentença. A hipótese é de substituição, e não de representação pro­cessual, razão pela qual é desnecessária a autorização dos substituídos#.

Por isso que a sentença obtida pela entidade associativa, em processo coletivo, não beneficia apenas aquele que seja filiado, mas, indistintamente, todos os substituídos, ou seja, todos os membros da categoria.

A propósito, assim proclamou a 2ª Turma do STJ (AgRg no AREsp 446652 / RJ):

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#Nos termos da Súmula 629/STF, associação ou sindicato, na qualidade de substituto processual, atuam na esfera judicial na defesa dos interesses coletivos de toda a categoria que representam, dispensando-se a relação nominal dos afilia­dos e suas respectivas autorizações.

Tem legitimidade o associado para ajuizar execução indi­vidual de título judicial proveniente de ação coletiva pro­posta por associação ou sindicato, independentemente da

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comprovação de sua filiação ou de sua autorização expressa para representação no processo de conhecimento. Nesse sentido, os seguintes julgados: REsp 1379403/RJ, Rei. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 26/09/2013; AgRg no AREsp 238.656/DF, Rei. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 15/04/2013; AgRg no AREsp 2oi.794/DF, Rei. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 11/04/2013; AgRg no REsp 1185824/ GO, Rei. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 16/2/2012; AgRg no REsp 1153359/GO, Rei. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 12/ 4/2010".

Assim, se a entidade associativa atua como representante pro­cessual, a decisão obtida na demanda só beneficia quem é parte, ou seja, quem está representado em juízo pela entidade associativa.

Se atuar em regime de substituição processual, a decisão pro­duzirá efeito para além de seus filiados.

Como veremos mais à frente, a Defensoria Pública também pode atuar como autora de ações coletivas, em regime de substitui­ção processual, ou, então, como representante judicial de entidades associativas hipossuficientes economicamente.

Há uma outra questão que precisa ficar bem clara quando estu­damos o processo coletivo. Indaga a doutrina qual a natureza da legitimidade do autor da ação coletiva, que atua como substituto processual. Ou seja, se há, no caso, legitimidade extraordinária ou uma legitimidade diferenciada, aplicável ao processo coletivo, que alguns chamam legitimação autônoma para a condução do processo.

Ocorre que há uma diferença importante se compararmos o processo coletivo e o individual.

No processo individual, a sentença proferida em face do subs­tituto, que é parte na ação, produz efeitos em relação aos substi­tuídos, ou seja, aos titulares do direito material que não estão em juízo. E a vinculação dos substituídos aos efeitos da sentença se dá tanto no caso de procedência, quanto no caso de improcedência da demanda (pro et contra).

Já no processo coletivo, a decisão de procedência favorece os substituídos, enquanto a de improcedência não traz prejuízo para as pretensões individuais.

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Daí a razão de alguns autores defenderem a necessidade de uma terminologia própria para o processo coletivo.

Preferimos opinar, atualmente, no sentido de que não se jus­tifica uma terminologia específica para o processo coletivo, pois o titular do direito de ação não é titular do direito material. Ou seja, ele é um legitimado extraordinário.

A legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública é con­corrente (há mais de um legitimado, assim, não é exclusiva) e disjun­tiva, pois cada um dos colegitimados pode, sozinho, ajuizar a ação.

Portanto, cada um dos vários colegitimados tem autonomia para agir em juízo de forma independente. Um não depende do outro para ajuizar a ação coletiva (disjuntiva).

Quando a legitimidade é concorrente, o fato de lei posterior incluir mais um legitimado no rol não exclui, de forma alguma, a legi­timidade de qualquer outro ente anteriormente legitimado.

A jurisprudência também identifica situações em que a legitimi­dade, embora concorrente e disjuntiva, pode ser considerada sub­sidiária.

Com efeito, existem decisões no sentido de que a legitimidade para promover a liquidação e a execução da sentença coletiva é prioritária das vítimas ou sucessores.

Bastante elucidativa é a seguinte decisão, proferida pela 4•

Turma do STJ (REsp 869583 / DF):

100

"i. A legitimidade para intentar ação coletiva versando a defesa de direitos individuais homogêneos é concorrente e disjuntiva, podendo os legitimados indicados no art. 82 do coe agir em Juízo independentemente uns dos outros, sem prevalência alguma entre si, haja vista que o objeto da tutela refere-se à coletividade, ou seja, os direitos são tratados de forma indivisível.

2. Todavia, para o cumprimento de sentença, o escopo é o ressarcimento do dano individualmente experimentado, de modo que a indivisibilidade do objeto cede lugar à sua indi­vidualização.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

3. Não obstante ser ampla a legitimação para impulsionar a liquidação e a execução da sentença coletiva, admitindo-se que a promovam o próprio titular do direito material, seus sucessores, ou um dos legitimados do art. 82 do CDC, o art. 97 impõe uma gradação de preferência que permite a legiti­midade coletiva subsldiariamente, uma vez que, nessa fase, o ponto central é o dano pessoal sofrido por cada uma das vítimas.

4. Assim, no ressarcimento individual (arts. 97 e 98 do CDC), a liquidação e a execução serão obrigatoriamente personali­zadas e divisíveis, devendo prioritariamente ser promovidas pelas vítimas ou seus sucessores de forma singular, uma vez que o próprio lesado tem melhores condições de demons­trar a existência do seu dano pessoal, o nexo etiológico com o dano globalmente reconhecido, bem como o montante equivalente à sua parcela.

5- O art. 98 do CDC preconiza que a execução "coletiva" terá lugar quando já houver sido fixado o valor da indenização devida em sentença de liquidação, a qual deve ser - em sede de direitos individuais homogêneos - promovida pelos pró­prios titulares ou sucessores.

6. A legitimidade do Ministério Público para instaurar a exe­cução exsurgirá - se for o caso - após o escoamento do prazo de um ano do trânsito em julgado se não houver a habilita­ção de interessados em número compatível com a gravidade do dano, nos termos do art. 100 do CDC. É que a hipótese versada nesse dispositivo encerra situação em que, por alguma razão, os consumidores lesados desinteressam-se quanto ao cumprimento individual da sentença, retornando a legitimação dos entes públicos indicados no art. 82 do CDC para requerer ao Juízo a apuração dos danos globalmente causados e a reversão dos valores apurados para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (art. 13 da LACP), com vistas a que a sentença não se torne inócua, liberando o fornecedor que atuou ilicitamente de arcar com a reparação dos danos causados.

7. No caso sob análise, não se tem notícia acerca da publica­ção de editais cientificando os interessados acerca da sen­tença exequenda, o que constitui óbice à sua habilitação na liquidação, sendo certo que o prazo decadencial nem sequer

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MARCOS OESTEFENNI

1mc1ou o seu curso, não obstante já se tenham escoado quase treze anos do trânsito em julgado.

8. No momento em que se encontra o feito, o Ministério Público. a exemplo dos demais entes públicos indicados no art. 82 do CDC, carece de legitimidade para a liquidação da sentença genérica, haja vista a própria conformação consti­tucional desse órgão e o escopo precípuo dessa forma de execução, qual seja, a satisfação de interesses individuais personalizados que, apesar de se encontrarem circunstan­cialmente agrupados, não perdem sua natureza disponível" - destaques nossos.

No processo coletivo verificam-se situações de restrição da legi­timidade ativa. Tal ocorre, por exemplo, na ação de improbidade administrativa, que só pode ser proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica de direito público interessada (conforme art. 17 da Lei n. 8.429/92).

Aliás, em ação de improbidade administrativa a 2• Turma do STJ (REsp 1216439 / CE) constatou situação de legitimidade ativa concor­rente, alternativa ou disjuntiva:

"Cuida-se, na origem, de ação de improbidade proposta pelo Ministério Público Federal em razão de irregularidades na aplicação da verba federal (do Fundo Nacional de Desen­volvimento da Educação - FNDE) transferida a município (. .. )

Existe, no presente caso, uma espécie de legitimidade ativa concorrente, alternativa ou disjuntiva entre a União e o Município, entre o Ministério Público Federal e o Ministé­rio Público Estadual, não sendo cabível extinguir o processo advindo de ação de improbidade ou ação civil pública pro­posta por qualquer destes entes, já que todos têm interesse na apuração das irregularidades".

Outra questão que se coloca no processo coletivo, acerca da legitimidade ativa, é saber se os colegitimados podem atuar em ambas as fases do processo sincrético (cognitiva e executiva), ou se haveria uma legitimidade por fase da ação (legitimidade parcial).

De início, vale lembrar que há entendimento no sentido de que o juízo da primeira fase (cognitiva), isto é, que decide a ação civil pública, não fica prevento para eventual execução individual.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Por isso, deveria ser cindido o juízo de admissibilidade, no que diz respeito à verificação das condições da ação, para a fase exe­cutiva.

Nesse contexto, há quem afirme que o Ministério Público, por exemplo, quando atua como legitimado extraordinária para a tutela de direitos individuais homogêneos, teria legitimidade para promo­ver a ação de conhecimento, mas não para promover a liquidação e a execução individual.

p. A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público exerce múltiplas funções nas ações civis públicas e no processo coletivo em geral.

Com efeito, tem legitimidade ativa, isto é, para propor a ação civil pública para a tutela de direitos transindividuais, bem como, para assumir a titularidade ativa no caso de demanda proposta por outro colegitimado e abandonada sem justa causa.

Além disso, quando não é autor da ação, deve atuar, obrigato-riamente, como órgão interveniente.

Assim, deve ficar bem claro que o MP, na ação civil pública, atua:

a) como autor;

b) como órgão interveniente;

c) como órgão incumbido de assumir a titularidade ativa no caso de abandono ou desistência injustificada.

A assunção da titularidade ativa nem sempre é um dever do Ministério Público, uma vez que há necessidade de se verificar se a desistência é justificada ou não, ou seja, se a ação não é temerária, se existem elementos que justifiquem o seu prosseguimento ...

De se lembrar que existe a possibilidade, em tese, de desis­tência motivada da ação civil pública, uma vez que a desistência da ação não significa qualquer disponibilidade no plano material.

Pode haver justo motivo para a desistência como, por exemplo, a "perda do objeto" da ação.

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MARCOS DESTEFENNI

A ia Turma do STJ (AgRg no REsp 1125981 / RS) já entendeu possí-vel a desistência de intervenção em ação civil pública:

"i. O art. 89 da Lei 8.884/94 (que transforma o CADE em Autarquia e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infra­ções contra a ordem econômica e dá outras providências)

estabelece que nos processos judiciais em que se discuta a aplicação desta lei, o CADE deverá ser intimado para, que­rendo, intervir no feito na qualidade de assistente.

2. É legítima a participação do CADE como Assistente na

demanda, por deter elementos importantes para a solução da ação, auxiliando o Assistido com os seus conhecimentos

técnicos sobre a matéria, bem como para tomar conheci­mento da eventual existência de indícios de prática de infra­ção contra a ordem econômica.

3. Ocorre que, no caso dos autos, já tendo sido cumpridas as atribuições institucionais do Conselho, com o julgamento no âmbito administrativo, que decidiu pelo arquivamento do

processo, ante a insuficiência das provas obtidas para con­denar as empresas, esvazia-se o seu interesse jurídico na presente Ação Civil Pública, como, aliás, o declarou".

~ Aplicação em concurso público:

Oportuno transcrever assertivas consideradas corretas pelo MPGO - 2012,

quanto à ação civil pública:

"a) Para o Ministério Público, identificada uma hipótese em que deva agir, não poderá haver a recusa em fazê-lo, embora tenha ampla liber­dade para apreciar se ocorre hipótese em que sua ação se torna obri­gatória.

b) O atual perfil do Ministério Público impõe a recusa de sua intervenção em hipóteses em que, embora exigida pelo ordenamento jurídico ante­rior, essa intervenção não se justifique, como nos direitos individuais homogêneos que não tenham suficiente expressão para a coletividade.

c) Em regra, só oficia um membro do Ministério Público no processo, ressalvadas duas exceções: atuação conjunta, harmônica e integrada de membros do mesmo Ministério Público; e atuação litisconsorcial de membros de Ministérios Públicos diferentes".

104

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Questão sempre suscitada e que foi mencionada nas assertivas acima, quando se trata da legitimidade do Ministério Público, diz respeito aos direitos individuais homogêneos.

Não há dúvida. o Ministério Público tem legitimidade, amparada na Constituição Federal, para a tutela de direitos individuais homo­gêneos indisponíveis.

A legitimidade para a defesa de direitos difusos e coletivos está expressa no art. 129, Ili, da CF de 1988.

A CF de 1988 não fez referência à legitimidade para a tutela de direitos individuais homogêneos, pois esta espécie de direito transindividual foi sistematizada em 1990. com a Lei n. 8.078/90 (art. 81, parágrafo único, 111).0u seja, o direito ainda não fazia referência expressa aos direitos individuais homogêneos.

o rol constitucional das funções institucionais do MP, porém, é exemplificativo.

Tanto que o art. 129, IX, assim estabeleceu:

"Art. i29. São funções institucionais do Ministério Público:

( ... ) IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas".

Portanto, referido dispositivo legal (inciso IX do art. 129) res­palda a legitimidade estabelecida no art. 82, 1, do CDC, para a defesa de todos os direitos e interesses transindividuais.

Contudo, deve ser feita a seguinte observação:

a) O MP tem legitimidade para a defesa de direitos individuais indisponíveis;

b) O MP poderá ter legitimidade para a defesa de direitos indi­viduais disponíveis.

Afinal, a referida legitimidade, dentre outras coisas:

i) tem fundamento constitucional e infraconstitucional (art. 129, IX, da CF, e.e. o art. 82, 1, do CDC);

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ii) está relacionada à eliminação de obstáculos ao acesso à justiça;

iii) é imprescindível para coibir práticas abusivas e punir infra­tores;

iv) promove o estrito cumprimento da lei em situações que podem atingir o consumidor, o idoso, a criança, o adolescente .... ;

v) a legitimidade do MP não está subordinada à natureza do direito discutido em juízo;

vi) a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos evita a multiplicação e demandas individuais.

Como decidiu a 4ª Turma do STJ (REsp 1033274 / MS, DJe 27/09/2013), "o Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública visando à defesa de direitos individuais homogê­neos, ainda que disponíveis e divisíveis, quando na presença de relevância social objetiva do bem jurídico tutelado" - destaques nossos.

Ainda destacou o mencionado órgão jurisdicional que "o inte­resse de agir do Ministério Público é presumido pela própria norma que lhe impõe a atribuição".

De fato, presume-se o interesse quando a lei confere legiti­midade ao órgão ministerial. Veja, a propósito, a seguinte frase, considerada correta pelo MPGO - 2012, no tocante à legitimidade para propor a ação civil pública na defesa dos direitos coletivos em sentido amplo: "nas ações civis públicas o interesse de agir do Ministério Público é presumido pela própria norma que lhe impõe a atribuição".

Sobre a legitimidade do MP, elucidativa a decisão proferida pela 3• Turma do STJ (REsp 945785 / RS):

706

"O Ministério Público possui legitimidade ad causam para pro­por Ação Civil Pública visando à defesa de direitos individuais homogêneos, ainda que disponíveis e divisíveis, quando a presença de relevância social objetiva do bem jurídico tute­lado a dignidade da pessoa humana, a qualidade ambiental,

a saúde, a educação".

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A falta de legitimidade ativa do Ministério Público pode ser constatada diante de determinado caso concreto, sobretudo pela falta de relevância social. Frise-se: não se pode afirmar, em abstrato, a ilegitimidade do Parquet em face da natureza do direito transindivi­dual pleiteado em juízo, ou seja, por se tratar de direitos individuais homogêneos, por exemplo. Nem mesmo se os direitos individuais homogêneos forem disponíveis.

o que não se admite, na prática forense, é que o órgão minis­terial ajuíze ação coletiva para defender um pequeno grupo de inte­ressados, facilmente identificáveis.

Assim decidiu a Quarta Turma do STJ:

"O Ministério Público não tem legitimidade ativa para pro­por ação civil pública na qual busca a suposta defesa de um pequeno grupo de pessoas - no caso, dos associados de um clube, numa óptica predominantemente individual.

A proteção a um grupo isolado de pessoas, ainda que con­sumidores, não se confunde com a defesa coletiva de seus interesses. Esta, ao contrário da primeira, é sempre impes­soal e tem como objetivo beneficiar a sociedade em sentido amplo. Desse modo, não se aplica à hipótese o disposto nos artigos 81 e 82, 1, do coe. No caso, descabe cogitar, até mesmo, de interesses indivi­duais homogêneos, isso porque a pleiteada proclamação da nulidade beneficiaria esse pequeno grupo de associados de maneira igual. Além disso, para a proteção dos interesses individuais homogêneos, seria imprescindível a relevância social, o que não está configurada na espécie" (REsp 1109335

/SE).

De outro lado, embora a ação coletiva possa ser ajuizada para a tutela de beneficiários da Previdência Social, algumas decisões afirmaram a ilegitimidade do Ministério Público nessa hipótese, por inexistir relação de consumo.

O Parquet também detém ampla legitimidade para a tutela dos direitos dos idosos. Assim proclamou a Primeira Turma do STJ:

"O Ministério Público ostenta legitimidade para a proposi­tura de Ação Civil Pública em defesa dos direitos e interesses

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difusos e coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso, ante a ratio essendi dos arts. 127, 'caput'; e 129, li e Ili, da Constituição Federal de 1988; e arts. 74 e 75 da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso). Precedentes do STJ: EREsp 695.665/RS, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 12/05/2008; REsp 860.840/MG, PRIMEIRA TURMA, DJ 23/04/2007; e REsp 878.960/SP, SEGUNDA TURMA, DJ de 13/09/200]" (REsp 1005587 / PR).

Sobre a legitimidade para a tutela de direitos individuais homo­

gêneos, é paradigmática a decisão proferida pela Terceira Turma do

STJ (AgRg no Ag 1323205 / SP):

uo Ministério Público tem legitimidade processual para a pro­positura de ação civil pública objetivando a defesa de direi­tos individuais homogêneos.

Não é da natureza individual, disponível e divisível que se retira a homogeneidade de interesses individuais homo­gêneos, mas sim de sua origem comum, violando direitos pertencentes a um número determinado ou determinável de pessoas, ligadas por esta circunstância de fato. Inteligência do art. 81, CDC".

Veja a frase considerada incorreta pelo MPAL - FCC - 2012: "A

propositura da ação civil pública pelo Ministério Público é sempre

admissível para a defesa de quaisquer interesses individuais

que apresentem relevância jurídica e venham beneficiar um número

razoável de pessoas".

Ademais, é muito importante observar que existem fatos de múltipla incidência normativa, de tal forma que algumas condutas

podem violar, na mesma oportunidade, direitos difusos e individuais

homogêneos.

Tal circunstância foi muito bem destacada pela Segunda Turma

do STJ (REsp 743678-SP), na hipótese de ação civil pública ajuizada pelo órgão ministerial diante de loteamento clandestino. Alegou-se,

na oportunidade, possível ilegitimidade do MP para deduzir pedido

de indenização em prol dos adquirentes dos lotes. Porém, como

bem observado, a ação civil pública, no caso, não tutela apenas

direitos individuais:

108

u(. .. ) ainda que os direitos em discussão, no que tange ao pedido de indenização, sejam individuais homogêneos, a

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

verdade é que tais direitos, no caso, transbordam o cará­ter puramente patrimonial, na medida que estão em jogo a moradia, a saúde e o saneamento básico dos adquirentes e, além disso, valores estéticos, ambientais e paisagísticos - para dizer o mínimo - do Município (art. 1°, inc. IV, da Lei n. 7.347/85). Aplicação, com adaptações, do decido por esta Corte Superior na IF 92/MT, Rei. Min. Fernando Gonçalves, Corte Especial, j. 5.8.2009".

Enfim, a legitimidade do MP, para a tutela de direitos individuais homogêneos, não pode ser analisada apenas à luz da espécie de direito material coletivo tutelado. A criação das ações coletivas está relacionada a bens e valores superiores, como, por exemplo, a pos­sibilidade de acesso à justiça, muito bem pronunciada pela Terceira Turma do STJ (REsp 797963-GO):

"Desnecessário, portanto, investigar se na hipótese concreta há relevância social a justificar a atuação do MP/GO, bastando a demonstração que se trata de direito difuso, coletivo ou individual homogêneo. Não se pode relegar a tutela de todos os direitos a instrumentos processuais individuais, sob pena de excluir do Estado e da Democracia aqueles cidadãos que mais merecem sua proteção, ou seja, uma multidão de desin­formados, necessitados, carentes ou que possuem direitos cuja tutela torna-se economicamente inviável sob a ótica do processo individual".

3.1.1. A tutela de direitos individuais indisponíveis

Constatada a legitimidade do Ministério Público para a tutela dos interesses individuais indisponíveis, é importante advertir o estudioso no sentido de que cada Ministério Público pode tratar a questão de maneira distinta.

Por exemplo, o Ministério Público de São Paulo, pelo ATO NOR­MATIVO N° 619/2009-PGJ-CPJ-CGMP, disciplinou o procedimento admi­nistrativo de apuração a lesão ou ameaça de lesão a direito indivi­dual, que vem sendo chamado de PANI ou PANll.

Trata-se de um procedimento específico, que apresenta dife­renças em relação ao inquérito civil, especialmente pelo fato de que, "esgotadas todas as diligências, ou não havendo necessidade de sua

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MARCOS DESTEFENNI

realização, o Promotor de Justiça, convencendo-se da inexistência

de fundamento para a propositura da ação civil pública ou para qualquer outra medida legal, promoverá o arquivamento dos autos

do procedimento administrativo, fundamentadamente, não sendo

necessário seu encaminhamento ao Conselho Superior do Ministério

Público" (art. 19 do Ato).

p. A LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA

A Defensoria Pública está legitimada à tutela dos direitos tran­

sindividuais, por força do atual inciso li do art. 5° da Lei n. 7.347/85

(incluído pela Lei n. 11/448/07).

Portanto, pode atuar como autora de demandas coletivas, plei­

teando a defesa de interesses e direitos difusos, coletivos e indivi­duais homogêneos, desde que relacionados a pessoas necessitadas.

Importante observar que a Lei Complementar n. 80/94, que "organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos

Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Esta­

dos", atribui ao mencionado órgão legitimidade para a tutela de

direitos individuais e coletivos. Assim, por exemplo, o seu art. 1°:

"Art. i 0 A Defensoria Pública é instituição permanente, essen­cial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamen­talmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudi­cial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5° da Constituição Federal".

Acrescenta o art. 4º do mencionado diploma normativo que "São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

110

(. .. ) li - promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitra­gem e demais técnicas de composição e administração de conflitos;

(. .. )

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

VII - promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resul­tado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipos­suficientes;

VIII - exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. s• da Cons­tituição Federal;

(. .. )

X - promover a mais ampla defesa dos direitos fundamen­tais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela;

XI - exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado;

XXII - convocar audiências públicas para discutir matérias relacionadas às suas funções institucionais".

A atuação da Defensoria Pública, como se vê, é bastante ampla. E também atua como órgão demandista ou resolutivo das lides cole­tivas. Isto é, pode ajuizar ações coletivas, mas também pode ser valer de mecanismos extrajudiciais, ressalvada a hipótese de inqué­rito civil, que ainda é privativo do Ministério Público.

A atuação da Defensoria Pública se dá em face de particulares, mas também em face das Pessoas Jurídicas de Direito Público.

A Quarta Turma do STJ (REsp 1192577 / RS, DJe 15/08/2014) ana­lisou, de maneira ampla, a questão da legitimidade da Defensoria Pública em ação civil pública para a tutela de um grupo de con­sumidores, concluindo pela possibilidade de controle judicial sobre a representatividade adequada da legitimação coletiva. Nesse con­texto, entendeu o STJ que sendo que a legitimidade do mencionado órgão pública é ampla para a tutela de direitos difusos, sendo sufi­ciente que beneficie um grupo de pessoas necessitadas). No que se

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refere aos direitos coletivos (no sentido estrito) e individuais homo­gêneos, porém, a legitimidade é mais restrita, pois só se dá em prol de pessoas necessitadas:

112

"Na hipótese, no tocante à legitimidade ativa da Defensoria Pública para o ajuizamento de ação civil pública, não bastou um mero exame taxativo da lei, havendo sim um controle judicial sobre a representatividade adequada da legitimação coletiva. Com efeito, para chegar à conclusão da existência ou não de pertinência temática entre o direito material em litígio e as atribuições constitucionais da parte autora aca­bou-se adentrando no terreno do mérito.

A Defensoria Pública, nos termos do art. 134 da CF, 'é institui­ção essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo­-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5•, LXXIV'. É. portanto, voca­cionada pelo Estado a prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que 'comprovarem insuficiência de recursos' (CF, art. 5°, LXXIV), dando concretude a esse direito fundamental.

Diante das funções institucionais da Defensoria Pública, há, sob o aspecto subjetivo, limitador constitucional ao exercício de sua finalidade específica - 'a defesa dos necessitados' (CF, art. 134) -. devendo os demais normativos serem interpreta­dos à luz desse parâmetro.

A Defensoria Pública tem pertinência subjetiva para ajuizar ações coletivas em defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, sendo que no tocante aos difu­sos, sua legitimidade será ampla (basta que possa beneficiar grupo de pessoas necessitadas), haja vista que o direito tute­lado é pertencente a pessoas indeterminadas. No entanto, em se tratando de interesses coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos, diante de grupos determinados de lesados, a legitimação deverá ser restrita às pessoas notada­mente necessitadas.

No caso, a Defensoria Pública propôs ação civil pública requerendo a declaração de abusividade dos aumentos de determinado plano de saúde em razão da idade.

Ocorre que, ao optar por contratar plano particular de saúde, parece intuitivo que não se está diante de consumi­dor que possa ser considerado necessitado a ponto de ser

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

patrocinado, de forma coletiva, pela Defensoria Pública. Ao revés, trata-se de grupo que ao demonstrar capacidade para arcar com assistência de saúde privada evidencia ter condi­ções de suportar as despesas inerentes aos serviços jurídi­cos de que necessita, sem prejuízo de sua subsistência, não havendo falar em necessitado.

Diante do microssistema processual das ações coletivas. em interpretação sistemática de seus dispositivos (art. 5º, § 3°, da Lei n. 7.347/1985 e art. 9° da Lei n. 4.717/1965), deve ser dado aproveitamento ao processo coletivo, com a substitui­ção (sucessão) da parte tida por ilegítima para a condução da demanda. Precedentes".

Deve-se reconhecer a legitimidade da Defensoria Pública par ajuizar ação civil pública voltada a assegurar o acesso à educação à criança e ao adolescente.

Também já se admitiu a legitimidade da Defensoria Pública para pleitear o fornecimento de fraldas descartáveis, garantindo, pois, o postulado da dignidade da pessoa humana.

No que se refere à defesa dos consumidores, o STJ (AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL N° 53.146 - SP) exortou a legitimidade da Defensoria Pública: "A Defensoria Pública tem autorização legal para atuar como substituto processual dos consumidores, tanto em demandas envolvendo direitos individuais em sentido estrito, como direitos individuais homogêneos, disponíveis ou indisponíveis, na forma do art. 4°, incisos VII e VIII, da Lei Complementar n.0 80/94. Precedentes".

No mencionado julgamento, o Ministro Castro Meira (Relator) citou importante precedente, que reconhece a legitimidade da Defensoria Pública mesmo antes da Lei n. 11.448/07, que alterou o art. 5° da Lei 7.347/85 para incluir a Defensoria Pública como legiti­mada ativa para a propositura da ação civil pública:

"A Lei 11.448/07 alterou o art. 5° da Lei 7.347/85 para incluir a Defensoria Pública como legitimada ativa para a proposi­tura da ação civil pública. Essa e outras alterações proces­suais fazem parte de uma série de mudanças no arcabouço jurídico-adjetivo com o objetivo de, ampliando o acesso à tutela jurisdicional e tornando-a efetiva, concretizar o direito fundamental disposto no art. 5°, xxxv, da CF.

113

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MARCOS DESTEFENNI

ln casu, para afirmar a legitimidade da Defensoria Pública bastaria o comando constitucional estatuído no art. 5º, XXXV, da CF.

É imperioso reiterar, conforme precedentes do Superior Tri­bunal de Justiça, que a legitimatio ad causam da Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesa de inte­resses transindividuais de hipossuficientes é reconhecida antes mesmo do advento da Lei 11.448/07, dada a relevância social (e jurídica) do direito que se pretende tutelar e do próprio fim do ordenamento jurídico brasileiro: assegurar a dignidade da pessoa humana, entendida como núcleo central dos direitos fundamentais" (REsp 11o651s/MG, Rei. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 02.02.2011).

Por fim, é fundamental ressaltar que a Defensoria Pública tam­

bém afirma sua legitimidade para atuar como assistente judicial de

entidades legitimadas à propositura de demandas coletivas.

Ou seja, a sua atuação não se restringe a ser autora de ações

coletivas, mas também representar, judicialmente, em ações coleti­vas, as associações necessitadas.

Por isso, se uma associações legitimada não tiver condições

financeiras de propor determinada ação coletiva, isto é, por neces­

sitada nos termos legais, a Defensoria Pública poderá patrocinar a

necessária ação civil pública.

3.3. A LEGITIMIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO

A legitimidade para ajuizar ações civis públicas (e coletivas em

geral) também é reconhecida, pelo legislador, às pessoas jurídicas

de direito público, ou seja, à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal.

Portanto, nos termos do art. 82, li, do CDC e do art. 5°, da LACP, as pessoas jurídicas de direito público têm legitimidade para a pro­

positura de ações coletivas.

No julgamento do AREsp 431802 - MA, o STJ reconheceu a legiti­

midade do Município para ajuizar ação de ressarcimento em face de

ex-Prefeito, por uso indevido de recursos federais:

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

HO ente Municipal possui interesse de agir e legitimidade ativa ad causam para pleitear em face de ex-Prefeito, res­sarcimentos decorrentes de indevida aplicação ou pelo des­vio de verbas recebidas por convênios federais, pois, com a transferência desses recursos para a municipalidade, são incorporados ao seu patrimônio".

Já foi reconhecida a legitimidade do Distrito Federal para ajui­zar ação civil pública em defesa dos usuários de serviços de saúde (REsp 168051 / DF):

"Nos termos do art. 82, li, do Código de Defesa do Consumi­dor tem o Distrito Federal legitimidade ampla para promover ação civil pública, visando a proteção de interesses ou direi­tos coletivos de associados, na referida unidade federativa, de empresa prestadora de serviços de saúde".

3.4. A LEGITIMIDADE DOS ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A O art. 82, Ili, da Lei n. 8.078/90 CDC, estabelece que são legiti­mados concorrentemente as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos pro­tegidos pelo coe.

Portanto, não só as pessoas jurídicas de direito público podem ajuizar ações coletivas. Também os órgãos integrantes da administra­ção pública do Estado têm legitimidade para propor ações coletivas.

Para ilustrar, o STJ reconheceu a legitimidade da Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro no caso de ação coletiva de consumo, por se tratar de órgão da Administração Pública, ainda que sem personalidade jurídica própria (AgRg no REsp 928888 / RJ):

'ªOs órgãos que integram a Administração Pública direta ou indireta são legitimados para a defesa dos interesses tran­sindividuais dos consumidores por força da prerrogativa que lhes é conferida pelo art. 82, Ili, do coe. que deve sempre receber interpretação extensiva, sistemática e teleológica, de modo a conferir eficácia ao preceito constitucional que impõe ao Estado o ônus de promover, 'na forma da lei, a defesa do consumidor' (REsp i.002.813/RJ, Rei. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 17/6/11)".

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MARCOS DESTEFENNI

Vale destacar a advertência feita pela Terceira Turma do STJ, no

julgamento do REsp 1002813 / RJ, sobre como deve ser interpretado

o art. 81, Ili, do coe, ou seja, "deve sempre receber Interpretação extensiva, sistemática e teleológica, de modo a conferir eficácia ao preceito constitucional que impõe ao Estado o ônus de promover,

'na forma da lei, a defesa do consumidor"':

"Os órgãos que integram a Administração Pública direta ou indireta são legitimados para a defesa dos interesses tran­sindividuais dos consumidores por força da prerrogativa que lhes é conferida pelo art. 82, Ili, do coe, que deve sempre receber interpretação extensiva, sistemática e teleológica, de modo a conferir eficácia ao preceito constitucional que impõe ao Estado o ônus de promover, Nna forma da lei, a defesa do consumidor"'.

Outro julgamento de destaque da Terceira Turma do STJ (REsp

10988o4 / RJ) foi proferido no caso de ação para a tutela de direitos

dos idosos consumidores (ou seja, hipervulneráveis).

Em brilhante passagem, o Colendo Tribunal deu interpretação

ao art. 82, Ili, do coe, no sentido de afirmar a legitimidade de Órgão

do Poder Legislativo, afastando interpretação excessivamente forma­

lista e restritiva:

"Exigir a menção no Regimento Interno da recorrente (Órgão do Poder Legislativo) sobre a atuação em juízo privilegiar­-se-ia o excesso de formalismo, em detrimento da finalidade perseguida pelo legislador de facilitar a atuação das entida­des e órgãos de defesa do consumidor em juízo.

Veda-se a discriminação do idoso em razão da idade, nos termos do art. i5, § 3°, do Estatuto do Idoso, o que impede especificamente o reajuste das mensalidades dos planos de saúde que se derem por mudança de faixa etária; essa veda­ção não envolve, todavia, os demais reajustes permitidos em lei, os quais ficam garantidos às empresas prestadoras de planos de saúde, sempre ressalvada a abusividade".

Sobre a interpretação das normas que regem a ação civil pública,

a Segunda Turma do STJ (REsp 1075392 / RJ) também destacou que:

"Na apreciação da legitimação para a proposição de ações coletivas,

não se deve entender restritivamente a expressão "Administração

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Pública", referida no art. 82, Ili, do CDC. Para o intérprete da lei, como o STJ, importa apenas indagar se o órgão em questão exerce, com base em autorização legal, função administrativa e, por meio dela, a defesa do consumidor, de modo análogo ou semelhante ao Procon".

O PROCON talvez seja o órgão mais conhecido, quando se fala na defesa do consumidor, sendo que também detém tem legitimidade para ajuizar ação coletiva, inclusive para a proteção de direitos indi­

viduais homogêneos.

3-5· A LEGITIMIDADE DAS ASSOCIAÇÕES

A legitimidade para a propositura de ações coletivas não fica restrita ao setor público.

Com efeito, o legislador contemplou o chamado terceiro setor, integrado por associações, ou seja, entidades cuja atuação não se dá em busca de lucro, mas da realização de objetivos sociais.

A legitimidade das associações é para a defesa de direitos difu­sos, coletivos e individuais homogêneos.

Todavia, o legislador, expressamente, exige o preenchimento de dois requisitos:

a) que a entidade esteja constituída há pelo menos um ano;

b) que ela inclua entre suas finalidades institucionais a defesa do direito que se pretende tutelar (pertinência temática).

No que se refere à exigência de prévia constituição ânua, o legislador deu ao juiz o poder de, eventualmente, dispensar mencio­nada exigência à luz do caso concreto.

Com efeito, o art. 5°, § 4°, da Lei n. 7.347/85 (assim como o art. 82, § 1°, do CDC) dispõe que: O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evi­denciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

E fique atento: é o requisito da pré-constituição que pode ser dispensado pelo juiz. Não o requisito da pertinência temática.

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No julgamento da MC 1i.483 - PR, o Ministro JORGE SCARTEZZINI consignou que o fato de a associação não estar constituída há pelo

menos um ano não é óbice à propositura desta Ação Civil Coletiva

para a defesa dos interesses individuais homogêneos de moradores

de determinados conjuntos residenciais, diante do manifesto inte­

resse social, especialmente pelo fato de a associação representar

os interesses de mais de quinhentas pessoas residentes nas áreas

infectadas por produtos tóxicos:

"No que tange ao art. 82, IV, do coe, alega a Requerente que a Associação de Moradores não seria parte legítima para figurar no polo ativo da demanda, eis que não constituída a pelo menos um ano. Todavia, tal irresignação não prospera, vez que pelo disposto no § i• do art. 82 da Legislação Consu­merista, o requisito da pré-constituição da associação pode ser dispensado pelo Juiz, quando manifesto for o interesse social, evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

Pois bem, as instâncias ordinárias identificaram a presença dos aludidos pressupostos, tendo consignado que a asso­ciação representa os interesses de mais de quinhentas pes­soas residentes nas áreas infectadas pelos produtos tóxicos, sendo os danos, a princípio, de grande extensão, de sorte que a ação coletiva proporcionaria a eficácia na prestação jurisdicional, mesmo porque evitaria o abarrotamento do Judiciário, com centenas de demandas semelhantes.

Também restou demonstrada a relevância do bem jurídico a ser tutelado".

Cabe destacar: o requisito da pré-constituição pode ser preen­

chido durante o curso da demanda.

Outrossim, desde que atuem como substituta processual, na condição de legitimada extraordinária, a entidade associativa tem legitimidade para ajuizar ação coletiva independentemente de auto­

rização especial ou da apresentação de relação nominal de asso­

ciados.

Por isso é correto dizer que as associações não atuam exclu­sivamente na defesa de seus associados. Exceto se for o caso de

representação judicial dos interesses dos associados, na hipótese do

art. 5•, inciso XXI, da Constituição Federal:

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

uxx1 - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente".

Portanto, que fique bem claro:

a) o ente associativo tem legitimidade para a propositura de ações coletivas, em regime de substituição processual, hipótese em que a ação poderá beneficiar pessoas ainda não identificadas e não associadas. Nessa hipótese, não há necessidade de identificar os possíveis beneficiários, nem mesmo de apresentar qualquer relação de associados;

b) a associação, por força do an. 5°, XXI, da CF, pode repre­sentar, judicial ou extrajudicialmente, seus associados, hipó­tese em que a ação apenas beneficiará os representados.

De outro lado, cabe ao juiz verificar o requisito da pertinência temática, ou seja, a coincidência entre o objeto da ação e os fins estatutários do ente associativo.

Conforme consignado pela Quarta Turma do STJ: "A apuração da legitimidade ativa das associações e dos sindicatos como substitutos processuais, em ações coletivas, passa pelo exame da pertinência temática entre os fins sociais da entidade e o mérito da ação pro­posta. Precedentes" (AgRg no REsp 997577 / DF).

Embora o requisito da pertinência temática seja expresso em relação aos entes associativos, ele é verificado pelo juiz, de forma geral, nas ações coletivas. Afinal, não deixa de ser analisada a legi­timidade do Ministério Público, da Defensoria Pública e de outros legitimados, em função da missão constitucional dos mencionados órgãos públicos.

Por exemplo, em decisão já citada no presente trabalho (REsp 1192577 / RS), restou consignado pelo STJ, quanto à legitimidade da Defensoria Pública, que não basta "um mero exame taxativo da lei, havendo sim um controle judicial sobre a representatividade ade­quada da legitimação coletiva", em função "da existência ou não de pertinência temática entre o direito material em litígio e as atribui­ções constitucionais da parte autora:

uNa hipótese, no tocante à legitimidade ativa da Defensoria Pública para o ajuizamento de ação civil pública, não bastou um mero exame taxativo da lei, havendo sim um controle

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MARCOS OESTEFENNI

judicial sobre a representatividade adequada da legitimação coletiva. Com efeito, para chegar à conclusão da existência ou não de pertinência temática entre o direito material em litígio e as atribuições constitucionais da parte autora aca­bou-se adentrando no terreno do mérito".

Por isso que o Ministério Público, em muitas situações, não é admitido a tutelar, coletivamente, direitos individuais disponíveis e sem relevância social. Assim como a Defensoria Pública é legitimada à tutela dos necessitados.

Sobre a pertinência temática, muito elucidativo o julgamento do AgRg no REsp 901936 / RJ pela Primeira Turma do STJ, reproduzindo lição da clássica obra do Hugo Nigro Mazzilli:

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NA pertinência temática é imprescindível para configurar a legitimatío ad causam do sindicato, consoante cediço na juris­prudência do E. S.T.F na ADI 3472/DF, Sepúlveda Pertence, DJ de 24.o6.2005 e ADl-QO 1282/SP. Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ de 29.1uoo2 e do S.T.J: REsp 782961/RJ, desta relatoria, DJ de 23.11.2006, REsp 48po2/RJ, Relator Ministro Teori Zavascki, DJ 24/05/2004.

A representatividade adequada sob esse enfoque tem mere­cido destaque na doutrina; senão vejamos: "(. .. ) A pertinên­cia temática significa que as associações civis devem incluir entre seus fins institucionais a defesa dos interesses obje­tivados na ação civil pública ou coletiva por elas propos­tas, dispensada, embora, a autorização de assembleia. Em outras palavras, a pertinência temática é a adequação entre o objeto da ação e a finalidade institucional.

As associações civis necessitam, portanto, ter finalidades institucionais compatíveis com a defesa do interesse tran­sindividual que pretendam tutelar em juízo. Entretanto, essa finalidade pode ser razoavelmente genérica; não é preciso que uma associação civil seja constituída para defender em juízo especificamente aquele exato interesse controvertido na hipótese concreta. Em outras palavras, de forma correta já se entendeu, por exemplo, que uma associação civil que tenha por finalidade a defesa do consumidor pode propor ação coletiva em favor de participantes que tenham desis­tido de consórcio de veículos, não se exigindo tenha sido instituída para a defesa específica de interesses de con­sorciados de veículos, desistentes ou inadimplentes. Essa

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

generalidade não pode ser, entretanto, desarrazoada, sob pena de admitirmos a criação de uma associação civil para a defesa de qualquer interesse, o que desnaturaria a exigência de representatividade adequada do grupo lesado.

Devemos perquirir se o requisito de pertinência temática só se limita às associações civis, ou se também alcançaria as fundações privadas, sindicatos, corporações, ou até mesmo as entidades e os órgãos da administração pública direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica. Numa inter­pretação mais literal, a conclusão será negativa, dada a reda­ção do art. 5° da LACP e do art. 82, IV, do coe. Entretanto, onde há a mesma razão, deve-se aplicar a mesma disposição. Os sindicatos e corporações congêneres estão na mesma situa­ção que as associações civis, para o fim da defesa coletiva de grupos; as fundações privadas e até mesmo as entidades da administração pública também têm seus fins peculiares, que nem sempre se coadunam com a substituição processual de grupos, classes ou categorias de pessoas lesadas, para defesa coletiva de seus interesses." in A Defesa dos Interes­ses Difusos em Juízo, Hugo Nigro Mazzilii, São Paulo, Saraiva, 2006, p. 277/278" - destaques nossos.

Analisando o requisito da pertinência temática, a Segunda

Turma do STJ (REsp 1351760 / PE) entendeu bastante ampla a legiti­

midade do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil,

admitindo ação coletiva em prol da proteção do patrimônio urbanís­

tico, cultural e histórico local.

Por fim, de observar que o requisito da pertinência temática

não se restringe às ações coletivas. Por exemplo, no julgamento

do, o STJ concluiu pela sua exigibilidade no caso de pretensão de

ingresso, como amicus curiae em recurso representativo de contro­

vérsia (art. 543-C do CPC):

"Não é cabível a intervenção de entidade como amicus curiae em recurso representativo da controvérsia quando sua fina­lidade estatutária não tem pertinência temática com as teses a serem enfrentadas no recurso. Isso porque a representati­vidade das pessoas, órgãos ou entidades deve relacionar-se diretamente à identidade funcional, natureza ou finalidade estatutária da pessoa física ou jurídica que a qualifique, de modo a atender ao interesse público de contribuir para o aprimoramento do julgamento da causa, não sendo suficiente

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o interesse em defender a solução da lide em favor de uma das partes. A intervenção formal no processo repetitivo deve dar-se por entidade cujas atribuições sejam pertinentes ao tema em debate, sob pena de prejuízo ao regular e célere andamento desse importante instrumento processual".

3.6. A LEGITIMIDADE DOS SINDICATOS

Os sindicatos não deixam de ser entidades associativas. Por isso, tudo o que foi dito no tópico anterior se aplica aos sindica­tos que, reconhecidamente, têm legitimidade para o ajuizamento de ações coletivas.

A referida legitimidade, portanto, tem fundamento no inciso IV, do art. 82 do coe.

Registre-se, porém, que a Terceira Turma do STJ (REsp 1243386 / RS) lembrou de mitigação, quanto à pertinência temática, referente aos sindicatos:

"A exigência de pertinência temática para que se admita a legitimidade de sindicatos na propositura de ações coleti­vas é mitigada pelo conteúdo do art. 8°, li, da CF, consoante a jurisprudência do STF. Para a Corte Suprema, o objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos asso­ciados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante do 'writ', exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido nas ativida­des exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio, da classe. Precedente".

3.8. A LEGITIMIDADE NA AÇÃO POPULAR

Há peculiaridades, quanto à legitimidade ativa, em função da espécie de ação coletiva regulamentada pelo legislador.

No caso de ação popular. continua prevalecendo o enten­dimento segundo o qual a Constituição Federal de 1988 afirma a legitimidade ativa de qualquer cidadão para a propositura da ação popular.

Frise-se: a legitimidade é de qualquer cidadão, detentor de direitos políticos, e não de qualquer pessoa.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Ocorre que a Lei n. 4.717/65, que regulamenta a ação popular, favorece a interpretação segundo a qual a ação só pode ser pro­posta pelo cidadão eleitor, uma vez que o art. 1°, § 3°, estabelece que a prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou com documento que a ele corresponda.

Essa a razão para se restringir a legitimidade ativa no caso de ação popular. Restrição que encontra respaldo na doutrina e na jurisprudência, mas que não é pacífica.

3.8.1. AÇÃO POPULAR MULTILEGITIMÁRIA

Existem muitas vozes clamando pela necessidade de se superar a limitação da legitimidade ativa para o ajuizamento de ação popu­lar ao cidadão brasileiro. Sobretudo após a Constituição Federal de 1988 ter ampliado o seu objeto, para a defesa, por exemplo, do meio ambiente.

Em matéria ambiental, há quem sustente a necessidade de se ampliar a legitimidade, sobretudo se considerarmos o caráter transfronteiriço do dano ambiental. Por isso, mesmo o estrangeiro deveria ser admitido a defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado por ação popular.

o Superior Tribunal de Justiça, em várias decisões, afirma a necessidade de se reconhecer a legitimidade ativa ao Ministério Público. Confira-se, a propósito, o seguinte trecho do julgamento do REsp 700.2o6/MG, em que foi cujo relator o Ministro Luiz Fux: "Hodier­namente, após a constatação da importância e dos inconvenientes da legitimação isolada do cidadão, não há mais lugar para o veto da legitimatio ad causam do MP para a Ação Popular, a Ação Civil Pública ou o Mandado de Segurança coletivo. Em conseqüência, legitima-se o Parquet a toda e qualquer demanda que vise à defesa dos interesses difusos e coletivos, sob o ângulo material ou imaterial. Deveras, o Ministério Público está legitimado a defender os interesses transin­dividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homo­gêneos. Nas ações que versam interesses individuais homogêneos, esses participam da ideologia das ações difusas, como sói ser a ação civil pública. A despersonalização desses interesses está na medida em que o Ministério Público não veicula pretensão pertencente a

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quem quer que seja individualmente, mas pretensão de natureza genérica, que, por via de prejudicialidade, resta por influir nas esfe­ras individuais. A assertiva decorre do fato de que a ação não se dirige a interesses individuais, mas a coisa julgada in utilibus poder ser aproveitada pelo titular do direito individual homogêneo se não tiver promovido ação própria. A ação civil pública, na sua essência, versa interesses individuais homogêneos e não pode ser caracteri­zada como uma ação gravitante em torno de direitos disponíveis. O simples fato de o interesse ser supra-individual, por si só já o torna indisponível, o que basta para legitimar o Ministério Público para a propositura dessas ações".

Fala-se, então, em ação popular multilegitimária.

A expressão foi utilizada em julgado da ia Turma do STJ, repro­duzida no Informativo no 0152:

#LEGITIMIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. DANO. ERÁRIO.

Interpretação histórica justifica a posição do Ministério Público como legitimado subsidiário do autor na Ação Popu­lar quando desistente o cidadão, porquanto valorizava-se o parquet como guardião da lei, entrevendo-se conflitante a posição de parte e de custos legis. Se a lesividade ou a ile­galidade do ato administrativo atinge o interesse difuso, pas­sível é a propositura da ação civil pública fazendo as vezes de uma ação popular multilegitimária. As modernas leis de tutela dos interesses difusos completam a definição dos inte­resses que protegem. Assim é que a LAP define o patrimô­nio e a LACP dilargou-o, abarcando áreas antes deixadas ao desabrigo, como o patrimônio histórico, estético, moral, etc. REsp 4oi.964-RO, Rei. Min. Luiz Fux, julgado em 22/10/2002".

Julgamento paradigmático foi proferido pela lª Turma do STJ, ao apreciar o REsp 427140 / RO:

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uAÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. LESÃO À MORALIDADE PÚBLICA.

1. O Ministério público, por força do art. 129, Ili, da CF/88, é legitimado a promover qualquer espécie de ação na defesa do patrimônio público social, não se limitando à ação de reparação de danos. Destarte, nas hipóteses em que não

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

atua na condição de autor, deve intervir como custos legis (LACP, art. 5°, § 1°; CDC, art. 92; ECA, art. 202 e LAP, art. 9°).

2. A carta de i988, ao evidenciar a importância da cidada­nia no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37 da CF como tuteláveis judi­cialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos pro­cessuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas.

3. Em consequência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade).

4. A nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos.

5.A lógica jurídica sugere que legitimar-se o Ministério Público como o mais perfeito órgão intermediário entre o Estado e a sociedade para todas as demandas transindividuais e interditar-lhe a iniciativa da Ação Popular, revela controditio in terminis.

6. Interpretação histórica justifica a posição do MP como legitimado subsidiário do autor na Ação Popular quando desistente o cidadão, porquanto à época de sua edição, valorizava-se o parquet como guardião da lei, entrevendo-se conflitante a posição de parte e de custos legis.

7. Hodiernamente, após a constatação da importância e dos inconvenientes da legitimação isolada do cidadão, não há mais lugar para o veto da legitimatio ad causam do MP para a Ação Popular, a Ação Civil Pública ou o Mandado de Segu­rança coletivo.

8. Os interesses mencionados na LACP acaso se encontrem sob iminência de lesão por ato abusivo da autoridade podem ser tutelados pelo mandamus coletivo.

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9. No mesmo sentido, se a lesividade ou a ilegalidade do ato

administrativo atingem o interesse difuso, passível é a pro­

positura da Ação Civil Pública fazendo as vezes de uma Ação Popular multilegitimária.

10. As modernas leis de tutela dos interesses difusos comple­tam a definição dos interesses que protegem. Assim é que a

LAP define o patrimônio e a LACP dilargou-o, abarcando áreas

antes deixadas ao desabrigo, como o patrimônio histórico, estético, moral, etc.

11. A moralidade administrativa e seus desvios, com conse­

quências patrimoniais para o erário público enquadram-se

na categoria dos interesses difusos, habilitando o Ministério Público a demandar em juízo acerca dos mesmos.

12. Recurso especial desprovido".

3.8.2. A ILEGITIMIDADE ATIVA DAS PESSOAS JURÍDICAS

No contexto de uma ação popular multilegitimária, pode-se

cogitar sobre eventual legitimação ativa das pessoas jurídicas.

Contudo, a legitimidade das pessoas jurídicas é obstada pelo Supremo Tribunal Federal, como se vê da Súmula n. 365: Pessoa jurí­dica não tem legitimidade para propor ação popular.

3.8.3. A QUESTÃO DA ASSISTtNCIA

Divergem doutrina e jurisprudência sobre a necessidade ou não

de assistência no caso de menor com dezesseis anos completos,

que, como se sabe, é eleitor (facultativo).

Trata-se de questão relacionada à capacidade processual e não à legitimidade.

Afinal, o menor com dezesseis anos completos tem legitimidade para a propositura de ação popular. A questão é saber se precisa ser assistido em juízo.

Filiamo-nos ao entendimento segundo o qual não há necessi­

dade de assistência.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

3.8.4. A FLEXIBILIZAÇÃO DA COMPETtNCIA EM PROL DO CIDADÃO

Tem prevalecido o entendimento segundo o qual o cidadão pode propor a demanda em município no qual não é residente.

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, como noticiou o Informativo n. 476, afirmou a possibilidade do ajuizamento da ação nessas circunstâncias:

"AÇÃO POPULAR. LEGITIMIDADE. CIDADÃO. ELEITOR.

A ação popular em questão foi ajuizada por cidadão resi­dente no município em que também é eleitor. Sucede que os fatos a serem apurados na ação aconteceram em outro município. Vem daí a discussão sobre sua legitimidade ad causam a pretexto de violação dos arts. 1°, caput e § 3°, da Lei n. 4.717/1965 e 42, parágrafo único, do Código Eleitoral. Nesse contexto, é certo que o art. 5•, LXXlll, da CF/1988 reco­nhece a legitimidade ativa do cidadão e não do eleitor para propor a ação popular e que os referidos dispositivos da Lei n. 4.717/1965 apenas definem ser a cidadania para esse fim provada mediante o título de eleitor. Então, a condição de eleitor é, tão somente, meio de prova da cidadania, essa sim relevante para a definição da legitimidade, mostrando­-se desinfluente para tal desiderato o domicílio eleitoral do autor da ação, que condiz mesmo com a necessidade de organização e fiscalização eleitorais. Já o citado dispositivo do Código Eleitoral traz requisito de exercício da cidadania em determinada circunscrição eleitoral, o que não tem a ver com a sua prova. Dessarte, conclui-se que, se for eleitor, é cidadão para fins de ajuizamento da ação popular. REsp i.242.Boo-MS, Rei. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 7/6/20lln.

3.9. A LEGITIMIDADE NA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

A legitimidade para o ajuizamento de ação de improbidade administrativa, segundo o entendimento predominante, é restrita ao Ministério Público e à pessoa jurídica de direito público interessada.

Prevalece, pois, a restrição contida no art. 17 da Lei n. 8.429/92, bem coo a interpretação segundo a qual não é qualquer pessoa jurí­dica interessada que pode propor a ação, mas somente as pessoas jurídicas de direito público.

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3.10. AÇÃO COLETIVA PASSIVA

No Brasil não há regulamentação legal da ação coletiva passiva, que seria a ação movida contra uma determinada classe ou catego­ria de pessoas.

Portanto, ação coletiva ativa é aquela movida por um ente legi­timado em lei em prol da coletividade. É a ação coletiva que se encontra regulamentada no direito brasileiro. Ação coletiva passiva, ao contrário, seria movida contra ou em face de uma coletividade, com o fim de se obter decisão que possa produzir efeitos em face de todo o grupo.

O grande obstáculo para a aceitação de uma ação coletiva pas­siva é o fato de não haver regulamentação legal, especialmente no que se refere à legitimidade passiva, ou seja, quem vai ser o ade­quado representante, em juízo, do grupo, classe ou categoria de pessoas?

No direito norte-americano a referida ação está devidamente regulamentada. É conhecida como defendam class action.

Já se tentou, no Brasil, a sua regulamentação. Existem inúmeros autores favoráveis à referida ação.

O anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos pro­pôs a seguinte regulamentação: qualquer espécie de ação pode ser proposta contra uma coletividade organizada, mesmo sem personali­dade jurídica, desde que apresente representatividade adequada, se trate de tutela de interesses ou direitos difusos e coletivos e a tutela se revista de interesse social.

O grande objetivo do autor de uma ação coletiva passiva é obter uma sentença que possa vincular todo o grupo de pessoas. Por isso, além da ação coletiva passiva, é necessária a definição da coisa julgada coletiva passiva.

No anteprojeto acima citado, a coisa julgada passiva vem assim definida: A coisa julgada atuará erga omnes, vinculando os membros do grupo, categoria ou classe e aplicando-se ao caso as disposições do artigo 12 deste Código, no que dizem respeito aos interesses ou direitos transindividuais.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A grande questão, como se disse, é a escolha do adequado representante do coletividade demandada. Quem pode ser conside­rado um adequado representante do grupo?

Autores do porte de Ada Pellegrini Grinover, por exemplo, vem defendendo a admissibilidade da referida ação no direito brasileiro, até mesmo sem expressa regulamentação legal.

A admissibilidade passa pela ideia de que não é só o legislador que pode definir o adequado representante para ajuizar ou para representar a coletividade. Ou seja, o sistema ope legis, em que a lei escolhe o adequado representante, devida ser temperado com o sistema ope judieis, em que o juiz também pode decidir, à luz do caso concreto, sobre a aptidão daquela entidade que se apresenta em juízo. Assim ocorre no sistema americano, por exemplo.

Defende-se o reconhecimento do poder do juiz para decidir, fundamentadamente, à luz do caso concreto, se a ação coletiva deve ou não ser admitida.

O juízo de admissibilidade torna-se mais rígido, mas amplia-se a possibilidade de ajuizamento de ação coletiva, de tal forma que não há uma presunção de idoneidade daqueles que são escolhidos pelo legislador, como ocorre atualmente no Brasil.

A questão central, portanto, está na discussão da existência ou não de um poder judicial para admitir uma ação proposta por quem não é expressamente legitimado pelo legislador. Ou, então, no caso de ação coletiva passiva, para decidir sobre quem é o adequado representante da coletividade demandada.

Cabe indagar, por exemplo, se uma ação movida por uma empresa que atua no mercado de consumo pode pleitear um provi­mento jurisdicional contrário aos interesses dos consumidores que mantém contrato com ela. A quem caberia a defesa desse grupo de consumidores?

Os adeptos da ação coletiva sustentam que uma entidade asso­ciativa com notórias idoneidade e especialização poderia, legitima­mente, representar a coletividade. Além disso, o Ministério Público atua como órgão interveniente na referida demanda, em face da discussão de direitos e interesses transindividuais.

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É verdade que nesse tipo de ação coletiva seria perieitamente admissível a reconvenção, ou seja, o pedido deduzido pelo repre­sentante da coletividade em face do autor da ação coletiva passiva.

O aspecto prático que justificaria a ação seria a redução de ações individuais, em função da coisa julgada coletiva passiva. Ou seja, o provimento jurisdicional obtido pelo autor da ação coletiva passiva vincularia todos os membros do grupo, classe ou categoria de pessoas.

Outros argumentos utilizados pelos autores que defendem a ação coletiva passiva é o fato de que já existem ações coletivas passivas na prática forense e que a improcedência de ação coletiva ativa, por fundamento que não seja a falta de provas, produz os mesmos efeitos da ação coletiva passiva.

De fato, a ação movida por uma entidade associativa legitimada em lei e que preenche os requisitos legais, sendo julgada improce­dente, faz coisa julgada material, impedindo o ajuizamento de idên­tica ação, inclusive por outro colegitimado.

Com relação à prática forense, argumenta-se que seria uma ação coletiva passiva, por exemplo, aquela ajuizada contra uma associação de moradores para obter provimento que vincule todos os moradores. Por exemplo, para invalidar o ato de fechamento de determinadas vias públicas; para coibir a proibição de ingresso de munícipes a ruas de determinado bairro.

Também a ação movida contra um sindicato, com pedido de provimento cominatório para a manutenção de serviços essenciais durante uma paralisação.

Há, ainda, um outro argumento. Impõe-se uma ampliação dos poderes do magistrado, no que se refere ao controle da represen­tatividade adequada, ou seja, a respeito da admissibilidade ou não da demanda coletiva, para impedir o ajuizamento de ações coleti­vas que, efetivamente, podem não tutelar legítimas pretensões do grupo, da classe ou da categoria de pessoas.

Vale observar que a maior controvérsia está no caso de ação que tutela direitos individuais homogêneos. De observar que as

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

propostas que pretendem regulamentar a ação coletiva passiva se

referem à tutela de direitos difusos e coletivos.

A questão já foi cobrada em concurso público. Portanto, fique

atento.

~ Aplicação em concurso público:

No concurso do Ministério Público, pro exemplo, questionou-se: "(FADEMS - Promotor de Justiça - MS/2013) A) O ordenamento jurídico bra­sileiro admite a ação coletiva passiva? Responda, fundamentadamente, expondo a questão sob o ponto de vista atual da doutrina e da jurispru­dência. B) Estabeleça a distinção entre legitimidade passiva 'ad causam' e ação coletiva passiva".

Como se sabe, o Ministério Público, de uma forma geral, é con­

trário às ações coletivas passivas, enquanto não houver regulamen­

tação legal.

Caberia ao candidato, portanto, frisar a falta de regulamen­

tação legal e a controvérsia doutrinária que existe em relação à questão.

Com relação à jurisprudência, é paradigmática a seguinte deci­

são, proferida no REsp 1051302 / DF, pela 3• Turma do STJ, relatada

pela Ministra NANCY ANDRIGHI:

"Processo civil. Recurso especial. Ação coletiva ajuizada por sindicato na defesa de direitos individuais homogêneos de integrantes da categoria profissional. Apresentação, pelo réu, de pedido de declaração incidental, em face do sindi­cato-autor. Objetivo de atribuir eficácia de coisa julgada à decisão quanto à extensão dos efeitos de cláusula de qui­tação contida em transação assinada com os trabalhadores. Inadmissibilidade da medida, em ações coletivas.

- Nas ações coletivas, a lei atribui a algumas entidades pode­res para representar ativamente um grupo definido ou inde­finido de pessoas, na tutela de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. A disciplina quanto à coisa julgada, em cada uma dessas hipóteses, modifica-se.

- A atribuição de legitimidade ativa não implica, automa­ticamente, legitimidade passiva dessas entidades para

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figurarem, como rés, em ações coletivas. salvo hipóteses excepcionais.

- Todos os projetos de Códigos de Processo Civil Coletivo regulam hipóteses de ações coletivas passivas, conferindo legitimidade a associações para representação da coletivi­dade, como rés. Nas hipóteses de direitos individuais homo­gêneos, contudo, não há consenso.

- Pelo panorama legislativo atual, a disciplina da coisa julgada nas ações coletivas é incompatível com o pedido de decla­ração incidental formulado pelo réu, em face do sindicato­-autor. A pretensão a que se declare a extensão dos efeitos de cláusula contratual, com eficácia de coisa julgada, implica­ria, por via transversa, burlar a norma do art. 103, Ili, do CDC.

Recurso improvido".

3.11. AÇÕES PSEUDOCOLETIVAS

A doutrina tem apontado a existência de ações que são ajuiza­das com o rótulo de ações coletivas mas que, na verdade, não são coletivas. São pseudocoletivas, ou seja, falsamente coletivas.

Trata-se da ação que é proposta pelo ente legitimado em lei (legitimado extraordinário), mas que formula pedido certo e especí­fico em prol de determinados indivíduos, que são substituídos pro­

cessualmente.

Há, na verdade, uma pluralidade de pretensões reunidas em uma mesma demanda. Configura-se, em realidade, uma hipótese de

litisconsórcio multitudinário que assim deveria ser tratada.

Os grandes problemas das ações pseudocoletivas são: o pos­sível cerceamento de defesa ao réu, bem como a possível limitação da garantia do contraditório.

Ocorre que o réu, no caso de reunião de inúmeras preten­sões individuais devidamente determinadas. terá dificuldade no momento da contestação, ou seja, poderá ser cerceado ou limitado

o seu direito de defesa.

Exemplo comum é o de ação proposta por um ente associativo, deduzindo pretensão em prol de seus associados.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

No julgamento do REsp i2166oo, pela 2• Turma do STJ, o Ministro

HERMAN BENJAMIN fez menção ao acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 2• Região, que apreciou ação na qual se plei­teava a possível condenação da Caixa Econômica Federal ao paga­mento da correção monetária residual relativa aos saldos das contas vinculadas de FGTS que foram levantados em razão de determinação judicial.

No caso, o entendimento foi o seguinte: "Não se reconhece legitimidade ativa extraordinária da Associação-Apelada para figurar no polo ativo da demanda. Nas ações pseudocoletivas, conquanto tenha sido proposta a ação por um único legitimado extraordinário,

na verdade, estão sendo pleiteados, específica e concretamente, os direitos individuais de inúmeros substituídos, caracterizando-se uma pluralidade de pretensões que é equiparável à do litisconsórcio multitudinário, devendo sua admissibilidade, portanto, submeter-se, em princípio, às mesmas condições, ou seja, somente poderiam ser consideradas admissíveis quando não prejudicassem o pleno desen­volvimento do contraditório ou o próprio exercício da função juris­dicional".

Como se vê, nas ações pseudocoletivas o grande problema é o prejuízo que a demanda pode trazer ao contraditório e ao direito de defesa.

Por isso, a constatação desse prejuízo deve levar à Inadmissi­bilidade da ação.

3.12. AÇÕES PSEUDOINDIVIDUAIS

Além das ações pseudocoletivas, outro fenômeno vem cha­mando a atenção da doutrina e da jurisprudência: o das ações pseu­doindividuais. A hipótese é inversa. Aqui, as ações são ajuizadas com o rótulo de ações individuais, porém, pleiteiam um benefício que se estenderá a um número indeterminável de indivíduos.

Ou seja, a ação individual contém pedido que tem alcance cole­tivo, por haver sido deduzida pretensão que, em última análise, não é individual, mas sim relacionada a bem jurídico difuso ou coletivo.

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Há fatos que podem propiciar pretensões relacionadas às mais variadas dimensões. Um mesmo fato pode violar direito individual, mas também pode afetar direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Nestes casos, é importante estar atento ao objeto litigioso. Deve-se analisar, com cuidado, os elementos objetivos da demanda, ou seja, os fatos, os fundamentos jurídicos do pedido e o próprio pedido, a fim de se verificar se o que é pleiteado poderá ou não atingir as esferas jurídicas do indivíduo e da coletividade.

Tal ocorre, por exemplo, quando um único indivíduo apresenta demanda, em juízo, pleiteando providência que poderá beneficiar toda a coletividade. Por exemplo, um único indivíduo bem a juízo para pleitear a despoluição de um corpo d'água, ou, para pedir obras que propiciar saneamento básico.

Outra hipótese de ação pseudoindividual é a que envolve con­flito que, em função da indivisibilidade do objeto, está relacionado a inúmeros outros indivíduos. Fala-se na existência de uma relação jurídica plurilateral. O deslinde da controvérsia, no caso, será uni­forme em relação a todas as pessoas que integram um determinado grupo. A demanda, contudo, é apresentada em juízo por uma única pessoa, a título de ação individual.

É o caso, por exemplo, de uma pessoa que vem a juízo pleitear a invalidação de uma decisão proferida em assembleia.

O que for decidido, em demanda pseudoindividual, afetará diversas pessoas envolvidas na mesma situação tática.

Trata-se, pois, de uma falsa ação individual, ou seja, de uma ação pseudoindividual.

A solução é a inadmissibilidade da demanda, ou, então, a sua conversão em ação coletiva.

Afinal, há um severo risco de serem proferidas decisões confli­tantes com outras ações individuais ou até mesmo com outra ação coletiva.

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Há, assim, possibilidade de decisões conflitantes em relação aos mesmos fatos.

Seria o caso de se ajuizar uma única ação coletiva.

O Anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos, no art. 60, § 30, propôs a regulamentação da matéria, para dar ao Poder Judiciário a possibilidade, mesmo quede ofício, de determinar a sus­pensão de processos individuais.

O NCPC dispõe sobre a possibilidade de conversão da ação pseudoindividual em coletiva.

A conversão poderá ser determinada quando a ação individual contiver pedido que tenha alcance coletivo, ou seja, quando não se tratar de ação puramente individual, ou seja, quando for pseudoin­vidual. Tal ocorre, por exemplo, aa ação individual que questiona a tarifa de assinatura telefônica ou em que um indivíduo pede a ces­sação da poluição ocasionada por uma empresa.

Também poderá ser determinada em outra hipótese de ação pseudoindvidual, qual seja, a ação ajuizada na forma individual que tenha por objetivo a solução de conflito de interesse relativo a uma mesma relação jurídica plurilateral, como é o caso da ação de anula­ção de deliberação assemblear de uma sociedade anônima.

Como não seria lícito proibir o acesso ao Poder Judiciário, a conversão é medida adequada.

Para a conversão, porém, são necessários dois requisitos: rele­vância social e dificuldade de formação do litisconsórcio.

Em julgamento monocrático (AREsp 184031 - RJ), o Ministro do STJ, HUMBERTO MARTINS, noticiou a inadmissibilidade de demanda ajuizada em face de Companhia Estadual de Águas e Esgotos, em que o autor pleiteava a sua condenação em obrigação de fazer, con­sistente em realizar obras de saneamento básico e esgoto sanitário. Reconheceu-se, no caso, a ilegitimidade ativa, por se tratar de ação pseudoindivdiual.

Ao final deste longo tópico, é oportuna a elaboração de um quadro sinótico:

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i) as ações coletivas não podem ser propostas por qualquer pessoa, mas apenas por aqueles entes legitimados em lei, escolhidos como represen­tantes adequados para agir em juízo;

ii) o controle da representatividade adequada, portanto, é predominan­temente estabelecido pela lei. Todavia, cresce a parcela da doutrina que defende uma ampliação dos poderes do juiz;

iii) o autor das ações coletivas não é titular do direito material, de tal forma que atua com legitimidade extraordinária, na condição de substi­tuto processual;

iv) há quem defenda uma terminologia específica, no caso da tutela de direitos difusos e coletivos. sob o argumento de que não ocorreria, propriamente, uma substituição processual clássica. Fala-se, então, que o legitimado ativo é um #legitimado autônomo para a condução do pro­cesso";

v) a legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública é concorrente (há mais de um legitimado, assim, não é exclusiva) e disjuntiva. pois cada um dos colegitimados pode, sozinho, ajuizar a ação;

vi) o Ministério Público exerce múltiplas funções nas ações civis públi­cas e no processo coletivo em geral. Tem legitimidade ativa originária, bem como para assumir a titularidade ativa no caso de demanda pro­posta por outro colegitimado e abandonada sem justa causa. Além disso, quando não é autor da ação, deve atuar, obrigatoriamente, como órgão interveniente;

vii) o MP tem legitimidade para a defesa de direitos individuais indis­poníveis; o MP poderá ter legitimidade para a defesa de direitos indivi­duais disponíveis;

viii) importante anotar, quanto à legitimidade do MP: ela tem funda­mento constitucional e infraconstitucional (art. 129, IX, da CF, e.e. o art. 82, 1, do CDC); está relacionada à eliminação de obstáculos ao acesso à justiça; é imprescindível para coibir práticas abusivas e punir infratores; promove o estrito cumprimento da lei em situações que podem atingir o consumidor, o idoso, a criança, o adolescente. p. ex.; a legitimidade do MP não está subordinada à natureza do direito discutido em juízo; a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos evita a multiplicação e demandas individuais;

ix) o Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública visando à defesa de direitos individuais homogêneos, ainda que dispo­níveis e divisíveis, quando na presença de relevância social objetiva do bem jurídico tutelado;

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

x) o interesse de agir do Ministério Público é presumido pela própria norma que lhe impõe a atribuição;

xi) a Defensoria Pública está legitimada à tutela dos direitos transindi· viduais, por força do atual inciso li do art. 5• da Lei n. 7.347/85 (incluído pela Lei n. 11/448/07);

xii) a Defensoria Pública deve defender, em todos os graus, judicial e extrajudicialmente, os direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados. assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5° da Constituição Federal;

xiii) a legitimidade para ajuizar ações civis públicas (e coletivas em geral) também é reconhecida, pelo legislador, às pessoas jurídicas de direito público, ou seja, à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Fede· ral;

xiv) também são legitimados concorrentemente as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem persona· lidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos transindividuais;

xv) a legitimidade para a propositura de ações coletivas não fica restrita ao setor público, pois o legislador contemplou o chamado terceiro setor, integrado por associações, ou seja, entidades cuja atuação não se dá em busca de lucro. mas da realização de objetivos sociais;

xvi) a legitimidade das associações é para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos e depende do preenchimento de dois requisitos: a) que a entidade esteja constituída há pelo menos um ano; b) que ela inclua entre suas finalidades institucionais a defesa do direito que se pretende tutelar (pertinência temática);

xvii) no que se refere à exigência de prévia constituição ânua, o legis­lador deu ao juiz o poder de, eventualmente, dispensar mencionada exigência à luz do caso concreto. É o requisito da pré-constituição que pode ser dispensado pelo juiz. Não o requisito da pertinência temática;

xviii) a entidade associativa tem legitimidade para ajuizar ação cole­tiva independentemente de autorização especial ou da apresentação de relação nominal de associados;

xix) embora o requisito da pertinência temática seja expresso em rela­ção aos entes associativos, ele é verificado pelo juiz, de forma geral, nas ações coletivas. Afinal, não deixa de ser analisada a legitimidade do Ministério Público, da Defensoria Pública e de outros legitimados, em função da missão constitucional dos mencionados órgãos públicos;

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xx) os sindicatos não deixam de ser entidades associativas e, como tal, têm legitimidade para o ajuizamento de ações coletivas;

xxi) no caso de ação popular, continua prevalecendo o entendimento segundo o qual a Constituição Federal de i988 afirma a legitimidade ativa de qualquer cidadão para a propositura da ação popular, isto é, daquele que é detentor de direitos políticos, e não de qualquer pessoa;

xxii) nos termos da Súmula n. 365 do STF. pessoa jurídica não tem legitimi­dade para propor ação popular;

xxiii) a legitimidade para o ajuizamento de ação de improbidade admi­nistrativa, segundo o entendimento predominante, é restrita ao Ministé­rio Público e à pessoa jurídica de direito público interessada;

xxiv) no Brasil não há regulamentação legal da ação coletiva passiva, que seria a ação movida contra uma determinada classe ou categoria de pessoas, com o fim de obter decisão que possa produzir efeitos em face de todo o grupo;

xxv) a doutrina tem apontado a existência de ações que são ajuizadas com o rótulo de ações coletivas mas que, na verdade, não são coletivas. São pseudocoletivas, ou seja, falsamente coletivas. Trata-se da ação que é proposta pelo ente legitimado em lei (legitimado extraordinário), mas que formula pedido certo e específico em prol de determinados indiví­duos, que são substituídos processualmente;

xxvi) além das ações pseudocoletivas, outro fenômeno vem chamando a atenção da doutrina e da jurisprudência: o das ações pseudoindivi­duais. A hipótese é inversa. Aqui, as ações são ajuizadas com o rótulo de ações individuais, porém, pleiteiam um benefício que se estenderá a um número indeterminável de indivíduos.

4. LITISCONSÓRCIO, ASSISTfNCIA E INTERVENÇÃO DE TERCEIROS

A Lei n. 7.347/85 nos leva à conclusão no sentido de que o litis­

consórcio, entre os colegitimados, é possível e é facultativo.

Também prevê o mencionado diploma normativo o chamado

litisconsórcio especial entre Ministérios Públicos, como reconheceu,

recentemente, a Primeira Turma do STJ (REsp i444484 / RN):

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"O litisconsórcio ativo facultativo entre os ramos do MPU e os MPs dos Estados, em tese, é possível, sempre que as circunstâncias do caso recomendem, para a propositura de

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

ações civis públicas que visem à responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio-ambiente, ao consu­midor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e paisagístico, à ordem econômica e urbanística, bem como a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, inclusive de natureza trabalhista".

Em sede de ação coletiva que tutela direitos difusos e coletivos no sentido estrito não se admite, segundo orientação majoritária, a intervenção, o ingresso de qualquer pessoa, mas somente de algum colegitimado.

No caso de ação coletiva que tutela direitos individuais homo­gêneos, porém, o ingresso está autorizado pelo art. 94 do coe.

Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 94, estabelece que, proposta a ação, será publicado edital no órgão ofi­cial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor.

De outro lado, por força do art. 5°, § 2°, da LACP, fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes.

Não deixe passar despercebido: o Poder Público e as associa­ções legitimadas podem habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes. Ou seja, no polo ativo ou passivo da ação civil pública.

Não tem sido admitido o chamamento ao processo da União, em ações que versam sobre o fornecimento de medicamentos:

"O chamamento ao processo, previsto no art. 77, Ili, do CPC, é típico de obrigações solidárias de pagar quantia. Trata-se de excepcional formação de litisconsórcio passivo facultativo promovida pelo demandado, que não comporta interpreta­ção extensiva para alcançar prestação de entrega de coisa certa, cuja satisfação efetiva inadmite divisão. Preceden­tes: (AgRg no REsp i.009.622/SC, Rei. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3.8.2010, DJe 14.9.2010), (REsp i.125.537/SC, Rei. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 16.3.2010, DJe 24.po10).

Portanto, qualquer que seja o resultado que o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça venham

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concluir a respeito da solidariedade passiva, ou não, dos Entes Federados na obrigação de fornecer medicamentos, desde já, é possível definir que não caberá o chamamento ao processo, pois este instituto só é possível nas obrigações solidárias de pagar quantia certa, e não nas obrigações de fazer'' (AgRg no REsp 1.249.125/SC, Rei. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 21.6.2011.)".

Outrossim, é importante destacar que não deve ser admitida a denunciação da lide ou o chamamento ao processo em ações cole­tivas ambientais, tendo em vista a natureza objetiva da responsa­bilidade do infrator e as exigências de celeridade e de efetividade.

Assim decidiu a Primeira Turma do STJ (REsp 397840 / SP):

"É incabível a denunciação da lide se o alegado direito de regresso não decorre de lei ou contrato, mas depende ainda de apuração segundo as regras genéricas da responsabili­dade civil. Assim sendo, não viola o art. 70, Ili, do Código de Processo Civil o acórdão que indefere pedido de denuncia­ção da Fazenda local sob o fundamento de que os deveres impostos ao Estado pela Constituição Federal e pela Consti­tuição Estadual não implicam o reconhecimento automático do direito de regresso".

Paradigmática decisão foi proferida pela Primeira Turma do STJ (REsp 232187 / SP):

"A Ação Civil Pública deve discutir, unicamente, a relação jurídica referente à proteção do meio ambiente e das suas consequências pela violação a ele praticada.

Incabível, por essa afirmação, a denunciação da lide.

Direito de regresso, se decorrente do fenômeno de violação ao meio ambiente, deve ser discutido em ação própria".

Também é relevante anotar a vedação à denunciação da lide quando se discute responsabilidade do comerciante por fato do pro­duto, que atentaria contra o princípio da facilitação da defesa dos direitos do consumidor.

Em todos esses casos de vedação da denunciação da lide, o que se constata é que o eventual ingresso pode ampliar o objeto da demanda, introduzir fato novo e retardar a reparação do dano.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

o direito de regresso, além de exigir dilação probatória especí­fica, não beneficiaria o meio ambiente e nem o consumidor.

Daí a razão de ser do art. 88 do coe, que impede evita a instau­ração de lide paralela. Frise-se o eventual direito de regresso deve ser buscado em demanda autônoma.

E como decidiu a Terceira Turma do STJ (REsp 2286577 / SP), "a vedação à denunciação da lide prevista no art. 88 do coe não se restringe à responsabilidade de comerciante por fato do produto (art. 23 do coe), sendo aplicável também nas demais hipóteses de responsabilidade civil por acidentes de consumo (arts. 22 e 24 do coe). Precedentes".

Em casos onde a vedação não é explícita, como, por exem­plo, quando se discute a responsabilidade do prestador de serviços, cabe ao juiz vedá-la diante do risco de ampliação objetiva e/ou sub­jetiva do processo, tumulto processual, retardamento da prestação jurisdicional.

Portanto, em se tratando de relação de consumo, o melhor entendimento, que tem, aliás, prevalecido na prática, é no sentido de que a vedação à denunciação da lide prevista não é exaustiva.

Por exemplo, a necessidade de uma prova técnica específica, que, em tese, não excluiria a responsabilidade pelo fato do produto, já é fundamento suficiente para ser obstada a intervenção de ter­ceiro.

A apuração de uma responsabilidade secundária ou concorrente é incompatível com o princípio da facilitação da defesa dos direitos e interesses transindividuais.

De outro lado, o ingresso de terceiro é de ser admitido quando puder beneficiar o vulnerável.

Tal ocorre, por exemplo, quando se trata de chamamento ao processo de seguradora pelo fornecedor.

De qualquer forma, é importante consignar que o art. 88 do coe, além de facilitar a defesa do consumidor e garantir um julga­mento mais célere ao consumidor, também consagra um direito em

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prol do comerciante, qual seja, de ajuizar ação de regresso contra o corresponsável.

Dúvida pode surgir quando as partes discutem se, no caso con­creto, está ou não configurada uma relação de consumo.

Nesses casos, a melhor orientação é no sentido de que cabe ao juiz, para admitir ou não eventual denunciação da lide, fazer uma análise em status ossertionis, conforme muito bem decidiu a Terceira Turma do STJ (REsp 972766 / SP):

"Nas hipóteses em que o réu impugna a possibilidade de a matéria sub judice ser regulada pelos dispositivos do coe, a decisão acerca de se admitir a denunciação da lide torna-se capciosa: caso, no final da ação, se conclua que a relação jurídica não era de consumo, o eventual indeferimento da denunciação da lide terá provocado injusto prejuízo, em ter­mos de tempo, ao réu. Por outro lado, caso, ao final, a sen­tença conclua que há relação de consumo, o eventual deferi­mento da litisdenunciação terá infringido a regra expressa do art. 88 do CDC, causando, com isso, prejuízo ao consumidor.

A solução do impasse está em analisar a admissibilidade da litisdenunciação, sempre, em 'status assertionis', ou seja: caso, na inicial, se afirme, com argumentos plausíveis, que a controvérsia é regulada pelo coe. o respectivo art. 88 tem aplicação imediata e a denunciação da lide não deve ser admitida, independentemente da possibilidade de, na sentença, concluir-se o contrário. Ressalva deve ser feita às hipóteses em que, 'prima facie', seja possível concluir de plano, meramente pela análise da inicial, da contestação e dos respectivos documentos, pela inexistência de relação de consumo. Nesses casos, a denunciação da lide deve ser admitida".

A Terceira Turma do STJ (REsp 1052244 / MG) apontou outro fun­damento para que não seja admitida a intervenção de terceiro que possa comprometer a celeridade processual. O fato de se tratar de demanda proposta por idoso, a quem deve ser assegurada a priori­dade na tramitação do processo, bem como a razoável duração do processo.

É possível o seguinte resumo:

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i) é admitido o litisconsórcio, entre os colegitimados, para a propositura de ação civil pública;

ii) admite-se, inclusive, o litisconsórcio especial entre Ministérios Públi­cos;

iii) no caso de ação coletiva que tutela direitos difusos e coletivos no sentido estrito não se admite, segundo orientação majoritãria, a inter­venção, o ingresso de qualquer pessoa, mas somente de algum colegi­timado;

iv) no caso de ação coletiva que tutela direitos individuais homogêneos, porém, o ingresso estã autorizado pelo art. 94 do CDC;

v) o Poder Público e as associações legitimadas podem habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes. Ou seja, no polo ativo ou passivo da ação civil pública;

vi) não deve ser admitida a denunciação da lide ou o chamamento ao processo em ações coletivas ambientais, tendo em vista a natureza obje­tiva da responsabilidade do infrator e as exigências de celeridade e de efetividade;

vii) a ação civil pública deve discutir, unicamente, a relação jurídica refe­rente à proteção do direito transindividual e das suas consequências pela violação a ele praticada;

viii) o critério, a ser aplicado nas ações coletivas em geral, é no sentido de se evitar eventual ingresso que possa ampliar o objeto da demanda, introduzir fato novo e retardar a reparação do dano;

ix) A apuração de uma responsabilidade secundário ou concorrente é incompatível com o princípio da facilitação da defesa dos direitos e inte­resses transindividuais;

x) o ingresso de terceiro é de ser admitido quando puder beneficiar o vulnerãvel. Tal ocorre, por exemplo, quando se trata de chamamento ao processo de seguradora pelo fornecedor;

xi) a melhor orientação é no sentido de que cabe ao juiz, para admitir ou não eventual denunciação da lide, fazer uma análise em status asser­tionis;

xii) no caso de ação coletiva que tutela direitos individuais homogêneos é permitido o ingresso de interessados. Para o coe (art. 94), na condição de litisconsorte;

xiii) deve ser ser publicado edital no órgão oficial, a fim de que os inte­ressados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor.

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5. COMPE1ÍNCIA

A ação civil pública pode tramitar na Justiça Comum (Federal ou Estadual) ou na Justiça Especializada (Eleitoral ou Trabalhista).

No âmbito da Justiça do Trabalho, a ação civil pública é cabível quando houver lesão ou ameaça de lesão a direito transindividual

decorrente de relação de trabalho, que seja ao menos subjacente à causa de pedir.

Por exemplo, a 2• Turma do TST, ao julgar Recurso de Revista

(PROCESSO N° TST-RR-586900-43.2009.5.09.o678), bem apontou o cabi­mento de ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho:

"A ação civil pública tem cabimento na esfera trabalhista quando se verificar lesão ou ameaça a direito difuso, coletivo ou individual homogêneo decorrente da relação de trabalho, possibilitando, tanto da tutela reparatória, contra a remoção do ilícito já efetivado; quanto da inibitória, de modo a evitar a consumação do ilícito, caso em que prescinde do dano".

Em outro julgado do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, a

sua 8• Turma (PROCESSO N° TST-AIRR-1057-40.2012.5.09.o654), apontou o não cabimento da ação civil pública:

"A competência desta Justiça do Trabalho pressupõe, no plano da Ação Civil Pública, a tutela de uma relação de tra­balho transcendente à esfera jurídica do trabalhador indivi­dualmente considerado, mas ao menos concretizável, caso ainda não existente. A relação de trabalho entre o obrigado e o titular do direito individual deve sempre existir, ou ao menos ser subjacente à causa de pedir, o que não se extrai da petição inicial".

Portanto, se inexistir pretensão de natureza trabalhista, a ação civil pública será julgada pela Justiça Comum, ainda que seja defen­dido o meio ambiente laboral. A essência é a presença de relação de caráter trabalhista subjacente à causa de pedir.

No que se refere à Justiça Eleitoral, o cabimento da ação civil pública está relacionado ao processo eleitoral, ou seja, questões referentes à inscrição dos eleitores, ao registro dos candidatos, à eleição, à apuração e à diplomação.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Por isso que o STJ, pela sua Primeira Seção (CC 113433 / AL), afir­mou a incompetência da Justiça Eleitoral para julgar ação civil pública dano ambiental decorrente propaganda política:

mAs atividades reservadas à Justiça Eleitoral aprisionam-se ao processo eleitoral, principiando com a inscrição dos elei­tores, seguindo-se o registro dos candidatos, eleição, apura­ção e diplomação, ato que esgota a competência especiali­zada (art. 14, parágrafo 10, CF)' (CC 10.903/RJ).

ln casu, sobressai a incompetência da justiça eleitoral, uma vez que não está em discussão na referida ação civil pública direitos políticos, inelegibilidade, sufrágio, partidos políticos, nem infração às normas eleitorais e respectivas regulamen­tações, isto é, toda matéria concernente ao próprio processo eleitoral.

A pretensão ministerial na ação civil pública, voltada à tutela ao meio ambiente, direito transindividual de natureza difusa, consiste em obrigação de fazer e não fazer e, apesar de dirigida a partidos políticos, demanda uma observância de conduta que extravasa período eleitoral, apesar da maior incidência nesta época, bem como não constitui aspecto ine­rente ao processo eleitoral.

A ação civil pública ajuizada imputa conduta tipificada no art. 65 da Lei 9.605/98 em face do dano impingido ao meio ambiente, no caso especificamente, artificial, formado pelas edificações, equipamentos urbanos públicos e comunitários e todos os assentamentos de reflexos urbanísticos, conforme escólio do Professor José Afonso da Silva. Não visa delimitar condutas regradas pelo direito eleitoral; visa tão somente a tutela a meio ambiente almejando assegurar a função social da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, nos termos do art. 182 da Constituição Federal".

Quando a ação civil pública não for de competência da justiça especializada, será da Justiça Comum, federal ou estadual.

A competência da Justiça Federal comum é expressa e taxativa­mente definida na Constituição Federal, em seu art. 109.

A competência da Justiça Estadual, por sua vez, é residual, ou seja, ocorrerá quando não houver norma prevendo a competência da justiça especializada ou da Justiça Federal.

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MARCOS DESTEFENNI

A competência da Justiça Federal se dá, principalmente, em razão da pessoa (ratione personae). Trata-se, portanto, de compe­tência absoluta, inclusive pelo fato de ser determinada em norma constitucional.

Como advertiu a Quarta Turma do STJ (REsp 1283737 / DF), "a ação civil pública, como as demais, submete-se, quanto à compe­tência, à regra estabelecida no art. 109, 1, da Constituição, segundo a qual cabe aos juízes federais processar e julgar 'as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Jus­tiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho"'.

Nesse mesmo julgado ficou consignado o atual entendimento dos tribunal, no sentido de que, "figurando como autor da ação o Ministério Público Federal, que é órgão da União, a competência para a causa é da Justiça Federal".

Assim, se a ação civil pública for ajuizada contra a União, por exemplo, a competência é da Justiça Federal.

Mas é advertir que a competência da Justiça Federal não se restringe a esse critério.

É da competência federal, também, apreciar causas em razão da matéria (fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional - CF, art. 109, Ili) e as que envolvam disputa sobre direitos indígenas (CF, art. 109, XI).

Por exemplo, decidiu a Primeira Seção do STJ (CC 16863 / SP) que causa fundada em convenção internacional é de competência da Justiça Federal:

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"CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VAZAMENTO DE ÓLEO DE 'BANKER'. DANO AMBIENTAL. INTERESSE DA UNIÃO. CONVENÇÃO INTERNACIONAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. COMPETE À JUSTIÇA FEDERAL PROCESSAR E JULGAR A AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA COM A FINALIDADE DE REPARAR OS DANOS AO MEIO AMBIENTE OCASIONADOS PELO VAZAMENTO DE ÓLEO NO MAR TERRITORIAL, BEM DE PROPRIEDADE DA UNIÃO. CONSOLIDA­-SE AINDA A COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL POR TRATAR-SE DE CAUSA FUNDADA EM CONVENÇÃO INTERNACIONAL. CONHECIDO O

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

CONFLITO, PARA DECLARAR COMPETENTE O JUIZO FEDERAL, PRI­MEIRO SUSCITADOn.

No que diz respeito à disputa sobre direitos indígenas, a Pri-meira Seção do STJ (CC 62480 / PR) assentou:

"CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA - AÇÕES CONEXAS QUE DIS­CUTEM A DESOCUPAÇÃO DE PRÉDIO PÚBLICO POR TRIBO INDÍGENA - DIREITOS INDÍGENAS - AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA CONTRA A FUNAI - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL".

No que diz respeito à competência federal para as ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público Federal, é bastante eluci­dativa a decisão da Primeira Turma do STJ (REsp 440002 /SE), relatada pelo Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI:

"A ação civil pública, como as demais, submete-se, quanto à competência, à regra estabelecida no art. io9, 1, da Cons­tituição, segundo a qual cabe aos juízes federais processar e julgar "as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho". Assim, figurando como autor da ação o Ministério Público Federal, que é órgão da União, a compe­tência para a causa é da Justiça Federal.

Não se confunde competência com legitimidade das partes. A questão competencial é logicamente antecedente e, even­tualmente, prejudicial à da legitimidade. Fixada a competên­cia, cumpre ao juiz apreciar a legitimação ativa do Ministério Público Federal para promover a demanda, consideradas as suas características, as suas finalidades e os bens jurídicos envolvidos.

À luz do sistema e dos princípios constitucionais, nomea­damente o princípio federativo, é atribuição do Ministério Público da União promover as ações civis públicas de inte­resse federal e ao Ministério Público Estadual as demais. Considera-se que há interesse federal nas ações civis públi­cas que (a) envolvam matéria de competência da Justiça Especializada da União (Justiça do Trabalho e Eleitoral); (b) devam ser legitimamente promovidas perante os órgãos Judiciários da União (Tribunais Superiores) e da justiça Fede­ral (Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais); (c) sejam

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MARCOS DESTEFENNI

da competência federal em razão da matéria - as fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional (CF, art. 109, Ili) e as que envolvam disputa sobre direitos indígenas (CF, art. 109, XI); (d) sejam da competência federal em razão da pessoa - as que devam ser propostas contra a União, suas entidades autárquicas e empresas públicas federais, ou em que uma dessas entida­des figure entre os substituídos processuais no polo ativo (CF, art. 109, I); e (e) as demais causas que envolvam interesses federais em razão da natureza dos bens e dos valores jurídi­cos que se visa tutelar.

No caso dos autos, a causa é da competência da Justiça Federal, porque nela figura como autor o Ministério Público Federal, órgão da União, que está legitimado a promovê-la, porque visa a tutelar bens e interesses nitidamente federais, e não estaduais, a saber: o meio ambiente em área de man­guezal, situada em terrenos de marinha e seus acrescidos, que são bens da União (CF, art. 20, VII), sujeitos ao poder de polícia de autarquia federal, o IBAMA (Leis 6.938/81, art. 18, e 7.735/89, art. 4º )".

Vamos transcrever, novamente, e com destaques, o trecho do citado julgado, que especifica a atribuição dos Ministérios Públicos Federal e Estadual, pela relevância da questão:

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"À luz do sistema e dos princípios constitucionais, nomea­damente o princípio federativo, é atribuição do Ministério Público da União promover as ações civis públicas de inte­resse federal e ao Ministério Público Estadual as demais.

Considera-se que há interesse federal nas ações civis públicas que:

(a) envolvam matéria de competência da justiça Especiali­zada da União (Justiça do Trabalho e Eleitoral);

(b) devam ser legitimamente promovidas perante os órgãos Judiciários da União (Tribunais Superiores) e da Justiça Fede­ral (Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais);

(c) sejam da competência federal em razão da matéria -as fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional (CF, art. 109, 111) e as que envolvam disputa sobre direitos indígenas (CF, art. 109, XI);

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

(d) sejam da competência federal em razão da pessoa -as que devam ser propostas contra a União, suas entidades autárquicas e empresas públicas federais, ou em que uma dessas entidades figure entre os substituídos processuais no polo ativo (CF, art. 109, I); e

(e) as demais causas que envolvam interesses federais em razão da natureza dos bens e dos valores jurídicos que se visa tutelar".

Como se vê, uma ação civil pública pode tramitar tanto na Jus­

tiça Comum (Federal ou Estadual), quanto na Justiça Especializada (Eleitoral ou Trabalhista).

Analisada a questão da justiça competente, também é impor­

tante a definição da competência territorial, ou seja, do foro compe­

tente para o processamento da ação civil pública.

E é importante destacar que, no microssistema da tutela cole­tiva, existe regra diferenciada para a determinação do foro com­petente.

Enquanto no processo civil individual as ações devem ser pro­postas, em regra, no foro do domicílio do réu (art. 94 do CPC), as

ações civis públicas devem ser propostas no foro do local do dano.

Ocorre que a Lei n. 7.347/85, em seu art. 2°, estabelece que as ações previstas nesta lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

• Aplicação em concurso público:

A peculiaridade é muito explorada em concursos públicos. Por exemplo, veja a seguinte questão (Técnico do MP - MPE-MG - FURMAC - 2007): "Assi­nale a alternativa INCORRETA, relativamente à Lei da Ação Civil Pública:

a) A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

b) A ação principal e a cautelar poderão ser propostas, entre outros, por associação que esteja constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil.

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MARCOS DESTEFENNI

c) As ações previstas nesta lei serão propostas no foro do local de domicílio do infrator, cujo juízo terá competência funcional para pro­cessar e julgar a causa.

d) A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto".

Evidente que a alternativa "e" está errada, e deverá ser assinalada, por­

tanto, pois a ação deve ser proposta no foro do local do dano, conforme dispõe o art. 2° da Lei n. 7-347/85 e o art. 93, 1, do CDC.

Fique atento à especificidade do art. 209 do Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o qual, "as ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para proces­sar a causa".

• Aplicação em concurso público:

A questão foi cobrada no concurso do Ministério Público (Promotor de Justiça/GO - 2013): "De conformidade com a Lei 8.o69/90, ressalvada a competência da Justiça Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores, a competência para o julgamento das ações civis públicas que dizem respeito à proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos será:

a) do local do dano.

b) do local da ação ou omissão.

c) fixada apenas por prevenção.

d) de qualquer Comarca".

Conforme o ECA, a competência é do local da ação ou da omissão (alter­nativa "b").

É inegável que a competência do foro do local do dano, para o ajuizamento de ação civil pública, é absoluta.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Há divergência, porém, quanto ao fundamento da mencionada competência. Para vários autores, trata-se de competência absoluta, por se tratar de critério funcional. Para vários outros, a competência é absoluta por se tratar de vontade do legislador de criar uma com­petência territorial absoluta.

Acreditamos que a hipótese é de competência territorial abso­luta, por vontade e determinação do legislador, respaldada em inte­resse público.

Antiga Súmula do STJ (183), já revogada, suscitou polêmica sobre a competência para o julgamento de ação civil pública de interesse da União, por força de dano ocorrido em município que não é sede da Justiça Federal.

o entendimento atual é no sentido de que a competência, havendo interesse da União, é da Justiça Federal, mais especifica­mente, do juízo da seção judiciária atingida pelo dano.

Se a lesão (ou ameaça) se der em mais de um foro (comarca ou seção judiciária), haverá competência concorrente. Ou seja, a ação poderá ser proposta em mais de um foro.

Aplica-se, no caso, o critério da prevenção, que também tem regra específica no âmbito das ações coletivas.

Com efeito, a prevenção, no caso de ações coletivas, é do juízo perante o qual foi proposta a primeira ação coletiva. Não se dá a prevenção pelo despacho da inicial ou pela citação, como ocorre no processo civil individual.

Se a ação não for reparatória, isto é, se for preventiva, a ação civil pública deverá ser proposta o foro do local onde possa ocorrer o dano.

Outra inovação do microssistema coletiva é a determinação da competência territorial em função da extensão do dano.

Com efeito, a legislação, mais especificamente o art. 93 do Código de Defesa do Consumidor, aplicável às ações civis públicas, distingue a competência em função de se tratar de dano de âmbito local, regional ou nacional.

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Assim estabelece Para o art. 93 do CDC:

ªArt. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é com· petente para a causa a justiça local:

1 · no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;

li · no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de compe­tência concorrente" - destaque nosso.

Se o dano regional atinge comarcas de um mesmo Estado, a ação deve ser proposta no foro da Capital.

Assim decidiu a Terceira Turma do STJ (REsp 1101057 / MT):

ªNa espécie, o dano que atinge um vasto grupo de consu­midores, espalhados na grande maioria dos municípios do estado do Mato Grosso, atrai ao foro da capital do Estado a competência para julgar a presente demanda".

Com respaldo no art. 93 do CDC, pode-se dizer que a ação civil pública referente a dano de âmbito nacional ou regional, que atinge mais de um Estado, pode ser proposta no foro da Capital do Estado (ou de um dos Estados atingidos) ou no foro do Distrito Federal.

Mais uma vez estamos diante de competência concorrente. Ou seja, a ação poderá ser ajuizada no toro da Capital do Estado ou, então, no Distrito Federal.

O atual entendimento do STJ é no sentido de que, na hipótese de competência concorrente entre o foro da capital do Estado e o foro do Distrito Federal, "não há exclusividade do foro do Distrito Federal para o julgamento de ação civil pública de âmbito nacio­nal. Isto porque o referido artigo ao se referir à Capital do Estado e ao Distrito Federal invoca competências territoriais concorrentes, devendo ser analisada a questão estando a Capital do Estado e o Distrito Federal em planos iguais, sem conotação específica para o Distrito Federal" (CC i7533/DF, Rei. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/09/2000, DJ 30/10/2000, p. no) - destaque nosso.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

No mesmo sentido o seguinte pronunciamento da Segunda Turma do STJ (REsp 218492 / ES):

"Tratando-se de ação civil pública proposta com o objetivo de ver reparado possível prejuízo de âmbito nacional, a com­petência para o julgamento da lide deve observar o disposto no art. 93, li do Código de Defesa do Consumidor, que possibi­lita o ingresso no juízo estadual da Capital ou no Juízo Federal do Distrito Federal, competências territoriais concorrentes, colocadas em planos iguais".

Aliás, decidiu do STJ que, no caso de tutela do consumidor, pode ser escolhido o foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal:

uAÇÃO CIVIL PÚBLICA. POUPANÇA. DANO NACIONAL. FORO COMPE­TENTE. ART. 93, INCISO li, DO CDC. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. CAPITAL DOS ESTADOS OU DISTRITO FEDERAL. ESCOLHA DO AUTOR.

i. Tratando-se de dano de âmbito nacional, que atinja con­sumidores de mais de uma região, a ação civil pública será de competência de uma das varas do Distrito Federal ou da Capital de um dos Estados, a escolha do autor.

2. Conflito de competência conhecido para declarar compe­tente o Juízo de Direito da 7• Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR" - destaque nosso.

Não existe conceito objetivo, em lei, acerca do que se deve

entender por "dano nacional" ou por "dano regional". Estamos diante de conceitos vagos e indeterminados, portanto.

A Segunda Turma do STJ (REsp 1018214 / PR) já decidiu que o dano que abrange áreas de dois Estados-membros terá caráter nacional:

"Tem-se aqui hipótese de ação civil pública ajuizada contra o decreto que criou o Parque Nacional de Ilha Grande - este abrangendo, como dito no acórdão da origem, nove municí­pios, divididos estes entre os Estados do Mato Grosso do Sul e do Paraná.

A partir dessa concisa descrição tática, fica fácil visualizar que a competência territorial para processar e julgar em primeira instância a presente ação é de uma das capitais dos referidos Estados ou do Distrito Federal, pois as questão

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resultantes da criação de parque nacional (criado pela União, na forma do art. 11, § 4•, da Lei n. 9.985/00, a contrario sensu) que abrange áreas de dois Estados-membros terá caráter nacional, na esteira do que dispõem os arts. 2° da Lei n.

7.347/85 e 93, inc. li, do CDC".

Também é possível discutir se o art. 93, li, do coe, seria apli­cável a todas as ações coletivas, ou se seria restrito à tutela do consumidor.

A questão não é pacífica na doutrina. Porém, a Segunda Turma do STJ (REsp 448470 / RS) já decidiu que, Mainda que localizado no capítulo do CDC relativo à tutela dos interesses individuais homogê­neos, o art. 93, como regra de determinação de competência, aplica­-se de modo amplo a todas as ações coletivas para defesa de direi­tos difusos, coletivos, ou individuais homogêneos, tanto no campo das relações de consumo, como no vasto e multifacetário universo dos direitos e interesses de natureza supraindividual".

5.1. CONEXÃO E CONTINtNCIA

A competência pode ser modificada por motivos previstos em lei. Assim, uma ação que tramita perante um juízo competente poderá, nos casos expressamente determinados pelo legislador, ser encaminhada a outro juízo, para ser reunida com outra ação e ambas serem julgadas em conjunto.

Há, portanto, uma modificação da competência, uma alteração em face de alguns motivos importantes.

De forma geral, a competência relativa pode ser modificada pela conexão ou pela continência.

Há conexão quando constatada uma identidade parcial entre duas demandas, isto é, quando houver identidade entre os elemen­tos das duas demandas. No caso, identidade parcial, pois a identi­dade total dos elementos identificadores (partes, causa de pedir e pedido) configura a litispendência (ou o reconhecimento da coisa julgada, se uma delas já foi definitivamente julgada).

Existem diversas situações de conexão, ou seja, de maior ou menor identidade entre as ações.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

É importante para o direito processual a conexão relacionada aos elementos objetivos da demanda, ou seja, que envolve a causa de pedir e o pedido (fala-se em conexão objetiva). Afinal, a simples identidade entre as partes (conexão subjetiva) não é suficiente para qualquer alteração da competência, considerando que as ações podem ser completamente diversas (fatos diversos, fundamentos jurídicos diversos e pedidos distintos).

A modificação da competência pela identidade parcial das demandas (conexão ou continência) tem por objetivo evitar decisões contraditórias quanto a fatos idênticos, o que comprometeria a segu­rança jurídica e a própria justiça, pois fatos idênticos não podem receber tratamento diverso pelo Poder Judiciário.

A constatação da identidade parcial entre demandas pode se dar por alegação da parte ou mesmo de ofício pelo julgador, pois é de interesse público evitar decisões contraditórias, de tal forma que se trata de matéria que pode ser conhecida de ofício pelo juiz. Pode, também, ser alegada pelo Ministério Público, mesmo nas causas em que atua como órgão interveniente.

Como destacado pelo STJ (CC 39.590/RJ, Rei. Ministro Castro Meira, DJ 15.09.2003), "a potencialidade de decisões finais contradi­tórias, posto conexas as ações, viabilizando a repetição incalculável de ações com regramentos díspares para as mesmas situações jurí­dicas, recomendam a reunião das ações".

Constatada a conexão (ou a continência, que é espécie de conexão), as ações devem ser reunidas para julgamento conjunto. Em princípio, não há mera faculdade. Todavia, a jurisprudência tem ressaltado que deve ser avaliado o caso concreto, deixando ao juiz certa margem de discricionariedade para verificar o risco de contra­dição de acordo com a intensidade da conexão.

Além disso, nos termos da Súmula 235 do STJ, a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado.

É possível o reconhecimento da conexão entre diversas ações

coletivas (entre ação civil pública e ação popular, por exemplo), pois fatos idênticos podem levar ao ajuizamento de ações por diferentes legitimados.

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MARCOS DESTEFENNI

De fato, as questões tratadas em diversas ações coletivas podem ser conexas.

Por exemplo, conforme decidido pelo STJ no CC n. u6.6o1 - MG, "ajuizadas seis ações civis públicas e uma ação cautelar preparatória visando à tutela coletiva de interesse de amplitude nacional, em que se pretende a alteração da norma (edital) que rege a relação jurídica do grupo de participantes do Enem com a União e o lnep, autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação, impõe-se ordenar a reunião das ações conexas propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente pelo juízo federal prevento".

No CC n. 57558 / DF, o STJ reconheceu a necessidade de reunião de ações coletivas principais e cautelares e ação popular:

"Ações coletivas principais e cautelares e ação popular, cujo escopo último é de ação transindividual nas quais se discu­tem cláusulas contratuais e a possibilidade de prorrogação do contrato de concessão, todas emergentes do contrato­-base, consoante as regras da Anatei, aplicáveis a todos os concessionários.

Decisões conflitantes exaradas com grave violação à unifor­midade das decisões, bem como aos princípios constitucio­nais da isonomia e da segurança jurídica.

A potencialidade de decisões finais contraditórias, posto conexas as ações, viabilizando a repetição incalculável de ações com regramentos díspares para as mesmas situações jurídicas, recomendam a reunião das ações.

As decisões conflitantes proferidas são fatores suficientes a determinar a reunião das ações, porquanto os juízes, quando proferem decisões inconciliáveis, firmam as suas competên­cias, fazendo exsurgir a conexão e a necessidade de reunião num só juízo, caracterizando o conflito de competência do anigo 115, Ili, do CPC. (precedentes)."

No processo coletivo, portanto, não importa o fato de o autor de uma ação ser formalmente diverso do autor de outra ação conexa. Afinal, os beneficiários, no plano do direito material, podem ser os mesmos.

Por exemplo, poderemos ter coincidência parcial (conexão) entre uma ação civil movida pelo Ministério Público e uma ação popular movida por um cidadão.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A conexão, neste caso, determinará a reunião das ações para

julgamento conjunto. Ação diversas, movidas por autores diversos.

Mesmo assim, é possível a conexão.

Outra observação importante foi feita pela Primeira Seção do

STJ (CC 481o6 / DF, Rei. Min. FRANCISCO FALCÃO, Rei. p/ Acórdão Min.

TEORI ALBINO ZAVASCKI), no sentido de que o risco de decisões con­

traditórias deve ser avaliado em função de alguns aspectos. Princi­

palmente para saber quem serão os substituídos, possíveis benefi­

ciários da sentença coletiva. Assim restou consignado:

NA existência de várias ações coletivas a respeito da mesma questão jurídica não representa, por si só, a possibilidade de ocorrer decisões antagônicas envolvendo as mesmas pes­soas. É que os substituídos processuais (= titulares do direito individual em benefício de quem se pede tutela coletiva) não são, necessariamente, os mesmos em todas as ações. Pelo contrário: o normal é que sejam pessoas diferentes, e, para isso, concorrem pelo menos três fatores: (a) a limitação da representatividade do órgão ou entidade autor da demanda coletiva (= substituto processual), (b) o âmbito do pedido formulado na demanda e (c) a eficácia subjetiva da sentença imposta por lei, que "abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito de competência territorial do órgão prolator" (Lei 9.494/97,

art. 2°-A, introduzido pela Medida Provisória 2.180-35/2001)".

No julgamento do CC 126601 / MG, a Primeira Seção do STJ enfren­

tou inúmeras questões, que bem sintetizam o tema da conexão e da

continência em demandas coletivas. Por isso, vale a pena reproduzir

o seguinte trecho do paradigmático julgamento:

"A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sen­tido de que "havendo causa de modificação da competên­cia relativa decorrente de conexão, mediante requerimento de qualquer das partes, esta Cone Superior tem admitido a suscitação de conflito para a reunião das ações propostas

em separado, a fim de que sejam decididas conjuntamente (simu/taneus processus) e não sejam proferidas decisões divergentes, em observância aos princípios da economia pro­cessual e da segurança jurídica".

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MARCOS DESTEFENNI

No presente caso, trata-se de conflito positivo de competên­cia proposto pela Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL em face do Juízo da 3• Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais e outros, em demandas de índole coletiva. cujo objeto é a discussão da metodologia de reajuste tarifário aplicado pela ANEEL desde 2002 às concessionárias de distri­buição de energia elétrica. Nessa linha, verificando-se que nas ações há as mesmas alegações (ilegalidade do reajuste tarifário aplicado pela ANEEL desde 2002), aplicáveis a todas as concessionárias, é imperioso que se dê uma única solução para todas.

Conforme dispõe o art. 103 do CPC, reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto e a causa de pedir, como no presente caso. A conexão (relação se seme­lhanças entre as demandas), com o intuito de modificação de competência, objetiva promover a economia processual e a evitar decisões contraditórias.

O parágrafo único do art. 2° da Lei n° 7347/85 (Lei de Ação Civil Pública) prevê uma hipótese de conexão em ações coletivas: "A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto" .

Havendo na Lei de Ação Civil Pública norma específica acerca da conexão, competência e prevenção, é ela que deve ser aplicada para a ação civil pública. Logo, o citado parágrafo substitui as regras que no CPC definem a prevenção (artigos 106 e 219).

A competência na ação civil pública é absoluta (art. 20 da Lei n° 7347/85). A conexão, em regra, só pode modificar com­petência relativa. o parágrafo único do referido dispositivo criou uma conexão que permite alterar a competência abso­luta, ensejando a reunião dos processos para o julgamento simultâneo. Porém, tal parágrafo se mostra incompatível com o art. 16 da Lei n° 7347/85.

No presente caso, há ações civis públicas conexas correndo em comarcas situadas em estados diversos, surgindo um problema: como compatibilizar o art. 2°, parágrafo único, e o art. 16 da Lei n° 7347/85, que restringe a eficácia subjetiva da coisa julgada em ação coletiva, impondo uma limitação ter­ritorial a essa eficácia restrita à jurisdição do órgão prolator

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

da decisão? Nessa situação, concluímos que a regra do artigo

16 aplica-se apenas aos casos de ações conexas envolvendo

dano de âmbito regional.

Quando as ações civis públicas conexas estiverem em trâmite em comarcas situadas em estados diversos, busca-se a solu­ção do Código de Defesa do Consumidor, conforme estabele­

cido no art. 21 da Lei de Ação Civil Pública.

Não pode haver dúvidas de que a questão tratada no pre­

sente conflito tem abrangência nacional. O reajuste tarifário aplicado pela ANEEL desde 2002 às concessionárias de dis­tribuição de energia elétrica é único para todo o país. Qual­quer decisão proferida nos autos de uma das demandas ora

reunidas afetará, indistintamente, a todos os consumidores dos serviços de energia, em todo o país, dada a abrangência

nacional destes contratos.

Reconhecida a abrangência nacional do conflito, cumpre defi­nir o juízo competente, destacando-se que, ante o interesse da ANEEL no polo passivo de todas as demandas, a compe­

tência é, indubitavelmente, da Justiça Federal (art. 109, 1, da Constituição Federal).

Em razão do disposto no artigo 93, li, do Código de Defesa do Consumidor, sendo o suposto dano nacional, a competência será concorrente da capital do Estado ou do Distrito Fede­

ral, a critério do autor, tendo em vista sua comodidade na defesa dos interesses transidividuais lesados e o mais eficaz acesso à Justiça, uma vez que "não há exclusividade do foro do Distrito Federal para o julgamento de ação civil pública de âmbito nacional. Isto porque o referido artigo ao se referir à Capital do Estado e ao Distrito Federal invoca competências territoriais concorrentes, devendo ser analisada a questão estando a Capital do Estado e o Distrito Federal em planos iguais, sem conotação específica para o Distrito Federal" (CC 17533/DF, Rei. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/09/2000, DJ 30/10/2000, p. 120).

No presente caso, como já visto, o dano atinge todo país, tendo sido apresentadas várias ações idênticas em foros concorrentes (Capitais de Estados e Distrito Federal). Dessa forma, a prevenção deverá determinar a competência .

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MARCOS OESTEFENNI

Pela leitura do art. 2°, parágrafo único, da Lei n• 7347/85 deve ser fixado como foro competente para processar e julgar todas as ações o juízo a quem foi distribuída a primeira ação (CC 22693/DF, Rei. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA SEÇÃO, jul­

gado em 09/12/1998, DJ 19/04/1999). Assim, como a primeira ação coletiva foi proposta pela Associação de Defesa de Inte­

resses Coletivos - ADIC, em 20.10.2009, perante a 3ª Vara Fede­ral da Seção Judiciária de Minas Gerais, esta é a competente para o julgamento das demais causas.

Salienta-se que, conforme informações de fls. 3174, a Ação

Civil Pública n.0 2009.38.00-027553 - o, que tramitou na 3ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, foi julgada

extinta sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, inciso VI, do CPC, com recurso pendente de julgamento no TRF da ia Região.

Conforme enunciado Sumular 235/STJ "A conexão não deter­mina a reunião dos processos, se um deles já fo i julgado". Porém, se o conflito decorre de regra de competência abso­

luta (art. 93, inciso li, do CDC), como no presente caso, não há restrição a seu conhecimento após prolatada a sentença, desde que não haja trânsito em julgado" - destaques nossos.

Resta consignar, também, o Enunciado da Súmula 489 do STJ:

"Reconhecida a continência, devem ser reunidas na Justiça Federal as ações civis públicas propostas nesta e na justiça

estadual".

Referido enunciado já foi cobrado em concurso público.

A propósito, veja a seguinte questão:

~ Aplicação em concurso público:

"(Promotor de Justiça/GO - 2013) De conformidade com a Súmula número 489 do Superior Tribunal de Justiça, reconhecida a continência entre ações civis públicas propostas na Justiça Estadual e na Justiça Federal:

a) ambas devem ser reunidas na Justiça Federal.

b) ambas devem permanecer nos juízos em que foram propostas.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

c) ambas devem ser reunidas na Justiça Estadual.

d) deve ser suscitado conflito de competência perante o Superior Tribu­nal de Justiça".

A alternativa "a" está em consonância com o entendimento sumulado.

O entendimento veiculado pela citada Súmula do STJ está em consonância com a orientação no sentido de que: "É precedente desta Corte que a competência da Justiça Federal cuja fonte é a Constituição, é absoluta e abarca a competência da Justiça Estadual, como assentado em diversos feitos relativos à conexão de ações civis públicas e populares, quer contra atos de privatização, quer contra atos das agências reguladoras." (CC 41444 / AM).

Vale a pena frisar, ainda, que a continência é uma espécie de conexão, pois também há, no caso, uma identidade parcial.

Em decisão monocrática no AREsp 301377, o Min. HUMBERTO MAR­TINS bem apontou: "A existência de identidade parcial entre um dos pedidos, sendo o da primeira demanda mais abrangente que o da segunda, ainda em trâmite, configura a ocorrência do instituto da continência, que é espécie de litispendência parcial, o que justifica reunião dos processos e não a extinção da segunda ação".

Por fim, de lembrar que, conforme a Súmula n. 235 do STJ, "a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado".

Como destacado no julgamento do CC 18979 / RJ, pela Primeira Seção do STJ. "não há conexão, que poderia determinar a reunião dos processos, se um deles já se acha julgado. Nada importa a cir­cunstância de haver apelação: somente processos em curso no pri­meiro grau podem ser reunidos por efeito de conexão".

Determinada a justiça competente e o foro onde deve tramitar a demanda, o operador do direito deve pensar em qual juízo isto ocorrerá, ou seja, em qual vara.

As ações civis públicas tramitam, em regra, nas varas cíveis comuns ou especializadas, onde houver.

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Por exemplo, compete à Vara da Infância e da Juventude o pro­cessamento das ações civis fundadas em interesses individuais, difu­sos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente.

Se houver no foro do local do dano, cabe à Vara da Fazenda Pública processar as ações propostas em face das pessoas jurídicas de direito público.

A matéria estudada no presente tópico pode ser assim siste­matizada:

i) a ação civil pública pode tramitar na Justiça Comum (Federal ou Esta­dual) ou na Justiça Especializada (Eleitoral ou Trabalhista);

ii) No âmbito da Justiça do Trabalho, a ação civil pública é cabível quando houver lesão ou ameaça de lesão a direito transindividual decorrente de relação de trabalho, que seja ao menos subjacente à causa de pedir;

iii) no que se refere à Justiça Eleitoral, o cabimento da ação civil pública está relacionado ao processo eleitoral, ou seja, questões referentes à inscrição dos eleitores, ao registro dos candidatos, à eleição, à apuração e à diplomação. Não compete à Justiça Eleitoral julgar ação civil pública em face de dano ambiental decorrente propaganda política;

iv) a competência da Justiça Federal comum é expressa e taxativamente definida na Constituição Federal, em seu art. 109;

v) a competência da Justiça Estadual, por sua vez, é residual, ou seja, ocorrerá quando não houver norma prevendo a competência da justiça especializada ou da Justiça Federal;

vi) a competência da Justiça Federal se dá, principalmente, em razão da pessoa (rarione personoe). Trata-se, portanto, de competência absoluta, inclusive pelo fato de ser determinada em norma constitucional;

vii) sendo autor da ação o Ministério Público Federal, a competência para a causa é da Justiça Federal;

viii) é da competência federal, também, apreciar causas em razão da matéria (fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estran­geiro ou organismo internacional · CF, art. 109, Ili) e as que envolvam disputa sobre direitos indígenas (CF, art. 109, XI);

ix) no microssistema da tutela coletiva. existe regra diferenciada para a determinação do foro competente. Enquanto no processo civil individual as ações devem ser propostas, em regra. no foro do domicílio do réu (art. 94 do CPC), as ações civis públicas devem ser propostas no foro do local do dano;

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

x) a competência do foro do local do dano, para o ajuizamento de ação civil pública, é absoluta;

xi) se a lesão (ou ameaça) se der em mais de um foro (comarca ou seção judiciária). haverá competência concorrente. Ou seja, a ação poderá ser proposta em mais de um foro. Aplica-se, no caso, o critério da preven­ção, que também tem regra específica no âmbito das ações coletivas.

xii) a prevenção, no caso de ações coletivas, é do juízo perante o qual foi proposta a primeira ação coletiva. Não se dá a prevenção pelo despa­cho da inicial ou pela citação, como ocorre no processo civil individual;

xiii) se a ação não for reparatória, isto é, se for preventiva, a ação civil pública deverá ser proposta o foro do local onde possa ocorrer o dano;

xiv) a determinação da competência territorial também pode ser influen­ciada pela extensão do dano. É competente para a causa a justiça local: 1 - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; 11 - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente;

xv) se o dano regional atinge comarcas de um mesmo Estado, a ação deve ser proposta no foro da Capital;

xvi) a ação civil pública referente a dano de âmbito nacional ou regional, que atinge mais de um Estado, pode ser proposta no foro da Capital do Estado (ou de um dos Estados atingidos) ou no foro do Distrito Federal. A competência é concorrente;

xvii) não há exclusividade do foro do Distrito Federal para o julgamento de ação civil pública de âmbito nacional;

xviii) não existe conceito objetivo, em lei, acerca do que se deve enten­der por udano nacional" ou por Hdano regional". Estamos diante de conceitos vagos e indeterminados, ponanto;

xix) constatada a conexão (ou a continência, que é espécie de conexão), as ações coletivas devem ser reunidas para julgamento conjunto, exceto se uma delas já foi julgada;

xx) é possível o reconhecimento da conexão entre diversas ações cole· tivas (entre ação civil pública e ação popular, por exemplo), pois fatos idênticos podem levar ao ajuizamento de ações por diferentes legitima· dos;

xxi) deve ser fixado como foro competente para processar e julgar todas as ações o juízo a quem foi distribuída a primeira ação.

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6. A FACILITAÇÃO DA DEFESA E A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

Em ação civil pública o juiz tem o poder de determinar a inver­são do ônus da prova.

Como se sabe, trata-se de importante técnica relacionada à busca de uma decisão mais justa, pois lhe permite melhor distribuir os encargos probatórios das partes, que podem ser excessivamente oneroso a uma delas se aplicadas as regras do direito privado ou do processo civil individual.

De fato, nem sempre haverá um real equilíbrio de forças entre os litigantes se forem aplicadas as regras do Código de Processo Civil sobre o ônus da prova.

Por isso, caberá ao juiz impor o ônus da prova à parte que esti­ver em melhores condições de produzir a prova, alterando regras rígidas que procuram atribuir ao autor o ônus de provar o fato cons­titutivo do seu direito e ao réu o ônus de provar fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do direto do autor.

A questão é que o ônus da prova não fique determinado ape­nas em função da natureza dos fatos a serem provados.

A inversão do ônus probatório pelo juiz se enquadra nas técni­cas adotadas pela legislação para a facilitação da defesa dos vulne­ráveis e dos hipossuficientes.

Pode decorrer de expressa disposição legal (inversão legal -sistema ope legis) ou, então, ser determinada pelo juiz à luz do caso concreto (inversão judicial - sistema ope judieis).

Para o art. 60, VIII, do coe, a inversão a critério do juiz está relacionada à demonstração da verossimilhança da alegação ou à hipossuflciência da parte.

Predomina o entendimento, na atualidade, no sentido de que os requisitos veiculados pelo citado dispositivo legal não são cumu­lativos.

Conforme ressaltou o Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, do STJ, no julgamento do AREsp 527970, "os requisitos do art. 6º, inc. VIII, do Código de Defesa do Consumidor, não são cumulativos (não se exige

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a um só tempo a verossimilhança + hipossuficiência), mas sim alter­nativos (um ou outro)".

A hipossuficiência deve ser examinada sob diversos aspectos: do ponto de vista social, técnico, econômico e informacional. São fundamentais as regras ordinárias de experiência.

Por exemplo, já se decidiu que a posição vantajosa do forne­cedor em relação ao consumidor é motivo para que se atribua ao fornecedor o ônus de provar a ausência de qualquer defeito no produto ou no serviço.

Sobre o tema da vulnerabilidade do consumidor, é paradigmá-tico o julgamento da Terceira Turma do STJ (REsp 1195642 / RJ):

"A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhe­cimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e tática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor).

Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabili­dade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra).

A despeito da identificação in obstracto dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas for­mas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do coe à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das panes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei n• 8.078/90 (. .. )" .

Debate clássico, relacionado ao tema, refere-se ao momento processual adequado para a inversão do ônus da prova, ou seja, se estaríamos diante de uma regra de instrução ou de uma regra de julgamento.

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No julgamento do REsp 1125621 / MG, a Terceira Turma do STJ posicionou-se no sentido de que não se pode falar em surpresa se a inversão ocorrer por ocasião do julgamento, pois se trata de possibilidade que é sabida pelas partes desde ajuizamento da ação. Por isso, nada impediria que o juiz opte pela inversão do ônus da prova na sentença.

De outro lado, há aqueles que a inversão do ônus da prova, por influir decisivamente no comportamento processual das partes, não poderá ocorrer no momento da sentença, mas anteceder a instrução probatória.

No julgamento do REsp 1395254/SC ficou consignado que "a juris­prudência da 21 Seção, após o julgamento do Reps 8o2.832/MG, Rei. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 2i.09.2011, consolidou-se no sentido de que a inversão do ônus da prova constitui regra de ins­trução, e não de julgamento".

Sobre o mencionado julgamento, relevante citar o pronuncia­mento da Segunda Seção do STJ sobre o tema, relatado pelo Infor­mativo n° 469 do STJ:

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"INVERSÃO. ÔNUS. PROVA. coe. Trata-se de REsp em que a controvérsia consiste em defi­nir qual o momento processual adequado para que o juiz, na responsabilidade por vício do produto (art. 18 do coe). determine a inversão do ônus da prova prevista no art. 6°, VIII, do mesmo codex. No julgamento do especial, entre outras considerações, observou o Min. Relator que a distri­buição do ônus da prova apresenta extrema relevância de ordem prática, norteando, como uma bússola, o comporta­mento processual das partes. Naturalmente, participará da instrução probatória com maior vigor, intensidade e interesse a parte sobre a qual recai o encargo probatório de deter­minado fato controvertido no processo. Oessarte, consignou que, influindo a distribuição do encargo probatório decisiva­mente na conduta processual das partes, devem elas possuir a exata ciência do ônus atribuído a cada uma delas para que possam produzir oportunamente as provas que entende­rem necessárias. Ao contrário, permitida a distribuição ou a inversão do ônus probatório na sentença e inexistindo, com isso, a necessária certeza processual, haverá o risco de o

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

julgamento ser proferido sob uma deficiente e desinteres­sada instrução probatória, na qual ambas as partes tenham atuado com base na confiança de que sobre elas não recairia o encargo da prova de determinado fato. Assim, entendeu que a inversão ope judieis do ônus da prova deve ocorrer preferencialmente no despacho saneador, ocasião em que o juiz decidirá as questões processuais pendentes e deter­minará as provas a serem produzidas, designando audiên­cia de instrução e julgamento (art. 331, §§ 2° e 3°, do CPC). Desse modo, confere-se maior certeza às partes referente aos seus encargos processuais, evitando a insegurança. Com esse entendimento, a Seção, ao prosseguir o julgamento, por maioria, negou provimento ao recurso, mantendo o acórdão que desconstituiu a sentença, a qual determinara, nela pró­pria, a inversão do ônus da prova. Precedentes citados: REsp 720.930-RS, DJe 9/11/2009, e REsp 881.651-BA, DJ 21/5/2007. REsp 802.832-MG, Rei. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em

13/4/2011".

Parece-nos que o essencial está no fato de ser preservado o

contraditório. Ou seja, se for determinada a inversão do ônus da prova, o essencial é que a parte prejudicada pela determinação

tenha preservada a oportunidade de requerer e produzir prova.

Nesse sentido a Segunda Turma do STJ (AgRg no REsp 1450473 / se - DJe 30/09/2014): "A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a inversão do ônus da prova prevista no art. 6°, VIII, do CDC, é

regra de instrução e não regra de julgamento, sendo que a deci­são que a determinar deve - preferencialmente - ocorrer durante

o saneamento do processo ou - quando proferida em momento posterior - garantir a parte a quem incumbia esse ônus a oportuni­

dade de apresentar suas provas. Precedentes: REsp 1395254/SC, Rei. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/10/2013, DJe

29/11/2013; EREsp 422.778/SP, Rei. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Rei. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, jul­

gado em 29/02/2012, DJe 21/06/2012" - destaque nosso.

Além disso, é imprescindível que não seja determinada uma prova diabólica.

A questão foi tratada no REsp 720930 / RS, pela Quarta Turma do STJ: "A inversão do ônus da prova regida pelo art. 6°, inciso VIII,

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MARCOS DESTEFENNI

do CDC, está ancorada na assimetria técnica e informacional exis­

tente entre as partes em litígio. Ou seja, somente pelo fato de ser o

consumidor vulnerável, constituindo tal circunstância um obstáculo

à comprovação dos fatos por ele narrados, e que a parte contrária

possui informação e os meios técnicos aptos à produção da prova, é

que se excepciona a distribuição ordinária do ônus.

Com efeito, ainda que se trate de relação regida pelo CDC, não

se concebe inverter-se o ônus da prova para, retirando tal incum­

bência de quem poderia fazê-lo mais facilmente, atribuí-la a quem,

por impossibilidade lógica e natural, não o conseguiria".

O tema da inversão do ônus probatório é questionado nos con­

cursos públicos.

Veja a seguinte questão:

~ Aplicação em concurso público:

(FCC - 2012 - MPE-AL - Promotor de Justiça) A inversão do ônus da prova,

em processo civil, a favor do consumidor, poderá ser deferida pelo juiz

a) mediante apreciação discricionária das razões em que se funda a pretensão do consumidor, facultado ao fornecedor recorrer da deci­são para o Tribunal competente.

b) sempre que considerar o consumidor vulnerável, ainda que não o considere hipossuficiente.

c) à vista de simples requerimento do consumidor, que afirmar seu estado de pobreza.

d) somente quando a prova pertinente exigir perícia de alto custo.

e) quando, a critério deste, for verossímil a alegação, ou quando for o consumidor hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de expe­riência.

Obviamente que não há um poder absolutamente discricionário do juiz,

pois os fundamentos da inversão estão apontados em lei. De outro lado, também não basta a vulnerabilidade do consumidor, sendo necessária a hipossuficiência. Sendo assim, a melhor alternativa é a última. Ou seja, deve

ser assinalada a alternativa "e".

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

É cabível a inversão do ônus da prova em demanda proposta pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, ou seja, o impor­tante é que a inversão seja em prol dos vulneráveis.

Com efeito, assim se pronunciou o STJ:

"ACP. INVERSÃO. ÔNUS. PROVA. MP.

Trata-se, na origem, de ação civil pública (ACP) interposta pelo MP a fim de pleitear que o banco seja condenado a não cobrar pelo serviço ou excluir o extrato consolidado que for­neceu a todos os clientes sem prévia solicitação, devolvendo, em dobro, o que foi cobrado. A Turma entendeu que, na ACP com cunho consumerista, pode haver inversão do ônus da prova em favor do MP. Tal entendimento busca facilitar a defesa da coletividade de indivíduos que o coe chamou de consumidores (art. 81 do referido código). O termo "consumi­dor", previsto no art. 6° do coe, não pode ser entendido ape­nas como parte processual, mas sim como parte material da relação jurídica extraprocessual, ou seja, a parte envolvida na relação de direito material consumerista - na verdade, o destinatário do propósito protetor da norma. REsp 95i.785-RS, Rei. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/2/2011".

Também é cabível a inversão do ônus da prova em ação civil pública ambiental.

Ou seja, a inversão não é restrita às ações consumeristas.

Assim já decidiu a Segunda Turma do STJ (REsp 1237893 / SP):

"Em ação ambiental, impõe-se a inversão do ônus da prova, cabendo ao empreendedor, no caso concreto o próprio Estado, respon­der pelo potencial perigo que causa ao meio ambiente, em respeito ao princípio da precau­ção. Precedentes".

Sobre esta questão, não há como não citar o seguinte trecho do julgamento proferido pela Segunda Turma do STJ (REsp 883656 / RS):

"O legislador, diretamente na lei(= ope legis), ou por meio de poderes que atribui, específica ou genericamente, ao juiz (= ope judieis), modifica a incidência do onus probandi, transfe­rindo-o para a parte em melhores condições de suportá-lo

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MARCOS DESTEFENNI

ou cumpri-lo eficaz e eficientemente, tanto mais em relações jurídicas nas quais ora claudiquem direitos indisponíveis ou intergeracionais, ora as vítimas transitem no universo move­diço em que convergem incertezas tecnológicas, informações cobertas por sigilo industrial, conhecimento especializado, redes de causalidade complexa, bem como danos futuros, de manifestação diferida, protraída ou prolongada.

No Direito Ambiental brasileiro, a inversão do ônus da prova é de ordem substantiva e ope legis, direta ou indireta (esta última se manifesta, p. ex., na derivação inevitável do prin­cípio da precaução), como também de cunho estritamente processual e ope judieis (assim no caso de hipossuficiência da vítima, verossimilhança da alegação ou outras hipóteses inseridas nos poderes genéricos do juiz, emanação natural do seu ofício de condutor e administrador do processo).

Como corolário do princípio in dubio pro natura, "Justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreen­dedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento, a partir da interpretação do art. 6°, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio Ambiental da Pre­caução" (REsp 972.902/RS, Rei. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.9.2009), técnica que sujeita aquele que suposta­mente gerou o dano ambiental a comprovar "que não o cau­sou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva" (REsp i.060.753/SP, Rei. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.12.2009).

A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6o, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, contém comando norma­tivo estritamente processual, o que a põe sob o campo de aplicação do art. 117 do mesmo estatuto, fazendo-a valer, universalmente, em todos os domínios da Ação Civil Pública, e não só nas relações de consumo (REsp 1049822/RS, Rei. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 18.5.2009).

Destinatário da inversão do ônus da prova por hipossuficiên­cia - juízo perfeitamente compatível com a natureza coletiva ou difusa das vítimas - não é apenas a parte em juízo (ou substituto processual), mas, com maior razão, o sujeito-titu­lar do bem jurídico primário a ser protegidow.

Oportuno o seguinte quadro sistemático:

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

i) em ação civil pública o juiz tem o poder de determinar a inversão do ônus da prova;

ii) também deve ser reconhecido o poder de impor o ônus da prova à parte que estiver em melhores condições de produzir a prova;

iii) a inversão do ônus probatório pelo juiz se enquadra nas técnicas adotadas pela legislação para a facilitação da defesa dos vulneráveis e dos hipossuftcientes;

iv) a inversão a critério do juiz está relacionada à demonstração da verossimilhança da alegação ou à hipossuftciência da parte. Os requisitos não são cumulativos;

v) a hipossuftciência deve ser examinada sob diversos aspectos: do ponto de vista social, técnico, econômico e informacional. São funda­mentais as regras ordinárias de experiência;

vi) a inversão do ônus da prova não poderá ocorrer no momento da sentença, mas anteceder a instrução probatória. Em qualquer caso, deve ser garantida a ampla defesa à parte atingida pela inversão;

vii) é imprescindível que não seja determinada uma prova diabólica;

viii) não há um poder absolutamente discricionário do juiz, pois os fun­damentos da inversão estão apontados em lei;

ix) é cabível a inversão do ônus da prova em demanda proposta pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, ou seja, o importante é que a inversão seja em prol da •parte material";

x) é cabível a inversão do ônus da prova em ação civil pública ambiental, ou, de forma mais genérica, em ações coletivas, sempre em prol dos hipossuftcientes.

7. PEDIDO, PROCEDIMENTO, SENTENÇA, RECURSOS E REEXAME NECESSÁ­RIO

Em sede de ação civil pública, deve-se distinguir a voltada à tutela de direitos difusos e coletivos, daquela que deduz pretensão

de tutela de direitos individuais homogêneos.

Enquanto na tutela de direitos difusos e coletivos a exposi­

ção da causa de pedir e do pedido segue as regras tradicionais do

processo civil, nas ações coletivas que tutelam direitos individuais homogêneos a exposição é mais fluída, isto é, menos detalhada, pois

não podem ser discutidas as situações táticas particularizadas.

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MARCOS DESTEFENNI

Afinal, nada será decidido, definitivamente, em relação às pre­tensões individuais.

Ocorre que o Código de Defesa do Consumidor, em relação aos direitos individuais de origem comum, dispõe que, no caso de pro­cedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a respon­sabilidade do réu pelos danos causados (art. 95).

Assim concluiu o STJ (REsp 681872 - RS):

UProcesso civil e direito do consumidor. Recurso especial. Ação civil pública. Direitos individuais homogêneos. Pedidos genéricos presentes. Tutela coletiva. Cabimento.

A ação coletiva exige que o pedido mediato seja formulado de forma genérica".

Afinal, como restou advertido no julgamento do AgRg no REsp 774033 / RS, pela Quinta Turma do STJ, "a individualização da situa­ção particular, bem assim a correspondente liquidação e execução dos valores devidos a cada um dos substituídos, se não compostas espontaneamente, serão objeto de ação própria (ação de cumpri­mento da sentença condenatória genérica), a ser promovida pelos interessados, ou pelo Sindicato, aqui em regime de representação" (REsp. n° 48po2- RJ, DJU de 24.05.04).

A Primeira Turma do STJ também proclamou: "Em se tratando de ação coletiva para tutela de direitos individuais homogêneos, que visa a uma sentença condenatória genérica, a prova do fato constitu­tivo do direito subjetivo individual deverá ser produzida por ocasião da ação de cumprimento, oportunidade em que se fará o exame das situações particulares dos substituídos, visando a identificar e mensurar cada um dos direitos subjetivos genericamente reconheci­dos na sentença de procedência. 6. Recurso especial a que se nega provimento" (REsp 487202/RJ).

Quanto ao procedimento, há grande flexibilidade no âmbito das ações coletivas.

Ocorre que a ação civil pública, por exemplo, poderá ser de natureza cautelar, de conhecimento ou executiva. Além disso, o pro­cedimento deverá ser adaptado ao pedido concretamente deduzido em juízo.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Vale observar que a Lei n. 7.347/85 não trouxe regras procedi­mentais, o que revela a possibilidade de o procedimento ser adap­tado às exigências do direito material discutido em juízo.

Em ação civil pública poderá ser aplicado o instituto do ree­xame necessário, com fundamento na aplicação analógica do que estabelece o art. 19 da Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65).

A Lei n. 4.717/65, em seu art. 19, dispõe: A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo.

O reexame necessário, tique atento, será da sentença de improcedência ou de carência de ação coletiva.

Assim noticiou o Informativo n. 395 do STJ, a respeito de decisão proferida pela Segunda Turma:

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REMESSA NECESSÁRIA.

Na ausência de dispositivo sobre remessa oficial na Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/1985), busca-se norma de integração dentro do microssistema da tutela coletiva, apli­cando-se, por analogia, o art. 19 da Lei n. 4.717/1965. Embora essa lei refira-se à ação popular, tem sua aplicação nas ações civis públicas, devido a serem assemelhadas as funções a que se destinam (a proteção do patrimônio público e do microssistema processual da tutela coletiva), de maneira que as sentenças de improcedência devem sujeitar-se indis­tintamente à remessa necessária. De tal sorte, a sentença de improcedência, quando proposta a ação pelo ente de Direito Público lesado, reclama incidência do art. 475 do CPC, sujeitando-se ao duplo grau obrigatório de jurisdição. Ocorre o mesmo quando a ação for proposta pelo Ministério Público ou pelas associações, incidindo, dessa feita, a regra do art. 19 da Lei da Ação Popular, uma vez que, por agirem os legitimados em defesa do patrimônio público, é possível entender que a sentença, na hipótese, foi proferida contra a União, estado ou município, mesmo que tais entes tenham contestado o pedido inicial. Com esse entendimento, a Turma deu provimento ao recurso do Ministério Público, concluindo ser indispensável o reexame da sentença que concluir pela

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improcedência ou carência da ação civil pública de repara­ção de danos ao erário, independentemente do valor dado à causa ou mesmo da condenação_ REsp 1.108.542-SC, Rei. Min. Castro Meira, julgado em 19/5/2009".

A Lei n. 7.853/1989, que dispõe sobre o apoio às pessoas com

necessidades especiais, também estabelece, em seu art. 4°, § 1°,

que a sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da

ação fica sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito

senão depois de confirmada pelo tribunal.

Quanto ao sistema recursai, vale lembrar que foi adotado o do Código de Processo Civil, em decorrência da aplicação subsidiária do

CPC, prevista no art. 19 da Lei da Ação Civil Pública: Aplica-se à ação civil pública, prevista nesta lei, o Código de Processo Civil, aprovado

pela lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 2973, naquilo em que não contrarie

suas disposições. Assim também dispõe o art. 90 do Código de Defesa

do Consumidor.

Porém, é importante observar que os recursos não têm efeito suspensivo automático, tendo em vista o que estabelece o art. 14

da Lei da Ação Civil Pública, no sentido de que cabe ao juiz confe­rir efeito suspensivo aos recursos para evitar dano irreparável à parte.

No mesmo sentido o disposto no art. 85 da Lei n. 10.741/03 (Esta­

tuto do Idoso): O juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos,

para evitar dano irreparável à parte.

Essa característica foi destacada pela Segunda Turma do STJ,

no julgamento do AgRg no REsp 436.647/RS (DJe de 07/11/2008): "As

normas processuais que regulam a ação civil pública estão na Lei

n. 7.347/85, aplicando-se o CPC, tão-somente, de forma subsidiária. Daí porque se dizer que a regra do recebimento da apelação contra

sentença proferida em seu âmbito é apenas no efeito devolutivo;

podendo ou não o juiz conferir o efeito suspensivo diante do caso

concreto, como especifica o art. 14 da referida Lei".

Oportuno, agora, o seguinte quadro sinótico:

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

i) em sede de ação civil pública, é sempre oportuno distinguir as pecti­liaridades da tutela de direitos coletivos (difusos e coletivos em sentido estrito), em relação à tutela de direitos individuais homogêneos (tutela coletiva de direitos individuais);

ii) na ação que tutela de direitos difusos e coletivos, a exposição da causa de pedir e do pedido segue as regras tradicionais do processo civil. Também deve ser formulado, em regra, pedido certo e determi­nado;

iii) nas ações coletivas que tutelam direitos individuais homogêneos, a exposição da causa de pedir é mais fluída, bem como o pedido conde­natório é genérico;

iv) a sentença condenatória, na ação que tutela direitos individuais homogêneos, é genérica, isto é, reconhece a ocorrência do dano tran­sindividual e fixa a responsabilidade do réu pelos danos causados, mas não estabelece quem são especificamente as vítimas, nem o dano sofrido individualmente;

v) a individualização da situação particular será objeto de ação própria (ação de cumprimento da sentença condenatória genérica);

vi) não há um procedimento específico a ser seguido no caso de ação civil pública. Por exemplo, na ação que tutela direitos individuais homo­gêneos, o procedimento é bifásico, isto é, em uma primeira ação discute­-se a ocorrência do dano e a questão da responsabilidade do réu. Em outras ações, subsequentes, serão discutidos o nexo de causalidade e o montante devido a cada uma das vítimas;

vii) há grande flexibilidade procedimental no âmbito das ações coletivas, que podem assumir natureza cautelar, de conhecimento ou executiva;

viii) a Lei n. 7.347/85 não trouxe regras procedimentais, o que revela a possibilidade de o procedimento ser adaptado às exigências do direito material discutido em juízo;

ix) em ação civil pública é aplicado o instituto do reexame necessário, porém, de maneira peculiar, em função da incidência, de forma geral, do art. 19 da Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65), segundo o qual o reexame ocorre na hipótese de improcedência ou de extinção sem resolução do mérito;

x) quanto ao sistema recursai, vale lembrar que foi adotado o do Código de Processo Civil, em decorrência da aplicação subsidiária do CPC, pre­vista no art. 19 da Lei da Ação Civil Pública. Porém, é importante observar que os recursos não têm efeito suspensivo automático, tendo em vista o que estabelece o art. 14 da Lei da Ação Civil Pública, no sentido de que cabe ao juiz conferir efeito suspensivo aos recursos para evitar dano irreparável à parte.

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MARCOS DESTEFENNI

8. CUSTAS E LIMINARES

Em sede de ação civil pública, existem regras específicas quanto

ao adiantamento de custas e quanto às despesas processuais e de honorários advocatícios, em função do que estabelecem os arts. 18

da LACP e 87 do CDC.

Por isso, nas ações coletivas, não haverá adiantamento de cus­

tas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais.

As custas, no caso, só serão recolhidas ao final, pelo réu, caso

a ação seja julgada procedente. Se for improcedente, o recolhimento

depende de demonstração de má-fé. Nesse sentido decisão da

Segunda Turma do STJ (AgRg no AREsp 381986 / SP):

"O an. 18 da Lei 7.347/85 é norma processual que expres­samente afastou a necessidade, por pane do legitimado extraordinário, de efetuar o adiantamento de custas, emo­lumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, para o ajuizamento de ação coletiva, que, de todo modo, conforme o comando normativo, só terá de ser recolhida ao final pelo requerido, se for sucumbente, ou pela autora, caso se constate manifesta má-fé. Precedentes do STJ".

Embora haja referência expressa às associações. o benefício se estende ao autor da ação coletiva, em geral. Por isso, se o Ministé­

rio Público ou outro colegitimado for vencido na ação coletiva, não haverá pagamento de honorários advocatícios, exceto no caso de

ser comprovada a má-fé. Assim como não haverá adiantamento pelo

Parquet.

Sobre a questão, assim se pronunciou a Quarta Turma do STJ

(REsp 978706 / RJ):

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"O anigo da Lei 18 da Lei 7.347/85 é norma processual espe­cial, que expressamente afastou a necessidade, por pane do legitimado extraordinário, de efetuar o adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, para o ajuizamento de ação coletiva, que, de todo modo, conforme o comando normativo, só terá de

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

ser recolhida a final pelo requerido, se for sucumbente, ou pela autora, acaso constatada manifesta má-fé.

Ademais, o artigo 87 do Código de Defesa do Consumidor expressamente salienta que, nas ações coletivas de defesa do consumidor, não haverá adiantamento de quaisquer des­pesas, portanto é descabido a imposição à autora do prévio recolhimento da 'taxa judiciária'. Precedentes#.

Sobre o adiantamento de custas, decidiu a Primeira Turma do STJ (AgRg nos EDcl no REsp 1322166 / PR, DJe 15/10/2014) citando pre­cedente:

-o ajuizamento de ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos não relacionados a consumidores é pertinente, tendo o sindicato legitimidade para propor a referida ação em defesa de interesses individuais homogê­neos da categoria que representa. Em tais casos, uma vez processada a ação civil pública, aplica-se, in totum, o teor do art. 18 da lei n. 7.347/1985', afastando o adiantamento de quaisquer custas, despesas e a condenação em honorários de advogado, salvo comprovada má-fé. Precedente: AgRg no REsp l.423-654/RS, Rei. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18/2/2014".

De outro lado, advertiu a Segunda Turma do STJ (AgRg no AREsp 45o683 / AP) que o benefício só se aplica ao autor da ação coletiva:

HÉ firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que o art. 18 da Lei 7.347/1985, que dispensa o adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, dirige-se apenas ao autor da Ação Civil Pública. Precedentes do STJ".

Quanto ao Ministério Público, o entendimento jurisprudencial é no sentido de que a isenção a ele se estende. No caso, o adianta­mento dos honorários periciais, já se decidiu que deverá ser feito pela Fazenda Pública. Assim decidiu a Primeira Turma do STJ (AgRg no REsp 1168893 / RS):

"O entendimento jurisprudencial do STJ é no sentido de que 'a isenção ao adiantamento dos honorários periciais con­ferida ao Ministério Público (art. 18 da Lei n° 7.347/85) não pode obrigar à realização do trabalho gratuitamente, tam­pouco transferir ao réu o encargo de financiar ações contra

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MARCOS DESTEFENNI

ele movidas (arts. 19 e 20 do CPC). Adiantamento dos hono­rários periciais suportados pela Fazenda Pública.'. (v.g.: REsp l.188.8o3/RN, Rei. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 21/05/2010). Precedentes: EREsp 981949/RS, Rei. Ministro Her­man Benjamin, Primeira Seção, DJe 15/08/2011; decisão mono­crática: REsp 1126190, Rei. Min. Eliana Calmon, DJe 31/08/201on.

Quando o Ministério Público for vencedor na ação civil pública, também não há fixação de honorários advocatícios. Nesse sentido a Segunda Turma do STJ (REsp 1302105 / SC):

"Na ação civil pública movida pelo Ministério Público, a ques­tão da verba honorária foge inteiramente das regras do CPC, sendo disciplinada pelas normas próprias da Lei 7.347/85.

Posiciona-se o STJ no sentido de que, em sede de ação civil pública, a condenação do Ministério Público ao pagamento de honorários advocatícios somente é cabível na hipótese de comprovada e inequívoca má-fé do Parquet.

Dentro de absoluta simetria de tratamento e à luz da inter­pretação sistemática do ordenamento, não pode o parquet beneficiar-se de honorários, quando for vencedor na ação civil pública. Precedentes.".

O benefício previsto ao Ministério Público não se restringe à ação civil pública. Nesse sentido a Segunda Turma do STJ (AgRg no Ag i.304.896/MG):

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"No caso dos autos, o recorrente sustenta que o Ministério Público deve ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios, já que a entidade é parte sucumbente nos autos de embargos à execução de Termo de Ajustamento de Con­duta, por entender inaplicável o artigo 18 da Lei n. 7.437/85.

Contudo é indevida a condenação do órgão público ao paga­mento de honorários advocatícios sucumbenciais nas hipó­teses em que se trata de embargos à execução decorrente de TAC, salvo quando houver prova da má-fé do autor, o que não ocorre no caso in fine, Nesse sentido: REsp 896.679/RS, ia

Turma, Rei. Min. Luiz Fux, DJ 12.5.2008.

Ademais, é pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que é indevida a condenação do Ministério Público ao paga­mento de honorários advocatíclos nas hipóteses em que se trata de ação civil pública, execução e correlatos embargos,

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

exceto quando houver prova da má-fé do parquet. Prece­dentes: AgRg nos EDcl no REsp u20.390/PE, lª Turma, Rei. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 22.11.2010; AgRg no Ag 1.135.821/RS, 4• Turma, Rei. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe 18.2.2010; REsp 89i.743/SP, 2• Turma, Rei. Min. Eliana Calmon, DJe 4.11.2009; REsp 419.110/SP, 2• Turma, Rei. Min. Herman Benjamin, DJ 27.11.2007." - destaques nossos.

O benefício ora analisado é aplicável na Justiça Federal ou na Estadual, sendo desnecessária expressa previsão legal no âmbito do Estado. Nesse sentido:

NA inexistência de previsão, no Código Tributário do Estado do Rio de Janeiro, de isenção de Taxa Judiciária para a pro­positura de ação civil pública ou de ação coletiva, não retira a eficácia dos arts. 18 da LACP e 87 do CPC, que estabelecem a impossibilidade de 'adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas'.

2. A Taxa Judiciária cobrada, com natureza tributária, pela prestação do serviço jurisdicional, enquadra-se no conceito de Custas Judiciais, em sentido amplo." (Terceira Turma do STJ, REsp 1288997 / RJ).

Conforme a Segunda Turma do STJ (REsp n7646o / MT), a isen­ção abrange as custas com a publicação de edital de citação na imprensa local:

"Quanto à alegada afronta ao art. 18 da Lei 7.347/85 e 19, § 2°, do CPC, assiste razão ao recorrente, porquanto o pri­meiro dispositivo isenta o autor da ação do adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, bem como da condenação, salvo compro­vada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais. Ora, custas são o preço decorrente da presta­ção da atividade jurisdicional, desenvolvida pelo Estado-juiz por meio de suas serventias e cartórios, no que se insere o dispêndio com a publicação de edital de citação na imprensa local".

Quanto às liminares, cautelares e antecipat6rias, elas podem ser concedidas pelo juiz no bojo das ações coletivas.

Portanto, é plenamente aplicável a tutela de urgência na juris­dição coletiva.

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MARCOS DESTEFENNI

Por exemplo, a Lei n. 7.347/85, em seu art. 4°, consigna que

poderá ser ajuizada ação civil pública cautelar.

A legitimidade ativa conferida pelo art. 5° da mesma lei é para

a propositura de ação principal e a ação cautelar.

O art. 12 do mesmo diploma normativo dispõe sobre o poder

do juiz de conceder medida liminar, com ou sem justificação prévia.

A medida liminar tem eficácia temporal limitada, pois poderá

perder o efeito ou, então, ser substituída pela decisão final, profe­

rida com cognição exauriente.

~ Aplicação em concurso público:

No concurso da Defensoria Pública (SE - 2006 - CESPE), questionou-se sobre o seguinte enunciado: "Concedida a liminar e posteriormente denegada a segurança, sem que o juiz expressamente casse a liminar que concedera, havendo recurso voluntário, a liminar prevalece até o julgamento definitivo do recurso".

A afirmativa está errada.

Pode ser invocada a Súmula 405 do STF:

"DENEGADO O MANDADO DE SEGURANÇA PELA SENTENÇA, OU NO JULGAMENTO DO AGRAVO, DELA INTERPOSTO, FICA SEM EFEITO A LIMINAR CONCEDIDA, RETROAGINDO OS EFEITOS DA DECISÃO CON­TRÁRIA".

De fato, se for denegada a segurança, pelo julgamento profe­

rido com cognição exauriente, a liminar concedida fica sem efeito.

Excelente se o juiz, expressa e excepcionalmente, determinar a sub­

sistência da medida conservativa.

Pode ser citada outra questão sobre o tema:

~ Aplicação em concurso público:

(Defensor Público/AM - 2013 - FCC) o sistema processual faz distinções entre a tutela cautelar e a tutela antecipada, sendo que no subsistema das ações coletivas em sentido amplo,

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A) nas ações coletivas, admite-se somente a tutela cautelar e não a tutela antecipatória.

B) nas ações coletivas admite-se somente a concessão de liminar, mas não de antecipação de tutela.

C) julgada procedente a ação civil pública, confirmando-se a antecipa­ção de tutela em sentença, o recurso de apelação será recebido no duplo efeito.

D) é vedada a concessão de liminar ou de antecipação de tutela contra ato do Poder Público quanto à pagamento de qualquer natureza a servidor público.

E) o juiz independe de pedido do autor tanto para conceder a liminar - instrumental ou antecipatória - ou a antecipação de tutela como para impor multa diária para assegurar o cumprimento de sua deci­são.

De início, cabe lembrar que, nas ações coletivas, admite-se tanto a tutela cautelar, quanto a antecipatória. Portanto, a medida liminar pode ser a título cautelar ou de antecipação de tutela.

Quando a ação civil pública é julgada procedente, com a confir­mação da antecipação de tutela em sentença, o recurso de apelação será recebido, em regra, apenas no efeito devolutivo, por força do disposto no art. 14 da LACP.

A vedação à concessão de liminar ou de antecipação de tutela contra ato do Poder Público quanto à pagamento de qualquer natu­reza a servidor público é estabelecida pelo art. 7°, § 2°, da Lei n. u.016/2009. Sendo assim, deve ser assinalada a alternativa "d".

Quanto à alternativa "e", o juiz, em regra, depende de pedido do autor, especialmente no que se refere à antecipação de tutela.

Vale ressaltar a peculiaridade existente quanto às liminares contra o Poder Público.

Afinal, em regra, não deve ser concedida qualquer medida de urgência, cautelar ou antecipatória, em face das pessoas jurídicas de direito público, em caráter inaudito altero porte. Somente após a

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MARCOS DESTEFENNI

oitiva da pessoa jurídica de direito público, concedido o prazo de 72 horas.

A Lei n. 8.437/92, que dispõe sobre a concessão de medidas cau­telares contra atos do Poder Público, estabelece, em seu art. lº, que não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no proce­dimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser conce­dida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.

Além disso, nos casos em que cabível medida liminar, deve haver a comunicação ao dirigente do órgão ou entidade, bem como a cientificação do representante judicial da pessoa jurídica de direito público.

A Lei n. 8.437/92 ainda estabelece, no art. 2°, que, no mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pes­soa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas.

A regra é repetida na Lei n. 12.016/2009, que disciplina o man­dado de segurança individual e coletivo.

Com efeito, não se esqueceu o legislador, em caso de MS Cole­tivo, de exigir prévia oitiva do representante judicial da pessoa jurí­dica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 horas (art. 22, § 2°), como condição para a concessão da liminar.

A exigência da prévia oitiva, contudo, não é absoluta. Deve ser dispensada quando houver o risco de ineficácia da medida urgente postulada.

Em precedente interessante (REsp i.018.614/PR), o STJ entendeu que a exigência da prévia oitiva não se aplica no caso de ação de improbidade administrativa e, também, que a exigência não é abso­luta: "Em tese, não se aplica às hipóteses de concessão de liminar em ação de improbidade administrativa a regra de intimação prévia no prazo de 72 horas, prevista no art. 2° da Lei 8.437/92, porquanto, via de regra, a ação não se direciona de forma direta a impugnar ato administrativo da pessoa jurídica de direito público, mas atos praticados por agentes públicos.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Ademais, a jurisprudência do STJ tem mitigado, em hipóteses excepcionais, a regra que exige a oitiva prévia da pessoa jurídica de direito público nos casos em que presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública (art. 2° da Lei 8.437/92). Precedentes do STJ".

Retomando a questão das tutelas provisórias, é de se observar que a tutela sumária provisória pode ser de natureza predominante­mente conservativa (ou cautelar), ou, predominantemente satisfativa (antecipatória ou da evidência).

Há concessão de tutela provisória quando o juiz concede uma medida de indisponibilidade de bens, no bojo de ação de improbi­dade administrativa. De outro lado, ao determinar a sustação dos efeitos de um contrato administrativo celebrado de forma fraudu­lenta, o juiz está, de certa forma, antecipando possíveis efeitos da invalidação do referido contrato.

Vale registrar que não há uma distinção absoluta entre medidas cautelares e antecipatórias. Por isso o uso, acima, da palavra "pre­dominantemente".

De outro lado, ao determinar o imediato pagamento da quantia incontroversa, no bojo de determinada ação, o juiz está concedendo medida que pode ser considerada de tutela do direito evidente, ou seja, há prestação de tutela da evidência. No caso, é dispensável a verificação do pericu/um in mora ou do risco de dano irreparável. A evidência do direito discutido em juízo justifica a possibilidade de aceleração dos resultados do processo.

Portanto, medidas provisórias e sumárias podem ser ampla­mente concedidas pelo juiz no bojo das ações civis públicas, inclu­sive relacionadas à repressão do ato de improbidade administrativa. Por outras palavras, é plenamente aplicável a tutela de urgência no âmbito da jurisdição coletiva.

Vale destacar que a tutela jurisdicional dos direitos transindivi­duais (difusos, coletivos e individuais homogêneos) é regida por um microssistema, o microssistema da tutela coletiva, composto pela interação de diversos diplomas normativos. Os dois principais são o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) e a Lei da Ação

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MARCOS DESTEFENNI

Civil Pública (Lei n. 7.347/85), que formam o "regramento básico do Microssistema da Tutela Coletiva".

Porém, há integração com diversos outros diplomas normati­vos, como, por exemplo, a Lei da Ação Popular (Lei n. 4717/65), a Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92), a Lei do Mandado de Segurança (Lei n. 12.016/2009), o Estatuto da Criança e do Ado­lescente (Lei n. 8.o69/90), o Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741//2003), a Lei de proteção das pessoas com necessidades especiais (Lei n.

7.853/89).

Por isso, todas as referidas leis são aplicáveis à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, de tal forma que as medidas provisórias aí previstas podem ser pleitea­das em ações civis públicas.

É importante, lembrar, ainda, que o Código de Processo Civil é aplicável subsidiariamente ao microssistema da tutela coletiva. Sendo assim, também todas tutelas sumárias e provisórias, de urgência ou não, cautelar, antecipatória ou de evidência, previstas no CPC, são plenamente aplicáveis às ações civis públicas. Cumpre destacar a aplicabilidade dos arts. 273 e 461 do CPC, bem como todo o seu Livro Ili.

Da Lei n. 7.347/85, destacamos os seguintes dispositivos legais: o art. 4º consigna que poderá ser ajuizada ação civil pública cautelar; a legitimidade ativa conferida pelo art. 5° da mesma lei é para a pro­positura de ação principal e a ação cautelar; o art. 12 dispõe sobre o poder do juiz de conceder medida liminar, com ou sem justificação prévia. Do Código de Defesa do Consumidor destacamos o art. 84, que admite tutela de urgência no caso de obrigações de fazer e de não fazer.

E, de fato, é imperiosa e necessária a possibilidade de conces­são de medidas liminares, cautelares ou antecipatórias, para a efe­tiva tutela dos direitos transindividuais. O comando de efetividade vem do art. 93 do coe.

E como se sabe, o princípio da máxima efetividade acaba por conferir ao juiz diversos poderes. Dentre eles, poderes instrutórios, poderes para conceder liminares, com ou sem justificação prévia,

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

poder para determinar medidas de antecipação de tutela, poder para a utilização de medidas de apoio.

O juiz, aliás, tem poderes para, excepcionalmente, conceder tutela de urgência contra o Poder Público sem a sua prévia oitiva no prazo de 72 horas. Tudo com o fim de garantir a efetividade da prestação jurisdicional.

Por sua vez, a Lei n. 8.429/92 (Lei de Improbidade Administra­tiva) faz referência ao afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, ao sequestro e à indisponibilidade de bens.

A possibilidade de afastamento do agente público está prevista no artigo 20, parágrafo único, da LIA: A autoridade judicial ou adminis­trativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remunera­ção, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.

Admitida a possibilidade, é inegável a necessidade de cautela, principalmente a fixação do prazo de afastamento, sendo que exis­tem decisões no sentido de ser razoável o afastamento de ocupante de mandato pelo prazo de cento e oitenta dias.

Além dessa medida de ordem pessoal, é possível a concessão de medidas de ordem patrimonial: o sequestro e a indisponibilidade de bens.

A indisponibilidade de bens é oportuna, por exemplo, na ação em que se apura ato de improbidade administrativa que causa lesão ao patrimônio público e, portanto, deve recair sobre bens que pos­sam assegurar o integral ressarcimento do dano. Se ensejar enrique­cimento ilícito, pode ser oportuno o sequestro dos bens adquiridos ou recebidos com o produto do ilícito.

As referidas medidas provisórias, portanto, estão relacionadas ao ressarcimento do erário e devem ser aplicadas no caso de enri­quecimento ilícito e de prejuízo ao erário.

Alguns autores não vislumbram distinção entre a indisponibili­dade de bens e o sequestro.

É possível, contudo, dizer que a indisponibilidade de bens rela­ciona-se mais diretamente à reparação do dano, enquanto que o

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sequestro é mais apropriado a garantir a conservação dos valores e bens ilicitamente obtidos pelo agente público.

O acervo de bens presentes e futuros do agente fica sujeito à medida de sequestro, que, para muitos, não passa de um arresto especial, pois não está sujeito aos requisitos do CPC (813-814) que, como se sabe, são muito rígidos.

A indisponibilidade deve determinar a inalienabilidade. Pode se traduzir num bloqueio de contas ou em uma restrição à alienação imobiliária. Está relacionado à futura execução por quantia.

A indisponibilidade não deve ser total. Deve incidir sobre o necessário à plena reparação do dano. Daí a importância da estima­tiva do dano na petição inicial.

No caso de indisponibilidade ou de sequestro de bens em caso ação de improbidade administrativa, o periculum in mora é presu­mido. Por isso é que se afirma que a hipótese é, nitidamente, de tutela da evidência (e não de urgência). Não há necessidade de prova do periculum in mora.

Há divergência quanto à possibilidade de indisponibilidade no caso de bem de família. Preferimos o entendimento segundo o qual o fato de se tratar de bem de família de imóvel não é suficiente para obstar a ordem de indisponibilidade.

Em relação aos exemplos práticos, pode-se dizer que é plena­mente justificável a concessão de uma medida liminar para determi­nar, no bojo de ação civil pública por ato de improbidade administra­tiva, a indisponibilidade de bens. A medida, no caso, é de evidência, pois como se disse, não há necessidade de se demonstrar risco de dilapidação patrimonial. Entende-se, no caso, que o periculum in mora é presumido. Afinal, há determinação constitucional para a decretação da indisponibilidade de bens no caso de improbidade administrativa.

Um exemplo de medida cautelar, comum na prática forense, relacionada à apuração de ato de improbidade administrativa, é aquela voltada, no bojo de ação preparatória, à quebra do sigilo bancário e fiscal do investigado.

A matéria estudada neste tópico pode ser assim esquematizada:

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

i) nas ações coletivas não há adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas;

ii) o regime da condenação em honorários advocatícios sucumbenciais é diferenciado, pois enquanto há responsabilidade objetiva nas ações individuais, nas ações coletivas a responsabilidade é subjetiva, isto é, depende de prova da má-fé. Tal regime também se aplica em relação às custas e às despesas processuais;

iii) se a ação coletiva for julgada procedente, as custas serão recolhidas ao final, pelo réu;

iv) embora haja referência expressa às associações, o benefício se estende ao autor da ação coletiva, em geral. Por isso, se o Ministério Público ou outro colegitimado for vencido na ação coletiva, não haverá pagamento de honorários advocatícios, exceto no caso de ser compro­vada a má-fé. Assim como não haverá adiantamento de custas pelo órgão ministerial;

v) o regime ora comentado é aplicável em todas as ações coletivas, isto é, no caso da tutela de direitos difusos, coletivos e individuais homogê­neos. Também não se restringe às ações consumeristas;

vi) o regime diferenciado só se aplica ao autor da ação coletiva;

vii) quando o Ministério Público for vencedor na ação civil pública, tam­bém não há fixação de honorários advocatícios, em vinude do impedi­mento constitucional de fixação de honorários em prol do órgão minis­terial;

viii) o regime especial, em prol do Ministério Público, não se restringe à ação civil pública, sendo aplicável. por exemplo, nos embargos à execu­ção de Termo de Ajustamento de Conduta;

ix) o regime especial é aplicável na Justiça Federal ou na Estadual, sendo desnecessária expressa previsão legal no âmbito dos Estados;

x) o benefício da isenção de custas também se aplica no caso de publi­cação de editais; xi) liminares, cautelares e antecipatórias, podem ser amplamente conce­didas no bojo das ações coletivas;

xii) é plenamente aplicável a tutela de urgência no âmbito da jurisdição coletiva;

xiii) existem peculiaridades no caso de liminares contra o Poder Público;

xiv) em regra, que não é absoluta, não deve ser concedida qualquer medida de urgência, cautelar ou antecipatória, em face das pessoas jurídicas de direito público, em caráter inaudita altera parte. Somente após a oitiva da pessoa jurídica de direito público, concedido o prazo de 72 horas.

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9. RELAÇÃO ENTRE DEMANDA INDIVDIUAL E COLETIVA

Logo de início é importante consignar que não há que se falar em litispendência entre ação coletiva e ação individual. Como expressamente estabelece o art. 104 do CDC, as ações coletivas não induzem litispendência para as ações individuais.

~ Aplicação em concurso público:

No concurso da Defensoria Pública (Defensoria/SP - 2013 - FCC) elaborou­-se o seguinte enunciado: UA Defensoria Pública ajuizou ação civil pública com o fim de obrigar o Município de Osasco a tornar acessíveis, do ponto de vista arquitetônico, as escolas públicas municipais de ensino infantil no prazo máximo de um ano, sob pena do pagamento de multa diária no valor de quinhentos reais, além de indenização por danos morais no valor de cinco mil reais por aluno que em razão de sua deficiência não conseguisse acessar a escola ou a sala de aula autonomamente. Deter­minada a citação da municipalidade, foi oferecida contestação.

Após, o juízo determinou que as partes se manifestassem sobre even­tual interesse na tentativa de conciliação e especificassem as provas que pretendiam produzir. Ambas as partes manifestaram interesse na conciliação e especificaram suas provas. Ato contínuo, sem que fosse designada audiência, o juiz proferiu sentença declarando a ilegitimidade da Defensoria Pública para a propositura da ação, sustentando tratar-se de interesses difusos, para os quais a legitimidade seria do Ministério Público. Sustentou que o pedido de dano moral fora feito de forma ina­dequada, eis que deveria eventual indenização ser revertida ao fundo dos direitos difusos. Por fim, justificou a não designação de audiência de conciliação em razão da impossibilidade de transação em matéria que envolva direitos coletivos lato sensu, eis que indisponíveis. Conside­rando a causa apresentada".

Em seguida, questionou-se se está correta a seguinte frase, dentre outras: '"eventual ação individual de reparação de danos em razão da inacessibilidade de determinado prédio escolar deverá tramitar junto ao mesmo órgão jurisdicional que processa a ação coletiva, em razão da litispendência".

Considerando o que se disse acima, está assertiva está errada, pois a ação

coletiva não induz litispendência para os ações individuais.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

~ Aplicação em concurso público:

No concurso do Ministério Público (Promotor de Justiça/GO - 2013), ques­tionou-se, sobre a tutela coletiva: "as ações coletivas não induzem litis­pendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes não beneficiam os autores das ações indi­viduais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva".

A assertiva está correta, pois assim estabelece o art. 104 do coe.

Portanto, fique atento: CDC. art. 104: "As ações coletivas, pre­vistas nos incisos 1 e li e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa jul­gada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos li e Ili do

artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da

ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva".

Portanto, memorize duas regras básicas:

a) As ações coletivas não induzem litispendência para as ações individuais;

b) Os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

Também é importante verificar que a suspensão da ação indi­vidual depende de requerimento do interessado, com o objetivo de poder se beneficiar da sentença coletiva. A suspensão de ofício pelo juiz poderá ser determinada quando a ação coletiva for considerada "representativa da controvérsia", nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil, conforme decidiu a Segunda Seção do STJ (REsp 1110549 / RS): "Ajuizada ação coletiva atinente a macro-lide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva".

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10. O REGIME DA AUTORIDADE COISA JULGADA E DOS SEUS EFEITOS

Embora regulado em diversos diplomas normativos, o regime da coisa julgada, em se tratando de ação civil pública, ou ação cole­tiva, é disciplinado, principalmente, pelo disposto no art. io3 do CDC:

"Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sen­tença fará coisa julgada:

1 - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legiti­mado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso 1 do pará­grafo único do art. 81;

li - ultra panes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese pre­vista no inciso li do parágrafo único do art. 81;

Ili - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipó­tese do inciso Ili do parágrafo único do art. 81.

§ 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos 1 e li não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integran­tes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.

§ 2° Na hipótese prevista no inciso Ili, em caso de improce­dência do pedido, os interessados que não tiverem inter­vindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, com­binado com o art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pes­soalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, benefi­ciarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.

§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória".

Pelo que se observa do mencionado dispositivo legal, enquanto no sistema do Código de Processo Civil a coisa julgada se forma no caso de procedência ou de improcedência da demanda (coisa

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julgada pro et contra), no processo coletivo a formação da coisa jul­gada depende do resultado do processo (secundum eventum litis).

A sentença de improcedência, por exemplo, não vai prejudicar

as ações individuais.

~ Aplicação em concurso público:

No concurso do Ministério Público (Promotor de Justiça/GO - 2013) fez· -se a seguinte afirmativa errada: #de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, a sentença coletiva opera efeitos no plano individual, podendo beneficiar ou prejudicar as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, tratando-se de caso de extensão in utilibus da coisa julgada ao plano coletivo para o plano individual".

Com efeito, a sentença coletiva não pode prejudicar as ações

individuais (vide art. io3 do CDC, especialmente o § 3° do mencio­nado dispositivo legal).

Na verdade, ocorre uma extensão para beneficiar (ín utílibus) as pessoas individualmente atingidas.

~ Aplicação em concurso público:

Correta, pois, a seguinte assertiva formulada em concurso público: #(Advogado da Sabesp/SP - 2014 - FCC) A sentença em ação coletiva, tendo como objeto interesses individuais homogêneos: a)não impede que, em caso de improcedência da ação coletiva, os interessados pro· ponham ação individual de indenização, se não tiverem atuado como litisconsortes".

Nas ações coletivas, portanto, a sentença fará coisa julgada:

a) Erga omnes, se a ação for julgada procedente, no caso de interesses ou direitos difusos. Nesse caso, a sentença cole­tiva vincula os colegitimados e beneficia todas as vítimas e sucessores.

Também terá eficácia erga omnes, mas só em relação aos cole­gitimados, a sentença de improcedência por motivo que não seja a insuficiência de provas. Por isso, a improcedência da ação coletiva por outro motivo não prejudica eventuais ações individuais, mesmo porque a coisa julgada se forma apenas em benefício das vítimas e sucessores.

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Ocorre que os direitos difusos são transindividuais, indivisíveis e pertencentes a pessoas indetermináveis. Sendo assim. a sentença de procedência da ação coletiva vai beneficiar todas esses sujeitos indetermináveis. E se o objeto é indivisível, vai aproveitar a todos igualmente.

No caso de improcedência por falta de provas, em que não se forma a coisa julgada erga omnes, qualquer legitimado, inclusive o autor da ação coletiva julgada improcedente, poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

b) Ultra partes, no caso de direitos coletivos no sentido estrito, isto é, que pertencem ao grupo, categoria ou classe de pes­soas, se a ação for julgada procedente.

Também terá eficácia ultra partes, mas apenas em relação aos colegitimados à ação coletiva. a ação julgada improcedente por motivo que não seja a insuficiência de provas.

A eficácia ultra partes decorre do fato de se tratar de interes­ses ou direitos transindividuais e indivisíveis, mas que não perten­cem a toda coletividade. Logo, a eficácia da decisão não se estende por toda a coletividade, mas somente ao grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma rela­ção jurídica base.

No caso de improcedência por falta de provas, em que não se forma a coisa julgada ultra partes, qualquer legitimado, inclusive o autor da ação coletiva julgada improcedente, poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Bastante elucidativo o pronunciamento da Primeira Turma do STJ (AgRg no REsp 1357759 / GO) sobre o aproveitamento da sentença coletiva em prol da classe:

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"A indivisibilidade do objeto da ação coletiva. na maioria das vezes, importa na extensão dos efeitos positivos da decisão a pessoas não vinculadas diretamente à entidade classista postulante que, na verdade, não é a titular do direito mate­rial, mas tão somente a substituta processual dos integran­tes da respectiva categoria, a que a lei conferiu legitimidade autônoma para a promoção da ação. Nessa hipótese, diz-se que o bem da vida assegurado pela decisão é fruível por

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

todo o universo de integrantes da categoria, grupo ou classe, ainda que não filiados à entidade postulante.

Aquele que faz parte da categoria profissional (ou classe), representada ou substituída por entidade associativa ou sindical, é diretamente favorecido pela eficácia da decisão coletiva positiva transitada em julgado, independente de estar filiado ou associado à mesma entidade, tendo em vista que as referidas peculiaridades do microssistema processual coletivo privilegia a máxima efetividade das decisões nele tratadas, especialmente considerando que o direito subje­tivo material (coletivo) se acha em posição incontroversa e já proclamado em decisão transitada em julgado.

o integrante da categoria possui legitimidade para propor execução individual oriunda de ação coletiva, mesmo que não tenha autorizado a associação ou o sindicato para lhe representar na ação de conhecimento".

c) Na ação que tutela direitos individuais homogêneos, a sen­tença de procedência também tem uma eficácia erga omnes, mas para beneficiar não a coletividade de uma forma geral, mas sim todas as vítimas e seus sucessores que sofreram danos de origem comum, isto é, relacionados a um mesmo acontecimento tático.

Como os direitos individuais homogêneos são divisíveis, a efi­cácia da sentença de procedência terá um efeito comum em relação a todas as vítimas e sucessores, que é a possibilidade de transporte da coisa julgada coletiva, isto é, de utilização da sentença coletiva (condenatória genérica) em benefício próprio, mas haverá uma divi­sibilidade quanto aos efeitos, uma vez que a reparação dos danos será na medida do dano sofrido individualmente.

Vale lembrar que, no caso da tutela de direitos individuais homogêneos, haverá uma sentença condenatória genérica. Apesar de genérica, referida sentença, como bem observou a Terceira Turma do STJ (REsp i304953 / RS), versará sobre o ressarcimento dos danos causados, com o reconhecimento do ato ilícito praticado pelo réu. Além disso, o mesmo órgão julgador advertiu sobre a constituição em mora do devedor, desde a citação:

"Embora a condenação imposta nas ações para tutela de direitos individuais homogêneos deva ser genérica, não podendo entrar no mérito dos prejuízos sofridos por cada

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interessado, ela irá necessariamente versar sobre o ressar­cimento dos danos causados, reconhecendo o ato ilícito pra­ticado pelo réu, o que, por conseguinte, já o constitui em mora desde a citação para responder aos termos da ação civil pública, nos termos do art. 219 do CPC".

Importante ser mencionada, também, sobre a questão, a deci-

são da Quarta Turma do STJ (AgRg no AREsp 122031 / PR):

"As ações civis públicas, ao tutelarem indiretamente direitos individuais homogêneos, viabilizam uma prestação jurisdicio­nal de maior efetividade a toda uma coletividade atingida em seus direitos, dada a eficácia vinculante das suas sentenças.

Assim, em face do escopo jurídico e social das ações civis públicas na tutela dos direitos individuais homogêneos, busca-se reconhecer, por meio dessas ações, o evento fac­tual gerador comum, do qual decorrem pretensões indeniza­tórias massificadas, a fim de facilitar a defesa do consumidor em Juízo, com acesso pleno aos órgãos judiciários.

Diante de tais premissas, o próprio coe, em seu artigo 95, dita os contornos do conteúdo da sentença coletiva relativa à pretensão deduzida em Juízo nessa espécie processual, ditando de antemão aquilo que virá a ser a sua coisa julgada material, no sentido de a sentença se limitar a reconhecer a responsabilidade do réu pelos danos causados aos con­sumidores condenando-o, de forma genérica, ao dever de indenizar" - destaques nossos.

Outro detalhe: aquele que se habilitou na ação coletiva, como

litisconsorte, atendendo ao chamado do edital publicado com fun­

damento no artigo 94 do CDC, ficará sujeito ao que for decidido na

ação coletiva. Ou seja, se a ação coletiva for julgada improcedente, o

litisconsorte não poderá ajuizar ação individual, ainda que a impro­

cedência da ação coletiva se dê por falta de provas.

De outro lado, aquele que não ingressou na ação coletiva jul­

gada improcedente, poderá propor ação de indenização a título

individual, valendo o julgado coletivo como um precedente sobre o

caso, mas não se podendo falar, na hipótese, em coisa julgada.

Vale lembrar a advertência da Segunda Turma do STJ (AgRg no

REsp 1380787 /se, DJe 02/09/2014), no sentido de que a Corte Especial

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

do STJ decidiu que a sentença coletiva não pode ter limites territo­riais em função da competência do órgão prolator:

"No que se prende à abrangência da sentença prolatada em ação civil pública relativa a direitos individuais homogêneos,

a Corte Especial decidiu, em sede de recurso repetitivo, que "os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a

lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre

a extensão do dano e a qualidade dos interesses metain­

dividuais postos em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC)" (REsp 1243887/PR, Rei. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado sob a sistemática prevista no art.

543-C do CPC, DJ 12/12/2on).

Com efeito, quanto à eficácia subjetiva da coisa julgada na

ação civil pública, incide o Código de Defesa do Consumidor por previsão expressa do art. 21 da própria Lei da Ação Civil

Pública.

Desse modo, os efeitos do acórdão em discussão nos pre­sentes autos são erga omnes, abrangendo a todas as pes­

soas enquadráveis na situação do substituído, independen­temente da competência do órgão prolator da decisão. Não

fosse assim, haveria graves limitações à extensão e às poten­cialidades da ação civil pública, o que não se pode admitir.".

Bastante preciso, também, o pronunciamento da Terceira Turma

do STJ (REsp 399357 / SP):

"A Lei da Ação Civil Pública, originariamente, foi criada para

regular a defesa em juízo de direitos difusos e coletivos. A figura dos direitos individuais homogêneos surgiu a partir do Código de Defesa do Consumidor, como uma terceira cate­goria equiparada aos primeiros, porém ontologicamente diversa.

Distinguem-se os conceitos de eficácia e de coisa julgada. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença. O art. 16 da LAP, ao impor limitação territorial à coisa julgada, não alcança os efeitos que propriamente ema­nam da sentença.

Os efeitos da sentença produzem-se 'erga omnes', para além dos limites da competência territorial do órgão julgador".

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~ Aplicação em concurso público:

A questão foi explorada em concurso público: "(Defensor Público/PR -2012 - FCC) Um cidadão procura os serviços de assistência jurídica da Defensoria Pública do Paraná em Curitiba, relatando a cobrança da "taxa para procedimentos operacionais", no valor de RS 5.000,00, pelo Banco Lucrobom, para a expedição da declaração de quitação integral do financiamento imobiliário que havia contratado. Ao pesquisar sobre o assunto, o Defensor Público responsável pelo caso identificou uma ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública do Ceará, na ia Vara Cível da Comarca de Fortaleza, contra o mesmo banco e questionando a mesma taxa, cuja sentença, ao julgar procedente a demanda, proibiu a cobrança da taxa em novas oportunidades e determinou a devolução em dobro para aqueles que já a haviam custeado. A decisão transitara em julgado um mês antes, após julgamento da apelação, à qual se negou provimento, pelo Tribunal de Justiça do Ceará. Diante desses fatos, a medida a ser adotada pelo Defensor Público é:".

Acertou quem assina/ou a alternativa "b", segundo a qual "a execução indi­vidua/ da decisão em Curitiba, já que a eficácia da sentença em ação civil pública não sofre limitação territorial, alcançando todos que dela possam beneficiar-se".

Por força do art. 104, § 3°, do CDC, também será possível o

transporte da coisa julgada coletiva no caso de ser julgada pro­

cedente a ação coletiva que tutela direitos difusos. Nesse caso, as

vítimas e seus sucessores serão beneficiados e poderão ingressar

com imediato pedido de liquidação e execução dos danos indivi­

dualmente sofridos. Se já estava pendente a ação individual que foi

suspensa (art. 103 do CDC), a ação será convertida, isto é, proceder­

-se-á à imediata liquidação e execução.

Resta uma questão a ser analisada. Qual é o efeito da sentença

de improcedência por falta de provas, no caso de ação que tutela

direitos individuais homogêneos?

Ela também vincula os colegitimados, considerando que no

inciso Ili do art. 194 não há a mesma ressalva dos demais incisos?

Como não há ressalva no inciso Ili do art. 104, a interpretação

literal conduz à conclusão, adotada por vários autores, no sentido de

que a improcedência por falta de provas, no caso, também vincularia

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os colegitimados. Ou seja, não seria admissível outra ação coletiva como idêntico fundamento, ainda que fundada em nova prova.

Pessoalmente, preferidos a outra possível interpretação, que também é adotada por diversos autores, no sentido de que, por uma questão de isonomia, no caso de improcedência por falta de provas é possível ajuizar outra ação coletiva, com idêntico funda­

mento, desde que lastreada em prova nova.

A possibilidade de extensão subjetiva dos efeitos da coisa jul­gada, ou seja, para beneficiar os substituídos, que não figuraram como parte na ação coletiva, remete-nos à à ampliação legal do objeto da ação coletiva.

Com efeito, se as vítimas e sucessores podem se valer da deci­são condenatória para pleitear a liquidação e a execução dos danos individuais sofridos, é certo que uma ação coletiva que tutela direi­tos difusos, por força de lei, também acaba por tutelar direitos indi­viduais.

Assim, o transporte da coisa julgada coletiva às ações indivi­duais revela uma ampliação do objeto do processo coletivo, nos mesmos moldes do que ocorre no processo penal, em que a sen­tença penal condenatória transitada em julgado torna certa a obri­gação de reparar o dano sofrido pela vítima e constitui, a favor dela, título executivo judicial no juízo cível.

Sobre a coisa julgada, em ação coletiva que tutela direitos indi­viduais homogêneos, é interessante o seguinte pronunciamento da

Quarta Turma do STJ (REsp 964755 / RN):

"Apesar da inexistência no ordenamento jurídico de regra­mento sobre a coisa julgada coletiva, sua extensão, segundo dispõe o art. io3 do Código de Defesa do Consumidor, dá-se: inter partes - vincula as partes litigantes; ultra partes - atinge terceiros, nas hipóteses em que haja legitimação extraordi­nária ou concorrente; e erga omnes - nas ações coletivas que têm por objeto a proteção de direitos difusos e coletivos.

Nas ações civis públicas em defesa de interesses individuais homogêneos, os efeitos da sentença de procedência é ultra partes, pois alcança apenas um grupo determinado de pes­soas vinculadas ao objeto da ação.

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Para que exista coisa julgada como pressuposto processual negativo, é necessária a repetição de uma ação idêntica a que se pretende propor já transitada em julgado.

Se a primeira ação era civil pública e tratava de direitos indi­viduais homogêneos, mas a extensão da coisa julgada abar­cou apenas a menor parte de pessoas componentes de um mesmo grupo, a repetição da mesma ação, visando a tutela dos demais componentes de tal grupo, não gera identidade de ação, pois há distinção no pedido imediato formulado -causa imediata de pedir".

Por fim, para que o leitor fique atento às questões terminológi­cas, é bom lembrar que os autores costumam dizer que, como a auto­ridade da coisa julgada é condicionada ao resultado do processo, ou seja, ao fato da procedência ou improcedência da demanda cole­tiva, há uma coisa julgada secundum eventum litis. De outro lado, como também a qualidade das provas que foram produzidas poderá determinar a extensão ou não da autoridade da coisa julgada em relação aos colegitimados, afirma-se que ocorre, também, a coisa julgada secundum eventum probotionis.

Para fixar ainda mais o tema da coisa julgada no âmbito da jurisdição coletiva, vale lembrar de algumas questões de concurso, como a seguinte:

~ Aplicação em concurso público:

(Advogado da Sabesp/SP - 2014 - FCC) A sentença em ação coletiva, tendo como objeto interesses individuais homogêneos,

a) não impede que, em caso de improcedência da ação coletiva, os interessados proponham ação individual de indenização, se não tiverem atuado como litisconsortes.

b) poderá ter execução coletiva, a qual exclui a possibilidade de execu­ções individuais.

c) poderá ser liquidada e executada, entre outros, pelo Ministério Público, em proveito direto das vítimas, quando, decorrido o prazo de 2 (dois) anos, não houver habilitado interessados em número compatível com a gravidade do dano.

d) faz coisa julgada apenas em relação ao legitimado que propôs a ação, qualquer que tenha sido o seu conteúdo.

e) pode ser liquidada e executada pela vítima mas não por seus suces­sores, dado o caráter personalíssimo da decisão.

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De acordo com o que já foi comentado, é evidente o acerto da afirmativa "a", pois a sentença em ação coletiva, tendo como objeto interesses individuais homogêneos, de fato, não impede que, em caso de improcedência da ação coletiva, os interessados propo­nham ação individual de indenização, se não tiverem atuado como litisconsortes.

De outro lado, a possibilidade de execução coletiva não afasta a possibilidade de execução individual. Além disso, a possibilidade de execução direta a favor das vítimas é imediata, de tal forma que também não se pode afirmar ("d") que a vinculação à sentença seria apenas dos colegitimados. Quanto à alternativa "e", a sentença coletiva beneficia vítimas e sucessores, no caso de procedência da demanda.

~ Aplicação em concurso público:

No concurso do Ministério Público (Promotor de Justiça/MG - 2014), gaba­ritou uma questão quem lembrou que, #na ação civil pública, a sentença fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão do Poder Judiciário prolator, EXCETO: b) Se o pedido for jul­gado improcedente, por insuficiência de provas, hipótese em que qual­quer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova provan.

~ Aplicação em concurso público:

Sobre a coisa julgada secundum eventum probationis, confira a seguinte questão: "(Defensor Público/PR - 2012 - FCC) Uma associação de proteção ao meio ambiente ajuizou ação civil pública contra uma indústria química para que fosse impedida de realizar determinado processo de produção que teria por resultado uma fumaça tóxica que impediria o crescimento das araucárias. Como a associação não pôde custear a perícia, a ação foi julgada improcedente por falta de provas e transitou em julgado. Nesse caso:".

A resposta estava na alternativa "a", segundo a qual "é possível a qualquer legitimado para a tutela coletiva ajuizar nova ação civil pública, desde que fundada em novas provas".

Sobre a coisa julgada, é importante observar:

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i) a coisa julgada está ligada à segurança jurídica;

ii) o regime da autoridade da coisa julgada depende de opções legisla­tivas. O instituto é flexível;

iii) os efeitos da coisa julgada nem sempre ficam restritos às partes do processo onde ela se formou;

iv) o regime da autoridade e dos efeitos da coisa julgada depende da consideração de alguns aspectos, principalmente: do fato de que o autor da ação coletiva não é titular do direito material; da preocupação em se evitar o conluio entre o autor da ação coletiva e o réu, que poderia prejudicar os titulares do direito material;

v) o regime da coisa julgada varia em função do direito material discu­tido em juízo;

vi) há, basicamente, um regime no caso de direitos genuinamente coleti­vos, em função da indivisibilidade do objeto, e outro regime relacionado aos direitos individuais homogêneos;

vii) a imutabilidade do comando da coisa julgada, entre os cotitulares, na hipótese de tutela de direitos difusos e coletivos, forma-se no caso de procedência ou de improcedência da demanda por motivo que não seja a falta de provas. No caso da falta de provas, não há impedimento para o ajuizamento de nova ação coletiva por parte de qualquer cole­gitimado;

viii) não se forma coisa julgada na hipótese de improcedência por falta de provas, na tutela de direitos difusos e coletivos, para se impedir que eventual conluio entre as partes pudesse prejudicar os direitos transin­dividuais;

ix) no caso da tutela de direitos individuais homogêneos, pela literali­dade do art. io3 do CDC, há imutabilidade no comando de procedência ou de improcedência, entre os colegitimados, ainda que seja por insufi­ciência de provas;

x) não haverá imutabilidade da coisa julgada, oponível aos titulares de direitos individuais, para obstar as ações individualmente ajuizadas. Exceto no caso da tutela de direitos individuais homogêneos, em relação àqueles que ingressaram na ação coletiva (art. 94 do CDC);

xi) a coisa julgada ergo omnes ou ultra portes, no caso da tutela de direi­tos difusos e coletivos, seria uma consequência natural da indivisibili­dade do objeto;

xii) no caso da tutela de direitos individuais homogêneos, a extensão dos efeitos da coisa julgada às vítimas e sucessores tem por fim permitir a tutela coletiva de direitos individuais de forma efetiva;

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xiii) assim, há possibilidade do transporte da coisa julgada coletiva, de tal forma que a referida decisão pode ser utilizada como título executivo pelas vítimas ou interessados;

xiv) transitada em julgado a sentença condenatória genérica, cada vítima pode ingressar como ação de liquidação e execução individual; se a vítima já ingressou com ação individual, que foi suspensa. a ação indivi­dual será convertida em ação de liquidação e execução;

xv) há tutela de direitos individuais, ainda que indiretamente, no caso da propositura de ações coletivas que tutelam direitos difusos e coleti­vos. pois a coisa julgada coletiva também poderá fundamentar pedido de liquidação e de execução individual. Por isso se diz, embora não de forma pacífica, que há um ampliação legal do objeto das mencionadas ações coletivas. É como se os titulares de direitos individuais participas­sem do processo por meio dos entes legitimados. Como não integram, efetivamente, a relação processual. não serão prejudicados por even­tual improcedência da ação coletiva.

11. LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO

No caso de ação coletiva que tutela direitos individuais homo­gêneos. o juiz deverá proferir sentença condenatória genérica (art.

95 do CDC). A referida sentença reconhece a responsabilidade do réu e, em consequência, o seu dever de indenizar. Referidos aspectos

tornam-se imutáveis, em função do trânsito em julgado.

Assim, na ação coletiva ocorre a definição da responsabilidade do réu. Não são discutidas as questões individuais.

Por isso, transitada em julgado a sentença condenatória gené­rica, cada vítima, por meio de seu representante, pode pleitear a liquidação e a execução individual. oportunidade em que deverá provar o nexo de causalidade entre a conduta do réu e o dano indi­vidualmente sofrido. Nesta ação individual também será definido o valor da sua indenização.

Por isso, enquanto nas liquidações em geral há mera discussão do valor devido, na liquidação decorrente de sentença condenatória genérica também se discute o nexo de causalidade entre a conduta apurada na ação coletiva e o dano individualmente sofrido.

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A liquidação individual, além de ter por fundamento uma sen­tença condenatória genérica movida em sede de ação coletiva para a tutela de direitos individuais homogêneos, também pode ter por fundamento uma sentença condenatória proferida em ação para a tutela de direitos difusos ou coletivos, que, como se viu, produz efei­tos em prol de toda a coletividade (erga omnes) ou em prol de um grupo, classe ou categoria de pessoas (ultra partes).

Constata-se, pois, que direitos individuais homogêneos são tutelados direta ou indiretamente pelas ações coletivas.

É possível o ajuizamento de uma ação coletiva específica para a tutela de direitos individuais homogêneos, fundada nos arts. 91 e ss. do coe.

Também é possível que a vítima se aproveite da coisa julgada coletiva, isto é, é autorizado o transporte da coisa julgada coletiva a favor de pretensões individuais.

Em relação à ação coletiva para tutela de direitos individuais homogêneos, oportuna a seguinte passagem de decisão proferida pela Quarta Turma do STJ (AgRg no AREsp 122031 / PR):

"Caberá à parte, diante dessa sentença genérica. proceder posteriormente à sua execução ou liquidação (art. 97, CDC), a qual se diferencia da execução comum, em razão de deman­dar ampla cognição para a individuação do direito do con· sumidor exequente, e também por conferir ao exequido a oportunidade de opor objeções relativas às eventuais situa­ções impeditivas, modificativas ou extintivas da pretensão executiva. Precedentes: EREsp 475.566/PR, Rei. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJ 13/9/2004; REsp i.07i.787/ RS, Rei. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 10/8/2009; REsp 673.380/RS, Rei. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJ 20/6/2005, entre outros".

Há prazo prescricional para que seja movida a ação de liquida­ção e de execução? A resposta é positiva.

E o prazo, segundo a jurisprudência, é de cinco anos, por apli­cação analógica do art. 21 da Lei 4.717/65.

Conta-se o prazo a partir do trânsito em julgado da sentença coletiva.

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No julgado acima citado também restou consignado:

"No caso. há lei definindo que o prazo prescricional para deduzir pretensão relativa a direitos individuais homogê­neos, mediante o ajuizamento de ação civil pública, é de cinco anos, por força do art. 21 da Lei 4.717/65, de aplicação analógica; por conseguinte, à pretensão executiva decor­rente incidirá idêntico lapso temporal, a contar do trânsito em julgado da sentença coletiva, não se encontrando acober­tada pelo manto da coisa julgada material a referência nela existente a prazo prescricional diverso daquele que lhe haja sido fixado por legislação especial de regência." .

Sobre a competência, é importante lembrar que o pedido de

liquidação e de execução individual da sentença condenatória gené­rica poderá ser formulado perante o foro do domicílio do benefi­ciário.

Nesse sentido o seguinte pronunciamento da Corte Especial do

STJ (REsp 1243887 / PR):

"A liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a eficá­cia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC)" .

Assim, além de eventual pedido perante o próprio foro onde se formou o título ou, ainda, perante o foro do local onde estão os bens ou onde reside o devedor (art. 475-P, do CPC), o titular de direito individual poderá optar pelo foro do seu domicílio.

A liquidação poderá ser promovida individualmente, ou seja, pela própria vítima, bem como por um dos legitimados do art. 82 do coe. Por isso, a liquidação pode ser individual ou coletiva.

A jurisprudência tem estabelecido uma ordem de preferência, afirmando que a liquidação individual é prioritária em relação à liquidação coletiva. Assim decidiu a Quarta Turma do STJ (REsp 869583 / DF):

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"Não obstante ser ampla a legitimação para impulsionar a liquidação e a execução da sentença coletiva, admitindo-se que a promovam o próprio titular do direito material, seus sucessores, ou um dos legitimados do an. 82 do coe, o an. 97 impõe uma gradação de preferência que permite a legiti­midade coletiva subsidiarlamente, uma vez que, nessa fase, o ponto central é o dano pessoal sofrido por cada uma das vítimas.

Assim, no ressarcimento individual (ans. 97 e 98 do COC), a liquidação e a execução serão obrigatoriamente personali­zadas e divisíveis, devendo prioritariamente ser promovidas pelas vítimas ou seus sucessores de forma singular, uma vez que o próprio lesado tem melhores condições de demons­trar a existência do seu dano pessoal, o nexo etiológico com o dano globalmente reconhecido, bem como o montante equivalente à sua parcela.

O an. 98 do coe preconiza que a execução "coletiva" terá lugar quando já houver sido fixado o valor da indenização devida em sentença de liquidação, a qual deve ser - em sede de direitos individuais homogêneos - promovida pelos pró­prios titulares ou sucessores.

A legitimidade do Ministério Público para instaurar a execu­ção exsurgirá - se for o caso - após o escoamento do prazo de um ano do trânsito em julgado se não houver a habilita­ção de interessados em número compatível com a gravidade do dano, nos termos do an. lOO do coe. É que a hipótese versada nesse dispositivo encerra situação em que, por alguma razão, os consumidores lesados desinteressam-se quanto ao cumprimento individual da sentença, retornando a legitimação dos entes públicos indicados no an. 82 do coe para requerer ao Juízo a apuração dos danos globalmente causados e a reversão dos valores apurados para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (an. 13 da LACP), com vistas a que a sentença não se torne inócua, liberando o fornecedor que atuou ilicitamente de arcar com a reparação dos danos causados.

No caso sob análise, não se tem notícia acerca da publicação de editais cientificando os interessados acerca da sentença exequenda, o que constitui óbice à sua habilitação na liqui­dação, sendo ceno que o prazo decadencial nem sequer

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m1c1ou o seu curso, não obstante já se tenham escoado quase treze anos do trânsito em julgado.

No momento em que se encontra o feito, o Ministério Público, a exemplo dos demais entes públicos indicados no art. 82 do coe, carece de legitimidade para a liquidação da sentença genérica, haja vista a própria conformação constitucional desse órgão e o escopo precípuo dessa forma de execução, qual seja, a satisfação de interesses individuais personali­zados que, apesar de se encontrarem circunstancialmente agrupados, não perdem sua natureza disponível" - desta­ques nossos.

Fala-se, ainda, em liquidação subsidiária.

Tal ocorre quando decorre o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, nos termos do art. 100 do CDC:

"Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquida­ção e execução da indenização devida.

Parágrafo único. O produto da indenização devida reverterá para o fundo criado pela Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985".

Ou seja, depois de transitada em julgado a sentença condena­tória genérica, não há um número razoável de vítimas que promove a liquidação dos danos sofridos individualmente.

Nesse caso será instaurada a chamada liquidação subsidiá­ria, bem explicada no julgamento do REsp 1156o21 / RS, pela Quarta Turma do STJ, que também ressaltou a necessidade de publicação de edital para que se tenha início a contagem do prazo de um ano para a habilitação de interessados:

"Nos termos do artigo 100, caput, do Código de Defesa do Consumidor, "decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquida­ção e execução da indenização devida", hipótese denomi­nada reparação fluida - fluid recovery, inspirada no modelo norte-americano da class action.

Referido instituto, caracterizado pela subsidiariedade, aplica­-se apenas em situação na qual os consumidores lesados desinteressam-se quanto ao cumprimento individual da

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sentença coletiva, transferindo à coletividade o produto da reparação civil individual não reclamada, de modo a pre­servar a vontade da Lei, qual seja a de impedir o enriqueci­mento sem causa do fornecedor que atentou contra as nor­mas jurídicas de caráter público, lesando os consumidores.

Assim, se após o escoamento do prazo de um ano do trân­sito em julgado, não houve habilitação de interessados em número compatível com a extensão do dano, exsurge a legi­timidade do Ministério Público para instaurar a execução, nos termos do mencionado artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor; nesse contexto, conquanto a sentença tenha determinado que os réus publicassem a parte dispositiva em dois jornais de ampla circulação local, esta obrigação, frise­-se, destinada aos réus, não pode condicionar a possibi­lidade de reparação fluida, ante a ausência de disposição legal para tanto e, ainda, a sua eventual prejudicialidade à efetividade da ação coletiva, tendo em vista as dificuldades práticas para compelir os réus ao cumprimento.

Todavia, no caso em tela, observa-se que não obstante as alegações do Ministério Público Estadual, deduzidas no recurso especial, no sentido de que "no presente caso houve a regular publicação da sentença, conforme documento da fl. 892 [dos autos de agravo de instrumento, correspondente à fl. 982, e-STJ]", ao compulsar os autos, verifica-se que a men­cionada folha refere-se à publicação do edital, em 20/02/2003, relativo à cientificação dos interessados sobre a propositura da ação coletiva. Assim, o citado edital não se destinou à cientificação dos interessados quanto ao conteúdo da sen­tença, mas à propositura da ação coletiva, o que constitui óbice à sua habilitação, razão pela qual não se pode reputar iniciado o prazo do artigo 100 do Código de Defesa do Con­sumidor. Precedente: REsp 869583/DF, Rei. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 05/09/2012

RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO, a fim de (i) afas­tar a necessidade de cumprimento da obrigação de publicar editais em dois jornais de ampla circulação local para fins de contagem do prazo previsto no artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor, bem assim (ii) determinar o retorno dos autos à origem, para que se proceda à publicação de edital, sobre o teor da sentença exequenda, em órgão oficial, nos termos do artigo 94 do diploma consumerista".

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~ Aplicação em concurso público:

Também foi bastante preciso, sobre a liquidação subsidiária, o pronun­ciamento da Quarta Turma do STJ (REsp 1187632 / DF): "A reparação fluída (fluid recovery) é utilizada em situações nas quais os beneficiários do dano não são identificáveis, o prejuízo é individualmente irrelevante e globalmente relevante e, subsidiariamente, caso não haja habilitação dos beneficiários".

Em relação ao tema tratado no presente tópico, podemos fazer

a seguinte sistematização:

i) na ação que tutela direitos difusos e coletivos em sentido estrito, a satisfação dos direitos individuais é reflexa, tendo em vista a possibili­dade de que as vítimas e sucessores se valham da sentença coletiva de procedência. Elas poderão proceder à liquidação e à execução. É o que estabelece o art. 103, § 3°, do CDC;

ii) a sentença de improcedência proferida em ação que tutela direitos difusos e coletivos em sentido estrito não prejudica eventuais ações de indenização por danos pessoalmente sofridos (o art. 103, § 3°, do CDC);

iv) a sentença que julgada a ação que tutela direitos difusos e coletivos em sentido estrito pode conter uma parte líquida e certa, em relação aos mencionados direitos, e uma eficácia de sentença condenatória genérica em relação a direitos individuais homogêneos, tendo em vista a possibilidade de que as vítimas e sucessores se valham da mencionada sentença como título executivo para promover a liquidação e a execução de danos individualmente sofridos;

v) no que se refere à tutela de direitos difusos e coletivos, espera-se que a sentença condenatória seja certa e determinada, exceto se for o caso de ser formulado pedido condenatório genérico;

vi) a ação condenatória para a tutela de direitos individuais homogê­neos, prevista a partir do art. 91 do coe. não tem um fim em si mesmo. Ela é destinada a uma sentença condenatória genérica, no caso de pro­cedência da demanda (art. 95 do CDC);

vii) a ação condenatória para a tutela de direitos individuais homogê­neos é destinada a discutir, genericamente, a responsabilidade do réu por danos não especificados, a diversas pessoas, decorrentes de uma origem comum, isto é, de uma mesma questão de fato ou de direito. Evidente que a referida sentença também reconhece, com autoridade de coisa julgada, a ocorrência de um dano transindividual.

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A sentença condenatória genérica também fixa a responsabilidade do réu pela posterior indenização de vítimas e sucessores, em decorrên­cia do mencionado dano transindividual. O pedido inicial, portanto, é genérico, assim como fluida a narração dos fatos, ou seja, sem descrição pormenorizada das situações individuais;

viii) transitada em julgado a sentença condenatória genérica, abre-se a possibilidade de que vítimas e sucessores promovam a liquidação e a execução, iniciando-se, também, a contagem do prazo prescricional para que a pretensão executória seja apresentada em juízo. Genericamente, o prazo prescricional, no caso, é de cinco anos;

ix) na liquidação da sentença condenatória genérica, além da discussão referente ao quantum que será devido a cada uma das vítimas, também deverá ser provado o nexo de causalidade entre a conduta imputado ao réu, na ação de conhecimento, e o dano sofrido individualmente pela vítima;

x) a referida liquidação, portanto, diferencia-se das demais formas de liquidação previstas no processo civil individual, pois nela a cognição é ampla em relação à apuração do nexo de causalidade e à individuali­zação do montante indenizatório. O requerido poderá, por exemplo, apresentar defesa relacionada à demonstração da inexistência do nexo ou relativa à apuração do valor devido;

xi) em relação à competência, o pedido de liquidação e de execução indi­vidual da sentença condenatória genérica poderá ser formulado perante o foro do domicílio do beneficiário, além de poder ser formulado no pró­prio foro onde se formou o título, ou, ainda, perante o foro do local onde estão os bens ou onde reside o devedor (art. 475-P, do CPC);

xii) o titular de direito individual poderá optar pelo foro, dentre os men­cionados no tópico anterior;

xiii) além da liquidação movida pela própria vítima, o coe admite seja formulado pedido de liquidação e de execução por um dos colegitima­dos do art. 82 do CDC. Diz-se, então, que a liquidação pode ser individual ou coletiva;

xiv) não há propriamente uma ação coletiva no caso de #liquidação cole­tiva". Trata-se, na verdade, de uma situação de representação proces­sual, em que o ente legitimado em lei age em nome das próprias vítimas;

xv) a jurisprudência consagrou uma ordem de preferência, afirmando que a liquidação individual é prioritária em relação à mencionada liqui­dação coletiva;

xvi) há, ainda, a possibilidade de uma liquidação e execução que tem sido chamada de subsidiária. É a que ocorre quando passado o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, nos termos do art. ioo do CDC;

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xvii) a vítima não é legitimada para a liquidação subsidiária, que só pode ser promovida pelos legitimados do art. 82 do CDC;

xviii) o montante, no caso da liquidação subsidiária do art. 100 do coe, reverterá para o fundo criado pela Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985;

xix) trata-se de uma reparação fluída (fluid recovery), utilizada para não deixar sem responsabilização aquele que causou o dano transindividual. Justifica-se, ainda, pelo fato de que os beneficiários do dano podem não ter sido identificados, ou, ainda, em função de ser de pequena monta o prejuízo individual, o que não estimula as vítimas a comparecer em juízo. Note que o prejuízo individual pode ser insignificante, mas o dano globalmente causado ser considerável.

12. PRESCRIÇÃO

É imprescritível a pretensão de reparar danos a interesses tran­sindividuais, segundo o entendimento dominante, com exceção da pretensão reparatória relacionada a direitos individuais homogêneos.

Por exemplo, a pretensão à reparação de danos ambientais é imprescritível, considerando o fato de que o direito tutelado é fundamental e o bem jurídico é indisponível e relacionado à vida e

à saúde.

O regime de imprescritibilidade também tem por fundamento o fato de que o titular do direito de ação não é titular do direito mate­rial. Não é justo, portanto, que sua eventual inércia venha a propiciar o perecimento de direitos tão essenciais.

A propósito, assim se pronunciou a Segunda Turma do STJ (REsp

1120117 /AC):

uo direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito ine­rente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em texto legal.

Em matéria de prescrição cumpre distinguir qual o bem jurí­dico tutelado: se eminentemente privado seguem-se os pra­zos normais das ações indenizatórias; se o bem jurídico é indisponível, fundamental, antecedendo a todos os demais direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer, considera-se imprescritível o direito à reparação.

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O dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental".

Por fim, é bom frisar que o prazo prescricional para o ajuiza­mento de demanda coletiva referente a direitos individuais homo­

gêneos é de cinco anos, por aplicação analógica do art. 21 da Lei

4.717/65, conforme tem decidido o STJ.

Também é de cinco anos o prazo para a liquidação e a execu­ção a serem movidos pelas vítimas ou em prol delas, contado do trânsito em julgado da sentença condenatória.

Em síntese, pode ser estabelecido o seguinte quadro:

i) são estabelecidos prazos prescrionais no caso de ação de improbi­dade administrativa (art. 23 da Lei n. 8.429/92). Ou seja, a ação civil pública por ato de improbidade administrativa tem que ser movida em determinado lapso temporal, sob pena de prescrição;

ii) é imprescritível a pretensão de ressarcimento ao erário, decorrente de ato de improbidade administrativa, por força do que estabelece o art. 37, § 5°, da CRFB. Assim, praticado ato de improbidade administra­tiva, pode subsistir apenas a possibilidade de ajuizamento de ação de ressarcimento ao erário;

iii) a pretensão de reparação de danos ao erário, que não seja decor­rente de ato de improbidade administrativa (p. ex., decorrente de um acidente), prescreve em cinco anos, inclusive pela aplicação do art. 19

da Lei da Ação Popular;

iv) é imprescritível a pretensão de reparação de danos a interesses difusos e coletivos no sentido estrito. Por exemplo, não prescreve a pretensão de reparação de danos ambientais;

v) no caso de ação consumerista, é imprescritível a pretensão de lesão a interesses difusos, bem como não se fala em prescrição no caso de pretensões preventivas ou inibitórias;

vi) em típica ação de consumo, que envolve o fornecedor e o consumi­dor, o prazo prescricional é de cinco anos, por aplicação do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor;

vii) no caso de execução individual de sentença proferida em ação cole­tiva, aplica-se o prazo de cinco anos, contado a partir do trânsito em julgado da ação coletiva. Ou seja, a pretensão de reparação a direito individual prescreve.

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